transformações no mercado de turismo provocadas pela

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Universidade de São Paulo - USP Escola de Comunicações e Artes - ECA Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo Curso de Especialização em Gestão Integrada da Comunicação Digital em Ambientes Corporativos - Digicorp Transformações no mercado de turismo provocadas pela valorização do capital social em rede: estudo de caso do TripAdvisor e Airbnb Renato Santoliquido Davini São Paulo 2014

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Page 1: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

Universidade de São Paulo - USP

Escola de Comunicações e Artes - ECA

Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo

Curso de Especialização em Gestão Integrada da Comunicação Digital em

Ambientes Corporativos - Digicorp

Transformações no mercado de turismo provocadas pela valorização do

capital social em rede: estudo de caso do TripAdvisor e Airbnb

Renato Santoliquido Davini

São Paulo

2014

Page 2: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

Renato Santoliquido Davini

Transformações no mercado de turismo provocadas pela valorização do

capital social em rede: estudo de caso do TripAdvisor e Airbnb

Monografia apresentada à Escola de Comunicações e Artes da

Universidade de São Paulo em cumprimento parcial às

exigências para obtenção do título de especialista em Gestão

Integrada da Comunicação Digital nas Ambientes Corporativos,

sob orientação do Prof. Dr. Marcelo Coutinho Lima.

São Paulo

2014

Page 3: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

Autorizo a reprodução total ou parcial deste trabalho por qualquer meio

convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada

a fonte.

Santoliquido Davini, Renato

Transformações no mercado de turismo provocadas pela valorização do

capital social em rede: estudo de caso do TripAdvisor e Airbnb.

Renato Santoliquido Davini: orientador Marcelo Coutinho Lima – 2014, 82 fls

Monografia (Especialização Lato Sensu) – Escola de Comunicações e Artes,

Universidade da São Paulo, 2014.

Palavras-chave: sociedade em rede; Cibercultura; empoderamento do

consumidor; abundância de informações; cibercapitalismo; crowdsourcing;

Cauda Longa; capital social; turismo.

Page 4: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

Transformações no mercado de turismo provocadas pela valorização do

capital social em rede: estudo de caso do TripAdvisor e Airbnb

Renato Santoliquido Davini

Monografia apresentada à Escola de Comunicações e Artes da Universidade

de São Paulo como requisito básico para obtenção de título de especialista

em Comunicação Digital.

Aprovado em _____ de _________________ de 2014.

Aprovado por:

______________________________________________

______________________________________________

______________________________________________

Marcelo Coutinho Lima

São Paulo

2014

Page 5: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

Agradecimentos

Minha gratidão a todos que me suportaram durante todo o percurso até a

conclusão deste trabalho.

Aos mestres que me apoiaram e ajudaram na concepção do mesmo, em

especial ao meu orientador, Marcelo Coutinho Lima.

Aos colegas de sala, que de tantos debates acabaram por engrandecer o

conhecimento somado no curso.

Aos amigos, que souberam meditar a falta de tempo livre e certamente vão

encontrar um Renato mais feliz e satisfeito nos próximos encontros.

À família, pelo amor dedicado e suporte durante toda a minha formação.

À namorada, que muito sofreu na ausência, mas sempre manifestou apoio

em todos os momentos.

E, especialmente, à Natalia Rosenberg Kuschnaroff, grande amiga, que

faleceu nos dias finais de composição desta monografia e deixa muita

saudade.

Page 6: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

 

Resumo

Estudo sobre os impactos provocados pela abundância da informação

no mercado de turismo, sob o viés do empoderamento do indivíduo e sua

atuação na rede. Busca-se elencar os principais fenômenos provocados pela

sociedade em rede e seus impactos no mercado de turismo, para assim

analisar o modelo de negócio de Tripadvisor e Airbnb sob o viés da

maturação digital dessas plataformas, donas de um sistema peculiar e

inovador para valorização do capital social gerado nelas.

Palavras-chave: sociedade em rede; Cibercultura; empoderamento do

consumidor; abundância de informações; cibercapitalismo; crowdsourcing;

Cauda Longa; capital social; turismo.

ABSTRACT

Study on the impacts caused by the abundance of information in the

tourism market, under the bias of the empowerment of the individual and his

performance on the network. Seeks to list the main phenomena caused by the

network society and its impact on the tourism market, so to analyze the

business model of Tripadvisor and Airbnb in the maturation of these digital

platforms, owners of a unique and innovative system for recovery of the bias

social capital generated in their platforms.

Keywords: network society; consumer empowerment; abundance of

information; cibercapitalism; crowdsourcing; Long Tail; social capital; tourism.

Page 7: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

   

Lista de abreviaturas e siglas

WTTC World Travel and Tourism Council

UNWTO United Nations World Tourism Organization

OMT Organização Mundial do Turismo

IDC International Data Corporation

AOL America Online

P2P Peer to Peer

Page 8: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

 

Sumário

Introdução ..................................................................................................... 1

1. O turismo hoje, principais mudanças e necessidades por trás deste mercado ......................................................................................................... 4

1.1. Turismo como mercado: o desejo contemporâneo por viajar e conhecer novas

experiências ............................................................................................................................. 6

1.2. Entendendo a necessidade por viagens ........................................................................... 7

1.2.1. Das necessidades por fisiologia e segurança ............................................................... 8

1.2.2. Das necessidades sociais e por estima ......................................................................... 9

1.2.3. Das necessidades por realização pessoal .................................................................. 11

1.3. O desejo por trás de uma viagem: alimentar uma busca interior ................................... 12

2. O consumidor do turismo na era digital: principais aspectos sobre a influência da rede ....................................................................................... 13

2.1. Cadeia de valor do mercado de turismo no ambiente digital .......................................... 13

2.2. Funil de compra do turismo: antes e depois da escala digital ........................................ 14

2.3. O Loop da Lealdade e o fim da visão linear sobre o consumo ....................................... 18

3. Cibercaptalismo e a economia da informação ..................................... 23

3.1. Os novos paradigmas da economia da abundância ....................................................... 25

3.2. Capacidade de organização como diferencial competitivo ............................................. 32

3.3. Ação coletiva em torno de um interesse ......................................................................... 34

3.3.1. Organização coletiva no setor de Turismo, apresentação do TripAdvisor e seu modelo

de negócio baseado na participação ..................................................................................... 38

3.4. Fragmentação de mercado e a projeção da Cauda Longa ............................................ 42

3.4.1. Além dos agregadores: o Airbnb como viabilizador de um novo mercado .................. 45

3.5. Confiança na rede como força emergente do mercado de turismo ................................ 49

3.6. Modelo de estudo sobre os paradigmas da sociedade em rede e a valorização da

informação em plataformas de turismo ................................................................................. 52

4. Abordagem contemporânea do Capital Social .................................... 54

4.1. Definições acerca do capital social ................................................................................. 54

Page 9: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

 

4.2. O capital social e o fenômeno da sociedade em rede: o modelo de organização de

interesses do TripAdvisor ...................................................................................................... 57

4.3. Controle, fortalecimento de laços e direcionamento aspiracional como fomento a criação

de capital social para realização de negócios no Airbnb ....................................... 62

Considerações finais................................................................................... 68

Referências bibliográficas ......................................................................... 71

Sitografia ..................................................................................................... 73

Page 10: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  1  

Introdução

O ato de viajar é essencialmente burguês e somente pode ser

massificado após uma série de avanços sociais e industriais – como o fim

das guerras mundiais e o advento da aviação comercial –, sua forma

comercial, o turismo, vive uma nova fase de transformações em decorrência

da sociedade hiperconectada.

As relações humanas sofreram profundas alterações com do acesso e

as constantes inovações tecnológicas das últimas décadas. Portanto, toma-

se como premissas alguns fatores que determinam o impacto direto deste

avanço. Dentre eles, o aumento crescente no processamento de dados

digitalizados, o que garante acesso a uma infinidade de dados e cruzamentos

informacionais; a Sociedade em Rede1, cujo avanço é cada vez mais latente

e viabiliza um maior número de conexões pessoais e melhor arranjo em torno

de seus interesses; e, por fim, a possiblidade que a tecnologia e a rede

oferecem para que todo indivíduo ou organização possa terceirizar sua

memória, o que acaba por projetar ainda mais as relações humanas na rede.

Unir as transformações sociais provocadas pela tecnologia com os

seus impactos no mercado de turismo é a base deste trabalho. O primeiro

capítulo busca traçar um olhar sobre a essência do turismo, partindo das

necessidades que impulsionam uma viagem, com base em leituras

mercadológicas e filosóficas para entender esse desejo.

Em seguida, no segundo capítulo, busca-se concatenar diferentes

abordagens sobre o ritual de consumo para um melhor entendimento sobre a

cadeia de valor do mercado de turismo. Será mostrado que o consumidor de

hoje encara suas decisões transacionais sob uma lógica não hierárquica,

sugerindo uma nova visão sobre os caminhos percorridos e também novos

pesos sobre cada etapa.

                                                                                                               1  Este  conceito  será  aprofundado  mais  adiante.  2  Do  original,  Loyalty  Loop.  3  Este  conceito  será  aprofundado  mais  adiante.  4  Também  conhecida  como  Pirâmide  de  Maslow  5  Citação  original:  “But  the  long-­‐term  pricing  trends  are  determined  by  the  technology  itself  –  the  more  there  is  of  a  commodity,  the  cheaper  it  will  be.”  (ANDERSON, 2009, p.93)  6   A questão da neutralidade da rede é considerada pelo autor, mas não será posta em foco neste trabalho.  7 Citação original: “Social capital is the aggregate of the actual or potential resources which are linked to possession of a durable network of more or less institutionalized relationships of

Page 11: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  2  

Essa passagem já começa a indicar uma influência da rede na cadeia

de consumo. O Loop de Lealdade2 (tradução do autor) é uma reinterpretação

do Funil de compra e parte de uma dinâmica circular. A quebra da linearidade

desse trajeto – criado no século XIX – sugere uma ideia de ciclo contínuo e

tem como premissa o consumidor hiperconectado, que convive com muito

mais informações e as manipula diariamente.

Dessa forma, inicia-se o terceiro capítulo com o objetivo de apontar os

fenômenos ocasionados pelo avanço digital e como eles podem ser lidos

como fatores competitivos para negócios no mercado de turismo baseados,

mais precisamente para plataformas de turismo. Sendo estes fatores a

organização de informações, a ação coletiva e o estímulo a projeção da

Cauda Longa3.

Como forma de mostrar a eficiência dos fatores levantados, serão

usados dois modelos de negócio como objetos de estudo para observação do

desenvolvimento do que será apresentado daqui em diante: o TripAdvisor,

plataforma que concentra avaliações de turistas sobre destinos, atrações e

hospedagens; e o Airbnb, um agregador de pessoas dispostas a oferecer

espaço domiciliar para hospedar turistas.

O cruzamento entre sociedade em rede e mercado de turismo deverá

culminar na formação de um modelo de estudo que procura organizar os

fatores competitivos supracitados. Somar-se-á a este modelo a questão da

emancipação da confiança entre usuários como indício comportamental que

ajuda a explicar o sucesso de Airbnb e TripAdvisor.

As tentativas de agregar valor às interações correntes entre usuários é

o tema do quarto e último capítulo, que é dedicado a uma abordagem do

conceito de capital social projetado na rede, cuja análise sob o viés do

modelo de negócio de TripAdvisor e Airbnb só vem a legitimar as vantagens

competitivas dessa duas plataformas, que escalam seu circuito de

informações sob perspectivas diferentes, mas que partem dos mesmos

denominadores.

                                                                                                               2  Do  original,  Loyalty  Loop.  3  Este  conceito  será  aprofundado  mais  adiante.  

Page 12: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  3  

Enfim, a etapa conclusiva deste trabalho se dedica a fazer reflexões

sobre o caminho percorrido para provar a capacidade de inovação provocada

pelas duas plataformas e como são influenciadas pela escalada do

capitalismo informacional, hiperconexão social e empoderamento do

indivíduo a partir da confiança interpessoal possibilitada pela rede – que

emancipa pessoas antes desconhecidas ao ponto de serem consideradas

ótimas fontes de informações e até aptas para realização de negócios.

Page 13: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  4  

1. O turismo hoje, principais mudanças e necessidades por trás deste mercado

O termo turismo possui suas origens no século XIX, porém esta

atividade estende suas raízes pela história. Certas formas de turismo existem

desde as mais antigas civilizações, mas foi a partir do século XX, mais

precisamente após a Segunda Guerra Mundial, que o turismo em escala se

desenvolveu.

O Doutor em geografia e economia, Helton Ouriques, em sua obra A

produção do turismo – fetichismo e dependência, levanta os principais fatores

que tornam o turismo viável como mercado e escalável mundialmente.

O turismo começa a existir enquanto atividade econômica, no momento em que os

equipamentos de transporte, comunicação e hospedagem foram se instalando nos territórios.

Essa atividade é tão flexível quanto a sociedade, e ela vinha se transformando na medida em

que as estruturas sociais modificam suas dinâmicas de funcionamento. (OURIQUES, 2005,

p.30).

No entanto, até algumas décadas atrás, a participação no turismo

estava restrita a uma elite, que dispunha de tempo e de dinheiro para realizar

suas viagens. Atualmente, turistas se deslocam por vários fatores que

permitem o seu distanciamento de sua casa e rotina, objetivando o seu bem

estar e constituindo parte do estilo de vida capitalista.

Segundo a WTTC, em 2013, a contribuição direta do mercado de

Viagens e Turismo – que contempla o mercado de hotelaria, transporte,

entretenimento, atrações voltadas para o turismo, entre outros – movimentou

1,9 trilhões de dólares no mundo todo. O valor representa 2,8% do Produto

Global Bruto. Considerando a contribuição indireta, que contempla os

mercados de bens não duráveis, empreendimentos comerciais, como

restaurantes, eventos e demais estruturas realizações turisticas, além do

investimento governamental nessa área; este mercado foi responsável pela

movimentação de 6,3 trilhões de dólares, ou 9,1% do produto global bruto

(World Travel and Tourism Council Competitives Report, 2013. pp. xxiii).

Além disso, são mais de 254 milhões de empregos direta e

indiretamente criados em 2013, correspondendo a 8,7 % do total de

Page 14: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  5  

empregos gerados ao redor do mundo. No mesmo ano foram investidos mais

de 743 bilhões de dólares nesse setor, em torno de 4,9% do total de

investimentos movimentados mundialmente (idem, 2013. pp. xxiii).

Os países que mais movimentam turistas indicam que não há

necessariamente uma relação entre desenvolvimento e potencial turístico em

uma nação, como demonstra a tabela abaixo.

Tabela 1.1 – Classificação dos principais países-destino de turistas no

mundo, entre 2007 e 2010.

Posição País

Chegadas de

turistas

internacionais em 2010

Chegadas de

turistas

internacionais em 2007

Variação

2007 - 2010

1 França 76,8 80,9 -5,07%

2 Estados Unidos 59,7 58,7 1,70%

3 China 55,7 54,7 1,83%

4 Espanha 52,7 56 -5,89%

5 Itália 43,6 43,7 -0,23%

6 Reino Unido 28,1 30,9 -9,06%

7 Turquia 27 22,2 21,62%

8 Alemanha 26,9 24,4 10,25%

9 Malásia 24,6 21 17,14%

10 México 22,4 21,4 4,67%

Total mundial 940 904 3,98%

Fonte: UNWTO, Tourism Highlights - 2011 Edition   (June   2011).  Organização Mundial de

Turismo.   Disponível:   <   http://mkt.unwto.org/sites/all/files/docpdf/unwtohighlights11enhr.pdf..>.

Acesso em: Agosto de 2014.

Page 15: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  6  

Dentro de seu mercado mundialmente relevante, o turismo é praticado

em diversas escalas e cresceu muito após o período de industrialização,

possuindo um grande potencial de expansão a partir do aumento da

concentração de renda nas classes médias e nos países estáveis

economicamente (OMT, 2011).

Adiante serão expostas quais são as motivações contemporâneas

ligadas ao desejo de viajar. Depois, como os fenômenos comunicacionais e

culturais provocados pela sociedade em rede contribuem para o aumento e

transformações desse mercado.

1.1. Turismo como mercado: o desejo contemporâneo por viajar e conhecer novas experiências

O ato de viajar é uma das atividades mais recompensadoras enquanto

experiência de consumo. Sua consumação é influenciada pela escala

tecnológica, mas sua essência vivencial se mantém fiel às bases ancestrais

que moldaram a civilização ocidental, como procura demonstrar o filósofo

Alain de Botton: “Se nossas vidas são dominadas pela busca da felicidade,

talvez poucas atividades revelem tanto a respeito da dinâmica desse anseio

— com toda a sua empolgação e seus paradoxos — quanto o ato de viajar.”

(DE BOTTON, 2012, p.17).

O ato de viajar envolve uma série de trocas e geração de valores. Por

isso, a cadeia por trás de uma viagem pode também ser vista como parte do

mercado de turismo. A OMT define o turismo como o conjunto de “atividades

que as pessoas realizam durante suas viagens e permanência

em lugares distintos dos que vivem, por um período de tempo inferior a um

ano consecutivo, com fins de lazer, negócios e outros” (OMT, 1995, p.10).

A definição é genérica e abrangente, pois o mercado de turismo se

ampliou muito após a estabilização da sociedade de massa pós-industrial,

onde indivíduos possuem mais tempo livre e direitos para gozar do dinheiro

que arrecadam. Como sustenta o sociólogo Jofre Dumazedier, autor do livro

Lazer e Cultura Popular, “a diminuição da duração do trabalho iria

Page 16: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  7  

desenvolver-se, aos poucos, na classe operária, uma aspiração pelo lazer,

mais ampla e também mais profunda” (DUMAZEDIER, 2001, p.265) – ou

seja, o aumento populacional e a concentração de renda da classe média

urbana fizeram do ato de viajar um bem acessível.

Com tempo e dinheiro somados a fatores globais, como o fim das

Guerras Mundiais, a globalização, o acesso massivo à aviação comercial e o

desenvolvimento de modelos de mídia de massa, favoreceram a criação de

uma cultura de consumo na classe média assalariada, à qual o turismo passa

a fazer parte do seu rol de bens e parte da busca desenfreada pela qualidade

de vida.

1.2. Entendendo a necessidade por viagens

O turismo segue a lógica capitalista como produto fruto de uma cadeia

de valor capaz de suprir uma série de necessidades humanas, como se pode

observar a partir da Pirâmide de Hierarquia de Necessidades 4 concebida

pelo psicólogo Abraham Maslow (1943) – um dos modelos mais tradicionais

de categorização de desejos –, que ajuda a entender como esse mercado se

desenvolve e a quais níveis hierárquicos de necessidades humanas ele

atende.

                                                                                                               4  Também  conhecida  como  Pirâmide  de  Maslow  

Page 17: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  8  

Figura 1.2.1. – Pirâmide de Maslow.

Fonte: MASLOW, Abraham H. A Theory of Human Motivation (1943), gráfico criado pelo

autor.

1.2.1. Das necessidades por fisiologia e segurança

Uma viagem, enquanto deslocamento, contempla a busca por

necessidades fisiológicas e de segurança, mas não é feita para sanar tais

desejos especificamente. Por mais que sem segurança e condições

fisiológicas não há turismo, não é possível imaginar um mercado massivo e

global que desconsidere fatores básicos para a sua realização, como

estrutura de hospedagem, transporte, saneamento, alimentação, etc.

Uma viagem de turismo é acima de tudo, um ato de lazer. Não é

concebível que um turista médio viaje em busca de abrigo, por exemplo. O

turista tem objetivos ligados a negócios ou diversão e, num limite, isso pode

ser alcançado através de fugas ou rupturas com a sua realidade, sendo o

retorno uma marca do ato de viajar – de outra maneira, o turista poderia ser

considerado um refugiado ou migrante.

Page 18: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  9  

Necessidades ligadas a base da Pirâmide de Maslow podem sim ser

um principal motivador para o turismo. Existe um mercado onde o objeto de

turismo se encerra na própria estrutura de hospedagem. Também é preciso

levar em conta o turismo gastronômico, no qual a alimentação é o principal

motivo para a viagem. Mas seria limitador considerar que, por exemplo, a

necessidade para matar a sede e assegurar o preparo físico fazem milhares

de pessoas viajarem para regiões vinícolas ou para SPAs.

A finalidade da viagem pode até ser arraigada em necessidades

fisiológicas e de segurança – inclusive, considera-se condições adversas

como parte do lazer –, mas certamente, o ato de viajar também está ligado

muito mais às necessidades apresentadas no topo da pirâmide.

1.2.2. Das necessidades sociais e por estima

A partir do terceiro e quarto degraus da Pirâmide de Maslow, já se

começa a ligar o comportamento do viajante com respostas ligadas às

necessidades mais supérfluas e, ao mesmo tempo, mais contemporâneas à

sociedade urbana e pós industrial. Aqui identificamos o valor que a

experiência de viagem conjuga ao viajante.

Dentro das necessidades sociais, uma viagem é prioritariamente um

ritual de esvaziamento e preenchimento. O turista se desloca para uma

cultura diferente da sua para descobrir e vivenciar algo novo. No que diz

respeito a necessidade por relacionamentos pessoais (a amizade e a

intimidade sexual), vale abrir uma reflexão sobre as viagens feitas sem

companhia, aquelas feitas com entes conhecidos e aquelas onde o viajante

se empenha em socializar com seu entorno.

De Botton expõe que a viagem feita solitariamente tem uma proposta

inabalável: a possibilidade de manter a personalidade imaculada – que de

certa forma se “blinda” diante da interferência direta de pessoas às quais não

se poderia ignorar se estivesse realizando uma viagem acompanhado.

Viajar sozinho parecia uma vantagem. Nossa reação ao mundo é decisivamente

moldada pelas pessoas que nos acompanham, trabalhamos nossa curiosidade para nos

adaptarmos às expectativas de outros. Eles podem ter uma visão específica a nosso

Page 19: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  10  

respeito, impedindo sutilmente que se manifestem certos aspectos de nossa personalidade

[...] Observados de perto por alguém, podemos nos sentir inibidos quanto à observação de

outros, preocupados em nos adaptar às perguntas e aos comentários de quem nos

acompanha, compelidos a parecer mais normais do que seria bom para nossa curiosidade.

(DE BOTTON, 2012, p.187)

No entanto, cabe colocar que a companhia muitas vezes motiva uma

viagem e, por mais que a preservação da personalidade e o zelo com a

curiosidade individual sejam questões relevantes, muitas vezes estas não

superam a necessidade de acompanhamento para compartilhar os benefícios

de uma viagem.

Já as necessidades por estima são preenchidas numa viagem a partir

do momento em que o turismo é assimilado como serviço de troca de

contextos e rotinas. Uma pessoa viaja por inúmeras finalidades, mas em

todas estará abrindo mão da sua zona de conforto e colocará em prova sua

confiança, inteligência, agilidade e disposição.

Ao aceitar uma viagem, o turista será justamente um estranho e

precisa arcar com os benefícios e malefícios que essa condição venha a lhe

trazer. Ele participa de um ritual de desbravamento, há um papel fundamental

do novo entorno em ser assimilável ou, ao menos, compreensivo para que o

turista o explore. E esse ritual de ser um estranho num ambiente adverso que

traz o encanto do turismo, podendo ser colocado em paralelo com a

comunicação humana contemporânea, como pontua Pierre Lévy no artigo A

revolução contemporânea em matéria de comunicação:

A frequência crescente das nossas viagens, a eficiência e o custo decrescente dos

nossos meios de transporte e de comunicação, as turbulências de nossas vidas familiares e

profissionais, fazem-nos explorar progressivamente um terceiro estado, “móvel”, na

sociedade urbana mundial. Esta nova condição “móvel”, multiplicando os contatos, contribui

para o reencontro e a reconexão da humanidade consigo mesma. (LÉVY, 1999, p.186-187)

Para o filósofo francês, o reencontro do indivíduo consigo mesmo é

possibilitado pelo surgimento de novos meios de comunicação e crescente

inovação tecnológica, o que acaba por aumentar o preenchimento de

necessidades sociais – como, por exemplo, na conexão com pessoas, novos

códigos assimilados, ritual de desbravamento e coleta de informação sobre

Page 20: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  11  

lugares – e de reconhecimento e estima, que pode ser visto no ato de

compartilhar e contar a história de uma viagem para os outros.

O autor será revisitado mais adiante, na questão da Cibercultura como

conceito e as eventuais definições e influências da sociedade

hiperconectada, onde o mercado de turismo será posto sob análise; mas por

hora, usa-se o ponto de vista sobre o turismo e a realização social

explanados por Lévy, que são suficientes para se concluir que há uma

grande relação entre o ato de viajar – a sua condição móvel – com os

desejos da sociedade contemporânea.

1.2.3. Das necessidades por realização pessoal

A camada mais alta ligada à realização pessoal é descrita por Maslow

como uma etapa onde o desejo é "ser tudo o que somos capazes de ser,

desenvolver os nossos potenciais" (MASLOW, 1943). Nota-se que o impacto

de uma viagem não leva necessariamente à igualdade social ou à ausência

de preconceito e pleno bem estar social – necessidades também encontradas

no quinto degrau da Pirâmide de Maslow.

Considera-se que enquanto turistas, há uma sublimação desse tipo de

desejo uma vez que a experiência da viagem dá menos peso aos

sentimentos de igualdade, justiça e moralidade – de outra forma, turistas de

países de primeiro mundo não iriam se interessar em visitar países de

terceiro mundo.

O tempo gasto numa viagem, justamente por ser dedicado a uma nova

rotina e a um novo contexto de vida, tende a garantir maior espontaneidade,

novas descobertas e a abertura de uma mente mais criativa, influenciada

pela troca de contextos. Portanto, a necessidade por realização pessoal é

preenchida pelo turismo num âmbito muito mais ligado à abertura de novas

possiblidades e novas experiências do que em relação à harmonia e à

supressão de problemas morais e sociais.

Page 21: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  12  

1.3. O desejo por trás de uma viagem: alimentar uma busca interior

Como conclusão, há no turismo um dos poucos mercados – se não o

único – com total capacidade para nutrir todas as necessidades da Pirâmide

de Maslow em escalas diferentes. Porém, com a possibilidade de legitimação

de cada uma delas. São supridas inúmeras necessidades ao viajar e isso faz

de tal mercado ser tão interessante para o capitalismo.

No mercado de turismo notam-se diversos produtos e serviços

consumidos, mas o que realmente se procura é o todo que eles representam:

uma experiência de vida por um período de tempo limitado. O ato de viajar,

como insinua De Botton, é muito mais ligado a um exercício mental, que pode

significar em outras palavras “o estado de espírito do viajante”.

O prazer que extraímos das viagens talvez dependa mais do estado de espírito em

que viajamos do que do destino. [...] Se pudéssemos aplicar o estado de espírito de quem

viaja aos nossos lugares, constataríamos que esses lugares não são menos interessantes do

que os desfiladeiros em montanhas altas e as florestas cheias de borboletas da América do

Sul vista por Humboldt. (DE BOTTON, 2012, p.184)

Este estado de espírito não é provocado pela compra de uma

passagem ou após um jantar numa viagem, mas pela consumação do ato de

viajar e todas as sensações que ele evoca. O todo possui um efeito muito

superior ao que é individual. Portanto, por trás de todas as necessidades que

uma viagem pode suprir, sair em busca de algo novo para dar conta do

tempo ocioso vêm do desejo de preenchimento interior, mais que um produto

ou serviço, compra-se uma experiência de vida.

Page 22: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  13  

2. O consumidor do turismo na era digital: principais aspectos sobre a influência da rede

Aqui, o objetivo é compreender o comportamento do consumidor na

era digital, que precisa lidar com inúmeras decisões e, para tanto, assimila e

usa as informações disponíveis de uma maneira inédita nos anos recentes.

Inicia-se esse capítulo com um olhar próximo da cadeia de valor do

mercado de turismo, que mostrará a pluralidade de transações envolvidas no

consumo do turismo. Será mostrado como o excesso de compras é maior

que o período dedicado a viagem e como isso pode ser beneficiado pela

facilidade de acesso a informação provocada pela rede.

Em seguida, o olhar será direcionado para o consumidor sob a

perspectiva do mercado. Uma série de transformações marcaram o processo

de tomada de decisão e a emancipação da sociedade em rede é o principal

deles. O cenário digital coloca o ritual de consumo sob uma nova perspectiva:

agora mais circular e não hierárquica, como era sugerido desde o século XIX.

Este novo consumidor tem mais poder e quer se relacionar mais com

as marcas, ele recebe inúmeras mensagens e pesquisa informações com

frequência, confiando mais em opiniões pessoais do que naquelas

propagandeadas. Os novos paradigmas de mercado que serão apresentados

adiante são essenciais para compreensão das transformações provocadas

pela rede no mercado de turismo, que serão abordados na terceira parte

deste trabalho.

2.1. Cadeia de valor do mercado de turismo no ambiente digital

Uma viagem é um conjunto de serviços adquiridos em diversas

etapas, cujas fontes de consumo são descentralizadas e horizontais.

Consideram-se as fontes descentralizadas, pois a cadeia de consumo se

divide em mercados de oligopólios, como o de passagens aéreas, e ora em

mercados extremamente pulverizados, como o de agências de turismo.

Page 23: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  14  

E são horizontais, já que uma viagem é um serviço com alto poder de

customização e cuja de valor vai além da viagem em si. Há um “antes”, um

“durante” e um “depois”, que são desfrutados em diferentes setores ao longo

de cada processo.

Figura 2.1.1. Cadeia de Valor do mercado de turismo.

Antes Durante Depois

Reserva Transporte Provisão

de recursos

Transpor

te

Atrações Compras

/ consumo

Conversões Avaliação

Hotéis,

pacotes

Passagens

aéreas e

outros

modais

Moedas,

documentaçã

o

Deslocame

n-tos

locais

Passeios,

construçõ

es,

natureza,

etc.

Presentes,

refeições

Moedas,

milhagem

Resenhas,

avaliações

Fonte: gráfico feito pelo autor.

Por mais que encontre-se iniciativas de verticalização, como a venda

de pacotes completos de viagem (passagem, estadia e passeios),

indiretamente não é possível condensar todos os serviços que uma viagem

oferece. Portanto, para não consumir a análise em todos os mercados

envolvidos pelo turismo, a seguir, será mostrado como a digitalização do

Marketing infere nos processos de aquisição de uma viagem.

2.2. Funil de compra do turismo: antes e depois da escala digital

No ano de 1898, Elias St. Elmo Lewis, publicitário americano,

concebeu uma linha de pensamento para orientar marcas a entender as

etapas de uma venda e poder concentrar esforços diferentes para momentos

diferentes da relação entre consumidor e marca. Essas diretrizes foram

assimiladas na época e, em 1925, reunidas por Edward K. Strong, que

Page 24: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  15  

condensou os pensamentos de Lewis no formato que hoje é conhecido por

modelo AIDA.

Figura 2.2.1. – Modelo AIDA.

Fonte: STRONG, Edward K. Strong. The Psycology of selling and advertising (1925), gráfico

criado pelo autor.

Lewis resumia os propósitos do modelo AIDA em uma frase: “Consiga

atenção, mantenha o interesse, crie desejo e incentive a ação” (LEWIS,

1898). As etapas do modelo, que também pode ser entendido como “Funil de

Compra”, podem ser analisadas de maneira mais criteriosa individualmente e

até hoje mantém suas bases atuais.

A busca por atenção sugere que uma marca procure estar onde seu

consumidor está e, a partir desse ponto de contato, estabeleça uma linha de

comunicação com ele. A etapa de interesse começa no momento em que o

consumidor entende as características sobre o produto ou serviço e pode ser

estimulado a priorizar uma marca da outra a partir do trabalho de diferentes

mensagens que o conectem com a marca.

Atenção

Intenção

Desejo

Ação

Page 25: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  16  

Já o desejo pode ser estimulado através de inovações de produto,

propostas diferenciadas de comunicação e/ou posicionamento. E a etapa de

“Ação” tem como principal característica a criação de uma oferta que se

mostre irresistível ao consumidor.

No entanto, entre uma etapa e outra do AIDA outras podem ser

abertas, como consequência da profissionalização do Marketing e do

aumento de pontos de contato do consumidor, prioritariamente da acessão

da TV e Rádio como meios de grande alcance e considerando a ascensão e

influência da mídia digital.

Kotler e Keller (2012) elencam outros modelos que foram

estabelecidos a partir da evolução do AIDA e que são baseados na sua

influência, sendo o principal deles, o Modelo de Hierarquia dos Efeitos, criado

por Robert Lavidge e Gary Steiner em 1961.

Figura 2.2.2. – Modelo AINDA X Modelo de hierarquia de efeitos.

Fonte: KOTLER, Philip & KELLER, K. L. Administração de Marketing (2012), gráfico criado

pelo autor.

A ampliação do Funil indica que o consumidor muda de

comportamento à medida que os estudos mercadológicos se sofisticam. As

etapas de Lavidge e Steirer podem ser tidas como uma visão mais

Atenção  

Intenção  

Desejo  

Ação  

Consientização  

Conhecimento  

Simpatia  

Preferência  

Convicção  

Ação  

Page 26: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  17  

segmentada e propícia à atuação mais qualificada, mas não fogem dos

preceitos de Lewis.

No entanto, as leituras sobre o movimento de consumo diante do novo

cenário midiático, onde o consumidor passa a usar a rede para consumir

informações e entrar em contato com opiniões de outras pessoas em maior

escala. A importância de serviços pós venda, que acenem para uma

continuidade do consumo através do relacionamento assumem uma grande

influência sobre futuras transações.

Neste cenário, a publicação Harvard Businnes Review (2006) propôs o

alongamento do Funil e a segmentação de esforços, dividindo atribuições de

competência do Marketing das que fazem parte da equipe de vendas.

Figura 2.2.3. – Funil de Compras, atribuições do Marketing e de Vendas.

Fonte: Harvard Business Review (2006). Disponível em: <http://hbr.org/web/special-

collections/insight/marketing-that-works/end-the-war-between-sales-and-marketing>. Acesso

em: Agosto de 2014.

Page 27: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  18  

Esse modelo sugere maiores esforços de vendas para a marca se

manter próxima ao consumidor após a compra, fazendo com que ele volte a

consumi-la ou recomende seus produtos. Antes de tomar uma decisão, o

consumidor conta com mais pontos de contatos para obter informações sobre

um produto e também ele qualifica esses pontos de contato e os emissores

dessas mensagens (amigos, imprensa, marcas, concorrentes, etc.) de

maneiras diferentes.

2.3. O Loop da Lealdade e o fim da visão linear sobre o consumo

O Funil de Compras ajuda a entender e diferenciar o que é de

responsabilidade do Marketing do que é de Vendas, mas sua projeção em

linha onde o consumo de mídia varia de acordo com as etapas e

considerando o duelo diário e agressivo pela atenção das pessoas em todos

os meios, não há como dizer que suas etapas são concomitantes. A

velocidade das informações e o dinamismo do mercado colocam em xeque a

lógica hierárquica para compreender o comportamento do consumidor.

A consultoria McKinsey (2012) realizou uma pesquisa com o caminho

até a compra de 20.000 consumidores, envolvendo cinco indústrias e três

continentes. E, como principal resultado, ela mostrou que a ideia de um

caminho reto até a tomada de decisão é falha no mercado contemporâneo.

Segundo a consultoria, o aumento de marcas diferentes, facilitado pela

ativação de novas mídias, faz com que o consumidor seja seletivo mesmo na

primeira etapa de “Atenção”. No entanto, ao entrar em estágios ligados à

consideração e preferência, onde o consumidor tende a aprofundar seus

conhecimentos sobre determinadas marcas, ele pode incluir uma nova

marca, já que volta a olhar ao setor com mais informações e decisões

estabelecidas.

Por fim, e como ponto mais relevante, a pesquisa realça o aumento do

poder do consumidor, cujas mensagens passam a exercer uma influência

maior do que as tentativas de conversas lideradas por marcas. Segundo a

Page 28: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  19  

McKinsey, dois terços dos pontos de contato acionados pelos pesquisados

durante o seu ritual de compra tinham a ver com o acesso a opiniões de

terceiros, como busca por resenhas de outros usuários e conversas com

amigos.

Figura 2.3.1. – Pontos de contato mais influentes (y) durante a jornada do

consumo (x).

Fonte: McKinsey 2012. Disponível em:

<http://www.mckinsey.com/insights/marketing_sales/the_consumer_decision_journey>.

Acesso em: Setembro de 2014.

O papel da pós venda, segundo o estudo, pode ter dois vieses

diferentes. Divide-se os consumidores interessados em benefícios após a

compra e também aqueles interessados em se relacionar com a marca. Essa

manutenção de relacionamento individual com os consumidores é um dos

maiores desafios para as marcas atualmente e, não era previsto no modelo

AIDA e em suas releituras.

Dessa forma, a sugestão da McKinsey está na criação de um ciclo de

consumo, que pode ser virtuoso em duas medidas: (i) a partir do momento

em que uma marca consegue figurar no painel de marcas consideradas – ou

Page 29: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  20  

entrar nesse rol antes da decisão final e se fazer consumida – e (ii) a partir do

momento em que, feita a compra, as marcas saibam como estimular o

relacionamento com consumidores para fazer com que eles retornem e

espalhe boas opiniões sobre ela. Considera-se não só que os consumidores

têm o poder de espalhar suas opiniões, mas que eles também esperam

respostas das marcas, o que torna um serviço de pós venda e presença

digital muitas vezes tão importante quanto a presença do produto nas lojas.

O modelo Loop da Lealdade propõe um ciclo que começa no

conhecimento da marca e que pode se tornar virtuoso a partir da recompra

ou da indicação para outras pessoas.

Figura 2.3.2. – Loop da Lealdade, ciclo virtuoso de consumo.

Fonte: McKinsey 2012 Disponível em:

<http://www.mckinsey.com/insights/marketing_sales/the_consumer_decision_journey>.

Acesso em: Setembro de 2014.

Este modelo considera apenas quatro etapas. A primeira diz respeito a

uma escolha inicial de marcas, baseado principalmente no conhecimento que

se tem do setor, o que poderia se passar pelas etapas de “Atenção” no

Page 30: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  21  

modelo AIDA. Acima de tudo, o início do ciclo trata o reconhecimento da

necessidade de consumo por marcas e não o seu conhecimento. Pressupõe-

se que, com tanta exposição, a necessidade já pode ser representada a partir

de uma seleção inicial de marcas, não havendo necessidades inéditas,

apenas novos estímulos.

A seguir, a etapa de “Avaliação Ativa” (Active Evaluation) considera a

postura ativa do consumidor na busca de informações e avaliações. Essa

etapa mescla as fases de Consideração e Desejo do AIDA, num exemplo

nítido de que o consumidor não se rege por etapas hierárquicas, mas conduz

a sua decisão num processo de organização individual em meio a tantas

informações.

A terceira etapa (Moment of Purchase) é um momento cada vez mais

frágil, já que a capacidade de interferência é maior nos dias atuais. Marcas

podem focar suas estratégias somente para essa etapa, oferecendo produtos

substitutos ou ofertas mais competitivas. Segundo a consultoria, muitas

vezes o esforço de levar o consumidor até a etapa final não é recompensado.

Feita a transação, começa a experiência com o produto, que, em um

cenário de “empoderamento” do consumidor, pode ser determinante para que

haja reincidência e para que a marca entre no rol de consideração inicial de

outras pessoas. Por mais que o tempo de consumo possa ser pequeno, as

percepções dos consumidores podem ficar registradas na rede e serem

acessadas a qualquer momento. Por isso, a reputação de uma marca é

fundamental para o seu sucesso. Dentro do viés do mercado de turismo, o

Loop de Lealdade possui grande relevância, já que ele considera a profusão

de mídias e a influência da opinião de terceiros durante a jornada de

compras.

É preciso ter em mente que a consumação de uma viagem começa na

decisão do destino final ou, ao menos, numa ideia do caminho que será

percorrido. Feita essa decisão é que se passa a adquirir os serviços para que

essa experiência tome forma. Dessa forma, podemos aplicar essa técnica

tanto para a decisão de destinos quanto para ocasiões mais transacionais da

viagem, como a compra de passagens e escolha de hotéis.

Page 31: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  22  

Entende-se que o modelo circular e com menos etapas que o Funil

(linear) coloca a mudança comportamental da sociedade em rede como força

transformadora no consumo. O excesso de informações e o poder de

influência das pessoas durante o processo de consumo serão analisados a

seguir junto aos fatores chave que fazem com que plataformas de turismo se

aproveitem destes fenômenos.

Page 32: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  23  

3. Cibercaptalismo e a economia da informação

Após uma análise do mercado de turismo, passando por suas

premissas básicas e uma visão contemporânea do comportamento

transacional do consumidor, beneficiado pela rede, busca-se agora entender

o fenômeno da conectividade dentro do mercado da informação e seus

impactos no capitalismo.

Informação e turismo hoje formam mercados completamente distintos

do que há 50 anos atrás. Além da questão das mudanças ocasionadas pela

tecnologia, a influência (direta e indireta) da informação no mercado de

turismo será posta em análise. O caminho desta leitura começa nas

transformações que fizeram da informação um fator disruptivo no sistema

capitalista e seguirá em direção aos novos paradigmas da informação e seus

impactos no mercado de turismo.

A principal resposta desse estudo não está no enquadramento do

mercado de turismo dentro de um esquema que dialogue com modelos de

análise de marketing clássicos, como as cinco forças de Porter, mas na

conjunção de fenômenos da sociedade em rede, que em um viés de negócio,

são fatores competitivos para a TripAdvisor e a Airbnb, duas plataformas de

grande projeção mundial no mercado de turismo, cujo modelo de negócio é

baseado no capitalismo informacional.

Para facilitar essa visão, ao final desse capítulo será criado um modelo

de estudo com os principais paradigmas que devem ser considerados para o

estudo dos modelos de negócio similares ao TripAdvisor e Airbnb

A primeira parte da análise será uma introdução ao cenário atual do

capitalismo informacional, cuja abundância proporcionada pela rede é capaz

de mudar uma série de indústrias e não só aquelas diretamente ligadas à

computação.

A seguir, inicia-se a análise com uma reflexão sobre o ideal de

organização do indivíduo da rede, um fenômeno enraizado na Cibercultura

(Lévy, 2010). Se em rede as informações compõem um sistema universal

sem totalidade, todos são atores na rede e dela podem extrair sua própria

ordem. Levando em conta de que uma viagem é consumida com

Page 33: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  24  

planejamento e pesquisas prévias, ou seja, informações antes para decidir

depois, a capacidade de organizar informações é encarada como vantagem

competitiva no mercado de turismo. Em seguida, mostraremos o fenômeno

da participação e capacidade de organização descentralizada. A partir de

interesses individuais e o oferecimento de ferramentas adequadas, indivíduos

se capacitam para se organizar em comunidades virtuais e delas se

beneficiarem coletivamente.

O fator determinante para essa organização está no valor que o

assunto oferece aos seus interessados. Complementando a capacidade de

organização, a ação coletiva é relevante para o mercado de turismo, pois a

vontade de organização, somada a fatores como tempo ocioso, acesso à

tecnologia, capacidade de influência e o retorno pela participação, explicam

porque as informações proliferam entre indivíduos na rede e aumentam seu

valor no mercado de turismo.

Por fim, será feita uma reflexão que começa no conceito de

“Capitalismo da Informação”, cunhado por Castells (1999), para se entender

como a aparelhagem tecnológica ajudou na criação de vantagens

competitivas por meio da capacidade processual de informações, o que

permitiu que mais organizações pudessem dar mais sentidos às mesmas

informações – efetivando a criação de mercados paralelos aos já existentes.

A visão de Castells será somada às teorias de Anderson (2006 e 2009) sobre

a Cauda Longa e a emancipação de dois mercados muito caros ao turismo:

os agregadores e a profissionalização de iniciativas amadoras.

Encerramos a análise a partir de uma tendência que pode ser

considerada como fator diferencial junto ao mercado de turismo na rede: a

confiança. Aqui, pretendemos elevar o ideal de que a confiança é a peça-

chave para qualquer relação virtual e colocamos a confiança entre indivíduos,

mediada por organizações, como uma grande oportunidade dentro do

capitalismo informacional.

Page 34: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  25  

3.1. Os novos paradigmas da economia da abundância

Considerando a escrita e seus impactos na maneira de como a

sociedade é organizada, o surgimento da tecnologia digital permitiu uma nova

revolução na maneira como a humanidade trabalha com a informação.

Enquanto a escrita permitiu que o conhecimento se desvinculasse da

cultura oral, permitindo com que sua transmissão pudesse ser arquivada e

retransmitida por anos sem se perder, a emancipação do digital transformou

todo o conhecimento criado em qualquer meio computável, ou seja, cuja

propriedade pudesse ser registrada em sistemas eletrônicos e encontradas

de qualquer ponto com conexão a rede.

Em rede, informações que podem ser digitalizadas passam a ser

facilmente escaladas, arquivadas, deturpadas, referenciadas e,

principalmente, acessadas. Não há como impedir a reprodução de

informações digitais, uma vez que qualquer indivíduo possui a capacidade

para se tornar veículo e receptor de mensagens.

À medida que o ciberespaço permeia a civilização, mais informações

entram para a rede e menos controle é possível se estabelecer sobre elas. A

cobertura da rede parte de um caráter dominante e excludente, já que não há

uma reversão da digitalização e uma vez digitalizado, determinada sociedade

ou indivíduo se diferencia dos demais por possuir acesso a um novo

paradigma informacional.

Além da redução irresistível do custo pela informação, também nota-se

a queda no valor dos sistemas e estruturas que a armazenam. Chris

Anderson, em seu livro A Cauda Longa (2006, p.143) coloca o aumento

exponencial da capacidade dos processadores para delimitar processos e

arquivar informações – avanço credenciado da lei de Moore (1965) – como

base para a inserção ilimitada de informações na rede. Como o aumento de

informações é vertiginoso e desenfreado, notamos uma abundância de

informações antes nunca vivida pela humanidade. Já no livro Free (2009),

Anderson chama esse momento de “Economia da Informação”, que parte do

princípio de que a informação, hoje, é abundante e não encontra uma

demanda capaz de dar conta dela mesma.

Page 35: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  26  

O autor vai além, “As tendências para preços no longo prazo são

determinadas pela própria tecnologia, e o quão mais esta é comoditizada

(sic), menor mais barato será o preço.”5 (ANDERSON, 2009, p.93, tradução

do autor), e dá a entender que todos aqueles mercados que possuem em

dados um fator determinante para a sua geração de valor tendem a ter seus

preços reduzidos a medida que o avanço tecnológico culmina na redução dos

seus da produção e processamento de informações, como é o caso do

mercado de turismo.

A abundância generalizada já era conceituada por diversos

pensadores antes e após a revolução industrial. De Marx a Keynes, as

relações entre o capitalismo e seus recursos sempre foram foco de inúmeras

discussões. No entanto, o excesso de informações na rede, seu constante

aprimoramento e aumento exponencial no número de produtores (indivíduos

conectados) sugere um processo de transformação irreversível.

O movimento de expansão dos limites da tecnologia, baseado nas

premissas do capitalismo industrial de produzir cada vez mais onerando

menos custos projeta os custos operacionais da informação sempre para

baixo (ANDERSON, 2009, pp. 91-93).

Como consequência, todos os mercados baseados na troca de

informações deverão passar por mudanças. Alguns setores já acusaram o

golpe, como a indústria fonográfica, em que o aparato digital reduziu

drasticamente o valor de mercado das músicas – que passaram a ser

facilmente acessadas e, consequentemente, reproduzidas entre usuários

sem necessariamente creditar os detentores de cada obra.

                                                                                                               5  Citação  original:  “But  the  long-­‐term  pricing  trends  are  determined  by  the  technology  itself  –  the  more  there  is  of  a  commodity,  the  cheaper  it  will  be.”  (ANDERSON, 2009, p.93)  

Page 36: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  27  

Figura 3.1.1. – Volume de acesso a música por meio e valor atribuído a cada

meio de reprodução fonográfica no mercado dos Estados Unidos entre 1998

e 2012.

Fonte: RIAA, Recordo Industry Assossiation of America (2012). Disponível em:

<http://www.statista.com/chart/1075/the-digital-music-revolution>. Acesso em: Agosto de

2014.

Outros mercados estão com essa transformação em processo, como é

o caso da indústria da publicidade. A década de 2020 deverá marcar o

momento em que o investimento publicitário em mídias digitais vai superar

Page 37: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  28  

aqueles feitos em meios tradicionais, como TV, rádio e a mídia impressa no

mercado dos Estados Unidos.

Figura 3.1.2. – Projeção sobre o total de investimentos publicitários por meio

no mercado dos Estados Unidos.

Fonte: eMarketer.com (2014). Disponível em: <http://www.emarketer.com/Article/US-Total-

Media-Ad-Spend-Inches-Up-Pushed-by-Digital/1010154>. Acesso em: Agosto de 2014.

Além do maior tempo de permanência dos usuários na rede, o

ambiente digital consegue concentrar as informações que antes só eram

encontradas nos meios ditos tradicionais. Isso permite com que o antes

espectador de um programa de TV, por exemplo, possa acessar o mesmo

conteúdo quando e de onde quiser, independente da grade de programação.

O futuro indica que mais mercados, ainda mais distantes do

processamento de dados e consumo de informações, venham a sofrer com a

digitalização da sociedade. Como, por exemplo, o mercado de imóveis, uma

vez que as pessoas hiperconectadas, precisaram cada vez menos se

deslocar para o trabalho e também precisarão de casas mais eficientes para

atender às suas demandas por conexão.

Page 38: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  29  

A mudança provocada pelas informações em abundância e sua livre

circulação não ocorre em fases – um setor após o outro –, mas a partir da

maturação da tecnologia junto a um determinado mercado e da capacidade

de adoção em escala da mesma (ANDERSON, 2009, pp. 91-93).

Como exemplo prático, tomemos o mercado de turismo, onde

podemos inferir que o acesso à internet via dispositivos móveis, cuja

penetração é crescente, poderá tanto aumentar o volume de informações e

influenciar diretamente nas transações, como também poderá impulsionar

uma nova interface de compras em mercados cujo consumo móvel é uma

realidade, como o de viagens.

A expansão da conectividade móvel, pode fazer com que as opiniões

de outras pessoas possam ser acessadas em qualquer lugar, se tornando um

fator decisivo muito importante, como por exemplo, na escolha de um

restaurante ou museu.

Page 39: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  30  

Figura 3.1.3. – Participação de Smartphones vs. não Smartphones no

mercado dos Estados Unidos em 2012.

Fonte: comScore (2013). Disponível em: <http://www.businessinsider.com.au/chart-update-

us-smartphone-market-share-2012-8>. Acesso em: Agosto de 2014.

Figura 3.1.4. – Curva do tipo de conteúdo acessado via dispositivos celulares

no mercado americano em 2012.

Page 40: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  31  

Fonte: comScore (2013). Disponível em: <http://www.businessinsider.com.au/chart-update-

us-smartphone-market-share-2012-8>. Acesso em: Agosto de 2014.

Figura 3.1.5. – Crescimento global do consumo de Smartphones projeção

entre 2013 e 2018]

Fonte: IDC (2014). Disponível em: <http://www.dazeinfo.com/2014/07/16/microsoft-

corporation-msft-windows-phone-os-market-share-growth-ios-android/>. Acesso em: Agosto

de 2014.

Conectado, o consumidor não segue uma linha hierárquica para a

tomada de decisão, o ciclo virtuoso previsto pelo Loyalty Loop (capítulo 2.3)

indica que o consumidor conectado é mais influenciado por amigos e por

outras pessoas e, o local de acesso e produção desse tipo de informação

visa importar cada vez mais à medida que mais indivíduos acessam a rede

via dispositivos móveis. Tal fato não irá acabar com o mercado de turismo

como ele é conhecido hoje. As indústrias fonográficas e de mídia publicitária

não foram nem serão extintas.

A abundância de informações não indica necessariamente que a internet vai

acabar com o valor de alguns setores a ponto de inviabilizá-los, mas forçará

inúmeros setores a readequarem sua cadeia de valor.

Page 41: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  32  

3.2. Capacidade de organização como diferencial competitivo

A transformação provocada pelo digital pode ser lida a partir do acesso

aberto e inédito a uma mídia que preserva um caráter individual na

composição de mensagens, antes apenas característico do telefone ou da

carta – conversas com número limitado de receptores – e, ao mesmo tempo,

assimila a possibilidade de projeção massiva – antes exclusivas das mídias

de consumo passivo, como a TV e o Rádio.

Em meio a um mar de informações, o usuário está constantemente

organizando a rede de acordo com os seus interesses. E, para entender essa

auto regulamentação, toma-se o conceito de Cibercultura como ponto de

partida, sob a definição de Pierre Lévy em seu livro homônimo, que define o

termo como o: “conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de

atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem

juntamente com o crescimento do ciberespaço.” (LÉVY, 2010, p.17) – o que

sugere que a rede tem capacidade para assimilar uma cultura própria

enquanto que a sua expansão é feita a partir do que nela é gerado.

Lévy indica que essa expansão contínua levaria a rede a se tornar um

ambiente com ótimas condições para o surgimento de organizações

descentralizadas findadas em interesses próprios entre os seus usuários e,

que na mesma medida em que uma pessoa tem o poder de redefinir os “nós”

no sistema da rede de maneira individual e caótica (sic), vários indivíduos

podem, juntos, formar uma rede própria, com suas próprias regras.

Essa interconexão favorece os processos de inteligência coletiva nas comunidades

virtuais, e graças a isso o indivíduo se encontra menos desfavorecido ao caos informacional.

[...] o ideal mobilizador da informática não é mais a inteligência artificial, [...] mas sim a

inteligência coletiva, a saber, a valorização, a utilização otimizada e a criação de sinergia

entre as competências e imaginações e as energias intelectuais, qualquer que seja sua

diversidade qualitativa e onde quer que esta se situe. (LÉVY, 2010, p.169).

Sendo coletiva e não artificial, a inteligência em questão precisa ser

coordenada. A capacidade de gerenciar o conhecimento e orientá-lo para um

fim determinado parte do princípio de que os indivíduos possuem uma

maneira particular de estabelecer a sua atividade na rede e, uma vez

propondo uma base organizacional para eles, otimiza-se o seu desempenho.

Page 42: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  33  

Não por acaso, a internet estimulou o surgimento de um mercado

propício para empresas que se propõe a criar modelos organizacionais e

interfaces de navegação em seu meio, como buscadores e navegadores.

Que a capacidade de organizar informações seja um conceito básico para

qualquer negócio digital, não há dúvidas, porém essa capacidade de

organização, com o tempo, deixou de ser baseada no avanço tecnológico de

determinada companhia e se move em direção à inteligência coletiva.

Se as novas técnicas de comunicação favorecem o funcionamento dos grupos

humanos em inteligência coletiva, devemos repetir que não o determinam automaticamente.

[...] O ciberespaço, interconexão dos computadores do planeta, tende a tornar-se a principal

infraestrutura de produção, transação e gerenciamento econômicos. (LÉVY, 2010, pp.169-

170).

A razão para tal movimento é simples: uma vez que o usuário

rearranja a rede à sua maneira e, sempre o fará à medida das suas

necessidades, por que não deixar com que ele crie conteúdo e organize e

redimensione a rede de acordo com o seu interesse?

O paralelo traçado com o mercado de turismo parte deste

questionamento. A determinação de uma viagem envolve uma série de

decisões e caminhos transacionais. A busca por informação e sua devida

aplicação varia, mas a capacidade de organização está nas mãos do usuário,

e não deve-se esperar que ele faça todo o trabalho sempre.

Por exemplo, o usuário pode contar com ferramentas para criação de

planilhas e calendários como as oferecidas pelo Google Docs (rede) ou no

pacote Office (software) para levantar orçamentos de hotéis, mas ele também

pode receber esse tipo de informação, organizada de acordo com uma série

de filtros do seu interesse ao acessar um site de uma companhia aérea,

como o da Gol Linhas Aéareas (www.voegol.com.br), que promove uma

interface com as passagens oferecidas pela companhia.

Dessa forma, tratando-se de viagens, muitas vezes a organização por

parte do usuário não basta e muitas companhias enxergam valor nesse

comportamento. São tantas as informações e decisões para uma viagem,

que é comum que empresas se apliquem a facilitar esse processo

Page 43: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  34  

oferecendo, por exemplo, veículos para aluguel ao longo do processo de

compra de uma passagem, como pode na página da Gol Linhas Aéreas.

Figura 3.2.1. – Exemplo de oferta de serviços complementares a viagem

Fonte: Gol Linhas Aéreas (2014). Disponível em:

<https://compre2.voegol.com.br/Products2.aspx>. Acesso em: Setembro de 2014.

Se a tecnologia oferece uma ferramenta para a criação de inteligência

coletiva, conclui-se que qualquer mercado terá que competir também nesse

sentido. E, tratando-se do mercado de turismo, onde o papel das informações

é justamente respaldar decisões de compra, terá mais vantagem a

companhia que souber trabalhar na organização de informações de maneira

eficiente.

3.3. Ação coletiva em torno de um interesse

A auto regulamentação que cada usuário promove dentro da rede

privilegia a organização coletiva em torno de interesses radicados. Em tese,

todos podem estabelecer seus próprios domínios e ocupar o espaço da

Page 44: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  35  

maneira que bem entenderem – na rede, usuários e empresas partem de um

pé de igualdade.

Apesar disso, muitas ferramentas se propõe a realizar essas conexões

de pessoas com pessoas – vide as redes sociais, como o Facebook – ou

entre pessoas e informações – como o buscador do Google. Em ambos os

casos, a mediação entre conexões não é neutra6. No entanto, a acurácia dos

encontros provocados garante que interesses coletivos sejam desenvolvidos.

E se a expansão da rede determina a sua cultura (LÉVY, 2012), esse

movimento pode ser iniciado e liderado por grupos de pessoas sem a

finalidade de gerar lucro ou dominar determinado mercado. Atribui-se a essa

organização coletiva o conceito de Crowdsourcing, cunhado pela primeira vez

por Jeff Howe (2006), jornalista da publicação Wired, e possui uma leitura

mais próxima do mercado e da participação coletiva na atualidade em Clay

Shirky, na obra Lá vem todo mundo: o poder de organizar sem organizações

(2012).

O Crowdsourcing é caracterizado pela realização de trabalhos e

serviços feitos de maneira descentralizada a partir do trabalho coletivo. O fato

de ser feito de maneira voluntariosa ou visando ganhos não relacionados a

uma cadeia de valor específica destacam esse esforço coletivo do trabalho

institucionalizado por uma empresa. O termo também pode ser entendido

como a terceirização irrestrita de trabalho, sem necessidade de uma

hierarquia, porém respeitando algumas regras ou conduta. E esse trabalho

de auto regulamentação em meio ao circuito caótico de informações garante

que a produção avance e possa ser acessada por todos os envolvidos que

dela participaram, mas também provoca um desequilíbrio entre participação e

número de pessoas envolvidas, como nota Clay Shirky:

Nunca tantas pessoas tiveram tanta liberdade para dizer e fazer tantas coisas com

tantas outras pessoas. [...] Uma vez que hoje todos têm as ferramentas para contribuir da

mesma maneira, seria de se esperar um enorme aumento a igualdade de participação. Mas

isso seria um erro. [...] em vez de prejudicar grandes sistemas sociais, o desequilíbrio os

impulsiona. (SHIRKY, 2012, p.105).

                                                                                                               6   A questão da neutralidade da rede é considerada pelo autor, mas não será posta em foco neste trabalho.  

Page 45: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  36  

O autor atribui o desequilíbrio a estudos feitos entre os participantes

de sites como o Flickr e Wikipédia. No geral, menos de 2% dos participantes

são responsáveis pela maioria do conteúdo criado, enquanto a maioria dos

envolvidos só faz uma contribuição. A projeção das participações versus o

número de participantes, normalmente, fica afeiçoada a um gráfico de Cauda

Longa, ou seja, a participação em Crowdsourcing parte de um sistema de

potência (SHIRKY, 2012, pp. 105 – 112).

Figura 3.3. – Gráfico básico para a sistemas de potência, número de

participantes (x) versus frequência de participações (y)

Fonte: criado pelo autor.

Cientes disso, muitas empresas passaram a aproveitar do movimento

natural de ação coletiva baseada em interesses para seu benefício,

mostrando que a relação com a participação coletiva requer atenção, já que a

mesma massa que pode colaborar também tem o poder para destruir uma

marca.

Shirky cita o caso dos usuários da AOL, que eram estimulados a

converter amigos a acessar a internet a partir do portal de informações e

material de hardware (CDs) fornecidos pela empresa. O trabalho era feito

voluntariamente, porém, ao descobrirem que a companhia aumentava seu

valor de mercado à medida que mais pessoas aderiam aos seus planos,

Page 46: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  37  

estes voluntários processaram a AOL em conjunto, por acreditarem que

estavam trabalhando para a companhia de maneira vedada e sem ganhar

nenhuma contrapartida por isso (SHIRKY, 2012, pp. 115 - 116).

Ciente das peculiaridades que impulsionam e cerceiam o voluntarismo

em rede, na obra A cultura da participação, Shirky elenca os seis principais

motivos para que o fenômeno colaborativo tenha fruição na rede: tempo livre,

excedente cognitivo, senso de oportunidade, motivações humanas, senso de

utilidade comum e interesse público (SHIRKY, 2011).

Sob as premissas do senso de utilidade comum, muitas pessoas

passaram a repassar os conhecimentos e programas para instalar os

provedores da AOL, mas esse senso foi aniquilado a partir do momento em

que eles se deram conta que a empresa estava tirando proveito deles,

contrariando o interesse público que o trabalho coletivo se propunha a fazer.

Unindo prioritariamente excedente cognitivo, motivações humanas e

interesse público, a Wikipédia foi criada e é mantida por um grupo pequeno

de usuários se comparado ao total de pessoas que desfruta da sua

colaboração.

O espírito voluntarioso por trás de casos de Crowdsourcing é reflexo

de um comportamento, cuja a rede ajudou a emancipar ao eliminar barreiras

de espaço e ao dar as pessoas o poder de navegar de acordo com seus

próprios interesses.

Muitas das mudanças significativas se baseiam [...] em ferramentas simples e fáceis

de usar como o e-mail, os celulares e os sites de internet, porque [...] a maior parte das

pessoas tem acesso e podem ser usadas sem dificuldade [...] A revolução não acontece

quando a sociedade adota novas tecnologias – acontece quando a sociedade adota novos

comportamentos. (SHIRKY, 2012, p. 137).

Dessa forma, entende-se que a inteligência coletiva pode ser projetada

e crescer na rede. O sentimento de generosidade também é favorecido por

novas tecnologia, que acabam por transportar para a rede o sentimento

voluntarioso antes fora dela e natural do ser humano, mas o sucesso da ação

coletiva será sempre vinculado ao objeto produzido e ao interesse que ele

desperta entre seus atores.

Page 47: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  38  

3.3.1. Organização coletiva no setor de Turismo, apresentação do TripAdvisor e seu modelo de negócio baseado na participação

No âmbito do turismo, o poder da organização coletiva pode ser

notado no site TripAdvisor, que é tido como a maior plataforma de resenhas

sobre turismo do mundo, com aproximados 170 milhões de resenhas feitas

por usuários e 23 milhões de fotos enviadas sobre mais de 4 milhões de

acomodações, restaurantes e atrações turísticas. No primeiro semestre de

2014, a plataforma registrou uma média de 280 milhões de acessos mensais

e conta com mais de 60 milhões de usuários em sua base de e-mails. O

TripAdvisor possui uma plataforma para smartphones que conta com mais de

128 milhões de downloads. (TripAdvisor, 2014).

Em 2011, às vésperas de abrir capital, o TripAdvisor tinha seu valor de

mercado avaliado em 4 bilhões de dólares segundo a publicação Business

Insider. O seu modelo de negócio é baseado na venda de espaços

publicitários em diversos formatos, como links patrocinados, banners,

recomendação patrocinada, entre outros. Praticamente todo o inventário de

mídia da plataforma é direcionado para outras páginas do mercado de

turismo, sendo que mais de um terço dos cliques são feitos no site Expedia,

um agregador de ofertas de turismo (passagens, hospedagem, aluguel de

carros, pacotes, etc.) e parceiro estratégico de negócios do TripAdvisor.

Considerando que o mercado de turismo possui uma série de atores

que se propõe a agregar ofertas para vende-las, como o Kayak , líder de

mercado em passagens aéreas, que também conta com ofertas para estadia,

aluguel de carros e pacotes; e o Booking.com , líder em reservas de estadia

– a relação entre TripAdvisor e Expedia tende a beneficiar ambos: o primeiro

por ter um parceiro fixo na entrega de publicidade, e consequentemente

dependendo menos da rede de publicidade do Google, e o segundo ganha

um espaço de vendas privilegiado, pois trata com um público num estágio

mais avançado de tomada de decisão.

Page 48: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  39  

Figura 3.3.1.1. – Participação do Expedia no volume de vendas geradas pelo

TripAdvisor.

Fonte: Buiness Insider (2011). Disponível em: <http://www.businessinsider.com/how-

tripadvisors-business-works-2011-12>. Acesso em: Setembro de 2014.

A dependência do Google, que é responsável por trazer acessos e

com anúncios da sua rede de publicidade, é uma constante em todo o

mercado de turismo. No caso do TripAdvisor é aliviada a partir da parceria

com o Expedia, aumentando a margem de lucro.

Figura 3.3.1.2. – Margem de lucro do TripAdvisor, 2006 a 2011.

Page 49: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  40  

Fonte: Buiness Insider (2011). Disponível em: <http://www.businessinsider.com/how-

tripadvisors-business-works-2011-12>. Acesso em: Setembro de 2014.

Voltando à questão participativa do TripAdvisor, nota-se que a sua

proposta para o usuário é simples: reunir informações de turistas para turistas

facilitando o planejamento de viagens e a publicação de impressões pessoais

sobre os locais visitados. Sua eficiência é comprovadamente grande, numa

pesquisa da PhoCusWright com 3.641 respondentes, mostrou que 98% dos

participantes acharam que as resenhas do site correspondiam à experiência

vivida durante a viagem (2013).

Nenhum guia de turismo não conseguiria ter um retrato tão fiel da

realidade de cada experiência quanto o TripAdvisor. A razão para tanto é

simples: o que vai para um guia físico se torna datado a partir do momento

em que ele é impresso, enquanto o que está no TripAdvisor muda conforme

novas resenhas são adicionadas. À medida que mais pessoas se organizam

coletivamente em um mesmo interesse, novas mudanças ele sofre e mais

atual e preciso ele fica.

Outro ponto importante para tamanha fidelidade entre as resenhas do

TripAdvisor e a sua real experiência está no fato da não existência de uma

linha editorial ou posicionamento oficial da plataforma. Sem a figura de um

editor chefe, as resenhas se aproximam mais da relação entre expectativa e

realidade, própria do olhar do turista.

O TripAdvisor consegue padronizar a participação ao exibir uma

escala de pontuação geral (de 1 a 5) como a primeira métrica de avaliação.

Assim, independentemente do número de contribuições que a atração, hotel

ou destino receber, o usuário pode estabelecer uma leitura rápida através

desse índice, que não por acaso é a contribuição mais fácil de se fazer,

dispensando a composição de uma resenha escrita.

Page 50: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  41  

Figura 3.3.1.3. – Demonstrativo da escala de avaliação (ranking) do

TripAdvisor na sessão de buscas e no cabeçalho da página da atração.

Fonte: TripAdvisor montagem feita pelo autor. Disponível em: <tripadvisor.com.br>.

Acessado em: Setembro de 2014.

A adoção de índices e escalas facilita a leitura e coloca toda a

participação coletiva numa mesma premissa inicial, isso facilita o consumo da

informação, mas não impede que o TripAdvisor enfrente problemas – assim

como a Wikipédia – ao permitir que o controle do conteúdo fique na mão das

pessoas. Em ambos os sites, nota-se a incidência de vândalos e atores que

manipulam informações para benefício próprio.

O Wikipédia possui um sistema de auto gestão entre seus membros,

favorecendo os mais antigos e ativos no site, como forma de privilegiar

aqueles que mais acreditam no seu desenvolvimento. E o TripAdvisor possui

uma equipe dedicada a tratar de denúncias e investigar usuários e

comentários suspeitos.

Dessa forma, podemos concluir que a capacidade de organização

coletiva é um fator que diferencia o TripAdvisor no mercado de plataformas

de turismo. Mais do que permitir que usuários criem conteúdo, é importante

direcionar essa produção colaborativa e desenvolver mecanismos de

regulamentação para tanto.

Além das opiniões o TripAdvisor oferece a possibilidade de busca de

ofertas – qualificando o Expedia – o que não desmotiva a participação

Page 51: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  42  

coletiva e também oferece uma vantagem competitiva diante de outras

plataformas agregadoras de opiniões sobre turismo, como o Yelp ou o

Foursquare.

3.4. Fragmentação de mercado e a projeção da Cauda Longa

A guinada provocada pela digitalização dos meios e a emancipação do

indivíduo a ator do cenário informacional impacta diretamente no sistema

capitalista. Sistema este, que é diretamente responsável pelos

desdobramentos da sociedade em rede e o viés de sua projeção. Afinal, é a

iniciativa privada, por meio da exploração e valoração da sua capacidade

produtiva, que dita as inovações mercadológicas.

Vetor da transformação e principal beneficiário dela, o capitalismo que

outrora era radicado nos moldes industriais (linha de produção, controle de

matéria prima e distribuição em escala), agora pode ser encarado como

“Informacional”, uma vez que a sua cadeia de valor se baseia cada vez mais

no uso inteligente de informações e no cruzamento global de recursos,

produção, mercados e distribuição, conforme assinala Manuel Castells, na

sua obra Sociedade em Rede: a era da informação: economia, sociedade e

cultura:

Uma nova economia surgiu em escala global no último quartel do século XX.

Chamo-a a de informacional, global e em rede para identificar suas características

fundamentais e diferenciadas e enfatizar sua interligação. É informacional porque a

produtividade e a competitividade [...] são baseadas em conhecimentos. É global porque as

principais atividades produtivas, consumo e circulação [...] estão organizados em escala

global. [...] É rede porquê [...] é feita em uma rede global de interação entre redes

empresariais. (CASTELLS, 1999, p. 119)

Dentre todos os desdobramentos do quadro levantado por Castells,

destacamos o fato da própria informação ser fruto de um processo produtivo

e, consequentemente, contar com um mercado em torno de si mesma. A

informação enquanto recurso extremamente abundante – leia-se tudo que

pode ser digitalizado – não deixa de ser resíduo de um processo produtivo,

que se encontra num estado de extrema desvalorização. No entanto, vale

lembrar que não há mercado se não há geração de valor, portanto é de se

Page 52: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  43  

esperar que uma nova cadeia dentro do mercado informacional esteja

surgindo.

Afinal, não são só as informações passaram a se tornar abundantes,

mas também o crescente poder de processamento das mesmas, o que

permitiu com que mais processos e produtos fossem feitos e, aqui, a

informação tem na tecnologia um vetor para se tornar mais valiosa.

Castells coloca em xeque uma série de hipóteses sobre o ganho

produtivo em detrimento ao avanço tecnológico. Após se ater a diversas

análises econômicas e setoriais, o autor sinaliza que o real ganho que a

tecnologia traz ao capitalismo está na ampliação da capacidade de gestão e

organização corporativa.

Assim, a mudança organizacional, o treinamento de uma nova força de trabalho e

processo de aprender fazendo, que incentiva aplicações produtivas da tecnologia, devem

acabar aparecendo nas estatísticas de produtividade. (CASTELLS, 1999)

Essa reflexão sugere um maior ganho produtivo de setores mais

ligados aos serviços e às indústrias que se beneficiam diretamente deles e,

vai de encontro ao que foi observado em Lévy (2010) sobre a inteligência

coletiva como principal fruto da escalada tecnológica, concluindo-se que há

valorização da informação em termos do serviço que ela vem a prestar.

Como exemplo prático, a partir da organização de informações e

recursos baseada em softwares transacionais, uma pousada consegue se

projetar na rede assim como uma grande cadeia hoteleira. Porém, a

eficiência do pequeno negócio tende a não ser a mesma de um grande

produtor, já que este último conta com mais recursos para investir em

infraestrutura digital.

O abismo competitivo pode se agravar considerando que essa

pousada fique lotada durante o verão, devido à sua localização e permaneça

às moscas no inverno. Dificilmente ela conseguiria competir com a cadeia

hoteleira, já que não teria recursos para alcançar potenciais consumidores

interessados em ofertas especiais para a baixa temporada. Essa mesma

lógica pode ser aplicada para companhias de transporte aéreo de pequeno

Page 53: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  44  

porte, que não tem flexibilidade para trabalhar com as rotas e destinos mais

populares.

Diante desse problema, na virada da década de 2000 nota-se o

crescimento de agregadores de todos os gêneros, que se propõem a oferecer

uma distribuição mais democrática de informação sobre determinada

categoria de mercado. Dessa forma, há uma maior aparelhagem tecnológica

para a organização de recursos: não só as grandes companhias se tornam

mais arrojadas, mas pequenos produtores e amadores também conseguem

ter condições para se estabelecer no mercado, que também ganha novos

negócios que ajudam a valorizar as informações disponíveis na rede.

Anderson analisa como a abundância de informações fragmentou os

mercados a partir do momento em que mais pessoas podem ter acesso a

produtos que vão além dos mais populares. Segundo o autor, o “cálculo

básico da Cauda Longa: quanto mais baixas as despesas de vendas, mais se

pode vender” (ANDERSON, 2006, p.86). Agregadores reduzem a barreira de

entrada no marcado ao permitirem que mais atores possam ter a mesma

projeção, ampliando não só a oferta de produtos para o viajante, mas

também incentivando a divulgação de novos destinos para se explorar.

Anderson elenca três grandes forças transformadoras que podem ser

notadas a medida que as informações se tornam abundantes:

Figura 3.4.1. – Três forças da cauda longa e seus respectivos exemplos no

mercado de turismo.

Força Negócio Exemplo

1 Democratização da

produção

Produtores e fabricantes de

ferramentas de Cauda Longa

Ferramentas para

criação de sites

2 Democratização da

distribuição

Agregadores da Cauda Longa Booking.com,

Expedia, Kayak

3 Ligação da oferta e

demanda

Filtros da Cauda Longa Recomendações do

TripAdvisor

Page 54: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  45  

Fonte: Anderson, 2006. Arte e adaptação feitas pelo autor.

A rede e a capacidade de organização produtiva promovida pela

tecnologia são os fatores principais para que mais produtos possam ser

oferecidos independente do seu estoque e localização. No caso da pousada

ou da pequena companhia de transporte aéreo, elas ganham uma nova

vitrine com os agregadores de ofertas, que promovem não só a competição

entre pequenos e grandes, como também emancipam a sua

profissionalização.

Considerando que a oferta de destinos para viagem tende a ser

ilimitada e, paralelamente, também são inúmeras as possibilidades de

ampliação dos serviços concomitantes a ela, como hospedagem e opções de

atividades; a projeção da Cauda Longa é um fator determinante para o

sucesso de uma plataforma ancorada no mercado de turismo.

3.4.1. Além dos agregadores: o Airbnb como viabilizador de um novo mercado

A existência de agregadores facilita a exposição de inúmeros negócios

que antes não conseguiam vencer o gargalo da mídia tradicional e

precisavam realizar esforços de baixo orçamento para se promover para um

número limitado de pessoas. O mercado de pequenos fornecedores de

hospedagem que sempre existiu à margem das grandes redes hoteleiras se

beneficiou com a rede e tornou a disputa por hóspedes mais acirrada, uma

vez que se há igualdade na distribuição, é preciso buscar inovações no

preço, na promoções ou no produto.

A larga distribuição de ofertas beneficiada pela rede, também foi

responsável pela emancipação de um novo produto no mercado hoteleiro: o

do oferecimento de hospedagem domiciliar em escala, que tem no Airbnb seu

principal representante.

A plataforma, que foi fundada em 2008 com o propósito de permitir

pessoas alugarem o espaço ocioso para viajantes tem seu funcionamento

Page 55: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  46  

semelhante a um agregador para o consumidor final e, também faz as vias de

“incubadora” para pessoas interessadas em ceder seu espaço para locação.

No início de 2013, o Airbnb registrou mais de 6 milhões de hóspedes

que usaram o seu serviço e 300.000 ofertas, que se dividem em três

categorias: quartos compartilhados, quarto inteiro e aluguel de todo o

domicílio; demonstradas no gráfico adiante.

Figura 3.4.1.1. – Crescimento de locações no Airbnb 2008 – 2013.

Fonte: Airbnb, (2013). Disponível em: <https://www.Airbnb.com/annual/>. Acesso em:

Setembro de 2014.

Dentro da leitura da Cauda Longa de Anderson (2006), o Airbnb é uma

ferramenta que facilita a produção, uma vez que permite que mais pessoas

façam do seu espaço uma hospedagem e, com isso, se tornem parte do

mercado.

Page 56: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  47  

Figura 3.4.1.2. – Democratização das ferramentas de produção e seu efeito

na Cauda Longa.

Fonte: ANDERSON, 2006, p.52.

Naturalmente, há de se encontrar anfitriões com grande volume de

transações enquanto uma maioria tende a fazer um número menor de

aluguéis. O modelo sistêmico de potência também é aplicável à essa

situação a partir do momento em que estamos em um mercado tipicamente

amador, emancipado pela tecnologia, como foi visto em Shirky (2012).

O Airbnb apresenta uma proposta que é interessante para viajantes,

preços competitivos e localização irrestrita, e para locatários, garantia de

verba extra por um espaço ocioso. A partir do poder de organização, o

negócio propõe uma série de transformações na indústria hoteleira e no setor

de turismo, emancipando um novo comportamento, como previsto por Shirky

(2012), que acaba por posicionar a hospedagem como parte do acervo

turístico, transformando-a em um novo ponto de contato durante a

experiência que a viagem proporciona.

Page 57: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  48  

Figura 3.4.1.3. – Diferenças no serviço: hotéis e Airbnb.

Hotéis convencionais Hospedagem no Airbnb Quartos herméticos, com pouca

diferenciação

Quartos domiciliares, singularidade

Conveniências ligadas ao lazer e bem estar:

piscinas, salas de jogos, etc.

Praticidade domiciliar: cozinha e sala de

jantar

Área de alta circulação de hóspedes Localização residencial, maior imersão local

Contato com funcionários com funções

determinadas, padrão de atendimento

Contato humano, imerso na cidade, sem um

padrão de atendimento

Estrutura compatível com o desejo de

conforto e comodidade

Menor estrutura é um motivador para a

descoberta

Contratos definidos de acordo com o

mercado, alta regulamentação

Contratos sem muita regulamentação, maior

risco para ambas as partes

Localização restrita a zonas onde é

permitido a criação de estruturas hoteleiras

Localização irrestrita, baseada em áreas

residenciais

Fonte: gráfico feito pelo autor.

A capacidade do Airbnb de transformar amadores em profissionais ou

ao menos em capacitá-los a atender a demanda por estadia, amplia

significativamente a sua oferta e acaba por dividir a Cauda Longa do

mercado hoteleiro em três partes.

Figura 3.4.1.4. – Cauda Longa do mercado de hospedagem após a entrada

de agregadores domiciliares.

Fonte: gráfico feito pelo autor.

Page 58: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  49  

Anderson pauta a apresentação da Cauda Longa através de setores

diretamente ligados à economia da informação, olhando os setores de

produção de conteúdo e distribuição de produtos físicos como os principais

afetados por este fenômeno, colocando os “Amadores” como figuras centrais

no alongamento da Cauda: “Hoje, milhões de pessoas comuns têm as

ferramentas e os modelos para se tornarem produtores amadores [...] o efeito

dessa mudança significa que a cauda longa crescerá em ritmo nunca antes

visto.” (ANDERSON, 2006, p.62).

Pode-se especular que haja um limite para a extensão da Cauda

Longa do Airbnb e que este limite possa ser notado a partir do momento em

que não é possível estabelecer um controle e punir desvios de

comportamento em meio à milhões de reservas. No entanto, o funcionamento

da plataforma (que será melhor analisada adiante) possui uma ótima taxa de

sucesso. Entre as 6 milhões de reservas consumadas pelo Airbnb, apenas

700 delas resultaram em processos que demandaram a intervenção jurídica

do negócio, ressarcimento e indenização das partes lesadas, segundo uma

reportagem da publicação Wired (2012).

Outros fatores para a análise desse modelo de negócio frente à

economia da informação serão somados ao longo deste trabalho, mas já é

possível concluir que a projeção da Cauda Longa é o diferencial competitivo

do Airbnb diante da oferta tradicional de hospedagens. Também conclui-se

que a plataforma só consegue viabilizar essa projeção a partir da criação de

um modelo capaz de organizar os interesses de ambas as partes e incentivar

a participação coletiva através de ganhos claros para ambas as partes.

3.5. Confiança na rede como força emergente do mercado de turismo

Tanto Airbnb, quanto TripAdvisor possuem no credenciamento pessoal

um dos seus grandes diferenciais. No primeiro, o anfitrião pode ser

amplamente avaliado pela plataforma, que o qualifica a partir do cumprimento

de três prerrogativas: (i) a confirmação dos seus dados pessoais, (ii) a

Page 59: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  50  

velocidade de resposta e (iii) a capacidade de organização para oferta do seu

espaço. Já o hospede é incentivado a avaliar, comentar e a consumir o

conteúdo criado por outros usuários, criando um ciclo que tende a neutralizar

a desconfiança. Hóspedes e anfitriões são estimulados a colocar fotos

pessoais atuais e seus nomes verdadeiros, para que haja o sentimento de

conexão pessoal e empatia antes mesmo deles se conhecerem.

O TripAdvisor tem em suas resenhas uma constante discussão, o que

é predominantemente o seu grande foco de negócio. Os usuários são

incentivados a conectar seu perfil do Facebook à plataforma e, esta cruza as

informações sobre cada atração com os indivíduos da lista de contatos

pessoais (amigos e amigos de amigos) do usuário, permitindo assim que ele

faça uma leitura mais adequada ao seu perfil.

Ambas as plataformas se preocupam em inibir o anonimato e a fraude.

O Airbnb pede o envio de cópia de documentos pessoais e o número do

cartão de crédito, além de enviar fotógrafos para confirmar a existência e

registrar os locais de locação. Já no TripAdvisor, a participação só pode ser

feita mediante cadastro ou conexão com o perfil no Facebook, para que

qualquer tentativa de manipulação seja evitada.

Os sites Airbnb e TripAdvisor colocam a confiança entre usuários

como uma das figuras protagonistas para a sua tomada de decisão em torno

do mercado de turismo. Essa transformação, no entanto, pode ser lida como

um reflexo de um comportamento humano, que foi solapado pela própria

evolução propiciada pela revolução industrial.

Page 60: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  51  

Figura 3.5.1. – Evolução da confiança na história da civilização.

Fonte: Wired (2014). Disponível em: <http://www.scribd.com/doc/226865349/MEC-WIRED-

Open-Source-Marketing>. Acesso em: Setembro de 2014.

A urbanização e os modelos contratuais capitalistas – fortalecidos por

esquemas jurídicos para proteger produtores e consumidores – afastaram a

confiança do processo de tomada de decisão, mas não inibiram o poder da

opinião de terceiros. No entanto, essas barreiras contratuais e

comportamentais começam a diminuir à medida que, em rede, usuários

conseguem extrair informações suficientes para se relacionar com estranhos

e, cabe às plataformas se aproveitarem dessa condição para estimular a

participação em torno de um interesse comum.

Também é característico de grupos de interesse radicado o

estabelecimento de uma conduta própria e de mecanismos de auto

regulamentação. Quanto maior essa capacidade de controle, menor é a

dependência de sistemas tradicionais de mercado para fazê-lo. Se, por um

lado, sistemas baseados na confiança entre usuários parecem ser um novo

paradigma no mercado, por outro, estes sistemas nunca estarão

completamente “blindados” de falhas.

Portanto, a construção de um ambiente propício para que pessoas

confiem em pessoas tende a ajudar na operação de sistemas que pretendem

se diferenciar a partir da participação coletiva. Como visto em Shirky (2012),

um novo comportamento começa a ser estabelecido por meio do acesso

massivo as plataformas Airbnb e TripAdvisor.

Page 61: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  52  

3.6. Modelo de estudo sobre os paradigmas da sociedade em rede e a valorização da informação em plataformas de turismo

Chega-se, finalmente, ao modelo de análise que toma como princípio

os fenômenos relacionados a abundância de informações e seus impactos na

sociedade em rede e mercado de plataformas de turismo. A lógica do modelo

é a seguinte: apresenta-se um fenômeno da sociedade em rede e um fator

competitivo que dele é derivado.

Figura 3.6.1. – Modelo para análise dos paradigmas da sociedade em rede e

a valorização da informação em plataformas de turismo.

Fonte: gráfico feito pelo autor.

A ideia desse modelo de análise pressupõe que os fenômenos da rede

não são hierárquicos, mas se complementam à medida que a rede e sua

cultura se expandem (LÉVY, 2010). E o aproveitamento competitivo desses

fenômenos diz respeito aos casos vistos anteriormente, nas leituras de

Castells, Anderson e Shirky, cujos vieses são projetados no mercado de

plataformas de turismo.

Page 62: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  53  

A linha de “Valorização de Informações” é crescente a medida que

esses dados em livre circulação na rede ganham maior utilidade para o

mercado. Paralelamente a ela, nota-se uma “Escala de confiança” que dá a

entender que a reciprocidade e confiança entre pessoas ajuda a viabilização

dos fatores competitivos assinalados.

A questão da confiança, em um primeiro olhar, pode não inspirar uma

aplicação geral em todo o mercado de turismo. No entanto, vale lembrar o

empoderamento do consumidor e as várias decisões que são feitas ao longo

da cadeira de valor de uma viagem. Em todo esse processo, a credibilidade

sobre o que está na mesa de negócios importa e, por isso não deve ser

ignorada.

A sugestão das plataformas do Airbnb e do TripAdvisor estimularem a

confiança entre seus membros não só as diferencia e abre uma nova escala

de mercado, como também é uma forma de atribuir valor às informações que

circulam livremente na rede.

Informações sobre disponibilidade de hospedagem interpessoal

podem ser encontradas em agregadores de classificados, por exemplo. O

Airbnb emancipa o sentimento de confiança para que o negócio seja fechado

por meio de modelos regulamentados, políticas de controle de informações e

diretrizes para o comportamento entre hospedes e anfitriões.

Já qualquer resenha ou nota encontrada no TripAdvisor poderia ser

facilmente transmitida no Facebook, ou em qualquer outra rede social, mas a

partir do momento em que a plataforma se propõe a organizar o trabalho

coletivo e oferecer uma interface cujo foco é o consumo de informações de

outros turistas, ela destoa de qualquer outra rede social sem perder a

conexão humana por elas proporcionadas.

Por fim, a valorização da informação garante a sobrevivência de

plataformas de todas as sortes, mas o atributo social e humano por trás deste

processo é viável dentro do mercado de turismo. A confiança nunca

desempenhou um papel tão importante seja para a reputação da cadeia de

turismo, seja para a criação de novos negócios dentro dela.

Page 63: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  54  

4. Abordagem contemporânea do Capital Social

Após um olhar sobre como o turismo se aproveita da conectividade

entre as pessoas provocada pela rede, chega o momento de dirigir o foco à

questão da valorização dessa participação coletiva. Procura-se traçar um

paralelo entre a inteligência coletiva e sua operação em plataformas de

turismo, que, como será mostrado, constroem um sistema que beneficia a

colaboração e valoriza o capital social para, justamente, aumentar o apelo de

suas plataformas.

A seguir, procuramos entender os principais aspectos ligados à

formação de capital social: suas principais características, mas respeitando

algumas das formulações sobre este tema e como ele se desenvolve nas

plataformas TripAdvisor e Airbnb.

4.1. Definições acerca do capital social Uma das análises mais consistentes em termos de sua

contemporaneidade sobre o que é capital social foi produzida por Pierre

Bourdieu. Capital social é o agregado dos recursos atuais ou potenciais ligados à posse de

uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de entendimento e

reconhecimento mútuo – ou em outras palavras, ao pertencimento a um grupo – que provém

a cada um dos seus membros desse capital proprietário coletivo, uma ‘credencial’ a qual eles

possam creditar, em vários sentidos dessa palavra”. (BOURDIEU, 1986, p.248, tradução do

autor).7

Entende-se que o capital social é o recurso produzido por membros

agrupados em torno de um interesse mútuo, o que indica uma causa que

motive o relacionamento e a produção coletiva.

Grinovetter chama a atenção para a criação de laços entre as pessoas

a partir de relações sociais. Segundo o autor, encontram-se dois tipos de

laços: os fortes, caracterizados pelo intenso contato e limitados a círculos

                                                                                                               7 Citação original: “Social capital is the aggregate of the actual or potential resources which are linked to possession of a durable network of more or less institutionalized relationships of mutual acquaintance and recognition – or in other words, to membership in a group] – which provides each of its members with the backing of the collectivity-owned capital, a ‘credential’ which entitles them to credit, in the various senses of the word” (BOURDIEU, 1986, p.248)

Page 64: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  55  

pequenos, já que não é possível manter relações de alta afinidade entre

muitos atores; e os laços fracos, relações baseadas em um interesse pontual

com intensidade variada, o que permite que uma pessoa possua uma série

de contatos, mas sem grande aprofundamento holístico nessa relação

(GRANOVETTER,1973).

Circuitos formados por laços fortes são mais propícios para

enrijecimento do capital social, principalmente se considerarmos a quebra

que há entre um círculo formado por laços fortes e o contexto ao seu entorno.

A maioria dos estudos sobre capital social se baseiam nos valores

sociológicos e culturais que emergem de comunidades à margem da

sociedade, como a formação e criação de códigos de conduta em guetos de

imigrantes.

O movimento da comunidade para fora dela é um dos sinais de que o

capital social pode ser absorvido pelo capital financeiro, sendo o mercado o

seu principal agente conversor. Mas também devemos considerar a anistia, a

miscigenação e fusão entre culturas como outras forças que condensam o

capital social de um circuito de laços fortes, tornando-o acessível para outros

círculos e permitindo a criação de laços fracos em torno dele.

Contudo, para condensar o termo capital social e usá-lo de maneira

mais genérica e apropriada à análise da sociedade em rede, extrai-se duas

bases da sua concepção: (i) a própria relação social coletiva, que permite aos

seus atores reclamar a sua autoria e pertencimento pelo que foi ou é

construído e, (ii), a quantidade e a qualidade dos recursos oriundos dessa

interação.

É possível presumir que o enfraquecimento de laços ajuda a converter

o capital social, mas isso só pode ser verdadeiro se, junto a esse

enfraquecimento, mais pessoas se envolverem nessa relação. A extinção de

línguas indígenas é consequência da falta de atores com laços fortes para

mantê-las vivas, por mais que parte desse capital social tenha sido absorvido

pela Língua Portuguesa no Brasil.

Além dos laços fortes, a grande maioria de definições acerca de

capital social partem de um ideal de altruísmo entre as pessoas envolvidas

em algum contexto comum. Esse altruísmo é praticado em comunidade e

Page 65: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  56  

entre indivíduos de maneira voluntária e involuntária, a depender da linha de

pensamento. E é legítimo o empoderamento entre atores participantes e que

esse montante tem grande potencial transformador de dentro de seu círculo

para fora, ou em outros termos, dos laços fortes para o contexto dominante.

Em suma, o capital social permite o acesso e a criação de recursos a

partir do relacionamento. Movimentos sociais e conexões interpessoais

incentivam a tomada de recursos por empréstimo, a transmissão de

informações comerciais, a criação de mercados protegidos e uma série de

atividades econômicas, que são favorecidas pela aproximação e a criação de

laços entre seus atores. E à medida que a rede cresce em termos de adoção

e possibilidades, esses movimentos sociais podem ser espelhados nela e,

enquanto o crescimento da rede fomenta a criação de uma cultura em torno

dela (LÉVY, 2010), a motivação para a criação de capital social de

determinados grupos pode aumentar em meio à amálgama cultural

instaurada pela rede.

Bourdieu (1986) também sugere que o aumento do capital social só é

possível mediante o investimento para que mais conexões e laços se

construam. Essa leitura é preciosa para encarar os tempos atuais, onde

encontra-se em países mais desenvolvidos, maior afinidade com a

tecnologia, acesso a meios de comunicação e maior poder de compra. São

deles que notamos uma emancipação de modelos de negócio que privilegiam

o capital social, como o Airbnb e TripAdvisor, que serão postos sob análise a

seguir.

Da leitura sociológica sobre capital social, nota-se uma contradição: se

são poucos os laços fortes, como o capital social pode ser criado e valorizado

na rede?

A partir do momento em que as pessoas podem se conectar com seus

interesses e fortalece-los em rede, esses laços fracos radicados em torno de

um interesse específico permitem que atores também desenvolvam suas

relações interpessoais, mas principalmente, acabem por valorizar o capital

social extraído desse interesse coletivo em questão.

Page 66: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  57  

4.2. O capital social e o fenômeno da sociedade em rede: o modelo de organização de interesses do TripAdvisor

Lévy e Anderson consideram que a boa vontade entre as pessoas foi

beneficiada pela sociedade em rede, que conseguiu elevar a fraternidade e

encerramento de pessoas junto ao mesmo interesse, independente da sua

localização geográfica. Sendo o voluntarismo a chave da criação do capital

social, realizamos um deslocamento dessa análise do meandro sociológico

para focarmos a discussão no encontro da inteligência coletiva.

Como observado em Shirky: em rede, a escala colaborativa não é

proporcional entre os autores que participam dela (2012). A ideia da Cauda

Longa de distribuição de recursos também pode ser vista pelo viés das

definições de capital social, já que – apesar dos laços fortalecidos – não há o

equilíbrio entre os atores, mas a possibilidade de reivindicação sobre o todo

construído (BOURDIEU, 1986).

Ainda em Shirky nota-se que sistemas colaborativos que não visam o

protagonismo, mas sim a emancipação de algo que seja interessante para o

seu grupo, possuem grande potencial de crescimento a medida que o objeto

construído é capaz de engajar os atores numa constante discussão (SHIRKY,

2012, pp. 94 - 105).

Aqui encontra-se um paralelo muito relevante para o turismo, onde o

turista, ao compartilhar sua experiência, não procura ser reconhecido como

detentor do conhecimento, mas sim expor seu ponto de vista pessoal para a

validação coletiva. Como vimos em De Botton (2012), o ideal por trás de uma

viagem está mais próximo da realização e busca pessoal do que na

dominação exterior.

Tendo o TripAdvisor como objeto de estudo deste fenômeno, nota-se

que a difusão de conhecimento é o principal recurso do site, cujo capital

social é formado a partir da participação de viajantes dentro de temas de

interesse para decisão da viagem, como hotéis, restaurantes e atrações

turísticas. O alto envolvimento pessoal que a viagem proporciona faz com

que cada assunto possa ser desenvolvido com grande afinco dos seus

participantes.

Page 67: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  58  

Nos mesmos moldes da Wikipédia, o crescimento do conhecimento

acumulado na plataforma só é possível a partir do aumento dos acessos à

mesma, seja para consulta ou colaboração.

Figura 4.2.1. – Visitantes únicos, por ano, no site TripAdvisor até 2012 e

projeção até 2020.

Fonte: Forbes (2014). Disponível em:

<http://www.forbes.com/sites/greatspeculations/2013/05/06/these-drivers-will-help-fuel-

tripadvisors-user-base-growth/>. Acesso em: Setembro de 2014.

São mais de 30 milhões de contribuições por ano de acordo com a

publicação Forbes de 2013. E, apontado pela pesquisa realizada pela

PhoCusWright (2013), a confiança nas resenhas é alta e muito precisa por

ser constante e contar com o viés pessoa. Novamente nessa pesquisa,

encontramos que os entrevistados se mostram mais confiantes em viajar

após lerem as resenhas de outros usuários no site: 77% afirmaram que

sempre leem as resenhas de usuários antes de fechar pacote com um hotel

e, 50% afirmaram lê-las antes de decidir onde comer.

No entanto, o TripAdvisor é parte da iniciativa privada e tem o

crescimento de suas ações vinculado ao aumento da participação, já que a

plataforma se destaca cada vez mais como uma fonte confiável para

viajantes e uma força de resistência dos turistas frente a estabelecimentos e

intempéries que enfrentam no contexto no ambiente visitado.

Page 68: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  59  

Se antes não haviam meios para criticar alguma coisa, hoje o turista

pode se fazer ouvido no TripAdvisor e, como uma cadeia crescente, à medida

que determinado assunto perde qualificação, ele também deixa de ser

interessante a mais pessoas e, consequentemente, perde valor de mercado.

Em contra partida, ao investir nessa rede de participação colaborativa, o

TripAdvisor só se valoriza no mercado.

Figura 4.2.2. – Valorização das ações do TripAdvisor 2008 – 2013.

Fonte: Statista (2014). Disponível em: <http://www.statista.com/statistics/225444/tripadvisor-

total-assets/>. Acesso em: Setembro de 2014.

Além dessas constatações, também consideramos mais alguns pontos

importantes para a análise do capital social junto ao site TripAdvisor: o

crescimento da base e a capacidade de se manter útil para diferentes perfis

de viajantes. Sobre esse segundo fator, pesa o fato de que 60% do conteúdo

criado seja feito por usuários dos Estados Unidos e Reino Unido (Forbes,

2013). Para continuar crescendo sem perder a relevância a plataforma

precisará buscar usuários de outros países e com culturas diferentes.

Aqui também nota-se um grande esforço de organização de

informações para que o usuário possa ter um ponto de partida durante o seu

planejamento de destinos e hospedagens. A organização simples e aberta –

Page 69: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  60  

ao contrário da Wikipédia, que não oferece tantos incentivos públicos para

participação – faz com que a plataforma consiga operar com conteúdo

colaborativo sem perder seus objetivos de mercado e sem espoliar seus

contribuintes ou resenhas.

Além disso, a necessidade de oferecer uma contrapartida eficiente

para o mercado ajuda a fazer com que os donos de estabelecimentos e

líderes de atrações turísticas peçam para que os turistas os beneficiem na

plataforma, numa estratégia de negócio semelhante a estratégia de Pull and

Push, muito usada na logística e Marketing.

Figura 4.2.3. – Visualização da estratégia de Pull and Push e do TripAdvisor.

Fonte: gráfico criado pelo autor.

A relação entre interesses para o usuário e para o negócio dos

empreendedores de turismo fica clara na principal área de interface do

TripAdvisor, a sessão de resenhas.

Usuários Criam e acessam

resenhas de outros usuários para orientar

sua viagem

Trip Advisor Concentra resenhas de usuários sobre vários aspectos do

turismo

Empreendedores do turismo

Pedem resenhas para se projetarem na

plataforma

Page 70: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  61  

Figura 4.2.4. – Divisão de interesses na página de resenhas do TripAdvisor.

Fonte: TripAdvisor (2014). Gráfico desenhado pelo autor. Disponível em:

<http://www.tripadvisor.com.br/Restaurant_Review-g303506-d1020727-Reviews-

Copacabana_Palace-Rio_de_Janeiro_State_of_Rio_de_Janeiro.html>. Acessado em:

Setembro de 2014.

Ao oferecer ao empreendedor do turismo não só a possibilidade de

inserção de dados e análise das resenhas deixadas pelos usuários, mas a

como veículo para a venda de anúncios, o TripAdvisor aproveita do volume

de usuários para rentabilizar sua plataforma.

Cruzando a operação da plataforma com os termos da cultura

colaborativa citados anteriormente, nota-se que a organização é fundamental

para a criação de uma lógica do conteúdo colaborativo, que possui alto

interesse para um viajante antes de tomar sua decisão. A projeção da Cauda

Longa é facilitada a partir do momento em que todo tipo de resenha pode ser

feito. Há um incentivo do dono do negócio em se fazer notado na plataforma

e o próprio empreendedor pode complementar informações sobre seu

estabelecimento.

Page 71: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  62  

Em suma, quanto mais acessos, mais pessoas criam resenhas e

quanto mais resenhas, mais o site tende a crescer, assim indicando que o

capital social pode ser projetado na rede e ganhar valor a partir dela. Essa

abordagem parte dos padrões da Sociologia, que determinam o termo, para

mostrar que é possível sua valorização mercadológica se esta valorizar um

interesse comum entre os seus atores.

4.3. Controle, fortalecimento de laços e direcionamento aspiracional como fomento a criação de capital social para realização de negócios no Airbnb

Outra voz influente na leitura sobre capital social, o sociólogo James

S. Coleman estabelece uma leitura sobre capital social ligada ao

fortalecimento do mesmo em famílias com maior estrutura e em condições

que pais e filhos desfrutem de mais tempo juntos para a estruturação

intelectual e preparo para o enfrentamento social. Coleman sugere que

ambientes de maior controle estabelecido sobre os atores favoreça o

enriquecimento da família, o autor atribui a essa atitude uma maior chance de

sucesso da criança, uma vez que ela é melhor preparada para a fase adulta

(COLEMAN, 1988, pp. 95 - 121).

O autor relaciona o fortalecimento de laços entre uma comunidade

como forma de enrijecer o capital. O estudo em torno da esfera familiar feito

pelo sociólogo tem seu foco no controle contextual, na proteção contra

ameaças e na criação de um ideal de vida aspiracional para que as crianças

se desenvolvam para conquistá-la (COLEMAN, 1988, pp. 95 - 121).

Incialmente, a proposta de Coleman pode não fazer sentido para a

sociedade em rede, onde cada usuário reorganiza a informação

individualmente e não existe a chance de direcionar a navegação de

ninguém. No entanto, a equação citada pode servir como base para que

relacionamentos em torno do mesmo interesse adquiram um caráter mais

sério e confiável, próprio para a elaboração de negócios.

Considera-se que o capital social em rede é fortalecido a partir do

momento em que o usuário se compromete com seus dados pessoais e

responde pelo atendimento a outros usuários quando precisa comprar e

Page 72: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  63  

vender objetos pessoais. Esse laço transacional é forçado e mostra sucesso

em sites de comércio interpessoal ou P2P, como o Mercado Livre ou o eBay.

É na operação do Airbnb que se nota maior validade da equação de Coleman

(1988).

Apesar da relação entre proprietário e locatário ser baseada em um

interesse comum (a locação por temporada), esta interação precisa ser bem

intermediada para que haja o fortalecimento de laços entre os atores e o

capital social dessa relação se torne valioso para ambos. A plataforma

procura se proteger e “blindar” seus usuários adotando uma série de medidas

de segurança, que vão desde o monitoramento e a intervenção de conversas

entre usuários que mencionem pagamento fora da plataforma até o pedido de

documentos de identidade digitalizados para comprovar a validade dos perfis

dos usuários. Nesse sentido, notamos um grande esforço de controle do

contexto e do direcionamento das ações: ao participar, o usuário acaba por

se ver preso às suas condições de controle impostas.

Esses mecanismos ajudam a garantir a identidade dos envolvidos. No

entanto, eles não mitigam a grande ameaça do Airbnb: facilitar o encontro

mas perder a transação, que pode ser feita fora da plataforma. Como outra

forma de evitar que isso ocorra, a plataforma procura dividir seus onerários

entre proprietário e locatário para evitar que nenhuma das partes se assuste

com as taxas.

A interface do site é organizada de uma maneira que alterna uma

visão aspiracional da hospedagem – recurso que é estimulado pela

plataforma, que chega a contratar fotógrafos para registrar as casas em

busca de imagens mais apelativas e convincentes – e uma noção clara sobre

a identidade do anfitrião e sua reputação. Tudo isso aumenta a credibilidade

do proprietário e incita a descoberta, que acaba indo além do destino turístico

e também inclui uma imersão no estilo de vida local.

Page 73: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  64  

Figura 4.3.2. – Organização da principal página de acesso do Airbnb.

Fonte: arte feita pelo autor. Disponível em: <airbnb.com.br>. Acessado em:

Setembro de 2014.

Page 74: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  65  

Como colocado no capítulo 3.4.1, o controle não fica somente sob a

responsabilidade do proprietário, pois o site também exige garantias

transacionais e de identidade dos viajantes, o que acaba por estimular a

oferta de hospedagem: a grande maioria das ofertas são feitas por pessoas

com apenas uma propriedade – indicando que são pessoas comuns, e não

grandes proprietários os que mais oferecem seu espaço para locação.

Figura 4.3.3. – Número de propriedades oferecidas por pessoa na região de

São Francisco (EUA), em 2013.

Fonte: San Francisco Chronicle (2013). Disponível em:

<http://www.sfgate.com/business/item/Window-into-Airbnb-s-hidden-impact-on-S-F-

30110.php>. Acesso em: Setembro de 2014.

Dessa forma, o Airbnb entra no pacote de informações coletadas antes

de viajar não só como oferta de hospedagem, mas também junto ao conjunto

de aspectos que levam o viajante a realizar sua descoberta interior a partir do

Page 75: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  66  

turismo. A cadeia de confiança, diretamente manipulada pelo ambiente

controlado da plataforma, vence a necessidade por segurança, tanto que 3

em cada 4 inquilinos eram viajantes solitários segundo o relatório anual da

plataforma, em 2012.

No entanto, apesar do seu crescimento exponencial, especula-se o

limite para o crescimento do Airbnb uma vez que a plataforma imprime uma

nova forma de viagem e de fazer negócios e a falta de regulamentação pode

criar mais obrigações para locatários e inquilinos, desencorajando ambas as

partes. Além disso, pequenos empreendedores da indústria hoteleira também

parecem se adaptar ao serviço, como visto na Figura 4.3.3, em que mais de

300 transações são realizadas por donos de quatro ou mais propriedades

(7% do total) na região de São Francisco, de onde o Airbnb é oriundo.

Como oportunidade, nota-se que o fenômeno P2P, que caracteriza a

troca financeira ou colaborativa entre pessoas físicas favorecida pela internet,

tem maior adesão junto às novas gerações que cresceram após o surgimento

da rede.

Figura 4.3.5. – Interesse em plataformas P2P por geração nos Estados

Unidos.

Fonte: JWT Intelligence (2013). Disponível em: <http://www.jwtintelligence.com/wp-

content/uploads/2013/04/F_JWT_Travel_Changing-Course_04.29.13.pdf>. Acesso em:

Setembro de 2014.

Page 76: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  67  

Fatores econômicos e sociais também contribuem para a expansão de

plataformas P2P, notando-se que, no mundo, regiões menos desenvolvidas

são as que registram maior número de interessados em alugar espaço.

Figura 4.3.6. – Usuários de internet que alugaram estadia em serviços P2P,

no mundo.

Fonte: eMarketer (2014). Disponível em: <http://www.emarketer.com/Article/Whats-Airbnbs-

Future-Millennials-Move-Backpacks-Briefcases/1011059>. Acesso em: Setembro de 2014.

Portanto, a necessidade de adesão e investimento em meios

tecnológicos determina o comportamento, que é influenciado por fatores

como geração e condição de vida.

As premissas de Coleman funcionam para o Airbnb, pois há um ganho

claro e saudável para ambas as partes. A partir do momento em que essa

nova geração de viajantes reincide o seu consumo e faz disso um hábito, no

entanto, é difícil crer que o modelo tradicional de hotelaria será extinguido,

uma vez que ele é necessário para uma série de perfis de hóspedes.

Dessa forma, conclui-se que o Airbnb cria um circuito que começa na

valorização do capital social e apresenta uma ameaça ao mercado hoteleiro e

consequentemente também no setor de turismo. Sua projeção e o poder de

Page 77: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  68  

transformação do mercado colaborativo ainda são desconhecidos, mas

provam que é possível fazer a participação coletiva movimentar recursos

entre os seus atuantes e, isso não só amplia o círculo de participantes dessa

prática, como também incentiva o fortalecimento de laços entre eles.

Page 78: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  68  

Considerações finais O fato de ser uma atividade global torna o ato de viajar insaciável, ao

menos em termos de destinos a se conhecer. O tamanho do mercado de

turismo, que chega à casa do trilhão de dólares movimentados anualmente,

comprova a sua grandiosidade.

É possível tomar essa atividade como um interesse de altíssimo valor,

a partir do momento em que o turismo é um bem de acesso massivo e um

objeto de consumo altamente recompensador, capaz de sanar diversos

patamares da Pirâmide de Maslow e ainda possuir um espectro existencial

muito mais profundo do que a aquisição de um bem material.

Encontra-se nos estudos levantados pela consultoria McKinsey, sobre

o comportamento do consumidor durante o processo de compra, uma sólida

base para considerar que qualquer negócio dentro da cadeia de valor do

turismo pode ser valorizado pelo endosso pessoal, principalmente se

levarmos em conta o empoderamento do consumidor, seja na influência a

outros consumidores ou no potencial para relacionamento pós compra.

A reputação como fator que diferencia uma marca da outra está em

xeque. Estando na rede, qualquer ponto de vista pessoal representa uma

oportunidade real a todo setor de turismo. Dessa forma, é preciso atentar

para os fenômenos gerados pela abundância da informação e suas

potenciais consequências para o mercado.

Nesse sentido cumulativo, considera-se que informações de turistas

que podem beneficiar outros turistas são despejadas na rede e que a própria

abundância da mesma tende a dificultar a organização e tomada de decisão.

Por isso, sob o ponto de vista empresarial, uma interface capaz de concentrar

aquilo que o indivíduo busca é o primeiro passo para se diferenciar.

A organização só vem a favorecer o desenvolvimento do interesse

enredado na rede. No caso do turismo, é possível estabelecer centrais ou

agregadores de todas as sortes, como plataformas dedicadas a passagens

aéreas, portais de conteúdo especializado em determinado país, entre outros.

Contudo, ao observar as relações entre o TripAdvisor e Wikipédia,

conclui-se que é possível se espelhar um modelo colaborativo e sem fins

lucrativos para um modelo empresarial e igualmente baseado no

Page 79: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  69  

Crowdsourcing. Esse espelhamento só é possível se respeitadas duas

condições: (i) a não espoliação dos colaboradores e (ii) a legitimação do

objeto construído como algo de grande importância para todos que

participam deste sistema. Ou seja, o turismo tem grande potencial para

movimentar a ação coletiva, pois uma viagem é um ato essencialmente de

descoberta pessoal e, uma rede de Crowdsourcing se mantém viva enquanto

as discussões nela não cessarem.

E é na base do oferecimento para um novo ponto de vista que o

TripAdvisor se mantém atual e com uma margem de confiança enorme. Por

concentrar qualquer tipo de resenha, essa plataforma permite com que mais

pessoas entrem em contato com destinos, atrações e restaurantes pouco

conhecidos, estimulando a Cauda Longa dentro do setor.

Este estímulo, no entanto, não chega perto do trabalho realizado pelo

Airbnb, cujo negócio permitiu a criação de um novo mercado, onde indivíduos

podem se projetar e competir de maneira aberta. Essa plataforma não era

considerada por Anderson (2006), mas segue muito bem as suas premissas,

principalmente no sentido da redução dos custos de produção para alongar a

oferta de produtores

Em comum, ambas as plataformas se valem da criação de uma

relação de confiança entre atores, por mais que estes não se conheçam ou

venham a interagir. A confiança pode ser considerada um poder emergente

na equação “ponto de vista pessoal” e “interesse na discussão”.

Em busca da credibilidade pessoal, TripAdvisor e Airbnb se organizam

para tornar o conteúdo de suas plataformas mais interessantes, como é o

caso da conexão com o Facebook no TripAdvisor e o fotografo enviado do

Airbnb. A necessidade de um olhar mais aprofundado sobre capital social

ajuda a compreender porque esses modelos de negócio cresceram muito nos

últimos anos, pois eles souberam aproveitar o trânsito de informações entre

as pessoas para sedimentar circuitos que valorizam o poder colaborativo.

Acrescenta-se a isso o interesse por companhia para realizar uma

viagem, como exposto em De Botton (2012, p.187), que chegava a lembrar

da preservação emocional quando se viaja sozinho. No entanto, nota-se que

não é essa motivação que faz com que mais pessoas busquem “incrementar”

a sua jornada de descobertas na opinião e nos domicílios de outras pessoas.

Page 80: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  70  

Portanto, o sucesso de plataformas colaborativas no mercado de turismo e

seu potencial social ampliam os desejos que uma viagem possa sanar. A

descoberta pessoal não fica restrita ao registro da consciência e passa

também pela descoberta de novos pontos de vista.

A leitura sociológica, principalmente em Coleman (1988, pp. 95 - 121),

tem um fundamento muito importante para valorização comercial desse

capital social informativo na cadeia do turismo: a criação de laços fortes

tende a favorecer a expansão de determinado interesse e facilita a sua

projeção e consumo.

No TripAdvisor esse comportamento é notado a partir da avaliação

geral que a plataforma atribui aos artigos nela listados e no grau de

envolvimento das pessoas que colaboram com eles. Como é a opinião dos

outros que importa, referindo-se ao envolvimento coletivo, mesmo que de um

pequeno grupo, tais opiniões tendem a atrair mais pessoas curiosas em

desfrutar da mesma descoberta – o ato chave do turismo.

Já no Airbnb, o fortalecimento de laços é uma prerrogativa da

plataforma para garantir a segurança de ambas as partes interessadas na

estadia. No entanto, são vários os incentivos para que hóspede e anfitrião se

aproximem antes do encontro físico, o que tende a diminuir qualquer

descontentamento com a experiência para ambos e fazer com que o anfitrião

seja bem avaliado e o hóspede retorne a buscar estadia na plataforma.

A rede é responsável por instaurar uma nova cadeia de valor no

mercado de turismo. E esta é definida pela participação ativa de atores em

torno de interesses comuns, seu movimento de expansão é contínuo e cria-

se uma cultura própria em torno dele, como previsto por Lévy (2010). Dessa

forma, enxerga-se novos paradigmas com poder para marcar este mercado e

a própria concepção do ato de viajar.

Page 81: Transformações no mercado de turismo provocadas pela

 

  71  

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