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Caderno Fórum Fiscal n o 6 TRANSFERÊNCIAS INTERGOVERNAMENTAIS NA FEDERAÇÃO BRASILEIRA Avaliação e alternativas de reforma

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Caderno Fórum Fiscal no 6

TRANSFERÊNCIAS INTERGOVERNAMENTAIS NA FEDERAÇÃO BRASILEIRA

Avaliação e alternativas de reforma

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ÍNDICE GERAL

Volume 1 Capítulo 1– Visão geral do sistema de partilha

Capítulo 2 − Fundos de participação e sistemas de equalização

Volume 2 Capítulo 3 – A cota-parte municipal do ICMS

Volume 3

Capítulo 4 − O equilíbrio vertical na Federação brasileira

Capítulo 5 – As transferências compensatórias

Capitulo 6 – Financiamento do gasto social: educação e saúde

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Volume 1

Uma visão geral do sistema de transferências

Sérgio Prado (IE− Unicamp)

Fundos de participação e equalização

Alessandro Melo da Silva

Fernando de Castro Fagundes

Rivael Aguiar Pereira

Sefaz Goiás

Coordenação: Sérgio Prado (Unicamp)

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INDICE

APRESENTAÇÃO ....................................................................................... 9PREFÁCIO ............................................................................................................................. 10

CAPÍTULO 1 − INTRODUÇÃO CONCEITUAL E VISÃO GERAL DO SISTEMA ... 11

1.1.1 Os determinantes básicos das transferências verticais ..................... 11

1.1.2 O problema do equilíbrio vertical ................................................... 19

1.1.4 Sistemas de transferências redistributivas – dois modelos ............... 29

1.2 Avaliação do sistema brasileiro de partilha 31

1.2.1 As transferências no federalismo fiscal brasileiro ........................... 31

CAPÍTULO 2 − FUNDOS DE PARTICIPAÇÃO E SISTEMAS DE EQUALIZAÇÃO 40

Introdução e síntese 40

2.1 Os fundos de participação – origens e evolução até 1988 43

2.1.1 O Fundo de Participação dos Estados ............................................. 45

2.1.2 O Fundo de Participação dos Municípios ........................................ 48

A distribuição para os municípios do interior ............................................. 49

2.2 Os fundos de participação a partir de 1989 52

2.3 Alternativas de reforma 56

2.3.1 Retorno ao CTN: o “descongelamento” .......................................... 57

2.3.2 Os sistemas de equalização ............................................................. 61

2.4 A aplicação da equalização no Brasil − simulações ......................... 78

2.5 Conclusões 108

INTRODUÇÃO........................................................................................................... 114

1. CARACTERIZAÇÃO E HISTÓRICO DA COTA-PARTE ..................................... 115

1.1 Caracterização 115

1.2 Breve histórico da cota-parte do ICM e ICMS 117

2. SITUAÇÃO ATUAL DA COTA-PARTE ............................................................... 121

2.1 O critério determinado por lei complementar federal – valor adicionado 122

2.1.1 Aspectos operacionais para o cálculo .............................................. 122

2.1.2 Problemas conceituais e operacionais .............................................. 124

2.1.3 Avaliação crítica – tendência à concentração ................................... 128

2.2 Os critérios regulados por lei estadual 130

2.2.2 Análise dos critérios adotados para a fração regulada por lei estadual131

2.3 Avaliação da cota-parte em 2006 para casos selecionados 146

3. ALTERNATIVAS PARA REDUZIR A CONCENTRAÇÃO DO CRITÉRIO VALOR ADICIONADO ....................................................................................................... 156

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3.1 Autonomia versus critérios nacionais uniformes: uma discussão 157

3.2 Perspectivas de desenvolvimento da pesquisa 159

4. UMA PROPOSTA DE ABORDAGEM PARA O TRATAMENTO DA COTA-PARTE ................................................................................................................... 160

4.1 Porque o critério consumo na cota-parte 161

4.2 Por que o critério população na cota-parte 165

4.3 Estudo de caso − simulação de impacto na cota-parte dos municípios do Paraná 170

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 177

REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 184

ANEXO I - CRITÉRIOS DE PARTILHA DA COTA-PARTE DOS MUNICÍPIOS NO ICMS, POR ESTADOS .......................................................................................... 185

ANEXO II – COMO CALCULAR O CONSUMO MUNICIPAL ............................... 191

VOLUME 3 ................................................................................................................. 203

APRESENTAÇÃO ................................................................................................... 206

CAPÍTULO 4 − O EQUILÍBRIO VERTICAL NA FEDERAÇÃO BRASILEIRA ........ 207

4.1 A identificação do problema .................................................................................. 207

4.2 O esvaziamento dos estados ................................................................................... 209

4.3 Análise da situação orçamentária atual ................................................................... 211

Elevação da carga tributária 214

Mudança unilateral da distribuição vertical 215

4.4 Dificuldades para a obtenção do equilíbrio vertical ................................................ 217

Ausência de mecanismo institucional 217

Identificação de mecanismos de ajuste 218

CAPÍTULO 5 − AS TRANSFERÊNCIAS COMPENSATÓRIAS ................................ 221

5.1 Conceituação ......................................................................................................... 221

5.2 A experiência brasileira − uma visão geral ............................................................. 222

Desoneração das exportações: um caso agudo de desconforto 222

A importância relativa das transferências compensatórias 223

5.3 O modelo atual de transferências compensatórias ................................................... 224

Transferência pela desoneração das exportações de produtos industrializados 225

Transferência instituída pela Lei Complementar no 87/96 226

Auxílio aos estados exportadores 231

5.4 O futuro do modelo de transferências compensatórias ............................................ 233

5.5 Proposta do governo federal de novo tratamento do ICMS nas exportações (março de 2006) ...................................................................................................................... 235

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5.6 A incompatibilidade das transferências compensatórias com o princípio do destino na tributação ................................................................................................................ 237

5.7 Alternativas ao sistema de transferências compensatórias ...................................... 238

CAPÍTULO 6 − FINANCIAMENTO DO GASTO SOCIAL NA FEDERAÇÃO BRASILEIRA: EDUCAÇÃO E SAÚDE.................................................................... 240

Apresentação ............................................................................................................... 240

6.1 Financiamento do gasto social em Federações: vinculação e programas nacionais. . 241

6.1.1 Uso de sistemas de equalização: um primeiro modelo 243

6.1.2 O uso de transferências condicionadas: um segundo modelo 244

1a) Programas nacionais ........................................................................... 245

2a) Uma modalidade alternativa; transferências com contrapartida ........... 246

6.1.3 A vinculação de receitas nos orçamentos subnacionais ................. 247

Algumas observações gerais .................................................................... 250

6.2 O financiamento da saúde no Brasil ....................................................................... 252

6.2.1 Os agentes financiadores da atenção à saúde 255

6.2.2 Histórico do financiamento público da saúde no Brasil 258

O papel da previdência social no financiamento da atenção à saúde ......... 260

As mudanças da década de 1970 na área de saúde .................................... 264

A década de 1980: o processo de descentralização do sistema de saúde e o seu financiamento ............................................................................... 268

As alterações com a Constituinte de 1988 e o financiamento na década de 1990 ..................................................................................................... 273

A extinção do Inamps, a criação das NOBs e a Noas 01/01 ...................... 277

As fontes de financiamento ...................................................................... 285

A Emenda Constitucional no 29/00 .......................................................... 290

6.2.3 Distribuição intergovernamental de funções 294

6.2.4 Alternativas a serem aprofundadas 296

REFERÊNCIAS 300

6.3 Financiamento da educação na Federação brasileira ............................................... 307

6.3.1 Financiamento de educação brasileira via vinculação 310

6.3.3 Funcionamento do sistema e o conflito de competências 318

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APRESENTAÇÃO

Em setembro de 2004, os secretários de Fazenda de 11 estados brasileiros relacionados na contracapa desta publicação, reunidos para o Confaz de Aracaju, firmaram convênio instituindo o “Fórum fiscal dos estados brasileiros” com o objetivo de iniciar um diálogo sobre temas fundamentais do federalismo fiscal e destacar um grupo de profissionais experientes das respectivas secretarias para, com base no estudo teórico e na análise de experiências internacionais, avançarem na discussão dos desafios que a Federação brasileira enfrenta para conciliar a necessidade de sustentação do equilíbrio fiscal com a modernização do sistema tributário, a autonomia federativa e a qualidade da gestão pública. Com a posterior adesão dos estados de Goiás e Mato Grosso, o fórum alcançou a metade dos estados-membros da Federação, com representantes de todas as regiões brasileiras.

A condução dos trabalhos do fórum foi entregue à Fundação Getulio Vargas, entidade que reúne profissionais com reconhecida competência e experiência no estudo e na prática das matérias que constituem seu objetivo. Para tanto, cada um dos estados signatários do referido convênio firmaram contratos com a FGV para que esta elaborasse um plano de trabalho a ser executado no primeiro ano de atividades do fórum, compreendendo o período de junho de 2005 a maio de 2006.

Esse plano, que obteve a aprovação unânime do conjunto dos estados envolvidos, contemplava essencialmente a realização, por técnicos indicados pelas secretarias, de estudos, pesquisas e debates sobre quatro grandes temas que compõem o conjunto das questões abordadas pelo federalismo fiscal: Equalização de receitas, competição fiscal, harmonização tributária e cooperação intergovernamental. A execução desse plano se deu por meio da realização de palestras a cargo de profissionais indicados pela FGV, da leitura da bibliografia distribuída aos participantes e de encontros periódicos realizados em Brasília, para apresentações, debates e esclarecimentos.

Nesse período, os técnicos estaduais que participaram do primeiro ano de atividades do fórum se dedicaram à realização de tarefas relacionadas aos quatro temas anteriormente mencionados, com o objetivo de uniformizar conhecimento de todos os profissionais envolvidos no projeto. Ao final do período, o conhecimento acumulado foi por eles transformado em relatórios abordando cada um dos temas que constaram do programa de trabalho em questão.

Os trabalhos realizados pelo Fórum Fiscal em seu segundo ano de atividades tiveram como objetivo o aprofundamento e a sistematização de informações e análises sobre alguns dos mais importantes aspectos do federalismo fiscal brasileiro. Esse trabalho foi organizado em duas grandes frentes de pesquisa. A primeira, abordando a tributação indireta no Brasil − com especial ênfase nos temas relacionados à reforma do ICMS − deu origem ao caderno no 5, Cenário da Reforma Tributária com Tributação Dual sobre o Consumo. A segunda frente de pesquisa abordou de forma ampla o sistema brasileiro de transferências intergovernamentais. Este caderno no 6, que está dividido em três volumes, apresenta os resultados desse trabalho.

Os trabalhos apresentados nestes cadernos foram elaborados por técnicos estaduais que, na sua grande maioria, vêm participando dos trabalhos do fórum desde o início. Todos os temas foram amplamente debatidos nas reuniões periódicas realizadas em Brasília, na FGV, com a totalidade dos técnicos envolvidos no fórum, e, portanto, a elaboração dos trabalhos se beneficiou das contribuições aportadas nessas reuniões. O mérito maior, contudo, cabe àqueles técnicos que aceitaram individualmente o desafio da tarefa muitas vezes pesada e

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difícil de pesquisa e reflexão, realizado, no mais das vezes, fora de seus horários de expediente.

Este caderno está organizado em seis capítulos, distribuídos por três volumes. O capítulo 1 é introdutório, e recomenda-se a sua leitura antes de qualquer dos estudos específicos. Nele estão apresentadas as bases conceituais que orientam a abordagem adotada neste estudo, assim como uma descrição geral do sistema brasileiro de transferências, sua evolução histórica e as principais características das principais transferências existentes.

O capítulo 2 trata em profundidade daquelas que são, com certeza, as mais importantes transferências verticais no sistema brasileiro: os fundos de participação de estados e municípios. É feita uma cuidadosa revisão do histórico desses fluxos, desde sua concepção em 1965, e analisadas sua situação atual e possíveis alternativas de reforma. O estudo apresenta em detalhes uma alternativa inovadora, os sistemas de equalização − muito utilizados em federações desenvolvidas −, mostrando que esta pode ser uma solução adequada para as dificuldades constatadas no modelo atual dos fundos de participação.

O capítulo 3 também estuda em profundidade, de forma seguramente inédita nas análises sobre o sistema tributário brasileiro, a chamada cota-parte municipal do ICMS. É feita também uma cuidadosa reconstituição de sua evolução, desde as origens, em 1965, e discutidas as deficiências e distorções geradas pelos atuais critérios de distribuição. Outra realização inédita neste estudo é um amplo levantamento das legislações estaduais sobre os 25% da cota-parte que é distribuída segundo escolha autônoma dos estados. O estudo avança também na identificação de possíveis alternativas para reformulação e modernização da cota-parte, incluindo a discussão quanto às possíveis repercussões que possa ter sobre seu funcionamento, uma possível adoção do princípio do destino.

O capítulo 4 aborda o problema do equilíbrio vertical na Federação brasileira. Essa discussão não se refere a nenhuma transferência em particular, mas ao resultado agregado da distribuição dos recursos entre os três níveis de governo.

O capítulo 5 discute − também de uma perspectiva histórica e, depois, analítica − os problemas e possíveis soluções envolvidas nas chamadas transferências compensatórias, aquelas decorrentes da desoneração de exportações: Lei Kandir, IPI-Exportação e similares.

Finalmente, o capítulo 6 aborda os sistemas de transferências hoje dedicados ao financiamento dos programas sociais no Brasil, nas áreas de educação e saúde. Nessa etapa do trabalho com esses setores, o foco do fórum ficou limitado a uma descrição dos respectivos sistemas. Esses trabalhos, portanto, não avançam, como os demais, na discussão de problemas identificados e sobre alternativas de solução, o que deverá ser enfrentado na programação do período 2007-2008.

Ficará evidente para aqueles que lerem todos os cadernos, que o nível de aprofundamento dos estudos é diverso. Isso reflete não apenas a importância que o fórum atribui a cada uma deles, mas também, em grande parte, as condições mais ou menos adversas que os técnicos responsáveis enfrentaram para a sua realização. Infelizmente, a regra geral é que os técnicos não podem dedicar seu tempo regular de trabalho a essas atividades, devendo realizá-las fora de expediente.

Os estudos destes cadernos foram elaborados sob orientação e coordenação do prof. Sergio Prado, professor do Instituto de Economia da Unicamp e consultor da FGV para o fórum, responsável também pela elaboração do capítulo 1 do estudo.

Fernando Rezende − professor da Ebape-FGV e coordenador técnico do “Fórum fiscal dos estados brasileiros”.

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Sérgio Prado − professor do Instituto de Economia da Unicamp e condutor dos ciclos de debates sobre o federalismo fiscal.

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PREFÁCIO

A idéia de criar um ambiente propício ao aprofundamento das questões federativas foi discutida e tomou corpo em dezembro de 2002, quando os secretários de Fazenda dos estados celebraram, por ocasião da reunião do Confaz em Fortaleza, protocolo de intenções manifestando a intenção de virem a firmar convênio com a Fundação Getulio Vargas (FGV), para a implementação de um programa de estudos sobre federalismo. Entre esse protocolo e a assinatura do convênio que criou Fórum Fiscal dos Estados Brasileiros – FFEB, em setembro de 2004, durante o Confaz de Aracaju, passaram-se quase dois anos. Nesse ínterim, as secretarias de Fazenda dos estados firmaram um acordo de cooperação com o “Forum of Federations”, que tem propiciado a interação, o debate e a troca de experiências entre especialistas, técnicos e estudiosos estrangeiros e brasileiros sobre temas que dizem respeito, em especial, aos países federais. O relacionamento com o “Forum of Federations” funcionou como laboratório e ensejou a criação do FFEB. Este, por sua vez acatou prontamente a idéia de desenvolver um programa com a FGV, como previra o Protocolo de Fortaleza.

Inicialmente concebido pelo professor Fernando Rezende, o programa FFEB/FGV apontava a necessidade de sistematizar, de algum modo, o conhecimento sobre os assuntos federativos. Esta necessidade era reconhecida pela minha vivência, bem como pela de outros técnicos, colegas de secretarias estaduais de Fazenda. Particularmente no acompanhamento do processo de reforma tributária e de temas correlatos, como a repartição intergovernamental de receitas, ficou claro que os estados careciam do devido aprofundamento, de forma e em ambientes neutros, destes e de outros temas, cujos rumos têm o poder de afetar diretamente o equilíbrio federativo. Infelizmente, no mais das vezes, é possível constatar que determinantes diversos levavam - e ainda levam - matérias importantes, dentre as quais as de natureza fiscal, a uma apreciação tempestuosa, precipitada e sem adequada reflexão.

O Fórum Fiscal - que é dos estados, mas que foi concebido e é considerado fórum da Federação brasileira − está voltado para o aperfeiçoamento das relações federativo-fiscais. Como tudo que é novo, a implantação de nosso Fórum tem implicado a remoção de muitos obstáculos − desde o ceticismo de alguns que não crêem no projeto ao imediatismo de outros que não valorizam adequadamente as atividades-meio e, impacientes, não entendem que os resultados positivos do trabalho demandam uma construção gradual. Mesmo assim, uma mola propulsora nos tem levado a avançar. Esse é um verdadeiro elo a unir aqueles que, eventual ou permanentemente, têm interagido no ambiente do Fórum: secretários, professores, especialistas, colaboradores e nós técnicos, que temos como maior estímulo à sobreposição das atividades do Fórum com nossas respectivas funções nas secretarias de Fazenda, a busca pelo conhecimento e o ideal de justiça federativa. Comemoremos, então, o lançamento de mais um Caderno Fórum Fiscal!

Fátima Guerreiro − auditora fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia.

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CAPÍTULO 1 − INTRODUÇÃO CONCEITUAL E VISÃO GERAL DO SISTEMA

Sérgio Prado

Instituto de Economia − Unicamp

Este capítulo tem dois objetivos. Primeiro, no item 1.1, apresentar de forma resumida

alguns conceitos e noções teóricas minimamente imprescindíveis para a compreensão do

método de análise utilizado nestes estudos. Segundo, no item 1.2, dar uma visão geral do

sistema brasileiro de transferências, utilizando os conceitos inicialmente apresentados. Essa

visão geral pretende identificar as principais transferências, a partir de uma breve descrição

inicial de cada uma, para que o leitor tenha uma percepção integrada do conjunto do sistema.

No restante do caderno, selecionamos as transferências mais relevantes para uma discussão

mais aprofundada.

1.1 Transferências intergovernamentais: alguns conceitos

Embora cada federação existente seja, de um certo ponto de vista, única e peculiar, não há

dúvida de que as transferências intergovernamentais que nelas ocorrem podem ser entendidas e

analisadas segundo um esquema teórico comum. Em todas as Federações, existem determinados

tipos de transferências, com certas características, que cumprem determinadas funções básicas,

necessárias ao bom funcionamento da Federação. Este item procura apresentar estes tipos básicos de

funções e formatos adotados pelas transferências.

1.1.1 Os determinantes básicos das transferências verticais

Nosso ponto de partida é entender a razão da existência das transferências

intergovernamentais. Uma questão procedente e intuitiva seria: porque cada nível de governo

não arrecada exatamente o que é necessário para dar conta de suas responsabilidades? Quando

se observa a totalidade das Federações no mundo, constata-se que o contrário ocorre: é uma

característica de todas elas, sem exceção, que os governos federal e estadual/provincial

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arrecadem uma parcela maior dos recursos. Sendo uma característica absolutamente

dominante, evidentemente há boas razões que a justifiquem.

O conceito básico e central para analisarmos esse problema é que se pode chamar

brecha vertical: o fato de que os governos superiores arrecadam mais recursos do que gastam

diretamente, enquanto os governos de nível inferior arrecadam menos recursos do que gastam

diretamente. Isso faz com que todas as federações, sem exceção, façam uso de transferências

verticais como um componente essencial de seus sistemas fiscais.

Colocando de outra forma, a brecha vertical (doravante BV) refere-se, portanto, à

diferença entre o volume de encargos efetivamente assumidos pelos governos subnacionais

(GSN), medido pelo gasto final por eles realizado, e o volume de recursos que esses governos

podem obter autonomamente, a partir das bases tributárias que lhes são atribuídas, sem

dependerem de transferências federais. As formas mais usuais de medi-la são: a relação entre

recursos próprios e gastos totais ou, alternativamente, a relação entre recursos próprios dos

GSN e recursos a eles transferidos peloGoverno Central GC. De forma simples, a BV existe

porque o GC, em geral, controla uma parte maior dos recursos, do que resulta a necessidade

de transferências verticais. Tudo o que foi dito antes com referência ao relacionamento entre

governo central e governos subnacionais vale, igualmente, para a relação entre governos

intermediários e governos locais.

As causas de brecha vertical

Há diversos fatores que explicam a concentração do controle sobre a receita fiscal nos

governos superiores, relativamente aos gastos diretos desses governos. Alguns deles têm uma

fundamentação técnica na teoria de tributação; outros resultam de circunstâncias políticas e

históricas.

A BV é explicada, de forma geral, nos modernos sistemas federativos:

pela atribuição dos principais1 impostos ao controle do governo federal (GF), o que é

visto como necessário, do ponto de vista da eficiência do sistema tributário. Essa exigência de

ordem técnico-tributária entra em evidente conflito com a tendência mundial a descentralizar

cada vez mais os encargos administrativos, acentuada nas duas últimas décadas;

1 Estamos utilizando aqui a designação “principais”, por falta de noção mais usual, para designar aqueles impostos que constituem a base de arrecadação dos modernos sistemas tributários, ou seja: renda, consumo (em geral, IVA) e, em alguns casos, impostos específicos (excise tax).

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pela atribuição, aos governos centrais, de duas obrigações ou prerrogativas de grande

importância:

1ª. reduzir as disparidades horizontais em capacidade de gasto, operando sistemas de

equalização através de transferências. No plano horizontal, ou seja, no que se refere à

eqüidade entre jurisdições de um mesmo nível, as diferenças em capacidade econômica se

refletem em diferenças na capacidade de gasto: estados mais pobres teriam que impor um

nível muito mais pesado de tributação aos seus cidadãos, para conseguir oferecer o mesmo

nível de serviços que é possível num estado mais rico. Pode-se referir a ele como brecha

horizontal (horizontal gap). Isso torna desejável e, mesmo, imprescindível que o governo

central utilize as transferências verticais para reduzir essas disparidades, concedendo mais

recursos aos mais pobres. Isso é feito através de sistemas mais ou menos complexos e

abrangentes de equalização, ou seja, de transferências redistributivas orientadas por algum

critério de eqüidade;

2ª. comandar certo montante de recursos a serem repassados aos GSN, de forma

seletiva e discricionária, visando realizar projetos e atingir objetivos de interesse nacional em

áreas e setores que a sociedade entenda que devam ser entregues à responsabilidade dos GSN.

Isso coloca um problema relevante quanto ao fato de que os governos superiores, ao

transferirem tais recursos para os inferiores, impõem condições para seu uso. Por um lado,

isso pode ser imprescindível para que o governo superior atinja os referidos objetivos

nacionais em áreas definidas constitucionalmente como encargos tipicamente subnacionais.

Por outro lado, essas condicionalidades são freqüentemente vistas, principalmente por

governos estaduais, como ingerência e mesmo abuso de poder, uma restrição indevida sobre

sua autonomia política e orçamentária.

O fator “a” resulta na concentração de receita, enquanto os outros dois requerem a

concentração da receita. Para que o GC possa reduzir disparidades e implementar projetos

nacionais, ele tem que se apropriar de parcela maior da receita fiscal,2 de forma a devolvê-la

às jurisdições subnacionais segundo critérios pertinentes. Examinemos cada um desses

fatores.

A centralização tributária e a brecha vertical

2 Como veremos adiante, isso não é necessário somente no caso em que a Federação impõe aos GSN trocas horizontais de recursos, opção que tem na Alemanha o único caso relevante.

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Um primeiro fator determinante da BV resulta da conjugação da centralização

tributária com a descentralização de encargos. Não vamos nos deter aqui na questão da

descentralização, ou seja, a tendência a se deslocar para “baixo”, para os GSN, a maior parte

da execução efetiva do gasto – atribuição de encargos −, principalmente, na provisão de bens

e serviços públicos. É fato conhecido que esse processo se aprofundou e se consolidou nas

duas últimas décadas, em boa parte devido à relativa fragilização dos governos centrais,

levando à conseqüente ampliação da participação dos GSN no gasto final efetivo do setor

público.

Dada a crescente descentralização dos encargos, é a persistência de uma atribuição de

impostos centralizada que constitui um determinante básico da BV. Na literatura clássica

sobre tributação e federalismo, há um razoável consenso normativo quanto à conveniência de

atribuir determinados impostos ao governo central, principalmente, o imposto sobre a renda e

o IVA. De forma simples, o argumento refere-se, basicamente, aos custos que se colocam

para os agentes econômicos quando têm que atender às diversas legislações, e à possibilidade

de que impostos relevantes, quando submetidos ao controle de governos subnacionais,

venham a gerar importantes efeitos prejudiciais à eficiência econômica. À medida que os

governos exerçam sua autonomia na definição de alíquotas e, principalmente, de bases

tributárias, podem induzir modificações na localização da atividade produtiva e nos fluxos de

comércio, que tornam menos eficiente a atividade produtiva no país. Um caso mais grave

desse mesmo problema ocorre quando a política fiscal dos governos se orienta para a

competição fiscal, ou seja, a interferência na localização da atividade produtiva e nos fluxos

de comércio é intencionalmente buscada através da manipulação de bases e alíquotas através

de incentivos e benefícios fiscais.

Para os fins deste trabalho, o ponto importante é que entre aqueles impostos que a

teoria tributária considera tipicamente centrais destacam-se os grandes impostos que são

nucleares nos modernos sistemas tributários: renda, vendas (em geral, um imposto sobre valor

adicionado) e, em certos casos, os excises, impostos específicos sobre produção.

Desconsiderando-se as amplas tributações sobre a folha de pagamento, que é, na maioria dos

países, vinculada ao financiamento dos sistemas de pensões e seguridade social, os impostos

citados, em conjunto, determinam algo entre 70 e 90% das receitas tributárias da maior parte

dos países.3 Conseqüentemente, a distribuição intergovernamental de receitas vai ser definida

3 Os impostos menores têm, em geral, atribuição razoavelmente semelhante na maioria dos estados.

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pela forma como se resolve o controle e a apropriação daqueles três impostos. Dela depende a

dimensão da BV, o grau em que o governo central se apropria ou controla uma parcela da

carga tributária estruturalmente superior aos seus próprios gastos (exceto transferências),

enquanto os GSN conseguem receita fiscal própria sistematicamente inferior aos seus gastos.

Há, contudo, um aspecto essencial a ser considerado nessa questão. O que se exige

efetivamente, para evitar os efeitos negativos usualmente associados ao controle estadual

sobre esses impostos, é que a federação garanta a uniformidade do imposto no território

nacional, ou seja, a definição de base, alíquotas e regras administrativas do imposto, e não que

a arrecadação e a apropriação da receita seja federal. No caso alemão e australiano, por

exemplo, o IVA é um imposto nacional uniforme, os estados não tem autonomia individual

para alterar a legislação. No entanto, na Alemanha, o imposto é arrecadado pelos estados, e

tanto lá quanto na Austrália, a receita do imposto é compartilhada com os estados e

municípios. Na Austrália, a totalidade da arrecadação do IVA é distribuída aos estados, o que

é o melhor exemplo de separação entre legislação do imposto (federal e uniforme) e

apropriação de receita.

Em diferentes medidas, a centralização tributária ocorrida na maior parte das

Federações, a partir de meados do século XX, não decorre apenas de preceitos técnicos, mas

reflete elementos históricos e políticos: durante todo o pós-guerra, o predomínio dos governos

centrais ampliou muito essa tendência ao controle, por eles, das bases tributárias mais fortes e

dinâmicas. O Imposto de Renda foi federalizado em todas as Federações relevantes,4 e o

mesmo ocorreu, embora com importantes exceções, com os impostos indiretos principais.

Dessa forma, houve uma tendência a centralizar não apenas a legislação, mas efetivamente a

apropriação inicial da receita, o que ampliou muito o espaço para os governos centrais

controlarem o gasto do setor público total.

Ao longo da segunda metade do século, na maior parte das Federações, ocorreu uma

forte pressão dos governos subnacionais para que o governo central cedesse uma parcela

maior da receita. Isso ocorreu, em geral, preservando-se a uniformidade da legislação e

ampliando o compartilhamento dos impostos principais com os GSN.

Brecha vertical, equalização e condicionalidades

4 De forma geral, nas Federações que se constituíram por agregação de entidades preexistentes, a exploração do imposto sobre a renda foi iniciada pelos governos estaduais, ainda que de forma tímida, e sua expansão, a partir dos anos 1930, coincidiu com a entrada e posterior predomínio do governo central na exploração do imposto.

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A existência e, principalmente, a dimensão da BV nas Federações modernas não se

explica apenas pelo princípio normativo da centralização tributária, descrito anteriormente. A

dimensão dos recursos fiscais que os GCs continuam a controlar na maior parte das

Federações exige que se considere outras determinantes. A segunda razão essencial para a

existência da BV está relacionada a duas das prerrogativas típicas do governo central nas

Federações:

a responsabilidade pela redução das disparidades horizontais; e

o poder de impor critérios e prioridades nacionais à ação dos governos subnacionais e

de determinar padrões de âmbito nacional na provisão dos serviços públicos principais.

A primeira prerrogativa refere-se ao papel do GC de reduzir as disparidades

horizontais entre jurisdições, no que se refere à capacidade fiscal. Em toda Federação, há

algum grau de disparidade na capacidade econômica das diversas jurisdições intermediárias e

locais. Conseqüentemente, a capacidade dessas jurisdições de obter autofinanciamento,

qualquer que seja a distribuição de impostos entre níveis de governo, reflete essa disparidade.

Em conseqüência final, a capacidade autônoma de cada um desses governos de suprir os

serviços demandados pelos cidadãos, ou exigidos pelas normas legais do país, também difere

de forma bastante proporcional à disparidade no nível de desenvolvimento e capacidade

econômica. Para prover um mesmo nível de serviços públicos, os estados mais pobres teriam

que impor uma carga tributária mais elevada aos seus cidadãos, em relação àquela incidente

sobre os cidadãos de estados ricos.

Esses fatos universais colocam um problema básico de eqüidade, no sentido do acesso

de cada cidadão da Federação a um mesmo padrão mínimo de serviços, sem que ele tenha que

arcar com um custo tributário mais elevado do que a média dos demais cidadãos. A

importância atribuída a esse problema difere profundamente entre as Federações existentes.

Algumas colocam a eqüidade como valor básico, que sobredetermina a maior parte das outras

questões. Outra – referência básica são os EUA – não inclui esse conceito entre seus valores

fundamentais.5

Tudo isso exige que, pelo menos, uma parte das transferências verticais seja

comandada por um critério redistributivo e equalizador e que não seja simplesmente

“devolvida” para a jurisdição que a gerou economicamente. Se as transferências verticais

5 Note-se que não estamos discutindo aqui a igualdade de direitos dos cidadãos num sentido amplo, mas a igualdade no que se refere aos serviços que são supridos através de seus governos.

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destinadas a fechar a BV forem meramente “devolvidas” aos GSN por derivação (ou seja,

para cada governo exatamente aquilo que foi arrecadado na sua jurisdição), a capacidade de

gasto final desses governos teria o mesmo perfil que a capacidade econômica: estados mais

ricos teriam maior capacidade de prestar serviços públicos (ou, como alternativa, podendo

prestar o nível médio de serviços com uma pressão tributária muito menor sobre seus

cidadãos).

Nesse caso, não é suficiente que o GC controle apenas a legislação sobre os impostos,

como vimos antes para o problema da eficiência tributária. É necessário também que a

alocação dos recursos gerados seja por ele controlada, em geral, segundo critérios e arranjos

legal ou constitucionalmente definidos. Nesse tipo de ação, o governo federal entrega para

governos mais pobres recursos que eles não poderiam arrecadar a partir de suas bases

tributárias.

A segunda prerrogativa dos governos centrais é mais polêmica e representa, de certa

forma, uma herança do estado central fortemente intervencionista de meados do século XX.

Trata-se da existência, bastante diferenciada entre as Federações, de um certo poder

discricionário do GC, manifesto na sua capacidade de transferir para os GSN uma parte da

receita fiscal impondo condicionalidades, visando seja a realização de programas de seu

interesse, seja a subordinação da atividade dos GSN à implementação de programas de âmbito

nacional. Um exemplo bastante freqüente é a existência de programas desse tipo nas áreas de

saúde e educação. Os elementos típicos desses arranjos são uma legislação uniforme sobre

qualidade e acesso aos serviços oferecidos, financiamento e, em algum grau, a gestão,

controlados pelo governo federal, bem como a execução total ou predominantemente

realizada pelos governos subnacionais. No caso brasileiro, o exemplo típico é o SUS.

Esses casos constituem o que vamos chamar aqui de Programas Nacionais: sistemas

de transferências normalmente oriundas do governo central, para financiar serviços que quase

sempre são realizados exclusivamente pelos governos subnacionais, detendo o governo

central um significativo poder de estabelecer parâmetros e standards de serviços, assim como

de realizar a gestão e o planejamento desses serviços.

A suposição básica que orienta esse arranjo é a de que a execução do serviço deve ser

descentralizada, para se obter maior eficiência, mas a legislação e, em geral, a gestão da

intervenção estatal deve ficar sob controle central. Por isso, o governo federal não executa os

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serviços, embora, através principalmente do controle sobre os recursos, garanta a

uniformidade de padrões e a distribuição dos serviços em todo o território nacional.

O grau em que os serviços públicos são submetidos ao formato de programas

nacionais tal como descrito é um dos principais fatores que determinam a autonomia dos

governos subnacionais. Existe um dilema muito claro nesse caso. Quanto maior a autonomia,

menor pode ser a uniformidade dos padrões de serviços oferecidos pelo setor público e maior

a possibilidade de iniqüidade. A obtenção de um tratamento mais eqüitativo entre os cidadãos,

através da exigência de padrões mínimos uniformes em todo o país, evidentemente, reduz a

autonomia de cada governo para escolher suas prioridades orçamentárias.

Um resumo: determinantes básicos das transferências verticais

Essas três causas básicas – eficiência tributária, necessidade de equalização horizontal

e preferência por programas nacionais de prestação de serviços – é que determinam a

existência de várias formas de transferências nas Federações modernas. A brecha vertical

existe, em parte, porque é mais eficiente que o governo federal arrecade os recursos. Nesse

caso, é suficiente que eles sejam meramente “devolvidos” aos governos subnacionais. No

Brasil, é o caso da cota-parte do ICMS e do IPVA, além de alguns outros. Mas a brecha

vertical existe, também, porque o governo federal precisa controlar recursos para cumprir

essas duas funções básicas que só ele pode executar numa federação: reduzir disparidades

horizontais e garantir que o setor público ofereça determinados serviços de maneira uniforme.

A dimensão do primeiro fator é determinada, em geral, por fatores técnicos relativos

ao peso dos impostos mais relevantes (renda e IVA) no sistema tributário, e pela opção da

Federação por entregar a governos superiores a administração de determinados impostos. Já o

segundo e terceiro fatores estão condicionados por questões políticas. A redução de

disparidades exige que uma parcela da carga tributária seja reservada para distribuição

segundo critérios redistributivos. As Federações se diferenciam muito quanto ao montante

dessa parcela. No Brasil, esse papel é exercido pelos fundos de participação de estados e

municípios, e os recursos abrangem aproximadamente 8% da carga tributária. Finalmente, os

programas nacionais decorrem da escolha política da Federação entre autonomia e

uniformidade. Quanto mais a uniformidade é valorizada, maior tende a ser o poder do

governo federal e menor a autonomia dos governos subnacionais.

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1.1.2 O problema do equilíbrio vertical

É um fato básico, portanto, que em todas as Federações exista esse tipo de “desajuste”

estrutural entre receitas e despesas por nível de governo. A forma essencial para resolvê-lo é

constituir um amplo sistema de transferências verticais, que se torna também um elemento

estrutural em todas as Federações. Adiante, iremos discutir as características e funções dessas

transferências. Antes disso, contudo, é necessário abordar uma questão mais geral e bastante

complexa: como é possível definir a dimensão da brecha vertical, ou seja, como numa

Federação é estabelecido qual o montante total das transferências verticais necessárias para

adequar recursos a encargos? Não há uma resposta simples e fácil para essa questão. A

própria pergunta, evidentemente, já sugere uma possível resposta: o montante a ser transferido

deveria resultar de uma avaliação dos encargos atribuídos a cada nível de governo, sendo a

apropriação final dos recursos adequada à provisão mais eficiente desses serviços.

Essa avaliação aparentemente mais objetiva deveria, idealmente, partir de uma

estimativa do custo de provisão dos encargos atribuídos a cada nível de governo − os quais

devem ser comparados com a receita tributária obtida por cada nível − decorrente da

atribuição de impostos vigente. Há enormes dificuldades em ambos os lados dessa equação. A

avaliação de custos é viável apenas nos casos em que os países adotam parâmetros ou

standards rigorosos de uniformidade nos serviços. Quanto mais heterogênea a qualidade e a

natureza dos serviços prestados em cada jurisdição, mais difícil é qualquer estimativa e

arbitragem de um valor médio que seja considerado justo e necessário. Se não há standards −

o que significa dizer, se a Federação prioriza autonomia e liberdade de escolha dos padrões de

serviços para as unidades federativas −, não há base objetiva para definição da BV a partir dos

custos de provisão. Mesmo quando há padrões uniformes, é provável existirem diferenças

regionais de custo que podem ser relevantes, mesmo em Federações desenvolvidas. Uma

alternativa razoável − que preserva a autonomia e a individualidade dos governos, permitindo

obter um parâmetro de distribuição − é avaliar o montante necessário para a provisão de um

nível mínimo de cada serviço básico, incluindo as necessidades de investimento em cada

setor.

Evidentemente, nessa avaliação é destacado o problema da equidade entre governos.

Para prover um mesmo nível de serviços, governos com diferentes capacidades econômicas

terão que empreender esforços fiscais muito distintos. É mais fácil para o estado mais rico da

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nação prover serviços de boa qualidade. Assim, o problema da função redistributiva do

governo central é parte essencial desse processo. Uma vez estabelecido um padrão mínimo de

serviços, pode-se obter o montante necessário de recursos para sua provisão, que pode ser

definido em termos per capita para todo o país ou pode ser detalhado regionalmente, tendo em

vista diferença de custos. Num segundo momento, esse montante deverá ser distribuído de

forma redistributiva, tendo em conta a capacidade fiscal de cada um dos governos que

compõem a Federação.

Outra forma de abordar o problema é comparar as Federações com os estados

unitários. Nestes, o processo orçamentário unificado estabelece prioridades de gasto a cada

exercício, definindo quanto vai ser gasto com educação, saúde, infra-estrutura, defesa etc.

Uma decisão de ampliar o gasto com educação irá se refletir na canalização de maiores

recursos para departamentos e órgãos do governo que respondem por esse setor, em todo o

país.

Em uma Federação, embora não exista um orçamento unificado, continua, de certa

forma, sendo necessária essa função de avaliação global de prioridades entre as funções

exercidas pelos diversos governos. Uma maior prioridade para uma certa função, ou,

alternativamente, uma elevação de custos para prover um determinado serviço, deve,

necessariamente, resultar em deslocamento de recursos do país para os governos que

respondem por aquela função. Tendo em vista que na atualidade é bastante restrito o espaço

para aumento da carga tributária, em todas as federações o problema passa a ser,

necessariamente, de redistribuição dos recursos dados entre os diversos governos. Além disso,

como em Federações os encargos se distribuem entre três níveis de governo dotados de

alguma autonomia, quando ocorre deslocamento ou transferências de encargos de um governo

para o outro – como é o caso nos processos de descentralização –, é necessário rever a

distribuição de recursos adequando-a ao novo perfil de encargos.

Em algumas Federações, são desenvolvidos mecanismos institucionais específicos

para fazer esse tipo de análise. Na Alemanha, reúne-se a cada cinco anos, um conselho

intergovernamental que avalia as modificações ocorridas nos custos e na dimensão dos

encargos, resultando disso, eventualmente, um ajuste na distribuição do IVA federal entre os

três níveis de governo. Na Índia, a cada cinco anos é indicada uma comissão de especialistas –

Finance Comission – que avalia a situação financeira do governo federal e dos estados, para

então recomendar que um dado percentual das receitas totais federais (atualmente, de 32,5%)

seja entregue aos estados.

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Em outras Federações, esse processo é operado através das negociações

intergovernamentais, realizadas diretamente entre as burocracias nos países que se

caracterizam pelo chamado federalismo executivo (como o Canadá), ou então envolvendo os

parlamentos na elaboração dos orçamentos. O ponto relevante é que, seja através de órgãos

especializados, seja através da negociação política intergovernamental e inter-regional, o que

se faz necessariamente é confrontar encargos e custos das diversas funções e, de alguma

forma, chegar ao mesmo resultado obtido num país unitário, estabelecendo prioridades no

atendimento das diversas funções e endereçando os recursos para os níveis de governo que os

executam.

No mundo real das Federações, na maior parte dos casos, a dimensão das

transferências verticais tem sido definida por processos interativos de ajustamento. Em geral,

a atribuição de impostos tende a ser mais rígida, com poucos casos em que essa atribuição

tenha sido descentralizada significativamente. A crescente descentralização de encargos tem

levado a constantes redefinições da parcela transferida, através de crises periódicas nas

relações fiscais intergovernamentais, muitas vezes, precedidas de fortes desequilíbrios

orçamentários em algum nível de governo. O padrão básico tem sido: dada a distribuição de

competências tributárias, que define a distribuição inicial dos recursos, as mudanças nos

encargos efetivos determinam mudanças na parcela vertical transferida a partir dos recursos

controlados pelo governo central.

Uma situação relevante é aquela das Federações onde existe elevada disparidade entre

jurisdições, não só no âmbito do desenvolvimento econômico (e, portanto, da capacidade

fiscal), como no dos padrões de qualidade e de acessibilidade dos serviços básicos prestados,

mas também em relação ao nível de custo (principalmente, salários) da prestação desses

serviços. Nessa situação, da qual muito nos aproximamos no Brasil, é particularmente difícil

realizar a avaliação objetiva do montante de recursos necessários ao ajuste vertical. Entre

muitos outros problemas, em geral, não existem nem informações estatísticas mínimas para

permitir a avaliação. Diante disso, a definição da distribuição vertical acaba sendo obtida em

bases estritamente políticas, gerando os conhecidos processos de “sístole/diástole” em que,

num dado momento, os governos subnacionais estão fortalecidos, e alteram a distribuição a

seu favor, e noutro momento é o governo federal que está fortalecido, invertendo a situação.

No Brasil das últimas décadas tivemos dois exemplos típicos dessas duas situações. A

primeira ocorre em 1988, quando o governo federal do regime militar agonizava diante dos

governadores e prefeitos legitimamente eleitos, que detinham grande força política. O outro

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momento ocorre a partir de 1994, quando o governo federal estava fortalecido pelo sucesso da

estabilização e foi capaz de impor aos estados um ajuste fiscal pesado, no contexto da

renegociação da dívida.

Esses exemplos indicam que toda Federação deve buscar o desenvolvimento de

mecanismos, instituições e instrumentos que permitam operar de forma eficiente as

negociações intergovernamentais necessárias para avaliar a brecha vertical e definir o

montante de transferências necessário para fechá-la.

Vamos analisar de forma breve a questão do equilíbrio vertical no Brasil, no capítulo 5

deste Caderno.

1.1.3 Os tipos básicos de transferências

Para atender aos três motivos apontados anteriormente, que determinam a brecha

vertical e tornam necessárias transferências, as federações recorrem a diversos tipos de

transferências. Duas diferenciações básicas são importantes:

transferências livres versus transferências condicionadas; e

transferências legalmente definidas versus transferências voluntárias.

As transferências livres são entregues aos governos subnacionais como recursos a

serem livremente dispostos pelo seu processo orçamentário. A decisão sobre no que gastar os

recursos é exclusiva das sociedades locais, através de seus parlamentos. Já as transferências

condicionadas não são disponíveis para livre alocação pelo orçamento local. Os recursos tem

que ser necessariamente empregados em setores, funções ou até mesmo em projetos

específicos. É evidente que o dilema básico aqui subjacente refere-se ao grau de autonomia.

As transferências condicionadas são o único instrumento de que a Federação dispõe, através

do governo federal, para influir e controlar a atuação dos governos subnacionais, nas áreas em

que considere necessário.

As transferências legais têm regras relativas aos montantes de recursos que o governo

superior deve transferir para os governos inferiores, determinadas por lei ordinária ou pela

Constituição do país. Elas representam, do ponto de vista dos governos receptores, uma maior

garantia de financiamento, já que não ficam sujeitas às mudanças ocorridas no processo

orçamentário dos governos superiores. Uma forma muito usual dessas transferências é o

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compartilhamento dos impostos principais. Em contraposição, as transferências voluntárias

resultam do processo orçamentário dos governos superiores, ano a ano, e não decorrem de

qualquer exigência legal. É uma ação voluntária do governo superior dedicar uma parte dos

recursos de seus orçamentos para serem transferidos aos governos subnacionais. Em algumas

federações, como a Austrália, esse tipo de transferências tem um papel muito relevante,

indicando a importância do orçamento federal no financiamento dos governos subnacionais. É

evidente que, quanto maior o peso das transferências legalizadas, menos flexível é o processo

orçamentário dos governos superiores. Em contraposição, quanto maior o seu peso, maior é a

garantia de recursos para os governos subnacionais.

Podemos agora combinar todas essas idéias num esquema simples que expresse o

conjunto de todas as transferências verticais que têm como finalidade geral fechar a brecha

vertical (ajuste vertical). Propomos quatro categorias básicas de transferências, que se

diferenciam pelas funções que cumprem, e as associamos aos atributos de formato legal

(legalmente definidas e voluntárias) e grau de condicionalidade. De forma geral, cada uma das

múltiplas transferências que existem nas Federações atuais pode ser enquadrada em uma

dessas categorias.

Definidas legalmente voluntárias

I----------------------------------------------------I I----------------I

TRF = DE V + PR + COND + VOL

ajuste vertical

I-------------------------I I-------------------------------------I

TL = Receita livre TC = Receita condicionada

a) Transferências livres: devolutivas e redistributivas

Uma primeira parcela dos fluxos verticais é o que chamaremos de devolução tributária

(DEV), ou seja, o governo superior arrecada e devolve para o nível de governo inferior,

recursos que este poderia ter arrecadado caso tivesse atribuição para tanto. Exemplo típico no

Brasil é o ICMS arrecadado pelos governos estaduais e entregue aos municípios. Nessa

situação, o objetivo exclusivo é a uniformidade do imposto, e o GC transfere para os estados a

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receita que é arrecadada na sua jurisdição,6 ou parte dela. Na quase totalidade dos casos, não

se trata de transferências voluntárias, mas de direitos legais garantidos ao GSN. Da mesma

forma, o mais usual é que estes recursos sejam receita livre, sem condicionalidades. A

presença desse componente nos arranjos tributários reflete, fundamentalmente, um certo

compromisso entre a manutenção de um imposto uniforme a nível nacional ou estadual, sob

administração do GF ou dos Governos Estaduais GE, e a ampliação da receita autônoma dos

GSN.

Quanto maior a parcela das transferências totais que assuma esse caráter, mais a

distribuição horizontal resultante vai refletir os diferenciais de capacidade econômica. Em

contrapartida, evidentemente, os GSN, embora ampliem sua receita com esses recursos, não

têm controle sobre a definição de base, alíquotas, isenções etc. O que é essencial apreender é

que essa situação de devolução implica que a receita seja entregue ao estado onde foi gerada

(referimos isso como um critério de “derivação”) e que, portanto, governos mais ricos

receberão receitas maiores e vice-versa.

Transferências redistributivas

Uma segundo tipo básico é dado pelas transferências redistributivas: são entregues aos

governos inferiores sem qualquer correspondência com o que poderiam ter arrecadado a partir

de suas bases tributárias e visam reduzir as desigualdades horizontais em capacidade de gasto.

O procedimento mais comum é que uma parte das receitas federais seja reservada, por lei ou

mesmo por preceito constitucional, especificamente para essa finalidade. Chamamos a esse

bloco de recursos parcela redistributiva (PR). Essas são as transferências que correspondem à

primeira prerrogativa básica dos governos centrais que indicamos no item anterior, a

responsabilidade pela eqüidade horizontal. Vamos retomar esse tema no item 1.1.4, onde

discutiremos as características dos sistemas que operam essas transferências.

Em geral, esses dois tipos de transferências entregam para os GSN recursos totalmente

livres de condicionalidades, formando, juntamente com as transferências devolutivas, o que

chamamos de transferências livres (TL). A lógica básica, nos dois casos, é fortalecer os

orçamentos desses governos, ou seja, prover recursos que as comunidades locais possam

alocar livremente para atender às suas necessidades. A parcela PR sempre existe, em todas as

Federações, já que alguma função de equalização conduzida pelo GC é sempre presente. Já a

6 Um exemplo é o imposto sobre a renda de empresas, na Alemanha. No Brasil, a cota parte do ICMS municipal e a participação no IPVA, além de, alguns anos atrás, o ITR arrecadado pelo governo federal e devolvido aos municípios.

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parcela “devolvida” DEV pode não existir, no caso em que todos os recursos que são

transferidos como TL – portanto livres de condicionalidades – obedecem a um critério

redistributivo. Nesse caso, na equação principal, DEV pode ser nulo ou mínimo.

b) Transferências condicionadas e autonomia dos GSN

Abordamos anteriormente as transferências que são, pela sua própria natureza e

objetivos, recursos livres para o orçamento dos GSN; todas elas, em geral, definidas por

dispositivos legais que determinam bases e percentuais. Além dessas transferências, em todas

as Federações existem também as transferências sujeitas a condicionalidades, que

correspondem à segunda prerrogativa dos governos centrais que indicamos no item anterior.

Esse tipo de transferência se caracteriza pelo fato do GSN não poder decidir

livremente sua aplicação. Sua presença é uma constante em todas as Federações, ainda que

varie muito tanto a sua dimensão relativa quanto o grau de discricionariedade de que dispõe o

GC na sua alocação.

Seu traço distintivo é que os recursos vão subordinados a condições relativas a:

setor, função ou mesmo projeto em que devem ser aplicados;

padrão dos serviços e/ou condições de acesso e elegibilidade aos serviços;7 e

eventual obrigação do GSN de apresentar contrapartida; ou seja, participar

respondendo por parte do custo de provisão.

Embora haja múltiplas alternativas e combinações desses quesitos, os casos mais

comuns e relevantes se reduzem a quatro:

a) programas amplos, com vinculação setorial ou funcional, destinados a financiar

programas nacionais executados predominante ou exclusivamente pelos GSN. São

muito freqüentes na área social e de infra-estrutura. A forma tradicional e mais

comum envolve um montante predeterminado de recursos, definido de forma ad hoc,

devido às dificuldades de se montar uma fórmula para calcular os recursos

necessários. São muito freqüentes mecanismos de correção de montantes históricos

por índices de preço ou de produto. A quantidade de serviços gerada depende do

7 Por exemplo, os governos subnacionais que recebem os recursos podem ser obrigados a atender qualquer cidadão da Federação, independentemente de onde ele resida, em igualdade de condições. É vedada a discriminação contra cidadãos não-residentes na jurisdição.

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montante de recursos predefinidos, dados os preços unitários dos serviços, e eles têm,

em geral, caráter permanente. Esse tipo corresponde ao que é usualmente chamado

block grant na literatura.

b) programas amplos, vinculados por setor, destinados a reduzir em alguma medida o

preço unitário da provisão de um determinado serviço para a jurisdição. Utiliza a

técnica dos chamados matching grants, através dos quais o financiamento é definido

como uma fração do preço unitário do serviço.

Trasnfrunit = m.Ps onde m< =1

O valor de m, entre 0 e 1, determina o grau em que o GC pretende induzir uma

ampliação da prestação do serviço (ou evitar uma redução, devido ao deslocamento

de recursos para outras finalidades) reduzindo seu preço Ps para o GSN. Uma

primeira alternativa seria dar prioridade ao atendimento de toda a demanda gerada

ao preço “subsidiado”, com o que o volume total de recursos passaria a ser uma

variável subordinada, uma “conta em aberto”. Quanto mais serviços gerados pelo

GSN, maior a transferência. Se os recursos forem limitados, uma oferta de serviços

acima do que é viabilizado pelo montante total terá de ser plenamente financiada com

recursos locais, a preços de mercado.

Esse segundo modelo, uma prática típica dos EUA, permite obviamente o grau

máximo de focalização e de mínima autonomia. O recurso não está de fato disponível

para o GSN, apenas o preço unitário do serviço fica reduzido. Se ele não presta o

serviço, não recebe recursos. No primeiro modelo, é muito mais amplo o espaço para

autonomia dos GSN. Em geral, as vinculações tendem a ser setorialmente genéricas,

permitindo que, dentro desses limites, o orçamento e a gestão locais possam adequar

o gasto aos seus desígnios.

c) recursos para projetos específicos, mesmo de grande porte, sendo o GSN obrigado

a uma contrapartida em percentagem do valor total, o que é chamado no jargão de

cost sharing. Ele é semelhante ao caso “b”, para as situações em que não há

prestação unitária de serviços, tratando-se quase sempre de investimentos.

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d) recursos para projetos específicos, negociados caso a caso entre GSN e GC,

usualmente, no âmbito do orçamento anual.

É conveniente que façamos a distinção entre dois tipos de transferências

condicionadas, com base no grau de determinação legal que elas assumem. Como a equação

apresentada indica graficamente, podemos separar as transferências condicionadas em geral

entre aquelas que são exigidas por normas legais e constitucionais – a que chamamos COND

– e aquelas que são essencialmente resultado de uma decisão orçamentária do governo

federal, tomada ano a ano, a que chamamos transferências voluntárias (VOL).

Na maioria das Federações uma parte maior ou menor dos fluxos verticais que fecham

a BV não é regulamentada por lei, o que significa dizer que não são transferências de alguma

forma obrigatórias. Essas transferências significam, de fato, recursos do governo central,

controlados pelo seu orçamento, que são alocados aos GSN como resultado das pressões e

demandas que, em cada ciclo se inscrevem no orçamento. Sua dimensão e distribuição entre

GSN são decididas em tempo de orçamento, inexiste qualquer regra para sua alocação e, em

geral, assumem um caráter altamente discricionário e seletivo. Essas transferências são, por

natureza, vinculadas a projetos e setores específicos; portanto, são transferências tipicamente

condicionadas. No Brasil, sua dimensão é pequena (não mais que 8%, em média, das

transferências totais).

É por certo evidente que, sendo de fato recursos livres do orçamento federal, esses

fluxos são fortemente influenciados pelo contexto político de curto prazo, freqüentemente

funcionando como moeda de troca política, canalizados para GSN que têm afinidades

políticas com o partido no poder central etc. Em que pese tudo isso, as transferências

voluntárias constituem uma parcela relativamente estável (no agregado) dos fluxos verticais e,

portanto, são uns dos componentes que contribuem para fechar a BV.

As transferências condicionadas dos tipos a e b descritas anteriormente – programas

nacionais amplos, block grants ou matching grants − tendem a ser, com mais freqüência,

legalmente definidas e regulamentadas. Já aquelas dos tipos c e d tendem a ser tipicamente

voluntárias, os governos subnacionais têm que negociar sua concessão em ministérios e em

agências do governo federal. Outro caminho, muito conhecido no Brasil, é através da atuação

do parlamento, colocando rubricas, programas e projetos no orçamento federal (“convênios” e

“emendas parlamentares”).

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A dimensão dessa parcela condicionada (COND + VOL) reflete, em última instância,

o grau em que cada Federação atribui ao governo central a responsabilidade e o poder para

fazer sobrepor, aos orçamentos subnacionais, normas e prioridades que sejam definidas como

interesse nacional/federal. Essa situação é muito freqüente no financiamento de gastos sociais,

em que o GC monta programas de grandes dimensões para alimentar os GSN com recursos

cuja aplicação deve obedecer aos critérios federais. No Brasil, o Fundef e o SUS se

aproximam desse perfil. Na Austrália, aproximadamente metade das transferências federais

para províncias tem esse caráter.

É evidente que, para um dado montante de transferências condicionadas, quanto maior

a participação das voluntárias, menor é a autonomia e a garantia de recursos para os governos

subnacionais. Se as transferências condicionadas são legalizadas, esses governos estão menos

sujeitos a imprevistos e decisões políticas de curto prazo.

A participação das transferências condicionadas em geral nas transferências verticais

totais é muito diferenciada entre as Federações. Nas Federações ocidentais mais importantes,

tende a ser, em média, bem menor do que a metade. Há casos, contudo, em Federações das

chamadas economias em transição, em que representam quase a totalidade dos fluxos

verticais. É evidente que tal situação, quando ocorre simultaneamente com uma BV grande,

denota uma Federação extremamente centralizada, em que o GC controla fortemente a prática

orçamentária dos GSN.

Nossa equação anterior resume os atributos fundamentais das transferências

intergovernamentais. Desse ponto de vista, o grau de autonomia dos GSN vai depender,

primeiro, da própria dimensão de TRFav, que mede a brecha vertical. Se ela é pequena, indica

que os GSN financiam grande parte de seus gastos com recursos próprios. Em segundo lugar,

depende da parcela das transferências que são livres de condicionalidades, indicando que o

GSN pode dispor delas como quiser através de seu orçamento. Em terceiro lugar, depende da

parcela das receitas condicionadas legalmente definida, de forma a, pelo menos, garantir a

existência permanente da transferência e reduzir o poder de arbítrio do GC. A presença do GC

se manifesta na dimensão das transferências condicionadas e, principalmente, na dimensão

relativa dos fluxos de transferências voluntárias, que são decididas a cada ano nas

negociações do orçamento.

Tudo o que já foi colocado sobre o governo central em sua relação com GSN, aplica-

se, em princípio, para os governos intermediários em sua relação com os governos locais. Em

alguns países, eles têm uma atuação relevante como transferidores de recursos, seja na função

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de arrecadadores substitutos, seja como meros repassadores de recursos oriundos do GC, seja,

ainda, como doadores voluntários de recursos. No Brasil, essas três funções estão presentes

nos governos estaduais.

1.1.4 Sistemas de transferências redistributivas – dois modelos

Como já foi indicado, as transferências redistributivas existem em virtualmente todas

as Federações, e, em todas elas, são regulamentadas por dispositivos legais ou até

constitucionais. É muito freqüente que se constituam efetivamente sistemas normativos que

regulam essa importante função, alguns deles caracterizados por elevada complexidade.

Tais sistemas contêm sempre, de alguma forma, os seguintes elementos:

a definição de uma fonte de financiamento;

a definição dos parâmetros básicos nos quais se apóia a distribuição dos recursos;

a definição do(s) critério(s) de equidade a serem aplicados; e

a definição de algum órgão público responsável pela sua operação.

A fonte de financiamento pode ser, mais freqüentemente, parte ou a totalidade da

arrecadação de um imposto federal. No Brasil, por exemplo, os fundos de participação são

financiados por percentuais fixos do imposto de renda e do IPI. Nesse caso, a dotação de

recursos é predeterminada. É possível também que o sistema estabeleça prioritariamente um

critério de eqüidade, o qual, sendo aplicado, possibilita ter como resultado uma certa dotação

necessária de recursos fornecida pelo governo federal. Nesse segundo caso, o critério

comanda e o montante de recursos é variável subordinada que depende da dimensão das

disparidades inter-regionais.

Quanto à definição dos parâmetros, existem basicamente dois modelos para operar

transferências redistributivas. O primeiro, que podemos chamar tradicional, faz uso de

parâmetros macroeconômicos como renda per capita, indicadores de pobreza, de grau de

desenvolvimento humano ou econômico e carências de infra-estrutura. A distribuição básica

entre os governos é feita em base per capita, mas ponderada por algum desses indicadores, de

forma que, por exemplo, governos com indicadores de pobreza maiores ou renda per capita

menor receberão maiores recursos. O nosso Fundo de Participação dos Estados, por exemplo,

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foi concebido segundo esse modelo. Ele distribuía os recursos entre os estados em termos per

capita, mas ponderados pelo inverso da renda per capita, de forma a conceder mais recursos

aos mais pobres.

O segundo modelo, mais moderno, é composto pelos chamados sistemas de

equalização. Nesse caso, é adotada como parâmetro básico a receita potencial per capita dos

governos. Como essa receita mede diretamente a capacidade de gasto dos governos, é

utilizada como base para identificar quais governos precisam receber recursos equalizadores.

Note-se que no caso dos sistemas tradicionais, o objetivo é, em última instância, o mesmo:

aproximar as capacidades de gasto per capita. A diferença é que nos modelos tradicionais é

adotado um método indireto, utilizando-se indicadores macroeconômicos para ponderar a

distribuição. Nos sistemas de equalização, é feita a mensuração direta da receita que cada

governo pode obter de suas fontes próprias e, em seguida, esse dado é utilizado para orientar a

distribuição equalizadora dos recursos.

Em terceiro lugar, os sistemas de equalização exigem a definição de um critério básico

de eqüidade. Aqui, também temos duas alternativas. Primeiro, o sistema mais usual, que o de

equalizar a capacidade de gasto per capita entre os governos. Essa opção ignora as diferenças

existentes em termos de custos e necessidades entre os governos. O objetivo ideal do sistema

seria a situação em que todos os governos teriam o mesmo montante em dinheiro para gastar,

para cada cidadão de sua jurisdição. A outra alternativa é o critério de equalizar as dotações

de recursos com base também nas necessidades fiscais do governos; ou seja, considerando as

diferenças em custo para provisão dos serviços (dispersão territorial da população, por

exemplo), assim como nas necessidades (dimensão da população idosa ou em idade escolar).

Nessa opção, as dotações distribuídas aos governos são ponderadas não apenas pela avaliação

da receita própria, mas também pelos custos e necessidades. Atualmente, apenas a Austrália

aplica esse segundo critério, que é muito mais complexo e demandante de informações e

elaboração estatística. As demais federações avançadas que adotam sistemas de equalização –

Canadá e Alemanha, principalmente – utilizam o critério de equalizar a capacidade de gasto

per capita.

Finalmente, no que se refere à gestão do seu funcionamento, os sistemas de

equalização admitem dois formatos. No mais comum, a própria área fiscal do governo – o

Ministério das Finanças (da Fazenda, no Brasil) − aplica o sistema, calcula as dotações e faz a

distribuição (Alemanha, Canadá). Contudo, alguns países, como Índia e Austrália, criaram

órgãos públicos especiais dotados de elevada autonomia, no formato de comissões, que fazem

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todo o trabalho de análise, desenvolvimento e aplicação de critérios e métodos de distribuição,

consultando os governos subnacionais quando necessário.

Essa breve descrição dos sistemas que operam transferências redistributivas é apenas

uma iniciação ao tema. Mais adiante, serão aprofundados todos os detalhes sobre os fundos de

participação no Brasil e sobre os sistemas de equalização, com detalhamento dos aspectos

teóricos e metodológicos.

1.2 Avaliação do sistema brasileiro de partilha

Iremos analisar aqui alguns aspectos do sistema brasileiro de transferências, à luz dos

conceitos mostrados no item 1.1. Apresentaremos uma breve descrição das transferências

existentes, incluindo uma revisão histórica geral que visa apenas demarcar os principais fatos

que deram origem a essas transferências. Comentaremos cada uma das principais

transferências, segundo a classificação já apresentada.

Neste capítulo introdutório, iremos evitar o aprofundamento de detalhes relativos à

história das diversas transferências e aos critérios técnicos que as comandam. Os demais

capítulos deste relatório irão abordar mais detidamente as principais transferências,

aprofundando esses aspectos, identificando os problemas e deficiências que tais transferência

apresentam e discutindo alternativas de solução.

Esta introdução está dividida em dois tópicos. No primeiro, item 1.2.1, abordaremos

todas as questões relativas à natureza e à função das transferências existentes, aplicando a

tipologia conceitual que apresentada no item anterior. No item 1.2.2, discutiremos outro

problema fundamental em todas as federações, também já tratado de forma introdutória

anteriormente: a necessidade de que haja mecanismos e instrumentos que permitam a

obtenção do equilíbrio vertical.

1.2.1 As transferências no federalismo fiscal brasileiro

A tabela a seguir apresenta as principais transferências existentes no sistema brasileiro,

com os valores que elas apresentavam em 2000. Vale registrar que não houve modificações

significativas nas dimensões relativas desses valores desde então, uma vez que a legislação

pertinente não mudou.

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A tabela mostra as principais transferências do governo federal para estados e

municípios, assim como as transferências dos governos estaduais para os municípios. No

total, o governo federal repassou naquele ano R$ 66,7 bilhões para os governos subnacionais,

sendo 53% para municípios e o restante para os estados. Deve ser observado que se trata de

uma peculiaridade da Federação brasileira: nas demais Federações, são raras as transferências

diretas do GF para municípios, uma vez que estes são subordinados aos estados e é preservada

essa relação na movimentação financeira. Os estados ou províncias cuidam de repassar os

recursos para os municípios.

Tabela 1.1

valor % valor % valor %L IPVA 2.520 11,0

I COTA PARTEICMS 18.226 79,4

V IPI EXP. 1.500 4,8 335 1,5

R L KANDIR 2.436 7,8 810 3,5

E FPE 12.182 38,9

S FPM 12.779 36,1

FUNDEF 9.759 31,2 7885 22,2

SAL. EDUCAÇÃO 1.722 5,5 89 0,2SUS 1.016 3,2 11.307 31,9

2.704 8,6 1.957 5,5 850 3,7

TOTAL TRANSFERÊNCIASACIMA

31.319 100,0 34.017 96,0 22.741 99,0TRANSFERÊNCIAS TOTAIS 31.320 100 35.444 100 22.963 100

Nota: Há dupla contagem decorrente do repasse de recursos da Lei Kandir e do IPI Exp para os municípiosatravés dos estados. Os valores de R$335 milhões e R$ 810 milhões que estados transferem para municipios

originam-se no GF.

CONDICIONADAS

PROGRAMASNCIONAIS

TIPO DE TRANSFERÊNCIA

- PRINCIPAIS TRANSFERÊNCIAS VERTICAIS NO BRASIL R$ milhões2000

COMPENSATÓRIAS

REDISTRIBUTIVAS

DEVOLUTIVAS

GF P/ GE GF p/ GM GE p/ GM

VOLUNTÁRIAS

Fonte: elaboração do autor

Os estados transferem aos municípios nesse ano R$ 22,7 bilhões, dos quais cerca de

R$ 1 bilhão é repasse de recursos recebidos do GF: 25% da Lei Kandir e do IPI-Exportação.

Os municípios recebem, no total, R$ 56,7 bilhões, sendo R$ 34 bilhões do GF e R$ 22,7

bilhões dos estados.

É interessante observar esses fluxos do ponto de vista do grau de condicionalidade. A

tabela seguinte apresenta os mesmos dados, agrupados pela diferenciação entre transferências

livres e condicionadas.

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GE % GM %GF 31.319 34.017 livres 16.118 51,5 12.779 37,6 condicionadas 15.201 48,5 21238 62,4GE 22.741 livres 21.891 96,3 condicionadas 850 3,7TRANSFS. TOTAIS 31.319 56.758 livres 16.118 51,5 34.670 61,1 condicionadas 15.201 48,5 22.088 38,9

TRANSFERÊNCIAS VERTICAIS NO BRASIL - LIVRES E CONDICIONADAS POR NÍVEL DE GOVERNO R$ BI 2000

Tabela 1.2.

Note-se que as transferências

federais para estados se compõem de

parcelas virtualmente iguais entre

condicionadas e livres. Aquelas para

municípios, por outro lado, são

predominantemente condicionadas. Nos

dois casos, as transferências

condicionadas expressam o papel do GF de financiador de programas nacionais Fonte: tabela

1.1.

nas áreas de educação e saúde. Bastante significativo é o grau de condicionalidade das

transferências estaduais para municípios. Elas são na quase totalidade recursos livres (com

exceção apenas de 3,7% composto de “convênios”), o que mais uma vez indica o pouco ou

nenhum poder dos governos estaduais para orientar e gerir os municípios, característica única

da Federação brasileira. Em relação aos municípios, os governos estaduais atuam

essencialmente como agentes arrecadadores.

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Dado o peso dos recursos estaduais, os recursos totais obtidos pelos municípios são

61% livres de qualquer condicionalidade, o que demonstra um grau muito elevado de

autonomia municipal.

Iremos, agora, analisar cada uma das modalidades de transferências existentes. A

figura apresentada anteriormente oferece uma visão geral do sistema brasileiro de

transferências, indicando a origem de cada um dos fluxos e os montantes envolvidos no ano

de 2000.

FLUXO RESUMIDO DAS TRANSFERENCIAS INTERGOVERNAMENTAIS

GOVERNO FEDERAL

PARA ESTADOS E ATRAVÉS DOS ESTADOS PARA MUNICIPIOS DIRETO PARA MUNICIPIOS

BRUTA 12,2 1,5 0,0005 1,02 2,4 9,7 1,7 2,7FUNDO IPI IOF SUS LC87 FUNDEF SAL. DISCRI- ORÇA-PART. EXP OURO EDUC. CIONÁ- MENTO

ESTAD. RIAS GEDISP. 12,2 1,2 0,0005 1,02 1,63 9,8 1,5 1,9

BRUTA 0,34 0,81 18,23 2,5201 0,85 7,63 1,96 11,3075 0,112483 1,313635 12,78 0,31IPI LC COTA- DISC FUNDEF DISCRIC. SUS ITR IRRF FUNDO SAL.

EXP 87 PARTE IPVA DO DO + PART. EDUC.ICMS GE GF IOF MUNICS.

DISP. 0,34 0,81 18,23 2,52 0,85014 7,6 1,96 11,31 0,1 1,3 12,78 0,31

SIGLA DAS CORES:

TRANSF. DO GF E P. SOCIALTRANSF. DO GOV. ESTADUALTRANF. PELO FUNDEF

TOTAL UNIÃO ESTADOS = 31,22TOTAL UNIÃO MUNICÍPIOS = 35,41TOTAL ESTADOS MUNICÍPIOS= 22,74 (SALARIO EDUCAÇÃO do GE p/ MUNIC. Está incluido no total do GF).

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As transferências livres

Os recursos transferidos que são de livre disposição8 pelos orçamentos dos GSN, no

Brasil, são de três tipos. Dois deles já foram analisados no item 1: as transferências

devolutivas e as redistributivas. A estas se soma outro tipo de transferência exclusivo do

Brasil, normalmente, não existente nas demais Federações e, por isso, não incluída nas

alternativas teóricas que analisamos no item 1.1: as transferências compensatórias. Vamos

descrevê-las brevemente.

Transferências devolutivas

No Brasil, os casos relevantes em que governos de nível superior cumprem o papel de

agente arrecadador, repassando recursos para governos em cujas jurisdições eles foram

arrecadados, ocorrem todos na relação entre governos estaduais e municípios. Não há casos

relevantes em que o GF cumpra esse papel.9 Os governos estaduais atuam como agentes

arrecadadores em nome dos municípios no caso do ICMS, quando 25% da receita é

propriedade dos municípios, e no do IPVA, em que 50% da receita devem ser devolvidos ao

município que tem o registro do veículo. Note-se que a devolução tributária abrange 90% dos

aportes de estados para municípios. Uma vez que se trata de um direito líquido dos

municípios, garantido constitucionalmente, os recursos têm de ser livres de condicionalidades.

A parcela do ICMS − chamada de “cota-parte do ICMS” − é uma fonte muito

importante de financiamento dos municípios. No agregado do país, ela responde por

aproximadamente um terço dos recursos municipais. Tem grande pêso para os municípios de

maior porte e com atividade produtiva mais desenvolvida. Essa decisão de dar aos municípios

direito aos recursos, mas evitar que o arrecadem diretamente, foi tomada já na reforma

tributária de 1967. Esse mecanismo é relevante também porque ele não responde apenas pela

distribuição dos 25% da arrecadação do ICMS. Juntamente com a cota-parte, obedecendo aos

mesmos critérios, é distribuída a parcela de 25% dos recursos do IPI-Exportação e da Lei

Kandir que cabem aos municípios. Iremos retomar essa transferência em detalhes no capítulo

3, para analisar seus critérios e os diversos problemas que ela apresenta.

Transferências compensatórias

8 Note-se que as transferências podem ser livres no que se refere à origem dos recursos. Elas não carregam condicionalidades. No entanto, a existência, no Brasil, de vinculações que incidem sobre a totalidade do orçamento subnacional, como a Emenda 29 da saúde, acaba por tornar condicionados recursos que podem ter sido transferidos de forma livre. 9 Ocorre apenas com o salário-educação, o ITR e o IOF-ouro, esses dois últimos, valores muito pequenos.

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Estas transferências são uma conseqüência do processo de desoneração das

exportações brasileiras, iniciado em 1988. A pressão crescente para que o país parasse de

exportar impostos, ampliando dessa forma sua competitividade, levou a duas “rodadas” de

desoneração, uma em 1988 e outra em 1996. Nessas duas ocasiões os governos subnacionais

pressionaram o governo federal para receberem alguma compensação pela perda de receita

decorrente da eliminação da incidência do ICMS sobre exportações. Na primeira rodada, em

1988, foi criada a transferência conhecida como IPI-Exportação: 10% da receita do Imposto

sobre Produtos Industrializados passaram a ser transferidos aos estados, e 25% devem ser

repassados aos municípios.

Em 1996, quando a desoneração foi estendida a bens primários e semi-elaborados,

através da chamada Lei Kandir, foi criado um segundo dispositivo de compensações,

independente do primeiro, o qual tem sido, desde então, fonte permanente de conflito entre

GF e governos estaduais. Esse segundo componente, em contraste com o primeiro, não tem

bem definida uma base de financiamento. Os valores a serem transferidos se originam do

orçamento federal e devem ser negociados ano a ano, em penosas e custosas negociações

entre governos.

Essas duas fontes de recursos, em 2000, compunham cerca de 10% das transferências

recebidas pelos governos estaduais. Desse percentual, um quarto foi repassado aos municípios

juntamente com a cota-parte do ICMS, obedecendo aos critérios desta. Note-se que, com isso,

a compensação de perda por exportações só é feita rigorosamente na distribuição entre

estados. Quando os recursos são distribuídos dentro do estado, já não há qualquer relação do

montante que é concedido a cada município com a contribuição do município para o esforço

exportador.

Embora não envolva recursos tão grandes como os fundos de participação ou o SUS,

as transferências compensatórias constituem um dos aspectos problemáticos do sistema

brasileiro de transferências, razão pela qual iremos retomar sua análise em detalhes no

capítulo 5.

Transferências redistributivas

Finalmente, o mais importante componente das transferências livres no Brasil é dado

pelos fundos de participação de estados e municípios; fluxos que cumprem em nossa

Federação o papel descrito anteriormente como de redutores das disparidades inter-regionais

em capacidade de gasto. A observação da figura anterior deixa claro que os fundos de

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participação são, de longe, as mais amplas transferências verticais no Brasil, compondo, em

2000, 38% das transferências totais originadas no GF.

Estas transferências foram criadas na reforma de 1967, basicamente com a finalidade

de compensar os governos subnacionais pela forte centralização da arrecadação que resultou

daquela reforma, principalmente, em função da ampliação do Imposto de Renda controlado

pelo governo federal. Tal como então concebidos, os dois fundos de participação

independentes – o de estados, FPE, e o de municípios, FPM − eram financiados por

percentuais fixos do Imposto de Renda e do IPI, estabelecidos em 10% na sua criação, mas

que sofreram diversas modificações desde então. Eles eram, portanto, casos típicos de

compartilhamento (sharing) de impostos federais.

Visavam a dois objetivos simultaneamente. Primeiro, contribuir para o equilíbrio

vertical, dada a centralização da arrecadação então ocorrida. Segundo, contribuir para a

redução das desigualdades inter-regionais em capacidade fiscal. Isso era logrado através dos

critérios de distribuição dos recursos. Eles não eram “devolvidos” aos governos que os tinham

sido arrecadados, mas distribuídos de forma a beneficiar governos mais pobres e menos

capazes de gerar recursos pela exploração de suas bases tributárias próprias. Iremos retomar

em detalhes, adiante, a análise desses critérios.

A história dos fundos de participação se divide, muito claramente, em duas etapas. Na

primeira, entre 1967 e 1989, o sistema criado pela reforma foi ampliado e aperfeiçoado em

seus critérios, atuando de forma bastante razoável no cumprimento de seus objetivos. Embora

os critérios do Fundo de Participação de Municípios (FPM) fossem muito deficientes, o

sistema como um todo, pelo menos, tinha uma certa capacidade dinâmica de adaptar- se às

mudanças nas posições relativas entre os estados e os municípios, do ponto de vista

econômico e demográfico.

Em 1989, diante da incapacidade de se chegar a um acordo para cumprir a exigência

da Constituição de 1988, que exigiu uma revisão dos critérios, esse sistema razoável de

redistribuição de recursos foi substituído por uma rústica e grosseira lista de percentuais fixos,

vigente desde então. Esse evento, que costumamos chamar de “congelamento” dos critérios

de distribuição, transformou esses dispositivos em transferências basicamente arbitrárias, que

vêm se afastando dos seus objetivos originais e se transformando em apenas mais uma fonte

de recursos para governos subnacionais.

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Como já vimos, a função de redução das disparidades inter-regionais é essencial para o

bom funcionamento das Federações. Isso faz com que a situação atual dos nossos fundos de

participação constitua, com certeza, o maior problema e a maior deficiência de nosso sistema

de transferências. No capítulo 2, iremos dedicar um amplo esforço à análise dessa questão,

descrevendo em detalhes seus critérios de funcionamento, sua evolução histórica e os

problemas que apresenta atualmente.

As transferências condicionadas

Usualmente, nas Federações, as transferências condicionadas se apresentam em dois

tipos ou grupos básicos. Primeiro, aquelas destinadas a financiar os programas nacionais,

questão que já aqui discutida. Muito freqüentemente essas transferências são objeto de alguma

especificação legal ou constitucional; ou seja, o governo federal tem alguma obrigação em

relação a montantes transferidos e garantia de recursos. Em segundo lugar, as transferências

condicionadas podem ser tipicamente voluntárias ou discricionárias; ou seja, decorrem de

decisões tomadas a cada ano no orçamento do governo Federal, e não têm qualquer exigência

legal.. Em algumas Federações, entre as quais se destaca a Austrália, elas podem exercer um

papel fundamental, denotando um elevado poder do governo federal de controlar o gasto

subnacional.

No Brasil, o primeiro grupo é muito importante, envolvendo transferências,

basicamente, nas áreas de saúde e educação. Já o segundo tipo de transferências

condicionadas é pouco expressivo, ficando sempre nos limites de 8%-10% das transferências

federais totais. Elas são compostas pelo que costumamos chamar de “convênios”, pelos quais

o governo federal financia obras e programas realizados pelos governos subnacionais. Sua

dimensão reduzida é mero reflexo de uma importante característica do sistema fiscal

brasileiro, a elevadíssima legalização ou constitucionalização da partilha de recursos. No

sistema fiscal brasileiro, 90% das transferências são legal ou constitucionalmente definidas, o

que confere a esse sistema um elevado grau de rigidez.

Nossas transferências condicionadas mais relevantes, portanto, caem na categoria que

chamamos “programas nacionais”; ou seja, quando o GF financia com transferências o gasto

dos GSN em setores específicos.

O maior sistema de transferências condicionadas no federalismo brasileiro é o SUS,

que atua transferindo recursos do orçamento federal para financiar a provisão dos serviços de

saúde pelos governos estaduais e, principalmente, municipais. Como a tabela 1.1mostra, ele é

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a terceira transferência em dimensão, atrás apenas dos fundos de participação somados e da

cota-parte do ICMS.

Uma característica importante do SUS é que ele não tem uma definição legal muito

precisa quanto ao montante de recursos que a União deva repassar aos GSN. Para todos os

efeitos, tais transferências se aproximam do que já foi chamado aqui de transferências

voluntárias. Nas origens do sistema, nos anos 1980, os repasses eram basicamente na base de

pagamento por serviço prestado, e, portanto, aproximavam-se do conceito de matching grants

que discutimos antes (ver item 1). Na sua evolução, o sistema progressivamente estabeleceu

uma parcela de suas transferências que adquiriram maior estabilidade, como é o caso dos

gastos com atendimento médio básico, onde os recursos são transferidos em base per capita.

No entanto, uma de suas grandes deficiências, hoje, é essa indefinição quanto ao montante de

recursos aportados pelo GF, o que traz conseqüências que iremos analisar mais adiante.

Quando analisamos e discutimos esses dois grandes programas nacionais de dispêndio

(note-se pela tabela 1.1 que eles responderam, conjuntamente, por cerca de R$ 30 bilhões em

2000; recursos superiores àqueles dos fundos de participação), torna-se necessário abordar um

outro tema que, rigorosamente, não se coloca no âmbito das transferências: a vinculação

orçamentária a gastos com saúde e educação, que incide sobre os orçamentos subnacionais.

De fato, o financiamento dos gastos subnacionais nesses dois setores ocorre de forma

híbrida, combinando três modalidades de financiamento:

transferências de recursos federais – SUS e complementação federal do Fundeb;

redistribuição horizontal de recursos dos governos estaduais e municipais – Fundeb

estadual;

aporte forçado de percentual dos orçamentos subnacionais, através de vinculações.

Essa mistura de mecanismos e fluxos de recursos, resultado do desenvolvimento

histórico nesses setores − que foi acumulando dispositivos paralelos sem que se levasse muito

em conta os problemas derivados de seu funcionamento conjunto −, apresenta deficiências,

principalmente, devido às distorções impostas pela vinculação orçamentária. Será necessário,

portanto, que abordemos em mais detalhes seu funcionamento. Uma primeira aproximação,

ainda não suficiente, está contida no capítulo 6.

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CAPÍTULO 2 − FUNDOS DE PARTICIPAÇÃO E SISTEMAS DE EQUALIZAÇÃO

Alessandro Melo da Silva

Fernando de Castro Fagundes

Rivael Aguiar Pereira

Sefaz − Goiás

Coordenação: Sérgio Prado (Unicamp)

Introdução e síntese

Este capítulo tem como tema a “redução de disparidades horizontais” na Federação

brasileira. Todas as Federações do mundo contam em seus sistemas fiscais com importantes

transferências que têm essa finalidade distributiva: conceder maior capacidade de gasto para

os governos subnacionais que, por terem menor capacidade econômica, contam com receita

fiscal per capita menor do que a média do país.

No sistema brasileiro, tal como concebida pela reforma de 1965, essa função deveria

ser cumprida pelos chamados fundos de participação. Ao contrário da maioria das

Federações, no Brasil foram criadas duas transferências similares, uma para estados e outra

para municípios, com a finalidade de canalizar recursos adicionais para as jurisdições que

tivessem menor capacidade própria de financiamento.

Todos as transferências existentes no mundo, que cumprem essa função, apresentam algumas

características comuns. A principal delas é a capacidade de adaptação dinâmica. Os sistemas são

concebidos para acompanharem a evolução da capacidade econômica dos governos, assim como seu

comportamento demográfico. Isso permite que, por exemplo, quando uma região cresce mais depressa

e se torna relativamente mais rica que as demais, as transferências redistributivas para ela sejam

reduzidas e canalizadas para regiões mais pobres. Da mesma forma, quando uma região fica

estagnada e deixa de crescer, ela passa a receber mais recursos, para se manter próxima da média

nacional. O mesmo vale para a demografia. Quando uma jurisdição passa a zelar por uma quantidade

maior de habitantes – por exemplo, devido a migrações – isso deve se refletir na dotação de recursos

que recebe, pois o suposto é que aumenta a demanda de gastos per capita em serviços públicos.

Neste trabalho, iremos demonstrar inicialmente os seguintes pontos básicos:

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na reforma de 1965, foi criado no Brasil um sistema de transferências redistributivas,

destinadas a reduzir as disparidades horizontais, que tinha qualidades técnicas bastante

razoáveis para a época e boa capacidade de adaptação dinâmica.;

até 1988, esse sistema foi progressivamente adaptado e modernizado, sem perder essas

qualidades;

em 1989, através da LC 62, o sistema original foi mutilado, perdeu suas qualidades

dinâmicas e foi reduzido a um mecanismo simples de compartilhamento de recursos entre GF

e governos subnacionais segundo percentuais fixos que não foram modificados até hoje.

Essa evolução nos trouxe a uma situação onde o sistema fiscal da federação brasileira

não conta com um sistema eficiente e dinâmico de redução de disparidades. Pode-se dizer, e

apresentaremos evidências disso, que, ao contrário, os fundos de participação contribuem para

aumentar a disparidade horizontal de capacidade de gasto tanto para estados como,

principalmente, para municípios.

Precisamos de um sistema redistributivo realmente eficiente e dinâmico?

Hoje, os fundos de participação são um sistema simples de compartilhamento de

impostos com percentuais fixos. Nós não contamos, no sistema fiscal brasileiro, com qualquer

transferência que atue de forma compensatória em relação à evolução da capacidade fiscal dos

governos. Se uma economia regional é mais bem-sucedida do que as outras e amplia

relativamente sua capacidade fiscal, ela continua recebendo a mesma dotação. Outra

economia, que pode ter problemas econômicos e ver reduzida sua capacidade econômica

(portanto, fiscal), e que deveria, por conseguinte, receber recursos compensatórios, também

continuará recebendo a mesma dotação. O problema vai se manifestar também no contexto

das reformas. Se reformas necessárias para modernizar o sistema tributário geram impactos ou

até choques de receita, mudando a posição relativa dos governos em termos de capacidade de

autofinanciamento, um sistema bem formulado deveria refletir essas mudanças, alterando a

dotação de cada governo para manter o equilíbrio na Federação. É evidente que isso não

acontece hoje com os FPs. Eles são, de fato, uma parte do problema geral, não uma solução

para os desequilíbrios.

Essa análise justifica nossa proposição principal, de que é necessário considerar,

juntamente com a questão atualmente em debate da reforma tributária, a questão da reforma

do sistema de partilha de recursos, com especial atenção para a recuperação da função

redistributiva na Federação brasileira.

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Nossa proposição básica é que qualquer Federação seria muito beneficiada por contar

permanentemente com um sistema eficiente de redução de disparidades e que, principalmente,

diante da perspectiva de um amplo processo de reformas, que altere a distribuição horizontal

de receitas tributárias, sua existência seria condição essencial de sucesso.

Quais são as opções para viabilizar essa reforma?

Entendemos que há dois caminhos possíveis. O primeiro − que pode ser considerado

conservador − seria voltar atrás no “congelamento” de coeficientes imposto pela LC 62/89 e

recuperar os atributos dinâmicos do sistema original criado em 1965, ou, pelo menos, sua

filosofia básica. Apresentamos aqui evidências e simulações que nos parecem demonstrar que

essa alternativa pode ser problemática, pouco eficiente e politicamente conflituosa.

O segundo caminho, claramente inovador, seria levar em conta experiências bem-

sucedidas postas em prática nas Federações mais desenvolvidas: a utilização de sistemas de

equalização. Apresentamos em detalhes os conceitos básicos desse tipo de abordagem, suas

vantagens e dificuldades. Elaboramos minuciosas simulações dos resultados que seriam

obtidos pela sua utilização na Federação brasileira.

Antes de passar a essas análises, é muito importante esclarecermos uma suposição

básica que orienta toda nossa abordagem neste e em outros estudos do fórum. Como

deixamos claro na introdução desses estudos, é preciso diferenciar dois tipos básicos de

transferências verticais nas Federações: programas nacionais e transferências redistributivas

livres. Se uma Federação faz uma escolha (eminentemente política) por atribuir ao governo

federal um maior poder de coordenação e gestão de serviços públicos, ela vai dar maior peso

ao que chamamos programas nacionais: transferências condicionadas que financiam a

execução de serviços pelos governos subnacionais, mas com forte atuação do governo federal

na coordenação, planejamento e definição de padrões de serviços. Se, ao contrário, a opção é

por maior autonomia subnacional, a Federação vai utilizar mais fortemente transferências de

recursos livres de condicionalidades, alimentando os orçamentos subnacionais de forma que

eles tenham a capacidade e a possibilidade de prover os serviços, deixando, no entanto, que

cada governo defina a forma de fazê-lo.

No Brasil, dois importantes setores de serviços são tipicamente representativos do que

chamamos programas nacionais: atendimento básico de saúde e educação básica, o nosso

atual Fundeb. Nesses dois casos, temos claramente sistemas de transferências com uma lógica

própria, que pode ser considerada redistributiva. No caso do Fundeb, o sistema é

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rigorosamente equalizador, pois os recursos são distribuídos numa base per capita-aluno

ponderada por parâmetros que buscam refletir os custos diferenciados dos serviços. No caso

da saúde, embora os critérios sejam menos transparentes, existe, evidentemente, um

planejamento que define dotações de recursos para os diversos governos em função de

parâmetros setoriais específicos, sejam derivados de necessidades identificadas, sejam

decorrentes da distribuição geográfica dos equipamentos e ativos que viabilizam a prestação

de serviços (hospitais e equipamentos).

Nossa suposição básica é que os recursos canalizados pelos programas nacionais, por

terem sua alocação já orientada por uma lógica setorial própria, decorrente das necessidades

específica do setor, não devem ser considerados quando analisamos as disparidades

horizontais em capacidade de gasto. Uma vez que contam com uma lógica própria, se o seu

funcionamento não é adequado, os problemas devem ser tratados pela modificação de seus

critérios específicos. Resulta disso, portanto, a seguinte proposição básica: as transferências

que visam reduzir disparidades horizontais, que estamos discutindo neste trabalho, devem

focalizar apenas as receitas livres dos governos estaduais e municipais. Conseqüentemente,

todas as nossas estimativas de capacidade de gasto dos governos aqui apresentadas referem-se

à soma da arrecadação própria com as transferências livres, ou seja, à totalidade dos recursos

que compõem o financiamento dos orçamentos locais, os recursos que os orçamentos de

estados e municípios podem dispor livremente.

O trabalho está estruturado em quatro itens. O item 1 descreve o sistema original

concebido em 1965, tratando de sua evolução até 1988. O item 2 discute o “congelamento” do

sistema, realizado em 1989. O item 3 passa a considerar as duas alternativas de reforma

existentes. Inicialmente, discutimos a alternativa do “descongelamento” e depois

apresentamos as bases conceituais de um sistema de equalização. No item 4, finalmente,

apresentamos simulações da aplicação da equalização para estados e municípios brasileiros,

confrontando-as com os resultados do sistema atual dos fundos de participação. O item 5

apresenta algumas conclusões.

2.1 Os fundos de participação – origens e evolução até 1988

O objetivo deste item é recuperar a evolução histórica dos fundos de participação, desde sua

concepção em 1965 até o ano de 1988. Esse é o período em que o sistema original preservou as

qualidades de um sistema flexível e dinâmico de redistribuição de recursos. Quase 20 anos depois, a

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memória desse sistema original começa a ser perder, e, para muitos, os fundos de participação são

apenas uma forma simples (embora importante) de compartilhamento dos impostos federais com

estados e municípios.

A Constituição de 1967

instituiu, pela primeira vez na

Federação brasileira, a figura das

transferências redistributivas, com a

finalidade de reduzir as disparidades

horizontais em capacidade fiscal

entre estados e municípios. Para esse

fim, foram criados os chamados

fundos de participação de estados e

municípios. Uma peculiaridade

relevante desse sistema em relação à

prática usual em outras Federações é

que, na realidade, foram criados dois

fundos separados, um para estados e outro para municípios, submetidos a regras distintas.

Esses fundos foram concebidos para combinar simultaneamente o ajuste vertical na

Federação − através do compartilhamento com os governos subnacionais da receita do

Imposto sobre a Renda e sobre Produtos Industrializados (IPI) − com a redistribuição

horizontal, através dos critérios adotados para definir os montantes entregues a cada estado e

município.

Na formulação inicial, em 1965, a Constituição destinava 10% da receita daqueles dois

impostos para cada um dos dois fundos. Nas três décadas seguintes, até 1993, depois de terem

sido reduzidos para apenas 5% em 1968, durante a fase de centralização fiscal do regime

militar, esses coeficientes foram sendo progressivamente recuperados e ampliados. A

Constituição de 1988 foi o ponto culminante dessa expansão dos fundos, ao estabelecer que

eles deveriam atingir conjuntamente, até 1993, 44% da receita derivada daqueles impostos. O

quadro 1 mostra essa evolução.

Ainda que esse crescimento dos coeficientes não tenha sido acompanhado de um

crescimento proporcional dos montantes transferidos, devido ao atrofiamento que o GF impôs

Ano Dispositivo Legal FPM FPE 1967-68 Emenda Constitucional 18/65 10,00% 10,00% 1969-75 Ato Complementar 40/68 5,00% 5,00%

1976 Emenda Constitucional 5/75 6,00% 6,00% 1977 Idem 7,00% 7,00% 1978 Idem 8,00% 8,00%

1979-80 Idem 9,00% 9,00% 1981 Emenda Constitucional 17/80 10,00% 10,00%

1982-83 Idem 10,50% 10,50% 1984 Emenda Constitucional 23/83 13,50% 12,50% 1985 Idem 16,00% 14,00%

1985-88 a Emenda Constitucional 27/85 17,00% 14,00% 1988 Constituição Federal de 1988 20,00% 18,00% 1989 Idem 20,50% 19,00% 1990 Idem 21,00% 19,50% 1991 Idem 21,50% 20,00% 1992 Idem 22,00% 20,50% 1993 Idem 22,50% 21,50%

Fonte: cartilha do FPE e FPM – Secretaria do Tesouro Nacional

Quadro 1: RESTROSPECTO HISTÓRICO DAS ALÍQUOTAS DOS FUNDOS DE PARTICIPAÇÃO

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ao IPI nesse período, os fundos de participação tornaram-se a mais importante transferência

federal para governos subnacionais.

Neste item, descrevemos as regras de funcionamento dos fundos de participação de

1965 até 1988. Esse é, por assim dizer, o período em que esses fundos preservaram as

qualidades originais de sistemas dinâmicos voltados para a redução das disparidades. Essas

regras foram abandonadas em 1989, com a já mencionada LC 62, que impôs o chamado

“congelamento” dos coeficientes estaduais dos dois fundos, quando eles perderam todos os

seus atributos relevantes, sendo transformados numa simples tabela de percentuais que

determina quanto cada estado deve receber. Essa tabela rústica tem permanecido inalterada

desde então.

2.1.1 O Fundo de Participação dos Estados

As regras iniciais do FPE (Lei no 5.172/66) estipulavam que os recursos do fundo

deveriam ser distribuídos:

5% proporcionalmente à área territorial dos estados; e

95% segundo um fator representativo da população, ponderado pelo inverso da renda

per capita de cada estado.

Os critérios de superfície e população justificavam-se pela necessidade de atender à

demanda por serviços públicos. O critério inverso da renda per capita tinha objetivos

redistributivos de destinar mais recursos aos estados com menores níveis de renda por

habitante.

A partir de 1976, essa distribuição básica foi alterada pela criação da Reserva Especial

para Estados do Norte e Nordeste (Reene), que separava 20% dos recursos, a partir de 1978

(10% em 1976 e 1977), para serem distribuídos exclusivamente para estados dessas duas

regiões, enquanto os 80% restantes continuavam sendo distribuídos para todos os estados. Os

critérios de distribuição dessa parcela eram os mesmos previstos na legislação anterior, mas

aplicados à área e à população conjunta dessas regiões. Para os estados dessas duas regiões, os

recursos transferidos eram o somatório dos dois montantes.

O procedimento de cálculo

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Apresentamos agora o procedimento de cálculo adotado para a distribuição dos 80%

destinados a todos os estados do país, o qual era igualmente adotado para os 20% reservados

para o Norte e o Nordeste. Deve ficar claro que as dotações dos estados dessas duas regiões

resultavam da soma do resultado dos dois cálculos:

Fonte: legislação do FPE

o fator territorial (FT) − percentual que representava a área territorial do estado em

relação à área do país (ou do estado do NO-NE em relação à área das duas regiões); e

o fator representativo da população(FRP) de cada estado − que era determinado

conforme a participação relativa da população do estado no total do país (quadro 2).

Havia um teto de 10% da população total do país para o cálculo do fator população, o

que gerava uma perda de participação para os estados de Minas Gerais e São Paulo. O mais

importante, contudo, é que esses critérios determinavam que todos os estados que

representassem menos de 2% da população nacional receberiam coeficiente 2 (o que

equivaleria, caso o único critério de distribuição fosse esse, a receber 2% dos recursos), o que

acabava por conceder a eles receita final per capita maior que os demais.

O fator inverso da renda per capita (FRR) era determinado a partir do inverso da

participação relativa de cada estado na renda per capita do país (calculava-se o índice relativo

Quadro 2: coeficientes para o cálculo do fator população dos

critérios de partilha do FPE

População do Estado/População Total FRP

I. Até 2% 2,0

II. Acima de 2% até 5%

a) pelos primeiros 2% 2,0

b) para cada 0,3% ou fração excedente, mais 0,3

III. acima de 5% até 10%

a) pelos primeiros 5% 5,0

b) para cada 0,5% ou fração excedente, mais 0,5

IV. acima de 10% 10,0

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à renda per capita de cada estado tomando-se como 100 a renda per capita do total do estado

para, a partir dele, calcular o inverso de cada índice).

1

100PIB

E

B

CPIB

PIB

=

, onde:

CPIB � coeficiente relativo ao inverso do PIB

per capita;

PIBE � PIB per capita do estado;

PIBB � PIB per capita do Brasil.

Esse índice era submetido à tabela a seguir,

gerando o fator.

O fator inverso da renda per capita também

tinha um teto. Isso significa que, a partir de um determinado ponto, reduções na renda por

habitante dos estados, em relação à renda por habitante do país, não implicava elevação

correspondente do fator e, portanto, não redundava em maiores recursos para a UF em

questão. Ao que parece, somente a região Nordeste teria atingido esse teto até 1988.

Os três fatores anteriormente apontados permitem completar o cálculo:

coeficiente individual de participação: (CIP) = FRP * FRR

% CIP = CIP do estado/somatório dos CIPs dos estados envolvidos (todos para a

distribuição dos 80%; somente estados de NO-NE para distribuição dos 20%).

O percentual do FPE a que cada estado terá direito será alcançado de acordo com a

fórmula a seguir, que define o percentual a ser aplicado seja aos 80%, seja aos 20%, no caso

de estados do NO-NE:

%FPE = [(FT1 * 0,05) + (%CIP * 0,95)]

onde:

%FPE � percentual do FPE do estado;

Quadro 3: coeficientes para o cálculo do fator

inverso da renda per capita dos critérios de

partilha do FPE

Inverso do índice relativo à

renda per capita do estado FRR

até 0,0045 0,4 acima de 0,0045 até 0,0055 0,5 acima de 0,0055 até 0,0065 0,6 acima de 0,0065 até 0,0075 0,7 acima de 0,0075 até 0,0085 0,8 acima de 0,0085 até 0,0095 0,9 acima de 0,0095 até 0,0110 1,0 acima de 0,0110 até 0,0130 1,2 acima de 0,0130 até 0,0150 1,4 acima de 0,0150 até 0,0170 1,6 acima de 0,0170 até 0,0190 1,8 acima de 0,0190 até 0,0220 2,0 acima de 0,0220 2,5

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FT1 � fator territorial do estado;

%CIP � percentual do coeficiente individual de participação.

Portanto, por esse procedimento obtinha-se percentuais que permitiam a distribuição

da parcela destinada a todos os estados (80% dos recursos) e a da parcela reservada para o

NO-NE. A soma dessas duas parcelas definia transferência total para cada estado.

Durante a elaboração da Constituição de 1988, o relatório apresentado pela

subcomissão de tributação previa a elevação do percentual do IR e do IPI destinado ao FPE,

de 14% para 19,5%, além de determinar que os recursos do FPE fossem destinados

exclusivamente aos estados cuja renda per capita fosse inferior à média nacional. Nas

negociações que se seguiram, procurou-se garantir a todos os estados o acesso ao FPE e, ao

mesmo tempo, conciliar os interesses dos constituintes dos estados menos desenvolvidos

(francamente majoritários), que não abriam mão dos recursos garantidos pelo FPE exclusivo.

Para tanto, optou-se por elevar o percentual dos dois impostos destinados ao FPE até um nível

em que, mantidos os critérios então vigentes de rateio, a participação das regiões Norte e

Nordeste resultasse no mesmo volume de recursos que seriam transferidos via FPE exclusivo.

Com esse propósito, a porcentagem do IR e IPI destinada ao FPE, que havia subido de 14%

para 19,5% na subcomissão, chegou finalmente a 21,5% no projeto da comissão temática

(AFONSO; REZENDE, 1987; VARSANO, 1987). Por fim, a Constituição Federal de 1988

determinou a transferência, da União para os estados e o Distrito Federal, via FPE, de 21,5%

da receita líquida (receita bruta arrecadada menos incentivos fiscais e restituições) do IPI e do

IR.

2.1.2 O Fundo de Participação dos Municípios

Na sua formulação inicial (EC no 18/1965) o FPM distribuía seus recursos aos

municípios segundo um critério exclusivamente populacional. Em 1967, o Ato Complementar

no 35 destacou na partilha os municípios das capitais, com direito a 10% dos recursos, ficando

90% a serem distribuídos aos municípios do interior.

Em 1981, o Decreto-lei no 1.881 remodelou os critérios de distribuição, estabelecendo

as regras que permaneceram virtualmente inalteradas até 1989. Esse decreto redividiu os

recursos do fundo, reservando: 86,4% para municípios do interior, 10% para as capitais e

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Coeficientes por faixa de habitantes FatorAté 10.188 0,6Acima de 10.189 até 13.584 0,8Acima de 13.585 até 16.980 1,0Acima de 16.981 até 23.772 1,2Acima de 23.773 até 30.564 1,4Acima de 30.565 até 37.356 1,6Acima de 37.357 até 44.148 1,8Acima de 44.149 até 50.940 2,0Acima de 50.941 até 61.128 2,2Acima de 61.129 até 71.316 2,4Acima de 71.317 até 81.504 2,6Acima de 81.505 até 91.692 2,8Acima de 91.693 até 101.880 3,0Acima de 101.881 até 115.464 3,2Acima de 115.465 até 129.048 3,4Acima de 129.049 até 142.632 3,6Acima de 142.633 até 156.216 3,8Acima de 156.216 4,0

3,6% para a chamada “Reserva do FPM”, que eram distribuídos adicionalmente aos

municípios do interior com população superior a um determinado valor.

O piso para definição dos municípios que tem acesso à reserva não é fixo. A lei reza

que terão acesso aos recursos municípios cujo coeficiente populacional seja igual a 4. Esse

coeficiente resulta da aplicação da tabela de coeficiente populacional, descrita logo adiante.

Em princípio, essa tabela deveria ser revisada a cada cinco anos, com o que o piso

populacional da reserva iria aumentando com o crescimento demográfico.

O Tribunal de Contas da União passou a ter a atribuição de determinar para cada

município um coeficiente de participação segundo o número de habitantes.

Aspecto muito importante é que os critérios de distribuição dos 13,6% destinados a

grandes municípios eram bastante distintos daquele adotado para os 86,4% destinados ao

interior. Vejamos esses critérios.

A distribuição para os municípios do interior

O critério populacional

básico, utilizado para a

distribuição de 86,4% dos

recursos aos municípios do

interior, foi concebido de forma a

beneficiar municípios com

população reduzida,

estabelecendo um “piso” de

população abaixo do qual todos

receberiam o mesmo montante,

uma escala regressiva pela qual os

municípios maiores receberiam

proporcionalmente menos, e um

teto, acima do qual todos receberiam o mesmo valor. O Decreto-lei no 1.881/81 acentuou

ainda mais essa característica, ao atribuir peso maior para todos os municípios de até 16.980

habitantes. Na versão do CTN, existiam três faixas até esse nível de população.

Este cálculo era operado da seguinte forma:

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a população de cada município é utilizada para definir o fator populacional conforme a

tabela anterior; e

aplica-se tal procedimento a todos os municípios, e a participação final de cada um

(coeficiente) será a razão entre o seu fator e o somatório dos fatores de todos os municípios do

país.

É muito importante ressaltar aqui dois aspectos. Primeiro, o pressuposto básico que

orientou o FPM desde sua origem: municípios pequenos teriam, por princípio, menor

capacidade de arrecadação. Quanto maior o município, maior a densidade econômica e,

portanto, a base tributária para os dois impostos que a reforma tributária de 1967 reservou aos

governos locais, o IPTU e o ISS. Em segundo lugar, o FPM adotava um critério nacional de

distribuição; ou seja, tratava todos os municípios do país igualmente, em função

exclusivamente de sua população.

A distribuição para grandes municípios e capitais

Os 13,6% dos recursos reservados para grandes municípios e capitais tinham um

critério de distribuição distinto daquele adotado para os municípios do interior. Enquanto

estes eram distribuídos exclusivamente pelo critério populacional, de teor regressivo, o

critério adotado para os 13,6% destinados a grandes municípios e capitais incluía, ainda, o

inverso da renda per capita como fator de ponderação.

Essa opção não se deveu à existência de estimativas da renda per capita para esses

grandes municípios. Até muito recentemente, não dispúnhamos dessas estimativas, mesmo

para as capitais. De fato, a solução adotada no caso foi utilizar para cada município a renda

per capita média do estado. Nessa segunda sistemática o critério população é calculado a

partir da participação de cada município na população total do conjunto de municípios

beneficiados. De forma semelhante ao definido para os municípios do interior, a atribuição de

coeficientes adota um piso e um teto de forma a privilegiar os de menor porte e limitar o valor

entregue aos grandes. O critério renda per capita, por sua vez, é apoiado na relação percentual

entre a renda per capita do estado ao qual pertence o município e a renda per capita média do

conjunto de estados. O inverso dessa relação é utilizado como referência para atribuir

coeficientes a cada município, igualmente submetidos a um piso e a um teto. O coeficiente

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Inverso do índice relativo à renda per capita FatorAté 0,0045 0,4Acima de 0,0045 até0,0055

0,5Acima de 0,0055 até0,0065

0,6Acima de 0,0065 até0,0075

0,7Acima de 0,0075 até0,0085

0,8Acima de 0,0085 até0,0095

0,9Acima de 0,0095 até0,0110

1,0Acima de 0,0110 até0,0130

1,2Acima de 0,0130 até0,0150

1,4Acima de 0,0150 até0,0170

1,6Acima de 0,0170 até0,0190

1,8Acima de 0,0190 até0,0220

2,0Acima de 0,0220 2,5

final de distribuição é obtido pelo produto dos dois coeficientes descritos. Exceto pelo fato de

considerar uma tabela diferente para atribuir o fator populacional, no mais, o cálculo para

grandes cidades é igual ao do FPE, excluída a parcela territorial.

O procedimento para a distribuição às capitais e grandes municípios (reserva) era:

atribui-se para cada município um fator populacional, conforme mostra a tabela

anterior;

o fator da renda per capita é calculado da seguinte forma:

calcula-se a razão entre a renda per

capita do estado de cada uma das capitais ou

grandes municípios e a renda per capita do

Brasil, em percentual. Feito o inverso dessa

razão, atribui-se um fator, conforme tabela

seguinte;

o fator geral é encontrado,

multiplicando-se os fatores populacionais

e do inverso da renda per capita.

No essencial, o critério leva a que

o coeficiente de população (entre 2 e 5) seja ampliado/reduzido sempre que a renda per capita

da localidade seja menor/maior que a média do conjunto.

A distribuição da reserva para grandes municípios segue os mesmos critérios das

capitais. A cota-parte dos municípios da reserva será a soma do montante assim obtido,

Porcentagem que a população da entidade participante representa da população total da categoria a que

pertence FatorAté 2% 2,0Acima de 2% até 2,5% 2,5Acima de 2,5% até 3% 3,0Acima de 3% até 3,5% 3,5Acima de 3,5% até 4% 4,0Acima de 4% até 4,5% 4,5Acima de 4,5% 5,0

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derivado dos 3,6%, com o montante derivado da distribuição dos 80% dos municípios do

interior, ao qual eles também têm direito.

Nesse formato, que teve vigência até 1989, o FPM operava como um sistema

redistributivo em que a parcela de cada município era derivada pela aplicação dos critérios à

totalidade dos municípios do país. Isso significava, no caso do interior, atribuir o mesmo

montante de recursos a municípios do Piauí ou do Rio de Janeiro, independentemente de seu

nível de renda per capita, desde que eles tivessem a mesma população. Dada a elevada

heterogeneidade vigente nos níveis de renda entre regiões e, mesmo, entre municípios de

mesmo porte de uma mesma região, é evidente que o sistema tinha escassas possibilidades,

desde sua concepção original, de otimizar a função de reduzir desigualdades. Esse problema

era atenuado para os grandes municípios, já que sua parcela era condicionada também pela

renda per capita relativa. Em outras palavras: os 13,6% para grandes municípios e capitais,

devido à utilização do mesmo critério do FPE, tinha um poder muito maior de reduzir as

disparidades em capacidade de gasto, em que pese as imprecisões derivadas da utilização da

renda per capita estadual e não da renda municipal.

2.2 Os fundos de participação a partir de 1989

Como se sabe, a superação

efetiva da herança centralizadora do

regime militar se cristaliza na

Constituinte de 1988. A Constituição

Federal então aprovada decidiu ao

mesmo tempo aumentar as

porcentagens da receita federal a

serem transferidas a estados e

municípios e estabelecer, nas

disposições transitórias, que através

de uma lei complementar fosse

promovida a revisão dos critérios de

rateio do FPE e do FPM entre estados

e municípios.

Região/Unidade (%) Região/Unidade (%)

Acre 3,4210 Espírito Santo 1,5000 Amapá 3,4120 Minas Gerais 4,4545 Amazonas 2,7904 Rio de Janeiro 1,5277 Pará 6,1120 São Paulo 1,0000 Rondônia 2,8156 Sudeste 8,4822 Roraima 2,4807 Paraná 2,8832 Tocantins 4,3400 R G do Sul 2,3548 Norte 25,3717 Santa Catarina 1,2798 Alagoas 4,1601 Sul 6,5178 Bahia 9,3962 Distrito Federal 0,6902 Ceará 7,3369 Goiás 2,8431 Maranhão 7,2182 Mato Grosso 2,3079 Paraíba 4,7889 M G do Sul 1,3320

Pernambuco 6,9002 Centro-Oeste 7,1732 Piauí 4,3214 TOTAL 100,00 R G do Norte 4,1779 Sergipe 4,1553 Nordeste 52,4551

Quadro 4: Distribuição dos recursos do FPE, por estado e DF – LC 62/89

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Essa tarefa, enfrentada no ano seguinte, revelou-se extremamente complexa para as

condições políticas daquele momento. Os estados, através de seus secretários de Fazenda, não

conseguiram chegar a um acordo que permitisse redefinir regras gerais e dinâmicas para os

fundos de participação. Dada a dificuldade política de cumprir a exigência constitucional, foi

adotada uma solução pragmática e paliativa: no lugar de um sistema dinâmico, que atuasse

em função da evolução demográfica e econômica relativa das regiões e localidades,

estabeleceu-se um esquema rústico de coeficientes fixos de distribuição, tanto para o FPE

como para o FPM.

No caso do FPE, definiu-se um esquema de percentuais fixos por estado. Dessa forma,

o pré-rateio antes vigente apenas nas relações entre regiões atrasadas e desenvolvidas, foi

estendido e “congelado” ao nível de estados, eliminando totalmente o caráter dinâmico do

fundo. A decisão tomada em 1989 não se apoiava, efetivamente, em nenhum critério técnico

de rateio para definir os percentuais. Embora tomando como ponto de partida a distribuição

existente em 1988, chegou-se a eles basicamente por negociação política, nas quais

predominou a força das regiões mais atrasadas. Vários coeficientes foram artificialmente

fixados, como os de São Paulo e Espírito Santo. Esses coeficientes passaram a estar definidos

no conhecido Anexo 4 da Lei Complementar no 62, de 28 de dezembro de 1989, apresentado

na tabela anterior.

Quanto ao FPM, tudo indica que a intenção dos constituintes de 1988 era, claramente,

preservar o seu caráter dinâmico e até aprofundá-lo. Prova disso é que, ainda em 1988, a Lei

Complementar no 59 estabeleceu que a revisão geral dos coeficientes individuais de

participação no FPM não seria mais qüinqüenal, como o fora desde a sua criação, em 1965,

mas, anual, baseada nos dados populacionais do IBGE.

No entanto, os desenvolvimentos logo após a promulgação da Constituição foram no

sentido contrário. A já referida Lei Complementar no 62/89 “congelava” também os

percentuais por estados, no caso do FPM, eliminando o caráter dinâmico da sistemática

anterior, que distribuía os recursos entre os três grupos – capitais, grandes municípios e

municípios do interior – segundo um critério flexível que atuava em nível nacional, com o que

a participação de cada estado dependia, em última instância, dos desempenhos demográficos

relativos entre estados, da distribuição da população por tamanho de município em cada

estado e da evolução da renda per capita relativa.

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A principal motivação dessa mudança terá sido o conhecido problema do chamado

“milagre da multiplicação dos pães” (VILLELA, 1995)). Pela sistemática anterior, o

desdobramento de um município em dois ou mais de menor porte, ao colocar cada um deles

em faixas inferiores de população, aumentava o volume total de recursos recebidos pela

mesma população, o que era um incentivo à multiplicação de micromunicípios em todo o

país. Como os recursos totais eram dados, o ganho obtido pelo desdobramento era

“financiado” pela totalidade dos municípios do país. A LC exigia que, no caso de criação de

novos municípios, a nova dotação para esses municípios fosse retirada apenas dos demais

municípios do estado, sem gerar impacto sobre o restante do país. Para viabilizar essa medida,

o Tribunal de Contas da União baixou a Resolução no 242/90, que “congelava” os coeficientes

estaduais de distribuição, de forma que a distribuição populacional passava a valer apenas

dentro de cada estado. Essa regra definiu, portanto, um pré-rateio dos recursos: Nordeste −

34,07%, Norte − 7,07%, Sudeste − 32,94%, Sul − 18,79% e Centro-Oeste − 7,13%.

A parcela destinada a cada estado passa a ser fixa; ou seja, fica congelada a

participação relativa das unidades da Federação no volume total de recursos do fundo. Os

percentuais “congelados”, ao que tudo indica, teriam sido aqueles verificados no ano de 1989

(VILLELA, 1995, p. 24).

A lei de 1989 estabelecia (artigo 3o) que a revisão dos percentuais deveria ocorrer em

1992, com base no censo de 1990. O atraso na realização do censo levou à prorrogação da

vigência dos critérios existentes. Em 1994, através da Decisão Normativa no 6, de 13 de

dezembro, o TCU definiu novos critérios de rateio, apenas ligeiramente diferentes dos

anteriores: Nordeste − 34,07%, Norte − 7,07%, Sudeste − 32,94%, Sul − 8,79% e Centro-

Oeste −7,13%. Foram revistos também os coeficientes para rateio das capitais e da reserva da

Lei no 1.881. Finalmente, no final de 1997 o TCU realizou nova revisão.

Dessa forma, o “pré-rateio” do FPM não teria imposto qualquer alteração substantiva

nos critérios de distribuição de recursos, exceto pelo importante detalhe de que nessa versão o

critério deixa de ser dinâmico, podendo, ao longo do tempo, deixar de refletir as proporções

relativas de população entre municípios.

A distribuição interna aos estados acabou sendo mantida também “congelada” até

1997, quando, então, optou-se por uma atualização progressiva dos coeficientes às mudanças

populacionais. Para evitar um choque muito grande, essa atualização foi distribuída por

diversos anos, sendo prevista sua complementação em 2007.

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É evidente que a fixação dos percentuais por estado reduziu muito os atributos

dinâmicos do sistema. No sistema resultante, enquanto não forem alterados os percentuais, a

parcela recebida por um município depende (só a partir do ano 2007, quando a retomada dos

critérios estará completada) de sua taxa de expansão populacional em relação àquela do

estado a que pertence, e a parcela recebida pelo estado em seu conjunto é não é afetada pelas

variações relativas de sua taxa de crescimento populacional em relação ao resto do país. Com

aquela lei, o efeito “redistributivo” desse processo ficava restrito ao âmbito estadual, uma vez

que o rateio por população era aplicado a um montante predeterminado para cada estado.

De modo geral, o sistema como um todo se tornou muito mais grosseiro e rústico. Se

antes os movimentos demográficos e as diferenças de renda se manifestavam nos critérios, a

partir de 1988 eles perdem qualquer significado no que se refere à relação entre os estados.

Apenas internamente a cada estado persiste vivo o pior componente do sistema de 1965, a

distribuição populacional viesada para pequenos municípios.

Em suma, os pontos essenciais dessa longa trajetória que hoje completa quatro

décadas são os seguintes:

em 1965, construiu-se um sistema simples e dual de fluxos redistributivos, com

critérios distintos para estados e municípios, de alguma forma, flexível e dinâmicos;

em 1989, esse sistema foi destruído, integralmente no que se refere à sua parcela

“boa”, o FPE, e parcialmente no que se refere à sua face tecnicamente mais pobre, o FPM; e

o sistema implementado em 1989 perdeu a capacidade de adaptar-se dinamicamente à

evolução da renda e ao crescimento populacional, e tal adaptação é um requisito fundamental

de sistemas que exercem essa função redistributiva. Eles geram ainda um impacto

redistributivo, principalmente, no caso do FPE, porque os percentuais congelados beneficiam

as regiões mais pobres do país. Não apresentam, contudo, a flexibilidade que permitiria

adequar as dotações de recursos, à medida que as diferenças em nível de desenvolvimento e

de população se manifestassem.

Os restos mortais ainda precariamente operantes do sistema (leia-se: sistema de

distribuição do FPM interna aos estados), com toda certeza, tornaram-se um dispositivo ainda

mais distorcido, na medida em que a urbanização e a metropolização continuaram se

acentuando no país e o critério populacional viesado para pequenos municípios se tornou cada

vez mais anacrônico e inadequado.

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Adiante, iremos apresentar dados que evidenciam as elevadas distorções que

caracterizam a situação atual desse sistema com distribuição “congelada”. A receita corrente

per capita chega a ser de 20 a 30 vezes maior em municipalidades de pequeno porte em

regiões de baixa densidade populacional, comparativamente aos índices registrados em

municípios populosos. Entre estados, as disparidades são menores, mas não inexpressivas.

As desigualdades são particularmente severas nas áreas metropolitanas, onde a

distribuição da atividade econômica e da população no espaço determinam o resultado. Na

Região Metropolitana do Rio de Janeiro, por exemplo, os municípios dormitórios – aqueles

que concentram a população que trabalha no núcleo central − chegam a apresentar um

orçamento cinco vezes menor do que a média regional, embora enfrentem fortes pressões para

melhorar o atendimento às necessidades de seus residentes.

2.3 Alternativas de reforma

Existem, a priori, duas abordagens para a reforma dos fundos de participação, e ambas

permitem, por sua vez, diversas variantes. A primeira, que podemos considerar conservadora,

é retornar à dinâmica dos modelos tradicionais, tais como aquele criado pela reforma de 1965,

que utilizam parâmetros macroeconômicos, tais como renda per capita. A esta abordagem

pertence o sistema original do FPM e do FPE, que foi desvirtuado em 1989. A segunda

abordagem, mais moderna, envolve a adoção de procedimentos de equalização, onde as

transferências são definidas a partir de uma avaliação de todas as demais receitas recebidas

por cada governo. Essa segunda alternativa é pouco conhecida no Brasil, sendo utilizada

apenas nas Federações mais desenvolvidas. Iremos discuti-la em detalhes mais à frente.

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2.3.1 Retorno ao CTN: o “descongelamento”

Constatamos que a partir de 1989 os fundos de participação deixaram de ser um

sistema redistributivo minimamente consistente, tornando-se apenas um mecanismo rústico de

compartilhamento de dois impostos federais com estados e municípios, com percentuais fixos.

É desejável, portanto, reconstruir um sistema redistributivo eficiente. Evidentemente, a

primeira possibilidade a ser analisada é o retorno ao sistema existente antes de 1989, um

mecanismo conhecido que prestou serviços durante duas décadas. Na sua versão mais

simples, essa alternativa, defendida por muitos técnicos de governos estaduais, exigiria apenas

a abolição da LC 62 e o retorno aos critérios estabelecidos no Código Tributário Nacional, Lei

no 5.172/1966 (artigos 88, 89 e 90). Provavelmente, só seria realista pensar no retorno à

situação vigente em 1988, o que inclui, além das normas do CTN, os aperfeiçoamentos

adotados posteriormente, gerando as diversas “reservas”. O que se exigiria seria apenas a

aplicação das regras aos dados macroeconômicos e demográficos atuais. Uma opção um

pouco mais flexível seria manter a metodologia básica do sistema, adaptando algumas regras

e parâmetros à realidade política atual. Por exemplo, o critério da renda per capita, utilizado

para a distribuição entre estados e grandes municípios, poderia ser substituído ou combinado

com outros critérios, como grau de desenvolvimento humano, ou outro indicador social

qualquer.

“Descongelados” os índices, com certeza, teremos um sistema dinâmico. Entretanto,

será que um fluxo redistributivo baseado num fator territorial, num fator populacional e em

outro fator relativo ao inverso do PIB per capita será capaz de atenuar da forma mais eficiente

os desequilíbrios horizontais de capacidade de gastos entre os governos subnacionais

brasileiros?

A equipe do “Fórum de estados” realizou amplas e detalhadas simulações dos efeitos

que decorreriam do “descongelamento”. No caso dos municípios, de forma geral, esse

procedimento teria um impacto pouco relevante, basicamente, por dois motivos. Primeiro,

porque o comportamento demográfico em termos de concentração da população em

municípios maiores parece ter sido bastante uniforme em todo o país, de forma que, dados os

critérios, o resultado do “descongelamento” afeta pouco a distribuição hoje obtida pelo pré-

rateio estadual. Como a distribuição interna já vem sendo descongelada progressivamente,

quanto ao FPM pode-se dizer que o “descongelamento” não geraria impactos de receita

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Comparação entre a Receita Base e o FPE atual

R$ 0

R$ 500

R$ 1.000

R$ 1.500

R$ 2.000

AP RR MA PI AC AL PB TO CE PA SE BA PE RN RO GO MG AM PR RJ SC MS MT RS SP ES DF

Receita BASE RDPC (FPE atual)

significativos. O problema desse “descongelamento é outro: ele iria “ressuscitar” um sistema

limitado e precário que utiliza como parâmetro, para a maioria dos municípios,

exclusivamente, a população, ignorando a capacidade fiscal do respectivo governo. Por

questão de espaço, portanto, não iremos apresentar os dados relativos ao descongelamento

municipal. Vamos nos concentrar na questão que é mais polêmica, o “descongelamento” dos

critérios do FPE.

Para avançar nessa avaliação, tomamos os dados reais das finanças estaduais para

2005 e calculamos os valores per capita da sua receita própria total (arrecadação mais

transferências, exceto o FPE − que é chamada de receita base) e depois acrescentamos o FPE,

de forma a explicitar qual o efeito gerado pelos recursos do fundo. O primeiro dado evidencia

as disparidades interestaduais em capacidade de gasto, as quais, em princípio, o FPE deveria

reduzir. O segundo dado expressa a capacidade final de gasto livre dos estados, a qual reflete

os efeitos redistributivos que o FPE possa gerar. Lembramos ao leitor que tratamos apenas

das receitas livres. Não estão consideradas as receitas vinculadas, e, portanto, esse dado é

muito inferior à capacidade total de dispêndio dos entes.

Esses dados constam dos gráficos apresentados seguir, onde os estados são colocados

em ordem crescente de receita própria sem o FPE (série azul), comparada com a receita per

capita que resulta da distribuição do FPE (série vermelha). Nas séries em vermelho, o

primeiro gráfico expõe o resultado gerado pelo FPE, conforme a distribuição atual,

“congelada”, enquanto o segundo expõe o resultado que seria obtido pelo “descongelamento”

dos critérios do CTN. Não é demais lembrar que todos esses cálculos estão apoiados em

dados efetivos de receita, PIB e população.

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Em princípio, deveríamos esperar que o resultado da distribuição do FPE fosse a

redução das disparidades em capacidade de gasto. Note-se, porém, que a incorporação do FPE

à receita dos estados não aproxima as capacidades de gasto per capita, pois, pelo contrário,

gera uma distribuição altamente irregular. Além de alguns estados deterem capacidade de

gasto muitíssimo acima da média nacional, estados com situação econômica

aproximadamente similar têm receitas finais muito diferenciadas.

A simulação nos permite observar que as distorções encontradas no sistema

“congelado” atualmente vigente continuam presentes no sistema dinâmico; ou seja,

“descongelado". O principal motivo da manutenção das distorções é que a metodologia de

distribuição do CTN utiliza faixas de valores nas tabelas que, por exemplo, igualam os fatores

populacionais de Roraima e da Paraíba, mesmo que a população deste estado seja quase 10

vezes maior que a daquele (ver descrição feita anteriormente dos critérios do CTN). Essa

metodologia privilegia fortemente estados com grandes áreas territoriais e pequena população,

como é o caso da maioria dos estados da região Norte, como poderemos constatar nos dois

próximos gráficos.

Então, poder-se-ia afirmar que excluindo da metodologia as tabelas de valores,

obteríamos melhores resultados? Buscando essa resposta, realizamos nova simulação de um

sistema redistributivo nos moldes do CTN, mas sem utilizar as tabelas de valores. Nesse caso,

a distribuição é feita exclusivamente em base populacional per capita ponderada pelo inverso

da renda, sem diferenciações pela área ou tamanho de população. Os resultados são bem

melhores, mas ainda apresentam disparidades difíceis de justificar.

Comparação entre a Receita Base e o CTN (Reservas 85%-15%)

R$ 0

R$ 500

R$ 1.000

R$ 1.500

R$ 2.000

AP RR MA PI AC AL PB TO CE PA SE BA PE RN RO GO MG AM PR RJ SC MS MT RS SP ES DF

Receita BASE RDPC (CTN)

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Alguns outros aspectos devem ser destacados quando discutimos a possibilidade do

retorno ao sistema pré-1989. Com toda certeza, será muito difícil especificar com clareza qual

é o conjunto de regras que deve ser descongelado. Isso porque a formulação original do CTN

de 1965 é muito diferente da legislação em vigor em 1988. Para o FPE, foi acrescentado o

pré-rateio de 80%-20%, através da reserva para NO e NE. No caso do FPM, foram criadas as

reservas para grandes municípios, além de outras mudanças menores nas tabelas. Talvez um

aspecto ainda mais polêmico refira-se à nova modalidade de pré-rateio que foi lançada pela

LC 62/89: 85% para NO, NE e CO e 15% para SU e SE. Essa regra não pertence,

rigorosamente, ao sistema anterior, pois foi criada pela LC 62. Não deveria, portanto, ser

considerada no descongelamento. Contudo, parece pouco razoável a hipótese de eliminação

dessa regra que garante recursos para regiões mais atrasadas.

Finalmente, mas de forma alguma menos importante, não se pode esquecer que o

“congelamento” de critérios por 18 anos não se deu impunemente. Nesse período, ocorreu

seguramente o que os economistas chamam de “convergência” nos níveis de renda,

diminuindo a distância em renda per capita entre regiões atrasadas e o Sul/Sudeste. Alguns

estados, em particular, tiveram progressões notáveis nesse período. A lógica do sistema

original concebido em 1965 atuava de forma que essas mudanças se refletissem no rateio dos

recursos. Posteriormente, pelo DL no 11.434/75, foi criada a Reserva Especial para Norte e

Nordeste, que estabelecia uma “trava” e impedia que a convergência dos níveis de renda se

refletisse na distribuição. Ele estabelecia que 80% dos recursos fossem para todos os estados,

Comparação entre a Receita Base e o CTN sem Tabelas (Reservas 85%-15%)

R$ 0

R$ 500

R$ 1.000

R$ 1.500

R$ 2.000

AP RR MA PI AC AL PB TO CE PA SE BA PE RN RO GO MG AM PR RJ SC MS MT RS SP ES DF

Receita BASE CTN (Sem Tabelas)

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ResultadoPerda / Ganho

ResultadoPerda / Ganho

ResultadoPerda / Ganho

Centro-Oeste 900 898 -2 921 21 919 19

Norte 822 760 -62 825 4 652 -170

Nordeste 550 504 -46 544 -6 594 43

Sul 811 832 21 794 -17 786 -25

Sudeste 836 870 35 841 6 844 9

CTN COM RESERVACTN ORIGINAL CTN - Sem Tabelas

CTN ORIGINAL SEM RESERVA

REGIÃOFPE atual

e 20% exclusiva e cumulativamente para o Norte e o Nordeste. Finalmente, a LC 62 de 1989

modificou o dispositivo da reserva, criando a regra 85%-15%, pela qual as regiões Sul e

Sudeste ficavam restritas a 15% dos recursos.

Assim, um efeito certo e garantido do “descongelamento”, se este fosse feito conforme

a regra original, é que a convergência de renda iria se refletir no rateio, gerando ganhos

líquidos significativos para as regiões Sul-Sudeste. Na hipótese que mais se aproxima do

status quo, ele seria feito mantendo a regra de pré-rateio regional da LC 62/89 (85%-15%).

Como já foi mostrado, essa opção manteria as distorções decorrentes das tabelas de faixa

populacional. Isso indicaria uma terceira opção de descongelamento, que seria “CTN com

reserva 85%-15% e sem tabelas”. A tabela anterior mostra o resultado líquido dessas

simulações, agregados por região.

2.3.2 Os sistemas de equalização

Neste item, passamos a discutir uma importante alternativa para operacionalizar a

principal função redistributiva na Federação brasileira: os sistemas de equalização. Hoje, tais

sistemas são utilizados nas mais desenvolvidas federações do mundo para se obter a redução

das disparidades horizontais nas condições de prestação dos serviços públicos.

Apresentamos primeiro uma síntese desses conceitos e mecanismos, estritamente

suficiente para a compreensão do resto do trabalho. Em seguida, discutimos a aplicação desse

método para os sistemas redistributivos dos estados e dos municípios brasileiros, mostrando a

simulação de algumas alternativas básicas, a título de exemplificação.

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2.3.2.1 Uma breve descrição dos sistemas de equalização

Sistemas de equalização (SE) são procedimentos que permitem que governos centrais,

em Federações, realizem transferências para governos subnacionais visando reduzir as

disparidades horizontais em capacidade de gasto.

O que diferencia os SE das modalidades mais tradicionais de redistribuição de

recursos, tais como as utilizadas na Índia e no Brasil (fundos de participação), é que os SE, ao

invés de utilizarem parâmetros macroeconômicos do tipo renda, pobreza ou grau de

desenvolvimento, apóiam-se diretamente numa estimativa da receita própria dos governos

atendidos.

O procedimento básico de um SE pode ser resumido nos seguintes passos:

é feita uma estimativa da receita própria que cada governo, tendo em vista suas bases

tributárias e o sistema tributário vigente, pode obter. Essa receita, mensurada em termos per

capita, é um indicador preciso da capacidade própria de gasto de cada governo e, portanto, de

sua capacidade de prover serviços;

as receitas próprias per capita assim obtidas são a referência para a aplicação de um

determinado critério de cálculo que define o montante de transferências a ser destinado a cada

governo, para reduzir as disparidades horizontais.

Uma forma prática de visualizar o funcionamento do sistema é apresentada no gráfico

a seguir. Uma vez calculadas as receitas próprias, os governos podem ser representados num

gráfico onde são colocados conforme a dimensão de sua receita. Os governos mais à esquerda

seriam mais pobres em termos de receita, os governos da direita seriam os mais ricos.

Podemos pensar nestes governos como os estados de uma federação. No nosso exemplo, os

governos G1 a G6 não atingem receita de R$100,00 per capita, o governo G20 obtém receita

própria de R$500,00. Esta avaliação pode ser feita em qualquer federação.

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G1 G2 G3 G4 G5 G6 G7 G8 G9 G10 G11 G12 G13 G14 G15 G16 G17 G18 G19 G20

Governos Ordenados por Receita per Capita

Rec

eita

per

cap

ita

Gráfico 3.2.1-1 − Distribuição da receita per capita

Construir um SE exige a definição de regras que regulam:

o modo de financiamento do sistema;

o critério básico de equalização adotado; e

o grau de redistributividade aplicado pelo sistema.

Quanto ao modo de financiamento:

Os SE são divididos em duas categorias quanto ao modo de financiamento: sistemas

de conta aberta e sistemas de conta fechada. No sistema de conta aberta é aplicado um

determinado critério às receitas próprias – por exemplo, trazer até à média nacional de

capacidade de gasto todos os governos cuja receita própria seja inferior a ela. Da aplicação do

critério resulta certo montante de recursos que cabe ao orçamento do GF prover. É conta

aberta porque o critério é que comanda, sendo a dotação uma variável subordinada. O

montante transferido pelo GF não é predeterminado.

O gráfico 3.2.1-2 exemplifica o sistema de conta aberta. Nesse exemplo, temos uma

federação hipotética com 20 províncias, cuja receita própria varia de R$ 50,00 a R$ 500,00

per capita. Para facilitar a análise consideramos que cada ente federado possui uma população

de 6.000.000 de habitantes. Se o critério da equalização for elevar todos os entes que tenham

receita menor que a média nacional (R$ 202,00 per capita) a esse nível, isso implicará o

aporte de um determinado volume de recursos por parte do governo central, nesse caso, o

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volume seria de aproximadamente R$ 6,85 bilhões. A linha azul indica a situação obtida após

a equalização.

Gráfico 3.2.1-2 − Equalização conta aberta

Da mesma forma, se o critério da equalização fosse a receita de G18 (R$ 400,00 per

capita), teríamos a situação exemplificada no gráfico 3.2.1-3. Nesse caso, o volume de

recursos aportado pelo governo central seria de R$ 24,68 bilhões.

É importante notar que no sistema de conta aberta o volume de recursos a ser

distribuído cresce mais que proporcionalmente em função do nível de receita que se deseja

atingir. No exemplo anterior, praticamente dobramos o nível desejado (de R$ 202,00 para R$

400,00), enquanto o montante distribuído aumentou mais de três vezes e meia (passou de R$

6,85 bilhões para 24,68 bilhões). Essa característica torna o sistema bastante oneroso,

dependendo do nível de receita desejado e das disparidades horizontais entre os beneficiários.

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Gráfico 3.2.1-3 − Equalização conta aberta

Por outro lado, um sistema de conta fechada funciona, nesse aspecto específico, de

forma semelhante aos nossos fundos de participação: é previamente definido um montante de

recursos – parte da receita de um imposto federal, por exemplo – e depois aplica-se o critério,

utilizando a totalidade dos recursos. Nesse caso, é o montante que comanda, sendo o grau de

redistributividade a variável subordinada. Se os recursos forem poucos, será reduzido o efeito

redistributivo resultante da aplicação do critério. No exemplo anterior, dado o critério da

equalização (trazer todos até a receita de G18), se o montante de recursos disponíveis for de

R$ 10 bilhões, teremos a situação descrita no gráfico 3.2.1-4.

Gráfico 3.2.1-4 − Equalização conta fechada

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Como o montante de recursos não é suficiente para trazer todos até a receita de G18,

deve ser feita uma distribuição proporcional à necessidade de recursos para se atingir o

objetivo. Observa-se que apesar dos governos mais pobres receberem uma quantidade maior

de recursos, o montante distribuído não foi suficiente: no caso de G1, por exemplo, chegou-se

apenas a R$ 192,00 per capita, enquanto o objetivo era R$ 400,00. Isso se deve exatamente ao

fato do montante destinado à equalização ser inferior ao necessário. Por outro lado, todos os

governos situados abaixo de G18 recebem algum recurso, de forma inversamente

proporcional à sua capacidade inicial de gasto.

Podemos dizer, portanto, que no sistema de conta aberta o nível de equalização define

o volume de recursos distribuídos, enquanto no sistema de conta fechada, dado um critério, o

volume de recursos define o nível de equalização.

Quanto ao critério de redistribuição

O critério mais amplamente adotado é aquele que visa equalizar a capacidade de gasto

per capita dos governos (Canadá, Alemanha). Nesse caso, o sistema ignora as diferenças

existentes nos custos de provisão e na distribuição das demandas dos serviços. Dada a enorme

dificuldade envolvida na estimativa desses custos e demandas, tais sistemas partem da

suposição de que é suficiente tornar mais equalizada a dotação per capita de recursos de cada

governo.

Uma alternativa mais sofisticada exige um cuidadoso trabalho de avaliação de

diferenciais de custo e de demanda por serviços entre regiões, de forma a permitir ponderar as

transferências também com base nas diferenças de necessidades. No mundo das Federações

contemporâneas, apenas a Austrália põe em prática um sistema desse tipo.

Neste estudo, consideramos apenas o primeiro critério, dadas as dificuldades quase

insuperáveis que se colocam para a aplicação do segundo critério na realidade brasileira atual.

Para um estudo detalhado sobre a aplicação de critérios alternativos, veja-se PRADO (2006).

Quanto ao grau de redistributividade

A escolha do grau de redistributividade a ser adotado no SE é exemplificada pelos

próximos gráficos, os quais se apóiam nos gráficos anteriores. Podemos dizer que o grau de

redistributividade é o nível de redução das disparidades conseguido com o sistema. Portanto,

ele será mais redistributivo quanto mais aproximar a receita per capita dos entes federados.

Esta escolha envolve decidir se os recursos serão concedidos apenas aos mais pobres,

tentando trazê-los o mais possível para cima, ou se serão distribuídos de forma mais uniforme

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entre todos os governos, de forma que mesmo os mais ricos recebam alguma coisa. (Note-se,

por exemplo, que no sistema brasileiro, mesmo o estado mais rico da Federação recebe

transferências do FPE, ainda que pequenas. Da mesma forma, no FPM, mesmo os municípios

mais ricos são contemplados).

Num sistema de conta aberta, a escolha do grau de redistributividade consiste na

definição do nível de receita per capita ao qual serão levados os governos com receita a ele

inferior. Nos exemplos anteriores, observa-se que no gráfico 3.2.1-3 o sistema é mais

redistributivo que no gráfico 3.2.1-2, pelo fato de que naquele, os entes aproximam-se mais

do ente mais rico. Nesse caso, conseguir-se-ia a máxima redistributividade ao se adotar a

receita do mais rico como nível desejado.

No gráfico 3.2.1-5, temos a máxima redistributividade num sistema de conta aberta;

ou seja, todos os entes federados seriam elevados à receita do mais rico (R$ 500,00).

Conforme visto, o montante de recursos aumenta significativamente em função do nível de

receita desejado: nesse caso, a demanda por recursos seria da ordem de R$ 35,77 bilhões.

Gráfico 3.2.1-5 − Equalização de máxima redistributividade, conta aberta

Por outro lado, se o sistema é conta fechada, então, o que comanda é a dotação e o

nível de equalização que pode ser obtido é subordinado. Dado um determinado volume de

recursos, a escolha possível é entre uma opção de máxima redistributividade, que beneficia

muito, mas a poucos governos, e diversas opções menos redistributivas, onde maior número

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de governos é incluído na distribuição. Essa alternativa é de redistributividade máxima porque

apenas os governos mais pobres são beneficiados de forma a equalizá-los totalmente. Os

governos mais ricos, a partir de um certo nível de receita, não recebem nada. No gráfico 3.2.1-

6, a linha azul (Eq-1) exemplifica a equalização de máxima redistributividade para um

montante de R$ 10 bilhões.

É possível, no entanto, incluir mais governos na participação dos recursos, reduzindo o

grau de redistributividade. Essa situação é de particular interesse no caso dos sistemas de

conta fechada. Isso é exemplificado no gráfico 3.2.1-7, pelas linhas verde (Eq-2) e roxa (Eq-

3), onde mais duas alternativas são descritas.

Dado previamente o montante de recursos (nesse caso, R$ 10 bilhões), na alternativa

2, incluímos os governos G14 e G15 que antes não recebiam nada, enquanto a alternativa 3

inclui todos os governos, exceto o mais rico (G20). À medida que os governos mais ricos

ganham acesso aos recursos, evidentemente, diminui a dotação dos mais pobres, pois o

montante é predefinido. Essa é uma escolha essencialmente política.

Gráfico 3.2.1-6 − Equalização de máxima redistributividade, conta fechada

Gráfico 3.2.1-7 − Diferentes níveis de redistributividade, conta fechada

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2.3.2.2 Algumas questões operacionais dos sistemas de equalização

O funcionamento básico do sistema foi exposto no item anterior. Devemos considerar

também alguns aspectos técnicos específicos, relativos à definição de valores e parâmetros

utilizados no sistema.

1) A noção de valor de referência

Chamamos de valor de referência (VR) a um determinado nível de receita per capita

adotado como referência para a distribuição de recursos. No exemplo mais redistributivo

anteriormente apresentado (gráfico 3.2.1-6), o VR é R$ 244. Nos exemplos menos

redistributivos, os VRs são R$ 300 e R$ 500, respectivamente, para as alternativas Eq-2 e Eq-

3 (gráfico 3.2.1-7). Portanto, o VR é a receita per capita que delimita dois grupos de

governos: abaixo dela, todos recebem recursos da equalização; acima dela, nenhum recebe. Se

o VR escolhido é a receita per capita do governo mais rico, todos menos este receberão

recursos (gráfico 3.2.1-7 Eq-3), e o grau de redistributividade é menor. Deve ficar evidente

que a escolha do VR é o que determina o grau de redistributividade do sistema. Graficamente,

o VR é apresentado como uma linha que indica o nível de receita per capita desejado para o

sistema (gráfico 3.2.2-1).

Fica bastante visível a divisão entre os governos que receberão recursos da

equalização e os governos que não receberão: no gráfico 3.2.2-1 os governos G1 a G15 serão

beneficiados proporcionalmente à distância entre a sua receita própria e o VR. Se o montante

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de recursos for suficiente, todos os governos cuja receita seja inferior ao VR serão elevados a

esse nível; caso contrário, obtém-se as diversas distribuições exemplificadas no gráfico 3.2.1-

7.

Gráfico 3.2.2-1 − Valor de referência

Aplicado o conceito de VR aos gráficos 3.2.1-6 e 3.2.1-7, teríamos a representação

contida no gráfico 3.2.2-2. Deve ser observado que à medida que o VR aumenta,

beneficiamos os governos mais ricos em detrimento dos mais pobres, pois nesse caso, o

volume de recursos é dado previamente (conta fechada). Conforme já visto, a máxima

redistributividade é alcançada quando estabelecemos um nível desejado de receita, no qual o

montante de recursos seja suficiente para elevar todos os governos a esse nível. No exemplo

acima, a máxima redistributividade é alcançada com o VR1 (R$ 244), e definimos esse valor

como o VR de máxima eficiência. Entretanto, este, é o VR que mais exclui governos do

sistema de equalização; portanto, a decisão política tem um trade off entre a redistributividade

desejada e o número de beneficiários do sistema.

O VR de máxima eficiência também pode ser definido como o VR mínimo de um

sistema de conta fechada. No exemplo anterior, , não faz sentido falarmos num VR abaixo de

VR1 (máxima eficiência), caso contrário, teríamos uma sobra de recursos, o que é

inconcebível na lógica do sistema.

Por outro lado, não existe um limite superior para o VR. Até agora, o maior VR

apresentado foi o equivalente ao valor da receita do governo mais rico (VR3 no gráfico 3.2.2-

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2) Entretanto, nada impede que o VR seja superior a esse valor, de forma que todos os entes

federados recebam recursos do sistema. O gráfico 3.2.2-3 exemplifica essa situação.

Gráfico 3.2.2-2 − Caso hipotético com 3 VRs

Observa-se no gráfico 3.2.2-3 que com o VR3, o sistema excluía o governo mais rico,

enquanto com o VR4 (R$ 600,00), todos os governos são incluídos. O preço dessa inclusão é

que o nível de redistributividade fica ainda mais reduzido e, conseqüentemente, menos

eficiente o sistema.

Gráfico 3.2.2-3 − VR acima da receita do governo mais rico

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2) Receita efetiva x potencial

A utilização eficiente de sistemas de equalização envolve uma dificuldade técnica

relevante. Para que o sistema funcione de forma neutra e eficiente, não se pode utilizar como

base de cálculo a receita efetiva dos governos, aquela que resulta da sua administração

tributária. É necessário utilizar alguma avaliação da receita potencial, ou seja, da receita que

seria obtida por aquele governo considerando um nível médio de esforço fiscal e de alíquotas,

dada sua base tributária e as regras vigentes do sistema tributário. A receita potencial de um

governo será maior que sua receita efetiva se ele for ineficiente na administração tributária ou

reduzir suas alíquotas em relação às alíquotas médias praticadas no país e vice-versa. A razão

básica para a escolha da receita potencial é que, caso contrário (ou seja, utilizar a receita

efetiva), o sistema de equalização vai beneficiar aqueles que reduzam a sua pressão tributária

(seja por alíquotas mais baixas, por isenções ou por fiscalização frouxa), pois passarão a

receber volume maior de transferências.

O mérito fundamental da receita potencial, do ponto de vista dos sistemas de

equalização, é ser ela independente da política fiscal praticada pelo governo em questão. Caso

este decida reduzir as alíquotas efetivas de seus impostos, isso não vai afetar sua posição no

sistema de equalização, que é baseado nas alíquotas médias. O mesmo vale para a concessão

de isenções. Da mesma forma, se a sociedade dessa jurisdição optar por pagar mais impostos

que a média nacional para seu governo, isso não vai reduzir seus aportes de equalização.

A grande dificuldade é mensurar a capacidade média de arrecadação num mundo

econômico tão complexo e dinâmico. Não é um trabalho simples, mas existem algumas

alternativas: a primeira delas é trabalhar com um conjunto de dados estatísticos, buscando

assim aferir as bases tributárias da jurisdição, e depois aplicar uma alíquota média para obter a

capacidade arrecadatória. Uma segunda opção é obter a receita potencial a partir da receita

efetiva ou realmente arrecadada de cada ente federado, através de métodos econométricos

complexos. Ambas as alternativas são viáveis caso exista um certo grau de harmonização no

sistema tributário da Federação em questão, mas seguramente envolvem procedimentos

complexos e sofisticados, nem sempre viáveis em países com sistemas de governo menos

desenvolvidos.

No caso brasileiro, é patente o baixo grau de harmonização do sistema tributário,

principalmente, quando consideramos a tributação sobre o consumo: o governo federal e os

governos subnacionais disputam a mesma base tributária e existem inúmeras legislações

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tributárias diferentes e complexas. Hoje, podemos dizer que encontrar a receita potencial dos

entes federados no Brasil é uma empreitada de enormes dificuldades, não só pelos motivos já

mencionados, mas também por causa da guerra fiscal nacional baseada na concessão de

benefícios fiscais unilaterais que acabam por gerar efeitos perversos nas operações

interestaduais de um sistema de tributação misto (parte na origem e parte no destino).

Nesse contexto, a discussão de um sistema de equalização para o Brasil precisa se

orientar para a busca de uma alternativa que evite essas dificuldades, mas alcance alguns dos

benefícios que a equalização propicia. A resposta está na utilização da receita efetiva para o

sistema de equalização no Brasil. Não há uma solução perfeita, mas os incentivos negativos

podem ser bastante reduzidos ao se inserir no sistema de equalização uma variável baseada no

esforço fiscal de cada ente federado. Já que no Brasil calcular a receita potencial é

extremamente difícil e utilizar apenas a receita efetiva pode ser um problema maior ainda, por

que não utilizar a receita efetiva e distribuir parte dos recursos do fundo de equalização para

incentivar o esforço fiscal? A lógica é simples: se a utilização da receita efetiva desestimula a

arrecadação, então vamos incentivá-la, distribuindo parte dos recursos por um critério baseado

no esforço fiscal. A utilização da receita efetiva também tem a vantagem de ser de fácil

mensuração e fiscalização, além de ser um dado consistente e conhecido por todos os entes

federados, já utilizado nos programas de ajuste fiscal celebrados entre a União e quase todos

os estados da Federação.

Ainda é preciso aprofundar a discussão sobre a forma de distribuição dos recursos de

incentivo ao esforço fiscal, e o “Fórum fiscal dos estados brasileiros” deve dar continuidade a

esse debate. Contudo, algumas propostas já foram apresentadas. Podemos apontar duas delas:

a primeira consiste em obter o esforço fiscal de cada ente federado, comparando os resultados

obtidos num dado exercício com a média de arrecadação de um histórico de pelo menos cinco

anos. A outra opção é trabalhar o mesmo critério já apresentado, incluindo nele um fator para

a variação do PIB. O importante é encontrar uma forma de incentivar o esforço fiscal de

forma clara e consensual, que não envolva grandes problemas de cálculo e mensuração.

3) A abrangência da receita base de cálculo

Outra questão importante reside na definição precisa da estimativa de receita (efetiva

ou potencial) que será utilizada como referência para a equalização. A resposta aparentemente

óbvia seria que se deve considerar a totalidade das receitas próprias dos governos mais a

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totalidade das demais transferências recebidas por eles, pois isso é que mede sua capacidade

de gasto. No entanto, deve-se considerar que os governos subnacionais, em Federações como

o Brasil, recebem transferências condicionadas, que não são de livre aplicação pelos

orçamentos e que podem ser distribuídas já dentro de uma lógica, num certo sentido

equalizadora. No Brasil, esse é seguramente o caso do Fundeb e, em princípio, das

transferências do SUS10. Assim, pode ser razoável excluir essas receitas da base de cálculo da

equalização geral, pois elas já são distribuídas segundo um critério que é em si mesmo

equalizador, no sentido de ter uma orientação para atender às necessidades específicas da

jurisdição naquele setor.

Aqui, o ponto essencial reside em que algumas receitas não representam a ampliação

da capacidade geral de gasto de um governo, no sentido de receitas que ficam disponíveis

para seu processo orçamentário, pois já estão vinculadas a despesas obrigatórias. Por

exemplo, se um governo recebe dotação maior do SUS porque sedia um hospital regional, e

presta serviços a cidadãos de outras localidades, a inclusão dessa receita na base da

equalização vai reduzir a sua dotação de recursos livres para atender a outros serviços, o que

não é razoável.

Assim, temos que a metodologia para obtenção da receita base para equalização

consiste na soma das receitas arrecadas diretamente mais as transferências desvinculadas,

subtraindo-se as deduções obrigatórias de ambas. Portanto, excluímos da nossa mensuração

de receita base de cálculo para a equalização, as transferências condicionadas.

Tabela 4.3-A

METODOLOGIA DE APURAÇÃO DO VALOR BASE

(+) Receita própria

(-) Deduções obrigatórias da receita arrecadada

(=) Receita própria líquida

(+) Transferências desvinculadas

10 Se o Fundeb pode ser com certeza tido como um sistema de equalização setorial, a mesma afirmação é mais problemática quanto ao SUS. A pouca transparência dos critérios de alocação dos recursos torna difícil caracterizar adequadamente o SUS. Para o que nos interessa aqui, contudo, permanece o fato de que é uma transferência setorial condicionada por critérios setoriais próprios. Se for esse o caso, deve ser revista e reformada como tal, nos seus critérios setoriais, e tais recursos não devem ser incluídos, “misturados”, com os recursos que alimentam os orçamentos livres dos GSN.

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(-) Deduções obrigatórias das transferências

(=) Valor base para a equalização

2.3.2.3 O uso da equalização nas Federações modernas

Três das mais importantes e avançadas federações do mundo utilizam sistemas de

equalização em suas transferências verticais: Alemanha, Austrália e Canadá. Nesses três

países, as transferências realizadas sob critérios de equalização representam uma parte

majoritária das transferências verticais. Os modelos de equalização dos três países, contudo,

têm características distintas que decorrem do desenvolvimento histórico dos sistemas e dos

objetivos a eles associados.

O modelo com menor grau de complexidade é o canadense. É um típico modelo de

equalização da capacidade de gasto per capita, uma vez que não contempla diferenças em

custos e demandas. O sistema calcula a receita potencial de cada uma das províncias,

utilizando para isso um Sistema Tributário de Referência, que inclui todos os impostos de

competência das províncias e considera para cada imposto uma alíquota correspondente à

média nacional. Esse STR é utilizado para, através de dados obtidos da própria documentação

fiscal, fornecidos pelos contribuintes, estimar a receita potencial de cada província. Feito isso,

os dados de um determinado número de províncias tomadas como representativas são

utilizados para obter uma receita per capita média que é assumida como a média nacional de

receita, para fins de equalização. Em seguida, o procedimento é simples: todas as províncias

que têm receita potencial per capita abaixo dessa média recebem recursos do governo federal

até atingir a média. As províncias com receita acima da média nada recebem. Note-se que

esse sistema corresponde ao que chamamos anteriormente de “conta aberta”: o montante

transferido pelo governo federal é resultado do critério, e, portanto, variável. Em geral, esse

valor se mantém em torno a 1% do PIB do país. Os recursos assim transferidos são totalmente

livres para alocação pelos orçamentos das províncias, não carregando qualquer

condicionalidade.

A função redistributiva no Canadá é complementada por outro sistema, denominado

Canadian Health and Social Transfer (CHST), que transfere recursos vinculados ao gasto nas

áreas sociais básicas. Essa transferência é feita em base per capita simples, e o GF abate dela,

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para algumas províncias, recursos correspondentes à arrecadação de Imposto de Renda que foi

“cedida” para essas províncias11. Esses recursos são, em geral, de porte muito maior do que

aqueles da equalização. Dessa forma, a função redistributiva no Canadá combina um sistema

de equalização, que entrega recursos livres, com um amplo programa social que entrega

recursos per capita.

O sistema alemão de equalização é muito diferenciado e peculiar. Boa parte de suas

características decorre do fato de que os principais impostos do país, sobre a renda e sobre

valor adicionado, são impostos uniformes nacionais, pois os estados (länders) não têm

autonomia para administrar a definição de bases e alíquotas. Curiosamente, cabe aos estados a

função de arrecadar o Imposto sobre Valor Adicionado, mesmo não tendo qualquer poder

para modificar sua legislação. Os impostos próprios dos estados geram relativamente pouca

receita, de forma que o financiamento federativo depende basicamente do compartilhamento

do Imposto de Renda e do IVA entre governo federal, estados e municípios.

O Imposto de Renda (pessoa física e pessoa jurídica) é distribuído por percentuais

fixados constitucionalmente entre os três níveis de governo. Essa distribuição obedece ao

principio da derivação, em que cada um recebe de forma proporcional à sua base tributária.

Isso compõe a base da distribuição vertical, e esses percentuais são muito raramente alterados.

Quanto à receita do IVA, é distribuída por critérios definidos em lei ordinária, sendo utilizada

para fazer o “ajuste fino” na distribuição vertical.

De forma muito resumida, o sistema alemão opera da seguinte forma:

1. os recursos da parcela estadual do imposto sobre a renda (compartilhamento)

são somados às receitas próprias obtidas pelos estados (incluindo seus municípios),

permitindo obter a receita própria inicial de cada governo. Essa receita apresenta fortes

disparidades em capacidade de gasto;

2. a parcela estadual da receita do IVA é distribuída entre os estados, sendo ¾ em

base per capita e ¼ para beneficiar alguns estados particularmente pobres. Esses recursos são

somados aos recursos indicados no passo 1, sempre em base per capita, gerando uma nova

configuração de receita. O sistema se apóia na suposição de que, distribuídos o IR e o IVA,

11 No Canadá, tanto o GF quanto as províncias cobram o imposto sobre a renda. Nos anos 1970, um acordo permitiu que algumas províncias aumentassem suas alíquotas enquanto o GF reduzia as suas em igual dimensão, de forma neutra para o contribuinte. Eles chamam esse procedimento de tax transfer, transferência de impostos. O GF sempre considerou que essa receita cedida às províncias era uma concessão, e a trata como transferência. Assim, o montante atualizado dessa receita é abatido das transferências sociais.

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terá sido logrado basicamente o ajuste vertical, ou seja, a distribuição dos recursos entre GF e

estados;

3. mesmo que o passo 2 obtenha o equilíbrio vertical, persistem ainda fortes

disparidades horizontais, em que alguns estados são muito mais ricos que outros. Nesse ponto

surge um procedimento que só existe na Federação alemã: transferências horizontais entre

estados. Através de um complexo mecanismo, os estados com receita per capita acima da

média nacional cedem recursos para aqueles abaixo, para que todos atinjam, pelo menos,

95,5% da média nacional. Note-se que esse procedimento se diferencia do canadense porque

naquele os ricos não são afetados, apenas os pobres têm sua situação melhorada. Na

Alemanha, ricos cedem recursos para pobres, de forma que as disparidades são drasticamente

reduzidas. Dessa etapa resulta uma nova configuração de receitas, já altamente equalizadas.

4. a última etapa envolve a transferência de recursos da parcela federal do IVA.

Essa distribuição toma como referência a configuração gerada pelo passo 3, visando trazer

todos os estados que estejam abaixo da média até 99,5% dessa média. É um procedimento do

tipo “conta aberta”; ou seja, o governo federal utilizada o quanto for necessário de sua parcela

do IVA para obter aquele resultado.

Alguns pontos devem ser destacados nesse modelo. Primeiro, ao contrário do

canadense, ele não se apóia na receita potencial, mas na receita efetiva. Isso é possível,

basicamente, porque todas as principais receitas envolvidas decorrem de impostos nacionais,

não sendo significante o problema do esforço fiscal. Em segundo lugar, o sistema é altamente

peculiar porque força transferências horizontais de estados ricos para estados pobres, o que

resulta num grau muito mais elevado de equalização. Finalmente, é muito importante o papel

que tem nesse sistema o IVA nacional. É a receita desse imposto que responde por toda a

função redistributiva das transferências. Primeiro, pela distribuição inicial da parcela estadual,

e depois pela distribuição complementar da parcela federal.

É fora de dúvida um feito notável o fato de que tal sistema foi preservado basicamente

sem alteração, mesmo com a unificação alemã, que acentuou drasticamente as disparidades

entre os estados e acarretou uma pressão fiscal elevadíssima sobre os estados ricos.

Já a Austrália opera um sistema de equalização que é, sob certo ponto de vista, o mais

sofisticado do mundo. Naquele país, a equalização não leva em consideração a receita per

capita, mas inclui também entre os parâmetros da equalização, os custos de provisão de

serviços e as diferenças nas demandas básicas. Desse ponto de vista, por incluir uma

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avaliação completa dos orçamentos das províncias – tanto da ótica da capacidade própria de

gasto quanto da ótica das chamadas “necessidades fiscais” – o sistema australiano é o mais

complexo e sofisticado do mundo.

Outra característica peculiar da Austrália é que, ao contrário do Canadá e da

Alemanha, ele é um sistema do tipo “conta fechada”. Os recursos utilizados para equalização

têm montante predeterminado e são dados pela receita integral do IVA federal. Toda e apenas

a receita do IVA é entregue aos estados sob coeficientes de distribuição percentual que são o

resultado dos complexos cálculos realizados para se obter a receita potencial de cada

província e estimativas das diferenças em custos e demandas. Em suma, o que o sistema de

cálculos produz é uma distribuição per capita dos recursos, mas ponderada pelas diferenças

em capacidade própria de gasto (receita potencial) e pelos níveis diferenciados de custos e

demandas.

Algumas observações finais sobre esses modelos são úteis para considerarmos o caso

brasileiro. Primeiro, é necessário indicar que os requisitos técnicos, administrativos e políticos

para operar com eficiência tais sistemas são elevados. Não é a toa que se trata de três

economias capitalistas avançadas. Em todos esses países os sistemas de equalização resultam

de uma longa evolução operada na segunda metade do século XX. Em segundo lugar, a

equalização pelo critério da capacidade de gasto per capita – Alemanha e Canadá – pressupõe

que exista razoável homogeneidade no perfil de custos e demandas entre estados e províncias.

Quando há muita heterogeneidade, o critério das necessidades fiscais, considerando

diferenciais de custo e de demandas, pode ser mais apropriado. É por esse motivo que o

modelo australiano evoluiu para o critério das necessidades. Por outro lado, a aplicação do

critério das necessidades fiscais é altamente complexa e demanda sistemas sofisticados de

informação estatística, além de um grau elevado de capacidade política para negociar os

critérios.

2.4 A aplicação da equalização no Brasil − simulações

Neste item, apresentamos diversos resultados de simulações para possíveis alternativas

de emprego da equalização na distribuição de recursos aos estados e municípios brasileiros.

Em princípio, todas elas partem da hipótese de que os atuais fundos de participação seriam

substituídos por sistemas de equalização legal ou constitucionalmente definidos, os quais

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distribuiriam aos governos subnacionais recursos totalmente livres de condicionalidades,

visando equalizar a capacidade de gasto orçamentária livre desses governos.

Conseqüentemente, os fluxos a que chamamos antes de programas nacionais, que se

compõem de transferências condicionadas, não são considerados, pelas razões expostas

anteriormente.

2.4.1 Fundo de equalização para os estados brasileiros

Agora, analisaremos os resultados obtidos com a simulação de um fundo de

equalização que substituísse o atual FPE. A simulação se refere ao ano de 2005. Os dados

financeiros são encontrados nos balanços consolidados da Secretaria do Tesouro Nacional e

as estimativas populacionais são do IBGE. Para a simulação, foram definidos os seguintes

parâmetros:

sistema de conta fechada, sendo o montante distribuído exatamente igual à dotação do

FPE para esse ano;

utilização da receita efetiva para a obtenção da receita base para equalização;

uma parcela do fundo distribuído para incentivar o esforço fiscal;

três valores de referência. No cenário 1, através de um processo iterativo, será definido

o VR mínimo onde os resultados do sistema serão maximizados. No cenário 2, foi atribuído

ao VR um valor intermediário de R$800, o qual foi escolhido aleatoriamente entre o VR de

máxima eficiência e o VR igual à maior receita base do sistema. No cenário 3, o VR é igual à

maior receita base do sistema.

Estabelecidos os parâmetros da simulação, foi calculada a receita base para

equalização de cada estado e do Distrito Federal. Os balanços estaduais consolidados pela

STN serviram de fonte de dados para esse levantamento. Os valores foram obtidos de acordo

com a tabela 4.1.1.

Tabela 4.1.1

ESPECIFICAÇÃO DA RECEITA BASE PARA EQUALIZAÇÃO

Descrição

RECEITA PRÓPRIA

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80

1.1.12.0

4.31

Imposto de Renda retido na fonte sobre os rendimentos do trabalho

− IRRF +) 1.1.12.0 Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA

1.1.12.0

7.00

Imposto sobre Transmissão "Causa Mortis" e Doação de Bens e

Direitos – ITCD +) 1.1.13.0

2.00

Imposto sobre Op. Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre

Prest. de Serviços .de Transporte Interestadual e Intermunicipal e +) 1.1.21.0 Taxas pelo exercício do poder de polícia

1.1.22.0 Taxas pela prestação de serviços

1.1.30.0 Contribuição de melhoria

1.7.21.0

1.12

Cota-Parte do Imposto Sobre Produtos Industrializados – estados

exportadores de produtos industrializados +) 1.7.21.0 Transferência financeira do ICMS -desoneração- LC no 87/96

DEDUÇÕES

9.1.13.0 Dedução de receita de ICMS para formação do Fundef

9.7.21.0 Dedução de receita para formação do Fundef − FPE 9.7.21.0 Dedução de receita para formação do Fundef − IPI-Exportação 9.7.21.0

9.01

Dedução de receita para formação do Fundef − ICMS-desoneração

– -) RECEITA BASE PARA EQUALIZAÇÃO (Receita própria −deduções)

Encontrados os valores base, calcula-se os valores de referência para cada cenário. O

objetivo da análise é comparar os resultados de capacidade de gasto atual com um possível

descongelamento e com um sistema de equalização. Por isso, o valor de referência do cenário

1 será definido a partir de um processo iterativo, onde o valor de referência é elevado

gradualmente até que o montante de recursos disponíveis para a alimentação do sistema seja

exatamente igual à necessidade de recursos. O intuito é que cada ente federado com um VBE

abaixo do VR possa alcançá-lo. Nesse cenário, teremos o melhor resultado equalizador. Em

outras palavras: o VR é elevado sucessivamente até esgotar os recursos disponíveis.

Na simulação, 10% dos recursos do fundo de equalização serão distribuídos para

incentivar o esforço fiscal. Como não dispomos ainda de um critério consistente e

suficientemente analisado e debatido para calcular o esforço fiscal, optou-se, na simulação,

pela distribuição dessa parcela de forma neutra para não influenciar nos resultados da

equalização: estes 10% foram distribuídos numa base per capita simples. Isso se justifica

porque, qualquer que venha a ser o critério definido, ele será ponderado pela população, de

forma que caso os estados tenham o mesmo desempenho fiscal, receberão o mesmo valor per

capita. Portanto, independentemente do critério a ser adotado, para fazer a distribuição neutra,

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será necessário considerar que todos os estados tenham empreendido o mesmo esforço fiscal,

o que corresponderá à distribuição dos recursos com o mesmo valor per capita para todos eles.

É importante ressaltar que para o sistema proposto funcionar utilizando a receita

efetiva, é imprescindível contrapor o incentivo negativo dessa medida, incentivando

positivamente o esforço fiscal, de tal forma que não seja possível obter resultados financeiros

do sistema de equalização com a redução da receita efetiva. Por isso, é necessário continuar o

debate sobre o cálculo do esforço fiscal, antes de estabelecermos uma regra para a sua

distribuição.

Continuando a simulação, são distribuídos recursos para todos os entes federados que

obtiveram um valor base menor que o valor de referência. Nesse primeiro cenário, oito

estados e o Distrito Federal ficarão de fora do sistema de equalização, por possuírem um valor

base acima do valor de referência: Paraná, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Mato Grosso do

Sul, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, São Paulo e Espírito Santo. Os demais estados

participantes do sistema receberão recursos proporcionalmente ao volume financeiro

necessário para se atingir o valor de referência. Isto é, o ente federado que possui o menor

CENÁRIO 1 - VR Máxima Eficiência

AP RRMA PI

AC AL PB TO CEPA SE

BA PE RN

ROGO

MG AM PRRJ

SC MS MT RS

SP

ES DF

VR

R$ 0,00

R$ 200,00

R$ 400,00

R$ 600,00

R$ 800,00

R$ 1.000,00

R$ 1.200,00

VR Máxima Eficiência Receita Base VR

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valor base receberá a maior quantidade de recursos. Do ponto de vista da capacidade de

gastos per capita, os resultados da simulação são expressivos. Passamos, então, a analisá-los.

No gráfico anterior, podemos observar o efeito do fundo de equalização beneficiando

todos os entes federados abaixo do VR. Nesse cenário, a quantidade de recursos necessários

para se chegar a esse resultado é exatamente igual à quantidade de recursos disponíveis. Por

isso, o efeito equalizador do fundo é forte.

Note-se que o FPE atual distorce a distribuição da receita per capita, não respeitando a

realidade de capacidade de gasto de cada ente federado, enquanto o fundo de equalização se

baseia exatamente nessa capacidade para realizar sua distribuição. Por isso, o coeficiente de

variação que é calculado pela proporcionalidade do desvio padrão em relação à média e que

demonstra o quão desigual é a distribuição da capacidade de gastos entre os entes da

federação brasileira diminui vertiginosamente quanto simulamos um fundo de equalização.

Conforme podemos observar na tabela, o coeficiente de variação da receita base para

equalização, que representa a capacidade de gasto antes do FPE atual ou do fundo de

equalização, é de 60,12%. Em outras palavras, um desequilíbrio absurdo comparável com a

desigualdade na distribuição de riquezas no país, onde apenas uma pequena parcela da

população fica com a maior parte da riqueza gerada.

Com o FPE atual, o coeficiente diminui para 39,58%, mas ainda continua muito alto se

compararmos com o resultado do fundo de equalização de 16,95%. Os resultados dos

descongelamentos também não são satisfatórios se comparados com o sistema de equalização.

Mesmo a versão descongelada sem as tabelas possui um resultado bem maior que o sistema

de equalização.

Para visualizarmos os resultados podemos observar no próximo gráfico como ficaria a

distribuição horizontal das capacidades de gastos nos dois melhores resultados obtidos, o

descongelamento nos moldes do CTN sem as tabelas (ver item 1.1) e o sistema de equalização

(cenário 1).

Receita Base

FPE atual CTNCTN (Sem Tabelas)

Cenário 1

495 875 864 711 729

297 346 374 195 124

60,12% 39,58% 43,28% 27,41% 16,95%

Média (M)

Desvio Padrão (DP)

Coeficiente de Variação (DP / M)

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No cenário 1, podemos observar como funcionaria um sistema de equalização onde o

VR obtivesse o melhor resultado do ponto de vista do equilíbrio horizontal Contudo, essa

eficiência tem um preço: como os recursos disponíveis para o sistema são limitados, o VR de

máxima eficiência pode ser muito baixo em alguns casos, o que implica excluir muitos

estados da partilha de recursos (no cenário 1, foram excluídos oito estados e o Distrito

Federal) via fundo de equalização. Por esse motivo, pode ser melhor elevar um pouco mais o

VR, para incluir mais estados na distribuição, mesmo que isso signifique obter resultados

menos expressivos no que se refere aos estados mais pobres. Assim, realizamos mais duas

simulações: o cenário 2, com um VR um pouco acima do VR de máxima eficiência e o

cenário 3 com o VR igual à maior receita base do sistema, que é a do Distrito Federal.

No cenário 2, podemos evidenciar que os recursos distribuídos não foram capazes de

elevar todos os estados que estavam abaixo do VR até ele, e por isso os resultados não serão

melhores que no cenário 1, do ponto de vista do equilíbrio horizontal. Porém, nesse caso,

apenas três estados (Espírito Santo, Rio Grande do Sul e São Paulo) e o Distrito Federal

ficaram de fora da distribuição.

Comparação entre o CTN sem Tabelas (Reservas 85%-15%) e o Cenário 1

R$ 0

R$ 200

R$ 400

R$ 600

R$ 800

R$ 1.000

R$ 1.200

AP RR MA PI AC AL PB TO CE PA SE BA PE RN RO GO MG AM PR RJ SC MS MT RS SP ES DF

CTN (Sem Tabelas) Cenário 1

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Já no cenário 3, como visto no gráfico anterior, todos os estados participam da

distribuição, exceto o Distrito Federal. Verificamos, nesse caso, que o comportamento do

equilíbrio horizontal continua sendo o de buscar uma equalização. Porém, a distância entre o

VR e o resultado da distribuição é bem maior do que no cenário 2, pois os recursos dados

foram distribuídos entre praticamente todos os estados, e a redução de disparidades em

capacidade de gasto é minimizada.

O que fica claro aqui é a dualidade entre a eficiência equalizadora e a quantidade de

estados envolvidos na distribuição. Ou seja, quanto maior o VR, mais estados participam e

menor será a eficiência equalizadora do sistema. Vamos confirmar essa afirmação analisando

os resultados estatísticos das simulações, na tabela e no gráfico a seguir:

CENÁRIO 3 - VR igual à maior RB per Capita

AP RRMA

PIAC

AL PB TO CEPA SE

BA PE RN

ROGO

MG AM PR

RJ

SC MS MT RS

SP

ESDFVR

R$ 0,00

R$ 200,00

R$ 400,00

R$ 600,00

R$ 800,00

R$ 1.000,00

R$ 1.200,00

VR igual à maior RB Receita Base VR

Receita Base

FPE atual

CT

CTN (Sem Tabelas)

Cenário 1

Cenário 2

Cenário 3

49

87

86

71

72

70

662

934

37

19

12

15

2160,

1239,58

43,28

27,41

16,95

21,98

32,89

Média (M)Desvio

Padrão Coeficiente de Variação (DP / M)

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O cenário 1 apresenta o melhor coeficiente de variação, seguido pelo cenário 2. Já o

resultado do descongelamento via CTN sem as tabelas é melhor do que o coeficiente de

variação no terceiro cenário. É importante ressaltar que um aumento no volume de recursos

disponível para o sistema altera completamente os resultados, posto que um maior volume de

distribuição implica diretamente a majoração do VR de máxima eficiência, resultando num

maior nível de inclusão de estados participantes da distribuição.

Para finalizar a análise, devemos apresentar os resultados financeiros das simulações

realizadas, inclusive, dos descongelamentos já discutidos anteriormente, com o objetivo de

conhecer e avaliar os impactos práticos das simulações.

Observando os resultados financeiros da próxima tabela, podemos constatar que a

região Norte perde em todas as simulações, exceto, no descongelamento via CTN, o que se

deve basicamente ao baixo contingente populacional da região. Assim, quando observamos o

sistema atual, do ponto de vista da capacidade de gasto per capita, essa região é

superprivilegiada na distribuição. A exceção é o estado do Pará, que possui uma grande

EQUILÍBRIO HORIZONTAL - Comparação dos 3 VRs

R$ 0,00

R$ 200,00

R$ 400,00

R$ 600,00

R$ 800,00

R$ 1.000,00

R$ 1.200,00

Receita Base VR Máxima Eficiência VR Intermediário VR igual à maior RB

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REGIÃO CO N NE S SE BRASIL FPE 900,1 821,7 550,4 811,0 835,6 874,9CTN 920,8 825,2 544,1 793,7 841,5 864,1Perda / Ganho 20,7 3,5 -6,2 -17,3 5,9 -10,8CTN - Sem Tabelas 919,1 652,1 593,8 785,8 844,2 711,4Perda / Ganho 19,0 -169,6 43,5 -25,2 8,7 -163,5Cenário 1 799,4 663,0 663,0 762,5 824,9 729,3Perda / Ganho -100,7 -158,6 112,7 -48,5 -10,7 -145,7Cenário 2 827,4 636,4 601,1 795,8 854,1 702,6Perda / Ganho -72,7 -185,3 50,7 -15,2 18,6 -172,3Cenário 3 860,2 575,2 512,1 854,3 897,9 667,0Perda / Ganho -39,9 -246,5 -38,3 43,4 62,4 -207,9

RESULTADO PER CAPITA DAS DISTRIBUIÇÕES SIMULADAS

população, quase a metade da população da região Norte, e seria privilegiado em um sistema

de equalização.

A região Centro-Oeste também perde recursos com os sistemas de equalização

simulados, por dois motivos: primeiro, porque a população da região é menor que a da região

Norte; e segundo, porque os estados dessa região têm receita própria per capita bem alta,

impulsionada principalmente pelo Distrito Federal.

A região Sul só é beneficiada no cenário 3, onde o grau de redistributividade é menor.

Já no Sudeste, os resultados são interessantes, pois a região só perde na simulação do cenário

1, onde a redistributividade é máxima. Em todas as outras simulações, a região ganha, isso

porque concentra quase metade da população do país.

No caso do Nordeste, é importante observar que nos descongelamentos, a região é a

mais beneficiada com a reserva de 85% dos recursos para as regiões N, NE e CO. Por outro

lado, nos sistemas de equalização com alto grau de redistributividade (cenários 1 e 2), a região

é fortemente privilegiada.

Pelo exposto, precisamos de um sistema de equalização nacional capaz de dirimir as

desigualdades de capacidade de gastos dos entes federados, garantindo assim uma capacidade

de gasto mínima a todos. Paralelamente, precisamos discutir o funcionamento de um fundo de

desenvolvimento regional planejado e que incentive o desenvolvimento econômico das

regiões menos desenvolvidas do país.

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Uma última e importante observação: deve ficar evidente, pela discussão aqui

levantada, que o sistema de equalização suporta diversas alternativas no que se refere ao grau

de redistributividade. Essa escolha não é técnica. Ela depende das preferências políticas na

Federação, e, principalmente, dos demais componentes da matriz de financiamento dos

estados. O que se deve reter aqui é que o sistema é flexível para gerar diversos resultados no

que diz respeito à redução das disparidades, além de permitir que o sistema de equalização

seja adequado, ajustado aos demais elementos do financiamento dos governos estaduais ou

municipais.

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RESULTADOS PER CAPITA DAS DISTRIBUIÇÕES SIMULADAS

ResultadoPerda / Ganho

ResultadoPerda / Ganho

ResultadoPerda / Ganho

ResultadoPerda / Ganho

ResultadoPerda / Ganho

Distrito Federal DF CO 1.176 1.191 15 1.170 (6) 1.113 (63) 1.113 (63) 1.113 (63)

Goiás GO CO 714 738 23 767 53 663 (51) 724 10 732 17

Mato Grosso MT CO 1.009 998 (12) 988 (21) 809 (201) 812 (198) 888 (121)

Mato Grosso do Sul MS CO 943 1.002 60 953 11 804 (139) 810 (133) 885 (58)

Acre AC N 1.596 1.573 (23) 518 (1.078) 663 (933) 568 (1.028) 453 (1.143)

Amapá AP N 1.615 1.299 (316) 343 (1.272) 663 (952) 521 (1.094) 369 (1.246)

Amazonas AM N 869 840 (29) 852 (17) 663 (206) 750 (119) 777 (92)

Pará PA N 513 545 32 586 73 663 150 601 88 512 (1)

Rondônia RO N 1.015 1.006 (9) 770 (245) 663 (352) 705 (310) 698 (317)

Roraima RR N 1.773 2.178 405 451 (1.322) 663 (1.110) 524 (1.249) 374 (1.399)

Tocantins TO N 1.107 1.091 (16) 630 (477) 663 (444) 582 (525) 479 (629)

Alagoas AL NE 583 578 (5) 569 (14) 663 80 577 (6) 469 (114)

Bahia BA NE 528 555 26 581 52 663 135 629 101 563 34

Ceará CE NE 479 536 56 578 98 663 184 584 105 482 3

Maranhão MA NE 447 453 6 658 210 663 216 542 95 406 (41)

Paraíba PB NE 578 531 (48) 547 (31) 663 85 581 2 476 (102)

Pernambuco PE NE 572 551 (21) 595 23 663 91 632 60 568 (4)

Piauí PI NE 538 531 (7) 662 124 663 125 553 14 426 (113)

Rio Grande do Norte RN NE 741 638 (104) 639 (103) 663 (78) 641 (100) 583 (158)

Sergipe SE NE 852 607 (245) 499 (353) 663 (189) 609 (243) 525 (326)

Paraná PR S 735 714 (21) 703 (32) 676 (59) 757 22 791 56

Rio Grande do Sul RS S 869 853 (16) 847 (21) 827 (42) 827 (42) 902 33

Santa Catarina SC S 838 824 (13) 817 (20) 795 (43) 806 (31) 878 41

Espírito Santo ES SE 1.182 1.125 (57) 1.112 (70) 1.082 (100) 1.082 (100) 1.090 (92)

Minas Gerais MG SE 696 698 3 689 (7) 663 (33) 746 51 771 76

Rio de Janeiro RJ SE 749 760 11 754 5 738 (12) 782 33 836 87

São Paulo SP SE 906 917 11 930 24 914 8 914 8 966 60

Cenário 3ESTADOS UF REGIÃO FPE

CTN CTN - Sem Tabelas Cenário 1 Cenário 2

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141

2.4.2 Fundo de equalização para os municípios brasileiros

Diferentemente da maioria das Federações, no Brasil, os municípios figuram como

entes federados autônomos, participando fortemente da distribuição do sistema de partilhas.

Conforme já vimos, o principal mecanismo que deveria promover o equilíbrio da capacidade

de gasto dos municípios não utiliza um critério que o habilite para essa atribuição. É um

imperativo, portanto, discutir uma solução para o problema do FPM. Note-se que, ao contrário

do FPE, o FPM não foi congelado, exceto, pela fixação dos percentuais do pré-rateio

interestadual. No entanto, a dinâmica dos fatores populacionais permanece.

O problema do FPM reside principalmente na sua concepção firmada basicamente no

fator populacional, com forte viés para os municípios pequenos, devido à tabulação dos

fatores conforme já visto. Portanto uma das alternativas mais importantes para os municípios

seria também a transformação do FPM num sistema de equalização da mesma forma descrita

para os estados.

Contudo, existem algumas questões ainda não discutidas na conceituação do sistema

de equalização que devem ser abordadas agora. O sistema vai respeitar o agrupamento dos

municípios em seus respectivos estados ou vai tratá-los de forma direta, ignorando

completamente a existência deles? Na primeira hipótese, a solução seria um pré-rateio

interestadual, como é feito com o FPM atualmente; é claro, que com a utilização de algum

critério dinâmico, pois o atual sistema de percentuais congelados é desnecessariamente rígido.

Na segunda hipótese, a equalização seria feita diretamente, conforme descrito no item

anterior, com todos os municípios sendo tratados como governos iguais no espaço nacional.

Note-se que na concepção original do sistema, conforme o Código Tributário Nacional, a

distribuição era do segundo tipo, ou seja, num sistema de âmbito nacional. Foi a LC 62/89 que

determinou o pré-rateio estadual.

Apesar de serem entes federados autônomos, em todas as questões federativas os

municípios estão inseridos num contexto estadual, inclusive, quanto aos demais sistemas de

partilhas, como auxílios às exportações, Fundeb, cota-parte do ICMS etc. Portanto, além da

simulação de três VRs como foi mostrado no item anterior, apresentaremos as duas

alternativas de sistemas de equalização para os municípios: equalização nacional e

equalização com pré-rateio interestadual. Da mesma forma que nas simulações estaduais,

consideramos apenas as receitas livres, excluindo os programas nacionais.

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.

1) Equalização nacional

O sistema de equalização direta para os municípios seria exatamente o mesmo modelo

apresentado para os estados: classificam-se todos os municípios brasileiros em ordem

crescente de receita base, define-se o VR (maior ou igual ao VR de máxima eficiência) e

aplica-se a distribuição proporcionalmente à necessidade de recursos para atingi-lo.

Tabela 4.2-1 − Receita base para equalização

Descrição

RECEITA PRÓPRIA

Imposto de Renda Retido na Fonte sobre os rendimentos do

Imposto Predial e Territorial Urbano − IPTU Imposto sobre Transmissão Intervivos de Bens e Direitos – ITBI

Imposto Sobre Serviços − ISS Taxas pelo exercício do poder de polícia

Taxas pela prestação de serviços

Contribuição de melhoria

Cota-Parte do Imposto Sobre a Propriedade Territorial Rural − ITR Cota-Parte do Imposto Sobre Operações Financeiras com Ouro –

Transferência financeira do ICMS – desoneração − LC no 87/96 Cota-Parte do IPI-Exportação

75% da cota-parte do ICMS

Cota-Parte do IPVA

Multa e juros de mora

Receita da dívida ativa

DEDUÇÕES

Dedução de receita de ICMS para formação do Fundef

Dedução de receita para formação do Fundef − IPI-Exportação

Dedução de receita para formação do Fundef − ICMS-Desoneração

RECEITA BASE PARA EQUALIZAÇÃO (Receita própria −

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91

.

A simulação do sistema será apresentada com a seguinte modelagem:

sistema de conta fechada, com R$ 26,97 bilhões (valor transferido em 2005);12

receita base − receitas livres e não-indenizatórias dos municípios, com a composição

indicada na tabela 4.2-1;

base de dados − balanço dos municípios extraído do site da STN, relatório Finbra2005.

Os dados dos municípios que não constam no Finbra2005 foram extraídos dos relatórios dos

anos anteriores, corrigidos pelo IPCA;

valor de referência (VR) − serão simulados três cenários:

Cenário 1 − adotando o VR de máxima eficiência;

Cenário 2 − adotando um VR intermediário;

Cenário 3 − adotando um VR equivalente à receita do município mais rico.

Cenário 1 – VR de máxima eficiência

Nesse cenário, o VR será calculado pelo método interativo já apresentado acima, pois

esse método é mais simples do que a dedução de uma equação matemática e produz o mesmo

resultado: teremos um VR que proporcionará a máxima redistributividade do sistema, com os

recursos disponíveis.

Conforme discutido no item 4.1, 10% dos recursos serão utilizados para incentivar o

esforço fiscal, de acordo com algum critério a ser definido. Nessa simulação, essa parcela será

distribuída entre os municípios, considerando que todos eles promovam o mesmo esforço

fiscal − o que corresponderá a uma distribuição per capita −, para não distorcer o resultado da

equalização.

12 Esse valor é aproximado, pois nos relatórios disponíveis na STN não constam os dados de todos os municípios. Conforme metodologia adotada, os valores das receitas dos municípios que não constam no relatório foram estimados.

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.

-

200

400

600

800

1.000

1.200

0 1000 2000 3000 4000 5000

Rec

eita

Per

Cap

ita

Receita Base

Eq. (VR Máx. eficiência) VR

-

200

400

600

800

1.000

1.200

0 1000 2000 3000 4000 5000

Rec

eita

Per

Cap

ita

Gráfico 4.2.-1 − Distribuição dos municípios segundo a receita base13

Definido o modelo, o primeiro passo será calcular a receita base de cada município, conforme procedimento descrito na tabela 4.2-1, e classificá-lo pela ordem crescente de sua respectiva receita base14, obtendo a distribuição apresentada no gráfico 4.2-1. Em seguida, ocorre o processo iterativo descrito na página 38, para se encontrar o VR de máxima eficiência. Nesse caso, o valor é de R$ R$ 387,96. Assim, todos os municípios cuja receita base seja inferior ao VR serão elevados a esse valor, e o montante de recursos necessários para isso é o valor que o município receberá a título de equalização.

A aplicação desse modelo resulta na seguinte distribuição:

Gráfico 4.2-2 – Equalização nacional com VR de máxima eficiência

13 Para facilitar a visualização, o gráfico limitou a receita base em R$ 1.000,00, pois alguns municípios têm RB superior a R$ 10.000,00. Essa limitação foi feita apenas no gráfico, as simulações utilizam os valores reais. 14 Conceitualmente, a classificação em ordem crescente não é obrigatória.. O procedimento funciona perfeitamente se os municípios estiverem ordenados de outra forma qualquer, e ela é útil para a visualização do resultado.

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.

FPM Atual

Receita Base

Eq. (VR Máx. eficiência)

-

200

400

600

800

1.000

1.200

0 1000 2000 3000 4000 5000

Rec

eita

Per

Cap

ita

Nessa distribuição, a menor receita per capita passa a ser R$ 403. Dos 5.563

municípios, 4.601 recebem recursos da equalização, e quanto aos demais, recebem apenas a

parcela do esforço fiscal.

É interessante comparar a distribuição decorrente do sistema de equalização em

relação ao atual FPM. Observa-se o quão desordenado é o atual FPM, do ponto de vista da

receita disponível per capita. No gráfico 4.2-3, os pontos azul escuro representam a receita

disponível per capita com a distribuição do FPM atual. Podemos notar claramente (distância

entre a linha rosa e os pontos azuis) que alguns municípios originalmente pobres recebem

poucos recursos do FPM, enquanto alguns municípios ricos recebem grandes quantidades. Já

a linha azul claro mostra a aplicação do sistema de equalização, onde municípios pobres

recebem grandes quantidades de recursos, enquanto os municípios ricos recebem apenas a

parcela do esforço fiscal. O resultado do sistema de equalização será mais forte quanto maior

o volume de recursos distribuídos.

Gráfico 4.2-3 − Equalização x FPM atual

Cenário 2 – VR intermediário

Agora, vejamos a mesma simulação anteriormente mostrada, com um VR intermediário. Por exemplo, R$ 900,00.

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.

Equalização 2Receita Base

VR

-

200

400

600

800

1.000

0 1000 2000 3000 4000 5000

Rec

eita

Per

Cap

ita

Gráfico 4.2-4 – Equalização nacional com VR intermediário

Nesse caso 5.459 municípios passam a receber recursos do sistema de equalização,

ficando apenas 104 de fora; ou seja, foram contemplados aproximadamente 98,13% dos

municípios. Entretanto, do ponto de vista da redistributividade, temos uma perda muito

grande, pois a menor receita per capita, que na simulação anterior era de R$ 403, passa para

R$ 231.

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.

Equalização 3 Receita Base

-

200

400

600

800

1.000

0 1000 2000 3000 4000 5000

Rec

eita

Per

Cap

ita

Cenário 3 – VR igual à maior receita base

Em seguida, veremos a simulação com o VR igual à receita base do município mais

rico (R$ 7.439). Nesse caso, apenas o município mais rico fica de fora da equalização

(Paulínia, no interior de São Paulo), mas a perda no nível de redistributividade é mais

significativa ainda, de forma que o município mais pobre fica com uma receita disponível per

capita de apenas R$ 155.

Gráfico 4.2-5 −Equalização nacional com VR igual à maior receita base

Vejamos agora como se comportam as simulações quanto aos valores transferidos por

estado e região. A análise da tabela 4.2-2 deixa evidente o peso do VR no sistema de

equalização. Na alternativa de máxima eficiência, apenas as regiões Norte e Nordeste obtêm

ganhos em relação ao modelo atual, enquanto na alternativa menos redistributiva (equalização

3), apenas a região Sudeste ganha, com grande concentração em São Paulo. Na simulação

com VR intermediário, os ganhos são distribuídos entre as regiões Norte, Nordeste e Sudeste,

e nela os ganhos se concentram basicamente no Rio de Janeiro Tabela 4.2-2 − Sistema de

equalização nacional: valor transferido por estado

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Quanto à receita per capita, podemos observar a tabela 4.2-3, que mostra claramente o

quanto o VR de máxima eficiência promove um equilíbrio maior na receita disponível per

capita dos municípios em relação às demais alternativas. Conforme discutido anteriormente,

esse equilíbrio ocorre em detrimento do número de beneficiários, enquanto nos modelos com

VR mais alto aumenta o número de beneficiários em detrimento da redistributividade.

Tabela 4.2-3 − Equalização nacional: receita disponível per capita por estado

Outra avaliação importante é quanto ao comportamento da distribuição por faixa

populacional dos municípios. Conforme já exposto, o critério de distribuição do FPM é

Sigla Estado/Região Receita Base

Modelo Atual

Eq. Máx. Eficiência

Eq. VR Intermediá

rio

Eq. VR = mais rico

N NORTE 182 339 412 369 333 RO Rondônia 208 362 404 389 359 AC Acre 135 355 403 333 288 AM Amazonas 280 391 413 444 429 RR Roraima 170 502 403 360 322 PA Pará 144 277 417 340 296 AP Amapá 127 285 404 328 280 TO Tocantins 165 478 406 356 317 NE NORDESTE 154 338 417 349 306 MA Maranhão 93 273 403 301 246 PI Piauí 98 316 403 305 252 CE Ceará 133 305 403 332 286 RN Rio Grande do Norte 195 409 409 380 347 PB Paraíba 126 360 404 327 279 PE Pernambuco 194 353 442 379 346 AL Alagoas 130 339 403 330 283 SE Sergipe 188 380 420 374 339 BA Bahia 180 353 427 370 331 SE SUDESTE 517 628 599 631 662 MG Minas Gerais 304 485 461 463 454 ES Espírito Santo 402 540 515 547 550 RJ Rio de Janeiro 406 492 508 542 553 SP São Paulo 669 756 707 752 812 S SUL 397 569 483 533 544

PR Paraná 366 541 466 510 514 SC Santa Catarina 419 596 486 550 566 RS Rio Grande do Sul 413 581 496 546 560 CO CENTRO-OESTE 321 495 448 475 470 MS Mato Grosso do Sul 381 553 448 521 529 MT Mato Grosso 348 527 450 496 496 GO Goiás 283 455 448 446 433 BRA BRASIL 358 507 507 507 507

Valores em R$ per capita

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estritamente populacional, com forte viés para os municípios com população pequena, em

detrimento dos municípios populosos. Como podemos observar na próxima tabela, isso é

corrigido pelo sistema de equalização, pois o critério passa a ser a receita disponível per

capita.

A tabela 4.2.-4 mostra que os mais beneficiados com o sistema de equalização de

máxima eficiência são os municípios mais prejudicados com o atual FPM, ou seja, aqueles

com população maior que 16.981 habitantes, já as capitais perdem muito pouco, o que já era

de se esperar, pois o FPM tem pouca representatividade na sua receita total. Conforme o VR

vai subindo, os municípios pequenos são mais prejudicados e as capitais passam a ser

beneficiadas.

Tabela 4.2-4 − Equalização nacional: agregado por faixa populacional

O próximo gráfico dá uma noção desses efeitos:

Gráfico 4.2-6 − Equalização Nacional: agregado por faixa populacional

Faixa Receita disponível per capita DiferençaFPM Atual Eq. VR máx.

eficiênciaEq. VR

Intermediário

Eq. VR = maior RB

Eq. VR máx.

eficiência

Eq. VR Intermedi

ário

Eq. VR = maior RB

Até 5000 957 453 448 434 (504) (508) (523) 5000 - 10189 547 436 403 374 (110) (144) (172) 10190 - 16980 446 424 372 336 (21) (73) (110) 16981- 30000 410 431 377 343 21 (32) (67) 30001 - 50940 387 434 398 368 47 11 (19) 50941 - 75000 414 479 450 426 65 36 11 75001 - 101216 405 452 449 435 47 44 29 101217 - 125000 469 487 512 508 17 43 39 125001 - 156216 450 507 498 488 57 49 38 > 156216 490 521 545 557 31 55 67 Capitais 644 630 677 724 (13) 33 81 Brasil 507 507 507 507 0 0 0 Valores em R$ per capita

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ITEM AGRUPAMENTO COEFICIENTE DE VARIAÇÃO - ALTERNATIVAS

FPM Atual Eq. VR máx.

Eficiência

Eq. VR Intermediário

Eq. VR = maior RB

1 Norte 21,24% 1,27% 10,30% 14,77%2 Nordeste 11,16% 3,20% 8,69% 12,62%3 Sudeste 13,07% 11,93% 12,71% 14,65%4 Sul 4,02% 2,59% 3,32% 4,26%5 Centro-Oeste 8,16% 0,21% 6,39% 8,22%6 Agregado por Estado 27,07% 14,22% 24,97% 33,26%7 Total dos municípios 66,93% 42,10% 52,51% 64,70%8 Intra-Estadual* 51,59% 23,84% 32,17% 41,96%9 Agregado por Tamanho 30,89% 11,97% 18,28% 23,90%

* Foi utilizada a média dos coeficientes de variação de todos os estados.

1

2

34

300

400

500

600

700

800

900

1.000

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

Rec

eita

Per

Cap

ita

(1) FPE Atual (2) Eq. (VR máx. Eficiência) (3) Eq. (VR Intermediário) (4) Eq. (VR = maior RB)

Por último, cabe analisarmos o resultado do coeficiente de variação do FPM atual

comparado com as alternativas do sistema de equalização. A tabela 4.2.-5 resume os

coeficientes de variação sob vários aspectos. Podemos observar que em todos eles o sistema

de equalização mostra-se mais eficiente do que o atual FPM, exceto alguns itens da

equalização com VR igual à maior receita per capita.

Tabela 4.2-5 − Equalização nacional: coeficiente de variação

Quanto aos itens descritos na tabela, cabem algumas observações: No item 6 o

coeficiente de variação é calculado considerando-se o agrupamento por estado da tabela 4.2.-

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3, Já no item 7, ele foi calculado ignorando-se a existência dos estados. No item 8, temos a

média do coeficiente de variação de cada estado. Nas simulações com o VR de máxima

eficiência e com o VR intermediário os resultados foram mais satisfatórios do que o FPM

atual em todos os agrupamentos. Quanto ao modelo com VR igual à maior receita base, em

alguns casos, é pior do que o modelo atual. Isso evidencia o trade off do sistema de

equalização de conta fechada, a necessidade de se adotar um VR para se obter a maior

redistributividade possível, incluindo o maior número de municípios.

Equalização: pré – rateio interestadual

Esse modelo consiste basicamente numa distribuição a nível estadual, por um critério

qualquer (semelhante ao atual pré-rateio do FPM) e, em seguida, aplicar a equalização entre

os municípios de cada estado, separadamente. Encontramos aqui, contudo, um problema que

não ocorre no sistema de equalização nacional: Qual seria o critério de distribuição do pré-

rateio? Uma primeira alternativa seria a utilização de um critério redistributivo simples como

o inverso do PIB per capita conjugado com a população, para destinar mais recursos per

capita aos estados mais pobres e populosos. Ocorre que, sob o aspecto da receita disponível

per capita, esse critério padece das mesmas imperfeições dos demais sistemas redistributivos

tradicionais: não avalia o sistema de apropriação de receita como um todo e não tem foco na

equalização. Dessa forma, estaríamos implantando um sistema de equalização baseado numa

distribuição prévia (pré-rateio) não equalizadora, contrariando toda a lógica do sistema.

Ademais, esse sistema poderia gerar algumas distorções:

municípios pobres de estados ricos seriam severamente prejudicados, uma vez que o

seu estado, por ser rico, receberia uma pequena quantidade de recursos;

municípios ricos de estados pobres seriam beneficiados, uma vez que seu estado

receberia um grande volume de recursos, o que provocaria um aumento significativo do VR

(ver definição de VR mínimo acima) na equalização intra-estadual.

Por outro lado, o pré-rateio estadual dos recursos apresenta algumas vantagens

conjunturais e técnicas. O sistema atual já envolve um pré-rateio. Portanto, uma alternativa de

implementação gradual da equalização poderia partir do pré-rateio atual e definir um critério

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futuro a ser atingido, progressivamente, durante uma fase de transição. Em segundo lugar, o

pré-rateio isola a distribuição interna aos estados, permitindo que a autonomia estadual seja

exercida na escolha de uma forma de equalização própria, com VRs específicos para cada

estado, definidos por lei estadual. Dada a elevada disparidade entre os estados brasileiros,

quanto ao perfil de tamanho e população dos municípios, essa alternativa poderia permitir

melhor adaptação aos governos.

Existe outra alternativa, que preserva o pré-rateio estadual, mas não faz uso de

parâmetros macroeconômicos: um sistema de equalização em duas etapas. Na primeira etapa,

seria feita uma equalização nacional dos municípios, exatamente da forma descrita

anteriormente, cujos valores seriam agrupados por estado, configurando o pré-rateio. Na

segunda etapa, faríamos a equalização interestadual. A modelagem do sistema é a mesma da

equalização nacional, embora exija a definição de 27 VRs, um nacional e 26 estaduais.

Tabela 4.2-6 − Equalização com pré-rateio x FPM (R$ milhões)

Sigla UF/Região VALOR TRANSFERIDO Diferença FPM Equalização

N NORTE 2.306 3.483 1.178RO Rondônia 237 314 77AC Acre 148 185 37AM Amazonas 360 443 83RR Roraima 130 94 -36PA Pará 929 1.953 1.025AP Amapá 93 169 76TO Tocantins 409 325 -84NE NORDESTE 9.370 13.768 4.398MA Maranhão 1.103 1.942 839PI Piauí 655 941 286CE Ceará 1.393 2.246 853RN Rio Grande do Norte 642 666 24PB Paraíba 840 1.028 188PE Pernambuco 1.339 2.115 776AL Alagoas 630 846 216SE Sergipe 378 471 93BA Bahia 2.391 3.514 1.123SE SUDESTE 8.780 6.065 -2.715MG Minas Gerais 3.468 3.038 -430ES Espírito Santo 468 391 -77RJ Rio de Janeiro 1.331 1.489 157SP São Paulo 3.512 1.147 -2.365S SUL 4.658 2.295 -2.363

PR Paraná 1.798 1.022 -776SC Santa Catarina 1.036 380 -656RS Rio Grande do Sul 1.824 893 -931CO CENTRO-OESTE 1.857 1.360 -497MS Mato Grosso do Sul 390 144 -246MT Mato Grosso 503 285 -218GO Goiás 964 931 -33BRA BRASIL 26.971 26.971

Valores em R$ milhões

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Devido à semelhança da etapa do pré-rateio com a equalização nacional,

apresentaremos apenas uma simulação do pré-rateio, com o VR nacional de máxima eficiência,

enquanto a equalização intra-estadual será apresenta em três alternativas: VR de máxima eficiência,

VR intermediário e VR igual à maior receita base. Nessa simulação, o VR intermediário será o ponto

médio entre o VR de máxima eficiência e a maior receita base do respectivo estado, limitado a R$

900,00. Deve ficar claro que o critério pode ser outro qualquer, a limitação em R$ 900,00 foi escolhida

apenas para manter coerência com a simulação da equalização nacional.

A distribuição da parcela do esforço fiscal (10%) será feita apenas na equalização

intra-estadual; ou seja, o pré-rateio será feito com a totalidade dos recursos, de forma que, no

critério do esforço fiscal, um município concorrerá apenas com os municípios do mesmo

estado. Essa observação é muito importante, pois, diferentemente do pré-rateio, na

equalização nacional, todos os municípios concorrem entre si pelos recursos do esforço fiscal.

O primeiro passo será o pré-rateio, com o cálculo do VR nacional de máxima

eficiência. Nesse caso, R$ 410,8515, comparando-se a receita base de todos os municípios do

Brasil que estão abaixo do VR nacional, obtém-se o quanto cada município necessita para

atingi-lo. Após esse processo, eles são agrupados em seus respectivos estados, somando-se o

total de recursos necessários para cada um e distribuindo-se o montante do fundo,

proporcionalmente, à necessidade de cada estado. O resultados estão resumidos na tabela 4.2-

6. Nota-se a semelhança destes valores com os valores da tabela 4.2-2. As duas só não são

idênticas devido à parcela do esforço fiscal, que no pré-rateio é distribuída pelo critério da

equalização, o que não acontece com o modelo de equalização nacional.

O segundo passo é reservar 90% dos recursos para equalização e 10% para o esforço

fiscal e calcular os VRs estaduais conforme as alternativas apresentadas: VR de máxima

eficiência, intermediário e igual à maior receita base. A tabela 4.2.-7 apresenta os VRs

encontrados para cada um dos cenários descritos.

Tabela 4.2-7 – Equalização com pré-rateio: valores de referência

15 Note que esse VR é maior que o VR de máxima eficiência da equalização nacional. Isso ocorre porque a parcela do esforço fiscal será reservada após o pré-rateio, enquanto na equalização nacional era reservada previamente, o que faz com que o pré-rateio, num primeiro momento, conte com um volume maior de recursos para equalização. Conseqüentemente, o VR será maior.

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.

Observa-se uma particularidade nos casos do Acre, Maranhão e Roraima. Nesses

estados, o VR mínimo (máxima eficiência) é maior que a receita base do município mais rico.

Para se ter uma idéia, as maiores receitas base desses estados são R$ 214,30, R$ 327,74 e R$

234,69, respectivamente. Isso significa que, dado o VR nacional, o volume de recursos

destinados a esses estados é suficiente para equalizar todos os municípios a um nível superior

à receita base do mais rico, obtendo-se a máxima redistributividade possível. Deve ser

ressaltado que, nesses casos, mesmo que o critério estadual estabeleça um VR qualquer − por

exemplo, a média da receita per capita, dado que o montante a ser distribuído é mais que

suficiente para elevar todos e esse nível −, haverá a necessidade de se aumentar

gradativamente o VR até que os recursos sejam esgotados. Portanto, o VR mínimo (máxima

eficiência) não necessariamente estará numa posição intermediária entre a receita base do

mais pobre e a do mais rico. Dependendo do montante disponível, ele pode ultrapassar a

maior receita base do respectivo estado, como de fato aconteceu naqueles três estados. A

questão mais importante nessa discussão é que a equalização jamais poderá ser feita com um

VR menor que o VR mínimo.

Definidos os VRs estaduais, procede-se à equalização em cada um dos estados da

mesma forma descrita nos itens anteriores.

Unidade Federada Eq1- Máx. Eficiência

Eq2 - Intermediário

Eq3 - Maior RB

Unidade Federada Eq1- Máx.

Eficiência

Eq2 - Intermediá

rio

Eq3 - Maior RB

Acre 383,28 383,28 383,28 Paraíba 381,69 434,70 487,71 Alagoas 382,81 385,49 388,17 Paraná 394,78 879,87 1.364,96 Amapá 382,12 458,30 534,47 Pernambuco 379,83 769,36 1.158,89 Amazonas 396,67 724,21 1.051,76 Piauí 379,43 427,68 475,92 Bahia 384,36 900,00 3.852,20 Rio de Janeiro 388,44 900,00 2.377,55 Ceará 383,06 388,76 394,46 Rio Grande do Norte 388,30 900,00 1.938,91 Espírito Santo 395,27 843,28 1.291,29 Rio Grande do Sul 397,47 900,00 2.739,82 Goiás 386,85 900,00 1.719,17 Rondônia 390,30 539,99 689,67 Maranhão 379,03 379,03 379,03 Roraima 386,78 386,78 386,78 Mato Grosso 395,14 900,00 1.776,25 Santa Catarina 399,17 900,00 1.838,58 Mato Grosso do Sul 398,51 900,00 2.277,93 São Paulo 399,38 900,00 7.439,16 Minas Gerais 388,69 900,00 3.235,75 Sergipe 385,77 900,00 1.704,37 Pará 381,30 690,80 1.000,30 Tocantins 385,61 613,59 841,57

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Tabela 4.2-8 – Equalização com pré-rateio

Tabela 4.2-9 – Equalização com pré-rateio: agregado por faixa populacional

Sigla Estado/Região Receita Própria

Receita Base

FPM Atual

Equalização

N NORTE 74 182 339 419 RO Rondônia 65 208 362 412 AC Acre 49 135 355 411 AM Amazonas 112 280 391 417 RR Roraima 85 170 502 411 PA Pará 63 144 277 424 AP Amapá 45 127 285 412 TO Tocantins 70 165 478 414

NE NORDESTE 74 154 338 424 MA Maranhão 45 93 273 411 PI Piauí 42 98 316 411 CE Ceará 62 133 305 411 RN Rio Grande do Norte 96 195 409 417 PB Paraíba 57 126 360 412 PE Pernambuco 95 194 353 446 AL Alagoas 66 130 339 411 SE Sergipe 93 188 380 427 BA Bahia 85 180 353 434

SE SUDESTE 311 517 628 594 MG Minas Gerais 138 304 485 462 ES Espírito Santo 164 402 540 517 RJ Rio de Janeiro 323 406 492 503 SP São Paulo 401 669 756 698

S SUL 194 397 569 482 PR Paraná 184 366 541 466 SC Santa Catarina 209 419 596 484 RS Rio Grande do Sul 195 413 581 496

CO CENTRO-OESTE 144 321 495 448 MS Mato Grosso do Sul 179 381 553 445 MT Mato Grosso 127 348 527 449 GO Goiás 138 283 455 449

BRA BRASIL 198 358 507 507 Valores em R$ per capita

Faixa RECEITA DISPONÍVEL PER CAPITA DIFERENÇAFPM Atual

Eq1 - VR máx.

eficiência

Eq1 - VR intermediário

Eq1 - VR = maior

RB

Eq1 - VR máx.

eficiência

Eq1 - VR intermedi

ário

Eq1 - VR = maior

RB

Até 5000 957 455 445 439 (502) (511) (518) 5000 - 10189 547 439 413 402 (107) (134) (144) 10190 - 16980 446 428 396 384 (18) (49) (62) 16981- 30000 410 434 407 396 25 (3) (13) 30001 - 50940 387 437 418 409 50 31 21 50941 - 75000 414 481 469 461 67 54 46 75001 - 101216 405 453 445 439 48 40 34 101217 - 125000 469 487 488 482 17 19 13 125001 - 156216 450 507 515 513 58 65 63 > 156216 490 517 517 515 27 27 25 Capitais 644 628 670 693 (15) 27 50 Brasil 507 507 507 507 (0) (0) (0) Valores em R$ per capita

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Observa-se claramente que o resultado da equalização promove um maior equilíbrio

da receita disponível per capita dos municípios agregados por estado (tabela 4.2-8), bem como

a semelhança desses resultados com aqueles apresentados na equalização nacional (tabela 4.2-

3).

A tabela 4.2.-9 mostra os resultados para o agrupamento por faixa populacional. As

mesmas observações feitas para a tabela 4.2-4 são válidas para a tabela anterior, evidenciando

o forte equilíbrio promovido pela equalização na receita disponível per capita, de forma a

corrigir as distorções do atual FPM.

Os gráficos de dispersão são semelhantes aos gráficos 4.2-2 e 4.2-3 e as observações

são as mesmas já descritas na alternativa da equalização nacional. Portanto, não há

necessidade de uma nova apresentação desses resultados.

As tabelas 4.2-10 e 4.2-11 comparam as simulações do pré-rateio e da equalização

nacional, do ponto de vista do coeficiente de variação e da quantidade de municípios incluídos

na distribuição. Elas mostram que a melhor alternativa quanto à redistributividade é o pré-

rateio com VRs nacional e estaduais de máxima eficiência, seguido de perto pela equalização

nacional com VR de máxima eficiência. Por outro lado, quanto ao número de participantes, a

melhor alternativa é a equalização nacional com VR igual à maior receita base. Entretanto, em

alguns casos, ela apresenta um coeficiente de variação maior que o FPM atual. É interessante

notar que a alternativa do pré-rateio com VR de máxima eficiência − apesar de ser a opção

mais eficiente quanto ao coeficiente de variação − inclui também uma quantidade maior de

municípios que a equalização nacional com VR de máxima eficiência; o que ocorre por dois

motivos: O pré-rateio conta com a parcela do esforço fiscal na primeira etapa e o sistema é

duplamente equalizador, nacionalmente com o pré-rateio e, na segunda etapa, com a

equalização intra-estadual.

Tabela 4.2-10 – Equalização com pré-rateio x equalização nacional: coeficientes de variação

Tabela 4.2-11 – Equalização com pré-rateio x equalização nacional

ITEM ESTATÍSTICA FPM Atual Equalização com pré-rateio Equalização nacional

Eq1 - VR máx.

eficiência

Eq1 - VR intermediá

rio

Eq1 - VR = maior

RB

Eq. VR máx.

Eficiência

Eq. VR Intermediá

rio

Eq. VR = maior RB

1 Norte 21,24% 1,05% 1,05% 1,05% 1,27% 10,30% 14,77%2 Nordeste 11,16% 2,87% 2,87% 2,87% 3,20% 8,69% 12,62%3 Sudeste 13,07% 11,59% 11,59% 11,59% 11,93% 12,71% 14,65%4 Sul 4,02% 2,56% 2,56% 2,56% 2,59% 3,32% 4,26%5 Centro-Oeste 8,16% 0,46% 0,46% 0,46% 0,21% 6,39% 8,22%6 Agregado por Estado 27,07% 13,18% 13,18% 13,18% 14,22% 24,97% 33,26%7 Por Município 66,93% 41,48% 47,04% 50,85% 42,10% 52,51% 64,70%8 Intra-Estadual* 51,59% 23,69% 27,98% 30,60% 23,84% 32,17% 41,96%9 Agregado por Tamanho 30,89% 11,58% 15,84% 17,94% 11,97% 18,28% 23,90%

* Foi utilizada a média dos coeficientes de variação de todos os estados.

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As simulações apresentadas aqui não pretendem esgotar as possibilidades para um

sistema de equalização aplicado aos municípios. O sistema de pré-rateio multiplica essas

possibilidades, uma vez que para cada VR nacional temos outros 26 VRs estaduais que podem

se comportar distintamente. Entretanto, este trabalho apresenta o que poderíamos chamar de

dois extremos: de um lado, o pré-rateio com VRs nacional e estaduais mínimos, promovendo

o maior nível de redistributividade possível, e no outro extremo, a equalização nacional com

VR igual à maior receita base, aumentando a inclusão em detrimento da redistributividade.

Naturalmente, é possível encontrar alternativas menos redistributivas, basta aumentar o VR

acima da maior receita base (ver gráfico 4.2-3), mas isso não tem aplicação prática relevante.

Quanto à escolha entre a equalização nacional e a equalização com pré-rateio,

dependendo do VR adotado, as diferenças em relação à redistributividade são irrisórias.

Portanto, outros fatores também devem ser levados em consideração na escolha do sistema: a

equalização nacional simplifica bastante o sistema − na verdade, é a concepção mais simples

possível de um sistema de equalização −, e por outro lado, o pré rateio dá uma dinâmica maior

e confere mais autonomia aos estados, que por meio de suas Assembléias Legislativas ou dos

conselhos municipais podem definir os níveis de redistributividade e de inclusão do sistema

desejados.

Outra questão importante diz respeito à possível proliferação de pequenos municípios;

o sistema de equalização nacional poderia ser mais vulnerável. Entretanto, apesar de sua

simplicidade, é muito difícil prever se um determinado município será beneficiado ou não

com sua divisão, dado que isso depende de diversos fatores, como distribuição da população e

concentração de renda.

Alternativa Número de Beneficiários Eq1- Máx. Eficiência

Eq2 - Intermediário

Eq3 - Maior RB

Equalização com pré-rateio 4.647 5.448 5.537 Equalização nacional 4.601 5.459 5.562

Percentual de municípios incluídosEqualização com pré-rateio 83,53% 97,93% 99,53%Equalização nacional 82,71% 98,13% 99,98%

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2.5 Conclusões

Agora, é necessário destacarmos alguns pontos. Primeiro, nunca é demais ressaltar que

a adoção de sistemas de equalização não é uma panacéia, pois eles não vão resolver todos os

problemas fiscais da Federação brasileira. Trata-se apenas, como ficou bem claro, de um

sistema tecnicamente superior e mais eficiente para operar as transferências que no sistema

fiscal federativo cumprem a função da reduzir disparidades. Nesse sentido, é essencial

ressaltar alguns limites da equalização:

1) O alcance do efeito equalizador, neste como em qualquer outro sistema de “conta

fechada”, depende do montante de recursos destinado a essa função. O mais sofisticado

sistema de equalização, como o australiano, não terá grande impacto se os recursos que o

alimentam forem de pequena dimensão. Assim, se pretendemos que o sistema de equalização

tenha efeitos mais amplos, é imprescindível rediscutir a distribuição vertical de recursos,

ampliando a dotação que alimenta o sistema.

2) O sistema de equalização que se apóia na capacidade de gasto per capita ignora as

diferenças em termos de necessidades fiscais existentes entre os governos. Ele trata todos os

governos como iguais, entregando mais recursos para os que têm menos, sem considerar as

diferenças em termos de custos e necessidades.

Se a autonomia não for um valor fundamental e absoluto, a adoção de programas

nacionais que focalizem cada tipo de serviço social segundo a distribuição das demandas,

como faz o SUS, seria provavelmente mais eficiente. Mas, se a Federação em questão não

utiliza programas nacionais e a provisão de todos os serviços básicos depende dos orçamentos

subnacionais, utilizar como base da equalização apenas a receita per capita não é um bom

modelo, pois a distribuição das demandas sociais provavelmente se dará de forma irregular

entre governos. Nesse caso, o modelo adequado tem que se aproximar do sistema australiano,

onde custos e necessidades diferenciados ponderam também as dotações.

3) Na medida em que a Federação utiliza programas nacionais – e isso, em geral,

acontece nas áreas básicas de saúde, educação e de infra-estrutura – esses setores passam a ser

financiados por sistemas especializados, que têm regras próprias. Se isso acontece, então, os

setores social e economicamente mais relevantes são cobertos pelos programas. Nesse caso, a

equalização com base na capacidade de gasto per capita pode ser mais eficiente, pois o

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critério de eficiência dos demais gastos tem uma forte correspondência com a distribuição da

população.

4) Se a equalização é apoiada na receita fiscal efetiva dos governos, como já

referimos, ela cria incentivos negativos aos governos subnacionais: frouxidão fiscal poder vir

a ser recompensada. Isso exige uma de duas medidas, ambas problemáticas. Primeiro, tal

como feito nas Federações mais avançadas (Canadá e Austrália), pode-se tentar apoiar o

sistema na receita potencial. Essa é uma estimativa de difícil realização, e a experiência

dessas Federações demonstra que, apenas quando o sistema de administração tributária

consegue construir um padrão preciso e sofisticado de informação fiscal por parte do

contribuinte, os governos conseguem calcular a receita potencial. Num caso como o Brasil,

onde a tributação de bens e serviços é uma total desordem de bases tributárias legisladas de

forma distinta por 27 governos, esse cálculo é problemático. Por outro lado, a estrutura da

tributação estadual no Brasil, hoje, na qual predominam os setores chamados de blue chips

(telecomunicações, energia elétrica e combustíveis), com a forte participação da substituição

tributária, facilita essa estimativa.

A alternativa ao uso da receita potencial é a solução que foi preliminarmente indicada

neste estudo, ainda sem uma formulação técnica suficiente: adotar a receita efetiva e reservar

uma parte dos recursos para serem distribuídos conforme o esforço fiscal dos governos. A

eficiência dessa solução depende de lograrmos delinear um critério tecnicamente preciso e

seguro para o cálculo desse esforço fiscal, o que está na agenda do “Fórum de estados” para o

próximo exercício.

Por outro lado, é também necessário enfatizar as vantagens únicas que os sistemas de

equalização apresentam na situação atual, quando comparados com as demais alternativas

existentes.

1) A principal vantagem decorre de do fato de que o sistema toma como referência

diretamente a receita per capita dos governos. Ao fazê-lo, responde direta e imediatamente a

qualquer modificação nas receitas próprias dos governos. Por exemplo, se uma região da

Federação entra em estagnação econômica, enquanto as demais mantém um crescimento

econômico normal, o sistema reagirá imediatamente, aumentando as dotações da região

afetada, à medida que a estagnação reduza relativamente a receita desse governo em relação

aos demais. Da mesma forma, se uma reforma tributária que vise modernizar ou aumentar a

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eficiência do sistema venha a reduzir a receita de alguns governos, o sistema reagirá de forma

compensatória.

É essencial notar que a capacidade de resposta do sistema dependerá da dotação de

recursos, quando se trabalha com um critério de “conta fechada”.

2) Sob a equalização, o caráter dinâmico das transferências é potenciado. As dotações

refletirão rapidamente mudanças na dimensão relativa das bases tributárias. O grau de

atualização dos coeficientes vai depender da temporalidade da informação estatística sobre as

receitas.

3) Sendo o sistema apoiado diretamente na receita, ele evita certas distorções que

decorrem do uso de parâmetros macroeconômicos como a renda per capita. Um caso típico é

o dos estados que têm PIB elevado, mas forte viés exportador, com o que sua base tributária é

atrofiada pela desoneração. Sob a equalização esse estado receberá dotações maiores do que

sob um sistema apoiado na renda, como o FPE, garantindo a aproximação das capacidades de

gasto entre os estados.

4) Como ficou claro nos diversos exemplos apresentados, ao contrário do que ocorre

com o uso de parâmetros macroeconômicos, sistemas de equalização são instrumentos

flexíveis que podem ser regulados para obter diversos graus de redistributividade. Se a

Federação valoriza muito a eqüidade, ela pode evoluir para um sistema de conta aberta, onde

se estabelece um critério e o GF aporta o volume de recursos que for necessário. Mesmo num

sistema de conta fechada, dado o volume de recursos, a Federação pode optar por beneficiar

mais os mais pobres ou distribuir de forma mais uniforme os recursos. Tal sistema também é

adequado para transições necessárias em processos de reforma. Por exemplo, pode-se escolher

inicialmente um valor de referência que se aproxime da distribuição vigente atualmente e,

depois, ir alterando lentamente o VR, para obter o perfil distributivo desejado.

O fato de que sistemas de equalização são utilizados nas mais avançadas e bem

organizadas Federações do mundo não é, de forma alguma, um argumento final para

recomendar sua adoção. Soluções técnicas funcionam de forma diferente em diferentes

sociedades, devido a tradições, características culturais etc. No entanto, não há qualquer

argumento que possamos ter identificado que afirme ser essa opção ineficiente para o caso

brasileiro. O entendimento é o de que, hoje, estamos diante da oportunidade histórica de fazer

avançar o federalismo fiscal brasileiro. O “congelamento” de 1989 eliminou o sistema de

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redução de desequilíbrio horizontais na Federação brasileira. É evidente e inquestionável que

os fundos de participação podem ser amplamente melhorados e levados a cumprir a função

para a qual foram concebidos. Nesse processo, podemos adotar uma posição conservadora,

apenas ressuscitando o velho sistema concebido em 1965, ou podemos começar uma trajetória

que nos aproxime das práticas mais modernas e eficientes adotadas em Federações do

primeiro mundo. Não podemos implementar, de imediato, sistemas de equalização perfeitos.

Podemos, contudo, começar um processo gradual que nos leve, em uma década, a contar com

esse aperfeiçoamento.

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Referências bibliográficas

AFONSO, José Roberto Rodrigues, Evolução das relações intergovernamentais no

Brasil entre 1968 e 1988: transferências e endividamento. 1989. Dissertação Mestrado em

Economia - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

______; REZENDE, Fernando. A reforma fiscal no processo de elaboração da nova

constituição. Rio de Janeiro: Ipea, 1987. (Texto para Discussão, 121).

PRADO, S. (Coord.). Partilha de Recursos na Federação Brasileira. Brasília, DF:

Edições Fundap/Ipea, 2003. 245p.

______. Equalização e federalismo fiscal − uma análise comparada. Rio de Janeiro:

Fundação Konrad Adenauer, 2006. 462p.

VARSANO, Ricardo. Avaliação do sistema tributário proposto no projeto de

constituição (Segundo substitutivo do relator da Comissão de Sistematização, de setembro de

1987). Rio de Janeiro: Ipea, 1987. (Texto para Discussão, 122).

VILLELA, Luiz Arruda. Revisão dos critérios de rateio dos fundos de participação. In:

MATTOS FILHO, Ary O. (Coord.). Reforma fiscal − coletânea de estudos técnicos. São

Paulo: Dórea, 1995. v. II, p. 621-634. (Série Relatório da Comissão Executiva de Reforma

Fiscal).

______. Redefinição do sistema de co-financiamento dos serviços públicos. Rio de

Janeiro: [S.n.], 1995. Mimeografado.

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111

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Caderno no 6

TRANSFERÊNCIAS INTERGOVERNAMENTAIS NA FEDERAÇÃO BRASILEIRA

Avaliação e alternativas de reforma

volume 2 COTA-PARTE DOS MUNICÍPIOS NO ICMS:

CRITÉRIOS DE PARTILHA

Autores: Gedalva Baratto (PR)

Paula Maria Bandeira Costamilan (PR)

Contribuição:

Edna Nazaré Cardoso Farage (PA)

Maria Roseana de Carvalho Soares (PE)

Orientação e supervisão: Sérgio Prado (Unicamp)

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Agosto de 2007

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 114

1. CARACTERIZAÇÃO E HISTÓRICO DA COTA-PARTE .................................... 115

1.1 Caracterização .............................................................................................. 115

1.2 Breve histórico da cota-parte do ICM e ICMS............................................... 117

2. SITUAÇÃO ATUAL DA COTA-PARTE ............................................................ 121

2.1 O critério determinado por lei complementar federal – valor adicionado ....... 122

2.1.1 Aspectos operacionais para o cálculo .............................................. 122

2.1.2 Problemas conceituais e operacionais ............................................. 124

2.1.3 Avaliação crítica – tendência à concentração .................................. 128

2.2 Os critérios regulados por lei estadual ........................................................... 130

2.2.1 Função ou caráter da fração regulada por lei estadual ..................... 130

2.2.2 Análise dos critérios adotados para a fração regulada por lei estadual ... .................................................................................................... 131

2.3 Avaliação da cota-parte em 2006 para casos selecionados ............................. 146

3. ALTERNATIVAS PARA REDUZIR A CONCENTRAÇÃO DO CRITÉRIO VALOR ADICIONADO ...................................................................................................... 156

3.1 Autonomia versus critérios nacionais uniformes: uma discussão ................... 157

3.2 Perspectivas de desenvolvimento da pesquisa ............................................... 159

4. UMA PROPOSTA DE ABORDAGEM PARA O TRATAMENTO DA COTA-PARTE ................................................................................................................... 160

4.1 Porque o critério consumo na cota-parte........................................................ 161

4.2 Porque o critério população na cota-parte ...................................................... 165

4.3 Estudo de caso − simulação de impacto na cota-parte dos municípios do Paraná . ................................................................................................................ 170

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 177

REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 184

ANEXO I − Critérios de partilha da cota-parte dos municípios no ICMS, por estados ....... ............................................................................................................................... 185

ANEXO II – Como calcular o consumo municipal ...................................................... 191

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113

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LISTA DE SIGLAS

ADCT - Ato das Disposições Constitucionais Transitórias

CF - Constituição da República Federativa do Brasil

CF/67 - Constituição da República Federativa do Brasil de 1967

CF/88 - Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

CideE - Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico

Confaz - Conselho Nacional de Política Fazendária

Cota-parte

- Fundo de participação dos municípios na arrecadação de ICM e ICMS

Cotepe/ICMS

- Comissão Técnica Permanente do ICMS

FFEB - Fórum Fiscal dos Estados Brasileiros

FPE - Fundo de Participação dos Estados (cota-parte no IR e IPI)

FPM - Fundo de Participação dos Municípios (cota-parte no IR e IPI)

Fundef - Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental

Fundeb - Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Básico

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICM - Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias

ICMS - Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre

Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação

IDH - Índice de Desenvolvimento Humano

IOF - Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou Relativas a Títulos

ou Valores Mobiliários

IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados

IR - Imposto de Renda

IVA - Imposto sobre Valor Agregado

LC - Lei Complementar

PEC - Projeto de Emenda Constitucional

PIB - Produto Interno Bruto

Sinief - Sistema Integrado de Informações Econômico-Fiscais

Sintegra - Sistema Integrado de Informações sobre Operações Interestaduais com

Mercadorias e Serviços

ST - Substituição Tributária

SUS - Sistema Único de Saúde

VA - Valor adicionado

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COTA-PARTE DOS MUNICÍPIOS NO ICMS

CRITÉRIOS DE PARTILHA

Gedalva Baratto – Sefa/PR

Paula Maria Bandeira Costamilan – Sefa/PR∗

INTRODUÇÃO

Este texto integra um conjunto mais abrangente de análises do sistema tributário e de

partilha de rendas na Federação brasileira, elaborados no âmbito do Fórum Fiscal dos Estados

Brasileiros (FFEB). Outros estudos abordam a problemática da reforma do sistema tributário

com a adoção de um imposto estadual do tipo IVA, regido segundo o princípio de destino.

Isso pode significar a pertinência de se rever o critério de partilha da cota-parte municipal no

IVA estadual (atual ICMS), para melhor adequá-lo aos pressupostos e conceitos inerentes ao

novo sistema de tributação sobre bens e serviços, além de melhor inseri-lo no conjunto do

sistema de partilha de receitas na Federação.

A cota-parte municipal no imposto estadual, ICMS, é o componente mais significativo

do fluxo vertical de recursos existente no sistema de partilha brasileiro. Seu valor global em

2006 foi 25% superior ao do FPM, cuja base de cálculo é composta pela arrecadação federal

de IR e IPI. No total Brasil, nesse mesmo ano, a cota-parte correspondeu a 21,8% do total de

receitas correntes municipais, enquanto o FPM representou 17,4% (STN, 2006).

O objetivo deste texto é analisar essa importante fonte de transferência de recursos na

Federação brasileira. Primeiro de tudo, é analisado o sistema vigente em duas dimensões: uma

delas analisa a parcela impositiva da cota-parte; outra, a parcela autônoma, assim entendida a

que pode ser regulada por lei estadual. Isso permitirá identificar os aspectos conceituais,

legislativos e operacionais que regem essa distribuição de receita, os problemas e distorções

existentes em torno do critério valor adicionado e, na seqüência, uma análise dos critérios

adotados pelos estados para a fração disposta por norma estadual, procurando tipificar e

apontar a natureza das variáveis a que os critérios estão vinculados.

∗ Contribuíram na discussão e no levantamento das legislações estaduais: Edna Nazaré Cardoso Farage (PA) e Maria Roseana de Carvalho Soares (PE).

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De posse desses elementos, parte-se para apontar cenários alternativos que permitam melhorar

esse sistema de transferência de recursos − que por praticidade chamaremos simplesmente de

cota-parte −, destacando que é possível fazê-lo de duas formas: na parcela impositiva e na

parcela autônoma. Entre as alternativas colocadas em discussão, uma é a hipótese de se adotar

a população e o consumo de cada município como critério para o cálculo dos coeficientes de

participação dos municípios no ICMS vigente ou no IVA estadual.1. CARACTERIZAÇÃO E

HISTÓRICO DA COTA-PARTE

1.1 Caracterização

Lembrando que uma das finalidades das transferências verticais em sistemas

federativos é ampliar a capacidade de gasto dos governos subnacionais para viabilizar o

atendimento de seus encargos − pois a arrecadação é, geralmente, concentrada nos níveis

federal e estadual de governo −, é útil verificar em que contexto a cota-parte se insere na

tipologia básica para sistemas de transferências de recursos na Federação brasileira.

As funções de um sistema de transferências podem ser devolutivas, redistributivas,

financiadoras de programas nacionais e voluntárias, conforme especificado em outros estudos

do FFEB. O que nos interessa é verificar as características das transferências com caráter de

devolução tributária, as “devolutivas”, em virtude de seu vínculo estreito com a sistemática

atual da cota-parte municipal no ICMS.

A principal característica da transferência devolutiva é que cada jurisdição recebe do

nível hierárquico superior de governo, detentor da competência tributária, um montante de

recursos que guarda um vínculo estreito com o que foi arrecadado na respectiva jurisdição.

Dito de outro modo, na transferência com caráter de “devolução tributária”, o governo central

exerce a competência tributária (que inclui a função arrecadadora) por questão de eficiência e

simplificação, transferindo, geralmente, sem condicionalidades, ao nível subnacional de

governo, recursos que este poderia ter arrecadado em sua jurisdição, caso tivesse a

competência do tributo.

A principal transferência de caráter devolutivo existente no sistema de partilha

brasileiro é a parcela impositiva da cota-parte municipal no principal tributo estadual, o

ICMS, partilhada mediante o critério de valor adicionado. Segundo previsto na Constituição

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Federal de 1988, aos municípios pertence 25% do produto da arrecadação do ICMS, e 75%,

no mínimo, devem ser distribuídos na proporção do valor adicionado nas operações relativas à

circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, realizadas em seus territórios. Nessa

categoria de transferência devolutiva também se enquadra a cota-parte municipal nos

seguintes impostos de competência federal ou estadual:

Imposto sobre Propriedade Territorial Rural (ITR) − aos municípios, pertence 50% da

arrecadação do ITR relativo aos imóveis neles situados;

Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos ou

Valores Mobiliários (IOF-Ouro) − 70% do produto da arrecadação são transferidos ao

município de origem da operação;

Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) − aos municípios,

pertence 50% do produto da arrecadação do imposto estadual dos veículos licenciados em

seus territórios.

A importância do critério de partilha do ICMS é potencializada pelo fato de que os

coeficientes da cota-parte são utilizados também para distribuir, entre os municípios, as

seguintes transferências:

Fundo IPI Exportação (FPEX) (CF, art. 159, II, § 3o);

Fundo Orçamentário vinculado às compensações da “Lei Kandir” (LCs nos 87/96,

102/00 e 115/02; CF, art. 91 da ADCT); e

Fundo Orçamentário de Auxílio aos Estados Exportadores, transferido desde 2004

(regulado através de medida provisória, depois convertida em lei).

Esses Fundos são analisados no Volume 3 deste Caderno nº 6, do FFEB, pois são de

natureza compensatória e não devolutiva. Cabe aqui apenas indicar que 25% dos montantes

transferidos aos estados consoante essas transferências são repassados aos municípios de

acordo com o mesmo índice de participação aplicado na cota-parte do ICMS. A lógica disso é

que, para todos os efeitos, as transferências compensatórias são uma forma peculiar de

devolução, uma vez que está implícito na sua legislação que os estados teriam direito a essa

receita, perdida pela desoneração das exportações. Tudo se passa como se os governos

estaduais deixassem de recolher uma receita factível, e o governo federal os compensasse por

isso.

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1.2 Breve histórico da cota-parte do ICM e ICMS

O sistema de partilha do tipo “devolutivo” foi instituído pela Reforma Tributária de

1967 para o principal imposto sobre o consumo, o então criado Imposto Sobre Circulação de

Mercadorias (ICM), de competência dos estados. Definiu-se então que 20% da arrecadação

desse imposto constituíam receita dos municípios, cujas parcelas deveriam ser creditadas na

forma e nos prazos fixados em lei federal.

Apenas em 1972 o governo militar editou o Decreto-lei no 1.216/72, regulamentando o

dispositivo constitucional para a cota-parte. O aspecto mais relevante da norma foi a

instituição do conceito de VA como critério de partilha, apurado com base nas informações

econômico-fiscais prestadas pelos contribuintes. A cota-parte deveria ser distribuída na

proporção do VA resultante das operações de circulação de mercadorias realizadas no

território de cada município. Foi especificado que o VA no período fixado poderia ser

calculado pela diferença entre o valor das mercadorias saídas e o das mercadorias que deram

entrada − operações que constituíam fato gerador do imposto −, mesmo quando o pagamento

fosse antecipado ou diferido. Era prevista ainda a hipótese de crédito tributário diferido,

reduzido ou excluído em virtude de isenção, como no caso da imunidade sobre livros, jornais,

revistas e papel para impressão (art. 19, item III, letra "d" da CF/67), bem como sobre as

operações com produtos industrializados destinados ao exterior, além de outros casos

especificados na lei (art. 23, § 7º da CF/67).Foi especificado que o VA no período fixado

poderia ser calculado pela diferença entre o valor das mercadorias saídas e o das mercadorias

que deram entrada. Estas operações de saídas e de entradas deveriam se constituir em fato

gerador do imposto, mesmo quando: o pagamento do imposto fosse antecipado ou diferido; o

imposto fosse reduzido ou excluído em virtude de isenção; quando as operações não fossem

sujeitas ao imposto em virtude da imunidade sobre o livro, o jornal e os periódicos, assim

como o papel destinado à sua impressão (art. 19, item III, letra "d" da CF/67), bem como

sobre as operações com produtos industrializados destinados ao exterior, além de outros casos

especificados na lei (art. 23, § 7º da CF/67).

Até a edição do Decreto-lei no 1.216/72, não existia uma norma federal

regulamentando o critério de partilha da cota-parte no ICM. Na falta de uma lei padronizando

a forma e os prazos, a distribuição da parcela pertencente aos municípios ficou frágil, e cada

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estado adotava o critério que lhe convinha. Havia muita interferência política e desinformação

por parte das prefeituras, além de problemas técnicos, funcionais e operacionais; enfim,

critérios pouco claros, permeáveis à discricionariedade dos governadores. Entretanto, o

relevante é que de alguma forma, havia algum parâmetro a partir da arrecadação obtida pelo

governo estadual no espaço municipal, espelhando efetivamente uma devolução de recursos

aos municípios; algo similar ao que resultaria caso o próprio município pudesse cobrar seu

“ICM”. Não envolvia nenhuma conotação redistributiva ou de outra natureza. É possível que

alguns estados tenham implementado mecanismos mais sofisticados antes do referido decreto-

lei. Por exemplo, foi possível apurar que no Paraná, desde 1968, mesmo de forma precária e

com problemas políticos e operacionais, a cota-parte era distribuída com base em índices de

participação,calculados com base nas operações tributadas e também não tributadas pelo ICM.

Estes aspectos, portanto, distinguiam a distribuição da cota-parte no Paraná do estilo

prevalecente de “boca do caixa”..

A partir de 1972, com a criação do conceito de VA, a partilha passou a beneficiar

municípios com maior base econômica, principalmente, aqueles com base industrial mais

desenvolvida, provocando uma “guerra” entre os municípios para a instalação de distritos

industriais. Conforme GARCIA (2002, p.24),

Este modelo sofreu inúmeras críticas ao longo da década de 1970, notadamente, em relação à concentração de recursos em municípios já bem aquinhoados em termos de geração de receita, em prejuízo dos municípios com base econômica agrícola, de serviços ou mesmo os de pequena base comercial.

O VA obtido na forma especificada, muito semelhante ao que é aplicado até hoje,

aproxima-se do conceito de lucro bruto, ao considerar no cálculo tanto as operações tributadas

como as não tributadas, premiando os municípios nos casos em que parcela significativa das

operações realizadas em seu território não resulta em arrecadação do ICM (até 1988) e ICMS

(a partir da 1989). Portanto, o vínculo da cota-parte com a tipologia de transferência

devolutiva passou a ser algo como: não mais “devolve” ao município em que o imposto foi

arrecadado, mas sim mediante critério vinculado ao resultado econômico gerado pelas

empresas instaladas no município, contidas no campo de incidência desse imposto, aspecto

este, entretanto, que não descaracteriza a cota-parte como um fluxo de natureza devolutiva.

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Uma peculiaridade é que embora 100% da cota-parte fosse baseado no VA, não havia

empecilho à adoção de outros critérios, desde que mediante convênio, por prazo determinado,

firmado como resultado da concordância de todos os municípios do estado (art. 11 do

Decreto-lei no 1.216/72). O coeficiente de participação de cada município resultava da relação

entre o seu VA e o VA total do estado, nos dois exercícios imediatamente anteriores ao da

apuração, procedimento que vigora até hoje.

Em 1980, foi feita uma importante alteração no sistema da cota-parte, quando a

Emenda Constitucional no 17/80 determinou que até 25% do critério de partilha poderia ser

objeto de livre disposição por lei estadual. Respeitando o mínimo de 75% para o VA, os

estados passaram a dispor de uma certa autonomia para incluir outras variáveis para partilhar

a cota-parte. Assim, desde o advento dessa emenda constitucional, com 25% da partilha

podendo ser regulada por norma autônoma estadual, a cota-parte pôde assumir diversas

características, com caráter redistributivo, redistributivo/compensatório,

redistributivo/cooperação intergovernamental ou até mesmo devolutivo. O conjunto dos

critérios da cota-parte passou a ser híbrido, e assim é até hoje.Gradativamente, após a Emenda

Constitucional no 17/80, muitas leis estaduais regularam os critérios de distribuição da cota-

parte municipal no ICM e ICMS. Os estados passaram a adotar critérios vinculados a

variáveis econômicas, sociais, ambientais e de outra natureza, no mais das vezes, com o

propósito de amenizar a inevitável concentração inerente ao critério do VA, conforme se

verifica neste mesmo texto, em seção que trata dos critérios adotados pelas legislações

estaduais. O Espírito Santo, por exemplo, regulamentou a Emenda Constitucional no 17/80 em

1982 e o Paraná apenas o fez a partir de 1987, ao incluir na norma estadual variáveis como

população, número de propriedades rurais, área e o linear.16

A partir da Constituição de 1988, a parcela do agora ICMS pertencente aos municípios

passou de 20% para 25% e reproduziu em seu art. 158, inciso IV, os mesmos critérios de

partilha da Emenda Constitucional no 17/80. Assim, a CF dispõe que do produto da

arrecadação do ICMS, 75% constituem receita dos estados e 25% dos municípios, cujos

valores serão repassados a estes de acordo com os índices de participação apurados, mediante

os seguintes critérios: 3/4, no mínimo, na proporção do valor adicionado nas operações

relativas à circulação de mercadorias e à prestação de serviços realizadas em seus territórios e

16 O critério “linear” distribui determinada proporção da cota-parte em partes iguais entre todos os municípios do respectivo estado.

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até 1/4, de acordo com o que dispuser lei estadual.17 Ou seja, a parcela impositiva foi mantida

em 75% (no mínimo) para o critério valor adicionado e em 25% para critérios dispostos por

lei estadual.

Em 1990, a LC no 63/90 regulamentou o art. 158 da CF. O § 1o do art. 3o dessa lei foi

alterado pela LC no 123/06, estabelecendo-se que “nas hipóteses de tributação simplificada a

que se refere o parágrafo único do art. 146 da CF, e, em outras situações, em que se

dispensem os controles de entrada, considerar-se-á como valor adicionado o percentual de

32% (trinta e dois por cento) da receita bruta”.18

É oportuno aqui mais um esclarecimento. Com Emenda Constitucional no 14/96, foi

criado o Fundef. Em decorrência disso, a partir de 1998 e até 2006, 15% da cota-parte dos

municípios no ICMS foi retida para esse fundo, que, juntamente com outras fontes, compunha

os recursos totais do fundo.19 Relevante para os fins da cota-parte é que se perceba que, do

ponto de vista financeiro, o montante de recursos “líquidos” distribuídos consoante os

critérios do VA e demais critérios dispostos nas legislações estaduais foi de 21,25% durante o

período referido. Ou seja, como 15% da cota-parte é retida para o Fundef (3,75% da

arrecadação total de ICMS) e partilhada proporcionalmente ao número de alunos matriculados

no ensino público fundamental, das redes públicas estadual e municipal, tem-se que a

diferença, de 21,25% (25% x 85%) foi distribuída aos municípios com base nos critérios da

cota-parte. O gráfico 1 facilita a visualização.

17 CF, art. 158: “Pertencem aos Municípios: [...] IV - vinte e cinco por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. Parágrafo único. As parcelas de receita pertencentes aos Municípios, mencionadas no inciso IV, serão creditadas conforme os seguintes critérios: I - três quartos, no mínimo, na proporção do valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, realizadas em seus territórios; II - até um quarto, de acordo com o que dispuser lei estadual ou, no caso dos Territórios, lei federal.” CF, art. 161. “Cabe à lei complementar: I - definir valor adicionado para fins do disposto no art. 158, parágrafo único, I; [...]”.

18 LC no 123/06, art. 87: “O § 1o do art. 3o da Lei Complementar no 63, de 11 de janeiro de 1990, passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 3o, § 1o:

O valor adicionado corresponderá, para cada Município: I – ao valor das mercadorias saídas, acrescido do valor das prestações de serviços, no seu território, deduzido o valor

das mercadorias entradas, em cada ano civil; II – nas hipóteses de tributação simplificada a que se refere o parágrafo único do art. 146 da Constituição Federal, e, em outras

situações, em que se dispensem os controles de entrada, considerar-se-á como valor adicionado o percentual de 32% (trinta e dois por cento) da receita bruta.”

19 A retenção para o Fundef alcança 15% das seguintes fontes: parcela estadual de ICMS; Fundo de Participação dos Estados; parcela estadual no Fundo IPI Exportação; parcela estadual nas “compensações” relativas à “Lei Kandir”; cota-parte do município no ICMS; Fundo de Participação dos Municípios, parcela municipal no Fundo IPI Exportação; parcela municipal nas “compensações” relativas à “Lei Kandir” e as complementações da União (várias fontes).

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Gráfico 1

Partilha intergovernamental da arrecadação do ICMS Retenção de 15% ao FUNDEF

Parcela do

estadoParcela do estado "líquida"

(sem FUNDEF)

Retenção de 15% ao FUNDEF

ICMS

Cota-partemunicípios

Cota-parte regida pelo critérioimpositivo do VA = 75%

Cota-parte "líquida" (semFUNDEF)

Cota-parte regida por critériosdispostos em lei estadual = 25%

11,25%+ 63,75% + 3,75% +21,25% = 100%

15% de 75% = 11,25%

85% de 75% = 63,75%

15% de 25% = 3,75%

85% de 25% = 21,25%

75% x 21,25%% = 15,94%

25% x 21,25%% = 5,31%

75%

25%

100%

O FUNDEF retidoretorna ao estado e acada município do

mesmo estadoproporcionalmente ao no

de dealunos matriculados noensino público

fundamental, na redeestadual ou municipal

Fonte: elaborado pelos autores

Como síntese desta seção, tem-se que a cota-parte foi, no início, rigorosamente

devolutiva (vínculo com a arrecadação local, ou mesmo “boca do caixa”). A partir de 1972,

passou a ser distribuída 100% mediante critério do VA, com caráter aproximadamente

devolutivo, pois se descolou o critério da legislação do imposto. Não obstante, ainda que o

critério do VA não corresponda a uma definição ideal de devolução, tem todas as suas

propriedades básicas. A distribuição passou a ser feita proporcionalmente à atividade

econômica local, contida no campo de incidência do ICM (e depois de 1988 do ICMS), o que

caracteriza a cota-parte como devolutiva, e, portanto, não-redistributiva. A partir de 1980,

com o peso do VA reduzido para 75%, a cota-parte passa a ter característica híbrida, mas

ainda marcadamente devolutiva, em virtude do peso do critério do VA.

2. SITUAÇÃO ATUAL DA COTA-PARTE

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2.1 O critério determinado por lei complementar federal – valor adicionado

Nesta seção, é analisada a fração impositiva da cota-parte, regulada por lei

complementar, dos pontos de vista conceitual, normativo e operacional. Também se discute a

sua tendência à concentração espacial. Diz respeito ao critério que comanda a distribuição da

parcela principal da cota-parte, com peso de 75%, no mínimo, que é o valor adicionado. É

uma avaliação necessária para que depois se possa discernir a respeito das alternativas para o

VA, sua manutenção ou não, e na hipótese de manutenção, em que proporção e condições.

2.1.1 Aspectos operacionais para o cálculo

Conforme a LC no 63/90, art. 3o, § 1o, o valor adicionado de cada município

corresponderá “ao valor das mercadorias saídas, acrescido do valor das prestações de

serviços, no seu território, deduzido o valor das mercadorias entradas, em cada ano civil”. O §

2o do mesmo art. 3o estabelece que:

para efeito de cálculo do valor adicionado, serão computadas as operações e prestações

que constituam fato gerador do imposto, mesmo quando o pagamento for antecipado ou

diferido, ou quando o crédito tributário for diferido, reduzido ou excluído em virtude de

isenção ou outros benefícios, incentivos ou favores fiscais; [bem como] as operações imunes

do imposto, conforme as alíneas “a” e “b” do inciso X do § 2o do art. 155 e a alínea “d” do

inciso VI do art. 150 da Constituição Federal.

Assim, o VA espelha o resultado do movimento econômico do município, desde que

no campo de incidência do ICMS. É obtido mediante informações fornecidas pelos

contribuintes inscritos no cadastro do imposto, mensalmente ou anualmente, a depender do

estado. Também são consideradas para o cálculo do VA algumas operações feitas por pessoas

físicas ou jurídicas que não estão inscritas no cadastro de contribuintes, mas que praticam

operações que constituem fato gerador de ICMS, como empresas jornalísticas, produtor rural

(quando não cadastrado) que comercializa sua produção e companhias municipais de

distribuição de água. Compõem o cálculo, ainda, os autos de infração lavrados pelo fisco

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estadual, em virtude de operações omitidas pelos contribuintes em sua escrita fiscal, hipótese

em que as operações são computadas para o VA no ano em que o resultado da ação fiscal se

tornar definitivo, em virtude de decisão administrativa irrecorrível.

Assim, o cálculo do VA é feito com base nos valores efetivos da operação; ou seja, o

que o Sinief denomina “valor contábil” de entradas e saídas declaradas pelos contribuintes, de

modo que inclui tanto operações tributadas como não tributadas.

É útil comentar aqui algumas especificidades para calcular o VA, como é o caso de

algumas operações fiscais que não são computadas. As aquisições de bens destinados ao ativo

imobilizado e ao uso e consumo próprio das empresas não são computadas, por serem bens

que já tiveram a sua destinação final (investimento ou consumo das empresas); ou seja, não

são adquiridas com o objetivo de (re)venda ou transformação. Em decorrência disso, também

eventuais saídas de bens do ativo ou de uso e consumo (usados) não são computadas.

Ademais, saídas que não constituem operação mercantil não são consideradas, como a

simples remessa para armazenamento, industrialização, feira e exposição.

Um aspecto que deve ser mencionado é que a LC no 63/90 não faz referência aos

estoques. Em muitos estados, o VA é ajustado para considerar a variação de estoques,

acrescendo às entradas o estoque do início do ano-base a que se referem as informações e

deduzindo das saídas o estoque final do exercício.

O índice do VA é, então, apurado com base na relação entre o valor adicionado

apresentado pelas empresas instaladas em cada município (VAM) e o valor adicionado total

de todas as empresas do estado (VAE), nos dois exercícios imediatamente anteriores ao da

apuração. Conforme determinaa LC no 63/90, o índice do valor adicionado considera a média

dos dois anos civis imediatamente anteriores ao da apuração, com o propósito de evitar

variações acentuadas. O resultado é multiplicado pelo peso atribuído ao critério do valor

adicionado por parte do respectivo estado (que deve ser de 75%, no mínimo)20 obtendo-se o

Índice de Valor Adicionado do Município. Sinteticamente:

IVAMi = [(VAMi-3 / VAEi-3) + (VAMi-2 / VAEi-2)] / 2 * Peso do critério do VA

onde:

IVAMi = Índice do Valor Adicionado do município no ano i;

20 Alguns estados adotam peso superior a 75%, conforme disposto em norma estadual.

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VAMi-3 = Valor Adicionado do município no ano i-3;

VAEi-3 = Valor Adicionado do estado no ano i-3;

VAMi-2 = Valor Adicionado do município no ano i-2;

VAEi-2 = Valor Adicionado do estado no ano i-2.

2.1.2 Problemas conceituais e operacionais

No que segue, comenta-se algumas dificuldades e problemas existentes para

determinar o VA. O objetivo aqui é identificar algumas questões que, por não estarem

claramente definidas na LC no 63/90, dificultam a interpretação e harmonização para calcular

o VA e acabam gerando inúmeros questionamentos por parte dos municípios, o que tem

levado a decisões diversas por parte dos tribunais. São comentários meramente

exemplificativos, pois estão longe de esgotar o assunto, o que requereria um estudo à parte.

Não obstante, são levantados aspectos que contribuem para esclarecer a problemática.

VA das empresas geradoras de energia elétrica

Não há previsão na LC no 63/90 sobre como distribuir o VA gerado pelas usinas de

energia elétrica. Alguns estados entendem que o VA gerado por uma usina deve ser

computado integralmente para o município onde está instalada a casa de máquinas geradora

da energia, com fundamento no princípio do local da ocorrência do fato gerador. Outros

estados entendem que se deve levar em conta a contribuição dos municípios envolvidos no

processo de geração da energia, em virtude do volume de água acumulado em seu território na

formação do lago (ou seja, a “matéria prima para gerar a energia”) e, para tanto, adotam como

parâmetro a área alagada. Isso tem gerado uma “indústria” de demandas judiciais nos

municípios, levando a decisões diversas por parte dos tribunais, chegando a existir critérios

diferentes para distribuir o VA gerado pelas usinas num mesmo estado.VA das empresas

transmissoras de energia elétrica

Apesar da transmissão da energia constituir fato gerador de ICMS, há enorme

dificuldade para identificar onde ocorreu o início da transmissão. Alguns estados apropriam o

VA da transmissão somente para os municípios que possuem subestação transmissora, com

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base no valor dos ativos, parâmetro este que não tem correlação com o fato gerador da

transmissão. Há estados que rateiam o VA da transmissão de forma igualitária entre todos os

municípios, enquanto outros sequer o consideram.

VA das empresas fabricantes de combustíveis e derivados

Aqui, a problemática é de natureza conceitual. As denominadas “refinarias” acentuam

demais o caráter concentrador, inerente ao critério do VA. Nesse caso, pode encaixar-se

perfeitamente o paradigma do “município pequeno versus fábrica grande”. Em geral, os

municípios que possuem refinaria de petróleo concentram também a maioria das

distribuidoras de combustíveis, o que aumenta ainda mais o grau de concentração. Também

há a dificuldade para identificar a quem pertence o VA gerado pela exploração de petróleo em

plataformas continentais localizadas em mar territorial.

VA de empresas prestadoras de serviço de comunicação, distribuição de energia

elétrica e fornecimento de água

Regra geral, o VA é computado consoante o município de localização do tomador do

serviço ou produto, procedimento que é adotado mediante a identificação do destinatário das

faturas. Chama-se atenção aqui para o fato de que esse procedimento caracteriza um caso

típico de apropriação de VA pelo local do consumo, podendo indicar que não se está diante do

conceito de VA, mas sim de variável vinculada ao conceito de consumo, assunto que também

integra a análise deste texto.

VA de empresas com mais de um estabelecimento

Um problema que freqüentemente é questionado pelos municípios diz respeito à

apropriação do VA de empresas que possuem matriz e filial/filiais no estado. O VA tende a

concentrar-se no estabelecimento que pratica operações de vendas, em detrimento daquele

que pratica somente operações de transferências de mercadorias (ou que opera apenas como

depósito), não gerando praticamente VA.

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.

VA com resultado negativo

Logicamente, ocorre na empresa em que os valores de entradas são superiores aos

valores de saídas. Independentemente dos valores serem significativos ou não, envolve um

aspecto conceitual sobre a pertinência ou não de computar o VA com resultado negativo para

obter o VA total do município. A LC no 63/90 é omissa nesse aspecto, requerendo alteração

para prever tais hipóteses e assim se chegar a um entendimento.

VA de empresa enquadrada em regime tributário simplificado

Tendo em vista o advento da LC no 123/06, o Simples nacional, e mesmo levando em

conta os regimes diferenciados que já existiam nos estados, tem sido difícil obter os elementos

indispensáveis ao cálculo adequado do VA. Isso ocorre porque nesses regimes, o imposto é

cobrado sobre o faturamento, não pela sistemática normal de débitos e créditos. No Simples

nacional, por exemplo, é arbitrada uma margem de agregação de 32% sobre o valor bruto de

vendas de todo o universo de contribuintes optantes do regime. Tal circunstância

descaracteriza o conceito de VA, pois, obviamente, a margem de VA difere de uma empresa

para outra. Esse assunto é aprofundado no Anexo II deste texto.

VA e o regime de substituição tributária (ST)

Nesse caso, não há propriamente inconsistência no conceito de VA, mas dificuldade

operacional significativa decorrente do regime de ICMS de ST. No caso da denominada ST

das operações subseqüentes, o valor contábil das saídas das operações submetidas ao regime

contém o valor da operação própria do contribuinte, acrescida do ICMS da(s) operação(ções)

substituída(s). Para alocar o VA ao município “correto”, é necessário “descontaminar” o valor

contábil declarado pelo substituto, retirando o ICMS da operação substituída. O contrário

ocorre com a chamada ST das operações antecedentes, o chamado regime do diferimento, em

que a incidência do imposto é deslocada para estágio posterior da cadeia de produção ou

comercialização. Nesse caso, o valor contábil da operação diferida não contém o ICMS, pois

não houve incidência; por isso, o valor da operação fica inferior àquele que resultaria no

regime tributário normal de ICMS. Não há ajuste operacional factível que possa ser feito no

cálculo do VA, cabendo apenas comentar que o regime da ST afeta a alocação do VA, como

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no caso de municípios com base agrícola significativa, haja vista que o regime de diferimento

é bastante utilizado na comercialização de produtos primários.

Denota-se com os exemplos citados que a LC no 63/90, de fato, não fornece todos os

elementos necessários para calcular o VA de determinadas atividades. Há uma grande

margem de manobra para sua interpretação, o que tem exposto os estados a uma verdadeira

indústria de contestações judiciais, gerando insegurança jurídica. Parte-se para as mais

variadas e inusitadas formas para tentar desconcentrar o resultado de uma variável inerente à

produção.

Os problemas apontados podem ou não ter sua complexidade operacional aumentada

pela própria natureza das tarefas vinculadas ao cálculo do VA. A diversidade e complexidade

das informações requeridas para o cálculo exigem constante aperfeiçoamento, como é o caso

da tecnologia da informação, da auditoria das informações prestadas pelos contribuintes,

padronização de procedimentos etc. Idealizar mecanismos e instrumentos para imprimir maior

qualidade, transparência e controle nas diversas bases de dados que integram o cômputo para

o cálculo dos coeficientes de participação dos municípios no ICMS é tarefa constante.

Além das dificuldades apontadas para calcular o VA, bem como das fragilidades

conceituais exemplificativas, deve ser observado que é inerente ao caráter marcadamente

devolutivo dessa transferência a possibilidade de oscilações acentuadas no VA, dado que é

uma variável que sofre injunções não apenas de ordem econômica, mas também de natureza

climática, como ocorre com a atividade agrícola. O elevado peso do VA na partilha da cota-

parte impede que as oscilações sejam amortecidas por outros critérios; com isso, pode gerar

uma instabilidade no fluxo de recursos municipais, podendo prejudicar o financiamento de

políticas públicas, conforme o peso da cota-parte na composição das receitas totais do

município.

Como o VA é vinculado ao local da produção, ou seja, é uma variável regida pelo

princípio de origem, tem provocado entre os municípios uma “guerra fiscal” por

investimentos, como ocorre freqüentemente entre os estados em relação ao ICMS. Os

municípios competem para aumentar seu VA, nem sempre de forma virtuosa. Eles concedem

benefícios fiscais para atrair empresas, alimentando outras batalhas nessa guerra, que

comprometem a arrecadação e a neutralidade tributária de impostos que interferem na

concorrência entre as empresas.

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2.1.3 Avaliação crítica – tendência à concentração

Uma importante questão na avaliação do VA diz respeito à tendência de se concentrar

em determinados espaços geográficos. Do ponto de vista conceitual da obrigação tributária

diz respeito ao aspecto territorial da hipótese de incidência do ICMS, o local de ocorrência do

“fato gerador”. Uma das principais críticas dirigidas ao VA é que ele tem levado a um

resultado de coeficiente muito elevado para determinados municípios com população

relativamente baixa, gerando uma cota-parte per capita anormalmente elevada.

Por certo, todos os estados têm exemplos extremados. Entre muitos indicadores que

podem ser construídos, é útil aquele que expressa o valor da cota-parte em termos per capita.

Este e outros indicadores são analisados na seção 2.3, depois da análise dos critérios adotados

pelos estados e dispostos nas respectivas legislações estaduais.

Retomando a discussão da concentração do VA, o fator que explica essa tendência é a

própria natureza da variável, vinculada ao local da produção e não, por exemplo, ao local do

consumo ou de residência da população. O VA guarda relação com o princípio de origem

enquanto o consumo guarda relação com o princípio de destino, conforme se aprofunda em

seção específica neste texto. Assim, uma vertente da discussão sobre o VA ocorre no âmbito

da reforma proposta para o VA estadual, que entre outros aspectos envolve a adoção do

princípio de destino na apropriação do produto da arrecadação das operações interestaduais.

Quando o ICM entrou em vigor em 1967 a coordenação jurisdicional interestadual era

regida pelo princípio de origem pura, de modo que o critério do VA ajustava-se à lógica

tributária do imposto. O ICM e, depois, o ICMS foram ao longo dos anos gradativamente

migrando para um sistema misto, dito de origem restrita, com o propósito de partilhar receita

entre os estados, mediante a adoção de alíquotas interestaduais diferenciadas, inferiores às

praticadas nas operações intra-estaduais. Assim, na prática, através das alíquotas

interestaduais, obtém-se uma partilha automática de receita entre os estados, vinculada em

parte ao local da produção e em parte ao local do consumo; ou seja, parcialmente regida pelo

princípio de origem e parcialmente, pelo de destino. Observamos que, ainda no antigo ICM, o

produto da arrecadação dos estados já guardava relação significativa não apenas com o local

da produção, mas também com o consumo de cada estado.

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A partir da CF/88, o ICM transformou-se em ICMS e o sistema caminhou um pouco

mais na direção do princípio de destino, pois a partir de 1989, as alíquotas interestaduais do

ICMS foram reduzidas ainda mais por ocasião das saídas oriundas do Sul+Sudeste (exceto

Espírito Santo) com destino ao Norte + Nordeste + Centro-Oeste + Espírito Santo. Não

obstante, a CF/88 manteve intocada a variável VA, com peso mínimo de 75% para partilhar a

cota-parte municipal no ICMS, significando dizer que foi mantida uma variável que guarda

relação estreita e marcante, para não dizer integral, com o princípio de origem.

Outro aspecto que alterou bastante a configuração do ICMS com a CF/88 foi a

ampliação de seu campo de incidência, agregando ao imposto importantes bases contributivas.

O imposto passou a incidir também sobre energia elétrica, combustíveis e minerais, bem

como sobre serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, que até

então eram submetidos à incidência de tributos de competência da União e que foram

extintos. Para o total Brasil, em 2005, 42% da arrecadação de ICMS adveio dos setores de

energia elétrica, combustíveis e serviços de comunicação, as chamadas blue chips do ICMS.

São atividades econômicas com elevado peso na economia, justamente algumas delas com

produção altamente concentrada, particularmente no caso da energia elétrica e dos

combustíveis. Conseqüentemente, o critério baseado no VA passou a ter uma tendência ainda

maior à concentração do que ocorria na vigência do ICM.

Como a margem de manobra para minimizar a concentração do VA é de apenas 25%

(norma autônoma estadual), tem-se alegado que é insuficiente para desconcentrar a

distribuição do ICMS entre os municípios.

Para minimizar a concentração do VA e cobrir um certo vácuo legislativo, o VA de

determinadas atividades econômicas tem sido calculado mediante critério misto, imprimindo

características de consumo à variável VA, conceitualmente vinculada à produção. Esse é o

caso, por exemplo, do VA dos setores de distribuição de energia elétrica, fornecimento de

água e serviços de comunicação, cujo cálculo não tem sido feito com base no princípio de

origem, mas sim com base no princípio de destino, conforme antes analisado. Para essas

atividades, o VA passou a ser apropriado pelo local do consumo, não obstante de modo frágil,

pois depende da interpretação que vem sendo dada à LC no 63/90, que, conforme dissemos,

não é suficientemente detalhada para respaldar e harmonizar determinados procedimentos que

vêm sendo utilizados pelos estados.

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Adiante, uma análise dos critérios adotados pelos estados para a fração autônoma da

cota-parte, assim entendida aquela que é regulada por lei estadual. Com isso, disporemos de

uma avaliação completa dos critérios e, então, podemos verificar alguns resultados no ano de

2004 e partir para a seção que trata de soluções alternativas para a partilha da cota-parte.

2.2 Os critérios regulados por lei estadual

Nesta subseção, é analisada a sistemática da cota-parte regida por critérios de partilha

dispostos em norma estadual, de 25%, no máximo, adotada ainda no antigo ICM − a

partir de 1980, quando a fração autônoma foi inserida por alteração −, e que até hoje

regula a cota-parte dos municípios no ICMS.

2.2.1 Função ou caráter da fração regulada por lei estadual

Vimos que originalmente a cota-parte era uma transferência integralmente devolutiva

e que foi se afastando progressivamente dessa forma pura de devolução. Em 1980, uma

importante medida tornou a cota-parte, de fato, um dispositivo híbrido, composto por uma

parte majoritária (75%), que manteve o caráter marcadamente devolutivo, e outra parcela de

25%, cuja decisão de distribuição foi concedida à legislação estadual. Essa medida foi,

basicamente, uma forma de reduzir a rigidez do critério alocativo desse importante fluxo de

recursos, permitindo que os estados adaptassem sua distribuição às especificidades de suas

economias internas e/ou ao perfil de prioridades que julgassem mais pertinentes.

Vale aqui lembrar que, ao contrário da totalidade das Federações no mundo, no Brasil,

os estados não têm controle administrativo e financeiro sobre seus municípios. Assim,

também ao contrário das demais Federações, as transferências de estados para os municípios,

até a edição dessa medida, eram basicamente livres, sem que o governo estadual pudesse

interferir na sua utilização. A parcela estadual da cota-parte, portanto, é um caso isolado em

nossa Federação, ao permitir que os governos estaduais de alguma maneira interfiram, através

de lei estadual, na destinação de parte dos recursos pertencente aos municípios. Essa

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colocação é válida, mesmo que se leve em conta que a livre disposição por lei estadual é

tarefa das assembléias legislativas, onde se fazem presentes também as forças municipalistas,

como é o caso das associações municipais.

A Constituição não estabelece qualquer restrição à escolha de critérios pela lei

estadual. O estado tanto pode optar por critérios altamente redistributivos, beneficiando

municípios pobres, como pode simplesmente optar por replicar o critério do VA, com o que

os 25% se somariam aos 75% sob um critério unificado a nível nacional. Assim, em vista de

tratar-se de norma autônoma estadual, os critérios podem assumir várias características,

conforme se verifica a seguir.

2.2.2 Análise dos critérios adotados para a fração regulada por lei estadual

É útil que a análise dos critérios adotados com base na fração regulada por lei estadual

seja submetida a uma metodologia vinculada a algum ordenamento e lógica conceitual. Com

isso, pode-se evitar interpretações empíricas, análises meramente descritivas e um

detalhamento excessivo dos critérios adotados. A análise envolve várias dimensões. A

depender do objetivo, os critérios podem ser separados conforme seu vínculo com indicadores

econômicos, sociais, ambientais, fiscais etc., numa espécie de classificação setorial. Nesse

caso, e como exemplo, o critério “produção agrícola” é uma variável de natureza econômica,

enquanto o critério “área de preservação” tem forte componente ambiental. A classificação

aqui apresentada é meramente didática, pois em alguns casos o critério pode ser visto de mais

de uma maneira. Dificilmente são tipos “puros”, de modo que podem comportar mais do que

uma classificação.

Isto posto, a escolha recaiu sobre a tipologia de transferências intergovernamentais que

tem respaldado os estudos do FFEB desde 2005 e que é proposta por PRADO (2003a, e

2003b). Assim, os critérios adotados pelos estados foram organizados de acordo com a

seguinte classificação:

critérios de caráter devolutivo;

critérios de caráter redistributivo;

critérios de caráter redistributivo/compensatório; e

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critérios de caráter redistributivo/vinculado a programas de cooperação

intergovernamental.

Vimos ao longo do texto que a função dos critérios devolutivos (devolução tributária)

é a de distribuir recursos consoante a capacidade econômica de cada jurisdição, em estreita

correlação com o nível de desenvolvimento e renda gerada em seu espaço econômico.

Como regra geral, critério redistributivo é todo aquele que não tenha característica de

devolução tributária. Visa transferir ao ente, valor que não obteria na hipótese de que ele

próprio cobrasse o imposto. No mais das vezes, visa atenuar os desequilíbrios de capacidade

de gasto entre as jurisdições onde a pouca expressão de sua realidade econômica inviabilizaria

a prestação de serviços públicos de qualidade, aproximando as receitas per capita entre as

localidades, hipótese em que o critério redistributivo tem um atributo equalizador. Contudo, é

necessário ter presente que nem todo critério redistributivo é redutor de disparidades.

Em vista disso, bem como da variedade de critérios adotados pelos estados, adotamos

uma subdivisão para critérios de caráter redistributivo/compensatórios e redistributivo/

cooperação intergovernamental. Os critérios compensatórios direcionam parcela da cota-parte

para ressarcir impactos negativos na base econômica municipal ou para premiar determinadas

práticas e comportamentos. Aqui, denominamos critérios de cooperação intergovernamental

aqueles associados aos setores de saúde e educação, por analogia às transferências

intergovernamentais para execução de gastos nos programas Fundef e Fundeb (educação) e

SUS (saúde).Em que pese a flexibilidade inerente à parcela autônoma e a variedade de

critérios adotados pelos estados, constata-se a predominância de algumas variáveis. A tabela 1

apresenta o resultado da tipologia, com os critérios adotados pelos estados, identificando

também o peso de cada critério para o conjunto dos estados. Para que fosse possível visualizar

o grau de importância atribuído a cada um na média “total Brasil” foi necessário eleger uma

variável que permitisse ponderar os critérios. Assim, a média do conjunto dos estados foi

obtida ponderando-se cada critério pelo ICMS arrecadado em cada um dos 26 estados. Isso

permite verificar em termos financeiros a proporção da cota-parte regida por cada critério para

a média Brasil. Optamos por esse procedimento, pois não seria oportuno o cálculo de médias

aritméticas (simples). Por exemplo, não seria adequado calcular a média aritmética (simples)

do critério populacional de estados tão diferentes como São Paulo e Amapá. Logicamente, é a

própria variável que se ajusta à média ponderada da variável população; todavia, para critérios

como inverso da taxa de mortalidade infantil, área de preservação e tratamento do lixo, entre

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tantos outros, seria muito difícil obter informação sobre os 26 estados. Por isso, a escolha

recaiu sobre a arrecadação de ICMS, uma vez que nos pareceu a informação mais adequada

como referência comum para o cálculo das médias ponderadas.Tabela 1 − Tipologia e

proporção dos critérios regulados por lei estadual para a cota-parte dos municípios no

ICMS

Tipologia e Descrição Resumida dos Critérios % Na Fração

Regulada Por Lei Estadual*

a) Devolutivo: 6,6% Valor adicionado ** 6,6% b) Redistributivos: 67,0% População 30,7% Linear 19,5% Área geográfica 9,4% Área cultivada 4,1% No de propriedades rurais 2,7% Inverso dos índices população, área e valor adicionado 0,6% c) Redistributivos/compensatórios: 20,9% Receita própria 8,6% Vinculados ao meio ambiente: 4,2% Área de preservação Unidade de conservação (terra indígena) Área inundada por hidrelétricas Área e qualidade de mananciais Municípios mineradores Tratamento de lixo e esgoto Produção agrícola 3,1% Estabilizar fluxos de transferências de municípios com perda

no coeficiente 2,0%

Município com índice preliminar baixo 1,5% Produtividade primária 1,0% Patrimônio histórico e cultural 0,4% Pontuação no Projeto Parceria 0,1% d) Redistributivos/cooperação intergovernamental: 5,6% Saúde 3,1% Educação 2,5% Total geral 100%

Fonte: elaborada pelos autores com base na legislação dos estados. * Média ponderada pelo ICMS de cada um dos 26 estados.

** Trata-se do VA utilizado além do 75% imposto pela CF e pela LC no 63/90.

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Deve ser informado também que esta subseção trata apenas da fração da cota-parte

regulada por lei estadual. Desse modo, os 25%, no máximo, que a CF permite que sejam desta

forma regulados, aqui, equivalem a 100% da norma estadual, e assim estão expressos nos

percentuais que constam nas tabelas e na análise descritiva. Primeiro de tudo, são analisados

os critérios como resultado da média para o conjunto dos estados que os adotam (média total

Brasil); em seguida, os comentários discriminados por estados, para que melhor se possa

verificar as especificidades

Critérios com caráter devolutivo

De acordo com a tipologia utilizada, cinco estados adotam critérios dessa natureza,

que na média total Brasil resultou em peso de 6,6% da fração legislada por lei estadual

dedicada a apenas uma variável de caráter devolutivo, que é o valor adicionado. Pode ocorrer

um aumento no grau de concentração inerente a essa variável, na distribuição da cota-parte

dos respectivos estados que a adotam, a menos que a atividade econômica desses estados seja

mais bem distribuída do ponto de vista espacial, o que é improvável.

O estado que dá maior peso ao VA é Goiás, onde 60% da fração autônoma da cota-

parte é distribuída segundo esse critério. Se somarmos o peso do VA nesse estado levando em

conta tanto a parcela regulada por lei estadual quanto a parcela determinada por LC, obtém-se

90%, o que imprime um caráter marcadamente devolutivo à cota-parte de Goiás. O mesmo,

ainda que em menor grau, pode ser considerado em relação a Santa Catarina, onde 40% da

norma estadual é utilizada para o VA. Rio Grande do Norte, Minas Gerais e São Paulo

também “turbinam” a cota-parte utilizando o VA com peso superior ao imperativo legal de

75%.

Tabela 2 − Distribuição por estados do critério de caráter devolutivo

Estado Valor adicionado

Goiás 60%

Santa Catarina 40%

Minas Gerais 18,72%

Rio Grande do Norte 20%

São Paulo 4%

TOTAL BRASIL (média ponderada pelo ICMS de cada estado) 6,6%

Fonte: elaborada pelos autores com base na legislação dos estados.

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Uma peculiaridade importante. O Amapá não calcula o VA para a fração determinada

pela LC, por dificuldades operacionais. Até 2005, 100% da cota-parte foi distribuída com

critério proporcional à arrecadação de ICMS, com os índices de participação sendo

anualmente calculados até 2002 e mantidos “congelados” a partir de então. A partir de 2006 a

UF passou a aplicar os 10 critérios estabelecidos pela lei estadual para os 25% da cota-parte,

mantendo congelado o índice relativo à participação na arrecadação com peso de 75%. Esse

procedimento imprime um caráter ainda mais concentrador à cota-parte de Amapá, haja vista

o critério da arrecadação ser mais concentrado do que o critério do VA.

Critérios com caráter redistributivo

Chama atenção o peso do conjunto dos critérios vinculados a alguma lógica

redistributiva, com participação de 67% na média total Brasil. Se adicionarmos os critérios de

caráter redistributivo/compensatório e redistributivo/cooperação intergovernamental, então,

obtém-se 93% da fração regulada por lei estadual dedicada, principalmente, a reduzir o grau

de concentração provocado pelo critério do VA, estabelecido de forma impositiva na CF e na

LC. Vimos que apenas 6,6% da norma estadual, em média, é de caráter devolutivo, mediante

a adoção do próprio VA, em proporção superior ao obrigatório. Nesse sentido, é possível que

seja pertinente adotar variável redistributiva na parcela impositiva da norma, pois fica

denotado um esforço para reduzir o caráter ainda marcadamente devolutivo da cota-parte,

produzido pelo critério do VA.

Adiante, em outra subseção, será avaliada a hipótese de adoção obrigatória do critério

população. Deve ser observado que a população é a variável que isoladamente tem o maior

peso de todos os critérios redistributivos, com 30,7% na média dos 26 estados. Esse critério

contribui para reduzir a tendência à concentração do VA, sendo o que mais se ajusta ao

princípio da responsabilização, no sentido de que os recursos públicos fluam

preferencialmente para os cofres da jurisdição onde o cidadão demanda por serviços públicos.

Causa estranheza a elevada participação do critério linear, que, isolado, pesa 19,5% na

média Brasil. Também denominado nas legislações estaduais por “eqüitativo”, “igualitário”,

“fixo” e “cota mínima”, consiste em distribuir determinada proporção da cota-parte em partes

iguais entre todos os municípios do respectivo estado. A justificativa implícita é favorecer os

municípios com baixa população e atividade econômica inexpressiva, mas a verdade é que é

difícil entender qual a lógica que norteia tal critério, desprovido de qualquer sentido técnico.

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Sendo a dotação dividida simplesmente pelo número de municípios, é evidente que fica

dissociada da referência relevante para a necessidade de recursos, que pode ser muito melhor

obtida pela variável população. A única (e um tanto desconexa) explicação é a de que trata-se

de uma distribuição “per capita município”, o que por sua vez não é argumento que respalde a

defesa do critério linear.

Tabela 3 − Distribuição por estados dos critérios de caráter redistributivo

Estado População Linear Área

Área cultivada

Propriedades rurais

Inverso pop., área e VA

TTOTAL

Acre 100% 100%

Alagoas 20% 0% 0% 100%

Amazonas 4% 6% 100%

Maranhão 20% 0% 0% 100%

Pará 20% 0% 0% 100%

Paraíba 20% 0% 100%

Piauí 50% 0% 100%

Roraima 00% 100%

Sergipe 00% 100%

Rio de Janeiro 2,8% 2,7% 0,8% 6,9% 98,2%

Rio Grande do Norte 40% 0% 80%

Rio Grande do Sul 28% 8% 20% 76%

São Paulo 52% 12% 72%

Bahia 40% 0% 70%

Mato Grosso do Sul 20% 0%

8% 68%

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Rondônia 2% 6% % 60%

Santa Catarina 0% 60%

Amapá 19,6% 8,0% ,4% 5,6% 57,6%

Ceará 20% 0% 50%

Tocantins 8% 2% % 48%

Espírito Santo 0% 28%

8%

Paraná 24% 8% 8% 8% 48%

Minas Gerais 18,8% 2% % 44,8%

Goiás 0% 40%

Mato Grosso 16% 4% 20%

Pernambuco 0%

TOTAL BRASIL (média ponderada pelo ICMS dos 26 estados)

30,7% 9,4% ,4% 4,1% 2,7% 0,6% 67,0%

Fonte: elaborada pelos autores com base na legislação dos estados.

O terceiro critério em grau de importância é a área geográfica, com 9,4% na média

Brasil. Se adicionarmos o critério da área cultivada, resulta em 13,5% na média ponderada

dos estados. É um critério relevante, dado que a extensão territorial do município

freqüentemente envolve custos mais elevados para provisão de serviços e não é considerada

em nenhuma das transferências municipais. No FPM, o critério é só população, não importa

se é concentrada ou dispersa no espaço geográfico municipal. Na cota-parte, é só produção,

com tendência à concentração. Assim, é razoável que alguns estados, principalmente aqueles

que têm alguns municípios de tamanho maior do que a média estadual, procurem compensar

esses custos.

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Os critérios população, linear e área, que em conjunto detém 59,5% da fração

autônoma da cota-parte na média Brasil, têm como vantagem a disponibilidade de

informações e a simplicidade de cálculo. No que segue, é feita a análise dos critérios

redistributivos por estados, para que se possa verificar e comentar determinadas

especificidades.

É relevante observar que apenas o estado de Pernambuco não adota nenhum critério de

caráter redistributivo para a cota-parte. Acre, Alagoas, Amazonas, Maranhão, Pará, Paraíba,

Piauí, Roraima e Sergipe destinam 100% da norma estadual para critérios redistributivos de

população, linear e área, os quais minimizam o efeito concentrador da variável VA.

Há muitos anos o Acre não aplica os critérios definidos na CF, de no mínimo 75%

para o VA e, no máximo, 25%, conforme lei estadual, mas, sim, um critério único definido

através de portaria, que resulta de um acordo entre todos os prefeitos, os quais optaram pelo

critério populacional, por faixas, análogo ao método aplicado para a partilha do FPM.

A variável população é detalhadamente analisada em outra subseção, de modo que se

comenta aqui os demais critérios redistributivos. O critério linear é utilizado por 19 estados.

No caso de Roraima e Sergipe, a integralidade da fração autônoma é dedicada a esse critério,

seguido do Amazonas e da Paraíba, que destinam, respectivamente, 96% e 80% para essa

variável. Quanto maior o seu peso, maior a distorção que pode causar em termos per capita,

dada a ausência de vínculo do critério linear com qualquer lógica de caráter econômico ou

social.

Um total de 16 estados adotam área geográfica ou área cultivada (nesse último caso,

apenas São Paulo e Amapá), em nenhum deles com peso superior a 50% do conjunto dos

critérios regulados por lei estadual. No caso do Rio Grande do Sul, quando se tratar de área de

preservação ambiental ou inundada por barragens, ela é multiplica por três, para fins de

cálculo do índice de cada município, o que imprime um caráter ambiental à variável área

neste estado, em relação ao qual, por impossibilidade de separação, não foi possível

classificar como “meio ambiente”.

O número de propriedades rurais e o inverso dos critérios população, área e VA

completam o conjunto dos critérios redistributivos. O número de propriedades rurais é

empregado por Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Paraná. O inverso dos critérios população,

área e VA é adotado pelo Rio de Janeiro, o que causa estranheza, pois se para o VA o cálculo

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139

.

de seu inverso permite uma redistribuição em favor dos municípios mais pobres, o mesmo não

se pode dizer do inverso da população e da área. Qual o sentido de aplicar o inverso da

população? Aumentar a cota-parte dos municípios menos populosos? E o inverso da área?

Quanto menor a extensão territorial maior a cota-parte? É possível que não estejamos fazendo

uma interpretação correta desse critério.

Outra peculiaridade, no Rio de Janeiro, é que o estado é dividido em nove regiões para

aplicar os critérios, visando obter uma distribuição inter-regional. Por exemplo, o índice

correspondente à população é o resultado da relação percentual entre a população residente no

município e a população total da respectiva região. O mesmo procedimento é adotado para os

demais critérios.

Critérios com caráter redistributivo/compensatório

Conforme nossa tipologia, 20,9% das normas estaduais, na média Brasil, são utilizadas

para redistribuir a cota-parte, segundo parâmetros e variáveis vinculados a algum mecanismo

de caráter compensatório. São variáveis adotadas com a especificidade de “compensar”:

na forma de “ressarcimento”, o uso alternativo do espaço geográfico que não pode ser

empregado para outros fins econômicos (áreas de preservação, unidades de conservação

indígena, áreas inundadas por hidrelétricas, área e qualidade de mananciais); e

na forma de “premiação” a determinadas práticas e comportamentos (esforço fiscal

próprio de arrecadação, preservação do patrimônio histórico e cultural, tratamento de lixo e

esgoto, elevada produtividade primária); além de “compensar” fatores adversos como é o caso

de município com queda no coeficiente ou em que este tenha resultado preliminar baixo,

supressão de receita de Imposto Único Sobre Minerais do País, imposto este que foi extinto

em 1988 (critério: municípios mineradores).

Muitos desses critérios também podem ser considerados redistributivos. Novamente,

deve ser esclarecido que a classificação na família dos compensatórios não impede que

também tenham característica redistributiva ou que estejam associados a programas de

cooperação intergovernamental entre o estado e respectivos municípios. Por outro lado,

percebe-se que alguns critérios de caráter compensatório são bastante direcionados, podendo

inclusive beneficiar poucos municípios, como é o caso da compensação por área inundada por

hidrelétricas e unidade de conservação de terra indígena.

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.

Em que pese a fama e a exploração política dos meritórios critérios vinculados à

preservação do meio ambiente, a variedade de critérios dedicados a essa categoria, a

complexidade e os custos operacionais para o seu cálculo, apenas 4,2% da cota-parte é

distribuída segundo critérios compensatórios vinculados à questão ambiental na média total

Brasil. A variável receita própria, que em geral expressa o esforço fiscal próprio de

arrecadação, tem o dobro do peso dos critérios vinculados ao meio ambiente; ou seja, 8,6% da

fração regulada por lei estadual.A produção agrícola/agropecuária, com peso de 3% da fração

regulada por lei estadual na média Brasil, é indicador apurado de modo semelhante à apuração

do VA do setor agrícola, que na maioria dos estados, está mais próximo do conceito de valor

da produção do que de VA, por não deduzir, no todo ou em parte, o consumo intermediário

utilizado no próprio setor. Esse aspecto imprime um caráter devolutivo à variável produção

agrícola/agropecuária, que, não obstante, foi classificada na família dos critérios de caráter

compensatório, por provocar uma espécie de “dupla contagem” em relação ao critério do VA.

Assim, concluiu-se que visa “compensar” os municípios de base agrícola ou agropecuária,

mediante pressuposto de que geram, proporcionalmente, pouco VA por não terem os produtos

agrícolas elevado grau de elaboração e relativamente aos municípios mais industrializados.

Nota-se que, no mais das vezes, é critério adotado por estados com forte base agrícola.

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Tabela 4 − Distribuição por estados dos critérios de caráter redistributivo/compensatório

Estado Receita própria

Meio ambiente

Produção

agrícola

Estabilizar fluxos de transferência

Municípios com índice preliminar baixo

Produtividade primária

Patrimônio histórico e cultural

Pontuação projeto parceria

TOTAL

Pernambuco 4% 12% 68% 84%

Mato Groso 16% 20% 36%

Tocantins 40% 40%

Mato Grosso do Sul 0% 12% 32%

Bahia 30% 30%

Espírito Santo 0,24

São Paulo 20% 4% 24%

Amapá 10,4% 5,6% 5,6% 21,6%

Paraná 20% 52%

Rondônia 20% 40%

Minas Gerais 8% 4,4% 4% 20,4%

Rio Grande do Sul 14% 2% 16%

Rio de Janeiro 1,8% 1,8%

TOTAL BRASIL* 8,6% 4,2% 3% 1,5% 1% 0,4% 0,1% 20,9%

24%

32%

20%

4%

Fonte: elaborada pelos autores com base na legislação dos estados. * média ponderada pelo ICMS dos 26 estados

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Integram ainda a família dos compensatórios, os critérios para estabilizar fluxos de

transferências, para município com índice preliminar baixo, produtividade primária,

patrimônio histórico e cultural e pontuação projeto parceria.

Vejamos os critérios redistributivos/compensatórios por estados. De longe,

Pernambuco é o estado que mais aplica critérios dessa natureza, com 84% da norma estadual

dedicada a esse tipo de critério, principalmente, com o objetivo de estabilizar o fluxo de

transferência de municípios que apresentam perdas no coeficiente, critério que tem peso de

68%. Como o peso dado a esse critério é elevado, acredita-se que imprima uma certa

característica de “congelamento” aos coeficientes de participação. Visa diminuir a

instabilidade dos repasses da cota-parte, o que pode ser oportuno em situações emergenciais,

tais como inundações ou secas. No entanto, sendo utilizado em qualquer circunstância de

queda nos índices de participação, pode desestimular a arrecadação tributária própria.

Parâmetro semelhante é empregado pela Bahia, onde 30% da fração autônoma visam

ao ajuste dos coeficientes de participação dos municípios com resultado preliminar abaixo de

0,18001% no coeficiente. Aliás, esse é o único critério de caráter compensatório utilizado pela

Bahia.

Minas Gerais e Amapá são os únicos estados que compensam na forma de premiação a

preservação do patrimônio histórico e cultural; enquanto o Rio Grande do Sul premia a

produtividade primária com 14% e pontuação projeto parceria com 2%.

Como antes referido, o critério de caráter compensatório mais significativo é o

estímulo ao esforço na obtenção de “receita própria” municipal, adotado por sete estados, um

atributo elogiável, ainda que envolva dificuldade e seja inevitável um certo grau de

subjetividade para calcular essa medida.

Denota-se que o meio ambiente integra o elenco de preocupações de apenas nove

estados, que compensam perdas ou premiam práticas vinculadas a fatores ambientais, e que a

integralidade dos critérios compensatórios é dedicada a esse tipo de variáveis no Tocantins,

no Paraná e em Rondônia, com peso de 40%, 20% e 20%, respectivamente, da fração

regulada por lei estadual. É adotado um variado cardápio de variáveis compatíveis às

preocupações ambientais regionais, com as seguintes especificidades: unidade de conservação

(terra indígena) no Mato Grosso; área de preservação, tratamento de lixo e esgoto e

municípios mineradores, em Minas Gerais; área de preservação e área e qualidade de

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mananciais, no Paraná (o primeiro estado do Brasil a adotar em 1992 o denominado fator

ecológico); área preservada e área inundada por hidrelétricas em São Paulo; meio ambiente,

unidade de conservação, combate a queimadas e conservação dos solos, em Tocantins;

unidade de conservação e tratamento do lixo em Pernambuco e área de preservação em

Rondônia. Por impossibilidade de separação, o cálculo não inclui o Rio Grande de Sul, onde a

área de preservação ambiental ou inundada por barragens vale três vezes mais do que a área

geográfica “normal”.

Apenas Paraná, Espírito Santo, Minas Gerais e Rondônia empregam o critério da

produção agrícola ou agropecuária. O Paraná, considerado um estado com forte economia

agrícola, é o que adota um peso maior, ou seja, 32% da fração autônoma, o que em alguns

municípios chega a resultar em índice de participação superior ao índice do valor adicionado,

compensando dessa forma o reduzido grau de industrialização desses municípios.

Critérios com caráter redistributivo/cooperação intergovernamental

Integram a tipologia da cota-parte os critérios vinculados a programas de cooperação

intergovernamental, um vínculo que se estabelece entre os repasses e a finalidade do gasto

municipal nas áreas de saúde e educação, embora os repasses da cota-parte não sejam

vinculados, não obrigando, portanto , os municípios a utilizarem os recursos de forma

consistente com o critério. Cabe observar, ainda, que são critérios que podem ser também

associados àqueles que foram classificados como tipicamente compensatórios e

redistributivos.

Na média Brasil, esses critérios representam 5,5% da parcela autônoma da cota-parte,

3% para variáveis vinculadas ao setor saúde e 2,5% ao setor educação. Há que se refletir se é

oportuno adotar critérios vinculados ao setor educação na cota-parte. Isso porque 15% do

produto da arrecadação de ICMS foi retido no Fundef de 1998 a 2006, bem como a retenção

no Fundeb é de 16,66% em 2007, 18,33% para 2008 e 20% a partir de 2009. A retenção

alcança tanto a cota-parte estadual quanto a municipal. Os recursos são depositados em conta

específica e, então, distribuídos internamente em cada estado, de acordo com o número de

alunos matriculados, seja na rede pública estadual ou na municipal, no ensino fundamental, no

caso do Fundef, e nos ensinos fundamental e básico, no caso do Fundeb.

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Na avaliação por estados percebe-se que oito deles utilizam variáveis vinculadas à

saúde e educação nas respectivas legislações estaduais. Direcionam parcela significativa a

esses setores, os estados de Ceará e Mato Grosso. No Ceará, 50% da fração regulada por lei

estadual é aplicada em educação, com cálculo que considera o gasto em ensino fundamental

sobre receita corrente total. No Mato Grosso, 44% é vinculado à saúde, onde o denominado

coeficiente social é calculado tomando por referência o IDH.

Tabela 5 − Distribuição por estados dos critérios com caráter redistributivo/cooperação intergovernamental

Estado Saúde Educação TOTAL

Ceará 50% 50%

Mato Grosso 4% 44%

Espírito Santo 8% 28%

Amapá 0,4% 10,4% 20,8%

Minas Gerais % 8% 16%

Pernambuco % 8% 16%

Tocantins 6% 16%

Rio Grande do Sul % 4% 8%

TOTAL BRASIL (média ponderada pelo ICMS dos 26 estados)

,1% 2,5% 5,5%

Fonte: elaborada pelos autores com base na legislação dos estados.

Em seguida, vem o Espírito Santo, que destina 28% da norma estadual para critério na

área da saúde, medida através de vários parâmetros: Consórcio de prestação de serviços de

saúde, gasto municipal em saúde e saneamento e gestão avançada em saúde. Além disso, o

estado tem uma peculiaridade, ao distribuir 2% da cota-parte, linearmente, entre seus 10

municípios com o maior valor adicionado, com a condição de que cada um deles esteja

enquadrado na gestão avançada do sistema de saúde.

No Amapá, Minas Gerais e Pernambuco, os pesos se dividem de modo equivalente

entre educação e saúde, com as seguintes especificidades: no Amapá, a educação é medida em

termos do percentual de matrículas; Minas Gerais mede através dos gastos municipais com

educação e saúde, bem como equipes e população atendida, para incentivar os municípios

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com programas específicos de desenvolvimento da saúde das famílias; e Pernambuco usa

como indicadores, o ensino fundamental, na educação, e o inverso da mortalidade infantil, na

saúde.

O Rio Grande do Sul beneficia aqueles municípios que mais se empenham para

diminuir o analfabetismo e a mortalidade infantil, pois a medida é o inverso da taxa de evasão

escolar, para o caso da educação, e o inverso da mortalidade infantil, para a saúde. Por fim, o

estado de Tocantins, onde o saneamento básico e a conservação da água são parâmetros para

medir critério vinculado à saúde.

Considerações finais

Alguns estados adotam inúmeros critérios, verificando-se até mesmo uma certa

fragmentação, como no caso de Amapá, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e

Tocantins. Desconsiderando a possibilidade de aumento nos custos operacionais e de controle,

decorrentes da necessidade de lidar com tantas variáveis, caberia indagar se apesar da

fragmentação se considera que tem sido feito bom uso da autonomia.

É oportuno aprofundar este estudo para investigar as motivações que levaram à adoção

de cada critério e em que circunstância histórica e contexto político surgiram, pois indicaria

como tem sido utilizado o princípio da autonomia. Isso possibilitaria verificar se tal

autonomia deve ser ampliada − com vistas a permitir maior flexibilidade e margem de

manobra para a adoção de critérios vinculados a políticas e programas governamentais

regionais − ou, ao contrário, se deve ser reduzida. Se os estudos indicarem que os estados que

adotam uma variedade de critérios têm feito bom uso da autonomia para dispor da lei

estadual, então, a fragmentação indicaria que o espaço atual de 25% pode estar “apertado”.

Ao revés, também se poderia verificar em que medida a adoção de muitos critérios é sinal de

disputa de grupos de interesse, fazendo uso político desse espaço para a lei estadual.

Não apenas os deputados podem fazer uso político da cota-parte. Também o Executivo

pode ter interesses específicos. Por exemplo, no Paraná, em 1998, a lei foi alterada para

substituir o critério da população total pelo da população rural, com o intuito de se aumentar a

cota-parte de pequenos municípios que cediam essa fonte como garantia a empréstimos

tomados junto ao Estado. Foi exatamente o órgão repassador dos empréstimos que obteve

apoio político dos deputados estaduais para aprovação rápida da lei.

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Enfim, os dados já expostos demonstram que provavelmente há uma forte tendência

dos governos estaduais à utilização de um número elevado de variáveis. O excesso de

variáveis aumenta os custos, a complexidade operacional e a fragmentação. A experiência

brasileira sugere que pode ser freqüente a situação em que a multiplicidade de pressões

incidentes sobre os governos estaduais pelos diferentes interesses municipais seja resolvida

não pela discussão e escolha de uma política ampla estadual, mas pela fragmentação das

dotações, sem qualquer critério mais geral.

Vale destacar ainda o peso significativo que a variável população assume entre os

critérios estaduais. É uma indicação clara da necessidade de contrapor, de alguma forma, o

impacto extremamente concentrador do critério principal e impositivo para os 75%, o VA.

Retornaremos essa questão mais à frente para discutir a conveniência de se atribuir a esse

critério uma maior importância no mecanismo de distribuição da cota-parte.

2.3 Avaliação da cota-parte em 2006 para casos selecionados

Vimos na subseção 2.1.3 que uma importante vertente na avaliação do VA diz respeito

à tendência de se concentrar em determinados espaços geográficos. Foi verificado que um

indicador muito útil é aquele que expressa o valor da cota-parte em termos per capita. Esse

indicador é altamente pertinente, se considerarmos que a receita da cota-parte destina- se ao

orçamento municipal e que a provisão de serviços tem uma forte relação com o número de

habitantes.

Os valores de cota-parte de que trata esta subseção são aqueles que os municípios

contabilizaram em seus balanços como transferência recebida dos respectivos estados em

2006. A fonte original é a Secretaria do Tesouro Nacional (STN, 2006), e o universo de

municípios que prestaram informação totalizou 4.807 por ocasião da consulta que procedemos

em setembro de 2007. O montante global de cota-parte transferida a esses 4.807 municípios

em 2006 foi de R$ 38,6 bilhões, não incluindo municípios que eventualmente não prestaram

informação à STN. Trata-se de valores líquidos, no sentido de que 15% foi retido para o

Fundef (ver gráfico 1).

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Ressaltamos, ainda, que o valor da cota-parte é resultado que leva em conta para a

partilha, o critério do VA e também todos os critérios regulados por lei estadual. Dito de outro

modo, os repasses são proporcionais ao índice de participação de cada município, resultante

do conjunto de critérios. Não obstante, o elevado peso do VA no conjunto dos critérios

dificulta e até mesmo impede que os demais − caso daqueles de caráter redistributivo −

consigam imprimir uma distribuição espacial mais homogênea na cota-parte, como se percebe

no exame dos indicadores das tabelas que integram esta subseção. Este aspecto será

aprofundado mais adiante.

Como foram transferidos R$ 38,6 bilhões de cota-parte aos municípios em 2006, na

média total Brasil obtém-se um valor de R$ 226,7 por habitante, conforme se verifica na

tabela 6. As capitais, em média, têm uma cota-parte per capita de R$ 218,2, resultado 3,75%

inferior à média nacional. Assim, observa-se que as disparidades não são acentuadas quando o

indicador é visualizado em termos médios mais abrangentes. As diferenças começam a

aparecer de modo mais nítido quando o repasse per capita da cota-parte é calculado por

regiões. As discrepâncias são marcadamente acentuadas para os agrupamentos relativos à

média dos 100 municípios com os maiores valores per capita e para a média dos 100

municípios com os menores valores per capita. Enquanto o primeiro grupo teve uma cota-

parte per capita média de R$ 1.777,6, o mesmo indicador para o segundo grupo foi de apenas

de R$ 18,4.

Conforme referido, a concentração é muito acentuada para o caso dos 100 municípios

que integram o ranking dos maiores valores de cota-parte em termos per capita. Com 1,74%

da população total do país, eles detém 8% da cota-parte total, que em termos per capita é 6,8

vezes superior à média brasileira. Deve ser observado que nenhuma capital está entre esses

100 casos “extremos”.

Os estados que integram as regiões mais industrializadas do país arrecadam mais

ICMS; com isso, o montante da cota-parte-parte também é maior, característica que é mantida

mesmo quando os valores são divididos pelo número de habitantes.

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Tabela 6 – Indicadores da cota-parte de ICMS em 2006 por regiões e agrupamentos selecionados

Regiões e municípios População Cota-parte Participação no total Brasil

Selecionados Milhões de hab. (1)

R$ Milhões (1)

Per capita em R$

População

Cota-parte

Cota-parte per apita

Região Norte 11,5 1.950,8 170,3 6,7% 5,1% 75%

Região Nordeste 47,4 5.814,6 122,6 27,8% 15,1% 54%

Região Centro Oeste 11,6 2.664,6 229,3 6,8% 6,9% 101%

Região Sudeste 73,7 21.695,1 294,2 43,3% 56,2% 130%

Região Sul 26,1 6.484,9 248,7 15,3% 16,8% 110%

Total capitais 41,8 9.113,2 218,2 24,5% 23,6% 96%

Total 100 municípios com Maior valor per capita

1,74 3.093,0 1.777,6 1,0% 8,0% 784%

Total 100 municípios com menor valor per capita

2,85 52,4 18,4 1,67% 0,14% 8%

Total Brasil 170,3 38.609,8 226,7 100% 100% 100%

Fonte: elaborada pelos autores a partir de dados da STN (2006).

(1): estão contidos no universo da população e da cota-parte os 4.807 municípios que prestaram informações à STN.

Considerando que a região Nordeste apresenta a menor cota-parte per capita, de R$

122,6 por habitante, aproximadamente a metade da média do total Brasil, ressaltamos que

essa região conjuga elevado contingente populacional (27,8% do total Brasil) com menor grau

de desenvolvimento econômico, tomando-se como proxy para este a participação da cota-

parte da região no total Brasil, que é de 15,1%. A região Norte também é pouco

industrializada; todavia, tem uma densidade demográfica baixa, e em decorrência disso a

participação da cota-parte per capita na média Brasil, de 75%, é mais favorável do que a da

região Nordeste. A região Centro Oeste apresenta uma posição mais equilibrada em termos do

indicador população e cota-parte; ou seja, tanto a participação na população quanto na cota-

parte é semelhante. Conseqüentemente, a região tem um valor per capita muito próximo ao da

média do país. A cota-parte per capita da região Sul é 10% superior à da média nacional e a

da região Sudeste, 31%. Esta mesma região detém 56,5% do montante da cota-parte nacional

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e 43,2% da população. Além da região Sudeste ser a mais desenvolvida economicamente do

país, nela contribui para um montante superior de cota-parte, em termos absolutos, a

sistemática de tributação do ICMS, que é parcialmente tributado no estado de origem.

Tendo em vista que a distribuição do montante da cota-parte não extrapola as

fronteiras de cada estado, a cujos municípios fica circunscrito, e levando em conta a

heterogeneidade existente em uma mesma região, a tabela 7 permite visualizar os mesmos

indicadores por estados, os quais estão em ordem crescente de valor da cota-parte per capita.

Tabela 7 − Indicadores da cota-parte de ICMS em 2006 por estados

Estados

Municípios

População

Cota-parte

Cota-parte

Participação no total Brasil

Quantidade (1)

Mil habitantes (1)

R$ milhões (1)

Per capita em R$

População

Cota-parte

Cota-parte per capita

Maranhão 162 5.268 406 77,1 3,1% 1,1% 34%

Piauí 188 2.836 259 91,4 1,7% 0,7% 40%

Roraima 12 141 14 101,9 0,1% 0,0% 45%

Alagoas 94 2.931 304 103,8 1,7% 0,8% 46%

Paraíba 198 3.397 370 108,8 2,0% 1,0% 48%

Ceará 175 8.069 888 110,1 4,7% 2,3% 49%

Amapá 9 561 66 117,1 0,3% 0,2% 52%

Pará 79 5.325 628 117,9 3,1% 1,6% 52%

Acre 21 682 88 129,0 0,4% 0,2% 57%

Tocantins 119 1.113 147 131,9 0,7% 0,4% 58%

Bahia 315 12.122 1.699 140,2 7,1% 4,4% 62%

Pernambuco 172 8.141 1.178 144,7 4,8% 3,1% 64%

Sergipe 68 1.822 273 149,9 1,1% 0,7% 66%

Rio Grande Norte

140 2.847 436 153,3 1,7% 1,1% 68%

Goiás 212 5.442 1.037 190,6 3,2% 2,7% 84%

Rondônia 51 1.559 329 210,8 0,9% 0,9% 93%

Minas Gerais 716 17.883 3.952 221,0 10,5% 10,2% 97%

Rio de Janeiro 77 14.400 3.226 224,0 8,5% 8,4% 99%

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Paraná 354 9.963 2.246 225,4 5,8% 5,8% 99%

Santa Catarina 273 5.519 1.423 257,8 3,2% 3,7% 114%

Amazonas 57 3.184 826 259,4 1,9% 2,1% 114%

Rio Grande Sul

468 10.589 2.816 265,9 6,2% 7,3% 117%

Mato Grosso 128 2.774 761 274,4 1,6% 2,0% 121%

Mato Grosso do Sul

77 2.292 719 313,8 1,3% 1,9% 138%

São Paulo 574 38.453 13.388 348,2 22,6% 34,7% 154%

Espírito Santo 68 3.007 1.130 375,6 1,8% 2,9% 166%

Total Brasil 4.807 170.321 38.610 226,7 100% 100% 100%

Fonte: elaborada pelos autores a partir de dados da STN (2006).

(1): estão contidos no universo da população e da cota-parte os 4.807 municípios que prestaram informações à STN.

Uma forma útil de agrupamento pode ser classificar os municípios por faixas de

habitantes, com o propósito de verificar a alocação dos recursos da cota-parte per capita

segundo o tamanho dos municípios. Ao verificarmos a tabela 8, a percepção é a de que a cota-

parte per capita agrupada por faixas de habitantes produz um resultado, de certo modo,

errático, o que ocorre por não haver vínculo entre o critério do VA e o número de habitantes

dos municípios, e também pela diversidade de critérios adotados na parcela da cota-parte

regulada por lei estadual, conforme temos analisado ao longo do texto.

Tabela 8 − Indicadores da cota-parte de ICMS em 2006: municípios classificados por faixas de habitantes

Municípios Municípios

População

Cota-parte

Cota-parte

Participação no total Brasil

Classificados pelo no de habitantes

Quantidade (1)

Mil. habitantes (1)

R$ Milhões (1)

Per capita - Em R$

População

Cota-parte

Cota-parte per capita

até 5.000 1.185 3.942,7 1.355,1 343,7 2,3% ,5% 152%

5.001 a 10.000 1.086 7.830,4 2.002,3 255,7 4,6% ,2% 113%

10.001 a 20.000 1.113 16.020,7 3.126,9 195,2 9,4% ,1% 86%

20.001 a 30.000 505 12.318,7 2.499,9 202,9 7,2% ,5% 90%

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151

.

30.001 a 40.000 244 8.365,7 1.640,0 196,0 4,9% ,2%

86%

40.001 a 60.000 226 10.795,9 1.769,2 163,9 6,3% 6% 72%

60.001 a 80.000 125 8.622,9 2.323,3 269,4 5,1% 6,0% 119%

80.001 a 100.000

75 6.726,6 1.391,8 206,9 3,9% 3,6% 91%

100.001 a 150.000

88 10.635,5 2.792,5 262,6 6,2% 7,2% 116%

150.001 a 200.000

35 6.133,9 1.551,8 253,0 3,6% 4,0% 112%

200.001 a 300.001

49 11.786,1 2.474,5 209,9 6,9% 6,4% 93%

300.001 a 400.000

28 9.680,7 2.196,8 226,9 5,7% 5,7% 100%

400.001 a 500.000

13 5.840,5 1.304,6 223,4 3,4% 3,4% 99%

500.001 a 1.000.000

22 15.512,0 3.803,9 245,2 9,1% 9,9% 108%

> 1.000.001 13 36.108,7 8.377,3 232,0 21,2% 21,% 102%

Total Brasil 4.807 170.321,1 38.609,8 226,7 100% 100% 100%

Fonte: elaborada pelos autores a partir de dados da STN (2006).

(1): estão contidos no universo da população e da cota-parte os 4.807 municípios que prestaram informações à STN.

Tomando como referência a cota-parte per capita média nacional de R$ 226,7,

identifica-se que a maior disparidade em relação a essa média aparece na faixa de municípios

muito pequenos, com até 5.000 habitantes. São 1.185 municípios nessa faixa, representando

apenas 2,3% da população total dos 4.807 municípios incluídos na amostra. Juntos, esses

1.185 municípios detêm 3,5% da cota-parte do total Brasil, o que em termos per capita é 52%

superior à média nacional. A segunda faixa (de 5.001 a 10.000 habitantes), que reúne 1.086

municípios, também tem uma cota-parte per capita superior à média nacional, mas em

proporção bem menor: 13%. As quatro faixas seguintes (10.001 a 20.000 habitantes, 20.001 a

30.000 habitantes, 30.001 a 40.000 habitantes e 40.001 a 60.000 habitantes) têm uma cota-

parte per capita inferior à média nacional. Essa situação novamente se inverte na faixa de

60.001 a 80.000 habitantes, apresentando, a partir de então, oscilações para mais e para

menos. Isso reforça comentário anterior de que a cota-parte não tem um vínculo estreito com

o número de habitantes, e nem poderia, pois, no mínimo, 75% da partilha é regida pelo

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152

.

critério do VA. A surpresa é que o discurso corrente tem sido o de que o critério do VA na

cota-parte beneficia municípios grandes porque estes são economicamente mais fortes (com

exceção das cidades-dormitório). Todavia, a cota-parte dos municípios por faixas de tamanho

mostra que não é bem assim. Obviamente, os valores absolutos dos municípios maiores são

mais elevados, mas em termos per capita, a cota-parte é regressiva, ou seja, favorece

municípios muito pequenos.

A tabela 9 indica que, quanto mais detalhada a informação, mais aparecem os casos

extremos que ficam diluídos nas classificações mais abrangentes. A cota-parte per capita

apresenta diferenças acentuadas em um mesmo estado. Para facilitar a visualização, em cada

estado selecionado é apresentado o município detentor do maior valor na cota-parte per

capita, o município com o menor valor, a capital do estado e o segundo município mais

populoso do estado.

Tabela 9 − Cota-parte de ICMS per capita em 2006: municípios selecionados

Estados/municípios Em R$ Ranking Estados/municípios Em R$

Ranking

São Paulo Bahia

Paulínea 8.492 maior valor São Francisco do Conde 4.620

maior valor

Francisco Morato 61 menor valor Mirante 43 menor valor

São Paulo

308 capital Salvador 98 Capital

Guarulhos

363 2o +

populoso Feira de Santana

92 2o + populoso

Mato Grosso do Sul Rio Grande do Sul

Alcinópolis 3.439 maior valor Triunfo 3.369

maior valor

Ladário

114 menor valor Alvorada

49 menor valor

Campo Grande

211

capital Porto Alegre 213

Capital

Dourados

240 2o+ populoso Caxias do Sul

345 2o + populoso

Minas Gerais Rio de Janeiro

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153

.

Araporã 3.215 maior valor Porto Real 2.725

maior valor

Ribeirão das Neves

39 menor valor São Gonçalo

67 menor valor

Belo Horizonte

168 capital Rio de Janeiro

203 Capital

Contagem

296 2º + populoso São Gonçalo

67 2º + populoso

Mato Grosso Santa Catarina

Alto Taquari

2.261 maior valor Ita

2.087 maior

valor

Confresa

66 menor valor Camboriú

54 menor valor

Cuiabá

208 capital Florianópolis

137 Capital

Várzea Grande

130 2o+ populoso Joinvile

279 2o + populoso

Paraná Pernambuco

Araucária

1.619 maior valor Ipojuca

1.606 maior

valor

Sarandi

40 menor valor Cumaru

17 menor

valor

Curitiba

163 capital Recife

283 Capit

al

Londrina

150 2o + populoso

Jaboatão dos Guararapes 158

2o + populoso

Sergipe Goiás

Rosário do Catete

1.591 maior valor São Simão

1.489 maior

valor

Itabaiana

35 menor valor Águas Lindas de Goiás

11 menor valor

Aracaju 138 capital Goiânia 155 Capital

Nossa Sa do Socorro 90 2o+ populoso Aparecida de Goiânia 50

2o + populoso

Amazonas Espírito Santo

Presidente Figueiredo 1.453 maior valor Anchieta 1.399

maior valor

Iranduba 86 menor valor Piúma menor valor

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154

.

118

Manaus 289 capital Vitória 855

Capital

Parintins 100,6 2o+ populoso Vila Velha 121

1o + populoso

Fonte: elaborada pelos autores a partir de dados da STN (2006).

Uma avaliação da cota-parte pode ser conseguida ao examinarmos alguns indicadores

referentes às capitais, em parte, já contempladas na tabelas anteriores. Somadas, as capitais

ocupam uma posição bastante equilibrada, com 24,5% da população total Brasil e 23,6% da

cota-parte total. Como há um equilíbrio, em termos médios, entre participação na população e

no montante, o valor da cota-parte per capita é muito próximo ao da média nacional, ficando

apenas 4% abaixo da média. Em vista da importância das capitais e de uma percepção de seus

problemas decorrentes da metropolização, a tabela 10 apresenta indicadores mais detalhados.

Com poucas exceções, as capitais têm os índices mais elevados de participação entre

os municípios dos respectivos estados. Em geral, a capital é também o município mais

populoso do estado, e quase sempre também tem base econômica desenvolvida, o que

justifica os elevados coeficientes de participação verificados. Em 2007, os maiores

coeficientes são de capitais das regiões Norte e Nordeste: Manaus, 57,8%; Macapá, 56,6%;

Teresina, 51,5%; São Luiz, 46%; Fortaleza, 41,1%; Natal, 36,5% e Recife, 34,6%, denotando

uma maior concentração econômica nas capitais de regiões mais pobres.

Tabela 10 − Coeficiente de participação das capitais na cota-parte total dos respectivos

estados e outros indicadores

Fonte: elaborada pelos autores com dados da STN (2006); do IBGE (população) e de

secretarias estaduais de Fazenda (coeficientes de participação).

ND: não disponível.

(1) O valor da cota-parte de Boa Vista é de 2004 pois o município não prestou

informação sobre 2006 à STN.

(2) O coeficiente de participação de Cuiabá é 2001 e não 2000.

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155

.

(3) O coeficiente de participação de Porto Velho e de Porto Alegre é 2006 e não 2007.

(4) No Amazonas, a lei estadual que regulamenta a fração autônoma foi declarada

inconstitucional (ADI no 2728). Enquanto não se resolve o problema, o estado vem aplicando

os coeficientes de 2004.

Todavia, os coeficientes precisam ser conjugados com outras variáveis, para que

melhor se possa contextualizar a questão. Apesar da maioria das capitais deterem elevados

coeficientes de participação, em quase todas vem ocorrendo um declínio nos últimos anos. A

tabela 10 indica a queda nos coeficientes de 2007 em relação a 2000, o que pode ser um

indício preocupante, pois em todas as capitais se verifica crescimento populacional no

período. Veja-se o caso de Goiânia, que tem a maior queda no coeficiente (34,7%) em

contrapartida a um aumento populacional de 13,7%. Essa capital ainda detém 17,7% da cota-

parte total do estado de Goiás, mas é provável que esteja com dificuldades orçamentárias,

como deve ser também o caso de outras capitais, principalmente, Salvador, Porto Alegre, Rio

de Janeiro, Porto Velho, Curitiba, Maceió e Belém, que conjugam declínio elevado no

coeficiente com crescimento demográfico. Entre estas capitais e como agravante, Salvador,

Porto Velho, Curitiba, Maceió e Belém têm um valor de cota-parte per capita inferior ao da

média nacional.

Apesar de estável, o coeficiente de Florianópolis é o mais baixo das capitais, com

3,6% do total do estado de Santa Catarina. Belo Horizonte e Porto Alegre também têm

coeficientes baixos, circunstância que conjugada com o declínio nos coeficientes de 2007 em

relação a 2000 e o aumento populacional é indicativo de dificuldades.

Apenas em Palmas o coeficiente cresceu mais do que a população. Em Campo

Grande, o coeficiente de 2007 também é superior ao de 2000, mas neste caso o crescimento

populacional é menor do que o verificado no coeficiente.As quedas nos coeficientes de

participação das capitais podem ser explicadas pela tendência nelas verificada de

desconcentração do setor industrial rumo às regiões metropolitanas e ao interior e, em muitos

casos, por falta de espaço ou restrições ambientais. Logicamente, a desconcentração industrial

precisa ser avaliada em conjunto com outra tendência, que é a de concentração dos serviços

nas grandes metrópoles, em consonância, inclusive, com o aumento de suas populações por

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força da migração. Assim, deve ser considerado que o setor de serviços contribui para a

geração de receita própria municipal advinda do ISS em proporção muito maior nas grandes

cidades, entre elas as capitais. Nestas, a queda nos coeficientes da cota-parte tem sido

compensada pelo aumento da receita própria municipal de ISS, embora não possamos afirmar

aqui que uma coisa esteja compensando a outra de modo equivalente, por não termos feito o

levantamento da série histórica das fontes de receita dos municípios. É possível que a

distorção mais prejudicial às capitais seja aquela decorrente do critério de partilha do FPM,

cujo montante direcionado às capitais é de apenas 10% do seu total. Enquanto a cota-parte

representou, em média, 17,7% do total das receitas correntes das capitais em 2006, o FPM

correspondeu a apenas 6,3% no mesmo ano.

3. ALTERNATIVAS PARA REDUZIR A CONCENTRAÇÃO DO CRITÉRIO VALOR

ADICIONADO

Observamos, nas seções anteriores, que a principal crítica ao critério constitucional

que regula a distribuição dos 75% da cota-parte é seu caráter concentrador, beneficiando

municípios com maior capacidade econômica. Da mesma forma, observamos que a legislação

estadual utiliza cerca de um terço dos recursos por ela regulados para, de certa forma,

compensar essa concentração. Tudo isso leva à colocação de uma importante questão: até que

ponto seria desejável que o conjunto do sistema cota-parte tivesse seus critérios alterados no

sentido de reduzir a concentração provocada pela utilização da variável valor adicionado?

Observando-se a estrutura atual da cota-parte, fica evidente que existem duas

alternativas para lograr esse resultado. Uma delas seria adotar um critério híbrido para a

parcela regulada por lei complementar e outra alternativa seria aumentar a fração da parcela

estadual. A primeira, em princípio mais efetiva, seria substituir o atual critério do VA por uma

situação intermediária; ou seja, adotar a combinação de diversos critérios, mantendo uma

parte dos recursos submetidos ao critério do VA. A segunda alternativa, que envolveria uma

abordagem totalmente distinta, seria reduzir a parcela do VA mediante a ampliação da parcela

regulada por legislação estadual, hoje limitada a 25% dos recursos.

A questão básica que subjaz a essas alternativas é o tratamento da autonomia estadual,

mesmo mitigada pelos interesses municipais que se fazem presentes nas assembléias

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157

.

legislativas estaduais. A opção por alterar o critério principal mantém a situação atual em que

a autonomia estadual fica restrita a apenas um quarto dos recursos. Já a segunda opção

ampliaria a autonomia, pois os legislativos estaduais poderiam dispor, sob critérios próprios,

de maior parte dos recursos.

3.1 Autonomia versus critérios nacionais uniformes: uma discussão

É ilusório e ingênuo assumir que a autonomia é um valor em si mesmo, a ser escolhido

a qualquer custo. A autonomia apresenta diversas desvantagens: a primeira refere-se à

fragilidade e ao despreparo dos sistemas políticos decisórios locais e, portanto, à possível

maior eficiência de políticas de escopo nacional, em que pese a teoria do federalismo fiscal

partir da suposição de que a provisão de bens públicos é sempre mais eficiente quando

realizada por governos locais. PRADO (2003a) considera que, no Brasil, a experiência

negativa com vinculações fiscais até os anos 1980 levou a uma forte rejeição a esse enfoque,

mas destaca que as experiências recentes das áreas de educação e saúde têm permitido uma

revisão e um menor radicalismo na defesa dessa alternativa. Sistemas como o SUS e o Fundef

mostram que a redução da autonomia subnacional pode dar bons resultados. O autor

prossegue dizendo que as possíveis vantagens desse viés prevalecem diante de sistemas

políticos locais ineficientes ou corruptos, garantindo que pelo menos uma parte dos recursos

seja alocada segundo critério técnico, além de se constituir num instrumento relevante para a

implementação de programas nacionais abrangentes de gasto público setorial ou funcional,

em que seja de alguma forma desejável a execução local.

A segunda desvantagem decorre do fato de que, exatamente por se apoiar na

autonomia, a opção de aumentar a parcela estadual não garante que seja ampliado o caráter

redistributivo. Se a opção for por alterar o critério impositivo, o equilíbrio na distribuição do

recurso pode ser garantido, por não depender da decisão dos estados. Ampliar a parcela

estadual pode não resultar, em muitos estados, na ampliação da redistributividade, mas apenas

no beneficiamento de alguns municípios.

Além disso, o critério impositivo contido no texto constitucional visa garantir o direito

de cada município à participação na cota-parte do ICMS. Por esse prisma, nenhum município

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.

corre o risco de perder o mínimo constitucional − que atualmente corresponde a ¾ de seu VA

−, o que poderia ocorrer se os critérios fossem baseados somente em decisões estaduais. O

limite imposto pela Constituição não abre espaço ao legislador estadual para qualquer

incursão nos governos municipais em busca de fórmula mais convenientes a desideratos

políticos específicos ou de qualquer outra natureza. Manter uma parcela impositiva igual ou

maior à que existe atualmente visa garantir o direito constitucional do município de receber

sua cota-parte no ICMS.

Por outro lado, o argumento a favor de aumentar a parcela regulada por lei estadual

supõe que os estados teriam interesse em fazer bom uso dela. Isso pode não ser assim tão

evidente. Essa pode ser o tipo de autonomia que os dirigentes públicos estaduais não tenham

interesse em exercer; ou seja, uma arena de inevitável conflito de interesses, que pôde ser

observado na subseção 2.2, a partir da análise dos critérios adotados em vários estados.

Entretanto, aumentar a parcela regulada por lei estadual pode se constituir em espaço

para os estados exercerem uma maior articulação e coordenação com os municípios, levando

em conta que o elo está enfraquecido, em parte pela ascendência dos municípios à condição

de ente federativo, formalmente a partir da CF de 1988. Também pode ser visto como uma

forma de aumentar a margem de manobra para reduzir a tendência à concentração do VA,

desde que se tenha claro que o que se quer da cota-parte é um caráter misto, ou seja, reduzir

sua função preponderantemente devolutiva.

Poderia vir a ser criado um espaço para negociação entre governos e municípios em

cada estado, coisa inexistente na Federação brasileira, onde os municípios são autônomos.

Isso pode ser um fator adicional para incentivar os governos estaduais no Brasil a assumirem

a função básica que eles cumprem em todas as Federações do mundo: planejar a atuação

pública no espaço municipal.

Evidentemente não se pode postular a priori uma escolha em relação ao dilema

anteriormente exposto. Trata-se de uma decisão eminentemente política, e como tal deve ser

tratada. Também não faz nenhum sentido discutir a cota-parte separadamente. O que importa

é o resultado global do sistema de transferências verticais para municípios, onde são muito

importantes também o FPM, o SUS e o Fundeb. A definição de um modelo para a cota-parte

deve resultar de uma análise conjunta e integrada da matriz de financiamento municipal, e,

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num processo amplo de reforma, deve depender da função que se escolha atribuir a cada um

dos componentes importantes dessa matriz.

3.2 Perspectivas de desenvolvimento da pesquisa

A análise dos critérios adotados pela legislação estadual sugere que poderia ser

interessante aprofundarmos as pesquisas sobre o histórico da cota-parte em cada estado, do

ponto de vista político, institucional etc., enfim, do que oferecesse mais elementos para uma

avaliação da conveniência ou não de alterar, para mais o menos, a fração autônoma da cota-

parte.

Não pesquisamos o suficiente para tirar esse tipo de conclusão. No entanto, podemos

tecer alguns comentários indicando possíveis elementos a serem pesquisados em outra

ocasião. Temas para futuros estudos no âmbito do FFEBpoderiam investigar:

o trade off entre autonomia e risco de fragmentação (falta de harmonização) que pode

decorrer de uma escolha por mais ou por menos autonomia. É um aspecto a ser analisado e

problematizado;

uma análise à luz da ciência política, por certo, seria muito útil para lançar um olhar

diferente nos critérios. Requer avaliação do contexto político e da história dos critérios em

cada estado, afinal essa fração da cota-parte tem mais de 25 anos de história para contar. Não

dispomos do histórico dos critérios, desconhecemos como estes foram alterados ao longo dos

anos. Tais informações seriam úteis para observarmos os interesses sociais, econômicos e

políticos que determinam a partilha.

a relação entre governos estaduais e municipais no Brasil; se a promoção dos

municípios a Entes federativos autônomos afetou suas relações com os governos estaduais;

como os governadores e assembléias legislativas têm lidado com os diversos e antagônicos

grupos de interesse em torno dos critérios de partilha da cota-parte; se os governadores têm

atuado ou não como agentes coordenadores das disputas e conflitos inevitáveis nesse tipo de

assunto;

a disputa entre municípios, uma espécie de “guerra fiscal” para que contribuintes

“turbinem” informações declaradas para fins do cálculo do VA.

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.

Em relação à proposta de alteração do VA, os estudos do FFEB devem se direcionar

para a elaboração de simulações das novas variáveis sugeridas neste texto, para que se

possa identificar se o resultado irá desconcentrar o critério VA e melhor distribuir a cota-parte

do ICMS aos municípios.

4. UMA PROPOSTA DE ABORDAGEM PARA O TRATAMENTO DA COTA-PARTE

Nossa suposição básica aqui é que pode ser conveniente tornar mais sofisticados os

critérios da parcela principal da cota-parte, de forma que ela possa ser passível de ajuste

segundo as necessidades de financiamento dos municípios. O critério atual é rígido e carrega

consigo enormes distorções. Por outro lado, a cota-parte cumpre um papel muito importante

na matriz de financiamento dos municípios brasileiros hoje: ela é a base do financiamento dos

grandes municípios. Enquanto o FPM distribui recursos preferencialmente para pequenos e

médios, a cota-parte, de certa forma, mantém o equilíbrio do sistema, dirigindo recursos para

os grandes municípios. Isso sugere que tal critério não deve ser eliminado. Por outro lado, ele

padece de diversos defeitos, inclusive, em relação ao financiamento dos grandes municípios.

Ele falha no caso em que o grande município em termos populacionais não é

proporcionalmente grande em capacidade econômica, como ocorre no caso das cidades-

dormitório.

Assim, a primeira conclusão que parece razoável é que se mantenha o critério do VA,

mas que seja reduzido seu peso. Definido que o caráter da parcela impositiva da cota-parte

predominantemente devolutivo deve ser diminuído, cabe explorar que variáveis devem

integrar a parcela impositiva da cota-parte e em que proporção. Que outros critérios poderiam

ser contemplados?

Há dois critérios que apresentam virtudes relevantes, os quais poderiam ser

considerados numa abordagem que assumisse a conveniência da adoção de múltiplos critérios

para a cota-parte. Primeiro, o critério populacional, que incorporaria um componente

redistributivo no sistema, resultando em maior equilíbrio na distribuição desse recurso, ainda

que o referido equilíbrio tenha que ser avaliado no conjunto, o que não foi feito nos estudos

do FFEB até o momento. O segundo critério seria o de consumo, que deve ser considerado

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161

.

inclusive pelo fato de que o ICMS, nas propostas de reforma tributária correntes, passaria a

ser um imposto do tipo consumo, regido pelo princípio de destino para a alocação do produto

da arrecadação. Adiante, discutiremos esses dois critérios mais detalhadamente.

Com isso o caráter impositivo da cota-parte continuaria tendo algum vínculo com a

tipologia devolutiva (VA e consumo), mas em menor proporção. A cota-parte passaria a ter na

parcela impositiva também uma função redistributiva, com a inclusão da variável população.

Estamos sinalizando que para reduzir o grau de concentração do VA, a solução não reside

exclusivamente em aumentar a parcela do critério de partilha a ser fixado em norma estadual

(atualmente com peso de 25%), pois essa parcela pode assumir qualquer característica. O

relevante é definir o caráter que se pretende dar à proporção impositiva, em LC, para a

partilha da cota-parte.

De que forma esses critérios poderiam ser combinados? Uma alternativa é um sistema

do tipo que foi utilizado na Federação indiana por mais de 50 anos, para distribuir a parcela

do imposto de renda federal destinada aos estados. O montante total de recursos era fatiado,

estabelecendo-se parcelas dos recursos a serem submetidas a diferentes critérios. Aplicado no

nosso caso, significaria estabelecer três parcelas dos recursos hoje distribuídos pelo VA, cada

uma delas distribuída segundo um critério: população, VA e consumo. Com isso, consegue-se

um equilíbrio entre as vantagens e desvantagens de cada critério. É evidente que a escolha

desses percentuais deveria ser resultado de detalhadas simulações e de um amplo debate

político no contexto do conjunto da reforma do sistema fiscal federativo brasileiro.

A seguir, discutimos aspectos específicos desses dois critérios alternativos.

4.1 Porque o critério consumo na cota-parte

Em outro documento do FFEB (Cadernos Fórum Fiscal no 5, 2007) é proposto o princípio de destino na sistemática de alocação do produto da arrecadação do IVA estadual. Para o sistema tributário é proposto adotar tributação dual sobre bens e serviços, com dois impostos do tipo IVA: um de competência da União e outro de competência dos estados.

Uma característica relevante do IVA estadual após um período de transição é a adoção

do princípio de destino para a coordenação jurisdicional interestadual, o que significa que a

arrecadação de cada estado estará relacionada ao tamanho de seu mercado consumidor. O

importante aqui é entender que cada estado arrecadará sobre o que consome, não mais como

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resultado de um sistema híbrido, vinculado em proporção significativa com sua produção. É

irrelevante aqui detalhar a forma/mecanismo/modelo operacional proposto para obter o

princípio de destino.

Não apenas o FFEB, mas a maioria das propostas de reforma do principal imposto

estadual consideram que a apropriação de receita deve ter relação com o tamanho do consumo

de cada estado, diferentemente do sistema atual (misto de origem e destino), no qual parcela

importante da receita é vinculada à produção do estado.

Quando o critério do VA foi regulamentado em 1972 (Decreto-lei no 1.216), o ICM

era regido preponderantemente pelo princípio de origem. Estava apenas começando a disputa

entre estados produtores e estados consumidores para que a sistemática de ICM (que no início

seguia o princípio de origem integral) migrasse para um sistema misto origem/destino,

mediante a redução da alíquota interestadual, configurando assim um modelo operacional de

partilha entre estado produtor (remetente) e estado consumidor (destinatário). Muito lógico,

portanto, que em 1972, o critério do consumo não tenha sido aventado para a partilha da cota-

parte, e que a opção tenha sido pelo critério que guarda relação integral com o princípio de

origem, o local da produção, que é o VA. Ao longo dos anos − primeiro, no antigo ICM, e a

partir da CF de 1988, com o ICMS −, a sistemática se aproximou mais do princípio de

destino, mediante a redução das alíquotas interestaduais, para que o estado destinatário se

apropriasse de uma parcela maior de receita. Não obstante, o critério do VA permaneceu

inalterado. Apenas em 1983 foi admitida a possibilidade de que 25% da cota-parte, no

máximo, fosse distribuída conforme critério estabelecido por norma estadual.

Com o critério misto na apropriação da receita do ICMS e a proposta de adoção do

princípio de destino na reforma, cabe questionar a pertinência de se adotar o critério de

consumo na partilha da parcela impositiva da cota-parte, juntamente com o VA.

Um aspecto a ser considerado é que o propósito da variável consumo não é tornar a

cota-parte mais eqüitativa, embora possa contribuir para isso. Essa variável permitiria

modificar a distribuição espacial do caráter devolutivo da cota-parte, digamos, “devolvendo”

de forma espacialmente diversa da ”devolução” regida pelo critério do VA, mitigando sua

concentração e possibilitando maior adequação conceitual da cota-parte ao princípio de

destino. Tal adequação pode ser oportuna, principalmente, porque o local onde o cidadão

demanda serviços públicos é mais próximo daquele onde ocorre o consumo do que do local

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onde o VA é gerado. Incluído o consumo, o caráter devolutivo da cota-parte se mantém,

porém menos acentuado, até porque seria diversificada a “devolução.” Para reduzir a

tendência à concentração do VA e consumo, poderia ser adotado o critério populacional,

conforme analisaremos na próxima subseção.

É paradoxal que em todo o processo de discussão de reforma da tributação dos bens e

serviços se proponha a adoção do princípio de destino para o imposto estadual e não se

discuta a pertinência dessa escolha também quanto à partilha da cota-parte, ou seja, que pode

ser igualmente oportuno esta ser distribuída mediante critério relacionado ao tamanho do

consumo de cada município.

A adoção do consumo para distribuir a cota-parte não é propriamente uma alternativa

inédita, pois , pelos menos, em uma ocasião já foi proposta. No processo de discussão da

reforma tributária, em 1999 (PEC no 175), a Federação Nacional do Fisco Estadual

(Fenafisco) propôs em abril daquele ano uma PEC aglutinativa à PEC-175 (subscrita pelo

deputado Eduardo Campos), contemplando a adoção do consumo como critério para a partilha

da parcela impositiva da cota-parte.

É evidente que se pode optar pelo princípio de destino na apropriação do produto da

arrecadação do IVA estadual e manter o princípio de origem no critério da cota-parte, com o

critério do VA. Ou seja, não é porque se propõe que o IVA estadual guarde relação com o

tamanho do mercado consumidor de cada estado que o critério da cota-parte tenha

necessariamente que acompanhar essa lógica de apropriação de receita. Entretanto, uma vez

que têm sido sistemáticas as críticas dirigidas ao VA, a variável consumo tanto contribuiria

para tornar o critério de partilha mais compatível com o desenho de IVA estadual que é

proposto (princípio de destino), quanto para reduzir o problema da “cidade pequena versus

fábrica grande”. Também tornaria o sistema da cota-parte mais compatível com o princípio da

responsabilização, que indica que os recursos públicos devem fluir preferencialmente para o

local em que o cidadão demanda serviços públicos. Mesmo com imperfeições, o local em que

o cidadão consome tem uma correlação mais próxima com o local em que reside e demanda

serviços públicos do que o critério baseado na produção, o VA.

Imaginemos a situação em que a cota-parte fosse arrecadada diretamente pelos

municípios, mediante um IVA de competência municipal. Se um município exportasse para

outro município toda a sua produção (caso típico de certas regiões especializadas em muitos

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estados brasileiros), e o princípio fosse de origem puro, o atual método de distribuição

baseado no VA seria adequado. Mas, se o princípio for o de destino, esse município (caso

fosse ele a arrecadar diretamente) não obteria receita decorrente de exportação, fosse para

outro município, estado ou país. Ele seria um município pobre do estado, do ponto de vista do

imposto municipal (hipotético) sobre bens e serviços.

Uma vantagem da adoção do consumo (sem relação com o critério de partilha) é a

possibilidade de se dispor de um indicador econômico adicional por municípios, que não é

medido pelo IBGE. O órgão faz a Pesquisa dos Orçamentos Familiares (POF), mas com

periodicidade irregular e restrita às regiões metropolitanas, ou seja, a pesquisa não é feita por

município. O valor adicionado fiscal tem sido utilizado como proxy do PIB municipal,

constituindo importante indicador para o planejamento econômico e social da ação

governamental e também para o setor privado. Assim, o cálculo do consumo “fiscal”, por

certo, também seria um indicador muito útil.

Outra vantagem reside em legitimar uma prática que a rigor já vem sendo adotada

pelos estados, a nosso ver, sem respaldo jurídico e sem harmonização. Conforme também já

comentado, a rigor, o consumo já vem sendo adotado pelos estados para algumas atividades

econômicas. É o caso da apuração do “VA” − que está mais para o conceito de consumo − da

distribuição de energia elétrica, de parcela relevante dos serviços de comunicação e do

fornecimento de água. Ou seja, na prática os estados já estão “interpretando” a legislação com

vistas ao cálculo de um VA que está mais para o local do consumo do que para o local da

produção. É possível que esteja faltando apenas assumir que o critério consumo já vem sendo

adotado, ainda que de modo frágil, pois nem sempre com inquestionável amparo legal e nem

sempre como resultado de acordo com o estado e os municípios. Por vezes, a administração

tributária que faz a gestão do VA é exposta a questionamento jurídico e, por vezes, os

municípios não se dão conta de alguns procedimentos operacionais que poderiam ser

questionados. Não significa que os gestores do VA estejam necessariamente agindo de modo

equivocado ou incorreto, mas que a falta de elementos mais detalhados na LC para respaldar

situações específicas obriga a arbitrar procedimentos para que se consiga operacionalizar a

apuração do VA.

Quanto ao peso a ser atribuído ao critério do consumo, nem é preciso dizer que assume

várias proporções, inclusive, substituindo integralmente o critério do VA. Todavia, não há

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necessidade de suprimir integralmente o VA, pois é pertinente que seja mantido, mesmo com

um peso menor, pela inclusão dos critérios consumo e população na parcela impositiva da

cota-parte, a ser disposta na CF e em LC. Valor adicionado, consumo e população devem

acomodar-se no espaço de 75%, desde que se conclua pela pertinência da manutenção dos

atuais 25%, no máximo, como espaço para os critérios estabelecidos por norma autônoma

estadual.

O critério do consumo tem duas dimensões: uma conceitual, conforme já analisado, e

outra de natureza operacional. É preciso verificar se é possível obter elementos fiscais para

calcular o consumo municipal pela ótica do produto. Optamos por abordar os aspectos

operacionais no anexo II deste relatório, principalmente, aqueles vinculados ao cálculo do

consumo municipal. No referido anexo, esse cálculo é explicitado e são analisados cada um

dos elementos integrantes da chamada equação consumo.

Comente-se aqui, apenas, que a inclusão da variável consumo não deve implicar

aumento de custos para a administração tributária. Operacionalmente, a idéia é que os

mesmos recursos de informática e de pessoal que calculam o VA calculem também o

consumo. Esse aspecto pode ser visto como uma vantagem, na medida em que permite

calcular o novo critério sem custos adicionais para a administração tributária. Note-se que a

origem das informações para obter o consumo seria a mesma base de informações do VA, ou

seja, as informações econômico-fiscais prestadas pelos contribuintes. Como o VA também é

calculado de forma indireta, ele e o consumo terão resultados com maior ou menor qualidade,

conforme as informações prestadas pelos contribuintes do ICMS ou IVA estadual.

4.2 Por que o critério população na cota-parte

Esta subseção explora a viabilidade de se incluir o critério população na parcela

impositiva da cota-parte. A fração impositiva da norma, tal qual é posta hoje com 75%, no

mínimo, reservada ao VA, ou mesmo mitigada com o consumo, como sugerido, continuaria

marcadamente devolutiva, e, portanto, tendendo à concentração, seja no município produtor

ou no município consumidor. Além disso, levando em conta uma certa fragilidade e

complexidade no cálculo do VA e do consumo, julga-se pertinente mitigar a parcela

impositiva do critério adotando a variável população.

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O critério populacional contribui para reduzir a tendência à concentração dos critérios

do VA e do consumo, imprime um caráter redistributivo à cota-parte e libera o uso da lei

estadual para outros critérios. A pertinência da variável população ao local onde os serviços

públicos são demandados pelos cidadãos (principalmente, na área social) também justifica sua

adoção. Os estados que não adotam a população seriam obrigados a fazê-lo − o que é

considerado oportuno − e os estados que já a utilizam podem atribuir-lhe um peso ainda maior

ou utilizar o espaço da parcela autônoma para outros critérios.

A adoção da variável população contribuiria para solucionar boa parte dos problemas

de algumas capitais menos industrializadas (Florianópolis, por exemplo) e de municípios

populosos das regiões metropolitanas com característica de cidade-dormitório. Determinados

municípios têm enfrentado sérios problemas de infra-estrutura e de aglomerações urbanas,

para onde flui a demanda por serviços públicos, inclusive, de cidades vizinhas, e que já não

comportam mais a instalação de atividades produtivas, seja por falta de áreas disponíveis, seja

por questões ambientais, entre outras. Diferentemente de décadas passadas, os problemas das

capitais se agravaram com a metropolização, e a participação de muitas delas no VA tem

declinado, como foi possível verificar na tabela 10.

Afora um sistema de equalização de recursos segundo a capacidade de gastos das

jurisdições, e que consta em outro estudo do FFEB, é possível que apenas a população

permita que recursos da cota-parte fluam para as cidades-dormitório. Formadas em grande

parte por população que trabalha e consome nos outros municípios de forte base industrial e

comercial, esses municípios contribuem para a geração de VA e consumo de bens e serviços

em outros municípios, ficando prejudicados na prestação de serviços públicos de qualidade a

seus cidadãos.

Assim como o consumo, essa também não é uma proposta inédita; inclusive, muitas

PECs já foram propostas nesse sentido, algumas ainda tramitando no Congresso Nacional.

Tratam de modificações nos critérios de distribuição da cota-parte do ICMS, sugerindo

adoção da variável população juntamente com o VA e, até mesmo, o uso exclusivo da

população.21

21 Entre elas, as emendas nos 29/99 e 39/99, do senador Paulo Hartung. A Emenda no 29/99 propôs que 25% do produto da arrecadação do ICMS fosse distribuído na proporção direta da população do município em relação à população do estado. A Emenda no 39/99, que 50% fosse distribuído na proporção do VA (média de três anos), 45% na proporção do no de habitantes e 5% distribuídos igualmente entre todos os municípios.

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A tabela 11 explicita o peso que dado à variável população na cota-parte de cada

estado, atualmente. Como interessa verificar aqui a dimensão dessa variável também no

conjunto dos critérios, incluindo a fração impositiva baseada no VA, apresenta-se o peso em

relação à fração regulada por lei estadual e também em relação à totalidade de critérios

(inclusive VA).

Tabela 11 − Participação da população nos critérios da cota-parte

Unidade federada % na parcela regulada por lei estadual

% no total de critérios (inclusive VA)

Acre 100,0% 100,0% São Paulo 52,0% 13,0% Piauí 50,0% 12,5% Bahia 40,0% 10,0% Rio Grande Norte 40,0% 10,0% Rio de Janeiro 27,8% 6,9% Paraná (apenas população rural) 24,0% 6,0% Rio Grande Sul 20,9% 5,2% Alagoas 20,0% 5,0% Ceará 20,0% 5,0% Maranhão 20,0% 5,0% Mato Grosso Sul (apenas no de 20,0% 5,0% Pará 20,0% 5,0% Paraíba 20,0% 5,0% Amapá: 19,6% 4,9% População 10,4% 2,6% Municípios mais populosos 9,2% 2,3% Minas Gerais: 18,8% 4,7% População 10,8% 2,7% População dos 50 maiores 8,0% 2,0% Mato Grosso 16,0% 4,0% Tocantins 8,0% 2,0% Amazonas 4,0% 1,0% Rondônia 2,0% 0,5% Espírito Santo 0,0% 0,0% Goiás 0,0% 0,0% Pernambuco 0,0% 0,0% Roraima 0,0% 0,0% Santa Catarina 0,0% 0,0% Sergipe 0,0% 0,0% Média Brasil: ponderada pelo

ICMS dos 26 estados 30,2% 7,6%

Fonte: elaborada pelos autores com base na legislação dos estados.

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Dentre os critérios adotados pelos estados no uso da parcela autônoma, o maior peso,

de fato, é dedicado à variável populacional, que na média total Brasil resulta em 30,2% do

valor da cota-parte distribuída segundo esse critério, tendo em vista que a média Brasil foi

obtida ponderando-se pelo ICMS de cada estado. Nota-se a disposição de adotar critério

redistributivo na maioria dos estados. Não obstante, quando se inclui no cômputo também o

VA, o peso da população fica diluído, resultando em apenas 7,6% na média total Brasil, o que

é considerado muito baixo.

O Acre é um caso atípico que adota a população para distribuir 100% da cota-parte.

Trata-se de acordo entre os 21 municípios, para adotar o critério da população, segundo faixas

de habitantes, com procedimento igual ao que é aplicado ao FPM.

São Paulo, Piauí, Bahia e Rio Grande do Norte atribuem importância significativa ao

critério população, com peso de 52,0%, 50,0%, 40,0% e 40,0%, respectivamente, no conjunto

dos critérios regulados pelas respectivas legislações estaduais.

Nos estados do Rio de Janeiro, Paraná (apenas população rural), Rio Grande do Sul,

Alagoas, Ceará, Maranhão, Mato Grosso Sul (apenas no de eleitores), Pará, Paraíba, Amapá,

Minas Gerais e Mato Grosso a população tem peso que varia de 27,8% (Rio de Janeiro) a

16% (Mato Grosso). Há algumas especificidades no uso do critério populacional nos estados

do Paraná, Mato Grosso do Sul, Amapá e Minas Gerais.

Em 1998, o Paraná substituiu o critério população (total) pelo critério população rural.

Esse é um caso típico de uso político na distribuição da cota-parte; nesse caso específico, por

iniciativa do Executivo estadual. A alteração da lei tramitou rapidamente; só depois é que foi

possível identificar que o objetivo era favorecer pequenos municípios do interior, pois estes

ofereciam a cota-parte como garantia de empréstimos que tomavam no Estado, empréstimos

estes obtidos pelo Estado em organismos internacionais e repassados aos municípios para

execução de programas vinculados.

O Mato Grosso do Sul considera apenas o número de eleitores, uma escolha de caráter

duvidoso. Qual seria o propósito? O Amapá tem dois critérios vinculados à variável

população, dedicando uma parcela à população total e outra para distribuir entre os

municípios mais populosos. Minas Gerais também utiliza mais do que um indicador, a

população total e a população dos 50 municípios mais populosos.

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A população tem peso bastante baixo nos estados de Tocantins, Amazonas e

Rondônia. É relevante observar que Espírito Santo, Goiás, Pernambuco, Roraima, Santa

Catarina e Sergipe não adotam o critério populacional. O caso do Espírito Santo e de

Pernambuco, que adotam uma variedade de critérios, pode ser indicativo de que não sobrou

espaço para a população. Esta já não pode ser a hipótese a justificar os casos de Goiás,

Roraima, Santa Catarina e Sergipe, pois esses estados direcionam sua fração autônoma para

critérios como o linear, bem como para “turbinar” o critério VA (Santa Catarina e Goiás). Não

foi possível conhecer a história da cota-parte desses estados para verificar porque não

adotaram o critério populacional.

De modo geral, mesmo sendo na média Brasil uma variável importante, a população

tem que disputar espaço com uma série de outros critérios. Assim, a disputa dos critérios no

espaço de 25% que pode ser disposto em lei estadual tem dificultado a atribuição de um

prestígio maior à população em vários estados, o que não é desejável, em face do forte

vínculo que essa variável tem com a demanda por serviços públicos. A fragmentação de

critérios em alguns estados pode estar favorecendo municípios pouco populosos, onde a

pressão por serviços públicos é menor, em prejuízo dos mais populosos. O baixo peso

atribuído à população em vários estados (alguns sequer adotam o critério) indica que pode ser

pertinente impor sua adoção. Desse modo, é provável que a população deva integrar o critério

da cota-parte de forma impositiva, em que pese não terem sido feitas simulações até esta etapa

dos trabalhos desenvolvidos no âmbito do FFEB. Apenas para o caso do Paraná foi possível

simular, conforme será analisado na próxima subseção.

A dificuldade para adoção da população é de natureza política, pois do ponto de vista

operacional não há obstáculos, uma vez que as estatísticas da população são das mais

confiáveis de que se dispõe no Brasil. Assim, além da pertinência conceitual, a adoção da

população na fração impositiva da cota-parte conta também com os atributos da simplificação

e dos baixos custos de implementação.

O peso a ser atribuído ao critério população depende de simulações e impactos,

cabendo aqui, por ora, referir que o índice correspondente a esse critério não deve ser aplicado

por faixas de municípios nos moldes do FPM (participação do IR e IPI), mas sim de modo

proporcional e direto. Esse é um aspecto importante, pois poderia ser suscitado que o FPM

gera distorções por beneficiar municípios muito pequenos. Ocorre que não é o critério

populacional que provoca diferenças significativas no FPM per capita, mais sim a forma

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como o critério é aplicado, enquadrando municípios com populações muito diferentes em uma

mesma faixa de habitantes. Outro fator que provoca diferenças no FPM per capita é a divisão

do montante do fundo em dois componentes rígidos: 90% dos recursos para municípios do

interior e 10% dos recursos para as capitais.

4.3 Estudo de caso − simulação de impacto na cota-parte dos municípios do Paraná

No anexo II deste relatório são detalhados os elementos e parâmetros necessários para

calcular o consumo por município, esclarecendo-se que não é possível realizar o cálculo com

as informações disponíveis nos sistemas fiscais dos estados. Para calcular o consumo é

necessário, da parte dos contribuintes do ICMS ou IVA estadual, informações um pouco mais

detalhadas do que o previsto no Sinief. Isso não implica obstáculos ou maiores dificuldades.

A rigor, todos os grandes contribuintes já prestam essas informações através dos denominados

“arquivos magnéticos”, como é o caso do Sintegra. Assim, é provável que o fisco já disponha

das variáveis necessárias, embora, no momento, não estejam disponíveis de modo gerencial,

impedindo simular o impacto de adoção do consumo para fins deste relatório.

Em vista da restrição para calcular o consumo, a simulação feita para os municípios do

Paraná, como estudo de caso, verifica o impacto decorrente da redução do peso do critério do

VA para a metade do peso atual e a adoção do critério populacional para ocupar o espaço

deixado pelo VA, mantendo-se inalterados os demais critérios regulados pela lei estadual. O

peso de 37,5% dado ao VA e à população é arbitrário, pois é certo que comporta várias

proporções. Na falta de uma definição a priori e em vista da impossibilidade de incluir o

consumo, optou-se simplesmente por dividir o espaço hoje ocupado pelo VA entre VA e

população. Para facilitar a interpretação dos resultados, devem ser observados, antes, os

critérios vigentes no Paraná e os considerados na simulação.

Tabela 12 − Critérios para a simulação de impacto na cota-parte dos municípios do

Paraná

Descrição Critérios Critérios para "cenário

alternativo" Atuais Exemplo

pertinente Simulação realizada

Critérios determinados na CF e 7 75% 75%

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Valor adicionado 7 25% 37,5% Consumo 25% Não População 25% 37,5% Critérios regulados por lei 2 25% 25% Valor da produção 8 8% 8% População rural 6 6% 6% Área de preservação 2, 2,5% 2,5% Área e qualidade de 2, 2,5Z 2,5% Área 2 2% 2% No de propriedades rurais 2 2% 2% Linear 2 2% 2%

Fonte: elaborada pelos autores com base em dados da Secretaria de Estado de Fazenda do Paraná/Caec.

O cenário simulado foi executado tomando-se os coeficientes de participação dos

municípios que estão sendo aplicados aos repasses da cota-parte em 2007 (calculados em

2006, com base em informações de VA médio de 2004 e 2005 e de outros anos para os

demais critérios, conforme o caso). A população dos municípios utilizada na simulação é a

estimativa do IBGE para 2006, que foi empregada pelo TCU para calcular os coeficientes de

participação dos municípios em outras transferências, como FPM e cota-parte municipal na

Cide-combustíveis. O valor global da cota-parte é aquele que foi transferido aos municípios

em 2006 – pois o ano de 2007 ainda é parcial – de R$ 1.915,8 milhões, já deduzido 15% para

o Fundef (conforme esclarece o gráfico 1). Quanto aos valores da cota-parte expressos em

termos R$ per capita, tomou-se o valor total de R$ 1.915,8 milhões, distribuído entre os

municípios proporcionalmente aos seus respectivos coeficientes de participação vigentes em

2007. O resultado foi então dividido pela população de cada município para obter a cota-parte

per capita.

Não é didático apresentar aqui o resultado para os 399 municípios do estado do

Paraná. Para facilitar a análise, os indicadores de impacto foram agrupados segundo duas

categorias:

na tabela 13, os municípios estão classificados por faixas segundo o número de

habitantes, para que se possa verificar o impacto conforme o tamanho dos municípios;

na tabela 14, os mesmos indicadores são apresentados para municípios ou

agrupamentos selecionados, pertinentes para a análise.

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Vejamos os resultados. Em vista das questões já analisadas neste relatório, bem como

de outras que integram os estudos do FFEB, devemos verificar se os resultados da simulação

não contradizem a análise e se são compatíveis com os objetivos pretendidos, entre eles:

reduzir a tendência à concentração do critério VA;

em princípio, não provocar redução para a capital, em vista das dificuldades que as

capitais enfrentam e das quedas verificadas em seus coeficientes de participação, conforme já

analisado, e porque o critério de partilha do FPM lhes é desfavorável;

também em princípio, não provocar aumento elevado para municípios muito

pequenos, pois o critério do FPM tem um viés que os favorece.

Apenas sinalizamos essas questões, pois neste relatório não temos a pretensão de fazer

uma análise comparada, que leve em conta todo o conjunto do sistema tributário e de partilha

intergovernamental de receitas, contemplados nos estudos do FFEB.

Tabela 13 − Impacto na cota-parte dos municípios do Paraná decorrente de hipótese

deredução do critério "valor adicionado" e da adoção do critério "população" - Municípios

classificados por faixas de habitantes

Classificação Municípios Partici-pação

Participação na cota-parte total

Cota-parte per capita (R$)

Variação na cota-parte per capita:

Por no de habitantes Quantidade Na população total

Com os critérios vigentes

Com os critérios simulados

Com os critérios vigentes

Com os critérios simulados

Simulado sobre situação atual

até 5.000 111 3,8% 5,9% 6,1% 287 296 3%

5.001 a 10.000 110 7,6% 10,2% 10,5% 246 254 3%

10.001 a 20.000 90 12,3% 14,1% 14,8% 213 223 5%

20.001 a 40.000 48 12,8% 11,8% 12,9% 171 186 9%

40.001 a 100.000 22 13,4% 9,6% 11,1% 132 153 16%

100.001 a 200.000 10 11,6% 16,5% 13,6% 262 215 -18%

200.001 a 500.000 7 21,3% 18,6% 17,9% 161 155 -4%

> 500.001 1 17,2% 13,2% 13,1% 141 140 -1%

Total do estado 399 100% 100% 100% 184 184 0%

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Fonte: elaborada pelos autores com base em dados da Secretaria de Estado da Fazenda do Paraná/Caec.

O resultado da simulação não contradiz nenhuma das três preocupações apontadas.

Tendo em vista que o critério do VA tende a uma concentração maior do que o critério

populacional, a primeira percepção é que ocorreria uma redistribuição de recursos dos

municípios maiores para os médios e os pequenos. Percebe-se que impactos relevantes

aconteceriam na faixa entre 20 mil e 200 mil habitantes. Conseqüentemente, é para esse

intervalo que se deve, prioritariamente, verificar se os resultados são os esperados, mormente,

no sentido de reduzir o grau de concentração da cota-parte. Os 48 municípios contidos na

faixa de 20 a 40 mil habitantes ganhariam 9%, 22 municípios médios da faixa de 40 a 100 mil

habitantes ganhariam 16% e 10 municípios, também médios, na faixa de 100 a 200 mil

habitantes dariam a maior contribuição para a desconcentração atual, pois teriam a cota-parte

reduzida em 18%. Para essas faixas, os resultados são compatíveis com o esperado.

Os 10 municípios na faixa entre 100 a 200 mil habitantes são, em média, os que detêm

uma atividade econômica proporcionalmente mais elevada do que a população. Com 11,6%

da população total do estado e 16,5% da cota-parte com os critérios atuais, teriam um declínio

com o cenário simulado, imprimindo uma distribuição mais equilibrada e compatível com

suas participações na população e na cota-parte. O ganho nos municípios da faixa de 20 a 40

mil habitantes e da faixa de 40 a 100 mil habitantes também teria o efeito de um maior

equilíbrio entre população e participação na cota-parte. Observe-se como melhoraria a

eqüidade no valor da cota-parte per capita, com aumento de R$ 171 para R$ 186 nos

municípios da faixa de 20 a 40 mil habitantes, aumento de R$ 132 para R$ 153 nos

municípios da faixa de 40 a 100 mil habitantes e redução de R$ 262 para R$ 215 nos

municípios da faixa entre 100 a 200 mil habitantes.

Nos pontos extremos estão os municípios bem pequenos (abaixo de 20 mil habitantes)

e os grandes (acima de 200 mil habitantes). Em ambos os casos o impacto não seria

significativo, compatível com a percepção que tínhamos, no sentido de que os muito pequenos

não devem ganhar muito e os muito grandes não devem perder muito. Logicamente, essa

percepção precisa ser conjugada com os demais estudos e requer um maior aprofundamento.

Curitiba, a capital, único município da faixa com mais de 500 mil habitantes, tem um

valor de cota-parte per capita de R$ 141 com os critérios vigentes, e ficaria com R$ 140 na

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.

simulação que reduz o critério do VA e adota o critério populacional. Denota-se um resultado

praticamente neutro, pois há um equilíbrio acentuado entre essas duas variáveis na capital, ou

seja, sua participação no VA e na população total do estado são muito próximos. Comente-se

que é certo que a inclusão do consumo na quantificação impactaria positivamente no resultado

da cota-parte de Curitiba, pois se tem uma percepção de que sua participação no consumo

total do estado é superior à sua participação no VA. Isso seria oportuno se levado em conta

que o valor da cota-parte per capita de Curitiba é inferior à média do estado e que seu

coeficiente de participação vigente em 2007, de 13,19%, é 29% menor que o de 1996 e 19%

inferior ao de 2000.

Comentários análogos são válidos para o caso dos sete municípios grandes na faixa de

200 a 500 mil habitantes. O impacto indica uma queda pouco significativa em relação à

situação atual (4%). A cota-parte per capita de R$ 161 seria reduzida para R$ 155. Como

esses municípios também têm uma cota-parte per capita inferior à média estadual de R$ 184,

apenas com a inclusão do consumo seria possível verificar a possibilidade de recuperarem a

perda que apenas a inclusão do critério populacional provoca. Como são apenas sete

municípios, é útil que se proceda a alguns comentários adicionais, até porque o fato de poucos

municípios estarem na mesma faixa faz com que os casos atípicos distorçam a média.

Vejamos o perfil deles.

São José dos Pinhais, município com alto VA, oriundo principalmente do pólo

automotivo nele localizado, teria uma queda de 28%, mas sua cota-parte per capita de R$

353, que baixaria para R$ 256, ainda ficaria bem acima da média do estado. Foz do Iguaçu,

que concentra VA oriundo da geração de energia elétrica, perderia 14%, e cota-parte per

capita de R$ 203 cairia para R$ 173, ficando abaixo da média do estado. Ponta Grossa, que

perderia 8%, tem cota-parte per capita de R$ 176 e ficaria com R$ 162, uma queda indesejada

para os propósitos esperados, não obstante tratar-se de um caso isolado. Colombo, cidade-

dormitório da Região Metropolitana de Curitiba, teria um aumento de 70%, compatível com o

propósito de favorecer cidades com essa característica. Note-se que ainda assim, a sua cota-

parte per capita estaria bem abaixo da média do estado. Quanto a Cascavel, Londrina e

Maringá, cidades grandes do interior do estado, com expressiva base econômica agrícola,

cota-parte per capita bem abaixo da média do estado, teriam aumento de 18%, 11% e 5%,

respectivamente, o que também é compatível com os objetivos pretendidos.

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Passemos aos comentários para os pequenos municípios, contidos nas três primeiras

faixas, a última delas com até 20 mil habitantes, as quais, somadas, representam 80% do total

dos municípios do estado. Eles obteriam um pequeno aumento na cota-parte, de 4% em

média, que embora pouco significativo, pode ser desnecessário se for observado apenas o

valor de suas respectivas cotas-parte per capita, bem acima da média do estado. Para uma

análise mais conclusiva, separamos os 311 municípios dessas três faixas em dois grupos: os

que apresentam queda na cota-parte em decorrência da simulação e os que obteriam ganho.

Dessa forma classificados, os resultados para os pequenos municípios contidos nas três

primeiras faixas referidas apresentariam maior consistência em relação ao esperado. São 219

municípios que teriam resultado positivo, variando de 130% de ganho, no caso do primeiro

colocado, até uma variação neutra, no caso do último colocado. Em média, esses 219

municípios teriam um aumento de 13,6% na cota-parte, o que em termos per capita é de R$

212, com os critérios atuais, e que aumentaria para R$ 240. Em contrapartida, 92 municípios

teriam perda de 10,4%, em média, com um maior declínio de 32,2% e o menor de 0,3%.

Como esses 92 municípios têm uma cota-parte per capita média de R$ 357 que cairia para R$

320, percebe-se que o ganho médio de 4%, quando se analisa visualmente o resultado da

simulação para as três faixas, mascara essa circunstância desejável, de que as quedas

aconteçam naqueles municípios que têm as cotas-parte per capitas mais elevadas.

Foi dito aqui que os pequenos municípios são favorecidos no critério atual de partilha

do FPM. Nesse sentido, nossa preocupação é a de que não ganhem muito com a inclusão da

população no critério impositivo da cota-parte Além dos comentários já feitos, chama-se

atenção para o fato de que esses pequenos municípios são beneficiados com critérios adotados

pela legislação do Paraná para a fração autônoma da cota-parte, principalmente, com o critério

linear, que simplesmente distribui 2% em 399 partes iguais. Além desse estranho critério,

beneficia os pequenos municípios critérios como valor da produção agropecuária, população

rural e no de propriedades rurais. Assim, na hipótese de mudança do critério de partilha do

FPM, conforme se faz necessário e é sugerido em outro estudo do FFEB o estado do Paraná

pode utilizar a fração da cota-parte regulada por lei estadual para formular critérios que

possibilitem maior eqüidade entre os municípios paranaenses, reduzindo o ganho desses

pequenos municípios que têm cota-parte per capita muito acima da média estadual. Aliás,

essa providência pode ser pertinente mesmo sem uma reforma mais abrangente no sistema de

partilha intergovernamental de receitas.

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.

A partir desse ponto, são analisados os resultados da tabela 14. Esta contempla os

mesmos indicadores da tabela anterior para outros cortes selecionados e pertinentes para a

análise, pois permitem verificar algumas especificidades, casos mais extremos que ficaram

diluídos na classificação mais abrangente, feita por faixas de habitantes.

Tabela 14 − Simulação de impacto na cota-parte dos municípios do Paraná com

redução do critério "valor adicionado" e adoção do critério "população": casos selecionados

Fonte: elaborada pelos autores com base em dados brutos da Secretaria de Estado da Fazenda

do Paraná/Caec

É útil verificar o impacto da simulação separando municípios que têm cota-parte per

capita acima da média estadual daqueles cuja cota-parte está abaixo dessa média,

independentemente do seu tamanho, ou seja, de sua população. Verifica-se que esse corte

também vai ao encontro dos resultados desejados. É perceptível que haveria uma

desconcentração em favor dos municípios abaixo da média. Os 150 municípios com cota-

parte per capita abaixo da média do estado teriam um aumento de 26% em média e os 249

municípios com cota-parte per capita acima da média estadual teriam uma redução de 2% em

média; ou seja, apenas 2% de perda nestes é suficiente para permitir um aumento relevante

nos municípios abaixo da média. Deve ser observado na tabela 14 como a distribuição ficaria

mais eqüitativa.

Cinco casos selecionados (Araucária, Saudade do Iguaçu, São José dos Pinhais, Foz

do Iguaçu e Jaguariaíva) são de municípios com uma elevada e concentrada geração de VA

em virtude de seu perfil industrial. A queda em suas respectivas cotas-parte contribuiria para

gerar uma distribuição mais eqüitativa em todo o estado. Haveria uma redução de 44% na

cota-parte de Araucária, município com a maior cota-parte per capita, 7,2 vezes maior que a

média do estado, um caso extremo que se justifica principalmente pelo seu elevado grau de

industrialização, contanto, inclusive, com refinaria de petróleo. Mesmo com 44% de queda,

sua cota-parte per capita ficaria quatro vezes acima da média do estado. Considerações

semelhantes se aplicam a Saudade do Iguaçu e Foz do Iguaçu, municípios geradores de

energia elétrica, que teriam queda de 36% e de 14%, respectivamente. Fazemos notar que

Saudade do Iguaçu tem também a característica de deter a segunda maior cota-parte per

capita do estado. No caso de São José dos Pinhais, embora se trate de um município bastante

populoso, concentra VA em maior proporção do que população, por lá estar localizada parte

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significativa da indústria automotiva do estado, e teria uma redução de 28% com o cenário

simulado. Jaguariaíva gera VA elevado com a fabricação de papel destinado à impressão, não

sujeito à incidência de ICMS em virtude de dispositivo constitucional. Sua cota-parte per

capita cairia 18% e ainda assim ficaria acima da média do estado.

Agora, alguns casos extremos selecionados que teriam ganho significativo na cota-

parte, sobre os quais é oportuno verificar como respondem ao nosso critério de análise, no

sentido de tornar a cota-parte mais eqüitativa em relação ao cenário simulado. São os

municípios de Sarandi, Almirante Tamandaré, Colombo, Matinhos, Pontal do Paraná e

Piraquara, os seis com cota-parte per capita bem abaixo da média do estado. Sarandi, com a

cota-parte per capita mais baixa, de apenas R$ 35, teria um aumento de 155%. Mesmo mais

do que dobrando, alcançaria R$ 89 per capita, ainda muito abaixo da média estadual.

Também como era esperado, dois casos típicos e graves que a inclusão do critério população

na cota-parte contribuiria para solucionar são os de Almirante Tamandaré e Colombo,

municípios do tipo "dormitório", localizados na Região Metropolitana de Curitiba. Com

elevado contingente populacional e baixa base econômica, teriam aumento de 84% e de 70%,

respectivamente, aproximando suas cotas-parte per capita da média do estado.

Dois casos selecionados são municípios litorâneos, de base econômica menor ainda,

com atividades submetidas ao campo de incidência do ICMS; portanto, com pouca geração de

VA fiscal. Matinhos tem a segunda menor cota-parte per capita do estado e Pontal do Paraná

a quarta menor. Ambos teriam um aumento bastante expressivo com a inclusão da população

no critério de partilha, aumento de 156% e de 130%, respectivamente.

Piraquara, que teria um aumento de 50% na cota-parte, também é município da Região

Metropolitana de Curitiba. Detém reservas de mananciais de água, inclusive, para abastecer

Curitiba.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como vimos neste relatório, a cota-parte do ICMS, principal sistema de transferência

de recursos do estado para os municípios, há 35 anos vem utilizando o mesmo critério valor

adicionado para distribui a parcela pertencente aos municípios. Primeiro de tudo, de 1972 a

1980, integralmente com base no VA gerado no município. A partir de 1980, mitigando o VA

com critérios estabelecidos por lei estadual, na proporção de 25% da cota-parte.

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Vimos que é inerente ao VA a tendência à concentração espacial e que os 25% da

fração autônoma regulada por norma estadual não são suficientes para reduzir a concentração

do VA de modo satisfatório. Na média Brasil, os critérios de caráter redistributivo são os mais

utilizados nas normas estaduais, denotando uma disposição de redistribuir a cota-parte de

modo mais eqüitativo.

Não obstante, apesar de concentrador, considera-se pertinente a manutenção do VA no

conjunto dos critérios de partilha da cota-parte, mas com peso bem menor do que o atual,

abrindo espaço para a adoção das variáveis consumo e população, na fração impositiva da

norma. O VA é um critério que vem sendo utilizado há muitos anos, e não deve ser

integralmente suprimido, entre outros motivos porque:

os custos de infra-estrutura das grandes metrópolesindicam a pertinência de

considerarmos o princípio de origem (VA) na formulação do critério de partilha da cota-parte;

o VA está bastante consolidado nas práticas administrativas estaduais, inclusive, com

jurisprudência firmada, apesar das dificuldades conceituais e operacionais aqui apontadas e a

respeito das quais se propõe aperfeiçoamento legislativo;

o VA é um levantamento estatístico que tem sido utilizado como proxy da renda

municipal, além de ser um indicador econômico muito útil para o planejamento das ações

governamentais.

Desse modo, pressupondo que o VA seja mantido no conjunto dos critérios de partilha

da cota-parte, é necessário aperfeiçoá-lo, em razão das dificuldades que foram apontadas. É o

caso do baixo grau de detalhamento da LC no 63/90, que não fornece todos os elementos

necessários para calcular o VA de determinadas atividades tributadas por complexa legislação

de ICMS, levando os estados a adotarem formas distintas de apropriação do VA.Nesse

sentido, pelo menos, duas questões devem ser suscitadas. Uma delas é que a LC no 63/90

precisa ser alterada/aperfeiçoada para:

especificar melhor como deve ser apurado o VA de determinadas atividades;

harmonizar a interpretação conceitual e os procedimentos para o cálculo do VA por

parte dos estados;

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dar segurança jurídica aos agentes envolvidos (os estados que têm que calcular o VA,

os municípios que concorrem entre si por uma mesma fatia de recursos e os contribuintes que

prestam as informações);

fortalecer, do ponto de vista institucional, os setores estaduais responsáveis pelo

cálculo do VA, reduzindo a margem de manobra para interpretação legislativa, a interferência

política, a indústria de assessorias jurídicas municipais e, até mesmo, o risco de corrupção

associado ao levantamento do VA.

A outra constatação é a de que a CF e a LC podem ser alteradas, no sentido de

incorporar algo já verificado na prática, que é a apuração do VA de determinadas atividades

mediante o critério de consumo e não o da produção. Trata-se de uma inconsistência

conceitual, pois, obviamente, se o cálculo leva em conta o consumo de determinada atividade,

não se está diante de uma variável compatível com o conceito de VA. Assim, é mais

adequado assumir que o VA, de fato, provoca algumas inadequações, como a falta de vínculo

que acontece entre VA e população quando uma grande atividade econômica é localizada em

um município com população baixa, e, portanto, com menor pressão orçamentária por

serviços públicos.

Uma forma menos arbitrária para lidar com essa questão do que forçar uma

interpretação da LC no 63/90 é atribuir um peso menor ao VA e incorporar outra(s)

variável/variáveis na parcela impositiva da norma, pois conforme analisado, aumentar a

parcela que pode ser disposta por lei estadual não assegura desconcentração do VA.

É necessário ter presente que a manutenção do VA com menor peso e com

aperfeiçoamento legislativo que permita procedimentos nacionais uniformes, aliada à adoção

do consumo na partilha da cota-parte, ainda imprime um caráter “devolutivo” à cota-parte.

Contudo, é viabilizada a adoção de práticas harmonizadas para os levantamentos do VA e

reduzida a concentração que lhe é inerente, em grau maior ou menor, dependendo da

importância que seria atribuída ao critério consumo e população.

Se também for adotada a população − para incluir obrigatoriamente uma variável

redistributiva na cota-parte −, o resultado será um mix de critérios que permite atingir o

objetivo pretendido, que é reduzir a concentração da cota-parte. No entanto, seria mantido

parte de seu caráter devolutivo, pressupondo-se que o FPM é que deve ter uma função

marcadamente redistributiva. Cabe lembrar que o estado que quiser aumentar ainda mais o

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caráter redistributivo da cota-parte, pode fazê-lo com os 25% da parcela regulada por lei

estadual (cujo objetivo será mais facilmente atendido a partir do caráter menos concentrador

da parcela impositiva de 75%) e pelo fato de que a população (se deslocada para a fração

impositiva da cota-parte) abre espaço na fração regulada por lei estadual para que sejam

adotados critérios que permitam uma redistribuição mais equilibrada do ponto de vista

espacial.

Quanto ao peso a ser atribuído ao VA, consumo e população no espaço de 75%, é

aspecto que ainda requer simulações − além das que foram feitas para o caso do Paraná neste

estudo −, e que deverão ser feitas no âmbito do FFEB para o Programa de Trabalho 2007-

2009. Particularmente em relação à variável consumo, em vista dos sistemas de informações

dos estados não estarem disponíveis na forma que permita calcular o consumo por município,

não foi possível simular e verificar o impacto da inclusão dessa variável no critério da cota-

parte, vis a vis a sistemática atual do VA. Dissemos que na hipótese de aprovação da inclusão

dessa variável, é fácil a adaptação dos estados para passar a exigir que os contribuintes

prestem as informações adicionais necessárias para o cálculo do consumo por município. O

que podemos dizer, por ora, é que o consumo tanto é menos concentrado do que o VA como

resulta em uma alocação diferente da que é produzida por este.

Propõe-se que a temática seja aprofundada no Programa de Trabalho do FFEB com a

FGV, não apenas no aspecto relacionado ao critério do consumo como também em relação a

todo o conjunto dos critérios da cota-parte. O Programa de Trabalho dos dois primeiros

exercícios não priorizou a cota-parte, pois foi enfatizado o estudo de um sistema de

equalização para substituir o critério de partilha do FPE e do FPM.

Uma vertente de estudo a ser aprofundada diz respeito ao tamanho e critérios

regulados autonomamente por lei estadual. É certo que a diversidade de realidades e situações

no país exige que uma proporção da cota-parte seja reservada à autonomia estadual para

adoção de critérios que cada estado julgar pertinentes. Lembrando que se os atuais 25%

estabelecidos por lei estadual não precisarem abarcar a população, na hipótese de que esta

variável integre a parcela impositiva, é necessário refletir se os 25% reservados à norma

estadual devem ou não ser mantidos inalterados.

Além do impacto decorrente do mix valor adicionado + consumo + população, os

estudos devem levar em conta o impacto que outras alterações no sistema tributário e de

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partilhas provocam na cota-parte. Mencionamos aqui algumas questões que por si só levam a

um resultado diferente do atual na cota-parte, mesmo sem alteração legislativa, quer seja para

o cálculo do VA, quer seja para adotar os critérios do consumo e população.

É necessário levar em conta que o próprio critério do VA tende a se distribuir de forma

diversa da atual, com a inclusão de todos os serviços no campo de incidência do IVA

estadual, conforme é proposto em cenário alternativo de reforma para o sistema tributário, em

outro documento do FFEB (2007). A inclusão dos serviços no IVA estadual favorece,

justamente, os municípios que dependem mais da receita advinda do ISS, por serem

proporcionalmente os que mais prestam e tomam serviços. Esse aspecto contribui para

solucionar o problema das capitais e para reduzir o grau de concentração do VA vinculado ao

setor industrial. Tendo em vista que são justamente os municípios maiores que resistem à

extinção do ISS, esse é um aspecto a ser levando em consideração nas negociações e

quantificações.

Também é necessário ter presente que a discussão integrada dos critérios da cota-parte

e da inclusão dos serviços na base do IVA estadual devem facilitar o entendimento.

Opcionalmente, a inclusão dos serviços no IVA estadual poderia propiciar aumento de

arrecadação, por exemplo, equivalente à atual arrecadação de ISS municipal, mediante a

calibragem das alíquotas do IVA estadual. O aumento de arrecadação no IVA estadual traria

aumento automático e proporcional nos valores da cota-parte, mesmo com peso de 25% do

IVA estadual.

Entretanto, há também a alternativa de que a extinção do ISS seja associada a um

aumento da cota-parte para algo acima de 25% do IVA estadual, em proporção suficiente para

acomodar o conjunto de alterações, tanto no sistema tributário quanto no sistema de partilhas

na Federação.

A cautela para esta alternativa é necessária, pois no processo Constituinte de 1988, a

cota-parte dos municípios foi aumentada para 25%, pois o ISS seria extinto e o ICMS

incidiria sobre todos os serviços. O ISS foi mantido, o ICMS não incide sobre todos os

serviços, não obstante a cota-parte foi estabelecida em 25%. (FFEB, 2007).

Ressaltamos ainda um aspecto indispensável de qualquer proposta de alteração do

sistema tributário ou de partilhas e que não foi mencionado neste relatório. Os novos

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estudos e simulações do FFEB devem levar em conta um período de transição para

que seja adotado um novo modelo para a cota-parte. Esse período de transição deve ser

compatível e estar em harmonia com as demais alterações do sistema. Por exemplo, o

ritmo da adoção da variável consumo na cota-parte poderia ser compatível com o

ritmo da adoção do princípio de destino no IVA estadual. Dito de outro modo:

conforme o IVA estadual fosse caminhando na direção do princípio de destino, o

consumo iria sendo incluído no critério da cota-parte, de modo que tanto o IVA

estadual quanto o consumo na cota-parte alcançassem o modelo finalizado

simultaneamente, após a transição. Levando-se em conta que a sistemática atual de

ICMS nas operações interestaduais já é, há muito tempo, um sistema misto

origem/destino, o ritmo da adoção do consumo na cota-parte pode até ser mais rápido

do que o mencionado.

Uma questão deve ser aqui tratada para nortear e justificar as escolhas apontadas para

a cota-parte neste relatório. É uma questão que pode emergir, na medida em que se constate a

necessidade de submeter parte das transferências para governos subnacionais (e, no caso,

municípios) a um sistema de equalização. Deveria a cota-parte ser incluída na base de

recursos da equalização ou deveria ser mantida como um fluxo independente?

.O que fundamenta essa questão é o simples fato de que a cota-parte no ICMS compõe

mais de um terço do financiamento dos municípios brasileiros. Decorre disso a possibilidade

de que tenha seus critérios alterados, em alguma medida, para que atue de forma menos

concentradora, reduzindo seu vínculo com a distribuição da capacidade econômica dos

municípios. Isso é proposto com a utilização do critério populacional em boa parte da

distribuição, que reduz a concentração dos recursos, mas não elimina o caráter devolutivo da

cota-parte, conforme já comentado.

Nas discussões mantidas no âmbito do FFEB, a diretriz do conjunto de alterações

propostas para o sistema tributário e de partilha de receitas é no sentido de que a cota-parte

continue cumprindo alguma função de caráter devolutivo, mas em menor proporção. A função

redistributiva deve ser cumprida principalmente por transferência federal, mediante um

sistema de equalização. Não seria oportuno que também a distribuição do principal imposto

estadual migrasse para o sistema de equalização, pois ele exige uma série de requisitos que

precisam ser implementados, sendo um dos mais complexos, a mensuração da necessidade ou

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capacidade de gasto municipal.22 Assim, ainda que fosse oportuna a proposição por um

sistema mais abrangente de equalização que comportasse também a cota-parte municipal no

imposto estadual, não seria recomendável fazê-lo ao mesmo tempo e ritmo da adoção do

sistema de equalização.

É necessário estar ciente de que tal escolha implica a percepção de que apenas uma

parte do sistema vertical de transferências migraria para um sistema de equalização, mantendo

a cota-parte como um sistema, até certo ponto, de caráter devolutivo. Desse modo, a

proporção da cota-parte com critério impositivo, baseado no VA ou no consumo, seria

distribuída segundo critérios que não levam em consideração as demais receitas municipais −

quer sejam próprias, quer sejam as outras transferências −; por isso, não se deve esperar que

cumpram o papel de contrabalançar as disparidades na capacidade final de gasto per capita

dos municípios. Justamente por isso é pertinente a adoção da população também de modo

impositivo, pois é inerente à variável populacional o atributo de aproximar a capacidade per

capita de gasto.

22 Capacidade per capita de gasto de cada ente federado, em relação a qual, remetemos o leitor para o estudo específico sobre equalização no Cadernos Fórum Fiscal no 3, 2006

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REFERÊNCIAS

FFEB −Fórum Fiscal dos Estados Brasileiros. Cenário de reforma tributária com tributação dual sobre o consumo. Cadernos Fórum Fiscal, Brasília, DF, n.3-n.5, maio 2007

GARCIA, F. J. T. A distribuição de ICMS aos municípios do Espírito Santo: concentração ou desconcentração?. Dissertação (Mestrado) − Ebape/FGV, Rio de Janeiro, 2002.

PRADO, S. Distribuição intergovernamental de recursos na Federação brasileira. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer/Ebape, 2003a.

______. Partilha de recursos e desigualdade nas Federações: um enfoque metodológico. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer/Ebape, 2003b.

STN − Secretaria do Tesouro Nacional, Finanças do Brasil – Finbra. Dados contábeis dos municípios - 2006. Disponível em: <www.stn.fazenda.gov.br>. Acesso em: 25 set. 2007.

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ANEXO I - CRITÉRIOS DE PARTILHA DA COTA-PARTE DOS MUNICÍPIOS NO ICMS, POR ESTADOS

Estado/critérios/descrição Peso

ACRE

População (critério único acordado entre todos os municípios; índice calculado por faixas de habitantes, tal qual o FPM)

100%

AMAPÁ

Valor adicionado 75%

Linear 7%

Receita própria 2,6%

População 2,6%

Educação (indicador: alunos matriculados) 2,6%

Saúde 2,6%

Municípios mais populosos 2,3%

Área cultivada 1,4%

Área de preservação 1,4%

Cultura 1,4%

Área 1,1%

Nota: o Amapá não calcula o VA, em vista de dificuldades operacionais. Até 2005, 100% da cota-parte foi distribuída com critério proporcional à arrecadação de ICMS, com os índices de participação anualmente calculados até 2002 e mantidos “congelados” desde então. A partir de 2006, passou a aplicar os 10 critérios anteriores (exceto o VA) para 25% da cota-parte, mantendo congelado o índice relativo à participação na arrecadação, com peso de 75%.

ALAGOAS

Valor adicionado 75%

Linear 15%

População 5%

Área 5%

AMAZONAS (a lei estadual que regula a fração autônoma foi declarada inconstitucional (ADI no 2.728). Em decorrência disso, o estado vem aplicando os coeficientes calculados para 2004).

Valor adicionado 75%

Linear 24%

População 1%

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.

BAHIA

Valor adicionado 75%

População 10%

Área 7,5%

Ajuste para município com índice preliminar menor que 0,18001% 7,5%

CEARÁ

Valor adicionado 75%

Educação (indicador: gasto em ensino fundamental sobre receita corrente total)

12,5%

Linear 7,5%

População 5%

DISTRITO FEDERAL (prescinde de critério de partilha para a cota-parte)

ESPÍRITO SANTO

Valor adicionado 75%

No de propriedades rurais 7%

Produção agrícola 6%

Área 5%

Saúde (indicador: gasto com saúde e saneamento sobre despesa total) 3%

Saúde (indicador: gestão avançada em saúde) 2,5%

Saúde (indicador: participação em consórcio de saúde) 1%

Linear (distribuição linear entre 10 maiores VAs, se o município estiver enquadrado na gestão avançada do Sistema de Saúde)

0,5%

GOIÁS

Valor adicionado 90%

Linear 10%

MARANHÃO

Valor adicionado 75,0%

Linear 15,0%

População 5,0%

Área 5,0%

MATO GROSSO

Valor adicionado 75%

Coeficiente social (indicador: inverso do IDH do município multiplicado 11%

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.

pelo inverso do IDH de todos os municípios)

Unidade de conservação/terra indígena (indicador: índice da unidade de conservação do município sobre a soma dos índices de unidades de conservação do total dos municípios)

5%

População 4%

Receita própria (indicador: receita tributária própria do município sobre mesmo indicador para o total de municípios)

4%

Área 1%

MATO GROSSO DO SUL

Valor adicionado 75%

Linear 7%

Área 5%

No de eleitores 5%

Meio ambiente 5%

Receita própria 3%

MINAS GERAIS

Valor adicionado 79,68%

Linear 5,5%

População 2,71%

População dos 50 maiores municípios 2,0%

Educação (indicador: alunos matriculados) 2,0%

Receita própria 2,0%

Área 1,0%

Produção de alimentos (indicadores: área cultivada, pequenos produtores e estrutura municipal de apoio à produção e comercialização de produtos agrícolas)

1,0%

Patrimônio cultural 1,0%

Saúde (indicador: equipes e população atendida) 1,0%

Saúde (indicador: gasto em saúde) 1,0%

Área de preservação 0,5%

Tratamento de lixo e esgoto 0,5%

Municípios mineradores (indicador: participação do município no Imposto Único Sobre Minerais do País em 1988)

0,11%

PARÁ

Valor adicionado 75%

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.

Linear 15%

População 5%

Área 5%

PARAÍBA

Valor adicionado 75%

Linear 20%

População 5%

PARANÁ

Valor adicionado 75%

Valor da produção agropecuária 8%

População rural 6%

Área de preservação 2,5%

Área e qualidade de mananciais 2,5%

Área 2%

No de propriedades rurais 2%

Linear 2%

PERNAMBUCO

Valor adicionado 75%

Estabilizador dos fluxos de transferências para municípios com queda no índice do VA (indicador: participação do município com diferença positiva entre os índices do VA no ano t-1 e ano t na soma das diferenças positivas do estado para esse mesmo indicador)

17%

Tratamento e destinação do lixo 2%

Saúde (indicador: inverso do coeficiente da mortalidade infantil) 2%

Educação (indicador: alunos matriculados no ensino fundamental em escolas municipais)

2%

Área de unidade de conservação 1%

Receita própria (indicador: arrecadação per capita de tributos municipais) 1%

PIAUÍ

Valor adicionado 75%

População 12,5%

Área 12,5%

RIO DE JANEIRO (o cálculo é feito pela participação do município no

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.

total dos municípios da respectiva região ao qual pertence, sendo nove regiões no estado)

Valor adicionado 75%

Linear 8,18%

Área 7,7%

População 6,94%

Ajuste econômico (indicador: soma inversa dos índices de população, área e valor adicionado de cada município em relação ao total da região)

1,73%

Receita própria (indicador: % da receita própria do município, oriunda de tributos de sua competência, na arrecadação de ICMS no município)

0,45%

RIO GRANDE DO NORTE

Valor adicionado 80%

População 10%

Linear 10%

RIO GRANDE DO SUL

Valor adicionado 75%

Área (quando for de preservação ambiental ou inundada por barragens, a área é multiplica por 3)

7%

População 7%

No de propriedades rurais 5%

Produtividade primária 3,5%

Educação (indicador: inverso da taxa de evasão escolar) 1%

Saúde (indicador: inverso da taxa de mortalidade infantil) 1%

Ações de mútua de colaboração/projeto Parceria 0,5%

RONDÔNIA

Valor adicionado 75%

Linear 14%

Ocupação territorial dos municípios de conservação 5%

Produção agropecuária 5%

População 0,5%

Área 0,5%

RORAIMA

Valor adicionado 75,0%

Linear 25,0%

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SÃO PAULO

Valor adicionado 76%

População 13%

Receita própria (indicador: proporção em relação ao total dos municípios) 5%

Área cultivada 3%

Linear 2%

Área inundada por hidrelétricas 0,5%

Área preservada 0,5%

SERGIPE

Valor adicionado 75%

Linear 25%

SANTA CATARINA

Valor adicionado 85%

Linear 15%

Nota: uma lei antiga de SC prevê que o VA do setor agrícola seria "ajustado" quando apresentasse variação inferior à variação do VA dos demais setores (indústria e comércio). Como o "ajuste" teria como parâmetro a produção agropecuária de 1983, o dispositivo não tem sido aplicado, inclusive, por impossibilidade operacional

TOCANTINS (critérios em vigor a partir de 2007)

Valor adicionado 75%

Linear 8%

Unidade de conservação e terras indígenas 3,5%

Saneamento básico, conservação da água e coleta e destinação do lixo 3,5%

População 2%

Área 2%

Política municipal do meio ambiente 2%

Controle e combate a queimadas 2%

Conservação e manejo dos solos 2%

Fonte: legislação dos estados, entre outras: AMAPÁ − Lei no 322/1996, ALAGOAS − Lei no 5.981/1997, CEARÁ − Lei no 12.612/96, ESPÍRITO SANTO − Lei no 5.399/97, MARANHÃO − Lei no 5.599/1992, MATO GROSSO DO SUL − LC n o 057/1991, MATO GROSSO − LC no 157/2004, consolidada até a LC no 177/04, MINAS GERAIS − Lei no 13.803/2000, PARÁ − Lei no 5.645/1991, PARAÍBA − Lei no 20.219/1998, PARANÁ − Lei no 9.491/1990, PERNAMBUCO − Lei no 12.432/2003, RIO DE JANEIRO − Lei no 2.664/1996, RIO GRANDE DO SUL − Lei no 11.038/1997, RONDÔNIA − LC no 115/1994, RORAIMA -− Lei no 010/1991, SERGIPE − Lei no 2.800/1990, SANTA CATARINA − Lei no 7.721/1989 e alterações, TOCANTINS − Lei no 765/1995.

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ANEXO II – COMO CALCULAR O CONSUMO MUNICIPAL

O consumo municipal pode ser obtido a partir informações econômico-fiscais

prestadas pelos contribuintes do ICMS (ou IVA estadual, caso seja aprovada a reforma do

ICMS). O consumo é obtido de modo indireto, pela ótica do produto, com elementos que

integram os negócios das empresas, contidos no campo de incidência do imposto estadual.23

Segue a síntese da equação consumo, que depois é detalhada.

C = (S – E) + A + N , onde:

C = consumo do município

S = valor total de saídas, praticadas por contribuintes localizados no município Mn ,

com destino a contribuintes e a não-contribuintes localizados no próprio município Mn

E = valor total de entradas, adquiridas por contribuintes localizados no município Mn ,

advindas do próprio município Mn

A = valor das entradas, dos contribuintes localizados no município Mn, advindas de

qualquer origem, destinadas ao ativo imobilizado e ao uso e consumo próprio dos respectivos

contribuintes

N = valor das compras, praticadas por não-contribuintes localizados no município Mn ,

advindas de outros municípios do mesmo estado e de outros estados

M = município M1, M2, M3, ... Mn

1. Explicitação das informações econômico-fiscais que integram o cálculo do consumo

municipal

S = valor total de saídas, praticadas por contribuintes localizados no município Mn,

com destino a contribuintes e a não-contribuintes localizados no próprio município Mn

Trata-se de valores contábeis (operações tributadas e operações não-tributadas). O

total das saídas inclui vendas, transferências, devoluções e “outras saídas”. Ou seja, tais

23 Os técnicos da Cotepe/ICMS (GT quantificação) calcularam o consumo dos estados em 1999, por ocasião da quantificação dos impactos da PEC no 175. Tomaram por base informações disponibilizadas pelos estados e que tinham sido prestadas pelos próprios contribuintes.

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operações e prestações independem de sua utilização, contemplando tanto mercadorias, que

serão objeto de mercancia, quanto produtos destinados ao ativo fixo ou ao uso e consumo

próprio do destinatário. O total de saídas refere-se tanto às saídas destinadas a contribuintes

do imposto quanto a não-contribuintes do imposto, bem como às destinadas ao consumidor

final.

E = valor total de entradas, adquiridas por contribuintes localizados no município Mn ,

advindas do próprio município Mn

Também se refere aos valores contábeis (operações tributadas e operações não-

tributadas). Inclui entradas de insumos, bem como de produtos acabados, adquiridos para

transformação ou comercialização. Também inclui entradas de bens destinados ao ativo fixo

do contribuinte, ou ao seu uso e consumo próprios, desde que essas aquisições sejam oriundas

do próprio município de localização do contribuinte.

A = valor das entradas, dos contribuintes localizados no município Mn , advindas de

qualquer origem, destinadas ao ativo imobilizado e ao uso e consumo próprios dos respectivos

contribuintes

N = valor das compras, praticadas por não-contribuintes localizados no município Mn ,

advindas de outros municípios do estado e de outros estados (ver subitem 3.1)

2. Análise e esclarecimentos vinculados às variáveis que integram o consumo

municipal

2.1 Porque “S” só trata de valor total das saídas, praticadas por contribuintes

localizados no município Mn , com destino a contribuintes e a não-contribuintes localizados

no próprio município Mn?

Por que as saídas para fora do município (vendas, transferências etc.), que são as

operações e prestações destinadas ou prestadas para o “resto do mundo”, são acontecimentos

que não dizem respeito ao consumo do município Mn ; ou seja, vai ser consumido,

renegociado ou empregado no processo produtivo fora do município. Por isso, a equação

apenas captura as saídas do município Mn com destino ao próprio município Mn.

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2.2 Tudo o que está contido em “S” pode ser considerado consumo?

Não. Perceba-se que “S” (valor total das saídas) contém operações e prestações que

podem ou não ser direcionadas ao consumo final. Das saídas totais para o município Mn , uma

parcela é destinada ao consumo (famílias, governos e empresas), mas uma parcela ainda é

operação intermediária. Pode tratar-se, por exemplo, de uma matéria-prima ou insumo. Desse

modo, ainda será objeto de uma ou mais operações subseqüentes. Poderá passar por um

depósito fechado, uma mera transferência, uma remessa para industrialização, uma operação

no sistema de parceria etc. Assim, a variável “S” contém consumo final e consumo

intermediário.

2.3 Porque e como excluir o consumo intermediário da variável “S”?

O consumo intermediário não pode ser considerado consumo para evitar dupla

contagem. Por exemplo, uma camisa de algodão: apenas a última operação, destinada ao

consumidor final, deve ser computada. Antes de transformar-se em camisa, foram praticadas

inúmeras operações. Por exemplo, com fardas de algodão em bruto, com fios de algodão, com

tecidos, com tinturaria, com camisas comercializadas no atacado, até que essas camisas

tenham sido destinadas ao consumidor final. Por analogia, lembremos que para calcular o VA,

o valor de entradas é deduzido do valor das saídas, entre outros detalhes para a apuração.

Como o que se deseja obter é apenas o consumo final, as saídas praticadas por

contribuintes que não são foram direcionadas ao consumo consistirão em entradas nos

estabelecimentos de contribuintes, entradas que são deduzidas das saídas, conforme se

procede com a variável “E” (valor total das entradas). À primeira vista, e isso é o mais

importante a ser retido, “C = S – E”, ou seja, valor total de saídas para o município menos

valor total de entradas oriundas do próprio município, é igual ao consumo do município. De

modo bem simplista: o que sai e não entra mais é porque ficou no meio do caminho, ou seja,

foi consumido.

Ao calcular “S – E”, elimina-se do “valor total de saídas” tudo o que não foi

direcionado para o consumo final. Dito de outro modo, do “valor total de saídas” é retirado o

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“consumo intermediário” (matérias-primas, partes, peças, componentes, insumos de um modo

geral), o qual será objeto de uma ou mais operações subseqüentes de saídas.

A variável “E” é a forma mais simples e direta de excluir o consumo intermediário. No

entanto, chama-se a atenção para o fato de que “por tabela”, exclui também as entradas

destinadas ao ativo imobilizado e ao uso e consumo próprios do contribuinte, elementos que

também podem ser considerados no consumo, dependendo do conceito que se deseje obter.

Assim, as compras para o ativo imobilizado e uso e consumo próprios devem ser reincluídas

na equação, o que é feito através da variável “A”.

2.4 Que tipo de consumo é obtido em “C = S – E”?

Por enquanto, obtém-se: consumo final das famílias + consumo dos governos +

consumo de empresas que não são contribuintes do imposto; ou seja, apenas não inclui, ainda,

o consumo das empresas contribuintes do imposto, pois o mesmo foi excluído “por tabela”,

juntamente com as operações contidas em “E”. Dito de outro modo, ao deduzir “A” de “S”,

deduz-se todas as entradas, inclusive aquelas destinadas ao ativo imobilizado e ao uso e

consumo dos contribuintes.

2.5 Porque “E” só trata do valor total das entradas, adquiridas por contribuintes

localizados no município Mn, advindas do próprio município Mn?

Porque tudo o que entra no município Mn, adquirido por contribuintes do imposto e

oriundo do “resto do mundo” (outros municípios do estado, outros estados ou outros países),

ainda não constitui consumo do município Mn. Ainda são operações intermediárias; por isso,

não são capturadas por “E”, que considera apenas o valor total de entradas advindas do

próprio município Mn. A parcela dessas entradas oriundas do resto do mundo que não está

contida em “E”, e que eventualmente precisa ser adicionada a “S – E”, é aquele tipo de

entrada que não tem saída posterior, ou seja, é a parte das compras feitas por contribuintes do

imposto para destinar ao seu ativo imobilizado ou ao seu uso e consumo próprio (consumo

das empresas), conforme já referido. Se o conceito de consumo municipal que se deseja obter

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é amplo, então essa parcela de consumo das empresas pode ser capturada, adicionando “A” ao

consumo do município.

2.6 Que tipo de consumo é obtido ao se (re)introduzir “A” na equação?

Os bens do ativo imobilizado e de uso e consumo próprios das empresas contribuintes

do imposto devem integrar o consumo municipal, porque o consumo que é obtido em “C = S

– E” contém bens do ativo imobilizado e de uso e consumo próprios dos não-contribuintes do

imposto. Portanto, é pertinente contemplar também essa parcela de consumo relativa aos

contribuintes do imposto.

Como o consumo é obtido de forma indireta, através das informações que integram os

sistemas do imposto estadual, tal qual ocorre com o cálculo do VA, requer reflexão para que

se obtenha resultado compatível com o conceito que se deseja obter. É possível aperfeiçoar o

cálculo do consumo municipal, o que é feito com as informações contidas na equação,

capturadas através das variáveis por “A” e “N”.

Trata-se de outros tipos de consumos, ou de investimentos, que devem ou não ser

capturados, dependendo do conceito que se deseja obter. Por exemplo, bens destinados ao

ativo imobilizado das empresas. É o tipo de bem cuja entrada tem qualquer origem (no

próprio município, em outros municípios do país ou no exterior) e para a qual não há saída

subseqüente. Geralmente, entra na empresa e não sai mais, a não ser na condição de ativo

usado, uma vez que não foi adquirido com o objetivo de revenda (mercantil). Trata-se de

inversão das empresas, que do ponto de vista das contas nacionais integra a conta da formação

bruta de capital fixo.

Conforme se verifica na equação, o valor das entradas de bens destinadas ao ativo

imobilizado é adicionado ao consumo municipal. O propósito é chegar a um conceito

mais amplo de consumo, mas essa variável da equação pode ser desconsidera, na

hipótese de que se deseje obter um conceito mais restrito, que não inclua o

investimento das empresas. Entretanto, aqui também seria necessário recompor toda a

equação, pois conforme já explicitado, a escolha de um conceito mais restrito de

consumo precisa levar em conta que “S – E” contém consumo de empresas que não

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são contribuintes do imposto e consumo dos governos. “S” também contém inversões

das famílias. Por exemplo, aquisição de veículo, que está computado como consumo

das famílias.

Assim, com os elementos disponíveis, é oportuno manter a equação na forma

proposta: C = (S – E) + A + N. O tipo de consumo que se obtém como resultado inclui o

consumo das famílias, governos, empresas não-contribuintes do imposto e empresas

contribuintes do imposto.

2.7 Como obter “N” para completar a equação?

O valor das compras, praticadas por não-contribuintes localizados no município Mn ,

advindas de outros municípios do estado e de outros estados é uma dificuldade, explicitada no

subitem 3.1.

2.8 Os estoques devem ser considerar no cálculo da equação consumo?

É oportuno. Para calcular o VA, muitos estados consideram a variação de estoques,

acrescendo às entradas o estoque do início do ano-base a que se referem as informações e

deduzindo das saídas o estoque final do exercício. É possível aperfeiçoar a equação consumo

adotando esse mesmo procedimento em “S” e em “E”.

Limitações e dificuldades para obter algumas variáveis que integram a equação do

consumo municipal

Algumas limitações e dificuldades vinculadas à equação consumo são de caráter

operacional. Em seguida, são comentadas algumas restrições, com vistas a verificar se é

possível indicar alternativas para a sua superação, e quando insuperáveis, em que medida elas

comprometem ou não a possibilidade de calcular o consumo municipal.

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3.1 Compras praticadas por não-contribuintes do imposto

“N” = valor das compras, praticadas por não-contribuintes localizados no município

Mn , advindas de outros municípios do estado e de outros estados.

É um dos elementos da equação consumo que não está disponível nos sistemas de

informações econômico-fiscais. As compras que os não-contribuintes fazem em outros

municípios do estado e em outros estados não estão contidas em “S”, simplesmente, porque

não-contribuintes não prestam informações ao fisco, não declaram saídas “S”.

Para que se obtenha um conceito mais amplo e completo de consumo municipal, há

pelo menos uma forma de lidar com essa restrição: adotando o mesmo procedimento

metodológico utilizado para consolidar a balança comercial interestadual dos estados.24 Isso

consiste em considerar, a título de “compras praticadas por não-contribuintes”, a informação

relativa às “vendas praticadas por contribuintes e que são destinadas a não-contribuintes”. Ou

seja, tomar como “entradas nos não-contribuintes” o que os contribuintes informam que

vendem a não-contribuintes.

Todavia, o que do ponto de vista conceitual pode ser resolvido pela forma sugerida

esbarra em dificuldade operacional insuperável. É que não há como imaginar que se poderia

exigir que os contribuintes (do mesmo estado e de outros) informassem suas saídas

suficientemente detalhadas a ponto de possibilitar a identificação das saídas destinadas a não-

contribuintes, por município destinatário (qualquer município do país) de localização do não-

contribuinte.

Enfim, significa dizer que é melhor que a equação consumo fique incompleta, pois não

se pode obter o consumo estimado pela ótica do produto de modo perfeito. Ou seja, que o

cálculo do consumo é indireto, que não conterá parcela do consumo daquelas empresas que

não integram o universo de contribuintes do estado quando elas comprarem fora do município

Mn. Também significa que o consumo da empresas que estará contido na equação consumo

diz respeito ao consumo das empresas cadastradas no imposto e que prestam informação ao

fisco, bem como à parcela de consumo das empresas que não são cadastradas no imposto,

desde que as compras tenham sido feitas no próprio município.

24 Cotepe/ICMS, GT 43 – balança comercial interestadual. A base das informações é a Guia das Operações e Prestações Interestaduais (GI), complementada com informações do Sinief dos estados.

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É importante que se esclareça que o cálculo do VA também não considera as compras

(entradas) praticadas por não-contribuintes. Em decorrência disso, o resultado do VA que é

obtido para fins do cálculo da cota-parte, resulta superestimado por não conseguir deduzir das

saídas aquelas compras (entradas) feitas por não-contribuintes do ICMS. Essa é uma das

razões da denominação “valor adicionado fiscal”, que o distingue do conceito que tem nas

contas nacionais.

3.2 Detalhamento das saídas com destino ao próprio município Mn e das entradas

oriundas do próprio município Mn

“S” = valor total de saídas, praticadas por contribuintes localizados no município Mn ,

com destino a contribuintes e a não-contribuintes localizados no próprio município Mn .

“E” = valor total de entradas, adquiridas por contribuintes localizados no município

Mn , advindas do próprio município Mn .

De modo geral, os modelos atuais das guias de informações econômico-fiscais dos

estados, exigidas dos contribuintes, não trazem todos os elementos necessários para o cálculo

da equação consumo por municípios. Por exemplo, não é exigido que as saídas e as entradas

sejam informadas segundo o município de destino e de origem. Os contribuintes já informam

a destinação das saídas (se para o próprio estado, se para outros estados ou se para o exterior),

mas não informam a destinação para o próprio município. Em decorrência disso, esse nível de

detalhamento teria que passar a se exigido. Destacamos que não é necessário que o

contribuinte informe todos os municípios de origem de suas entradas e o destino de suas

saídas, mas apenas aquelas saídas destinadas ao próprio município e aquelas entradas oriundas

do próprio município de sua localização.

Por ora essa é por certo é uma séria restrição. Todavia, conforme dissemos, é possível

criar o nível de detalhamento necessário, sem dificuldades operacionais significativas. Aliás,

diga-se que no âmbito do Sintegra (nos denominados “arquivos magnéticos”), já seria

possível obter os elementos com o detalhamento requerido pela equação consumo, tendo em

vista que o referido sistema apresenta praticamente todos os dados contidos nas notas fiscais.

Da mesma forma, os recentes projetos que vêm sendo desenvolvidos e estão vinculados à nota

fiscal eletrônica e Sped contribuem na superação dos entraves informacionais ao cálculo do

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consumo municipal, o que nos leva a crer que as restrições apontadas neste subitem podem

ser superadas

De todo modo, as restrições apontadas em relação ao detalhamento atual das

informações indicam que a adoção da variável consumo requer um período de transição para

sua adoção. Lembramos que a alteração do critério de partilha da cota-parte integra um

conjunto mais abrangente de alternativas de reforma, que também exigirão um período de

transição para serem implementadas. Isso significa que o consumo não pode ser adotado de

imediato, mas pode perfeitamente ser incluído no conjunto de requisitos necessários a uma

reforma da tributação dos bens e serviços e da partilha de receitas na Federação

3.3. Informações prestadas por contribuintes enquadrados em regimes diferenciados −

Simples Nacional

Até o momento, tudo indica que não será exigido das empresas optantes e enquadradas

no Simples Nacional que informem sobre suas operações de “entradas”.25 Pelo fato do

Simples Nacional ser uma cobrança sobre o faturamento, é possível que não haja intenção de

se exigir que informem as entradas, tanto é que a LC que institui o regime tem um dispositivo

que arbitra a margem de lucro bruto das empresas.26

Note-se que essa restrição (indisponibilidade de informações de entradas e

arbitramento da margem de valor agregado) traz implicações tanto para calcular o consumo

quanto para calcular o VA. É uma restrição que não diz respeito aos elementos da equação

consumo em particular, mas que causa dificuldades para calcular o consumo. De início, diga-

se que deve incluir as saídas “S” das empresas do regime do Simples Nacional no cálculo do

consumo municipal, mesmo que não se disponha das entradas “E” de tais empresas. A

omissão desse universo de empresas subestimaria o cálculo do consumo, inclusive, de modo

diferenciado, conforme o município. Tenderia a prejudicaria mais o coeficiente de

25 LC no 123/06, art. 25: as microempresas e empresas de pequeno porte optantes do Simples Nacional apresentarão, anualmente, à Secretaria da Receita Federal, declaração única e simplificada de informações socioeconômicas e fiscais, que deverão ser disponibilizadas aos órgãos de fiscalização tributária e previdenciária, observados prazo e modelo aprovados pelo comitê gestor. 26 LC no 123/06, art. 87: o § 1o do art. 3o da LC 63/90 passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 3º, § 1º: O valor adicionado corresponderá, para cada

Município: I – ao valor das mercadorias saídas, acrescido do valor das prestações de serviços, no seu território, deduzido o valor das mercadorias entradas, em cada ano civil;

II – nas hipóteses de tributação simplificada a que se refere o parágrafo único do art. 146 da Constituição Federal, e, em outras situações, em que se dispensem os controles de

entrada, considerar-se-á como valor adicionado o percentual de 32% (trinta e dois por cento) da receita bruta [grifo nosso].”

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.

participação de pequenos municípios. Em decorrência disso, deve se optar pela inclusão desse

universo de contribuintes do Simples Nacional no cálculo do consumo municipal.

Um aspecto favorável é que para calcular o consumo, não será necessário arbitrar as

margens de valor agregado dos contribuintes do Simples Nacional, conforme dispõe a LC no

123/06, porque isso só é necessário para calcular o VA. Mas para poder calcular o consumo,

será necessário que a norma (a mesma LC que disporá sobre o consumo) arbitre (como o fez a

LC no 123/06 para que o VA possa ser calculado) a proporção da destinação das saídas dos

contribuintes do Simples Nacional direcionadas ao consumo final; vale dizer, a proporção de

consumo contido nas saídas totais dos estabelecimentos dos contribuintes do Simples

Nacional para o próprio município de sua localização. Por exemplo: 80% das saídas desse

universo seriam tidas como direcionadas para o consumo final.

É possível que as dificuldades e restrições apontadas e relativas ao Simples Nacional

possam ser superadas em outro contexto que não seja necessariamente para resolver o

“problema” da equação consumo. Vislumbra-se que haverá dificuldades para uma fiscalização

eficiente se o fisco não dispor de informações adequadas para controlar as fraudes. Assim, é

possível que seja exigido das empresas enquadradas no regime prestarem informações, como

ocorre em relação aos valores de entradas ou valores do livro-caixa, até porque, alguns desses

elementos são abrangidos pela LC no 126/03.27

3.4 Consumidores finais comprando fora de sua jurisdição e vendas praticadas por

contribuintes do imposto localizados no município Mn, destinadas a consumidores finais de

outras jurisdições

Trata-se de compras diretas, feitas por consumidores finais, fora do município em que

residem.

A inclusão do consumo no critério da cota-parte contribui para reduzir a distorção

atual, inerente ao critério do VA em seu aspecto específico vinculado à tendência à

27 LC no 123/06, art. 26: “As microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional ficam obrigadas a: [...] § 2o: As demais microempresas e as empresas de pequeno porte, além do disposto nos incisos I e II do caput deste artigo, deverão, ainda, manter o livro-caixa em que será escriturada sua movimentação financeira e bancária. [...] § 4o: As microempresas e empresas de pequeno porte referidas no § 2o deste artigo ficam sujeitas a outras obrigações acessórias a serem estabelecidas pelo Comitê Gestor [grifo nosso], com características nacionalmente uniformes, vedado o estabelecimento de regras unilaterais pelas unidades políticas partícipes do sistema”.

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concentração (“município pequeno com fábrica grande”). Explicita-se um cálculo de consumo

pela ótica do produto e não pela ótica da renda gasta. Grosso modo, será considerado

consumo aquilo que os contribuintes informarem que venderam. Como, para efeitos fiscais,

não é habitual ou plausível exigir que o contribuinte identifique o endereço ou o local de

residência do comprador quando se trata de uma operação destinada ao consumidor final,

inevitavelmente, aparece o problema denominado na literatura cross border shopping (as

também chamadas “compras diretas”), que diz respeito a consumidores finais que praticam

compras fora de sua jurisdição, fora do município em que residem. Em todo o mundo, há

enorme preocupação com essa questão, pois ela dificulta a alocação “correta” do produto da

arrecadação de imposto sobre o consumo consoante o princípio de destino, ou seja, que haja

compabilibilidade entre a arrecadação e a jurisdição onde os consumidores demandam

serviços públicos. Ou seja, quando os consumidores finais compram fora de sua cidade,

pessoalmente ou pela Internet, não tem sido possível adotar procedimentos operacionais que

permitam destinar a arrecadação dessa parcela específica de consumo para os cofres da cidade

em que residem.

Em todo espaço geográfico (como no interior dos estados), por fatores de escala, infra-

estrutura, mão-de-obra e economia de aglomeração, há a tendência do surgimento de “pólos

de concentração comercial” vocacionados para vendas destinadas a consumidores finais.28

Pelo fato de que essa restrição não pode ser evitada, do consumo ser obtido pela ótica do

produto e de que o comércio também tende à concentração (por exemplo, shopping center),

principalmente, nas capitais e regiões metropolitanas, o critério do consumo é igualmente

propenso à concentração.

Dissemos que o VA tende à concentração porque é uma variável vinculada ao

princípio de origem. O consumo apresenta tendência à concentração por ser uma variável que,

do ponto de vista operacional, só consegue alocar o consumo segundo o princípio de tino de

modo imperfeito. Como atenuante, deve ser considerado que os fatores que levam à

28 Chamamos atenção para um aspecto: “pólos comerciais atacadistas” não são um

problema para a equação consumo, pois uma vez que não se trata de consumo final não são vendas que fiquem alocadas na jurisdição “errada”. A equação consumo captura as operações destinadas a contribuintes do imposto, de modo que vendas (saídas) para contribuintes, que serão objeto de revenda, não são consideradas consumo do município de localização do “pólo atacadista”, mas sim consumo do município em que ocorre a última aquisição.

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202

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concentração do consumo e do VA são de natureza diferentes, e desse modo, permanece

viável a proposição de se incluir o consumo na cota-parte.

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203

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Caderno Fórum Fiscal no 6

TRANSFERÊNCIAS INTERGOVERNAMENTAIS NA FEDERAÇÃO BRASILEIRA

Avaliação e alternativas de reforma

VOLUME 3

Capítulo 4 – A questão do equilíbrio vertical

Capítulo 5 – As transferências compensatórias

Capítulo 6 – Financiamento do gasto social: educação e saúde.

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204

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INDICE

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................206

CAPÍTULO 4 − O EQUILÍBRIO VERTICAL NA FEDERAÇÃO BRASILEIRA...............................................................................................................207

4.1 A identificação do problema......................................................................................207

4.2 O esvaziamento dos estados.......................................................................................209

4.3 Análise da situação orçamentária atual......................................................................211

Elevação da carga tributária.......................................................................................214

Mudança unilateral da distribuição vertical................................................................215

4.4 Dificuldades para a obtenção do equilíbrio vertical..................................................217

Ausência de mecanismo institucional.........................................................................217

Identificação de mecanismos de ajuste.......................................................................218

CAPÍTULO 5 − AS TRANSFERÊNCIAS COMPENSATÓRIAS……………………….221

5.1 Conceituação ......................................................................................................... 221

5.2 A experiência brasileira − uma visão geral ............................................................ 222

Desoneração das exportações: um caso agudo de desconforto.............................222

A importância relativa das transferências compensatórias.........................................223

5.3 O modelo atual de transferências compensatórias .................................................. 224

Transferência pela desoneração das exportações de produtos industrializados................................................................................................225

Transferência instituída pela Lei Complementar no 87/96..........................................226

Auxílio aos estados exportadores............................................................................... 231

5.4 O futuro do modelo de transferências compensatórias ........................................... 233

5.5 Proposta do governo federal de novo tratamento do ICMS nas exportações (março 2006) ...................................................................................................................... 235

5.6 A incompatibilidade das transferências compensatórias com o princípio do destino na tributação................................................................................................................ 237

5.7 Alternativas ao sistema de transferências compensatórias ...................................... 238

CAPÍTULO 6 − FINANCIAMENTO DO GASTO SOCIAL NA FEDERAÇÃO BRASILEIRA: EDUCAÇÃO E SAÚDE…………………………………………………...240

Apresentação .............................................................................................................. 240

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6.1 Financiamento do gasto social em Federações: vinculação e programas nacionais. 241

6.1.1 Uso de sistemas de equalização: um primeiro modelo....................................243

6.1.2O uso de transferências condicionadas: um segundo modelo.............................244

1a)Programas nacionais..................................................................................245

2a) Uma modalidade alternativa; transferências concontrapartida...............246

6.1.3 A vinculação de receitas nos orçamentos subnacionais........................................................................................247

Algumas observações gerais...........................................................................250

6.2 O financiamento da saúde no Brasil..........................................................................252

6.2.1Os agentes financiadores da atenção à saúde.....................................................255

6.2.2Histórico do financiamento público da saúde no Brasil....................................258

O papel da previdência social no financiamento da atenção à saúde............260

As mudanças da década de 1970 na área de saúde........................................264

A década de 1980: o processo de descentralização do sistema de saúde e o seu financiamento......................................................................................268

As alterações com a Constituinte de 1988 e o financiamento na década de 1990.....................................................................................................273

A extinção do Inamps, a criação das NOBs e a Noas 01/0.............................277

As fontes de financiamento..............................................................................285

A Emenda Constitucional no 29/00.................................................................290

6.2.3Distribuição intergovernamental de funções......................................................294

6.2.4Alternativas a serem aprofundadas....................................................................296

REFERÊNCIAS..........................................................................................................300

6.3 Financiamento da educação na Federação brasileira .............................................. 307

6.3.1Financiamento de educação brasileira via vinculação........................................310

6.3.2O sistema arcaico de vinculação e o Fundef/Fundeb..........................................313

6.3.3Funcionamento do sistema e o conflito de competências...................................318

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APRESENTAÇÃO

Este é o terceiro e último volume do Caderno no 6, editado pelo “Fórum fiscal dos estados brasileiros” e intitulado Transferências intergovernamentais na Federação brasileira – avaliação e alternativas de reforma.

Este volume contém três estudos. O primeiro deles – capítulo 4 – aborda uma importante questão geral relativa ao sistema de transferências: o chamado “equilíbrio vertical” na distribuição dos recursos na Federação. Ele levanta um importante problema, normalmente, desconsiderado em nossa Federação: a necessidade de que sejam desenvolvidos mecanismos e bases de informação que permitam uma negociação eficiente da distribuição vertical dos recursos fiscais.

O segundo estudo – capítulo 5 – aborda as chamadas transferências compensatórias; ou seja, a Lei Kandir e similares. É feita uma retrospectiva histórica de sua evolução e são debatidos os possíveis rumos que tais mecanismos possam tomar.

O último estudo – capítulo 6 – aborda as transferências intergovernamentais associadas ao financiamento da saúde e da educação. É composto por três itens. O primeiro levanta algumas questões conceituais relativas ao uso de transferências condicionadas no financiamento federativo. O segundo oferece uma ampla descrição do financiamento da saúde na Federação brasileira e o terceiro aborda, também de forma descritiva, o financiamento da educação.

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CAPÍTULO 4 −−−− O EQUILÍBRIO VERTICAL NA FEDERAÇÃO BRASILEIRA

Patrícia F. Motta Café

Sefaz/DF

4.1 A identificação do problema

Como em toda Federação, a distribuição vertical no Brasil é condicionada por dois

grandes determinantes. O primeiro é a estrutura do sistema tributário, principalmente, no que

se refere às competências tributárias e ao poder de criar novas formas de taxação. O segundo

diz respeito aos critérios que comandam as transferências. Como no Brasil as transferências

voluntárias têm pouca importância, o que afeta a distribuição é essencialmente o conjunto de

regras − em sua maior parte, constitucionais − controladoras das transferências verticais

legalizadas. As decisões orçamentárias do GF têm, no Brasil, impacto relativamente menor do

que em outros países, no que se refere ao financiamento subnacional.

Os gráficos a seguir mostram como evoluiu a distribuição de arrecadação e receita no

longo prazo. O gráfico de receita arrecadada demonstra o resultado das competências

tributárias antes das transferências. O gráfico da receita disponível indica a apropriação final

da receita após as transferências.

Deve ser observado que a arrecadação de tributos sempre foi bastante desequilibrada

no plano vertical. Como já foi aqui explicado, no Brasil predomina a concentração de receita

fiscal nos governos superiores, o que não difere do ocorrido nas demais Federações. É

justamente essa desigualdade de nível de arrecadação entre as diversas esferas de governo −

produzida pela própria estrutura de competências tributárias − que justifica a existência de um

sistema de transferências que, embora implantado pela Constituição Federal de 1946, só

assumiu uma dimensão maior na reforma tributária de 1965-1967.

O montante de recursos cedidos pelo GF – algo em torno de 15% das receitas

arrecadadas por ele, 4% do PIB – é distribuído entre os estados (para governos e municípios)

segundo mecanismos regulados constitucionalmente quase na íntegra. A distribuição

resultante não é uniforme entre os Estados, beneficiando relativamente as regiões mais

atrasadas. Tal distribuição não mudou significativamente na última década, pois as regras

básicas dos principais fluxos permanecem inalteradas.

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208

.

Estudo Ze afonso Unicamp sobre ]Carga tributáriaCarga Tributária Global no Brasil, 2000/2005: cálculos revisitados?

RECEITA ARRECADADA POR NÍVEL DE GOVERNO-% PIB

02468

10121416182022242628

1960

1965

1970

1971

1972

1973

1974

1975

1976

1977

1978

1979

1980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

1987

1988

1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

200

5e

UNIÃO ESTADOS MUNICÍPIOS

RECEITA DISPONÍVEL POR NÍVEL DE GOVERNO - %PIB

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

20

22

24

1960

1965

1970

1971

1972

1973

1974

1975

1976

1977

1978

1979

1980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

1987

1988

1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

UNIÃO ESTADOS MUNICÍPIOS

RECEITA ARRECADADA POR NÍVELD E GOVERNO - DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL

68,475,1

66,7

30,6

20,6

31,2

26

5,62,7

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

1960

1965

1970

1971

1972

1973

1974

1975

1976

1977

1978

1979

1980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

1987

1988

1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

UNIÃO ESTADOS MUNICÍPIOS

RECEITA DISPONÍVEL POR NÍVEL DE GOVERNO - COMPOSIÇÃO PERCENTUAL ARRECDA

2005 57,61970 60,8

2005 25,2

1970 29,2

2005 17,21970 10

0

10

20

30

40

50

60

70

80

1960

1965

1970

1971

1972

1973

1974

1975

1976

1977

1978

1979

1980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

1987

1988

1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

UNIÃO ESTADOS MUNICÍPIOS

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209

No entanto, o caso brasileiro envolve aspectos singulares e preocupantes, no que tange

a questão do equilíbrio vertical:

4.2 O esvaziamento dos estados

Conforme a própria evolução histórica da receita disponível aqui apresentada,

verificamos nos anos mais recentes uma tendência de ganho real na receita disponível

originado pelas transferências. Tal ganho tem beneficiado apenas os municípios,

comprometendo a capacidade de gastos, principalmente, dos estados, mas também da União.

Os gráficos a seguir servem como uma “lente de aumento” no ano de 2005, apresentando a

composição final da carga tributária e a distribuição da arrecadação própria e da receita

disponível entre as três esferas de governo.

De acordo com os gráficos, após as transferências, os municípios acrescem 12,4% da

arrecadação total a sua receita disponível, enquanto a União perde 2,4% e os Estados mantêm

a mesma situação de antes. É sabido que o atual sistema de transferências acaba incentivando

a criação de pequenos municípios, apesar de uma menor tendência nesse sentido a partir da

implantação, em 1997, de mecanismos legais que dificultaram a emancipação. De toda forma,

a existência desses incentivos nos leva a discutir o sistema de transferências no federalismo

brasileiro.

Gráfico 5 − Composição final da carga tributária nas diferentes esferas de governo

Fonte: Carga tributária de 2005 – SRF.

0

20

40

60

80

100

União Estados Municípios

% a

rrec

adaç

ão t

ota

l

Arrecadação Própria

Transf. da União

Transf. de Estados

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210

Gráfico 6 − Distribuição da arrecadação própria e da receita disponível entre as

diferentes esferas de governo

Quanto aos gráficos de arrecadação apresentados que contêm a série histórica, deve ser

observado que alguns autores ressaltam um crescimento da participação do GF na receita

disponível nos últimos anos. No entanto, a longo prazo, vemos que não chega nem perto da

participação verificada nos anos 1970, período da centralização do regime militar.

De fato, o crescimento da participação do GF na arrecadação, via contribuições, foi

acompanhado de um aumento das transferências, de forma que a receita disponível do GF não

cresceu tanto. Os grandes beneficiados pelo processo foram os municípios, os quais ganharam

entre 1970 e 2004 aproximadamente 7% de participação na receita disponível; 2% por conta

de aumento da arrecadação própria e 5% decorrente de transferências. Os grandes perdedores

são os estados. No mesmo período, conseguiram aumentar sua arrecadação em apenas 2% do

PIB, muito menos do que cresceu a arrecadação federal e a municipal. Juntando o

comportamento das transferências, resulta que a receita disponível dos estados cresceu muito

pouco. Sua participação relativa na receita disponível caiu de quase 30% em 1970 para 25%

agora; com toda certeza, um dos níveis mais baixos de participação para governos

intermediários em todo o mundo.

Para ilustrar a existência dessa tendência de ganho real na receita disponível originado

pelas transferências, apenas por parte dos municípios, em detrimento de uma maior

capacidade de gastos dos estados e da União, procedeu-se a uma análise da evolução temporal

da situação de receitas versus despesas de cada esfera de governo, entre 2000 e 2005.

01020304050607080

União Estados Municípios

% a

rrec

adaç

ão to

tal

Arrecadação Própria

Receita Disponível

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211

Pretende-se que esse estudo seja apenas um sinalizador da questão do ajuste vertical e

que sirva de subsídio para a discussão do assunto dentro da Federação. Sabemos que existem

limitações ao utilizarmos um exemplo prático, apoiado em dados fiscais correntes,

especialmente, pelo lado das despesas. O mau ou o bom resultado orçamentário, além de

depender da capacidade tributária e do montante de recursos recebidos através das

transferências, também tem relação direta com a qualidade de gastos do ente federado. Porém,

espera-se que a Lei de Responsabilidade Fiscal esteja atuando positivamente com relação a

esse aspecto.

De qualquer forma, não há aqui a mínima pretensão de identificar a brecha vertical

com os resultados orçamentários. Apenas pretendemos que os resultados apresentados sirvam

de norte para futuros estudos, e auxiliem a abrir a discussão sobre a questão vertical na

Federação brasileira.

4.3 Análise da situação orçamentária atual

União

Entre 2000 e 2005, a União apresentou um acréscimo absoluto de 0,77 pontos

percentuais do PIB em seu resultado primário. Compõem o resultado primário, as receitas

totais, as transferências e as despesas. Em valores correntes, a receita total cresceu 106%,

enquanto as transferências cresceram 108% e as despesas, 102%. O próximo gráfico apresenta

a evolução do resultado primário em valores correntes, resultado esse que tem se mostrado

sempre positivo e crescente ao longo do período.

Gráfico 7 − Evolução do resultado primário da União

Fonte: Tesouro Nacional.

0,0010.000,0020.000,0030.000,0040.000,0050.000,0060.000,00

2000 2001 2002 2003 2004 2005(R-D

) m

ilhõ

es R

$

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212

No entanto, quando acrescentamos os juros nominais ao longo do período para se

obter o resultado orçamentário, a situação da União torna-se bastante crítica, conforme indica

o gráfico a seguir.

Gráfico 8 − Evolução do resultado orçamentário da União

Fonte: Resultado do Tesouro Nacional.

Estados

A situação orçamentária do conjunto dos estados foi deficitária entre os anos de 2001 e

2004, ou seja, as despesas orçamentárias superaram as receitas. Em 2005, passou a ser

superavitária. O próximo gráfico apresenta a evolução do déficit orçamentário dos estados,

entre 2000 e 2005.

Gráfico 9 − Evolução do resultado orçamentário dos estados

Fonte: Ipeadata.

-80.000,00-70.000,00-60.000,00-50.000,00-40.000,00-30.000,00-20.000,00-10.000,00

0,00

2000 2001 2002 2003 2004 2005

milh

ões

R$

-6.000,00-5.000,00-4.000,00-3.000,00-2.000,00-1.000,00

0,001.000,002.000,00

2000 2001 2002 2003 2004 2005

milh

ões

R$

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213

Resultado Orçamentário dos Estados

-4000

-3000

-2000

-1000

0

1000

2000

3000

2000

2001

2002

2003

2004

2005

mil

R$

NorteNordesteCentro OesteSudesteSul

Carga Tributária

0

10

20

30

40

2000

2001

2002

2003

2004

2005

% P

IB

UniãoEstadosMunicípiosTotal

Analisando-se a situação dos estados por região, constatamos desigualdades regionais

importantes. A região que apresentou o melhor resultado orçamentário em 2005 foi a

Nordeste, a qual passou por grandes oscilações orçamentárias no período de 2000 a 2005,

enquanto a região Sul foi a que apresentou o resultado mais deficitário. Outra região de

grandes oscilações no período foi a região Sudeste, que em 2005 apresentou resultado

superavitário. Quanto à região Norte, esta sofreu pequenas oscilações no período,

apresentando resultado superavitário em 2005. Por sua vez, a região Centro-Oeste sempre

esteve deficitária entre os anos 2000 e 2005. Os próximos gráficos mostram a evolução do

resultado orçamentário nesse período.

Gráfico 10 − Evolução do resultado orçamentário dos estados por região

Fonte: Ipeadata.

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214

Resultado Orçamentário Municipal

0

5000000

10000000

15000000

20000000

25000000

30000000

20

00

20

01

20

02

20

03

20

04

20

05

(R-D

) $R

NorteNordesteCentro-OesteSudesteSul

Municípios

A situação orçamentária dos municípios tem se mostrado superavitária, com resultados

crescentes entre 2000 e 2005, conforme apresenta o próximo gráfico. A região de melhor

resultado é a Sudeste.

Gráfico 11 − Evolução do resultado orçamentário dos municípios por região

Fonte: Ipeadata.

Portanto, diante da análise da situação orçamentária das diferentes esferas de governo,

reforçarmos o argumento de que, atualmente, os grandes beneficiados em termos de receita

disponível (isto é, após as transferências) são os municípios, enquanto os grandes perdedores

são os estados.

Elevação da carga tributária

O atual sistema tributário brasileiro gera alta rigidez no orçamento federal, com pouco

espaço para novos gastos, daí a necessidade sistemática de elevação da carga tributária,

conforme pode ser observado no gráfico de receita arrecadada %PIB, contendo dados do

período 1996-2005, no início deste item.

Analisando mais de perto os anos mais recentes, conforme dados apresentados pela

Receita Federal em 2005, a carga tributária bruta atingiu 37,37% do Produto Interno Bruto

(PIB) contra 35,92% em 2003, representando variação positiva de 1,45%. Esse crescimento

da carga tributária, ainda que suave, tem se mostrado como uma tendência ao longo dos

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215

Carga Tributária

0

10

20

30

40

2000

2001

2002

2003

2004

2005

% P

IB

UniãoEstadosMunicípiosTotal

últimos anos, conforme demonstra o gráfico seguinte. Se calcularmos a variação acumulada

da carga tributária entre 2000 e 2005, verificamos que é de 4,82% do PIB.

Gráfico 12 − Evolução da carga tributária nas diferentes esferas de governo

Fonte: Carga tributária – Secretaria Receita Federal.

Mudança unilateral da distribuição vertical

Em geral, nas Federações contemporâneas, a estrutura de competência tributária tende

a ser relativamente estável, sofrendo alterações apenas em intervalos de tempo mais longos.

Dessa forma, o que determina a distribuição vertical é o sistema de transferências. Quando

necessário reajustar a distribuição, o que se faz, usualmente, é alterar a distribuição dos

impostos federais através do compartilhamento dos impostos básicos (de renda e IVA) com os

governos subnacionais.

O caso brasileiro recente é muito diferente dessa situação mais freqüente. Qualquer

tentativa de entender a distribuição vertical de recursos no Brasil das duas últimas décadas

tem, necessariamente, que considerar o que acontece no nível da apropriação inicial dos

recursos, ou seja, da estrutura de competências tributárias. A prerrogativa do governo federal

para instituir e controlar sozinho as contribuições sociais tem permitido que ele modifique a

distribuição vertical de recursos, ampliando unilateralmente sua arrecadação através desse

expediente, sem que os governos subnacionais possam participar da carga tributária dessa

forma ampliada. Ocorre aqui, portanto, outra vez, uma situação em que, para entender o que

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216

ocorre na partilha de recursos, teremos que discutir temas que vão além do contexto estrito

das transferências existentes e suas regras.

Um segundo mecanismo pelo qual o governo federal consegue alterar a distribuição

vertical de recursos de forma unilateral se dá através da complementação do Fundef. Está

prevista na legislação do Fundef, uma complementação da União para os estados que não

consigam assegurar um valor mínimo por aluno/ano igual à média nacional. Conforme dados

da Sefaz/BA, entre 1998 e 2006, o valor fixado pela União variou entre 60% e 75% da média

nacional, gerando prejuízos para estados e municípios, conforme demonstra a tabela a seguir.

Tabela 1 − Valor mínimo por aluno/ano

ANO VALOR MÍNIMO POR ALUNO/ANO

PERDA RELATIVA

Média Nacional

Fixado pela União

1998 418,78 315,00 25% 1999 453,10 315,00 30% 2000 511,35 333,00 35% 2001 585,38 363,00 38% 2002 685,66 418,00 39% 2003 759,77 462,00 39% 2004 888,13 537,71 39% 2005 990,39 620,56 37% 2006 1.134,87 682,60 40% Fonte: Sefaz/BA.

E finalmente, não existe vinculação explícita dentro do sistema de saúde de aportes

financeiros pela União, tal qual está previsto para os estados e municípios. A Emenda

Constitucional no 29 obriga estados e municípios a aplicarem em saúde 12% e 15%,

respectivamente, de seus orçamentos próprios. A União, por sua vez, só não pode aplicar na

área menos do que aplicou no ano anterior, ajustado de acordo com a variação nominal do

PIB. Dessa forma, o sistema de saúde também pode ser responsável por desequilíbrios no

ajuste vertical, pois, com a regra prevista legalmente, o aumento proporcional das despesas

com ações e serviços públicos de saúde dos estados e municípios foi muito maior do que o

mesmo aumento da União, entre os anos de 2000 e 2005, conforme demonstra a próxima

tabela.

Tabela 2 − Despesas com ações e serviços públicos de saúde em relação ao PIB

ANO UNIÃO ESTADOS MUNICÍPIOS 2000 1,73% 0,54% 0,63% 2001 1,73% 0,64% 0,71% 2002 1,67% 0,73% 0,81%

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217

2003 1,60% 0,72% 0,80% 2004 1,68% 0,83% 0,84% 2005 1,73% 0,80% 0,94%

Fonte: Siops (estados e municípios) e SPO/MS (União) – posição em 10 de abril de 2007.

No ano 2000, a União gastou com saúde 1,73% do PIB; em 2005, o mesmo

percentual, e nos anos entre 2000 e 2005, o gasto na área em relação ao PIB foi ainda menor,

chegando a atingir 1,60% do PIB em 2003. Nos estados, o gasto com saúde evoluiu de 0,54%

em 2000 para 0,80% do PIB em 2005, enquanto nos municípios, o gasto na área evoluiu de

0,63% a 0,94%, no mesmo período.

4.4 Dificuldades para a obtenção do equilíbrio vertical

No Brasil, dimensionar qual o montante agregado de recursos deve ser transferido do

governo federal para os governos subnacionais é uma tarefa difícil, pois envolve uma

avaliação financeira de encargos num país de:

competências concorrentes na execução dos serviços pertinentes às políticas setoriais

de saúde, habitação e saneamento, educação etc.;

grande heterogeneidade entre regiões, no que tange ao nível de desenvolvimento

econômico, aos padrões de qualidade dos serviços básicos prestados e ao nível de custos

envolvidos na prestação dos serviços; e

baixa cooperação entre os governos subnacionais, o que dificulta a discussão em

termos agregados.

Como já discutimos aqui, a única referência possível de ser adotada para discutir a

distribuição vertical de recursos é a distribuição de encargos na Federação, ponderada pelos

diferenciais de custos entre as jurisdições. No Brasil, não dispomos sequer da mais precária e

grosseira avaliação desses elementos. Ainda que se aceite, de fato, a existência de enormes

dificuldades para tal avaliação, não deixa de ser verdade que até hoje os governos pouco

esforço dedicaram a esse objetivo.

Ausência de mecanismo institucional

Em todas as Federações, há uma constante tensão nas relações intergovernamentais no

que se refere à distribuição vertical. O que varia muito é o grau em que se logrou o

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218

desenvolvimento de mecanismos eficientes e racionais para a discussão dessa distribuição; ou

seja, o processo de negociação que permita chegar a um acordo (um “pacto federativo”) que

defina qual parcela da carga tributária deve caber a cada governo.

No Brasil, não existe e nunca existiu qualquer mecanismo institucional que sirva a

esse propósito. A distribuição vertical sempre foi definida através da competição política entre

governos, ficando ao sabor do maior ou menor poder que cada esfera de governo detinha em

determinados momentos. Nos momentos em que o GF tinha maior força, ele deslocava a

distribuição a seu favor. Quando o GF fica frágil, os governos subnacionais tratam de inverter

o processo, apropriando-se de maior parcela dos recursos. É gritante a diferença em relação ao

ocorrido em Federações que dispõem de dispositivos de negociação institucionalizados −

comissões intergovernamentais, boards de especialistas com autonomia etc. −, os quais

possibilitam uma avaliação das necessidades e, assim, serem evitadas crises de financiamento

decorrentes de uma distribuição inadequada.

Portanto, associado à dificuldade de avaliação dos encargos, não ocorre no Brasil uma

discussão sobre o problema do ajuste vertical, como também, não existe um mecanismo que

promova esse ajuste em caso de desequilíbrio, a exemplo de outros países, como a Índia, a

Alemanha, o Canadá e a Austrália. O estudo de adequação entre receitas e despesas deve ser

reexaminado periodicamente, para adaptar o montante agregado e sua distribuição às

mudanças que vão ocorrendo ao longo do tempo, sempre com a finalidade de garantir um

padrão adequado na qualidade do serviço público prestado.

Identificação de mecanismos de ajuste

O resultado dessa dupla deficiência – ausência de instituições e ausência de

informações mínimas necessárias – faz com a distribuição vertical se torne exclusivamente

um problema de força política. Dessa forma, nas duas últimas décadas, a evidente fragilização

dos governos estaduais e a crescente consolidação da força política municipal têm trazido

efeitos sobre a distribuição vertical.

Diante desse cenário, faz-se necessário abrir a discussão sobre esse tema na Federação,

para que a questão vertical seja abordada com base em parâmetros técnicos. Portanto, a

primeira medida para tratar do tema seria a formar uma comissão nacional (periódica ou

permanente), com representantes de todos os entes federados, além de especialistas. Tal

comissão, de caráter consultivo, atuando através de recomendações ao Congresso Nacional,

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219

teria como responsabilidade iniciar e desenvolver o estudo de encargos na Federação

brasileira, bem como, acompanhar a dinâmica do ajuste vertical na Federação.

A partir dos dados levantados e dos estudos efetuados pela comissão, seria possível

proceder periodicamente a uma avaliação do ajuste vertical, confrontando a receita disponível

com os encargos de cada ente federado. A partir desse estudo, a negociação entre as diferentes

esferas governamentais, que atualmente é simplesmente de âmbito político, poderia dar lugar

a uma discussão mais técnica.

Além disso, mesmo que a Federação conte com mecanismos de negociação vertical e

com uma base de informações que permitam avaliar os encargos e definir, com algum grau de

racionalidade, a mais adequada distribuição vertical dos recursos, é necessário que o sistema

fiscal do país conte com instrumentos que permitam operar esse ajustamento de forma

eficiente. Na maior parte dos países, tal instrumento é o compartilhamento dos impostos

básicos, como renda e IVA, os quais são geralmente controlados pelo governo federal. Um

caso emblemático é o da Alemanha, onde se atribui ao IVA federal o papel de instrumento de

ajuste fino vertical através da alteração dos percentuais do seu rateio.

No Brasil, dada a quase total constitucionalização das regras de rateio, não existe, de

fato, um instrumento ágil de ajuste vertical. Exatamente por esse motivo, esse ajuste tem

ocorrido sempre através de reformas constitucionais penosas e conflituosas e, mais

freqüentemente, em momentos politicamente críticos, de mudanças mais profundas, como

verificado no início e no fim do regime militar.

Portanto, além da institucionalização da discussão do ajuste vertical, a segunda medida

estaria relacionada com a criação de mecanismos de ajuste. Faz-se necessária a eleição de

uma base para o fundo responsável pela promoção do equilíbrio vertical menos suscetível às

manipulações unilaterais de um dos entes federados. Por exemplo, poderia ser utilizado um

percentual das atuais contribuições sociais (PIS, Cofins), do IPI e do ICMS.

Além disso, e ainda relacionado à segunda medida, seria interessante utilizar um fundo

cuja dimensão fosse dinâmica e que naturalmente se ajustasse às alterações que ocorrem ao

longo tempo. Por exemplo, hoje seria o Fundo de Participação, com os ajustes devidos, ou,

propriamente, um sistema de equalização.

Todos esses argumentos demonstram que um dos temas mais importantes no que se

refere ao sistema de transferências brasileiro é a questão dos mecanismos para a obtenção do

ajuste vertical. Portanto, sabe-se que a questão vertical ainda não está sendo abordada no país,

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220

mas, alguns passos, como os mencionados anteriormente apontados, já podem ser tomados

como início de solução do problema. Bem sabemos que a Federação brasileira estará

fortalecida a partir do momento em que os problemas forem discutidos de forma transparente

e à luz de conhecimento técnico, tomando-se por base parâmetros confiáveis, a exemplo do

que ocorre em outras Federações.

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221

CAPÍTULO 5 −−−− AS TRANSFERÊNCIAS COMPENSATÓRIAS

Luiz Márcio de Souza

Sefaz/SP∗∗∗∗

5.1 Conceituação

Transferências compensatórias são típicas de estados federativos. Envolvem uma

situação de desconforto, provocada por um desenho insatisfatório do sistema normativo que

compromete as receitas tributárias de, pelo menos, parte dos governos subnacionais. Também

existem demandas que podem ser classificadas como tal, motivadas pela exaustão de recursos

naturais, por uma especialização intensa da atividade econômica ou por alguma outra

condição regional que provoca certo desequilíbrio na Federação, com uma distribuição

perversa de ônus e benefícios.

O sistema de transferências é encargo de um ente externo à situação de desconforto,

com capacidade orçamentária de absorvê-lo. Nas Federações, o governo central, normalmente

em situação privilegiada do ponto de vista da variedade e solidez de suas receitas tributárias,

costuma cumprir esse papel.

A situação de desconforto fornece o quadro de referência a partir do qual se definem a

ordem de grandeza da compensação e os critérios de sua distribuição entre os governos

afetados. Assim, onde existir demanda por transferências compensatórias, por certo, haverá

um esforço dos interessados em quantificar a situação de desconforto.

Pelo critério da fixação do quantum a ser transferido, os modelos de transferências

compensatórias são classificáveis nos tipos "conta aberta" e "conta fechada". No primeiro,

persegue-se o montante necessário para superar a situação de desconforto, que assume o papel

de uma variável exógena. No segundo, o valor global a ser transferido é determinado a priori

(ou determinável), segundo algum critério endógeno − que ignora a situação de desconforto.

Por exemplo, uma porcentagem fixa das receitas tributárias do governo central, ou de alguns

tributos para esse fim selecionados.

∗ Este trabalho se beneficiou muito da contribuição de Gedalva Baratto (Sefaz/PR), tanto pelo aporte de informações e dados, como por importantes comentários críticos. A abordagem e as opiniões apresentadas são, contudo, de exclusiva responsabilidade do autor e da coordenação, assim como as eventuais falhas existentes.

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222

Quanto à eficácia, os modelos de conta fechada se destacam negativamente, na

perspectiva dos governos afetados. Em primeiro lugar, é mais tênue o compromisso de se

alcançar a compensação integral, que neutralize a situação de desconforto. Por fim, há o risco

de deterioração, de um crescente hiato ao longo do tempo, entre necessidades de compensação

e recursos colocados à disposição do sistema.

5.2 A experiência brasileira − uma visão geral

A experiência brasileira no tratamento das transferências classificadas como

compensatórias foi construída ao redor do ICMS. Em termos normativos, ela pode ser

representada da seguinte forma:

a Constituição Federal, ou lei complementar, afasta a incidência de ICMS (imposto de

competência estadual) sobre determinadas operações;

a Constituição Federal, lei complementar, ou mesmo lei ordinária, fixa um modelo de

compensação. A compensação se fundamenta na idéia de que cabe à União transferir recursos

aos estados, uma vez que estes arcam com as conseqüências, do ponto de vista da receita, da

adoção de imunidades e isenções de ICMS de interesse nacional. Quanto aos municípios, pelo

fato de que a eles pertencem 25% do produto da arrecadação do ICMS, também são

alcançados por todas as modalidades de transferências compensatórias.

Quanto ao objeto, pode-se considerar que as transferências compensatórias foram

adotadas no Brasil para sustentar politicamente a imposição econômica de desonerar as

exportações. Isso não significa, porém, exclusividade, mas apenas preponderância. Para efeito

das transferências compensatórias, as exportações têm a companhia de operações de outras

naturezas: a aquisição, por contribuinte, de bens destinados ao ativo imobilizado, iniciativa

alinhada com uma das concepções correntes do ICMS como um imposto “não-cumulativo”.

Desoneração das exportações: um caso agudo de desconforto

No caso brasileiro, as características próprias do ICMS aumentam o desconforto

provocado pela desoneração das exportações. Além da diminuição da base tributável, que

afeta o conjunto dos estados, o movimento de desoneração incidiu sobre um sistema

tecnicamente insatisfatório. Neste vigoram o princípio de origem (ainda que mitigado) na

repartição do imposto devido nas operações interestaduais e a obrigação constitucional de

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223

respeito à não-cumulatividade, que se estende aos créditos formados em qualquer ponto do

território nacional.

A combinação desses elementos contribui para a distribuição desigual do ônus da

desoneração, com tendência a fragilizar justamente aqueles estados que arcam mais com os

créditos advindos de operações interestaduais do que auferem débitos dessas mesmas

operações. Quanto mais extensa a cadeia produtiva da mercadoria exportada, maior a

possibilidade de que as etapas anteriores à exportação tenham ocorrido em outras unidades da

Federação, que, legalmente, por sinal, arrecadaram o ICMS devido em operações, até então,

internas ao país. Em situações desse tipo, todo o ônus é concentrado no estado que abriga o

último elo da cadeia, pois o contribuinte deverá escriturar como crédito o valor

correspondente ao imposto devido nas etapas que precederam à exportação da mercadoria.

O mau funcionamento do sistema se manifesta na "acumulação de crédito" de ICMS

pelos contribuintes exportadores, uma vez que os governos estaduais resistem a reconhecer

uma obrigação para a qual pouco, ou mesmo nada, tenham contribuído. O resultado final é a

desoneração parcial das exportações, cuja contrapartida é a formação de mais um "esqueleto"

− passivo sem tratamento regular pelos estados.

A importância relativa das transferências compensatórias

Há uma tendência declinante na participação das transferências compensatórias na

receita dos governos subnacionais. O próximo gráfico ilustra a situação, ao apresentar a

participação das transferências da União, segundo a sua natureza, na receita disponível de

estados e municípios. As transferências de natureza compensatória, após o pico de 3,1% em

1999, ficaram no patamar de 1,7% em 2.005. Os dados dos orçamentos de estados e

municípios revelam, ainda, a importância relativa significativamente maior das transferências

de natureza redistributiva, bem como a recente expansão daquelas transferências relacionadas

à “cooperação governamental”.

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224

Gráfico 13 − Participação das Transferências da União na receita disponível de estados

e municípios

Fonte: dados obtidos da STN e do “Estudo Relativo às Perdas Históricas dos Estados e Municípios com a Desoneração do ICMS Incidente Sobre as Exportações e Com a Apropriação de Créditos de ICMS de Bens do Ativo Permanente”, do SubGT Quantificação da COTEPE/ICMS.

Notas: (1) FPE e FPM (2) Fundo IPI Exportação, Lei Kandir e Auxílio aos Estados Exportadores

(3) FUNDEF e SUS

5.3 O modelo atual de transferências compensatórias

Está em vigor um conjunto de modelos superpostos que vêm se acumulando desde a

promulgação da Constituição Federal, em 1988: a transferência pela desoneração das

exportações de produtos industrializados − também conhecida como Fundo IPI Exportação

ou, ainda, Fundo de Compensação pela Desoneração das Exportações (FPEX) −; a

transferência instituída pela Lei Complementar no 87/96 − conhecida como Lei Kandir − e o

chamado "Auxílio Exportação", o componente mais novo desse sistema. A análise da

evolução de cada um dos modelos, portanto, facilita o entendimento da situação atual.

0%

5%

10%

15%

20%

25%

1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Transferências de Natureza Redistributiva (1)

Transferências de Natureza Compensatória (2)

Transferências de Natureza "Cooperação Intergovernamental" (3)

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225

Transferência pela desoneração das exportações de produtos industrializados

Ao tratar do ICMS, a Constituição de 1988 classificava como imunes as operações que

destinassem ao exterior produtos industrializados, delegando à lei complementar a faculdade

de isentar outros produtos. A própria Constituição (art. 159, II) fixou os contornos do primeiro

modelo de compensação, obrigando a União a entregar aos estados e ao Distrito Federal 10%

do produto da arrecadação do IPI, proporcionalmente ao valor das respectivas exportações de

produtos industrializados. A participação de cada estado no Fundo foi limitada, ainda no texto

constitucional, em 20%, com a conseqüente redistribuição do excedente às demais unidades

federadas. Dos recursos recebidos pelos estados, 25% devem ser direcionados aos municípios

localizados nos respectivos territórios.

Tabela 3 − Fundo IPI Exportação (FPEX) comparativo entre o ICMS desonerado na

parcela de exportações que não era submetida à tributação antes da LC no 87/96 e as

transferências da União para estados e municípios (em R$ milhões, a preços de outubro de

2006)

Períodos ICMS Desonerado

Compensação FPEX

ICMS Não Compensado

% Compensação da União no Total de Perdas

1991 9.760 2.770 6.990 28% 1992 11.211 2.914 8.297 26% 1993 11.031 2.625 8.406 24% 1994 10.771 3.938 6.833 37% 1995 11.189 3.683 7.506 33% 1996 11.222 4.066 7.156 36% 1997 12.641 3.921 8.720 31% 1998 13.967 3.433 10.534 25% 1999 16.890 3.231 13.659 19% 2000 18.707 3.356 15.351 18% 2001 19.996 2.949 17.047 15% 2002 26.124 2.390 23.734 9% 2003 25.745 2.183 23.562 8% 2004 29.807 2.408 27.399 8% 2005 28.130 2.620 25.510 9%

TOTAL PERÍODOS

257.192 46.488 210.705

Fonte: dados obtidos do “Estudo Relativo às Perdas Históricas dos Estados e Municípios com a Desoneração do ICMS Incidente Sobre as Exportações e Com a Apropriação de Créditos de ICMS de Bens do Ativo Permanente”, do SubGT Quantificação da COTEPE/ICMS.

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226

Legislação infraconstitucional − leis complementares nos 61/89, 63/90, 65/91 e 87/96 −

veio regulamentar o modelo, em particular, quanto aos critérios precisos que determinam a

distribuição do montante transferido. Destaca-se, em contraponto aos índices "congelados" de

outras transferências (FPE, lei Kandir), a flutuação dos coeficientes de participação,

calculados anualmente em função das variações na parcela de exportações computadas para

esse efeito.

A transferência pela desoneração das exportações de produtos industrializados tem

como principal virtude um núcleo normativo bem definido, de origem constitucional, que lhe

confere uma relativa estabilidade. Por outro lado, ilustra bem as fragilidades de um modelo

cuja estrutura é tipicamente de "conta fechada": a possível solução desvincula-se do

problema. O crescimento das exportações e o declínio da arrecadação de IPI são tendências

que, a cada ano, afastam ainda mais o valor efetivamente transferido da necessidade de

compensação que é sua razão de ser, como demonstram os dados apresentados na tabela

anterior.

Transferência instituída pela Lei Complementar no 87/96

As pressões para estender a imunidade a todas as exportações produziram o marco

significativo da chamada Lei Kandir (LC no 87/96). O legislador, contudo, foi além da mera

desoneração das exportações. Ao regulamentar o princípio constitucional da não-

cumulatividade, assegurou o direito ao crédito do imposto no caso de contribuinte que adquire

bens destinados ao ativo permanente e ao próprio uso ou consumo, bem como a aquisições de

energia elétrica e serviços de comunicação.29

Paralelamente, o art. 31 daquele mesmo texto legal determinou à União que entregasse

recursos aos estados e municípios, transferência cujo propósito implícito é a compensação

pelos impactos na receita do ICMS provocados pela própria lei. Os critérios para a fixação do

montante e de sua distribuição têm variado ao longo do tempo, ao sabor da conjuntura

econômica e do movimento político, o que enseja uma descrição mais pormenorizada.

O cenário no momento da edição da lei

29 A apropriação dos créditos decorrentes de entradas destinadas ao uso ou consumo próprio tem sido sucessivamente prorrogada, nunca tendo entrado em vigor. A LC no 102/00 restringiu algumas modalidades de apropriação de créditos por aquisições de energia elétrica e serviços de comunicação.

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227

A política cambial que acompanhou a implantação do Plano Real rapidamente afetou a

competitividade das exportações. Como a questão da desoneração de ICMS nas exportações

já integrava projeto em discussão (PEC no 175/95), o governo federal decidiu antecipar parte

da agenda da reforma tributária, movimento que resultou na LC no 87/96.

No período de julho de 1995 a junho de 1996, anterior à Lei Kandir, a alíquota efetiva

de ICMS nas exportações era de 4,1%,30 bem abaixo, portanto, da alíquota legal de 13%,

estabelecida na Resolução do Senado no 22/89, pois o ICMS só incidia sobre produtos

primários (com poucas isenções) e sobre produtos industrializados semi-elaborados, a

maioria, sujeitos a redução na base de cálculo. Assim, em média, 69% das exportações já

estavam desoneradas, em que pese à ocorrência de produtos primários sujeitos à alíquota de

13%, como, por exemplo, a soja em grão. A carga tributária efetiva sobre as exportações,

ainda que globalmente não elevada, apresentava-se bastante desigual nos diferentes estados,

representando, em alguns casos, uma base contributiva substancial da receita de ICMS.

Os critérios originais da transferência: o "seguro-receita"

Um complexo conjunto de critérios foi estabelecido para operacionalizar a

transferência, matéria que mereceu todo um anexo da Lei Kandir.

A princípio, poder-se-ia atribuir à regulamentação o espírito de um mecanismo do tipo

"conta aberta", tanto que esse primeiro modelo ficou conhecido como seguro-receita. Na

prática, os requisitos, vinculados ao desempenho da arrecadação corrente de cada estado,

confrontada com a ocorrida em período que antecedeu a vigência da lei, eram de tal ordem

que inibiam o acesso dos estados à transferência, causando atrito e mal-estar nas relações com

o governo federal. Apenas o teto então fixado para as transferências, de R$ 3,6 bilhões,

guardava correspondência com a idéia de conta aberta, pois correspondia, na visão dos

30 Calculado com base em metodologia proposta por Gedalva Baratto, conforme consta em Ebape/FGV, Projeto “A Reforma Fiscal e a Federação”, p. 261, fevereiro de 2004. A autora tem proposto essa metodologia desde a instituição do Fundo IPI Exportação. A alíquota média de 4% sobre as exportações foi calculada com base em informações oficiais da Secex, enviadas ao TCU, para cálculo dos coeficientes de participação dos estados no Fundo IPI Exportação a serem aplicados no ano civil de 1997. Toma o valor das exportações total Brasil no período de julho de 1995 a junho de 1996 = US$ 47.143.252.205; o valor das exportações computadas para fins do Fundo IPI Exportação no mesmo período de referência = US$ 32.555.590.506, que retrata a parcela de exportações já desoneradas de ICMS. A diferença, de USS 14.587.661.699 (47.143.252.205 - 32.555.590.506), é a parcela que ainda estava submetida a tributação antes do advento da Lei Kandir. O cociente de 14.587.661.699 por 47.143.252.205 (30,94%) espelha a parcela que ainda estava submetida à tributação em termos percentuais. Para transformar essa proporção de 30,94% em alíquota média de ICMS incidente sobre exportações, é tomada a alíquota legal de 13% e apropriado 30,93%, obtendo-se como resultado a alíquota média de 4%.

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estados, às perdas efetivas decorrentes da desoneração integral das exportações e da

autorização de créditos pela entradas de bens destinados ao ativo permanente, aquisições de

energia elétrica e serviços de comunicação, calculadas para período próximo e anterior à

vigência da lei (julho de 2005 a junho de 2006).

Mesmo sujeito a polêmica e negociações que visavam a sua completa revisão, o

modelo esteve em vigor de outubro de 1996 a dezembro de 1999.

A construção dos critérios em vigor: o "fundo orçamentário"

Como resultado das negociações para revisão do modelo de transferência, foi editada a

Lei Complementar no 102, de julho de 2.000. Ela veio substituir, provisoriamente, o conceito

de seguro-receita pela fixação dos montantes globais a serem transferidos nos exercícios

fiscais de 2000 a 2002 − mecanismo conhecido como "fundo orçamentário" −, após o que

seriam restabelecidas as condições originais da Lei Kandir, o que não chegou a ocorrer.

Modelo do tipo conta fechada, exigia a definição de critérios de distribuição. Para tanto, foi

adotada uma tabela de coeficientes de participação fixos, previamente negociados entre os

estados. Para os municípios, que recebem 25% do valor que couber ao seu estado, são

adotados os índices de participação no ICMS.

Como mencionado, não foram retomados os critérios originais da Lei Kandir. Antes

disso, foi editada a Lei Complementar no 115, em dezembro de 2002, que veio a:

consagrar a fixação de valores discricionários a título de compensação, delegando a

incumbência à lei orçamentária da União, para os exercícios financeiros de 2004 a 2006; e

promover a distribuição dos recursos entre os estados, com base nos coeficientes

congelados desde a experiência do “fundo orçamentário” da LC no 102.

A partir desse ponto, ficou plenamente desfigurado o conceito básico que orientava a

criação das compensações. Ficou abandonada, na prática, a correlação entre perdas e dotações

federais. A noção de compensação ficou presente apenas no momento inicial em que se

definem critérios e proporcionalidades utilizados para distribuir os recursos entre os estados.

Tudo se passa, a partir daí, como se existisse uma dotação orçamentária negociada entre

estados e governo federal, mas distribuída de uma forma que guardava alguma relação com o

papel exportador dos estados.

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229

EC no 42/2003: a constitucionalização da transferência instituída pela LC no 87/96

O movimento pela desoneração fiscal das exportações completou um ciclo quando a

Emenda Constitucional no 42/2003 estendeu expressamente a imunidade do ICMS a todas as

exportações de mercadorias e serviços (nova redação do art. 155, § 2º, X, da Constituição

Federal). Em contrapartida, a mesma EC no 42/03, ao incluir o art. 91 no Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias (ADCT), também constitucionalizou o sistema de transferências

compensatórias.

A ausência de regulamentação, porém, tarefa de lei complementar ainda não editada,

automaticamente prorroga o sistema de compensação instituído pela Lei Kandir, com as

modificações estabelecidas na LC no 115/02. É o modelo em vigor: modelo do tipo conta

fechada, com montante fixado em rubrica do orçamento da União e cuja distribuição aos

estados resulta da aplicação de coeficientes de participação congelados, repartida na

proporção de 75% ao governo estadual e 25% aos respectivos municípios.

Análise

Mesmo com uma trajetória mais rica em eventos e alterações de rumo, o modelo

parece apresentar o mesmo problema básico de seu congênere voltado à compensação das

exportações de produtos industrializados: um crescente hiato entre as necessidades e os

recursos disponíveis para a transferência, como evidencia a tabela a seguir.

Tabela 4 − LC no 87/96: Comparativo dos mecanismos de compensação da União com

as perdas dos estados e municípios com a desoneração de ICMS nas exportações e com a

apropriação de créditos (em R$ milhões a preços de outubro de 2006

Períodos Total Perdas Lei Kandir

ICMS Compensado

ICMS Não Compensado

% Compensação União Compensação União no Total de Perdas

1996/ 8.307 1.817 6.490 22% 1997/ 12.215 5.808 6.407 48% 1998/ 13.543 6.602 6.941 49% 1999/ 14.219 6.569 7.650 46% 2000/ 11.773 6.975 4.798 59% 2001/ 10.319 6.013 4.306 58% 2002/ 15.523 5.378 10.146 35% 2003/ 16.634 3.819 12.815 23% 2004/ 17.464 4.958 12.507 28%

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230

2005/ 17.067 3.805 13.262 22% TOTA 137.064 51.743 85.321

Fonte: dados obtidos do “Estudo Relativo às Perdas Históricas dos Estados e Municípios com

a Desoneração do ICMS Incidente Sobre as Exportações e Com a Apropriação de Créditos de

ICMS de Bens do Ativo Permanente”, do SubGT Quantificação da COTEPE/ICMS.

Notas: Em vista do procedimento metodológico utilizado, considerou-se o período de julho a

junho de cada ano, o mesmo utilizado para fins do Fundo IPI Exportação (FPEX);

O período 1996/1997 é atípico, pois a LC no 87/96 somente entrou em vigor em

setembro de 1996, no que se refere à desoneração das exportações, e em janeiro de 1997, em

relação aos créditos do ativo permanente.

É importante destacar que as perdas dos estados, por esse ângulo, não se referem

apenas ao ICMS da parcela de exportações desoneradas de ICMS pela LC no 87/96, mas

também à apropriação de créditos decorrentes de compras destinadas ao ativo permanente das

empresas, nuança explorada no gráfico a seguir:

Gráfico 14 – LC no 87/96: comparativo entre o ICMS desonerado nas exportações e

nos créditos do ativo permanente (R$ milhões a preços de outubro de 2006 − IGP/DI)

4.02

74.

280

4.34

77.

867

5.91

87.

625

6.49

57.

725

6.78

84.

985

7.14

73.

172

11.0

464.

478

10.4

316.

203

10.2

497.

215

8.94

08.

127

-

2.000

4.000

6.000

8.000

10.000

12.000

14.000

16.000

18.000

1996/97 1997/98 1998/99 1999/00 2000/01 2001/02 2002/03 2003/04 2004/05 2005/06

ICMS desonerado nas exportações

créditos do ativo imobilizado

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Fonte: “Estudo Relativo às Perdas Históricas dos Estados e Municípios com a

Desoneração do ICMS Incidente Sobre as Exportações e Com a Apropriação de Créditos de

ICMS de Bens do Ativo Permanente”, do SubGT Quantificação da COTEPE/ICMS.

Auxílio aos estados exportadores

O processo de negociação que desaguou na EC no 42/03 teve, como subproduto, a

edição de medida provisória − com previsão de transferência da União válida especificamente

para o exercício fiscal de 2004 − conhecida como "Auxílio aos Estados Exportadores". A

própria MP, posteriormente convertida em lei, fixou o montante global em R$ 900 milhões,

considerado modesto.

A natureza compensatória é percebida pelos critérios utilizados na definição dos

coeficientes de participação dos estados: 1/3 pelo valor do saldo positivo da balança comercial

do estado dividido pelo ICMS arrecadado no estado e 2/3 pelo valor da exportação do estado

dividido pelo ICMS arrecadado no estado. A idéia subjacente é privilegiar estados com

exportação elevada e baixa importação que além de, presumivelmente, não terem como

compensar na importação o ICMS desonerado na exportação, precisam comprar mais de

outros estados, arcando com créditos de ICMS. Por sua vez, uma arrecadação de ICMS baixa

indica que o estado não dispõe de bases contributivas relevantes para tributar e compensar as

exportações desoneradas. A exportação e o superávit comercial elevados, por unidade de

receita de ICMS, aumentam o coeficiente de participação do estado.

A aplicação desses critérios ao período-base selecionado (dezembro de 2002 a

novembro de 2003) resultou em coeficientes bastante distintos daqueles adotados para as

transferências compensatórias do sistema de compensação instituído pela Lei Kandir,

conforme se constata na próxima tabela.

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Tabela 5 − Coeficientes de participação dos estados nas transferências a título de Lei Kandir (LC nos 102/00 e 115/02) e auxílio aos estados exportadores

UF Lei Kandir

Auxílio UF Lei Kandir

Auxílio

A 0, 0,27P

0,2 1,43A 0, 4,37 P 1,4 0,69A

M 1,

008% 3,23

3% P

I 0,3

02% 0,96

8% A 0, 0,99 P 10, 8,66B 3, 4,45 R 5,8 2,32C 1, 1,98 R 0,3 1,93D 0, 0,05 R 0,2 1,12E 4, 9,27 R 0,0 0,25G 1, 2,74 R 10, 7,51M 1, 4,35 S 3,5 7,52M 12 6,32 S 0,2 0,28M 1, 1,69 S 31, 3,51M 1, 9,39 T 0,0 0,74P 4, 13,8 B 100% 100

Fonte: dados obtidos do “Estudo Relativo às Perdas Históricas dos Estados e Municípios com a Desoneração do ICMS Incidente Sobre as Exportações e Com a Apropriação de Créditos de ICMS de Bens do Ativo Permanente”, do SubGT Quantificação da COTEPE/ICMS.

Mesmo reconhecendo-se a maior abrangência da compensação derivada da Lei Kandir

− que, como foi visto, não tem as exportações como objeto único, ao contrário do "Auxílio" −

tamanha diferença de parâmetros (a princípio, fixados com propósitos semelhantes) reforça o

sentimento de que as decisões, aos poucos, passam, sobretudo, a refletir o conflito em torno

do equilíbrio vertical na distribuição de receitas, respeitando o status quo da distribuição

horizontal. Em outros termos, disputa-se o recurso incremental, congela-se a participação

naquele já absorvido pela estrutura orçamentária dos estados.

O sistema foi, sucessivamente, reeditado para os exercícios fiscais de 2005 a 2007,

nesse último ano alcançando a cifra de R$ 1,9 bilhão. Mais uma vez, porém, prevaleceu a

decisão de congelar os coeficientes de participação de acordo com aqueles fixados para 2004.

Destaca-se no “Auxílio aos Estados Exportadores”, que repete o modelo conta

fechada, com as deficiências mencionadas, a iniciativa de contemplar algum mecanismo que

amenize o desconforto provocado pelo mau funcionamento do sistema, cujo sintoma, também

já analisado, é a "acumulação de crédito" de ICMS. Até aqui, possui uma frágil base

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institucional, dependente da reprodução de normas cujo horizonte não ultrapassa o exercício

fiscal.

5.4 O futuro do modelo de transferências compensatórias

A exposição precedente sugere um funcionamento inadequado dos modelos, tomados

em conjunto, que se manifesta na dificuldade de ser atendido, satisfatoriamente, o propósito

que moveu o constituinte e o legislador ao decidir criá-los. Há fragilidades institucionais,

como a posição declinante do IPI, única fonte não discricionária de recursos, a legislação

fugaz que sustenta o “Auxílio aos Estados Exportadores” e a ausência de respaldo normativo

em relação ao montante das transferências ora reguladas pela LC no 115/02.

Com base em diagnósticos como esses, os estados insistem que as transferências

devem recuperar o sentido original, contribuindo decisivamente − na ausência de outras

medidas que o façam − para superar a situação de desconforto provocada pelo movimento de

desoneração. Como pressuposto, entende-se o ICMS como fonte por demais importante na

composição da receita dos estados para que simplesmente sejam relevadas tais desonerações.

Quanto aos benefícios decorrentes do maior grau de inserção da economia brasileira

no mercado mundial − que poderia se contrapor ao ônus com o qual se arcou − não há uma

distribuição uniforme na Federação. Como se verificou, em certos casos pode ocorrer até

mesmo o impacto negativo provocado por altos níveis de exportação de produtos cuja cadeia

produtiva tenha raízes em outros estados. Além disso, o ambiente de disputa, que alimenta a

chamada guerra fiscal, inibe o aproveitamento de todo o potencial de receita do ICMS.

Nessa linha, há diversas propostas inspiradas na premissa da necessidade de recuperar

o vigor do sistema, pela adoção de regras que detalhem, por exemplo, como:

considerar as exportações para o exterior de produtos primários e semi-elaborados, a

relação entre as exportações e as importações e os créditos decorrentes de aquisições

destinadas ao ativo permanente. (parâmetros estabelecidos no art. 91 da ADCT)

Como contraponto, existe a tese de que as transferências compensatórias compõem um

cenário de transição, cujas condições de abandono já deveriam estar amadurecidas. Segundo

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esse ponto de vista, a compensação foi um remédio para amenizar os efeitos colaterais

decorrentes da adequação às condições de uma economia mundial moderna, que impõe um

grau mínimo de harmonização aos sistemas tributários. Essas medidas são o estágio final de

um longo processo de transição do padrão de tributação centrado no comércio exterior, típico

da primeira metade do século XX, para uma tributação exclusivamente centrada no mercado

interno. A experiência internacional confirma a universalidade dessa transição, a qual exigiu

dos governos adaptarem-se à receita gerada nas novas condições de tributação.

No caso do Brasil, o governo federal, igualmente obrigado a assimilar essa mudança

de caráter irreversível, conseguiu, ainda assim, recuperar sua capacidade de arrecadação e

mesmo expandi-la consideravelmente. Se os Estados não são tão bem-sucedidos em

acompanhar a União − seja pelas amarras constitucionais da competência tributária, seja pelo

clima de guerra fiscal que constrange o pleno aproveitamento da base do ICMS −, deve-se

reconhecer ser esse o problema a ser enfrentado e, não, o hiato entre "perdas" e compensação.

As mesmas observações são válidas em relação aos créditos oriundos de aquisições

destinadas ao ativo permanente. A arrecadação estadual é uma função da atividade

econômica, cujo crescimento depende do nível de competitividade das empresas que, por sua

vez, depende de investimentos em máquinas, equipamentos e de outros bens do ativo

permanente. Desonerar tais investimentos é, portanto, uma decisão que vai ao encontro do

funcionamento auto-sustentável da economia, com evidentes reflexos positivos na própria

arrecadação, a médio e longo prazos. Aceitas essas premissas, parece frágil a posição de

manter, por tempo indeterminado, esse tipo de compensação.

Em última análise, para os defensores dessa abordagem, a saída dessa transição por

demais prolongada passa pela revisão do sistema tributário e do sistema de partilhas, em um

contexto em que o equilíbrio vertical geral da Federação tenha um papel de destaque.

As posições da União a esse respeito, embora não completamente explicitadas,

evidenciam a procura de um caminho alternativo ao atual sistema de transferências

compensatórias. Um dos exemplos mais ilustrativos foi a idéia, defendida com maior ardor ao

final da gestão Palocci no Ministério da Fazenda, de substituir todo o aparato herdado da Lei

Kandir por um modelo voltado para a garantia da cobertura dos créditos de ICMS. Pelo seu

caráter emblemático, mais do que pela chance real de ser adotado, passaremos, em seguida, a

analisá-lo.

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5.5 Proposta do governo federal de novo tratamento do ICMS nas exportações (março de

2006)

No lugar dos fundos de ressarcimento aos estados (Fundo IPI Exportação – FPEX,

Fundo Orçamentário − Lei Kandir, “Auxílio Exportação”), a proposta prevê a criação de um

fundo de ressarcimento aos exportadores com recursos provenientes, predominantemente, dos

próprios estados (ICMS sobre importações). O fundo orçamentário da Lei Kandir e o “Auxílio

Exportação” seriam imediatamente extintos, enquanto seria gradativo o processo para o

FPEX.

O ICMS voltaria a incidir sobre as exportações totais (industrializados, semi-

elaborados e primários), começando com 3% nos primeiros cinco anos, acrescendo um ponto

percentual a cada ano, até alcançar o teto de 12% no final do período de transição (igual à

maior alíquota interestadual). A arrecadação correspondente caberia aos estados, respeitada a

cota-parte dos municípios.

Os exportadores seriam ressarcidos, do ICMS incidente nas exportações, com recursos

oriundos do novo fundo, gerido pela União. As receitas do fundo seriam constituídas do

ICMS sobre as importações, com alíquota igual à aplicada sobre as exportações em cada ano.

Haveria aportes da União para a hipótese de balança comercial superavitária, caso em que o

ICMS sobre importações não é suficiente para ressarcir o exportador. Para balança comercial

equilibrada ou deficitária, os recursos do fundo oriundos do ICMS sobre importações seriam

suficientes para ressarcir os exportadores; ou seja, a União não faria qualquer aporte ao fundo

e os estados arcariam com a integralidade do ônus de ressarcir os exportadores.

A incidência de ICMS sobre as exportações seria opcional para o exportador. Caso ele

não optasse, os recursos do fundo seriam destinados diretamente aos estados (para ressarcir as

respectivas exportações desoneradas).

O fundo teria vigência temporária. A proposta não esclarece, mas se pressupõe que o

modelo seria extinto na hipótese de adoção do princípio de destino para alocar o produto da

arrecadação do ICMS.

Durante a transição, à medida que o ICMS sobre importações e exportações fosse

acrescido, o FPEX seria reduzido, gradativamente, com base na relação alíquota sobre

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exportações no respectivo ano/12% (maior alíquota interestadual), até a sua extinção a partir

do décimo quarto ano.

O modelo descrito conviveria, ainda durante a transição (até o décimo terceiro ano),

com outro modelo − criado mediante regulamentação do art. 91 da ADCT da CF − para

“premiar” estados com superávits na balança comercial suficientemente elevados para

propiciar diferença positiva entre um percentual que incidiria sobre o saldo e o FPEX do

respectivo ano.

Conseqüências do modelo31

Os estados renunciariam:

à regulamentação do art. 91 – ADCT como um fundo para ressarcir perdas, financiado

com recursos exclusivos da União;

à compensação da União por perdas decorrentes dos créditos do ativo imobilizado.

Os importadores teriam garantia do crédito do ICMS incidente nas importações nos

mesmos moldes atuais. Os estados arcariam com a totalidade do crédito, apesar de ter

ingressado nos cofres estaduais somente a diferença entre a alíquota interna e a aplicada sobre

as importações no respectivo ano.

O impacto do modelo é altamente diferenciado para os diversos estados, resultando em

perdas, vis-à-vis à situação atual, principalmente para aqueles com déficit na balança

comercial e particularmente nos primeiros anos de aplicação do modelo.

A formulação desconsiderou alguns aspectos importantes da realidade do sistema

tributário brasileiro. Por exemplo, não seria realista considerar que toda e qualquer

importação, bem como toda e qualquer exportação, seja submetida à efetiva tributação pelo

ICMS. Por outro lado, para evitar acúmulo de crédito, os estados têm desonerando a cadeia

produtiva interna voltada para a exportação. Essa decisão tende a ser revista, para que possam

auferir mais aporte de recursos da União para ressarcir exportadores. Em decorrência disso, o

modelo pode não solucionar, definitivamente, o problema de acumulação de crédito.

Analisar o mérito dessas propostas pressupõe, de qualquer forma, a continuidade de

algumas condicionantes do atual sistema de compensações. A mais relevante é a manutenção

31 Baseado em nota técnica de 16 e 17 de fevereiro de 2005 do GT Regulamentação do Art. 91 da EC 42/03 da COTEPE/ICMS intitulado “Proposta do Governo Federal - Novo Modelo Para a Compensação dos Estados Pela Desoneração do ICMS nas Exportações”.

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(mesmo mitigada) do princípio de tributação na origem para as operações sujeitas ao ICMS.

Em contrário senso, se admitirmos que o sistema tributário caminha para o princípio de

destino, talvez deixe de fazer sentido a própria noção de compensação ao estado exportador.

Em outros termos, não é possível avançar na análise do futuro das transferências

compensatórias sem antes avaliar as repercussões da adoção do princípio de destino na

tributação.

5.6 A incompatibilidade das transferências compensatórias com o princípio do destino na

tributação

É possível afirmar que a compensação seja estranha ao princípio do destino porque,

em ambiente dessa natureza, faltam as condições para prosperar a tributação das exportações

na esfera de governo subnacional.

O estado que exporta “em sentido estrito”, tendo por destino algum ponto além das

fronteiras nacionais, não teria uma situação de perdas comparativamente a qualquer outro que

exporte “em sentido lato”, em decorrência de operações interestaduais. A receita tributária

passa a ser apoiada no consumo interno a cada estado, desvinculando-se da produção interna.

Por outro lado, se os Estados pudessem exercer, sem limites, a competência de instituir

o imposto, situação teoricamente compatível com o princípio de destino, aquele que tomasse a

iniciativa de promover a desoneração seria candidato a concentrar operações interestaduais

(não tributadas) que o transformariam em verdadeira “plataforma” de exportações, frustrando

a voracidade tributária dos demais. Ainda que a legislação (ou um concerto federativo)

impedisse formalmente essa situação, a possibilidade de mecanismos indiretos de

favorecimento, difíceis de controlar, seria sempre uma ameaça à efetividade da tributação

sobre as exportações.

Assim, vigente o princípio de destino, sua lógica interna parece se impor: uma vez que

as próprias vendas interestaduais deixam de ser tributadas pelos membros da Federação, é

inconsistente insistir em tributar as exportações. A base tributária conforma-se ao mercado

interno do ente federativo, escapam-lhe as operações além de suas fronteiras.

Redefinido o universo de operações que constitui a base tributária, ausentes as

condições mínimas que permitam reinstituir a tributação sobre exportações, presumivelmente

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a defesa do sistema de transferências compensatórias, tal como hoje concebido, perderá o

vigor.

5.7 Alternativas ao sistema de transferências compensatórias

As transferências compensatórias têm contribuído há décadas, ininterruptamente, para

a formação da receita dos governos subnacionais. Independentemente da nova realidade

imposta pela possível adoção do princípio do destino na repartição das receitas do ICMS, o

equilíbrio vertical parece ficar comprometido se houver a decisão de eliminá-las.

A constatação, de índole puramente orçamentária de curto prazo, recomenda a

primeira alternativa ao sistema de transferências compensatórias: a absorção dos recursos

correspondentes pelos atuais fundos de participação dos estados e municípios, ou, ainda

melhor, pelos fundos de equalização que vierem a, com vantagens, substituí-los. No fundo,

isso significaria reconhecer que o problema não é mais de compensação, mas de desequilíbrio

vertical: esses recursos seriam imprescindíveis para manter, precariamente, alguma coerência

na distribuição vertical de recursos na Federação brasileira.

A questão do valor envolvido, rompido o cordão umbilical da dependência do objetivo

de recompor receitas, poderia ser tratada a partir de uma média histórica, cujo período de

abrangência, na medida em que infla ou deprime o resultado final, forneceria limites técnicos

a uma decisão, em última análise, de caráter político. O ritmo da absorção, por sua vez,

poderia ser dosado pela convivência transitória dos fundos de participação com outro, oriundo

das atuais transferências compensatórias, cada qual obedecendo à sua lógica própria de

distribuição horizontal, até o momento negociado para aqueles predominarem por completo.

Além desta, há um grupo de alternativas ligadas ao reconhecimento de que a

Federação deve prestigiar aqueles membros cuja estrutura produtiva é significativamente

voltada para o esforço exportador. Nessa abordagem mais moderna, não se compensa a receita

perdida, instrumento deslocado em relação ao princípio do destino. Antes, premia-se quem

arca com o ônus necessário para se alcançar situação macroeconômica favorável, produzida

pelas exportações, que beneficia todas as esferas de governo e o país como um todo. Entre os

possíveis modelos alinhados a esse princípio de retribuição e solidariedade federativa,

destacamos:

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contrapartida à exaustão de recursos naturais não-renováveis, localizados em território

de unidade da Federação, direta ou indiretamente exportados;

contrapartida ao uso de recursos naturais renováveis, porém limitados, presentes em

território de unidade da Federação, na geração de produtos direta ou indiretamente

exportados; fomento geral às exportações.

O esgotamento de recursos locais não renováveis é particularmente delicado,

sobretudo se, em seu lugar, a atividade de exploração deixar um vácuo que comprometa as

condições sociais e econômicas de sobrevivência das gerações futuras. A questão poderia ser

tratada com a regulamentação mais ampla de royalties, o que passa por estabelecer limites

para identificar o objeto – que poderia até mesmo transcender o vínculo com o mercado

externo, concentrando-se no aspecto da exaustão − e o próprio valor da compensação.

Na escala decrescente de urgência de mecanismos de contrapartida, há a necessidade

de contemplar aqueles estados cujos recursos, embora renováveis, são limitados e, portanto,

impõem uma “situação de deslocamento”, em que a opção por um determinado uso implica a

rejeição automática de outras possibilidades. É o caso do estado predominantemente agrícola

cuja produção, concentrada em produtos exportáveis, possa inibir a diversificação de

atividades locais, limitando o crescimento e a distribuição da renda interna. Não existe aqui o

“saque sobre as gerações futuras”, mas um ônus desproporcional com o qual se arca no

presente em favor da Federação.

O fomento geral às exportações, por sua vez, atenderia sobretudo àqueles estados de

estrutura econômica mais sofisticada. Sua função seria incentivar os governos a investir em

infra-estrutura (como rodovias, portos etc.) que favoreça a logística das exportações ou, de

alguma outra forma, contribua favoravelmente para levar o “custo-Brasil” a níveis

competitivos, ou ainda, se for o caso, que assim o mantenha.

Finalmente, o desenho de alternativas ao atual regime de transferências

compensatórias deve levar em conta os rumos dados ao sistema de partilhas, considerado

como um todo. Se as decisões políticas prestigiarem, por exemplo, a criação de fundos de

equalização financeiramente sólidos, administrados segundo critérios técnicos, as

disparidades entre as unidades da Federação poderiam, em grande parte, ser resolvidas nesse

âmbito, reservando um papel complementar ao sistema de fomento às exportações

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CAPÍTULO 6 −−−− FINANCIAMENTO DO GASTO SOCIAL NA FEDERAÇÃO

BRASILEIRA: EDUCAÇÃO E SAÚDE

Apresentação

Este capítulo aborda, sob o ponto de vista do financiamento federativo, o problema

dos gastos sociais com saúde e educação na Federação brasileira. Ao contrário de outros

trabalhos realizados nesta etapa das atividades do fórum, não avançamos aqui no sentido de

avaliar mais detalhadamente alternativas de reforma. Os estudos visam basicamente a uma

descrição dos sistemas atuais, fazendo um mapeamento preliminar de suas características e

problemas.

O item 1 apresenta um breve quadro conceitual sobre as formas de financiamento das

políticas sociais nas Federações contemporâneas. O item 2 analisa o financiamento dos gastos

em saúde no Brasil, enquanto o item 3 aborda o financiamento na área de educação. Nosso

interesse aqui é restrito aos problemas do financiamento federativo, ou seja, como se originam

e como são distribuídos os recursos necessários ao financiamento desses gastos.

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6.1 Financiamento do gasto social em Federações: vinculação e programas nacionais.

Sérgio Prado

Instituto de Economia da Unicamp

Na segunda metade do século XX, a reforma do velho Estado keynesiano

intervencionista reduziu muito o escopo de suas atividades. Sua presença na atividade

produtiva foi radicalmente reduzida e a intervenção via políticas macroeconômicas

restringida. A principal conseqüência dessa reestruturação da intervenção estatal foi o

crescente destaque dado às políticas sociais, principalmente, educação e saúde. Ganhou

hegemonia a concepção de que a tarefa por excelência do Estado é a provisão dos bens

públicos, dentre os quais se destacam esses dois setores.

Tal processo foi generalizado, e talvez tenha ocorrido com maior intensidade nos

países em desenvolvimento do que nos desenvolvidos.32 Ao mesmo tempo, esse processo foi

acompanhado de uma forte ênfase na descentralização, um virtual consenso em torno da idéia

de que os serviços públicos devem ser prestados pelas esferas de governo mais próximas do

cidadão. Mesmo nos Estados unitários, essa “onda” descentralizadora tem gerado efeitos, com

movimentos no sentido de maior autonomia das administrações locais e regionais, além de

maior participação das sociedades locais nas decisões.

Nos regimes federativos, a concentração da ação do Estado na produção de bens

públicos da área social, combinada com o impulso à descentralização, trouxe problemas

novos e ampliados no que se refere ao financiamento da ação estatal. Se num Estado unitário

a alocação dos recursos fiscais se dá num único processo orçamentário que irá alimentar uma

estrutura de execução do gasto hierarquizada e centralmente controlada, numa Federação há

múltiplos orçamentos dotados de elevados graus de autonomia. Acentua-se uma característica

que já era forte nas Federações: a de entregar a provisão de serviços de educação e saúde,

predominantemente, para governos subnacionais. Essa descentralização da execução dos

serviços não pode, por diversos motivos, ser acompanhada em igual medida pela

descentralização da competência tributária. Em todas as federações, por diversos motivos, os

governos de nível superior continuam controlando uma parcela da arrecadação maior do que

32 Por exemplo, não há dúvidas de que o processo de privatização mais radical foi praticado pelos países latino-americanos (Argentina, México, Chile e Brasil), que foram muito mais longe do que os europeus.

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seus gastos diretos, do que resulta a existência estrutural, em rigorosamente todas as

federações, de vultosas transferências verticais destinadas a obter o equilíbrio vertical entre

encargos e recursos.

É necessário, portanto, nas Federações, encontrar mecanismos que ajustem recursos a

encargos, questão que seria “naturalmente” resolvida num Estado unitário. Isso é necessário

tanto pelo “motivo vertical” – o governo federal concentra a arrecadação – como pelo

“motivo horizontal” – os diversos governos subnacionais têm diferentes capacidades fiscais

decorrentes das diferenças de desenvolvimento econômico. É muito importante discutir quais

os mecanismos que permitem, numa Federação, buscar uma solução adequada para esse

problema de ajustamento.

O ponto de partida da nossa reflexão é a idéia de que, numa Federação, ainda que as

diversas sociedades locais preservem um grau muito maior de autonomia e individualidade,

em comparação com um Estado unitário, é essencial que se preservem normas de eqüidade e

uniformidade na prestação de serviços públicos. É essencial, para preservar a coesão de uma

nação dividida em sociedades locais, que cada cidadão se sinta membro de uma comunidade

maior, e um dos requisitos principais para isso é que os serviços públicos, além da presença

do Estado em geral, sejam providos de forma que cada cidadão, não importa onde resida,

receba um tratamento razoavelmente justo e equânime no que se refere a esses serviços.

Um grande obstáculo para isso reside na diferença no nível de desenvolvimento

econômico entre regiões. Um estado/província (daqui para frente, utilizaremos a palavra

estado para nos referirmos ao nível intermediário de governo) rico pode oferecer um

determinado nível de serviços aos seus cidadãos, com um determinado grau de pressão fiscal

(carga tributária imposta pelo governo local). Um estado pobre, para ser capaz de prover o

mesmo nível, terá necessariamente de impor uma pressão tributária maior sobre seus

cidadãos, caso ele dependa apenas dos seus recursos próprios. Isso resulta do fato de que a

base econômica dos dois é muito distinta; da mesma forma que suas respectivas bases

tributárias, para um mesmo sistema tributário.

Conseqüentemente, o atendimento às demandas de políticas sociais, quando forem

executadas pelos governos subnacionais, dependem fundamentalmente de uma estreita

conexão financeira entre estes e o governo federal. Cabe ao governo federal arrecadar e

distribuir recursos, de forma que a capacidade para provisão de serviços se torne

aproximadamente equalizada em todo o país.

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Há diversas alternativas para equacionar esse problema. Elas envolvem, não de forma

exclusiva, o uso de sistemas de equalização, o uso daquilo que chamamos programas

nacionais (ver volume 1 deste caderno, introdução do Autor) e, finalmente, o uso da

vinculação de recursos orçamentários. Esse item se dedica a discutir essas diversas

alternativas, suas conseqüências, vantagens e desvantagens.

6.1.1 Uso de sistemas de equalização: um primeiro modelo

Uma primeira alternativa evidente para equacionar as disparidades inter-regionais é a

utilização de mecanismos de equalização. Não vamos nos aprofundar aqui nos aspectos

técnicos desses sistemas, para tanto, remetemos o leitor ao capítulo 2 deste Caderno, onde o

tema é discutido em profundidade. É suficiente, aqui, ressaltar que tais sistemas visam utilizar

transferências do governo central para reduzir as diferenças de capacidade de gasto entre os

estados e, no Brasil, entre municípios.

O ponto relevante para nós, nessa discussão, é que os mecanismos de equalização

reduzem as disparidades existentes na receita livre disponível, passível de disposição

autônoma pelos orçamentos locais. As transferências dos sistemas de equalização não são

condicionadas; os governos que as recebem dispõem delas livremente através de seus

processos orçamentários.

Assim, os mecanismos de equalização geral da receita disponível representam apenas

uma condição necessária para a adequada provisão de serviços, mas não suficiente. Não há,

nesses mecanismos, qualquer dispositivo que exija dos estados a provisão de um determinado

nível de serviços. Os governos locais regionais ficam livres para dispor dos recursos recebidos

do governo central, da forma que acharem mais adequada. A provisão adequada dos serviços

só pode resultar da combinação de dois fatores. Primeiro, uma legislação nacional que

estabeleça padrões e níveis mínimo de qualidade, acessibilidade etc., para os serviços.

Segundo, a existência de sistemas políticos nas sociedades locais/regionais que garanta a

atuação eficiente do governo para a prestação desses serviços. O ponto a ressaltar aqui é que,

embora os sistemas de equalização, se eficientemente concebidos, garantam a possibilidade

da prestação dos serviços em nível adequado, não são condição suficiente. A provisão vai

depender da qualidade dos sistemas políticos locais/regionais, no sentido de garantir que os

governos executem os serviços de forma adequada. Esse modelo pode ser descrito

sinteticamente da seguinte forma:

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Equalização Cap. Padrões nacionais

+ estabelecidos na + autonomia na execução,

Geral de gasto legislação sob controle cidadão

Fica claro, portanto, que a solução dos problemas de distribuição de recursos para as

políticas sociais por esse modelo, centrado na equalização da capacidade geral de gasto, é

prerrogativa de sociedades/Federações avançadas, onde os sistemas políticos tenham já

incorporado os objetivos sociais mais básicos e onde existam mecanismos efetivos de controle

da ação governamental pelos cidadãos. Isso é confirmado pelo fato de que nas Federações

mais desenvolvidas – Canadá, Austrália, Alemanha, Suíça –, o governo central já não atua

mais como guardião dos padrões básicos do Estado de bem-estar, e a autonomia dos governos

locais/regionais é ampla, pois é controlada pela participação do cidadão na preservação de

seus interesses. Isso relativiza a necessidade de uma legislação federal uniformizadora para

garantir o padrão de serviços.

Em sociedades menos desenvolvidas do ponto de vista da cidadania, a obtenção de

uma provisão mais equânime dos serviços públicos acaba por exigir, de alguma forma, a

redução da autonomia dos governos subnacionais. Se os sistemas políticos locais/regionais

não são capazes de prover o nível adequado de serviços, o governo central (agindo em nome

da Federação) deve reduzir a autonomia desses governos para lograr tal resultado.

6.1.2 O uso de transferências condicionadas: um segundo modelo

A característica básica da alternativa indicada anteriormente é a prioridade concedida à

autonomia subnacional e, portanto, à diversidade federativa. Outros modelos envolvem, de

alguma forma, a redução dessa autonomia em nome de uma uniformização maior da prestação

dos serviços e da gestão integrada dessa prestação em nível nacional. Aqui, vamos analisar

duas alternativas básicas que implicam essa redução de autonomia; todas elas baseadas em

transferências condicionadas do poder central para financiar a execução dos serviços pelos

governos subnacionais.

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1a) Programas nacionais

O que chamamos de programas nacionais (ver capítulo 1, volume 1) implicam que o

GF utiliza uma parcela da sua arrecadação (superavitária em relação aos seus gastos diretos)

para financiar transferências financeiras aos governos subnacionais, para que estes executem

serviços públicos determinados. As transferências são condicionadas (só podem ser utilizadas

nos setores especificados), o governo central atua exclusivamente como agente financiador e,

na maior parte dos casos, como gestor e planejador da atividade. Os programas nacionais são

típicos de Federações como o Canadá, onde a competência para a execução dos serviços

públicos básicos é, geralmente, exclusiva das províncias, e o GF não pode participar da

execução efetiva dos serviços. Entretanto, de forma geral, nas três últimas décadas, mesmo

nas Federações onde as competências são concorrentes (caso típico do Brasil), o governo

federal revela tendência a se afastar da execução direta, ampliando sua atuação como agente

financiador dos serviços.

Os programas nacionais estão, em geral, fortemente associados ao estabelecimento de

regras que definem padrões de qualidade e acessibilidade nos serviços, orientados para

garantir a eqüidade no tratamento dos cidadãos em toda a Federação. Nos países com vocação

mais centralizadora, onde os governos subnacionais têm menor capacidade de coordenação e

cooperação horizontal, os programas nacionais incluem um forte papel de gestão e definição

de políticas por parte do governo federal. O atendimento à saúde no Brasil (SUS) é um

exemplo típico dessa situação.

Vantagens dos programas nacionais

o financiamento setorial tem maior estabilidade, não estando condicionado por

oscilações conjunturais na receita dos GSN ou pelo ciclo político local;

é o ambiente mais favorável quando se deseja estabelecer padrões uniformes de

serviços;

facilita, sob certos aspectos, a gestão e o planejamento, que podem ser integrados em

âmbito nacional; e

reduz a demanda por cooperação horizontal entre os governos subnacionais. Uma vez

que o GC assume a coordenação das políticas, os GSN ficam limitados a um papel de

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execução administrativa da prestação de serviços em suas próprias jurisdições, o que envolve

poucos requisitos de cooperação.

Desvantagens dos programas nacionais

redução da autonomia das sociedades locais para escolher políticas. Essa não é uma

característica necessária: depende do padrão de gestão que o GC estabeleça. Um modelo mais

participativo permite consideração mais ampla das demandas regionais;

menor capacidade para levar em consideração especificidades regionais ou locais.

Aqui também se deve relativizar. Uma gestão centralizada competente, apoiada em

cooperação vertical, pode ser mais eficiente que governos autônomos com baixa qualidade

política e técnica. Mas é evidente que toda política centralmente controlada deve apresentar

uma tendência para padronizar e uniformizar procedimentos, com o que as especificidades

locais se perdem; e

dependendo do formato adotado, o PN pode conceder ao GF elevado poder de controle

sobre a distribuição vertical de recursos, reduzindo transferências quando for do interesse de

sua política fiscal. Isso pode ser evitado pelo estabelecimento de fontes garantidas,

percentagens de impostos federais ou da receita federal total.

2a) Uma modalidade alternativa; transferências com contrapartida

Os programas nacionais, tal como descritos anteriormente, seriam sistemas

relativamente abrangentes de transferências setoriais, envolvendo, em geral, dotações de

recursos vinculados a grandes rubricas de gasto. A restrição da autonomia subnacional

decorre, geralmente, muito mais da forte presença do governo central no planejamento, gestão

e controle dos serviços do que da especificação mesma da vinculação.

Um modelo alternativo, distinto sob esse ponto de vista, é aquele predominantemente

utilizado nos EUA, lá chamado matching grants, o que podemos traduzir aproximadamente

como “transferências sujeitas a contrapartida”. Essa é uma opção onde a transferência

vinculada se caracteriza pela focalização. O governo central transfere o recurso sujeito a um

aporte de recursos próprios do governo subnacional. Isso pode significar que o governo

central paga uma parte dos gastos em um projeto, em moldes semelhantes ao método de

financiamento adotado por entidades multilaterais como BID ou Bird. Outra possibilidade,

mais característica desse método, consiste no governo central pagar uma parte do custo (preço

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unitário) da provisão de um determinado serviço, sendo o governo subnacional forçado a

aportar o restante.

A peculiaridade desse método é que ele permite ao governo central agir no sentido de

incentivar o aumento da provisão de um dado serviço cuja oferta é considerada deficiente, de

forma focalizada e seletiva, basicamente, reduzindo o preço do serviço para o governo

subnacional. Nesse caso, portanto, as transferências têm uma vinculação mais restrita, e o

volume de recursos envolvidos depende do volume de serviços prestados.

Cabem aqui duas observações. Primeiro, note-se que esse tipo de transferência

implica, na sua forma mais usual, maior restrição à autonomia do governo subnacional. Uma

vez que a vinculação é focalizada, restrita, este só recebe o recurso adicional para aquele

serviço ou conjunto de serviços e, adicionalmente, se estiver disposto a comprometer recursos

próprios em alguma medida. Isso é diferente do modelo de programa nacional, onde as

vinculações são genéricas e não se exige contrapartida.

Segundo, e um ponto de alta relevância para o caso brasileiro, esse tipo de

transferência pode ser uma forma eficiente de forçar ou induzir os governos subnacionais a

participar do financiamento dos serviços. No modelo de programas nacionais, é assumido que

cabe ao governo central prover os recursos. Se, por outro lado, a opção é por um

financiamento cooperativo, onde os governos subnacionais aportem também recursos

próprios, é necessário que haja mecanismos de indução ou imposição para que essa

colaboração ocorra. Como veremos adiante, no Brasil esse problema tem sido resolvido, no

caso da saúde, pela imposição: vinculação orçamentária dos governos subnacionais ao gasto

setorial. Registre-se aqui, para posterior reflexão, que os matching grants podem ser uma

alternativa superior (sob muitos pontos de vista) para atingir esse objetivo.

6.1.3 A vinculação de receitas nos orçamentos subnacionais

Um terceiro modelo que envolve interferência da Federação com a autonomia dos

governos subnacionais é aquele que faz uso da vinculação de recursos orçamentários dos

governos subnacionais a gastos setoriais específicos. Esse modelo é adequado a uma situação

onde as transferências verticais destinadas a estabelecer o equilíbrio vertical são

predominantemente livres, em geral, operadas através de alguma modalidade de equalização.

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A vinculação de receitas, nesse caso, não envolve transferências. Ela opera impondo

ao orçamento do GSN a restrição de gastar, no mínimo, um determinado percentual de seu

orçamento total no setor visado. Para isso, evidentemente, é necessário que o GSN tenha

receitas próprias (competência tributária) ou receba transferências livres que alimentem o seu

orçamento, de forma que ele tenha capacidade financeira para prover os serviços focalizados.

Nesse caso, de forma semelhante ao primeiro modelo que apresentamos (item 6.1.1),

os governos subnacionais têm a capacidade de gasto para financiar, pelo menos, uma parte da

provisão do serviço. Naquele caso, a garantia de que o serviço seria prestado apoiava-se no

controle cidadão das próprias sociedades locais. No presente caso, a provisão do serviço é

garantida pela imposição de uma vinculação ao orçamento do governo subnacional. Os casos

típicos no Brasil são as vinculações orçamentárias para educação e saúde (Emenda

Constitucional no 29/00).

Na situação resultante desse modelo, cada governo subnacional irá dedicar ao setor,

necessariamente, um volume de recursos proporcional ao seu próprio orçamento. Governos

ricos serão obrigados a um gasto per capita, provavelmente, mais alto do que governos

pobres, embora isso dependa do perfil populacional. Se existirem mecanismos de equalização,

as diferenças em capacidade de gasto não são eliminadas, embora reduzidas.

É evidente, portanto, que a vinculação orçamentária do GSN ignora as diferenças em

capacidade de gasto, decorrentes das diferenças de capacidade econômica. Por si só,

isoladamente, ela provavelmente levará a níveis diferenciados de qualidade de serviços entre

jurisdições, e pode também levar à ineficiência, quando a distribuição da demanda por

serviços não acompanhar a distribuição da capacidade econômica (a situação mais provável).

Em suma, do ponto de vista da utilização eficiente dos recursos, a vinculação gera “sobras” e

carências de recursos entre jurisdições numa Federação. Antecipando questões que serão

discutidas à frente, é exatamente a constatação dessa distorção que levou à criação do Fundef

no sistema de financiamento da educação no Brasil.

Por outro lado, em comparação com um programa nacional, a vinculação tende a

conceder maior autonomia para os governos subnacionais no planejamento e execução do

gasto, desde que ele atinja o mínimo definido pela regra. Os programas nacionais, por outro

lado, tendem a incluir um papel destacado do GF na gestão e planejamento do gasto.

Podemos resumir esses pontos e outros adicionais da seguinte forma:

Vantagens da vinculação

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Pode (embora, não necessariamente) permitir maior autonomia dos GSN na alocação

dos recursos vinculados. Essa é a situação no Brasil. Em comparação com os programas

nacionais, estes provavelmente seriam mais restritivos. Em outras palavras, a vinculação

orçamentária usualmente é genérica e não especifica a estrutura do gasto vinculado, enquanto

o programa nacional é mais freqüentemente acompanhado de especificações decorrentes de

programas específicos. Por exemplo, as transferências do SUS no Brasil, um típico programa

nacional, têm sua utilização claramente discriminada, enquanto a vinculação orçamentária a

gastos da saúde (Emenda no 29/00) exige que o gasto seja em saúde, sem especificar quais

ações e serviços seriam consideradas como tal.

Desvantagens da vinculação

ignora diferenças de capacidade fiscal e gera alocação ineficiente de recursos;

é fácil de criar, mas difícil de eliminar. A experiência histórica mostra que, uma vez

estabelecida uma vinculação, interesses econômicos e políticos se estruturam em torno dela,

resistindo a sua redução ou eliminação, mesmo quando ela perdeu capacidade de cumprir ou

já cumpriu seus objetivos originais;

depende da performance da receita local. Em fases de queda da receita, ou na presença

de políticas tributárias permissivas (baixo esforço tributário, concessão exagerada de

benefícios e incentivos), os serviços podem ser afetados;

torna quase inevitável a participação do governo central para compensar/retificar a

distribuição de recursos (no Brasil, o caso do Fundef/Fundeb).

Fica evidente, portanto, que há uma escolha política quando discutimos modalidades

de financiamento de políticas sociais. Os programas nacionais têm diversas vantagens do

ponto de vista da uniformidade e da eqüidade, além de outras vantagens do ponto de vista da

dinâmica financeira dos governos subnacionais. Por outro lado, reduzem a autonomia e

também a adequação das políticas às especificidades das necessidades locais. A vinculação

padece de um mal básico, que é o de ignorar as disparidades de capacidade de gasto entre

jurisdições, gerando dotações per capita desiguais entre elas e, portanto, reduzindo a eqüidade

no tratamento dos cidadãos.

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Algumas observações gerais

Na formulação anterior, destacamos analiticamente quatro modelos de financiamento.

Na prática, é evidente que eles podem estar simultaneamente presentes. Todas as Federações

modernas contam, em alguma medida, com sistemas de equalização mais ou menos

sofisticados, e também com programas nacionais bastante amplos. O uso de contrapartidas é

muito amplo, principalmente na Federação norte-americana. Já a utilização de vinculação

orçamentária é uma característica que, aparentemente, sobrevive apenas nos países ditos em

desenvolvimento. De forma geral, respeitadas as peculiaridades de cada caso, elas estão

basicamente associadas à fragilidade dos sistemas políticos locais na preservação dos sistemas

de bem-estar social, o que leva as forças políticas comprometidas com esses sistemas a

trabalhar no sentido de que os orçamentos dos governos sejam limitados por tais restrições.

Na ausência de processos orçamentários capazes de garantir a atuação social do Estado, as

vinculações cumprem o papel de um recurso alternativo, claramente ineficiente.

Nos países em desenvolvimento, replica-se, de alguma forma, a evolução ocorrida nos

países já desenvolvidos, que passou de um estágio inicial com sistemas fortemente

controlados pelo governo federal para sistemas mais descentralizados. No entanto, como

vamos constatar pela análise do caso brasileiro, os sistemas de financiamento do gasto social

ainda tendem a fazer intenso uso do recurso da vinculação, e a evolução das últimas duas ou

três décadas tem sido fortemente marcada pela sua presença.

Pode ser conveniente recuperar, nesse ponto, em traços muito gerais, a evolução do

financiamento dos gastos sociais numa perspectiva histórica.

Em etapas iniciais de desenvolvimento, é freqüente que os serviços sociais sejam

financiados por vinculações. O período que vai dos anos 1950 até a década de 1980 assistiu a

uma certa expansão dessas formas de financiamento. O Brasil utilizou fartamente esse

recurso, não apenas para gastos sociais, mas também para infra-estrutura.

O período áureo da concentração do poder nos Estados nacionais (e nas Federações,

nos governos centrais) nas décadas de 1950 e 1960, assistiu ao desenvolvimento dos

programas nacionais nas Federações desenvolvidas, como passo importante na construção do

Estado de bem-estar social. Na segunda metade do século, a ênfase na descentralização e

autonomia dos governos subnacionais foi eliminando progressivamente as vinculações

orçamentárias, e mesmo os programas nacionais caminharam no sentido de um menor grau de

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condicionalidades na aplicação dos recursos. A crescente aceitação de que a descentralização

dos encargos era mais eficiente estava fortemente associada à incorporação dos objetivos e

metas do Estado de bem-estar social na lógica política das sociedades locais e regionais. Na

medida em que estes governos tinham assimilado os objetivos do Estado de bem-estar, e suas

sociedades e sistemas políticos zelavam pela atuação dos seus governos nesse sentido,

tornava-se menos importante o papel do governo central como indutor, e mesmo patrocinador,

da implementação e universalização das políticas sociais que compõem esse modelo.

Nas Federações desenvolvidas, hoje, não existem mais casos relevantes de vinculação

orçamentária, e os programas nacionais tendem a ser menos restritivos na imposição de

condicionalidades. Por outro lado, na maior parte delas, (a Alemanha é uma exceção

relevante, devido à reunificação) as disparidades de capacidade fiscal são bem menores do

que nos países em desenvolvimento. Além disso, em todas elas há em operação sistemas de

equalização muito eficientes, que reduzem muito a já pequena disparidade na capacidade de

gasto. A combinação de uma equalização eficiente com a complementação via programas

nacionais pouco restritivos complementa de forma eficiente a boa gestão orçamentária dos

governos.

Nos países em desenvolvimento, as limitações à qualidade tanto dos sistemas políticos

locais quanto das burocracias dos governos subnacionais apontam para a necessidade de ainda

serem mantidos sistemas menos eficientes, como a vinculação orçamentária. No passado

recente, no Brasil, tem se expandido a utilização dos programas nacionais e reduzido a total

predominância da vinculação de recursos como mecanismo básico de financiamento. Estamos

hoje atravessando um período típico de transição, onde a vinculação orçamentária convive

com os programas nacionais. É no sentido de compreender essa fase de transição que os

próximos itens deste relatório abordam os sistemas de financiamento da educação e da saúde

no Brasil.

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252

6.2 O financiamento da saúde no Brasil

Célia Maria Silva Carvalho

Sefaz/MG

Tânia Aurélia Sorice Baracho Moura∗

Sefaz/MG

SIGLAS

ADCT Ato das Disposições Constitucionais Transitórias

AIS Ações Integradas de Saúde

Atricon Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil

CEF Caixa Econômica Federal

Ceme Central de Medicamentos

CF Constituição da República Federativa do Brasil

CNS Conselho Nacional de Saúde

Cofins Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social

CIS Colegiados estaduais

Cims Colegiados municipais

Clis Colegiados locais

Cris Colegiados regionais

Confaz Conselho Nacional de Política Fazendária

CPMF Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira

CSLL Contribuição Social sobre o Lucro Líquido

Dataprev

Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social

DRU Desvinculação de Receitas da União

EC Emenda constitucional

FAZ Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social

FEF Fundo de Estabilização Fiscal

FES Fundo Estadual de Saúde

FFEB Fórum Fiscal dos Estados Brasileiros

Finsocial

Fundo de Investimento Social

∗ Colaboradora.

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FPAS Fundo de Previdência e Assistência Social

FPM Fundo de Participação dos Municípios

FSE Fundo Social de Emergência

Funabem Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor

FNS Fundo Nacional de Saúde

Funrural Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural

Gefin Grupo de Gestores das Finanças Estaduais

Iapas Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social

IAPB Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Bancários

IAPC Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comerciários

Iapetec Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Empregados em

Iapfesp Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Ferroviários e

IAPI Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários

IAPM Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos

Inamps Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social

INPS Instituto Nacional de Previdência Social

Ipase Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Servidores do Estado

IPMF Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira

LBA Legião da Boa Vontade

LDO Lei de Diretrizes Orçamentárias

MPAS Ministério da Previdência e Assistência Social

MS Ministério da Saúde

Noas Norma Operacional da Assistência à Saúde

NOB Normas operacionais básicas

NOB SUS Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde

OECD Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

OMS Organização Mundial da Saúde

PAB Piso Assistencial Básico

Piass Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento para o Nordeste

PIB Produto Interno Bruto

PPA Programa de Pronta Ação

Sinpas Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social

Siops Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde

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254

Sucam Superintendência de Campanhas de Saúde Pública do Ministério da Saúde

Suds Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde

SUS Sistema Único de Saúde

TFA Teto financeiro de assistência

TFAE Teto financeiro de assistência ao estado

TFAM Teto financeiro de assistência ao município

TFECD Teto financeiro de epidemiologia e controle de doenças

TFG Teto financeiro global

TFGE Teto financeiro global do estado

TFGM Teto financeiro global do município

TFVS Teto financeiro de vigilância sanitária

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 − Órgãos responsáveis pelo financiamento da saúde

Quadro 2 − Sistemas de saúde da OECD: principal forma de financiamento x principal prestador de serviços

Quadro 3 − Formas de financiamento da saúde no Brasil nos anos 1990

Quadro 4 − Composição do Sistema Nacional de Saúde: anos 1970

Quadro 5 − Subsistemas do Sistema Nacional de Saúde

LISTA DE TABELAS

Tabela 6 − INPS: principais receitas correntes – 1967-1976 (% receita total)

Tabela 7 − Gasto federal em saúde consolidado por fontes (% sobre o total): 1980-1990

Tabela 8 − Demonstrativo da receita do Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social no período 1980-1990

Tabela 9 − Financiamento do Ministério da Saúde: 1992/2000 (% sobre o total)

Tabela 10 − Percentual aplicação em saúde pelas três esferas de governo

Tabela 11− Gasto per capta: função saúde

Tabela 12 − Evolução do gasto per capta: função saúde − base 100

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 15 − Evolução dos gastos per capta com a função saúde: 2000 – 2005

6.2.1 Os agentes financiadores da atenção à saúde

Segundo Griffiths e Mills (1984) diversos órgãos públicos e organizações privadas

podem administrar o financiamento da saúde, como, por exemplo, os ministérios do governo

federal do país, os governos locais, as entidades religiosas, os pagamentos diretos da

população, recursos externos e outros. O número de órgãos responsáveis pelo financiamento

de ações e serviços de saúde depende das políticas desenvolvidas em cada país. O quadro a

seguir ilustra os diversos financiadores.

Quadro 1 − Órgãos responsáveis pelo financiamento da saúde

I– Financiamento público

Ministérios: Saúde, Seguridade Social, Transportes, Comunicações, Desenvolvimento Rural, Minas e Energia, Indústria e Comércio, Educação, Interior, Relações Externas, Defesa e outros

Governos locais: regiões, estados, municípios e conselhos

Outras agências públicas: utilidade pública, fornecendo água e/ou condições sanitárias etc.

Empresas estatais

Seguro de saúde compulsório

II – Organizações religiosas

III – Financiamento privado

Indústria

Pagamentos diretos em:

atendimento ambulatorial ou hospitalar em órgãos públicos ou privados

atendimento médico particular

Planos ou seguros de saúde

IV – Financiamento Ajuda externa e cooperação técnica bilateral ou

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256

externo multilateral.

Fonte: elaborado a partir de Griffiths; Mills (1984) e Mansur (2001).

As decisões políticas, as crises econômicas, as oscilações no nível de arrecadação

fiscal (tratando-se de sistema de saúde dependente do orçamento fiscal) ou no nível de

arrecadação das contribuições de trabalhadores (tratando-se de sistema dependente de

recursos previdenciários) interferem no volume de recursos destinados ao setor.

Conforme abordado anteriormente o financiamento da saúde nos países pode ser

formado por diferentes composições entre privado, público e “paraestatais”. O critério

adotado neste texto é o utilizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento

Econômico (OECD) e pelo Banco Mundial, que tratam as despesas das agências

internacionais (“paraestatais”) como despesa do governo, pública.

Na comparação de dados, o Banco Mundial define o financiamento público como

aquele formado pelos recursos do governo e das agências, enquanto o financiamento privado

é definido como a soma das despesas individuais, dos seguros de saúde, de empresas e de

entidades filantrópicas. (WORLD BANK, 1993, p. 6). Já no Brasil, é difícil separar/identificar

o financiamento dessas entidades filantrópicas, muitas vezes, diretamente dependentes do

financiamento do governo.

Em outros países, os sistemas de saúde, objetivando ampliar a cobertura para a sua

população, têm se financiado com recursos públicos, privados ou através de uma mistura dos

dois. Podemos identificar três modelos. No primeiro, o financiamento é basicamente feito

com a receita de impostos; no segundo, é arrecadada a contribuição de empregados e

empregadores para um sistema de seguridade social que financia a saúde; e um terceiro no

qual é forte a participação do setor privado no financiamento, cabendo ao Estado um papel

residual.

Na OECD, os países diferenciam-se nas formas de financiar a atenção à saúde e na

forma da prestação dos serviços, conforme ilustrado pelo quadro a seguir.

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257

Quadro 2 − sistemas de saúde da OECD Principal forma de financiamento x principal prestador de serviços

País Financiamento Prestador

Bélgica Seguro social Mix público/privado

Holanda Mix seguro social/privado Privado

Irlanda Recursos fiscais Público

Canadá Recursos fiscais Privado

EUA Seguro voluntário Privado

Itália Seguro social/recursos fiscais Público

Austrália Recursos fiscais Mix público/privado

Turquia Não há fonte predominante Mix público/privado

Fonte: elaborado a partir de Mansur (2001). e OECD (2000).

dado para 1991.

dado para 1997.

No caso da OECD, a grande maioria dos países tem um financiamento da saúde

baseado, essencialmente, nos recursos fiscais e a prestação dos serviços também é pública. O

fato do financiamento ser público não interfere na forma de prestação, que tanto pode ser

pública quanto privada.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2000, p. 13), é possível

encontrar os modelos mais puros nos países mais ricos e um mix dos tipos de financiamento

maior nos países de renda média, principalmente, na América Latina, podendo haver uma

combinação de dois ou até dos três tipos.

Quadro 3 − Formas de financiamento da saúde no Brasil nos anos 1990

Financiamento Público Financiamento Privado

• MINISTÉRIO DA SAÚDE → recursos do orçamento fiscal e da seguridade social

• SECRETARIAS ESTADUAIS DE SAÚDE → recursos fiscais próprios, transferências do Fundo Nacional de Saúde e do Fundo de Participação dos Estados (deduzidos os recursos transferidos aos municípios)

• SECRETARIAS MUNICIPAIS DE SAÚDE → recursos fiscais próprios, transferências do Fundo Nacional de Saúde,

• PAGAMENTO DIRETO

• SISTEMA SUPLETIVO DE ASSISTÊNCIA MÉDICA:

- MEDICINA DE GRUPO → pré-pagamento de serviços por estados;

- COOPERATIVAS MÉDICAS → pré-pagamento de serviços por Estados;

- SEGURO SAÚDE → fundo coletivo constituído pelas parcelas mensais pagas (conforme o valor contratado);

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do Fundo Estadual de Saúde e do Fundo de Participação dos Municípios.

• CONVÊNIOS INTERNACIONAIS (REFORSUS) → contratos com organismos internacionais.

• OUTRAS FONTES → pagamento de planos de saúde dos servidores; falha no ressarcimento ao governo dos serviços por estados a pacientes com planos privados de saúde; subsídios aos investimentos e à prática médica privada; dedução no pagamento do Imposto de Renda de parcela gasta em tratamentos de saúde.

- AUTOGESTÃO → contribuições compulsórias dos trabalhadores mais recursos das empresas patrocinadoras (públicas ou privadas)

- PLANOS DE ADMINISTRAÇÃO → fundos criados através de contribuição compulsória de terceiros.

Fonte: Mansur (2001).

No Brasil, o financiamento total da atenção à saúde, tanto público como privado,

também é distribuído entre diversos órgãos, diferindo apenas quanto à forma de participação

no financiamento. O quadro 3 apresenta esses órgãos e como eles provêem recursos para o

setor de saúde. O setor de saúde brasileiro é financiado por um grande percentual de recursos

públicos, e as decisões orçamentárias do governo federal têm papel fundamental na destinação

dos recursos.

6.2.2 Histórico do financiamento público da saúde no Brasil

Entre os anos 1920 e 1980, a política de saúde no Brasil esteve organizada em dois

subsetores, o de saúde pública e o de medicina previdenciária, neste caso, restrito aos que

pertenciam às categorias profissionais reconhecidas por lei. Essa vinculação

medicina/trabalho formal fez parte de um processo de ampliação dos direitos sociais que

relacionava a obtenção dos direitos à carteira assinada. Wanderley Guilherme dos Santos

chamou tal vinculação de “cidadania regulada”, que considerava cidadão apenas aqueles que

exerciam profissões reconhecidas por lei, para quem foram criadas formas de proteção social,

dando início assim à estrutura previdenciária da qual fazia parte a assistência à saúde

(SANTOS, 1979, p. 74).

Apesar da ampliação dos direitos dos cidadãos registrada nesse período, eram

considerados “cidadãos” apenas os indivíduos pertencentes ao mercado de trabalho formal,

para as profissões reconhecidas em lei.

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259

De fato, o sistema de proteção estabelecido pela previdência social naquelas décadas

contribuiu para desenvolver a medicina assistencial-hospitalar brasileira, mas como

observado, alijava quem não estava no mercado de trabalho formal. Os recursos que

financiavam a medicina previdenciária eram direcionados para atender apenas aos grupos

protegidos pelo sistema, e o sistema de proteção social brasileiro ficou vinculado a essa

cidadania regulada até os anos 1980.

Por outro lado, nos níveis federal, estadual e municipal havia órgãos destinados à

execução de programas relativos às ações de saúde pública, de vigilância epidemiológica e de

promoção do saneamento do país. Entretanto, essas ações não integravam o sistema de

proteção da previdência social nem estavam incluídas entre as responsabilidades desse

sistema.

Em 1953,33 com a criação do Ministério da Saúde,34 obteve-se uma melhor

organização dos serviços com a criação de departamentos específicos para cada finalidade.

O

Ministério da Saúde era responsável pela formulação de políticas nacionais de saúde, de

alimentação e de nutrição, assim como pelas ações de atenção à saúde de interesse coletivo.

Foi financiado com recursos do Tesouro, cuja maior parte era composta pelos recursos

ordinários da União.

O Ministério da Saúde não recebia uma grande fatia de recursos orçamentários para

implementar seus programas. Segundo Braga e Paula (1981), nas décadas de 1960 e 1970,

houve redução nos percentuais destinados ao ministério pelo orçamento geral da União: em

1968, coube ao MS, 2,21%; em 1972, houve redução para 1,40%; em 1973, foi de apenas

0,91%; e em 1974, de 0,90%.

Do ponto de vista do financiamento das políticas de saúde, destaca-se nesse período

uma corrente de sanitaristas, influenciada pela posição norte-americana, que questiona a

política de saúde vigente e coloca a saúde como direito social. O grupo defendia o aumento

dos gastos com saúde no país no mesmo nível do gasto realizado nos países desenvolvidos.

Acreditavam que o grande aporte de recursos garantiria o desenvolvimento do setor de saúde

e a melhoria da qualidade de saúde da população.

33 Antes de 1953, já havia ações de saúde pública sendo desenvolvidas pelo Ministério de Educação e Saúde, que antecedeu o Ministério da Saúde. 34 A estrutura do Ministério da Saúde nos anos 1950 era a seguinte: campanhas nacionais contra tuberculose, malária, febre amarela e outros; Assistência materno-infantil; Saúde dos Portos; Assistência a Psicopatas e outros. (BRAGA; PAULA, 1981, p. 57).

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Entretanto, a realidade vivida pelo Estado brasileiro era outra. Tratava-se de um

período de desenvolvimento com autonomia e crescimento limitados, desfavorável ao alcance

desses recursos financeiros. Além disso, como afirma Braga e Paula (1981), desde a criação

do Ministério da Saúde, coube à saúde apenas 1/3 dos recursos do orçamento. Com isso, a

estrutura do ministério não assistia à maioria da população, que ficava à margem de qualquer

proteção social, sendo a população rural a mais atingida.

O papel da previdência social no financiamento da atenção à saúde

Apesar do grande desenvolvimento econômico-industrial vivido pelo Brasil entre as

décadas de 1930 e 1960, esse período caracterizou-se pela insuficiência de recursos

financeiros para manter a máquina que se formava no sistema previdenciário. Naquela época

vigoraram os Institutos de Aposentadorias e Pensões por categoria, antes da unificação. Na

medicina, obteve-se um grande avanço tecnológico, resultando em elevação de custos, além

do que, os tratamentos faziam do hospital o centro do processo. A saúde pública era de caráter

preventivo e assistencial, e a medicina previdenciária estava centrada no hospital e na atenção

de caráter curativo.

A criação de um sistema previdenciário não foi acompanhada de uma previsão de

crescimento, ao longo dos anos, oriundo do maior assalariamento, da maior filiação dos

trabalhadores e do aumento progressivo na demanda por benefícios. O regime de repartição

(União, empregados e empregadores contribuindo) com um regime de capitalização (através

do investimento em bens imobiliários) foi a solução encontrada para sustentar a estrutura da

previdência social. Entretanto, a participação da receita imobiliária na receita total do INPS

não era muito significativa, conforme veremos adiante.

A estrutura criada não foi capaz de gerar recursos que compensassem as despesas

crescentes, com o que esse suporte econômico-financeiro e a base institucional dos institutos

de aposentadorias e pensões que já sobreviviam há décadas entraram em colapso (BRAGA;

PAULA, 1981, p. 77). Em 1967, com a fusão dos institutos,35

foi criado o Instituto Nacional

de Previdência Social (INPS),36 consolidando a tendência de contratação dos serviços

hospitalares privados, já observada nos anos anteriores. Isso permitiu uma maior expansão da

35 Os principais institutos eram: IAPI, Iapfesp, IAPC, Iapetec, IAPM e IAPB. 36 O Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Servidores do Estado (Ipase) foi o único instituto que não participou da fusão, continuando a existir −só foi extinto nos anos 1980 − mesmo após a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS).

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261

oferta de serviços, garantindo o mercado dos produtores privados dos serviços de saúde, ao

mesmo tempo em que se deteriorava a rede própria da previdência social (CARVALHO,

1998, p. 6).

A participação da União no financiamento da saúde manteve-se pequena, tanto no

período de existência dos institutos, quanto após a criação do INPS. Cabia ao INPS, antes da

criação do Sinpas (Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social), a responsabilidade

pela parte de benefícios previdenciários e de assistência médica.

O orçamento do Ministério da Saúde não era prioridade para os governos, levando a

União ao descumprimento de seu papel de financiadora das medidas de saúde coletiva e de

atenção individualizada da medicina curativa previdenciária. Já a medicina previdenciária foi

financiada principalmente pela contribuição de empregados. A União pouco participava e as

empresas podiam adotar a compensação dos custos com o aumento de preço dos produtos

comercializados. A tabela a seguir mostra as principais fontes de receita do INPS:

Tabela 6 − INPS: principais receitas correntes de 1967 a 1976 (% receita total)

Receita 967 968 969 970 971 972 973 974 975 976

Receitas correntes

Receita tributáriaa

5,5 4,3 5,6 7,7 7,0 7,7 9,1 1,1 9,9 5,8

Transferências

correntesb

,2 ,8 ,5 ,4 ,7 ,6 ,6 ,4 ,8 ,7

Receitas

imobiliáriasc

,3 ,3 ,0 ,1 ,1 ,2 ,4 ,1 ,3 ,2

Fonte: Mansur (2001, p. 40).

Obs.: a

representam a contribuição de empregados e empregadores para a

previdência social;

b representam a participação do governo;

c representam os recursos arrecadados com o patrimônio da previdência

social(capitalização).

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262

As transferências correntes − que representam a pequena participação relativa da

União na receita do INPS − demonstram a falta de interesse político pelas questões sociais. A

redução da participação de 9,2% do volume de recursos da previdência, em 1967, para 4,7%,

em 1976, significa que o financiamento da previdência social − de onde saíam os recursos

para a medicina previdenciária − não era uma responsabilidade do governo. Já a participação

dos recursos da arrecadação tributária da contribuição de empregados e empregadores para a

previdência apresentava-se majoritária, representando em 1967, 85,5%, atingindo seu ápice

em 1974, com 91,1 %, e caindo para 85,8% em 1976.

Em 1981, 96% das receitas da contribuição compulsória − que atingiam

principalmente os empregados urbanos e as empresas urbanas − provinham das folhas

salariais urbanas, sendo 2/3 de contribuição das empresas e 1/3 dos empregados. Também

podem ser incluídos como contribuintes os trabalhadores autônomos e facultativos, os

empregados domésticos e os empregadores rurais. A contribuição representou uma média de

89% da receita do INPS (Sinpas) na década de 1980. Era arrecadada para o Fundo de

Previdência e Assistência Social (FPAS) e, posteriormente, repassada aos diversos programas

do Sinpas (MANSUR, 2001).

A arrecadação desse tipo de contribuição é sensível em relação a mudanças na

economia, e o fato de estar vinculada ao nível de assalariamento faz com que o seu ônus

recaia fortemente sobre as empresas e os setores intensivos em mão-de-obra. Outra

característica é o seu caráter regressivo em função das alíquotas reais de contribuição do

empregado, que diminuem à medida que aumenta o nível de renda. Além disso, é possível

para as empresas repassarem o valor de suas contribuições para o preço final dos produtos, o

que significa que novamente a sociedade está contribuindo para o sistema.

No período conhecido como “milagre econômico”, de 1967 a 1973, o orçamento da

previdência social se sustentou no crescimento da economia e do assalariamento. Entretanto,

nos anos seguintes, a retração econômica e a conseqüente redução do nível de assalariamento

resultaram em menor contribuição sobre a folha de salários. O governo federal enfrentava,

então, claros problemas de financiamento das políticas sociais.

Segundo Braga e Paula (1981), a partir de 1974, o governo federal se deu conta da

pouca atenção dispensada às questões sociais, falha que se revelava, notadamente, pela

deterioração da distribuição de renda e pelos crescentes níveis de mortalidade infantil. Era o

momento de se ampliar o poder político, conquistando as classes baixas via políticas sociais, e

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263

buscar alternativas para reduzir a miséria e, assim, possibilitar que o país se tornasse uma

potência.

Assim, ainda naquele ano, foram criados o PPA e o FAS, visando mudanças no

desenvolvimento do setor de saúde. Implementados pelo INPS, pelo Inamps e pelo Ministério

da Saúde, esses programas possibilitaram a inclusão no sistema de previdência social de parte

da população que antes não era assistida.

O FAS era administrado pela Caixa Econômica Federal (CEF) e tinha como objetivo

atender ao financiamento das políticas de saúde, educação, saneamento, trabalho, assistência

social e de outros setores e outros setores. O fundo era composto pela receita dos concursos

de prognósticos e pelos saldos operacionais da CEF. Os projetos de interesse público ou

privado nas áreas citadas tinham prioridade na destinação desses recursos. Os destinados ao

setor público eram a fundo perdido, e aos projetos voltados para o setor privado, aplicava-se

juros subsidiados.

Segundo Buss (1995), na saúde, o financiamento do FAS era destinado à construção

de unidades médicas, para atender à crescente demanda, considerando que a expansão

econômica dos anos do “milagre” levou ao crescimento da população economicamente ativa

e, conseqüentemente, à ampliação do setor formal do mercado de trabalho.

O governo federal também criou, em 1974, o Ministério da Previdência e Assistência

Social (MPAS) e estimulou a política nacional de medicamentos através da Central de

Medicamentos (Ceme). A central foi considerada um meio indireto de financiamento do setor

de saúde, cujo programa de distribuição de medicamentos possibilitou investimentos em

pesquisas nessa área e na produção de medicamentos pelos laboratórios oficiais. Ressalta-se

também a aquisição de medicamentos da indústria farmacêutica privada, dando um grande

impulso ao setor. Nos anos 1980, a Ceme passou a integrar o Ministério da Saúde.

O FAS e a Ceme significavam uma possível variação nas fontes de financiamento do

setor, antes concentradas especialmente na contribuição de empregados e empregadores. Era

necessário gerar recursos para financiar uma estrutura gigantesca que, no ano de 1985, incluía

42 hospitais federais. (MANSUR, 2001).

Segundo Vilaça (1993), o setor privado fornecedor de serviços de saúde se beneficiou

duas vezes. Primeiro de tudo, o Programa de Pronta Ação (PPA) – que estendeu o

atendimento de urgência a toda população – abriu um mercado cativo para o setor privado, em

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264

especial o setor hospitalar; segundo, porque o FAS garantia uma expansão fiscal adicional

com recursos subsidiados para atender ao setor.

As mudanças da década de 1970 na área de saúde

Nos anos 1970, o modelo previdenciário de atenção à saúde começou a adquirir um

perfil universalista. Ações como a criação do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural

(Funrural) − que favoreceu o atendimento aos trabalhadores rurais e a seus dependentes −, o

Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento para o Nordeste (Piass) e,

principalmente, o Programa de Pronta Ação (PPA) −que promovia a universalização do

atendimento de urgência e emergência médica na rede própria e conveniada − foram um

marco do início dessa transformação.

Mendes (1993) enfatiza que

a ação combinada do PPA e do FAS representou, na verdade, um poderoso mecanismo

de alavancagem do setor privado na área da saúde; aquele abrindo mercado cativo e este

garantindo uma expansão física adicional, com recursos subsidiados, especialmente na área

hospitalar.

Em 1977, foi criado o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (Sinpas)

composto pelos seguintes órgãos: INPS, Inamps, Iapas, LBA, Funabem, Dataprev. A

contribuição sobre a folha de salários recolhida por meio do Fundo de Previdência e

Assistência Social (FPAS) − composto pela “contribuição compulsória de empregados e

empregadores sobre a folha de salários” e pelos recursos da União − representava a principal

fonte de financiamento do Sinpas. Os recursos do fundo eram distribuídos de acordo com o

Plano Plurianual de Custeio da Previdência. A criação do Sinpas levou o Inamps a assumir a

função de responsável pela assistência médica no lugar do INPS.

A arrecadação de recursos destinados aos programas sociais foi fortemente afetada no

final da década de 1970, em função da crise econômica que levou à desaceleração das taxas

de crescimento, influenciando negativamente o nível de emprego do país e provocando

redução da massa de salários. O momento era propício para a reflexão sobre a necessidade de

se reorganizar a atenção à saúde no país e de reavaliar as condições de seu financiamento.

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265

Outra mudança fundamental foi à criação do Sistema Nacional de Saúde, pela Lei no

6.229, de 17 de julho de 1975, com o objetivo de promover uma regulamentação das políticas

de saúde, formando um complexo de serviços do setor público e privado voltados para ações

de interesse da saúde. O próximo quadro apresenta sua composição:

Quadro 4 − Composição do Sistema Nacional de Saúde – anos 1970

Órgão Objetivo

Conselho de Desenvolvimento

Social (CDS)

→ acompanhar as medidas do governo em termos de políticas e

programas de saúde

Ministério da Saúde (MS) → formular as políticas nacionais de saúde, promover e executar

ações de atenção à saúde de caráter coletivo

Ministério da Previdência e

Assistência Social (MPAS) → promover o atendimento médico-assistencial individualizado

Ministério da Educação e Cultura

(MEC)

→ formar no nível universitário os profissionais que atuarão no

setor de saúde

Ministério do Interior (MI) → promover o saneamento ambiental e a aplicação dos sistemas

de água e esgoto

Ministério do Trabalho (MT) → garantir políticas de segurança no trabalho e políticas

salariais voltadas para a classe trabalhadora do setor de saúde

Estados, territórios e Distrito Federal → planejar ações de coordenação dos serviços de saúde e de

acompanhamento das ações municipais

Municípios → manter os serviços de saúde, principalmente, os serviços de

pronto-socorro e de vigilância epidemiológica

Fonte: elaborado a partir de Mansur (2001).

Até os anos 1980, o sistema se subdividia em quatro subsistemas, de forma a facilitar a

compreensão dos papéis desempenhados pelos órgãos nas políticas de saúde no Brasil. O

quadro a seguir ilustra bem os subsistemas.

Outro aspecto a ser considerado era a excessiva centralização de recursos e poder

decisório pelo Inamps, por um longo período, deixando em segundo plano a participação do

Ministério da Saúde e da estrutura a ele vinculada (secretarias estaduais e municipais). O

Ministério da Previdência e Assistência Social, ao contrário do que constava na lei do SNS,

detinha a maior parcela dos recursos da saúde e assumiu no lugar do Ministério da Saúde, o

papel de formulador da política para o setor, além de predominar na definição das políticas

setoriais.

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267

Quadro 5- Subsistemas do Sistema Nacional de Saúde

Subsistemas Composição

1.-Saúde da previdência

social

→ estabelecimentos próprios do Inamps (hospitais e postos de assistência

médica), pela Ceme, além de uma rede de estabelecimentos privados

contratados

2. Ministério da Saúde

→ estruturas hospitalares e ambulatoriais próprias, além de fundações e

institutos como a Fundação Oswaldo Cruz, a Superintendência Nacional de

Campanhas Sanitárias (Sucam) e outros. Entre as áreas de atuação do

Ministério da Saúde, faziam parte os programas contra tuberculose, de

dermatologia, saúde mental, câncer, atenção materno-infantil e atividades

de vigilância sanitária, epidemiológica e ambiental, além de outros

programas

3. Militares e dos

servidores públicos

→ sistemas de saúde próprios que esses grupos mantinham. O Ipase, de

assistência médica dos servidores públicos federais, no entanto, foi extinto

nos anos 1980. Continuaram a existir alguns institutos nos estados e os

sistemas próprios de saúde dos militares

4. Estados e municípios → estrutura médica oferecida por esses entes subnacionais, mas que

existiam em condições muito precárias.

Fonte: Mansur (2001); Marques (1999, p. 13).

Entretanto, o domínio sobre a política nacional de saúde pelo Inamps não logrou o

êxito desejado, haja vista que ele não detinha o domínio sobre o orçamento previdenciário, o

que lhe possibilitaria desenvolver e executar todas as suas ações. Os benefícios

previdenciários eram os alvos na alocação dos recursos, dada a sua natureza contratual,

restando pouca receita para a saúde. As despesas do Inamps tiveram uma trajetória

decrescente. Em 1976, correspondiam a 30% do orçamento da previdência e em 1982

corresponderam a apenas 20%%. (CARVALHO, 1998, p. 8).

A contribuição de empregados e empregadores sobre a folha de salários, no FPAS,

figurava como o ator principal até fins dos anos 1970, mesmo já havendo a extensão da

cobertura dos serviços de saúde a não-contribuintes. Essa expansão da concessão de

benefícios a setores informais − com destaque para a extensão da aposentadoria aos

trabalhadores rurais e aos idosos com mais de 70 anos independentemente de seu vínculo com

o sistema de proteção social − e aos profissionais liberais que quisessem se vincular ao

sistema, entre outros setores, não foi acompanhada da ampliação da base de financiamento do

sistema. Este continuou ligado à capacidade contributiva, o que levou à geração de déficits.

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A crise econômica que se prolongou até meados de 1983, exigiu do governo a adoção

de iniciativas para o financiamento da previdência e para contornar o seu déficit. Dentre essas

iniciativas destacam-se a idéia de ampliar as alíquotas de contribuição, a elevação do teto dos

salários de contribuição dos empregados de 15,5 salários-mínimos para 20 salários-mínimos e

o aumento das alíquotas de contribuição de trabalhadores autônomos, facultativos e

empregadores.

A década de 1980: o processo de descentralização do sistema de saúde e o seu financiamento

A bandeira da descentralização na área de saúde foi levantada no início da década de

1970 com o movimento pela reforma sanitária, liderado por profissionais de saúde,

acadêmicos e outros setores da sociedade, que questionavam a política vigente e colocavam a

saúde como um direito social.

A base da reforma sanitária consistia na proposta de um sistema de saúde único,

fundamentalmente estatal e descentralizado, no qual caberia ao setor privado um papel

suplementar, sob controle público. O que estava em foco era a universalidade da atenção à

saúde, superando-se a histórica dicotomia entre assistência médica individual e ações

coletivas de saúde. A estratégia eleita para se conquistar a saúde como um direito consistia na

descentralização do sistema de saúde.

O processo de descentralização do sistema provocou o desenvolvimento de várias

propostas de unificação das redes federal, estadual e municipal nos anos 1980. Entre elas

figurava a incorporação do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social

(Inamps), vinculado ao Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), ao Ministério

da Saúde. A mudança resultaria na redução do papel da previdência ao gerenciamento dos

benefícios de auxílio e aposentadoria, não ofertando mais serviços de saúde à população. O

Inamps ficaria, então, responsável pela assistência ambulatorial e hospitalar integral a toda a

população.

Em relação ao financiamento do sistema, também seriam necessárias mudanças como,

por exemplo, a diversificação das fontes tributárias e a garantia de recursos permanentes e

contínuos para a gestão de uma política de saúde consistente.

As contribuições sociais eram as principais financiadoras do sistema nos anos 1980 e

se subdividiam em:

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contribuição de empregados e empregadores para a previdência social − desconto na

folha de pagamentos – que além de representar a maior parcela de receita para o setor de

saúde, integravam o Fundo da Previdência e Assistência Social (FPAS), e, portanto, sua

arrecadação não era considerada recurso do Tesouro; e

a contribuição do Fundo de Investimento Social (Finsocial) criado para incidir sobre o

faturamento das empresas e financiar as políticas sociais.

O Finsocial foi criado pelo Decreto-Lei no 1.940, de maio de 1982, e paralelamente,

também foi criada uma contribuição social correspondente, que incidia sobre o faturamento

das empresas. Sua criação foi muito questionada na época, porque feria alguns preceitos

legais − como a sua não-regulamentação, o desrespeito aos princípios da anterioridade e da

anualidade, o princípio da não-vinculação tributária e o princípio da não-cumulatividade −

previstos na Constituição Federal (CF) de 1967, além de suas características de imposto

indireto.

Com a criação do Finsocial, voltou a existir a tributação cumulativa (“em cascata”),

que tinha sido proibida pela CF/67. Esse fator gerou regressividade no sistema,

principalmente, por estar relacionado a uma contribuição voltada para o financiamento da área

social. (MANSUR, 2001)

A tabela a seguir demonstra a significativa participação da previdência social no

orçamento da saúde. Apesar do Tesouro ter aumentado sua participação ao longo da década

de 1980, isso não foi suficiente para alterar a fundamental contribuição do Fundo de

Previdência e Assistência Social (FPAS) para o setor, em média de 80%.

Tabela 7 − Gasto federal em saúde consolidado por fontes (% sobre o total):1980-1990

ANO TESOURO PAS AS OUTRAS TOTAL 980 12,9 5,2 1,5 0,4 100 981 14,5 83,8 1,2 0,6 100 982 15,7 82,2 1,4 0,7 100 983 18,8 79,8 1,3 0,2 100 984 16,8 82,4 0,7 0,1 100 985 20,9 78,2 0,8 - 100 986 22,7 76,9 0,5 - 100 987 19,4 80,2 0,3 - 100 988 19,9 79,5 0,6 - 100 989 27,6 72,4 - 100 990 21,1 78,9 - 100

Fonte : Mansur (2001, p. 49). Obs.: incluem os percentuais referentes ao Finsocial.

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O setor de saúde na década de 1980, mesmo com a adoção de novas modalidades de

financiamento e de novos programas (a exemplo do Programa Ações Integradas de Saúde −

AIS para desenvolvimento de políticas de atenção) continuava atrelado à estrutura da

previdência social; ou seja, dependente dela. O sistema foi sendo ampliado e continuava

financiado pelos empregados e empregadores do mercado formal de trabalho. Registra-se em

1986, por exemplo, houve uma grande elevação das taxas de crescimento da receita

previdenciária, explicada pelos ganhos salariais após o Plano Cruzado e pelo aumento do

número de trabalhadores assalariados no mercado formal de trabalho.

As contribuições sociais foram os grandes agentes financiadores das políticas sociais

no período de 1980 a 1990, representado, em média, 86,69% do total dos gastos do Sistema

Nacional de Previdência e Assistência Social (Sinpas) para a década. A próxima tabela

demonstra a evolução das receitas do Sinpas. Vale registrar que a criação em 1984 do

programa AIS − cujo objetivo era expandir a atenção primária à saúde − foi um marco na

mudança definitiva de um modelo previdenciário de atenção à saúde para um modelo mais

universalista. De acordo com Oliveira Júnior, com inúmeras instituições federais, estaduais e,

embrionariamente, municipais, intervindo no sistema, sem nenhuma articulação, [...] iniciam-

se as AIS, cujo objetivo, além da racionalização da gestão e dos recursos financeiros, é o de

descentralizar e pactuar, iniciando um longo caminho de redefinição dos papéis de cada esfera

de governo na área da saúde. (Id., s.d., p. 22)

Mesmo que a descentralização estivesse em pauta, existia a resistência a movimentos

descentralizadores dentro da estrutura.

Tabela 8 − Demonstrativo da receita do Sistema Nacional de Previdência e Assistência

Social: período 1980-1990

Ano Contribuições

Sociais

Transferências

da União

Receita

Patrimonia

l

Receita

%Total

1980 91,62 5,21 0,53 100,0

1981 87,61 9,53 0,54 100,0

1982 92,5 4,57 0,87 100,0

1983 89,56 8,22 0,71 100,0

1984 85,95 11,06 0,99 100,0

1985 89,64 4,39 4,24 100,0

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1986 91,83 3,88 2,82 100,0

1987 81,39 0,81 16,82 100,0

1988 88,62 0,60 9,08 100,0

1989 75,49 19,89 3,19 100,0

1990 79,33 9,18 8,85 100,0

Fonte: Dataprev (1992).

As estratégias do programa AIS visavam:

a uma maior articulação na rede pública e desta com o setor privado (evitando

superposições),

à descentralização e democratização das estruturas administrativas do Inamps;

apoiar os órgãos colegiados e à ampliação para a participação das entidades

representativas da população;

à recuperação dos serviços públicos com recursos de investimento e custeio e;

priorizar o relacionamento com prestadores filantrópicos.

Apesar de todas as barreiras encontradas,

a estratégia das AIS impulsionou novos arranjos institucionais, mediante os colegiados

estaduais (CIS), municipais (Cims), locais (Clis) ou regionais (Cris), que provocaram, em

meados da década de 80, um visível deslocamento dos gastos em internações hospitalares e

consultas médicas do setor privado para as agências de governo, especialmente os hospitais

universitários e secretarias municipais e locais. (COSTA, 1998, p. 104)

Em 1987, foi criado o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (Suds),

concomitantemente às discussões da VIII Conferência Nacional de Saúde − que marcou o

crescimento do projeto da reforma sanitária −37

e à elaboração da Constituição Federal de

37 “A reforma sanitária pode ser conceituada como um processo modernizador e democratizante de transformação nos âmbitos político-jurídico, político-institucional e político-operativo, para dar conta da saúde dos cidadãos, entendida como um direito universal e suportada pelo Sistema Único de Saúde, constituído sob regulação do Estado, que objetive a eficiência, eficácia e eqüidade e que se construa permanentemente através do

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1988. As principais diretrizes do sistema eram a universalização e eqüidade no acesso aos

serviços de saúde, a integralidade dos cuidados assistenciais, a descentralização das ações de

saúde, a implementação de distritos sanitários e a instauração de instituições gestoras

colegiadas e participativas. O Suds funcionou como um programa transitório entre as AIS e a

implementação do Sistema Único de Saúde (SUS).

Segundo Mendes (1991), destaca-se como parte das mudanças proporcionadas por

esse sistema:

uma desconcentração para estados e destes para os municípios;

a restrição dos poderes do Inamps (considerado instituição mantenedora do modelo

médico-assistencial privatista), com sua retirada gradativa da prestação direta dos serviços de

saúde;

o aumento dos recursos repassados aos Municípios;

a redução relativa das transferências ao setor privado;

a priorização dos serviços por estados pelas entidades filantrópicas; e

o aumento de investimentos na alta tecnologia.

O Suds previa que o Inamps firmasse convênios diretamente com as secretarias

estaduais de saúde, buscando transferir-lhes gradativamente a administração dos contratos e

as unidades de saúde. As secretarias estaduais receberiam recursos do FPAS, determinados

somente por negociação direta entre as partes, sem seguir legislação ou regras sobre o

assunto. Entretanto, não houve cumprimento da negociação por parte do Inamps para o

repasse dos recursos, sobrecarregando os orçamentos estaduais, o que gerou instabilidade na

implementação das políticas, afetando a qualidade da assistência médica prestada à

população. (MANSUR, 2001)

O procedimento adotado pelo sistema Suds, ao repassar recursos sem que houvesse

mecanismos de controle e auditoria, permitia que houvesse substituição de receita; ou seja, ao

entrarem recursos de origem federal através dos repasses, o nível estadual reduzia ou

incremento de sua base social, da ampliação da consciência sanitária dos cidadãos, da implantação de um outro paradigma assistencial, do desenvolvimento de uma nova ética profissional e da criação de mecanismos de gestão e controle populares sobre o sistema.” (MENDES, 1993, p. 42)

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eliminava a sua participação no financiamento da saúde. Após a aprovação da nova

Constituição Federal, o Suds foi substituído pelo SUS.

As alterações com a Constituinte de 1988 e o financiamento na década de 1990

As reformas consagradas pela nova Constituição Federal na área social passam pela

vinculação de receitas a esses setores. Para a seguridade social − que abrange previdência,

assistência social e saúde − foram destinadas as receitas das principais contribuições sociais,

em atenção ao art. 195 da Constituição Federal, mantendo, criando ou ampliando direitos.

A nova Constituição adota o modelo de seguridade social − que veio a substituir o

modelo de seguro social − e criou o Sistema Único de Saúde (SUS), permitindo a

universalização e a mudança do modelo de atenção curativa da saúde para um modelo de

atenção integral à população (CARVALHO, 1998, p. 3).

A concepção do SUS estava baseada na formulação de um modelo de saúde voltado

para as demandas da população, visando resgatar o compromisso do Estado com o bem-estar

social, notadamente, no se que refere à saúde coletiva. Pela Constituição Federal, a saúde

passa a ser um direito de todos, consolidando um dos direitos de cidadania (e dever do

Estado) e beneficiando os clientes do sistema, independentemente de contribuírem para o

financiamento.

A Constituição criou o orçamento da seguridade social exclusivo para financiar

previdência, saúde e assistência social. O art. 195 especifica as fontes de financiamento da

seguridade social, e o parágrafo único do art. 196 especifica que o financiamento será feito

com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos estados, do Distrito Federal e

dos municípios, além de outras fontes. O que não ficou claro foi o papel que caberia a cada

ente federado, bem como os requisitos legais para que novas fontes de financiamento fossem

criadas posteriormente. Destacamos, a seguir, os dizeres do art. 195 da Constituição Federal:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e

indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

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I − do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei,

incidentes sobre:

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a

qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

b) a receita ou o faturamento;

c) lucro;

II − do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo

contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social

de que trata o art. 201;

III − sobre a receita de concurso de prognósticos;

[...]

§ 1o As receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinadas à

seguridade social constarão dos respectivos orçamentos, não integrando o orçamento da

União.

§ 2o A proposta de orçamento da seguridade social será elaborada de forma integrada

pelos órgãos responsáveis pela saúde, Previdência Social e assistência social, tendo em vista

as metas e prioridades estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias, assegurada a cada área

a gestão de seus recursos.

§ 3o A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como

estabelecimento em lei, não poderá contratar com o poder público nem dele receber

benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.

§ 4o A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou

expansão da seguridade social, obedecido ao disposto no art. 154, I.

§ 5o Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou

estendido sem a correspondente fonte de custeio total.

§ 6o As contribuições de que trata este artigo só poderão ser exigidas depois de

decorridos noventa dias da data de publicação da lei que as houver instituído ou modificado,

não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, b.

§ 7o São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de

assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.

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§ 8o O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal,

bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia

familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a

aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos

benefícios nos termos da lei.

§ 9o As contribuições sociais previstas no inciso I deste artigo poderão ter alíquotas ou

bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica ou da utilização intensiva de

mão-de-obra.

§ 10. A lei definirá critérios para a transferência de recursos para o sistema único de

saúde e ações de assistência social da União para os Estados, o Distrito Federal e os

Municípios, e dos Estados para os Municípios, observada a respectiva contrapartida de

recursos.

§ 11. É vedada a concessão de remissão ou anistia das contribuições sociais de que

tratam os incisos I, a, e II deste artigo, para débitos em montante superior ao fixado em lei

complementar.

Apesar do Sistema Único de Saúde ter sido criado pela CF/88, sua regulamentação só

aconteceu em 19 de setembro de 1990, por meio da Lei. no 8.080, e, posteriormente, pela Lei

no 8.142/90. A primeira definiu “as condições para a promoção, proteção e recuperação da

saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes”, o que incluía as

condições para a transferência de recursos para o setor, os critérios de repasse de recursos

para estados e municípios etc. Já a lei no 8.142/90 estabeleceu os mecanismos de participação

comunitária na gestão do SUS, previram a criação dos Conselhos de Saúde, as transferências

intergovernamentais de recursos para a saúde; e as possibilidades de repasse regular e

automático, da distribuição dos recursos entre Estados e Municípios.

A CF/88 não definiu qual seria a participação da saúde no orçamento da União, o que

dependia de aprovação de lei complementar posterior. O artigo 55 da ADCT não deixa

dúvidas sobre o montante da seguridade social a ser gasto em saúde, a partir dos seguintes

dizeres: “até que seja aprovada a Lei de Diretrizes Orçamentárias - LDO, trinta por cento, no

mínimo, do orçamento da seguridade social, excluído o seguro desemprego, serão destinados

ao setor saúde.” Esse percentual referia-se ao exercício de 1989, cuja LDO estava sendo

elaborada. Nos exercícios de 1990 a 1993, manteve-se esse percentual nas leis orçamentárias

federais, o que não quer dizer que esse percentual fosse cumprido, e não foi. A LDO de 1994

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não contemplou os 30% e a situação piorou de vez. Como a CF atribuiu a LDO o papel de

definir a cada ano o montante a ser gasto em saúde, a Lei no 8.080/90, que regulamenta as

políticas de saúde definidas na CF, na pôde, para não ser inconstitucional, estabelecer um

percentual mínimo a ser gasto em ações e serviços em saúde.

No art. 31 da lei, consta que “o orçamento da seguridade social destinará ao Sistema

Único de Saúde (SUS), de acordo com a receita estimada, os recursos necessários à realização

de suas finalidades [...], tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na LDO." A

questão aqui é saber definir o quanto é realmente necessário. A não definição, em lei, do

mínimo necessário deixa o financiamento da saúde refém da vontade política e da

disponibilidade ou não de caixa.

Avaliando o aspecto da distribuição e repasse dos recursos, o art. 35 da Lei no

8.080/90 estabelece um conjunto de critérios a serem considerados:

perfil demográfico da região;

perfil epidemiológico da população a ser coberta;

características quantitativas e qualitativas da rede de saúde na área;

desempenho técnico, econômico e financeiro no período anterior; e

os níveis de participação do setor de saúde nos orçamentos estaduais e municipais.

O parágrafo primeiro do artigo citado define que a metade dos recursos destinados a

estados e municípios será distribuída segundo o quociente de sua divisão pelo número de

habitantes, independente de qualquer procedimento prévio. Entretanto o Ministério da Saúde

(MS) enfrentou dificuldades no atendimento ao disposto no parágrafo, e só em 1998 começou

a repassar recursos pelo critério per capita, o que demonstra uma postura centralizadora no

repasse dos recursos, por essa esfera de governo. O repasse era feito de forma centralizada,

através de programas fechados.

A Lei no 8.142/90, além de normatizar a participação da comunidade na gestão do

sistema, trata das transferências de recursos do MS para outras esferas de governo. De acordo

com o art. 2o, os recursos só podem ser utilizados para financiar os custos próprios do MS, os

custos com ações de saúde previstas no orçamento e, principalmente, os custos das

transferências de recursos para os estados, Distrito Federal e municípios, destinados à

implementação de ações em serviços públicos de saúde.

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O art. 3o da Lei no 8.142/90 dispõe que os recursos serão repassados de forma regular e

automática para as outras esferas de governo e de acordo com os critérios previstos no art. 35

da Lei no 8080/90, já citados anteriormente. O parágrafo 1o do art. 3º da Lei no 8.142/90

complementa que enquanto não for regulamentada a aplicação dos critérios previstos no art.

35 da Lei no 8.080/90, será considerado para o repasse de recursos, exclusivamente, o

seguinte critério: metade dos recursos destinados a estados e municípios será distribuída

segundo o quociente de sua divisão pelo número de habitantes, independente de qualquer

procedimento prévio.38

A extinção do Inamps, a criação das NOBs e a Noas 01/01

No início de 1990, o Inamps passou da esfera de decisões da previdência social para a

do Ministério da Saúde. Foi extinto em 1993, quando o MS acabou absorvendo suas funções.

As relações internas do sistema de saúde passaram, então, a ser disciplinadas pelas NOBs,

expedidas pelo ministério em 1991, 1992, 1993 e em 1996.

Essas normas foram editadas pelo Ministério da Saúde para o funcionamento e

operacionalização do SUS. Trata-se de instrumentos normativos cujo objetivo é não apenas

regular a transferência de recursos financeiros da União para os entes subnacionais, mas

também o planejamento das ações em saúde e os mecanismos de controle social, entre outros

aspectos.

A NOB 01/91 regulamentava o sistema de pagamento por produção de serviços,

estendendo aos prestadores públicos o pagamento, mediante o faturamento já existente para os

prestadores de serviço privados. Conforme afirma Polignano(1998):

A NOB 01/91, sob o argumento da inviabilidade conjuntural de regulamentar o artigo

35 da Lei 8.080 − que definia o repasse direto e automático de recursos do fundo nacional aos

fundos estaduais e municipais de saúde, sendo 50% por critérios populacionais e os outros

50% segundo o perfil epidemiológico e demográfico, a capacidade instalada e a complexidade

da rede de serviços de saúde, a contrapartida financeira etc. − redefiniu toda a lógica de

financiamento e, conseqüentemente, de organização do SUS, instituindo um sistema de

pagamento por produção de serviços que permanece, em grande parte, vigorando até hoje.

Estados e municípios passaram a receber por produção de serviços de saúde, nas mesmas

38 Art. 35, § 1o da Lei no 8.080/90.

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tabelas nacionais existentes para o pagamento dos prestadores privados, impondo um modelo

de atenção à saúde voltado para a produção de serviços e avaliado pela quantidade de

procedimentos executados, independentemente da qualidade e dos resultados alcançados.

Do ponto de vista do financiamento, a NOB 01/91 representou um avanço ao

determinar a alocação dos recursos do Inamps para o Fundo Nacional de Saúde, superando

assim a crítica de centralismo e a aura de inconstitucionalidade do controle estabelecido pela

Norma Operacional.

Segundo Simões (2004), o Inamps representava uma estrutura centralizada, nacional e

diretamente ligada ao governo federal que, nas reformulações pelas quais passaram a

seguridade social na década de 1990, perde completamente o significado, mais precisamente

após a extinção do Sinpas e a criação do INSS. Com a Lei no 8.080/90, art. 39, § 5º todo o

patrimônio imobiliário do Inamps passa a ser transferido para os órgãos que integram o SUS.

Além disso, a Constituição Federal atribui a competência para ação sanitária (art.198) ao

SUS, perdendo o sentido a presença extemporânea do Inamps na dita resolução. Assim, é

reconhecida a necessidade da descentralização, pelo que cabe ao Inamps, quanto à supervisão

das atividades de saúde, "conceder um crédito de confiança aos Estados e Municípios, sem

prejuízo do acompanhamento a ser exercido pelos mecanismos de controle e avaliação que

estavam sendo desenvolvidos". Além do que a transferência dos recursos do Inamps para as

unidades federativas dar-se-ia mediante a celebração de convênios.

Santos (apud MONTEIRO DE ANDRADE, 2001, p. 37) ressalta esse aspecto de

inconstitucionalidade quando dispõe:

O Sistema Único de Saúde, de repente, passou a ser controlado pelo INAMPS, que

num “crédito de confiança”, resolveu delegar competências “suas”(?) aos Estados e

Municípios, o que é um absurdo jurídico!.. .Não podemos esquecer que o INAMPS não pode

mais ser tido como o organismo nacional de assistência médica. Deve ser definido (pois ele

não foi extinto)... É de se mencionar, também, que não há mais como alocar recursos para

serviços de assistência à saúde no orçamento do INAMPS, uma vez que não lhe cabe mais

prestar serviços [...]A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios têm a sua

competência determinada pela Constituição da República. Portanto, estão em pé de igualdade

entre si, porque nenhuma destas esferas recebe sua competência da outra, mas da

Constituição. Conseqüência disso: a) a descentralização estabelecida pela Constituição da

República é essencialmente política, ou político-administrativa; b) sendo política, deve se

concretizar sem nenhum entrave, requisito ou pressuposto administrativo; c) o convênio é

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279

instrumento de descentralização administrativa; d) logo, a efetivação da descentralização

política não pode depender de convênio, que é instrumento administrativo de atuação; e) não

se opera a descentralização por convênio, uma vez que a descentralização é política nascida

da Constituição da República; f) a Lei Orgânica da Saúde é o instrumento nacional garantidor

da unicidade conceitual e operativa do sistema.

A NOB 01/92 redefiniu critérios de alocação de recursos, vinculando sua liberação ao

desenvolvimento de planos qüinqüenais. Já a NOB 01/93 volta-se para o estabelecimento de

mecanismos de decisão participativos e de descentralização. Ela demarca uma etapa da

implantação do SUS, promovendo um processo de transição de municipalização plena da

gestão de três formas distintas: transacional incipiente, parcial e semiplena. Outros aspectos

relevantes dessa NOB foram a implantação de uma política de formação de recursos humanos

na área de saúde, o efetivo funcionamento dos conselhos de Saúde e da Conferência de Saúde

(criados pela Lei no 8.142/90), a implantação das comissões intergestoras tripartite e bipartite

e o aporte de recursos para o Fundo Nacional de Saúde pelas três esferas de governo.

Em 1994, em face do aumento concedido aos benefícios dos previdenciários do INSS

e da insuficiência de recursos para repassar ao setor de saúde, o então Ministro da

Previdência, Antônio Brito, determinou que a partir daquele momento os recursos recolhidos

da folha salarial dos empregados e empregadores seriam destinados, apenas, para custear a

previdência social (ver POLIGNANO, 2007). Apesar da obrigatoriedade legal, o repasse de

recursos do Ministério da Previdência para o Ministério da Saúde não foi cumprido,

agravando a crise financeira do setor.

A NOB 01/96 definiu com maior clareza o papel dos gestores nas três esferas de

governo e criou a proposta do cartão SUS municipal, que permitiria a identificação simultânea

do cidadão com seu sistema municipal e com o sistema nacional. Além disso, incentivou o

modelo de agentes comunitários de saúde no combate aos riscos epidemiológicos. Essa NOB

vai instituir o PAB, que garantirá repasse automático para ações básicas em saúde, definindo

os tetos financeiros e possibilitando maior transparência e controle gerencial:

o teto financeiro global (TFG);

o teto financeiro da assistência (TFA);

o teto financeiro global do estado (TFGE);

o teto financeiro de vigilância sanitária (TFVS);

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280

o teto financeiro de epidemiologia e controle de doenças (TFECD);

o teto financeiro global do município (TFGM);

o teto financeiro da assistência ao município (TFAM); e

o teto financeiro de assistência ao Estado (TFAE).

A NOB 01/96 altera os dispositivos da norma anterior quanto às formas de

incorporação de estados e municípios ao processo de descentralização, que continua

voluntária. O financiamento da assistência sofre importantes alterações. Em primeiro lugar,

ficam definidos recursos especificamente para a atenção básica, que deixa de concorrer com

os demais procedimentos e ações com a criação do Piso de Atenção Básica (PAB). Em

segundo lugar, rompe-se a característica do sistema de pagamento por faturamento, em que os

que contam com maior estrutura instalada têm maior capacidade de atração de recursos. Essa

NOB ampliou a utilização do mecanismo de repasse de recursos diretamente do Fundo

Nacional de Saúde para os fundos de saúde estaduais e municipais; isto é, diretamente para

uma conta específica para movimentação dos recursos do sistema de saúde, de

responsabilidade do gestor e fiscalizada pelo Conselho de Saúde.

Em 1996, diante do agravamento da crise no setor de saúde, na busca de uma

alternativa econômica como fonte de recurso exclusiva para o setor, o Ministério da Saúde

cria a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF, (que será detalhada

mais adiante quanto falarmos das fontes de financiamento na década de 1990). Entretanto, a

crise do financiamento do SUS agrava a operacionalização do sistema, principalmente, no que

se refere ao atendimento hospitalar. Entre os motivos da crise, destacam-se o baixo valor pago

pelos serviços prestados pelos hospitais conveniados ao SUS e a demora na liberação de

recursos. Os hospitais filantrópicos, especialmente as santas casas de Misericórdia, criam

planos próprios de saúde, atuando no campo da medicina supletiva, e os hospitais

universitários, local de assistência médica hospitalar de excelência a nível do SUS, também

entram em crise.

Para a regulamentação da NOB 01/96, o Ministério da Saúde editou a Instrução

Normativa no 01/98, de 02 de janeiro de 1998, que regulamenta os conteúdos, instrumentos e

fluxos do processo de habilitação de municípios, de estados e do Distrito Federal às novas

condições de gestão criadas pela Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde

(NOB SUS) 01/96.

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281

O Sistema Único de Saúde (SUS), instituído pela Constituição Federal de 1988,

representou um novo paradigma, desde que definiu que a responsabilidade pelo provimento

dos serviços é compartilhada entre os três níveis de governo. Entretanto, não havia a

delimitação de papéis e tarefas entre essas esferas, de modo a garantir a complementaridade

dos esforços, nem estavam definidas as fontes de receita, nem os níveis de comprometimento

de cada esfera de governo com o financiamento das ações. Essa situação ambígua ensejou, no

início da década de 1990, uma grave crise no financiamento da saúde, atenuada nos anos

seguintes mediante o aumento do volume de recursos municipais aplicados no setor, a

descentralização da execução das ações aos governos locais e a reformulação das fontes de

financiamento federal.

É evidente que o SUS, por se tratar de uma proposta fortemente descentralizadora,

exige um pacto federativo cooperativo, haja vista que o setor de saúde é permeado por

relações intergovernamentais marcadas por conflitos e discussões sobre recursos,

centralização excessiva, fragmentação institucional, capacidade reguladora assentada em

bases frágeis, além de quase inexistente participação social.

A escassez de recursos para o setor contribui para a manutenção das desigualdades de

representação e de poder, que podem intensificar o foco predatório nas relações entre os entes

da Federação nas políticas sociais. Apesar disso, a política de saúde, por meio de seus

instrumentos, buscou superar contradições e conflitos inerentes às relações

intergovernamentais geradas em um quadro de federalismo competitivo e predatório (VIANA,

2002).

No Brasil, o financiamento e a formulação da política nacional de saúde, bem como a

coordenação dessas políticas, cabem à União. Isso significa que o governo federal, através do

Ministério da Saúde, tem autoridade para tomar as decisões mais importantes nessa política

setorial. As políticas locais são extremamente dependentes das transferências federais e das

regras definidas pelo Ministério da Saúde para sua implementação.

Sob o aspecto da cooperação, figuram as comissões intergestoras tripartite (federal,

estadual e Municipal) e bipartite (estadual e municipal), de caráter mais especializado e

restrito. Essas comissões foram criadas pelo Conselho Nacional de Saúde, sob influência dos

gestores estaduais e municipais de saúde e em função da condução centralizada do Ministério

da Saúde na regulamentação dos procedimentos relativos à descentralização. Também tinham

como objetivo a criação de um canal de interlocução dos gestores com o Ministério da Saúde,

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que permitisse interferir na definição da normatização do processo de descentralização no

sistema de saúde (MIRANDA, 2003).

A comissão tripartite, instituída por portaria ministerial e subordinada ao CNS, tinha

como funções:

desenvolver a integração intergovernamental;

gerenciar a descentralização do SUS;

assistir ao Ministério da Saúde;

discutir e elaborar propostas de operacionalização e implantação do SUS.

A intenção da arquitetura tripartite era estabelecer equilíbrio nas relações

intergovernamentais. Entretanto, não logrou o êxito esperado, em função da persistência da

assimetria de recursos e de prerrogativas de poder, inclusive simbólico, com preponderância

do domínio da esfera federal de governo, que controla a maior parte dos recursos políticos,

técnicos e administrativos.

Outro problema está na estrutura federativa peculiar, onde o governo estadual não tem

autoridade sobre o governo municipal. Se não há relação hierárquica, o único caminho é a

cooperação, e isto não avança no Brasil. Opta-se sempre pelo outro caminho, que é entregar

ao governo federal o papel de gestor e planejador. Além da impossibilidade de gestão

estadual, fruto da falta de hierarquia, existe outro agravante que é a inexistência de

competências exclusivas: são concorrentes. Nessa situação, a única alternativa para prestação

de serviços eficaz é o desenvolvimento de mecanismos de cooperação, e quanto a isso, os

governos subnacionais, tradicionalmente, têm se revelado incapazes de cooperação.

As comissões tripartites, apesar de serem apoiadas em frágil regulamentação legal −

ou seja, por portaria ministerial −, podem ser consideradas uma inovação política e

tecnológica de concertação federativa, de modulação e regulação para o processo de

desconcentração e delegação intergovernamental das políticas setoriais de saúde, para a

produção de consensos normativos pautados por demandas sistêmicas.

Autores afirmam que a transição para o SUS foi marcada por uma descontinuidade na

definição das funções de coordenação, o que acabou acentuando os processos de competição

entres as esferas de governo. Em decorrência disso, no avanço da descentralização,

predominaram capacidades de gestão local em relação às possibilidades de melhoria de

atributos do sistema como um todo.

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283

O processo de implementação do SUS tem passado por grandes dificuldades e enfrenta

grandes desafios, principalmente, aqueles relativos à

estruturação do novo modelo de atenção à saúde que, a partir das grandes funções s

saúde pública, subordine os conceitos e programas da assistência médica individual aos

preceitos e programas dos interesses coletivos e direitos da cidadania, e realiza efetivamente

as atividades de promoção e proteção à saúde, sob os princípios éticos da Universalidade,

Eqüidade e Integralidade. Em decorrência, os desafios referem-se à melhoria da qualidade da

atenção, elevação da resolutividade da rede de Unidades Básicas de Saúde e do papel de porta

de entrada do SUS e à garantia de acesso aos serviços de média e alta complexidade, cuja

escala de operação impõe cobertura aos contingentes de população que, freqüentemente,

ultrapassam a esfera municipal ou microregional, com o objetivo de, gradualmente, superar as

desigualdades de acesso existentes. (CNS, 2002, p. 19-20).

O debate político institucional sobre o SUS tem abordado questões como

financiamento, gestão, organização do sistema, vinculadas à descentralização – redefinição de

funções e competência das esferas de governo, das instituições e agências governamentais e

da regulação do setor privado, em conjunto com estratégias de priorização da atenção básica

(Piso Assistencial Básico – PAB) e implementação de programas especiais, que teoricamente

levariam à mudança do modelo assistencial.

Entretanto, não se tem privilegiado a discussão sobre o modelo assistencial que se

quer construir, como também não há consenso entre os autores. Isso torna o SUS um palco de

disputa entre modelos assistenciais diversos (alternativos ou experimentais), implementados

com esforço. Nesse sentido, a tendência é a de reprodução conflitiva dos modelos

hegemônico, isto é, o modelo médico assistencial privatista (ênfase na assistência médica

hospitalar e nos serviços de apoio e diagnóstico) e o modelo sanitarista (campanhas,

programas especiais e ações de vigilância epidemiológica e sanitária) (MENDES, 1993;

PAIM, 1994). As tentativas de articular ações de promoção, prevenção, recuperação,

recuperação e reabilitação na dupla dimensão individual e coletiva, têm sido experimentadas

no espaço micro dos municípios, acumulando experiências que apontam para a possibilidade

de construção de um modelo de atenção à saúde voltado para a qualidade de vida(MARINHO

et al, 1994), tal como proposto na 10ª Conferência Nacional de Saúde (CNS), em 1996

(TEIXEIRA et al, 1998), reforçado na 11ª CNS, em 2000.

Esse contexto propiciou a formulação de propostas de alteração do texto

constitucional, com o objetivo de salvaguardar a área de saúde da volatilidade de suas fontes

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284

de financiamento, visando cobrir também uma lacuna deixada pelo processo de

descentralização do sistema, imposto pela CF/88. A constituinte não fixou parâmetros, de

forma a garantir um valor mínimo de cobertura das necessidades para o setor, pelos estados e

municípios. O art. 30, inciso VII, da Constituição de 88 define que ao município será atribuída

a responsabilidade de prestar serviços de saúde à população, e aos estados e à União, a

cooperação técnica e financeira para o exercício dessas ações.

Assim, foi aprovada a Emenda Constitucional no 29, de 13 de setembro de 2000, que

alterou os artigos 34, 35, 156, 160, 167 e 168, e acrescentou o art. 77 ao ADCT, afirmando as

bases fundamentais dos valores a serem repassados pelos entes federativos na constituição de

um piso orçamentário para as atividades de saúde, sobre o que faremos um breve relato mais à

frente. No caso dos estados, o mínimo a ser aplicado em ações e serviços públicos de saúde

deve ser de 12% das suas receitas próprias; no caso dos municípios, 15% das receitas

próprias, com tolerância prevista para o alcance progressivo desses patamares até o ano de

2004. No caso da União, o limite mínimo de gastos foi estabelecido como o valor empenhado

em 1999, acrescido de 5% e, nos anos subseqüentes, a variação nominal do Produto Interno

Bruto (PIB).

Essa medida contribuiu para realizar o princípio constitucional que define a saúde

como direito do cidadão e dever do Estado. No entanto, a plena aplicação desse princípio

constitucional depende de outros fatores, como o esforço de gestores e trabalhadores da saúde

na organização do sistema e no oferecimento dos serviços de assistência à população. A

mobilização de recursos financeiros para a obtenção de materiais e investimentos em infra-

estrutura também é indispensável à efetiva ação sanitária. Assegurar um fluxo adequado,

contínuo e permanente de recursos financeiros ao provimento das referidas ações é

precondição para que sejam resolvidos inúmeros problemas de saúde da população brasileira.

Destaca-se que a vinculação de recursos fiscais a determinadas ações estatais através

de lei ou pela Constituição configura-se como uma significativa restrição da liberdade dos

poderes Executivo e Legislativo na distribuição e alocação dos recursos financeiros.

Entretanto, essa mesma vinculação constitui um mecanismo de defesa dos recursos públicos,

no interesse da classe mais excluída da sociedade.

Em janeiro de 2001, o Ministério da Saúde publica a Norma Operacional da

Assistência à Saúde (Noas 01/01), partindo do princípio de que o avanço do processo de

descentralização passa pela ampliação das responsabilidades municipais quanto à atenção

básica, à regionalização da assistência e à organização funcional do sistema.

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285

O financiamento das ações de saúde, segundo a Noas/01, fica dividido em três grupos:

atenção básica, média complexidade e alta complexidade/alto custo. O primeiro, de menor

complexidade, deve ser oferecido por todos os municípios, e seu financiamento baseia-se num

valor per capita fixado em R$ 10,50 anuais. O segundo grupo, que não pode ou não deve ter

uma oferta universal, passa a ter a possibilidade de uma solução regional, financiada segundo

a população e tendo o valor per capita fixado em R$ 6,00 anuais. O terceiro grupo, dada a sua

complexidade, tem sua oferta naturalmente muito restringida. Nesse caso, o financiamento

está a cargo dos governos estadual e federal.

A lógica de financiamento deve ser aprimorada, revendo-se o mecanismo de repasse

de recursos entre as três esferas de poder nacional, estadual e municipal. Embora uma das

conquistas da reforma sanitária tenha sido a descentralização da saúde, tornando o nível

municipal o principal responsável pela atenção à saúde de sua população, a estratégia política

de sua implementação, antes da Constituição de 1988, configurou-se numa relação entre essas

esferas de governo caracterizadas pelo pagamento por serviços prestados. Ocorre um processo

de desconcentração com transferência de encargos sem transferência de autonomia para a

formulação e gestão da política de saúde em nível local, associada a uma dependência do

nível central em termos de financiamento. O setor público de saúde, com a falta de

financiamento dependente do orçamento fiscal, passa a atuar segundo a lógica da

produtividade e da rentabilidade vinculada à assistência médica individual.

As fontes de financiamento

A década de 1990 é marcada pela adoção de novas fontes de financiamento para o

setor de saúde, pela mudança na participação de recursos previdenciários e pelo início do

processo de implementação do SUS. Destacam-se como fontes de recursos do Ministério da

Saúde, nesse período:

Cofins − Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social;

CPMF – Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira;

CSLL – Contribuição Social sobre o Lucro líquido;

FSE/FEF/DRU – Fundo Social de Emergência, Fundo de Estabilização Fiscal

e Desvinculação das Receitas da União;

recursos ordinários;

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contribuição sobre a folha de salários e outras (de menor importância).

O financiamento do setor de saúde e das políticas sociais tem sido analisado por vários

pesquisadores. Em seus estudos, eles associam a atuação das fontes financiadoras e os gastos

sociais a fatores externos como o processo de estabilização da economia e a necessidade de

ajuste fiscal, entre outros. (MANSUR, 2001).

Médici, Soares e Marques (1995) destacam como principais fatores a deixarem o setor

de saúde vulnerável: a dependência da disponibilidade de caixa do Tesouro Nacional, desde o

ano de 1993, e o estabelecimento pelo governo federal de uma política de contenção de

gastos. Os impactos desses fatores estariam refletidos no orçamento da seguridade social e na

matriz de financiamento do setor de saúde, que não se apropriariam de parcela adequada dos

recursos devidos à saúde, influenciando diretamente o financiamento do setor.

Num segundo momento, os autores destacam no período, a trajetória da arrecadação

das contribuições sociais (CPMF e Cofins), que apesar de terem sido criadas pela CF/88 para

financiar gastos da seguridade social, têm sido utilizadas para outras finalidades. Esses

recursos foram sendo desviados para o cumprimento das políticas de ajuste fiscal, o que

comprometeu o financiamento dos programas sociais relacionados a garantias conquistadas

com a nova Carta.

Segundo Oliveira, (1999, p. 7) foram vários os motivos que influenciaram na

capacidade de aumento da participação de cada nível de governo no financiamento do gasto

social, entre 1980 e 1996:

sucessão de fatores – econômicos, políticos, demográficos etc. –, que se alternaram (às

vezes se entrelaçaram) e produziram expressivas alterações em seu volume [do gasto social],

juntamente com mudanças significativas em seu perfil, em sua estrutura de distribuição e

repartição entre as esferas governamentais e na introdução de novas formas de gestão.

O estabelecimento pela CF/88 do orçamento da seguridade social (OSS) visava

garantir mais fontes de recursos para financiar o setor e amenizar a vulnerabilidade em face

dos ciclos econômicos recessivos. Entretanto, de acordo com Lucchese (1996, p. 105):

A implementação do OSS tem se caracterizado por uma grande instabilidade no que

diz respeito à composição e à arrecadação anual de suas fontes de receita, e aos mecanismos e

à regularidade dos repasses financeiros para as diferentes áreas.

A Constituição Federal de 1988 criou a Contribuição para o Financiamento da

Seguridade Social (Cofins), em substituição à Contribuição do Finsocial, criada em 1982. A

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287

contribuição incidia sobre o faturamento das empresas, assim como já acontecia com a CSLL

(cuja a base de cálculo é um percentual do lucro líquido das empresas), gerando

questionamentos e suspensão de pagamento em alguns períodos, o que prejudicou sua

arrecadação. A CSLL apresentou participação significativa no financiamento total do

Ministério da Saúde, no período de 1993 a 1998. O menor percentual atingido sobre o volume

total destinado ao ministério foi de 7,98%, em 1998, e o maior, de 20,68%, em 1996.

Segundo Médici, Soares e Marques,(1995, p. 1), a maior parte da contribuição social

de empregadores e empregados seria destinada à previdência social; a saúde seria

contemplada com a maior parte dos recursos do Finsocial e a assistência social, com a receita

da contribuição sobre o lucro líquido das empresas. Entretanto, essa distribuição não

englobava 100% dos recursos, e a saúde continuava sendo financiada por um percentual sobre

cada um dos tributos.

A perda de recursos pela previdência social ocasionou a suspensão dos repasses para a

saúde que lhe beneficiavam. Essa perda aconteceu em dois momentos: primeiro, com a

transferência do Inamps para o Ministério da Saúde, provocando a redução de 20% para

14,5% na arrecadação previdenciária destinada à saúde; segundo, com a extinção do Inamps.

Como justificativa para atender à grande demanda por recursos para o pagamento de

benefícios, a destinação do montante para a saúde foi encerrada. Essa anulação do

financiamento aconteceu a despeito da existência de disposição da LDO estipulando que

15,5% do total arrecadado a título de contribuições deveria ser repassado para a saúde. com

o fim da disposição da LDO que estipulava que 15,5% do total arrecadado a título de

contribuições deveria ser repassado para a saúde(MENDES, 1997, p. 11).

Segundo Marques, (1999, p. 29) alguns fatores impactaram as políticas sociais do país,

tais como: o baixo crescimento da economia, a redução do nível de emprego formal e o grau

elevado de sonegação, além da ampliação dos direitos sociais − adquiridos com a nova

Constituição Federal, mas só implantados em 1993, como a extensão dos direitos dos

trabalhadores urbanos aos rurais, o novo cálculo da aposentadoria e o novo piso equivalente a

um salário mínimo.

O período de 1990 a 1992 foi marcado pelo efeito de curto prazo do seqüestro de

ativos financeiros pelo governo federal, processo que se esgotou em pouco tempo e foi

seguido por uma desaceleração da economia, pelo aumento do desemprego e pela aceleração

inflacionária (OLIVEIRA, 1999, p. 30). No ano seguinte, foi alterada a destinação dos

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recursos da contribuição social dos empregadores e empregados, que passaram a atender

exclusivamente à previdência. Apesar dos empréstimos obtidos com o Fundo de Amparo ao

Trabalhador (FAT), para suprir a não-destinação dos recursos da contribuição, nos anos

seguintes, piorou o quadro do setor, com o aumento da destinação de maior percentual de

recursos do Cofins e da CSLL para a previdência.

Uma das soluções encontradas para garantir a implantação do SUS no país, e que

levasse mais recursos para a saúde, foi a criação da Contribuição Provisória sobre a

Movimentação Financeira (CPMF),39 que entrou em vigor em janeiro de 1997, substituindo o

Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF). Este imposto, arrecadado no

início de 1994, representara um volume de R$ 4,98 bilhões; ou seja, 7,74% da arrecadação

total do governo federal. No primeiro ano de vigência da CPMF, foram R$, 6,9 bilhões,

equivalendo a 6,45% da arrecadação total. No início de 1994, a cobrança do IPMF

representara uma arrecadação de R$ 4,98 bilhões; ou seja, 7,74% da arrecadação total do

governo federal. No primeiro ano de vigência da CPMF, foram R$, 6,9 bilhões, o que

equivaleu a 6,45% da arrecadação total.

A criação da CPMF não significou aumento de recursos para o setor. Hoje, da

contribuição de 0,38% sobre a movimentação financeira, 0,20% devem ser repassados para a

saúde, 0,10% para a previdência social e 0,08% para o Fundo de Combate à Pobreza.

Entretanto, o governo diminuiu outras fontes do SUS, num valor quase equivalente ao da

CPMF (CENTRO DE EDUCAÇÃO E ASSESSORAMENTO POPULAR, 2005, p. 21).

Como exemplo, a extensão da DRU e as contribuições sociais, incluindo o SUS.

A próxima tabela demonstra, no período de 1992 a 2000, como evoluiu a participação

das contribuições sociais em relação ao volume total de recursos arrecadados pela União, e o

grau de importância que essas contribuições “sociais” tiveram para o financiamento federal,

em todas as áreas.

39 “Até janeiro de 1999, a alíquota era de 0,20%. Com a prorrogação da cobrança da contribuição, a alíquota passou para 0,38 %, a partir de 17 de junho de 1999, com validade de um ano. Nos dois anos subseqüentes, a alíquota cobrada seria de 0,30%, até o ano 2001. Em março de 2001, a alíquota voltou a 0,38%. O aumento da alíquota da CPMF foi aprovado pelo Congresso, em dezembro de 2000, com o objetivo de financiar o Fundo de Combate à Pobreza. A receita gerada com o percentual alterado será usada no Programa Bolsa-Escola e em projetos de saneamento” (Mansur, 2001)

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Tabela 9 − Financiamento do Ministério da Saúde: 1992/2000 (% sobre o total)

FONTE DE RECURSOS

1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

Recursos ordinários

12,1 18,0 0,60 3,24 0,20 1,04 10,8 15,1 3,03

Títulos do Tesouro Nacional

0,3 10,7 3,30 2,68 3,37 2,8 0,19 0,27 0,26

Recursos diretamente arrecadados

0,00 0,00 1,90 2,31 2,28 2,20 2,40 3,35 3,03

CSLL 1,4 15,8 17,0 20,2 20,7 19,3 7,98 13,2 13,3

Cofins 30,2 38,1 27,5 48,8 42,2 25,6 25,9 26,3 34,6

154 − Folha de salários 55,9 17,4 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00

155 – CPMF 0,00 ,00 ,00 ,00 ,00 7,9 7,0 2,0 7,1

199 – FSE/FEF/DRU 0,00 0,00 33,2 11,7 17,9 19,6 13,3 14,5 0,00

Demais fontes 0,10 0,00 16,5 11,0 13,3 1,57 2,39 5,29 8,70

Total geral 100 100 100 100 100 100 100 100 100

Fontes: (Mansur 2001, p. 71); dados do MS e Siafi/STN). a

Na execução orçamentária do ano 2000, a fonte 199 aparece como fonte 175. (fonte 175: desvinculação de impostos e contribuições sociais)

b O orçamento de 2000 é estimado.

Outra alternativa utilizada para resolver problemas sociais, bem como os conjunturais

da economia do país, foi a criação em 1994 do Fundo Social de Emergência (FSE), por meio

da Emenda Constitucional de Revisão no 1, que desvinculava 20% das receitas destinadas à

seguridade social. Em 1996, o FSE passou a ser denominado Fundo de Estabilização Fiscal

(FEF), por meio da Emenda Constitucional no 10, com prazo de vigência até dezembro de

1999.

O fundo era composto pelas receitas existentes, arrecadadas pela União (anexo I), que

seriam desvinculadas de suas destinações iniciais para financiarem ações de saúde e educação,

benefícios previdenciários, auxílios previdenciários de prestação continuada, liquidação de

passivo previdenciário, além de despesas orçamentárias associadas a programas de relevante

interesse econômico e social. Essa desvinculação tem efeito negativo sobre o repasse de

recursos para as áreas sociais, uma vez que a receita repassada é reduzida em 20% e o retorno

para a área social não ocorre na mesma proporção. Ao analisar a perda de recursos da CPMF,

Mansur (2001, p. 76) afirma que

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290

os 20% descontados da CPMF para ingressarem no FEF não foram repostos à saúde,

no mesmo percentual, quando foi repassado recurso do FEF para o setor. Na verdade, o

Ministério da Saúde recebeu primeiramente os 80% referentes à CPMF (descontado o

percentual do FEF), e os recursos do FEF que voltaram para a saúde, posteriormente,

significaram apenas 8,9% da arrecadação da CPMF. Com isso, o MS recebeu R$ 6.946

milhões, ao invés de R$ 7.783 milhões, montante 11,1% menor do que o esperado.

Na realidade, com esse artifício, o governo federal buscava uma flexibilidade em

relação ao seu orçamento, uma vez que esses fundos funcionavam como instrumento de

desvinculação parcial de recursos do orçamento da União. Isso ficou claro quando, em 1999,

surgiu a idéia de prorrogar o programa de desvinculação de recursos do orçamento, o que

culminou com a aprovação da Emenda à Constituição no 27, de 21 de março de 2000, que

criou a Desvinculação de Receitas da União (DRU), cuja vigência está prevista até 2007.

A Emenda Constitucional no 29/00

A vinculação constitucional à saúde advém da Emenda no 29, de 13 de setembro de

2000, que define um percentual mínimo de recursos a serem aplicados pela União e pelos

estados e municípios. Seu objetivo é assegurar fontes estáveis de recursos e contribuir para a

superação de um quadro de dificuldades enfrentadas para o financiamento da área.

Entretanto, cada esfera de governo recebeu tratamento diferenciado nesse

financiamento. À União cabia, no ano de 2000, um mínimo de 5% a mais do montante

destinado (valor empenhado) a ações e serviços públicos de saúde no ano de 1999. Para os

quatro anos seguintes, a aplicação mínima considerou o valor apurado no ano anterior

corrigido pela variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB).

Ainda quanto à União, a definição da receita a ser vinculada, bem como do percentual

de incidência sobre a mesma, ficou de ser definida por Lei Complementar, conforme previsto

na emenda constitucional. Além disso, as receitas que apresentam crescimento mais favorável

que o PIB (Cofins, CPMF etc.) ficaram de fora de compromissos com o financiamento da

saúde.

Para estados e municípios, os percentuais de aplicação representam 12% e 15%,

respectivamente, cuja base vinculável é a receita de impostos e transferências recebidas,

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291

deduzindo, nos estados, a parcela a ser transferida aos municípios. Ressaltamos que a emenda

constitucional estabeleceu um prazo de cinco anos para que fossem atingidos percentuais de

aplicação de recursos na área.

Outra questão a ser abordada refere-se à flexibilização obtida no texto constitucional.

Nele consta que, a cada cinco anos, devem ser reavaliados os percentuais de aplicação dos

governos, bem como os critérios de rateio, tanto dos recursos do governo federal destinados

aos estados e municípios quanto dos recursos estaduais destinados aos governos municipais.

Esses percentuais, entretanto, não foram reavaliados.

Além disso, outras críticas em relação à emenda permanecem, como por exemplo, em

relação à perda de flexibilidade orçamentária decorrente do maior engessamento produzido

pela vinculação de receitas e despesas, diante da difícil situação financeira dos governos. Até

agora não se definiu o que pode ser considerado ações e serviços em saúde, pois o Projeto de

Lei Complementar PLP – 01/2003, que propõe a regulamentação da área, ainda está em

tramitação na Câmara dos Deputados.

O investimento em saúde por parte dos estados e municípios vem aumentando e no

período de 2000 a 2005 elevou a participação do setor público no gasto nacional em saúde de

44,15% para 59,60%. A próxima tabela mostra a redução do percentual de investimento por

parte da União e o aumento dos percentuais dos estados e municípios.

Tabela 10 − Percentual aplicação em saúde pelas três esferas de governo

Ano/Gov. União Estados Municípios Estados+Municípios 1980 75,00 17,80 7,20 25,00

1985 71,70 18,90 9,50 28,40 1990 72,70 15,40 11,80 27,20 1995 63,80 18,80 17,40 36,20 2000 59,70 18,50 21,70 40,30 2005 49,80 25,50 24,70 50,20

Fonte: Ipea; Brasil (2001a).

Nota: os dados de 2005 são estimativas.

A análise das despesas com a função saúde por esfera de governo em relação à despesa

total, no período de 2000 a 2005, confirma a tendência já apontada de que os estados têm

despendido mais recursos para o setor. Pode-se atribuir esse desempenho ao aumento do

percentual de aplicação de recursos, que passa de 7%, em 2000, para 12%, em 2005, enquanto

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a base vinculável engloba suas principais receitas. É diferente do que acontece com o governo

federal, cuja base não abrange as receitas que variam acima do PIB, além do que, não repassa

os recursos relativos à parcela da CPMF para a saúde.

O gráfico a seguir confirma a maior destinação de recursos por estados, quando

apresenta evolução dos gastos per capita na função saúde no período de entrada em vigor da

emenda constitucional.

Gráfico 15 − Evolução dos gastos per capita com a função saúde (2000-2005)

Fonte: STN.

Nota: no período 2000-2001, os dados utilizados referem-se à função "saúde e saneamento".

Os dados do gráfico foram obtidos das tabelas 11 e 12 e do anexo II. O valor per

capita de aplicação em despesas com saúde pelas três esferas de governo, para o período

2000-2005, constam da tabela 11.

Evolução dos gastos per capta com a função saúde 2000-2005

168,87

138,53

210,98

239,13

176,37

189,08

154,52

128,94122,25

115,07100,00

162,62

103,22

100,00

170,62164,63

118,73

103,34100,00

173,82

148,40

116,32

117,48

100,00

0,00

50,00

100,00

150,00

200,00

250,00

300,00

2000 2001 2002 2003 2004 2005

Gov. Federal

Estados

Municípios

Total

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293

Tabela 11 − Gasto per capita: função saúde

Ano Governo Federal Estaos Municípios Total

2000 119,14 69,02 82,36 270,52

2001 137,1 95,61 85,11 317,82

2002 145,65 71,24 97,79 314,67

2003 153,62 112,24 135,59 401,45

184,09 145,2 140,52 470,22

2005 201,19 165,05 145,26 511,49

Fonte: STN.

Os dados da tabela 11 foram transformados na base 100, para melhor visualização do

aumento da aplicação de recursos no setor pelas três esferas de governo. Os resultados

confirmam um aumento de 68,87% para o governo federal, 76,37% para os municípios e de

139,13% para os Estados, conforme ilustra a tabela 12.

Tabela 12 − Evolução do gasto per capita: função saúde base 100

Ano Governo Federal Estados Municípios Total

2000 100,00 100,00 100,00 100,00

2001 115,07 138,53 103,34 117,48

2002 122,25 103,22 118,73 116,32

2003 128,94 162,62 164,63 148,40

2004 154,52 210,98 170,62 173,82

2005 168,87 239,13 176,37 189,08

Fonte: STN. Outro aspecto é que o Ministério da Saúde adota, em relação à EC no 29/00, os

parâmetros e diretrizes aprovados pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) em sua Resolução

no 322, de 8 de maio de 2003. Entretanto, o cumprimento das diretrizes dessa resolução não

tem sido homogêneo, embora sua aprovação pelo CNS tenha sido precedida de um amplo

processo de discussão que incluiu a realização de dois seminários com representantes da

Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) e de todos os tribunais

de Contas do país.

Em alguns casos, os gestores estaduais adotam posições diferentes das determinações

da EC no 29/00, seja na contabilização da receita vinculada, como na contabilização da

despesa com ações e serviços públicos de saúde, e até mesmo no cálculo do percentual

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mínimo da receita vinculada a ser executado. O anexo encaminhado pelos estados,

consolidado pelo Gefin/Confaz, e os anexos das notas técnicas nos 009/2005, 49/2006 e

02A/2007 do Siops registram as divergências. Essa manobra de ajuste do percentual de

recursos na área de saúde decorre do grau de engessamento dos orçamentos estaduais.

6.2.3 Distribuição intergovernamental de funções

Na política de saúde destaca-se a concentração de autoridade pelo governo federal, a

quem cabe não só o papel de financiador, mas também o de normatizador e coordenador das

relações intergovernamentais. Esse formato de gestão apresenta algumas vantagens. Uma

delas seria a coordenação em território nacional dos objetivos das políticas, reduzindo o risco

de conflitos entre os diferentes níveis de governo em relação a programas e à elevação dos

custos da implementação, mais freqüentes em Estados federativos (WEAVER;

ROCKMAN,1993). A outra vantagem é que a concentração do financiamento no governo

federal permite alcançar resultados redistributivos (BANTING; CORBETT, 2003), sem

contar a redução das desigualdades horizontais em termos de capacidade de gasto.

A coordenação das ações em saúde é feita por meio de portarias ministeriais e a arena

de formulação da política de saúde compõe-se, portanto do Poder Executivo e,

marginalmente, do Congresso Nacional. O conteúdo das portarias, em sua maioria, condiciona

transferências federais à adesão de estados e municípios aos objetivos da política federal.

A descentralização de encargos na política de saúde originou-se do uso da autoridade

financiadora e normatizadora do governo central, que objetivava obter a adesão dos

municípios a uma determinada política. Portanto, condicionar e garantir a efetividade das

transferências à adesão dos governos locais à agenda do governo federal traduziu-se numa

estratégia de forte poder dissuasivo. Reduzida a incerteza sobre a regularidade na obtenção de

recursos, foi maior a disposição para assumir a responsabilidade de prover serviços de saúde

(ARRETCHE, 2004).

A aprovação de emendas à Constituição Federal constituiu-se numa estratégia bem-

sucedida de constitucionalizar encargos pelo governo federal, quando esse nível de governo

não dispõe de recursos institucionais para alterar a escolha dos governos locais. Essas

aprovações diminuem bastante a margem de escolha dos governos subnacionais, obrigando-os

a adotar o comportamento que o governo federal considera desejável. No caso da área de

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295

saúde, essa foi a estratégia utilizada para vincular receitas a níveis de gasto em saúde (EC no

29/00).

A vinculação de recursos − que pode ser traduzida na constitucionalização de encargos

ou níveis de gasto − encontra limites nas desigualdades horizontais da Federação brasileira.

Esse nível de desigualdade exige cautela na definição constitucional de competências

exclusivas na gestão de políticas sociais, mesmo que a descentralização fiscal e de políticas

tenha elevado as capacidades estatais – administrativas, fiscalizadoras e de produção de

serviços – dos governos subnacionais. Um dos aspectos desfavoráveis da vinculação de gastos

é que ela tende ainda a reproduzir, no pleno da implementação das políticas, desigualdades

preexistentes de capacidade de gasto.

A concentração de autoridade no governo central tinha como objetivo alcançar

resultados redistributivos. Entretanto, o procedimento não levou ao resultado desejado; ou

melhor, o resultado não se revelou tão evidente. A municipalização dos serviços de saúde não

foi acompanhada de uma redução na desigualdade intermunicipal quanto aos padrões de sua

oferta (MARQUES; ARRETCHE, 2003).

Na área da saúde, permanece uma vinculação e uma indefinição do que sejam gastos

em ações e serviços públicos, pela falta de regulamentação da Emenda no 29/00. No caso do

SUS, o repasse de recursos do governo federal para os governos subnacionais não se mostra

suficiente e tempestivo, além de se constatar uma variedade de critérios adotados para

repasse.

O planejamento da política para o setor tem um caráter fragmentário, em detrimento

de uma lógica integradora. Destaca-se que para os recursos do SUS, que são transferidos aos

governos subnacionais, elas são definidas no âmbito do governo central, apesar das comissões

bipartite e tripartite. Mesmo que haja participação de representantes dos estados e municípios,

a decisão final é do governo federal. Já os recursos vinculados ficam a mercê dos planos

estaduais e municipais, da falta de regulamentação do que sejam serviços em saúde e das

manobras utilizadas pelos entes subnacionais para o atingimento dos percentuais definidos na

Constituição, em função da situação de suas finanças. É evidente que a estratégia de

vinculação de gastos chegou ao seu esgotamento, principalmente, porque ela ignora as

diferenças regionais, além de engessar os orçamentos dos governos.

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296

6.2.4 Alternativas a serem aprofundadas

Ainda são grandes os desafios a serem enfrentados pelo setor de saúde,

principalmente, para se alcançar a “eqüidade” e o fim da estratégia de vinculação de recursos

e do planejamento desarticulado. O planejamento de ações pelo governo federal, que era

imprescindível na época da implantação do sistema em 1988, perde sua lógica, uma vez que

estados e municípios, hoje, precisam elaborar seu planejamento de acordo com suas

necessidades, o que requer um diagnóstico bem elaborado. Em função da necessidade de

melhoria do sistema, apresentamos algumas alternativas a serem aprofundadas sobre uma

reestruturação do sistema de saúde no Brasil, que não são excludentes, mas, sim,

complementares:

constituir um fundo que receba recursos de todos os níveis de governo (transferências

SUS, aportes dos estados e municípios etc.), com gastos mínimos per capita por esfera de

governo e com tarefas bem definidas;

flexibilizar a vinculação por meio de acordo de resultados;

A lógica dos fundos sociais é a lógica da cooperação intergovernamental. Esses fundos

devem assegurar um padrão mínimo de acesso aos serviços sociais. A cooperação financeira

dos governos na área social seria objeto de fundos próprios formados por receitas dos

orçamentos da União, dos estados e dos municípios. A Constituição Federal definiria a

composição desses fundos, estabeleceria o princípio de que os entes federados deveriam se

comprometer com gastos mínimos per capita estabelecidos por lei complementar, por

períodos decenais, com base em um plano decenal que conteria as metas para o período e

definiria as respectivas responsabilidades. Esse dispositivo substituiria com vantagens o atual

sistema de vinculação orçamentária imposto aos governos subnacionais, além de tornar

homogênea a regra que define o padrão mínimo de gasto para os três níveis de governo.

A transferência da atribuição de definir o tamanho dos fundos e as regras de sua

operação para uma lei complementar de caráter decenal permitiria aos entes federados

elaborar um diagnóstico de suas necessidades. Além disso, aumentaria a flexibilidade dos

programas propostos para a solução dos problemas detectados, sem contar que facilitaria a

adaptação dos repasses federais a estados e municípios a mudanças nas demandas. O critério

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297

básico a ser adotado é promover a cooperação por meio de compromissos de aplicação de

recursos federais, estaduais e municipais, relacionados ao tamanho das respectivas

populações, que substituiriam as vinculações atuais, os repasses do SUS e outros recursos

destinados ao setor (os mínimos per capita seriam inicialmente fixados com base nos níveis

atuais de gasto) e seriam associados ao cumprimento de metas de resultados.

A flexibilidade mencionada não significa abandonar as garantias de recursos, que

estaria preservada no dispositivo constitucional que obrigaria os entes federados a vincularem

os gastos com saúde ao tamanho de suas populações (mínimos per capita). Uma disposição

transitória fixaria esse mínimo para os governos, para os próximos cinco anos, prazo mais que

razoável para a elaboração de um diagnóstico sobre suas necessidades. Ademais, determinaria

que ele fosse revisto ao final desse período por meio de lei complementar, por um prazo de 10

anos.

Entre outras vantagens, a adoção do critério populacional para definir o montante a ser

aplicado por estados e municípios corrigiria uma importante distorção da regra atual que não

leva em conta a distribuição espacial da população e as mudanças demográficas que se

processam ao longo do tempo. Ademais, o critério populacional permitiria ajustar a aplicação

de recursos no setor aos diferenciais de custos de produção dos serviços ao adotar pisos

regionais diferenciados em função desse fato. Finalmente, essa mudança permite também a

adaptação a um possível crescimento da demanda por serviços, distinta do crescimento do

PIB e, portanto, da carga tributária e dos orçamentos.

A adoção de pisos regionais diferenciados deve se apoiar num critério

macroeconômico bem definido, para evitar conflitos constantes e/ou a manipulação arbitrária

dos valores. Alternativas que parecem adequadas são a renda per capita estadual ou regional,

ou a adoção de aferições de custos unitários regionais por serviço, tal como já é desenvolvido

pelo Ministério da Saúde.

Conforme mencionado nas diretrizes e linhas gerais do novo modelo, o mínimo

constitucional estabeleceria o piso para o gasto publico, o que não impediria que este fosse

fixado em níveis mais elevados nos planos plurianuais, em função das metas fixadas para o

período. Uma parcela dos repasses federais aportados ao fundo poderia ser destinada para

premiar as unidades federadas que apresentassem melhor desempenho quanto ao

cumprimento das metas nacionais, visando criar um incentivo importante à melhoria da gestão

dos recursos destinados ao setor.

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298

As mudanças contempladas no campo tributário e nas partilhas e transferências de

receita para estados e municípios teriam efeito sobre o sistema de saúde (SUS e EC no 29),

para o qual está sendo proposto que seja substituída a vinculação de percentuais do orçamento

por mínimos per capita definidos em lei complementar. Essa mudança, no caso dos estados,

poderia ser facilitada se fosse, desde logo, adotado o cartão SUS (uma proposta antiga), com

efeito similar, pois o recurso seria transferido ao município em que o atendimento fosse feito,

corrigindo uma importante distorção atual, que onera os municípios em que a rede de atenção

à saúde é mais desenvolvida.

Com a transformação gradual do FPM em um fundo de equalização, além da

implementação da regra que irá substituir a vinculação de porcentagens dos orçamentos

subnacionais ao setor por valores per capita, os desequilíbrios espaciais entre recursos e

necessidades de gasto se tornarão menos graves nessa área. A mudança proposta no estatuto

tributário das contribuições sociais não afeta, de imediato, as garantias atualmente instituídas

para a área de saúde − haja vista que a emenda da saúde vinculou ao PIB os gastos federais

nesse setor − mas levanta a discussão sobre as garantias de financiamento das demais políticas

hoje abrangidas pela seguridade social. A eliminação da vinculação constitucional das

contribuições não pode significar fragilização do financiamento para a seguridade social.

A esse respeito, convém fazer as seguintes considerações. Com o financiamento da

previdência sendo feito exclusivamente com a contribuição sobre a folha de salários, o déficit

da previdência ficaria explicitado e teria que ser coberto com recursos do orçamento da

União, já que se trata de direitos individuais que não precisam de garantias de recursos sob a

forma de vinculações orçamentárias para serem atendidos. Como a discussão das garantias de

financiamento da saúde já faz parte do debate público – fala-se em substituir a atual

vinculação ao PIB por uma garantia de preservação dos gastos em termos reais; isto é

corrigido pela inflação − poder-se-ia trabalhar com a alternativa de incluir na Constituição

Federal a garantia de que a União se compromete a aplicar na saúde um valor mínimo per

capita, o qual seria revisto a cada 10 anos, com base na avaliação de resultados. Isso não

impediria que, dependendo das prioridades de cada governante e das disponibilidades

financeiras, os planos plurianuais estipulassem valores maiores do que o mínimo para os

respectivos períodos.

A substituição das atuais vinculações orçamentárias de estados e municípios pelo mesmo

princípio do valor mínimo per capita teria diversas vantagens. Poderia ser neutra no momento

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299

da transição, sem qualquer impacto sobre a dotação de recursos. Permitiria uma adaptação

mais precisa de recursos às necessidades, na medida em que o comportamento demográfico

passa a definir o nível de gasto mínimo.

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300

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306

ANEXO I

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307

ANEXO II

6.3 Financiamento da educação na Federação brasileira

José C. dos Santos Damasceno

Rosana Richa Salame

Sefaz/PA

Antes de discorrer sobre a forma de financiamento e o funcionamento do sistema

educacional brasileiro, para melhor entendê-lo, é relevante abordar um aspecto importante que

norteia não só a educação, mas todo o sistema federativo nas suas relações

intergovernamentais. Esse aspecto está relacionado às transferências financeiras entre as

esferas de governo que, dentro do sistema federativo, exercem papel fundamental para a

manutenção desse pacto. Isso se dá por dois motivos. Primeiro, pela forte concentração de

receitas sob responsabilidade do poder central. Em, segundo lugar, pelas disparidades

econômicas regionais, que fazem com que os entes mais ricos detenham maior capacidade de

gasto per capita.

A figura a seguir demonstra claramente como, tanto no Brasil, quanto em outros países

federados, a arrecadação está extremamente concentrada nas mãos do governo central. Em

2005, o governo federal detinha sob sua jurisdição, cerca de 70% de todos os tributos

cobrados no país. Mesmo depois das transferências constitucionalmente efetivadas para

estados e municípios, seus recursos tributários ainda representaram, nesse mesmo exercício,

cerca de 58%, daí a necessidade das transferências, para amenizar a lacuna vertical existente

entre o nível de arrecadação do governo superior e os demais entes subnacionais,

preservando-se assim o equilíbrio federativo.

Essa forte concentração de recursos tributários nas mãos do governo superior é comum

nas Federações. Na Austrália, por exemplo, o governo nacional, a Commonwealth,

concentrava, em 2000, cerca de 69% de toda a receita tributária gerada no país. Do total

arrecadado, compartilha cerca de 46% com os estados, através de subvenções condicionadas e

de recursos de livre aplicação.

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Figura 1 − % da carga tributária do governo federal (1995

Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional

Não é objetivo deste documento discorrer sobre a dinâmica histórica de exploração

econômica das regiões brasileiras, mas, o fato é que ao lo

estruturou e ainda estão estruturadas as atividades produtivas no país, imprimiu às regiões Sul

e Sudeste, um maior grau de desenvolvimento econômico e, portanto, elevados níveis de

arrecadação dos tributos pertencentes aos es

estadual no país, 71,66% estava concentrada nessas regiões, enquanto as regiões Norte e

Nordeste arrecadaram juntas pouco mais de 19,34%.

Tabela 13 − % de arrecadação das receitas tributárias das regiões

(1995-2005)

Anos Norte Nordeste

1995 4,70

1997 4,31

1999 3,94

2001 4,33

2003 5,04

2005 5,33

Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional

0 10 20

1995

1997

1999

2001

2003

2005

Carga Tributária Disponível

% da carga tributária do governo federal (1995-2005)

Secretaria do Tesouro Nacional

Não é objetivo deste documento discorrer sobre a dinâmica histórica de exploração

econômica das regiões brasileiras, mas, o fato é que ao longo do tempo, a forma como se

estruturou e ainda estão estruturadas as atividades produtivas no país, imprimiu às regiões Sul

e Sudeste, um maior grau de desenvolvimento econômico e, portanto, elevados níveis de

arrecadação dos tributos pertencentes aos estados. Em 2005, do total da arrecadação tributária

estadual no país, 71,66% estava concentrada nessas regiões, enquanto as regiões Norte e

Nordeste arrecadaram juntas pouco mais de 19,34%.

% de arrecadação das receitas tributárias das regiões brasileiras

Nordeste Centro- Oeste

Sudeste Sul

12,36 6,83 61,54 14,57

13,11 7,31 61,55 13,72

13,44 7,72 60,84 14,05

13,48 7,72 58,70 15,78

13,86 9,06 55,53 16,51

14,01 8,99 55,13 16,53

Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional - STN

20 30 40 50 60 70 80

67,24

67,67

69,89

68,96

69,43

70,04

56,34

57,26

60,11

57,95

59,07

57,89

Carga Tributária Disponível Carga Tributária

308

Não é objetivo deste documento discorrer sobre a dinâmica histórica de exploração

ngo do tempo, a forma como se

estruturou e ainda estão estruturadas as atividades produtivas no país, imprimiu às regiões Sul

e Sudeste, um maior grau de desenvolvimento econômico e, portanto, elevados níveis de

tados. Em 2005, do total da arrecadação tributária

estadual no país, 71,66% estava concentrada nessas regiões, enquanto as regiões Norte e

brasileiras

Total

100,00

100,00

100,00

100,00

100,00

100,00

80

70,04

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309

É evidente que a concentração de arrecadação tributária própria das regiões mais ao

sul do Brasil lhes dá uma capacidade de gasto bem superior às apresentadas no norte e no

nordeste do país. Em 1995, a capacidade de gasto per capita da região Sudeste era de cerca de

R$ 1.077,00, superior ao norte em R$ 589,01 e em relação ao nordeste em R$ 759,00. Em

2005, ocorre uma elevação da lacuna de gasto per capita da região Sudeste em relação às

regiões Norte e Nordeste: R$ 635,76 e R$ 796,00, respectivamente.

Tais constatações são importantes para entender o financiamento da educação

brasileira, uma vez que, desde a Constituição Federal de 1934, os recursos direcionados à

educação pública no país são oriundos das vinculações das receitas tributárias das três esferas

de governo. Naquela Carta, a União já contribuía com 15% da suas receitas, os estados com

15% e os municípios com 10%. Na Constituição Federal de 1988, o governo federal passa a

contribuir com 18%, e os governos estaduais e municipais com 25% das receitas oriundas dos

tributos.

Figura 2 − Capacidade de gastos por região brasileira (R$ 1,00)

Fonte: STN

Ora, se pela ótica horizontal, os estados do sul e sudeste representam cerca de 71% do

total das receitas tributárias estaduais, evidentemente, a capacidade de gastos com educação

dos entes subnacionais terão níveis diferenciados nas regiões brasileiras.

CAPACIDADE DE GASTO POR REGIÃO BRASILEIRA - R$

0

200

400

600

800

1000

1200

1400

1995 1997 1999 2001 2003 2005

Norte Nordeste Centro Oeste Sudeste Sul

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Figura 3 − Capacidade de gasto/aluno (R$ 1,00)

Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional. – STN

Censo Escolar - INEP

A figura anterior demonstra muito bem o desnível da capacidade de gastos com

educação entre as regiões. Seguindo o perfil da capacidade de gasto geral, as regiões Norte e

Nordeste têm menos recursos per capita direcionados à educação do que as demais regiões do

país. Em 2005, a região Sudeste, por exemplo, possuía uma capacidade de gasto educacional

de R$ 194, 35, enquanto o norte e o nordeste possuíam R$ 83,17 e R$ 86,89, respectivamente.

Tal disparidade requer que o governo federal aporte recursos adicionais para as regiões menos

desenvolvidas, no sentido de buscar o equilíbrio da execução financeira inter-regional.

6.3.1 Financiamento de educação brasileira via vinculação

Desde a Constituição Federal de 1934, os aportes de recursos para esse setor são

oriundos das vinculações orçamentárias nas três esferas de governo. A área da educação,

assim como a da saúde, segue a tradição brasileira de financiamento das políticas públicas via

sistema de vinculação tributária. Para que esses setores não sejam excluídos das prioridades

dessas políticas, criou-se uma cultura de custeio obrigatório através das vinculações.

CAPACIDADE DE GASTO POR ALUNO - R$

0

50

100

150

200

250

1997 1999 2001 2003 2005

Norte Nordeste Centro Oeste Sudeste Sul

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311

A principal inovação trazida pela Constituição de 1988 ao setor educacional brasileiro

foi à ampliação do percentual de vinculação da União para 18% de suas receitas tributárias.

Na situação anterior, através da Emenda Constitucional no 24, a chamada Emenda João

Calmon, esse percentual era de 13%, enquanto estados e municípios permaneceram com a

obrigação de aportar à educação 25% dos recursos oriundos dos tributos.

Acrescentando ao aporte de 18% da receita tributária da União, a educação tem

também como fonte de financiamento federal a contribuição social do salário-educação,

oriunda da cobrança de 2,5% do valor total da folha de pagamento das empresas. A repartição

desses recursos segue um caráter puramente distributivo, uma vez que todos os estados e

municípios recebem sua parcela de acordo com a proporcionalidade de sua rede escolar no

ensino fundamental. Não contribui, portanto, para reduzir as disparidades entre estados.

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Figura 4 − Fluxo de financiamento da educação no Brasil

PROGRAMAS NACIONAIS

PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar; PNLD – Programa Nacional do Livro Didático; PNATE – Prog. Nac. de Apoio ao Transporte Escolar; PNSE – Programa Nacional de Saúde do Escolar; PEA – Programa Escola Aberta.

PDDE – Programa Dinheiro Direto na Escola e FUNDESCOLA – Programa Fundo de Fortalecimento da Escola

PDDE, FUNDESCOLA

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6.3.2 O sistema arcaico de vinculação e o Fundef/Fundeb

Como visto no início desse documento, nos sistemas federativos mais avançados, a

efetivação das políticas sociais através de um sistema de equalização da capacidade geral de

gastos já está incorporada não só nos mecanismos de ações governamentais, mas também na

agenda da população, que exerce sua cidadania, acompanhando essas ações, para que seus

interesses sejam preservados.

Ao contrário, nos países menos avançados, a carência de controle cidadão sobre as

ações governamentais e a falta de compromisso político com a efetivação de políticas na área

social são os principais elementos que balizam a sustentação financeira, tanto da educação

quanto da saúde, pela vinculação tributária nos três níveis de governo.

A vinculação e a não-equalização dos gastos inter e intra-regionais vêm, ao longo do

tempo, causando sérias distorções e impedindo que ocorra no país uma prestação equânime e

uniforme dos serviços na área educacional, dos quais destacam-se:

Capacidade fiscal e alocação de recursos eficiente

Como foi visto anteriormente, os estados do centro–sul do país têm uma capacidade

gasto/aluno superior a das demais regiões. Isso implica que, em alguns casos, o ente federado

já tenha alcançado um estágio ótimo de aplicação de recursos em educação, e, por força da

vinculação constitucional, se veja obrigado a continuar despendendo recursos nessa área, em

outras modalidades de ensino, da qual não é sua competência, em detrimento das demais

funções de governo.

Um fato que confirma tal distorção: das 59 instituições superiores municipais, as

regiões Sudeste e Sul correspondem a 63%, e somente o estado de São Paulo é responsável

por 41% desse total. Seguindo a mesma ótica, mas pelo número de matrículas, na rede

municipal superior, essas mesmas regiões representam cerca de 78,2% do total de alunos, com

São Paulo correspondendo a 45%;

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Dinâmica da receita Local

Como grande parte do sistema educacional é financiado através da vinculação das

receitas oriundas de tributos dos governos subnacionais, o custeio dessa área fica sujeito ao

comportamento das mesmas, o que com certeza afeta diretamente a qualidade dos serviços,

caso ocorra uma desaceleração do volume de recursos tributários que servem de base de

cálculo para a educação.

No que diz respeito ao governo central brasileiro, como sua política de arrecadação

tributária ao longo dos últimos anos se dá muito mais pelas receitas de contribuições − que

não são base de cálculo para a educação − do que pelas receitas tributárias, o nível de recursos

direcionados para a educação não acompanha a mesma dinâmica de sua receita total.

Tal política tributária federal também afeta o custeio dos gastos da educação nos entes

subnacionais, pois as transferências constitucionais, os fundos de Participação dos Estados e

Municípios (FPE e FPM) são importantes fontes de receitas, principalmente, nas regiões

Norte e Nordeste. Além disso, o volume de gastos para essa área está relacionado a vários

elementos: ao montante de recursos tributários (geralmente, ICMS) para incentivos fiscais e à

performance da economia local.

O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação do Ensino Fundamental e

de Valorização do Magistério (Fundef), criado pela Emenda Constitucional no 14 em

dezembro de 1996 e implantado em janeiro de 1998, mesmo atendendo apenas ao nível da

educação fundamental e sendo uma subvinculação dos percentuais a serem aportados por

estados e municípios, inovou a forma de financiamento da educação brasileira por fazer a

distribuição dos recursos do Fundo de acordo com duas variáveis, o valor per capita

nacionalmente definido e o número de alunos matriculados em cada rede de ensino

fundamental, e funcionando da seguinte forma:

definição pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), vinculado ao

Ministério da Educação (MEC), do valor/aluno nacional;

constituição do fundo, tendo como recursos 60% dos 25% constitucionalmente destinados

para educação por estados e municípios;

levantamento, através do censo escolar, do número de alunos matriculados por modalidade de

ensino no nível fundamental das redes públicas estadual e municipal. O detalhamento da

modalidade é importante para a elaboração do coeficiente de distribuição, pois o fator de

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diferenciação para a educação especial e para a de 5ª à 8ª série é superior em 5% em relação à

educação de 1ª a 4ª série;

a partir dessas duas variáveis é construído o valor/aluno do ente federado;

para aqueles entes que registrarem valor/aluno menor do que o valor/aluno nacionalmente

definido, a União contribui para cobrir essa diferença.

O fundo inova não apenas por sua forma de distribuição dos recursos − em função do

número de matrículas por rede de ensino −, mas também pela sistemática de complementação

do governo federal aos fundos estaduais, segundo a qual somente recebem recursos os entes

que tiverem seu valor/aluno abaixo do valor médio nacional.

Dessa forma, se de um lado a metodologia de repartição do fundo cria condições para

a equalização do gasto/aluno dentro do próprio estado − pois os municípios com maior

capacidade de gastos cedem recursos aos mais pobres − de outro permite que, com a

complementação da União, os entes federados menos desenvolvidos alcancem o valor médio

nacional estipulado pelo MEC, beneficiando os das regiões Norte e Nordeste.

Entretanto, ao longo da existência do fundo, a complementação da União apresentou

comportamento declinante. Em 1998 era de 4,1% e, em 2005, a participação do governo

federal no valor global do fundo foi de apenas 0,9%, o que certamente afetou a filosofia

equalizadora do fundo.

Fórmula de cálculo de distribuição para os estados e municípios

CD = {[FD1 (NA1/4 + ENM1/4)] + [FD2 (NA5/8 + ENM5/8 + NAe + ENMe)]} .

{[FD1 (TA1/4+TENM1/4)] + [FD2 (TA5/8 + TAe + TENM5/8 + TENMe)]}

Onde:

CD = Coeficiente de distribuição

NA1/4 = no de alunos da 1a à 4a série do ensino fundamental regular do município ou

governo estadual

ENMe1/4= estimativa de novas matrículas da 1a à 4a série do ensino fundamental

regular do município ou governo estadual

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NA5/8 = no de alunos da 5a à 8a série do ensino fundamental regular do município ou

governo estadual

ENM5/8 = estimativa de novas matrículas da 5a à 8a série do ensino fundamental

regular do município ou governo estadual

NAe = no de alunos do ensino fundamental especial do município ou governo estadual

ENMe = estimativa de novas matrículas no ensino fundamental especial do município

ou governo estadual

TA1/4 = total de alunos da 1a à 4a série do ensino fundamental regular, no âmbito do

estado

TENM1/4 = total de estimativa de novas matrículas da 1a à 4a série do ensino

fundamental regular, no âmbito do estado

TA5/8 = total de alunos da 5a à 8a série do ensino fundamental regular, no âmbito do

estado

TENM5/8 = total de estimativa de novas matrículas da 5a à 8a série do ensino

fundamental regular, no âmbito do estado

TAe = total de alunos do ensino fundamental especial, no âmbito do estado

TENMe = total de estimativa de novas matrículas no ensino fundamental especial no

âmbito do estado

FD1 = fator de diferenciação para a 1a à 4a série do ensino fundamental regular = 1,00

FD2 = fator de diferenciação para o ensino fundamental especial e 5a à 8a série regular

= 1,05

Tabela 14 − Fundef : aporte de recursos por instâncias de governo

Ano Governos

estaduais

Governos

municipais

Total

estados União ¹ Total

Valor % Valor % Valor % Valor % Valor %

1998 8.62-64,7 4.166-1,3 12.787-

95,9

543-4,1 13.331-

100,0 1999 9.923-64,9 4.749 -31,1 14.671-

96,0

610 - 4,0 15.281-

100,0 2000 11.716-

66,4

5.427 -30,8 17.144-

97,2

488 - 2,8 17.632-

100,0

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317

2001 13.285-

66,7

6.205 -31,2 19.490-

97,9

426 - 2,1 19.916-

100,0 2002 15.242-

66,4

7.287-31,7 22.529-

98,2

422 - 1,8 22.951-

100,0 2003 16.908-

67,2

7.932-31,5 24.841-

98,7

336 - 1,3 25.177-

100,0 2004 19.145-

66,2

9.218-31,9 28.363-

98,1

560 - 1,9 28.923-

100,0 2005 21.099-

66,7

10.159-

32,1

31.258-

98,8

395 - 1,2 31.654-

100,0 2006² 23.773-

66,9

11.446-

32,2

35.219-

99,1

314 - 0,9 35.533-

100,0 Crescimento 175,7 174,7 175,4 -42,3 166,5

Fonte: Siafi (obtido através do MEC)

¹ valores de complementação após ajustes anuais. ² valores estimados, ano em curso.

O fato é que, certamente, dirigido pela ótica de contenção orçamentária, a União,

através de decretos presidenciais, apenas fixou o valor mínimo/aluno e abandonou o que

determinava o art. 6o, § 1, que diz "o valor mínimo anual por aluno, nunca será inferior à

razão entre a previsão da receita total ao Fundo e o total de matrículas do ensino

fundamental no ano anterior, acrescida do total estimado de novas matrículas”. Em função

disso, em 2006, o valor fixado pela União estava defasado em cerca de 40% do valor mínimo

legal que deveria ser praticado.

Tabela 15 − Valor mínimo por aluno/ano: (1998-2005) em R$

Ano Média nacional Valor fixado pela União 1998 418,78 315,00 1999 453,10 315,00 2000 511,35 333,00 2001 585,38 363,00 2002 685,66 418,00 2003 759,77 462,00 2004 888,13 537,71 2005 990,39 620,56 2006 1.134,87 682,60

Fonte: Sefaz/BA. Obs.: valor base para 1a à 4a séries.

Substituindo o Fundef, cuja vigência esgotou em 2006, foi instituído através da

Emenda Constitucional no 53, de 19 de dezembro de 2006, o Fundo de Manutenção e

Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). O novo fundo segue a mesma visão

equalizadora do antecessor, mas estendendo sua abrangência da creche até o ensino médio,

fechando, assim, toda a educação básica.

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318

Tabela 16 – Fundeb: fatores de diferenciação

SÉRIES FATORES Creche 0,80 Pré-escola 0,90 1a à 4a série – urbano 1,00 1a à 4a série – rural 1,05 5a à 8a série – urbano 1,10 5a à 8a série – rural 1,15 Ensino fundamental – tempo integral 1,25 Ensino médio – urbano 1,20 Ensino médio – Rural 1,25 Ensino médio – tempo integral 1,30 Ensino médio integrado ao profissional 1,30 Educação especial 1,20 Educação indígena 1,20 EJA – Educação de Jovens e Adultos 0,70 EJA integrado ao profissional 0,70

Fonte: INEP/MEC

Além de envolver toda a educação básica, o Fundeb amplia a subvinculação dos 25%

a serem aportados pelos entes subnacionais, passando de 60% para 80% a partir do quarto ano

de sua vigência. Outra inovação na estrutura de financiamento é que a complementação da

União, a partir do quarto ano, será de 10% do montante que estados e municípios aportarem

no fundo. A metodologia de cálculo será a mesma, somente criando novos fatores de

diferenciação por bloco de séries.

6.3.3 Funcionamento do sistema e o conflito de competências

Entre as áreas de políticas públicas, a área de educação e todo o seu sistema de

financiamento e gestão vêm atravessando, em pouco mais de uma década, uma intensa

dinâmica de transformações. Somente em 1996, foram editadas a Emenda Constitucional no

14 e duas leis federais que alteraram o sistema educacional brasileiro, com foco direto no

ensino fundamental. Além disso, nesse período, vários programas nacionais de

responsabilidade do governo central foram reformulados, além de editada a Emenda

Constitucional no 53 − regulamentada pela Medida Provisória no 339, de dezembro de 2006 −,

criando o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos

Profissionais da Educação Básica (Fundeb), alterando mais uma vez a estrutura de

financiamento da educação, agora, envolvendo toda a educação básica.

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Entretanto, se avanços ocorreram nesse período, o conflito de competência já existente

em Constituições anteriores permaneceu. Tal conflito de competência vem criando sérios

obstáculos à elaboração e execução de uma política nacional uniforme para a educação nas

diversas modalidades de ensino. A Emenda Constitucional n o 14, de 12 de setembro de 1966,

ao estabelecer que uma esfera de poder só poderá custear outro nível ou modalidade de ensino

quando aquela de sua competência estiver plenamente atendida, tentou atenuar essa

inconsistência. Entretanto, dada a subjetividade da exigência e, para alguns entes, a obrigação

de realizar gastos em educação para cumprir os preceitos legais da vinculação, o perfil

existente não se alterou muito, tanto que, segundo o Censo de 2005, os entes subnacionais

absorveram cerca de 51,38% do total das matrículas das universidades públicas brasileira.

Tabela 17 − Matrículas por nível de ensino (2005)

Esferas Educação básica Superior Total

Estadual 23.571.777 477.349 24.049.126

Municipal 25.286.243 135.253 25.421.496

Federal 182.499 579.587 762.086

Total 49.040.519 1.192.189 50.232.708

Fonte: Censo Escolar 2005 – Inep.

Essa sobreposição de vários entes atuando no mesmo nível ou modalidade de ensino

tem diversas explicações:

se de um lado a vinculação tributária obriga os entes a investirem em educação

buscando a universalidade do ensino, de outro, para aqueles que já cumpriram a

universalização da modalidade de sua competência, as sobras de recursos serão evidentemente

direcionadas para modalidades de ensino de competência de outra esfera governamental, o

que ocorre em alguns municípios com renda e capacidade de gasto per capita elevadas; se, por

outro lado, os dirigentes subnacionais buscam aplicar recursos nas modalidades de ensino que

lhes dão maior visibilidade política; e por fim, desde a Constituição Federal de 1934 a palavra

prioritariamente acompanha as competências dos entes em relação às modalidades e níveis de

ensino. Nunca foi utilizada a palavra obrigatoriamente; logo abre-se espaço para que um ente

avance na modalidade de outro ente.

Quadro 6 − Níveis e modalidade de ensino brasileiro

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NÍVEIS MODALIDADES COMPETÊNCIA PRIORITÁRIA

FINANCIAMENTO

Educação básica

Educação infantil

Creche Municípios

25% RRI

Pré-escola

Ensino fundamental

1a à 4a série Estado e

municípios 5a à 8a série

Ensino médio Estado

Educação superior União 18% RRI

Fonte: Elaboração dos autores.

Outro ponto que deve ser considerado é que a Constituição Federal de 1988 nasce sob

a égide do pensamento descentralizador, tanto que os municípios ganham forte status de ente

subnacional. Acompanhando esse pensamento, a responsabilização e prestação dos serviços

públicos, utilizando o conceito de Vera Lúcia Cabral.

[...] ganha ênfase não só a descentralização, como também a desconcentração; a

primeira, relacionada a um processo de transferência de atribuições, recursos e poder para

esferas subnacionais de governo; a segunda, vinculada às transferências de atribuições,

recursos e poder dentro de uma mesma esfera de governo, às instâncias mais próximas ao

usuário do serviço público.

No setor educação, o processo de descentralização, que já vinha em curso desde os

meados da década de 1980, ganha impulso com a instituição, também pela Emenda

Constitucional no 14, do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e

de valorização do Magistério, que altera não só a forma de financiamento do ensino

fundamental, como também vai acelerar a municipalização do ensino no Brasil.

Mesmo não tendo como objetivo a municipalização do ensino fundamental, a

instituição do Fundef acelerou sobremaneira esse processo, uma vez que a existência do fundo

representava garantia de financiamento das matrículas realizadas por esse ente. Assim, a partir

do Fundef, ocorre um expressivo crescimento das matrículas do ensino fundamental nos

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municípios, em detrimento das matrículas desse nível de ensino na esfera estadual. Em 1997,

os estados respondiam por 59,27% das matrículas do ensino fundamental; os municípios, por

40,73%. Em 2005, um ano antes do encerramento da vigência do fundo, essa relação se

inverte: as matrículas estaduais representam 40,31%; as municipais, 59,69%.

É importante salientar que, ao longo da existência do Fundef, os estados direcionaram

suas ações para atrair matrículas da modalidade de ensino que legalmente é de sua

competência, o ensino médio, custeados com seus próprios recursos, já que a participação da

União nessa modalidade se dá apenas através de transferências voluntárias.

Tabela 18 − Matrículas do ensino fundamental no ensino público (R$ mil)

Anos Estado Municípios TOTAL Participação %

Estado Municípios TOTAL

1997 18.099 12.437 30.535 59,27 40,73 100,00

1999 16.589 16.164 32.754 50,65 49,35 100,00

2001 14.918 17.145 32.062 46,53 53,47 100,00

2003 13.273 17.864 31.137 42,63 57,37 100,00

2005 12.145 17.987 30.132 40,31 59,69 100,00

Fonte: Censo Escolar – INEP

A próxima figura demonstra que entre 1997 e 2005, a esfera estadual perdeu cerca de

6.000 matrículas no ensino fundamental, enquanto a rede municipal cresceu quase na mesma

proporção. Tal fato pode ser explicado por vários fatores. Constitucionalmente, o ensino

fundamental é prioridade do ente municipal, e como a distribuição dos recursos do fundo é em

função do volume de matrículas na rede, os municípios passam a ofertar maior número de

vagas, principalmente, entre a 5a e a 8a série, onde o fator de diferenciação era superior em

5% ao praticado entre 1a e a 4a série.

Entretanto, apesar de abrir espaço em sua rede, em torno de 6.000 vagas, na rede

estadual, o ensino médio nessa esfera de governo só é preenchido em cerca de 50%. Há

algumas justificativas, ainda que subjetivas, para isso: a falta de recursos adicionais para essa

Tmodalidade de ensino (lacuna que será preenchida pelo Fundeb), a saída para o mercado de

trabalho logo após a conclusão do ensino fundamental e o direcionamento dos recursos

estaduais para o ensino superior, onde retorno político é superior.

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Figura 5 − Matrículas do ensino fundamental e médio no ensino público 1.000 alunos

Fonte: Censo Escolar – INEP

Além da municipalização, outras formas de descentralização vêm ganhando destaque

no Brasil desde meados da década de 1980, o que é constatado quando se analisa tanto a

gestão quanto a execução dos serviços prestados pelos chamados programas nacionais

gerenciados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação.

Neste caso, paralelamente às formas tradicionais de transferências, para que estados e

municípios executem os programas, surgem outras modalidades onde o poder central envia

recursos diretamente para as unidades escolares, num claro processo de autonomização, pelo

qual a política de financiamento da unidade de ensino não passa pela análise e gestão

governamental. Um dos exemplos claros desse aprofundamento da descentralização é o

Programa Dinheiro Direto na Escola, onde a própria escola de ensino fundamental recebe

recursos financeiros suplementares da União, para a cobertura do custeio, manutenção e

investimentos de pequeno porte.

Ora, se de um lado, a autonomização abre uma alternativa interessante de inovação e

criatividade por parte dos prestadores públicos (com a vantagem de que a gestão dos serviços

na área de ensino pode aproximar-se mais dos interesses das sociedades locais, que são os

clientes finais de todo o processo), de outro, dado que as transferências ocorrem de forma

MATRÍCULAS DO ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO NO ENSINO PÚBLICO

02.0004.0006.0008.000

10.00012.00014.00016.00018.00020.000

1997 1999 2001 2003 2005Estados Municípios Ens. Médio - Est

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direta para as escolas, os governos subnacionais vêem reduzida sua capacidade de elaborar e

executar políticas sincronizadas na área de ensino.

Por fim, analisando todo o sistema, o que se percebe é que ao longo do tempo foram se

somando módulos à estrutura de financiamento da educação pública no Brasil. Isso indica a

ausência de uma profunda reforma no sistema de custeio desse setor que considere o custo

real de cada nível e modalidade de ensino, o ente federado tacitamente responsável por esses

níveis e modalidades, bem como a forma que se dará às relações intergovernamentais para

sustentar o financiamento desse setor.

Outro elemento que também deve ser considerado é que a educação nunca foi vista

como um corpo sistêmico, em que o aluno, ao cumprir uma modalidade de ensino, necessita

de uma oferta suficiente na modalidade seguinte. O fato é que, historicamente, as políticas

públicas no setor educação no Brasil sempre privilegiaram, a cada período, uma certa

modalidade de ensino. Em meados da década de 1960 e início da de 1970, a alfabetização foi

financiada por um grande projeto nacional; em 1996, a modalidade escolhida foi o ensino

fundamental, que não só dispôs de uma subvinculação dos 25% pelos entes subnacionais,

como também recebeu aporte complementar da União. Em 2007 e pelos próximos 10 anos,

será toda a educação básica. Nesse sentido, a falta de sincronia do sistema é evidenciada

quando se constata a expansão do ensino superior sob a jurisdição dos entes subnacionais,

quando a responsabilidade é do poder central.