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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC) Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a citação. A citação deve ser textual, com indicação de fonte conforme abaixo. MIRANDA, Roberto Lopes. Roberto Lopes Miranda (depoimento, 2011). Rio de Janeiro, CPDOC/FGV, 2011. 42p. ROBERTO LOPES MIRANDA (depoimento, 2011) Rio de Janeiro 2012

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE

HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC)

Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a citação. A citação deve ser textual, com indicação de fonte conforme abaixo.

MIRANDA, Roberto Lopes. Roberto Lopes Miranda (depoimento, 2011). Rio de Janeiro, CPDOC/FGV, 2011. 42p.

ROBERTO LOPES MIRANDA (depoimento, 2011)

Rio de Janeiro 2012

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Nome do Entrevistado: Roberto Lopes Miranda

Local da entrevista: Niterói, Rio de Janeiro

Data da entrevista: 30 de setembro, 2011

Nome do projeto: Futebol, Memória e Patrimônio: Projeto de constituição de um

acervo de entrevistas em História Oral.

Entrevistadores: Fernando Herculiani (Museu do Futebol/SP) e José Carlos Asberg

(Museu do Futebol/SP)

Câmera: Bernardo Bortolotti

Transcrição: Letícia Cristina Fonseca Destro

Data da transcrição: 30 de Novembro de 2011

Conferência de Fidelidade: Maíra Poleto Mielli

** O texto abaixo reproduz na íntegra a entrevista concedida por Roberto Lopes Miranda em 30/09/2011. As partes destacadas em vermelho correspondem aos trechos excluídos da edição disponibilizada no portal CPDOC. A consulta à gravação integral da entrevista pode ser feita na sala de consulta do CPDOC.

Fernando Herculiani – Bom, Roberto, primeiro a gente quer agradecer muito você ter aceito o convite de dar o depoimento para o nosso projeto. Até abrir a sua casa, a gente entrar aqui e fazer a entrevista com você e tudo mais. É uma honra para gente estar aqui hoje.

Roberto Miranda – Primeiro é um prazer receber vocês aqui. É o maior

orgulho receber vocês aqui. F.H. – A gente pede para o depoimento começar com você falando seu nome,

a data de nascimento, o local que você nasceu. Para gente começar a sua vida lá no começo.

R.M. – Então vamos. O meu nome é Roberto Lopes Miranda, conhecido mais

como Roberto Miranda, não é? Sou nascido em São Gonçalo, não sou de Niterói. Nasci no dia trinta e um do sete de 1943. Então eu tenho hoje 68.

F.H. – E quem eram os seus pais, Roberto? R.M. – Gumercindo Lopes de Miranda e Maria de Lurdes Pimentel de

Miranda. F.H. – Eles faziam o quê? O que do que eles viviam? Como é que foi esse...? R.M. – O meu pai era metalúrgico. A minha mãe era dona de casa mesmo, não

trabalhava. Tenho uma irmã que chama Luísa Miranda e um irmão Aimoré Miranda que hoje vive em São Paulo.

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F.H. – E suas lembranças desse começo em São Gonçalo, seus pais...? Como era essa rotina? Na casa eram só vocês, tinha mais família...?

R.M. – Era uma casa... Nós vivíamos em uma casa de aluguel. Meu pai pagava aluguel. Ele trabalhava como metalúrgico, mas ganhava pouquíssimo, não é? Então tinha eu, meu irmão e minha irmã que ele sustentava. E minha mãe logicamente.

José Asberg – Ele trabalhava em estaleiro aqui em Niterói? R.M. – Ele trabalhava de metalúrgico... Caixa de fósforo, esses negócios. E ele

jogava, era goleiro. Ele jogava pelo clube lá do estaleiro, da firma dele. Eu morava em um lugar que tinha um campinho, onde que saiu o Zizinho. Nós somos do mesmo lugar. O Zizinho também jogava nesse campo.

J.A. – Qual era o bairro?

R.M. – Chamava Paiva. E nós jogávamos neste clube chamado Paiva Futebol

Clube, onde quem dirigia era seu Licineu. Licineu era o pai do Humberto Mauro que hoje é médico, é ortopedista. Então dali que eu comecei a ser reconhecido, mais por causa do Zizinho, porque Zizinho já era famoso, já era jogador de futebol e falavam sempre: “Olha, tem um garoto aí que vai ser jogador de futebol”. E o Zizinho sempre estava comigo. Quando ele chegava no Paiva: “Se cuida. Pelo o que estou vendo você vai ser um bom jogador”. Dali que eu sai.

J.A. – Isso você tinha que idade quando você conheceu o Zizinho e ele comentava isso com você?

R.M. – Ah, eu era garotão. Eu tinha 14 ou 13 anos. Com 15 anos eu já fui para

o Botafogo. Aí eu tive que fazer estágio porque... A primeira vez que eu coloquei chuteira vieram dois dirigentes do Rio para me ver. Então eles gostaram. Eu fiz gol nesses três jogos. Eu joguei contra o Bangu, o América e o Vasco e já juvenis. Eu aí entrei no meu time daqui e fiz gols. Ganhei duas partidas e a outra empatamos. Os dirigentes que estavam me vendo, um veio do Fluminense e o outro do Botafogo. O do Fluminense chegou na frente e falou: “Olha, amanhã eu venho te buscar para você treinar no Fluminense”. Só que o do Botafogo estava colado com ele, colado, assim, me vendo também. O treino do Fluminense era pela manhã, mas me deixaram sentado um bocado de tempo. Quando faltavam cinco minutos para terminar o treino me colocaram. Era o filho de Gentil Cardoso que era o treinador: Milton Cardoso que era o treinador. Aí me deram uma carta dizendo: “Você volta amanhã. Amanhã você vai começar a treinar em tempo integral”. Isso pela manhã. Quando eu saio das Laranjeiras, o diretor do Botafogo estava me esperando do lado de fora, ele disse: “Olha, você não vai para Niterói. Você vai treinar à tarde no Botafogo. Pode deixar, eu te pago almoço. Tudo direitinho”. E nós fomos para o Botafogo.

F.H. – Mas isso você morava em São Gonçalo? R.M. – São Gonçalo, São Gonçalo.

F.H. – E lá em São Gonçalo? Você jogava nesse campinho e onde mais: rua,

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escola? R.M. – Eu estudava no Aurélia Quaresma. Tudo pertinho. O campo de futebol

perto. Inclusive o meu treinador, a diretor desse colégio era mulher dele: Dona Diolinda e ele se chamava seu Lucineu.

F.H. – Então sua rotina era estudo... R.M. – Estudo e jogar. Mais nada. J.A. – Você foi até que série?

R.M. – Eu fui até admissão que se chamava, não é? Até a sexta série. Porque aí não dava mais...Eu saía muito para treinar e tudo mais, então eu estava naquela vida de mais jogar do que estudar, porque não tinha tempo. Para completar, aí então esse dirigente do Botafogo, me leva para o Botafogo e me põe de cara para treinar. Eu já, no primeiro treino, fiz três gols. Quer dizer, eles não me deixaram mais voltar para o Fluminense porque aí eles me dão um dinheiro, pouquíssimo. Eu tenho que morar no Rio, eu fiquei morando embaixo da arquibancada que é aonde vinham os jogadores de Recife, Fortaleza, que iam fazer teste lá. Como eu morava aqui, então, antigamente, não tinha a ponte. Então eu fiquei lá, morando embaixo da arquibancada. Eles me davam um jantar, almoço e ainda me colocou no colégio a noite que chamava Doutor Rivadavia Corrêa Meyer. Então eu fiquei naquela vida, entendeu?

F.H. – E nesse período você já jogava futebol como você falou e tudo, mas e suas lembranças de futebol como torcedor, de ver futebol, você ia ao estádio, torcia para quem, como era isso?

R.M. – Eu dificilmente ia ao estádio, porque eu não tinha dinheiro, não tinha condição, entendeu? Inclusive eu fazia pipa, cafifa, e vendia para ter um dinheirinho para ir ao cinema. Jogava bola de gude, apostava para ir ao cinema. Essa era a minha vida assim para ganhar um dinheirinho. Então para estádio mesmo eu não tinha. Eu escutava muito pelo rádio porque nem televisão eu tinha.

F.H. – E torcia naquela época? Tinha seus ídolos?

R.M. – Não, eu torcia para o América porque o meu pai era América. Então eu o via torcendo para América... Inclusive eu ganhei da minha tia uma camisa do América e achei bonita, toda vermelha. Ela me deu o uniforme do América. Aí eu achei aquilo... “Não, eu vou torcer pelo América”. Então eu gostava, mas não era de ir a campo de futebol.

J.A. – E ser torcedor do América também... Eu não conheço nenhum torcedor fanático. [risos]

R.M. – O meu pai gostava. Meu pai disse: “Não, é americano. Você ganhou uma roupa do América, tem que ser americano”. Então, na minha infância, garotinho, eu era América.

J.A. – E você lembra do time do América pelo qual você torcia?

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R.M. – O América uma vez foi campeão. Ganhou do Fluminense de dois a um. Quem fez o gol foi Jorge, lateral direito. Era Castilho, essa turma...

J.A. – Em 1960... R.M. – É. O América era Canário, Alarcon, Leônidas, João Carlos e Ferreira -

que era a linha. Olha que timaço. Tinha o Toninho também. F.H. – O goleiro era o Ari, não é? R.M. – Era o Ari. Edson, Ivan, Osvaldinho, não sei se era Maneco, não me

recordo. Eu sei que tinha Canário. Um timaço o time do América. F.H. – E nesse período, por exemplo, você contou que torcia para o América e

a seleção? Passava isso? Porque em 58 você já tinha 15 anos, você lembra? R.M. – Não, seleção... eu comecei a pensar em seleção mesmo quando eu

comecei a ser convocado paras seleções de juniores, entendeu? Aí que eu comecei a pensar em seleção.

F.H. – Mas de 58 você tem alguma lembrança assim? R.M. – Assim não tem muita de seleção...Eu via que o país parava para ver os

jogos da Copa do Mundo. Via assim, eu via grandes jogadores. O próprio Zizinho que era considerado um dos maiores jogadores e que é da minha terra. Então eu prestava atenção. Tinha um Mário que jogou no Santos, jogava no Bangu, jogou no Botafogo de Ribeirão Preto. Porque antigamente tinha a seleção carioca, paulista, mineira, gaúcha...

F.H. – Campeonato de seleções. R.M. – Entendeu? Então ele era assim muito requisitado para seleção, o

Marinho – o apelido dele era Cacareco. Era muito colado com o Zizinho. Portanto, quando ele começou a jogar, o Zizinho que o levou ele para o Bangu. Então o Zizinho, quer dizer, do futebol, era o nosso pai. Era o mais velho, levou o Marinho, depois disse: “Eu vou te levar”, que era eu, entendeu? Mas eu era bem mais novo.

J.A. – Foi o Zizinho quem trouxe esses diretores aqui?

R.M. – Não, não foi. Eles vieram por conta própria. Eram pessoas que

procuravam jogadores nos interiores, olheiro. Então vieram logo os dois, um do Fluminense e um outro do Botafogo. Eu ia para o Fluminense, mas eles demoraram aí o Botafogo me levou logo. Eu assinei um contrato de gaveta que meu pai e minha mãe tiveram que assinar. Eu ainda fiquei preso ao clube, eu não poderia mais treinar em clube nenhum. Eles aí me deram um dinheirinho por mês, para eu comprar um sapato, fazer as prestações para comprar um par de sapatos. [risos] É verdade. E ir ao cinema, não é? Eu ia muito ali no Caiuca, que era uma sapataria, ali perto do Mourisco, e ali tinha um cinema chamado Guanabara. Eu estava sempre naquele cinema. Queria me encontrar, eu estava ali.

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F.H. – E como é que essa sua saída de casa? Sai de São Gonçalo, deixa os pais e vai morar sozinho no Rio de Janeiro?

R.M. – Mas aí eu fui obrigado. Os meus pais deixaram porque eu já estava

cercado pelo Botafogo. O Botafogo me prometeu e, portanto, eles tiveram que ir à minha casa para fazer o contrato.

F.H. – Que ano foi isso certinho? R.M. – Ah, isso foi em 58 para 59, pode fazer as contas que dá certinho. Então

aí meus pais acreditaram. Aí fui obrigado. Aí fui no primeiro mês... Eu lembro que a minha mãe não queria.

F.H. – Ela tinha restrições? R.M. – Tinha. A minha mãe não gostava: “Eu não sei para onde estão levando

ele”. Mas o meu pai, como tinha sido jogador de pelada assim: “Não, deixa o garoto ir. Ele está indo bem, está aprendendo”. E ele, de vez enquando, sempre tinha notícias minhas: “Não, Roberto está indo muito bem. Ele já vai começar a jogar” - porque eu estava fazendo estágio. Aí veio 61, 62 e 63, aí foi o primeiro campeonato que eu fui disputar como juniores. Quer dizer, tricampeão, 61, 62 e 63, e o artilheiro do campeonato...

F.H. – Como juniores. R.M. – Como juniores. Quer dizer, já está para lá de bom, não é? Entendeu?

Aí eu fui logo convocado para a seleção que ia disputar as Olimpíadas. Quer dizer, aí eu já estava ganhando mais. Já fazia alguns jogos no time de cima. Porque em 62 eu disputei juvenil, 61,62 e 63. Só que eu fui campeão profissional também no time de cima. Porque na época existia: juvenil, aspirante e profissional. Então aspirante do Botafogo era muito bom. A linha do Botafogo profissional era: Garrincha, Didi, Quarentinha, Amarildo e Zagallo. A de aspirante: Neivaldo, Rossi, China, Bruno e Orlando. Como o nosso, juvenil, estava com oito ou nove pontos de frente do segundo colocado, já éramos praticamente campeão. Então, o Garrincha se machucou, não podia jogar. Vinha disputando a ponta... Faltava também para terminar o campeonato poucas partidas. E o aspirante estava disputando com o Vasco. Eles não poderiam tirar Neivaldo que era o substituto do Garrincha, porque senão ia desfalcar o aspirante – ia jogar logo com quem [INAUDÍVEL], não pode. Então tiraram um do juvenil que foi eu. Aí eu joguei em um time profissional. Inclusive o Nilton chegou para mim e disse assim: “Faz de conta que você está jogando no juvenil”. Aí eu fui.

F.H. – Você vivia lá no Botafogo já, tinha sua rotina de treinos no juvenil, mas

como que era? Você tinha contato com essas estrelas todas? R.M. – Meu filho, eu vou contar uma coisa para você. O juvenil treinava de

manhã. Então eu tinha que treinar. Almoçava, certo? Almoçava. Esperando o time profissional treinar à tarde. Então eu dormia embaixo da arquibancada que era meu dormitório ali, então eu ia ver o treino deles. Entendeu? Então ficava os vendo treinando. Aprendi muita coisa. Você vai prestando atenção nos jogadores que você gosta mais, principalmente da sua posição, como que ele joga... Então você tira

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alguma coisa de cada jogador. E eu fiquei muito assim porque, como eu morava ali, todos os jogadores gostavam muito de mim. Inclusive, quando eu estava jantando eles vinham no meu prato tirar tira gosto, porque eles iam tomar um guaraná depois do treino. O treino acabava a noite, do profissional. Começa às 4 horas, 6 horas já estava escuro. Então até tomar banho, saiam 7 horas, a hora que eu estava jantando. Então eles passavam no restaurante e mexiam no meu prato de comida. Entendeu? Era Didi, Garrincha e Nilton Santos, eram três que iam pegar. Então eu fiquei muito amigo deles.

F.H. – Nesse período de juvenil, teve algum treinador, alguém, assim, que foi

muito importante na sua formação? Como era essa rotina dos treinos? Alguém que te ensinou muito, trabalhou com você...?

R.M. – Foi, não sei se vocês lembram dele, era jogador: Paraguai, Geninho,

Pirilo, Octávio e Braguinha. Paraguai foi nosso treinador. Então o Paraguai achava que eu treinava muito, ele falava: “Você tem muita impulsão, mas você está cabeceando com os olhos fechados. Como você vai fazer o gol de olhos fechados? Você tem que ver para onde você vai cabecear”. Então ele me tirava isso, ele dizia toda vez: “Pula de olho aberto”. Aí fui, fui até que nunca mais pulei de olho fechado. Outra coisa: “Você esta dando as costas para o defensor, não dá as costas para o defensor que ele vem... Você não está vendo. Você dá o lado para ele. A bola vem de lá, mas você está dando de lado para ele. Nunca dá as costas”. Então ele me ensinou várias coisas, o Paraguai. Ele foi um excelente ponta direita. Foi campeão do Botafogo.

J.A. – Você sempre jogou de centro avante, sempre foi desde garoto? R.M. – Não, eu jogava pela ponta também, às vezes. Mas eu gostava mais de

centro avante. Porque a ponta direita, para você fazer gol, já ficava um pouquinho difícil e centro avante estava sempre rondando a área. Então eu estou sempre de frente, de frente e tem mais oportunidade de fazer gol. E eu achava o seguinte: na partida você poderia ir mal, mas você faz um gol, já salvou. Entendeu? Eu tinha esse pensamento: “Eu não fui bem nesse jogo, mas fiz um gol”. Você podia ver que toda vez, às vezes eu não ia bem: “Ah, o Roberto fez gol”. A minha nota era boa. Eu não me achava no jogo. Eu não fiz nada no jogo, só porque eu fiz um gol? Então é essa posição, entendeu? [riso]

J.A. – Roberto, posso voltar em um pequeno episódio? R.M. – Pode.

J.A. – Você vai de manhã no Fluminense e de tarde no Botafogo.

R.M. – Sim.

J.A. – Duas questões: o teu coração tendia mais para que lado, você tinha

alguma preferência? Como é que foi no dia seguinte? Já no mesmo dia você já fechou com o Botafogo, no dia seguinte o pessoal do Fluminense ficou lá te esperando.

R.M. – Mas o problema era o seguinte: eu não tinha preferência. Eu pensava

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que eu ia treinar somente no Fluminense. De repente me aparece o Botafogo. Eu já não gostei porque eles me colocaram cinco minutos. Eu já não gostei. Então me deram uma cartinha: Você volta amanhã que você vai começar, entrar no princípio. Já no Botafogo não, eu fui no mesmo dia e eles já me colocaram de cara. Eu, com 30 minutos, já não treinei mais. Eu fiz três gols no treino. Com 30 minutos já não treinei mais. Eles disseram: “Não, tira a roupa, você já é do Botafogo. Nós vamos para sua casa agora...”. Quer dizer, então agora eu sou Botafogo. Agora eu sou Botafogo.

F.H. – Mas quem articulou tudo isso de falar com o Fluminense que tinha? Foi

tudo o Zizinho que falou para o Fluminense que foi para o Botafogo? R.M. – Não, o Zizinho não falou. O Zizinho não me levou para lugar nenhum.

É como eu te falei, vinha esse pessoal para olhar, olheiro, e eles me viram. Eles não sabiam nada de mim.

F.H. – E você tinha algum clube lá? R.M. – Onde? F.H. – Você jogava em São Gonçalo?

R.M. – Manufatura. Foi a primeira vez que coloquei chuteira e fui bem. Foram

três amistosos, eles viram os três amistosos e eu fiz gol nos três. Então aí começaram a me ver, aí no último amistoso que eles me pegaram. Mas aí o primeiro que chegou em mim foi o do Fluminense, entendeu?

J.A. – Você tinha algum ídolo assim na tua posição, na ponta direita ou centro avante, que você se espelhava nele?

R.M. – Olha, no Botafogo, pelo tipo dele jogar, ele tinha mais ou menos... Eu sempre gostei do Amarildo. Eu via muito o Amarildo, ele pegava aquela bola e ia para dentro dos caras. Driblava, chutava bem. Então eu me espelhava muito em um tipo de jogo do Amarildo.[INAUDÍVEL] Para você ver, às vezes jogava, não sei se vocês lembram que jogava Garrincha, Didi, tinha Paulinho, [INAUDÍVEL]. O Paulinho Valentim fazia muito gol, mas eu não gostava muito do tipo do Paulinho. Ele não era um jogador assim, entendeu? Ele era mais trombador. Ele não levantava a cabeça... O Amarildo não, o Amarildo já fazia isso. Portanto, quando ele substituiu o Pelé na Copa do Mundo ele fez gol e tudo, foi campeão em 62. Já o Paulinho...Quarentinha não, o Quarentinha era um jogador mais tranquilo que não vibrava. Ele fazia um gol, abaixava a cabeça e vinha andando. O pessoal que agarrava nele. Eu, inclusive, joguei ainda com eles, entendeu? Mas ele não vibrava. Uma vez eu fui abraçar o Quarentinha em um gol, eu era garotão ainda: “Você não sabe que redondo faz sempre gol? Pô, não precisa me abraçar muito”. [riso] Ele falou isso para mim. Ele se chamava de redondo, o apelido dele. Ele se achava, porque estava muito forte. Mas era um jogador meio...entendeu? Mas eu gostava do tipo do Amarildo. Inclusive, eu posso até adiantar um pouquinho? Eu joguei um certo tempo com o Garrincha. O Garrincha já estava no final. E na época, o Botafogo viajava muito para o exterior, era Botafogo e Santos. Então o Garrincha, quando ele pegava a bola, eu fazia o quê? O gol está aqui, ele me colocava aqui na marca do pênalti. Eu sabia que ele ia jogar ali, eu vi ele treinando, eu vi ele treinando, então eu já sabia. Sabia tudo do Garrincha. Eu

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voltei com dezoito gols só porque ficava ali, não fazia nada. Ele ia driblava, driblava e dava aqui... Então não fazia nada e voltei com dezoito gols, por causa dele. Não é bom você assistir um treinamento? Eu já conheço o cara.

F.H. – Então você falou que em 63 você foi tricampeão com juvenil, aí em 62

você já estreou no profissional e vocês foram campeões – esse foi seu primeiro título.

R.M. – Me primeiro título, com uma partida.

F.H. – E o retorno em São Gonçalo? Você já era conhecido lá, a família? R.M. – Era.

F.H. – Aí a sua mãe já estava tudo bem?

R.M. – Já, já estava tudo bem. Eu já estava conhecido, fizeram até música para

mim: “Daqui saiu Roberto Miranda...”.

J.A. – Quando você passa a receber melhor do Botafogo, você mora no Rio ou você vem morar de novo aqui?

R.M. – Aí eu já moro no Rio de Janeiro, fiquei no Rio. Vinha aqui só para passear. Porque aí já não dava mais, você já fez toda a sua vida novamente no Rio.

J.A. – Você passou por aspirante ou você foi direto do...?

R.M. – No aspirante muito pouquinhos jogos eu fiz. Do juvenil já fui olímpico. No olímpico eles já estavam pensando na minha convocação. Em 66 eu não fui à Copa do Mundo porque eu tive problema, eu fiquei seis meses parado. Era para eu ser convocado em 66, aí não pude ser convocado. Porque quem foi meu treinador nas Olimpíadas foi o Feola, Vicente Feola, Hilton Gosling que era meu médico. Era tudo da seleção principal.

F.H. – Da olímpica, não é?

R.M. – Da olímpica. Então o Aymoré Moreira foi um dos primeiros caras a

me convocar. Então eles falavam: “Olha Roberto, você vai ser convocado para 66”, quando eu voltei das Olimpíadas. E estava mesmo, estava tudo preparado. Mas aí eu me machuquei feio. Aí não dava para mim, eu fiquei seis meses parado, aí não tinha condição.

F.H. – Mas Roberto, quando que é esse momento que você se firma no time principal? Porque em 62, você falou que entrou em uma partida.

R.M. – Eu me firmei quando eu fui para uma excursão. Porque, naquela época, uma excursão do clube era um mês. Nós disputamos hexagonal com os melhores times dos outros países, tudo campeão dos outros países. Botafogo campeão do Rio, Ferencváros lá da Hungria, as duas seleções mexicanas A e B, tinha Barcelona, tinha os times de categoria mesmo. E nós disputamos esse hexagonal e vários amistosos também. Nós jogávamos contra o Santos... É aquele negócio de

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empresário, o empresário levava o Botafogo e o Santos. Aí teve uma vez que estávamos jogando no México e o Santos estava na França. O Santos com aquele timaço: Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe. A nossa linha era Rogério, Gérson, eu, Jairzinho e Paulo César. Quando nós vimos, o Santos estava ganhando só de nove, oito, de uns times franceses lá. E nós ganhamos dos times... Aí nós fomos campeões do torneio no México e o Santos foi campeão lá em Paris. Porque nós atrasávamos os jogos aqui no campeonato, tanto o Santos quanto o Botafogo – campeonatos paulistas e campeonatos cariocas. Não sei quantas rodadas atrasadas. Aí o empresário virou e falou assim: “Olha, vocês não vão para o Brasil agora não”. “Por quê?”. Todo mundo já queria voltar. “Vai ter um amistoso entre Botafogo e Santos na Venezuela. E o estádio já está lotado, já está tudo vendido. Vocês vão ganhar uma graninha boa”. Aí todo mundo: “Então vamos lá jogar”. “Mas depois desse jogo vocês vão embora”. Aí tudo bem, jogo a noite, o estádio lotado. O Pelé não saia da capa... Com aquela coroa, não é? Era o rei, não é? Todos os jornais era ele. Aí primeiro jogo: nós dois a um no Santos. Aí o povo: “Não é possível. O Santos perder...”. Mas nosso time era bom para cacete, tudo mais novo, não é? “Não, o Santos não pode”, a torcida não acreditou. Pediram revanche. “Outra vez?”. “É, revanche. A cota vai melhorar ainda mais”. “Então vamos jogar a segunda”. Aí ganhamos de três a zero. “Então tá, agora podem ir embora”. [riso] Aí tiramos a coroa do rei.

F.H. – Mas foi nessa excursão que você se firmou? R.M. – Foi, foi em uma dessas que eu me lembro. Então, como se diz... Eu

vou contar onde eu me firmei. A linha era Garrincha, Didi, Quarentinha, o Amarildo foi vendido para a Itália, e o Zagallo. O nosso treinador era Geninho, que foi jogador. Eu te falei da linha Paraguai, Geninho... e Geninho foi militar. Ele foi à guerra, ele era meio estourado. Ele vivia sempre sério. Ele me chamava de Betinho, ele não me chamava de Roberto. Ele esquecia o meu nome. Me chamava de Carlinhos. [risos] É verdade. Então ele me leva na excursão. Ele leva esse timão todo, time principal. E levou eu e Jairzinho, entendeu? Para a gente já... Aí quando a gente chegou ao estádio... O primeiro jogo foi em León, uma cidade do México. Aí estava lá a presença dos bicampeões mundiais que era só o Garrincha, Didi, Valentim, Zagallo. Aí no primeiro tempo, dois a zero, estádio lotado. O primeiro tempo, jogo a noite, estádio lotado. Dois a zero nos meninos lá. Aí o Geninho ficou bravo: “Não, não pode ser”. O Gérson já estava, já tinha entrado.

F.H. – Foi em 63 isso...? J.A. – Foi um negócio assim, por aí. Aí ele chamou: “Carlinhos, vem cá”, era

eu. [riso] E chamou o Jairzinho. Ele me tira o Quarentinha e o Zagallo, no primeiro tempo . Aí a linha ficou: Garrincha, Gérson, Didi. Então ficou na frente Garrincha, eu e Jairzinho. Eu mais caído para esquerda, jogador de frente. E atrás ficou Gérson e Didi. Nós fomos lá e empatamos dois a dois. Eu fiz um e o Jairzinho um. Sabe o que ele fez? “Não tem mais presença de bicampeão nenhuma, quem é titular é você e ele”. Aí nós voltamos, eu Jairzinho, como titulares. Não perdemos mais nenhuma partida, ganhamos todas, nós dois na frente com essa formação. Dali que nós começamos a estourar aqui: ser campeão da Guanabara, campeão carioca, bi-Guanabara, carioca... Ali que nós começamos a estourar. Ali que o Zagallo parou. Aí o Zagallo vem ser treinador do juvenil. Foi com a nossa entrada: “Sai Zagallo”. [risos] E o Quarentinha parou também e o Jairzinho ficou como titular na linha.

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J.A. – E aí o ataque muda, não é? Logo depois o Garrincha também... R.M. – Parou e entrou o Rogério. Aí ficou Rogério, Gérson, eu, Jairzinho e

Paulo César. Entrou o Paulo César [INAUDÍVEL]. Aí ficou esse time. J.A. – Timaço. F.H. – Um pouco depois disso, em 64, tem Rio-São Paulo, com o Santos,

também memorável. Você se lembra dessa decisão com o Santos? R.M. – Me dá um lembrete aí que... Em 64 eu sei, mas foi... F.H. – Rio-São Paulo de 64... R.M. – Rio-São Paulo que hoje foi... Agora que eles fizeram... Até não está no

livro. Vale pelo campeonato brasileiro. F.H. – É Roberto. R.M. – Então vou te contar um dos jogos. Foi de 64 para 65, não foi? Não foi

uma que Manga e Pelé foram expulsos? F.H. – Exato. R.M. – Então vou te falar. Nós ganhamos de... Olha, Jairzinho fez um gol e eu

fiz dois. A noite, chovia um pouco. Aí o Santos fez dois gols lá. Quem fez os dois gols? Toninho, eu acho que ele entrou depois. Lembra de Toninho? Ele fez o primeiro e o segundo. Nós ganhamos de três a dois. E faltavam três minutos para terminar o jogo, o Manga foi expulso com o Pelé. Só que, nessa época, o nosso reserva do Manga era o Hélio, esse goleiro que foi às Olimpíadas. Na época tinha uma... Não podia entrar o reserva atual, primeiro tinha que ir um jogador que estava ali, por exemplo: um atacante, um defensor teria que ir para o gol, para depois sim, se ele tivesse algum problema, entrar o outro goleiro. Olha o que fizeram? Eu treinava no gol. Aí o Manga foi expulso, Pelé foi expulso. Três a dois para gente, faltava três minutos. Aí o Hélio me empresta a lutava porque estava chovendo e eu falei: “Não era você que vinha para o gol, não?”. “Não, Roberto, não pode. Primeiro tem ser um cara do...”. Aí já veio uma ordem para mim do banco: “Olha, primeira bola que você pegar, você cai e diz que se machucou e que você não pode continuar. Aí vai entrar o reserva”. Só assim que podia, expulso não poderia entrar o reserva. Aí, antes teve a brincadeira... Nego chutava para caceta. Teve uma falta enviesada, aí os caras: “Roberto, é o Pepe”. Eu digo: “Abre”. “Abre como? Você está maluco? Você está doido? O Pepe chuta para caceta”. Eu fiz de sacanagem. [risos] Já estava para terminar o jogo. Mas ele chuta, mas não chuta forte, ele quis colocar. Aí eu peguei a bola, mas já cai, gritando. Então tem uma revista: “Aquilo foi palhaçada, sacanagem de vocês”. Surgiu a oportunidade de eu cair, eu cai, aí que o Hélio veio para o gol, entendeu? Inclusive o cara que estava atrás do gol disse: “Quando você pegou a bola que cai, você fica sorrindo lá atrás”. Os caras me pegaram atrás direitinho. Então eu me lembro desse jogo. Aí três a dois. O Hélio veio para o gol e acabou o jogo. Aí que nós fomos...

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F.H. – Acaba sendo dividido o título... R.M. – É, foi dividido: Botafogo e Santos.

F.H. – E conta um pouquinho para gente então. Você falou que em 64 você

vai defender a seleção nos jogos olímpicos. Como foi a convocação, a preparação...? R.M. – A convocação foi o seguinte, primeiro nós fomos à eliminatória. Foi

disputada no Peru, Lima. Inclusive teve aquele acidente muito feio que morreu muita gente, não sei se vocês lembram. Houve um problema lá, a polícia matou... Caiu um negócio lá, um alambrado...

F.H. – Peru e Argentina, não é? R.M. – Peru e Argentina. E nós íamos ao estádio e nós não fomos nesse dia.

Foi à noite. Morreu muita gente... F.H. – É a maior tragédia na história do futebol. R.M. – É a maior tragédia. Você via tudo pisado. Então foi tudo transferido

para o Rio de Janeiro. Mas já estava faltando pouco e nós vínhamos bem, ganhamos sempre. Aqui nós fomos um dos classificados. Não sei se Brasil e Uruguai ou Brasil e Argentina, não me lembro. Acho que [INAUDÍVEL]. Aí nós classificamos para as olimpíadas. Entendeu? Aí foi... o treinador era outro e entrou o Feola e o Hilton Gosling. Aí que eles foram ser nosso treinador e nosso médico. A comissão técnica era toda da principal. Aí nós viajamos para o Japão. Nós não passamos da primeira rodada porque... Apesar de nós termos ganhado do Japão, quatro a dois, empatamos a RAU, um a um, e perdemos para a Tchecoslováquia de um a zero. Um a zero...

F.H. – Existia uma coisa, não é? Não só se fala de ser um atleta olímpico, de

se participar de uma olimpíada, além disso, você consegue falar também que existe uma questão que até hoje o Brasil nunca conseguiu uma medalha de ouro no futebol. Você consegue imaginar por quê?

R.M. – Olímpica? É como eu te falei, na minha época...eu posso te responder

pela minha época, porque nós éramos todos garotos mesmo. Os outros países chamados Cortina de Ferro – Hungria, Tchecoslováquia – isso tudo já tinha disputado Copa do Mundo. Então já estavam com mais canja do que a gente. Então eu acredito que é por aí que a gente não chegou. Nós tínhamos, para você ver pelos os outros países, nós vínhamos bem.

J.A. – Em 52 a Hungria ganha a Olimpíada, em 56 é a União Soviética.

F.H. – É, a Hungria ganha em 52 a Olimpíada e perde a Copa por detalhe, não

é? Em 54.

R.M. – Eu posso responder por nós por esse motivo. Eles já tinham mais... Eram uns caras mais bem preparados, a gente estava ainda se formando.

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F.H. – Nesse momento vocês já tinham feito excursão à Europa, para os Estados Unidos, mas uma ida ao Japão eu acho que foi um marco na sua vida, eu acho. Você lembra disso?

R.M. – Eu acho que tudo o que jogador gosta de atingir... Ele chega ao topo do trabalho dele é jogar em uma Olimpíada e Copa do Mundo. Não tem mais nada para você fazer, você não pode ultrapassar mais nada. Aí você chegou no máximo da sua carreira: Olimpíadas e Copa do Mundo. Você vê, no Brasil vai ser disputada a Copa do Mundo e logo em seguida vêm as Olimpíadas. Outro dia a gente estava conversando isso lá em São Paulo, estava eu e o... Eu disse assim: “Olha, tem que ser muito bem protegido o país, porque a Olimpíada é pior do que Copa do Mundo porque em Olimpíadas tem jogador de tudo quanto é... Basquete, vôlei... Copa do Mundo é só futebol”. Então você vê quantos turistas vêm. O número de países, o número de jogadores... Tem natação... Tem tudo.

J.A. – Roberto, como que você define o teu estilo? Você falou que o Amarildo

ia para cima, o Paulinho Valetim era mais trombador... Você ali subindo. Como é que você se diferenciava deles.

R.M. – Foi assim. Inclusive eu tenho alguns lances, vídeos em que eu pegava

a bola e gostava de ir para cima do adversário. Porque não adianta, tem hora que você toca, sai, toca, toca, mas tem hora que para você tirar eles do esquema você tem que ir para cima. Porque se você passar por esse adversário, você já desmancha um pouco o esquema do adversário, entendeu? Teve time que eu joguei que tinha zagueiro que jogava na espera. Então uma vez nós combinamos, Zagallo falou: “Roberto, você, como centro-avante, tem um zagueiro que fica com você aqui e tem um que sobra. Você não deixa sobrar. Se o cara recuou, você vai nele. Esse aqui vai recuar. Você vai nele.Você vai empurrando eles para dentro do gol”. Eles não sabiam jogar. Eles sabiam jogar com uma... Da espera. Então eu fazendo isso... Eu largava esse, eu não ficava em impedimento, eu ia para cima desse, sem a bola. Esse aqui gritava para esse: “Vem aqui”. Aí ele fazia isso. Aí eu fui empurrando eles para dentro do gol. Aí eles queriam sair e tomavam o gol. Entendeu? Isso foi coisa entre mim e o Zagallo. O Zagallo falava assim para mim: “Não deixa o cara sobrar porque aí vai pegar todas. Você disputa a primeira bola com ele. Se você já disputou, quando você está saindo, ele já está chegando na cobertura”. Aí é fácil, agora se você empurrar o cara para dentro...

J.A. – Aquele ataque do Botafogo, esse que você falou - Rogério, Gérson,

você, Jairzinho, Paulo César – tirando o Gérson que jogava um pouquinho mais atrás, os outros quatro eram muito ofensivos. Todos driblavam. Todos vocês driblavam e iam para cima. O treinador fazia, estimulava o drible ou ele sugeria outra ação, como era?

R.M. – Ele tinha um esquema de jogo dele. Ele colocava um esquema de jogo:

“Olha, se o adversário vai jogar dessa maneira...”. Porque o Botafogo nunca foi de... Se eu joguei... Poucas as vezes que a gente foi para cima do adversário, foi poucas. Porque nós jogávamos um pouco atrás. Nós saímos na velocidade porque todos os jogadores da frente eram velozes e o Gérson lançava sempre na [INAUDÍVEL]. Então, nós atraíamos... Nós tínhamos jogadas – eu, Gérson e Jairzinho – que eu ficava... Eu tinha um sobrando aqui, o outro aqui e o outro aqui, deles. Então ficava o

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Jairzinho com esse e eu com esse, esse sobrou. O Gérson pegava a bola aqui... Aí nós fazíamos um X, porque eu sabia que ele ia lançar na minha frente aqui ou para o Jairzinho, entendeu? Esses aqui, ele pegava a bola, ele abaixava a cabeça... Nós já sabíamos que ele ia lançar. Então nós saíamos para dentro desse aqui. Nós fazíamos isso, esses ficam perdidos. Aí já lançava. Nós agíamos na cara do gol porque não dava tempo para eles voltarem. Nós estávamos de frente, eles ainda iam virar. Então o Gérson vinha com ela às vezes, tocava e sai. Então o Jairzinho fazia na frente ou eu fazia o X. Nós estávamos sempre na frente do gol, então nós tínhamos jogadas combinadas, entendeu?

F.H. – E aí então, só voltando, você já é campeão com uma partida, já é titular,

vai para o gol, joga Olimpíada de 64. Aí em 66 tem a Copa do Mundo que você... R.M. – Aí eu estou arrebentado, estou com o joelho meio bravo.

J.A. – Como é que foi essa contusão?

R.M. – A contusão estava brava. Eu já tinha os meniscos estourados. E na

época... Hoje não, menisco você opera sentado e em quinze dias está em campo. Mas na época não, você para tirar o menisco você ficava um tempinho bom.

J.A. – Foi em um jogo, você lembra?

R.M. – Já vinha meio baleado. Eu já vinha jogando sentindo. Mas aí eu tive que operar porque não dava mais, estava me prendendo a perna. Foi na época da convocação. Aí não dava.

F.H. – E nesse período você ainda morava no Botafogo ou você já tinha saído...?

R.M. – Não, Botafogo.

F.H. – Tudo isso você ainda estava morando lá?

R.M. – É, como eu estava no Corinthians, não sei se vocês lembram. Em 74 eu estava para ser convocado também, foi em 70 e 74, só que eu estourei definitivamente o joelho. Você vê que todos os jornais: “O Roberto está convocado”. E eu sabia, porque eles avisam: “Roberto vai ser convocado”. Mas aí não deu, eu estourei. Foi onde eu parei de jogar, não joguei mais. Porque foi em 70, eu tinha idade ainda para ir. Os meus colegas quase todos foram, menos Tostão, menos Pelé, Piazza, Brito. Mas os outros da área principal foram todos.

F.H. – Jairzinho. R.M. – Jairzinho foi, Paulo César, Leão, Rivelino. Inclusive do Corinthians

quem ia ser convocado era: Zé Maria, eu e Rivelino. Nós três que íamos ser convocados.

F.H. – Roberto, esse período de Botafogo, como era a sua relação com os

dirigentes? Vocês viajavam muito, tinha que negociar contrato, dinheiro, como era

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isso? Você que fazia? Como era essa relação do jogador, naquela época, com o dirigente?

R.M. – Não, eu tinha um irmão que fazia. Ele que era o meu procurador. Esse

que mora em São Paulo, o Aymoré. Qualquer tipo de... Mexer no dinheiro era ele que vinha. Eu ligava para ele e dizia: “Olha, o presidente do Botafogo quer falar contigo. É sobre dinheiro”. Inclusive, teve uma vez no campeonato em que o Xisto Toniato... Faltavam três jogos para terminar o campeonato e eu vinha como artilheiro. Aí o meu contrato termina, faltavam três jogos, aí meu contrato termina, eu artilheiro do campeonato: Então tava o Fluminense, um time lá que não me lembro e Vasco. Aí o meu irmão está com o Xisto Toniato, Xisto Toniato não quer renovar. Não, ele queria renovar, eu era o artilheiro. Mas o meu irmão queria mais, ele disse: “Não, isso eu não vou dar, não vou dar”. Então o meu irmão chegou e disse assim: “Roberto sai e não vai para o treino”, isso no meio da semana do jogo do Fluminense. Eu tinha que me apresentar terça feira para treinar. Aí não fui terça. Aí o meu irmão falou assim: “Mas você fica se cuidando. Treina sozinho. Vai para Friburgo”. Aí fui para Friburgo, fiquei lá. Terça feira, a imprensa toda: “Cadê o Roberto?”. “Não veio”. “Mas por quê?”. “Por causa do contrato”. Quarta feira eu não fui. Mas treinando lá sozinho. Quinta feira eu não fui. O pessoal lá: “Você está maluco, Xisto? Dá logo o que ele quer”. Aí chegou sexta feira, tem o treino à tarde e eu não compareço, era o último treino coletivo. À noite o meu irmão fala assim: “Desce, vai direto para a concentração porque ele vai dar uma grana por fora. Não assinamos contrato, mas ele vai te dar uma grana boa, não sei quanto, mas uma grana violenta, só para jogar esse jogo”. Sexta feira ninguém me viu, imprensa nenhuma. Cheguei sexta feira à noite. Não teve nenhum coletivo, mas já estava treinando, eles sabiam. Fui para a concentração. Domingo estou em campo, aí todo mundo: “Pô, mas Roberto está em campo”. Três a um e eu fiz dois gols. Aí meu irmão: “Volta para Friburgo”. Voltei. Eles: “Não, não volta não que eu vou te dar o que ele quer”. Ai me deu a grana, para você ver como são as coisas.

J.A. – Mas você jogou sem contrato? R.M. – Joguei sem contrato, mas o meu irmão fez esse seguro. Porque o meu

irmão tinha um negócio de seguro. Aí ele disse: “Não, eles vão assegurar ele por isso, por isso e mais a grana”. “Não, está bom”. Então, só por aquele jogo. Aí quando acabou o jogo ele: “Vai para Friburgo”. Seu Xisto: “Não, não, não. Eu vou dar o que ele quer”. [riso]

J.A. – E aí você renovou por mais quanto tempo, por mais um ano? R.M. – Por mais um ano ou um ano e meio, sei lá eu... F.H. – Em que época foi isso? R.M. – Isso foi em 68, porque nós ganhamos do Vasco, quatro a zero na final

e eu fiz o primeiro gol... F.H. – Em 68... E você é bicampeão, não é? Porque em 67 você já tinha... R.M. – É, fui bicampeão.

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F.H. – Você lembra como... A imprensa falava muito de você, chegaram a te

chamar de vendaval, você lembra disso? R.M. – Lembro, lembro. É porque era o meu tipo de jogo. Eu não tinha medo,

eu sempre apanhei mesmo, desde o juvenil. Então, quando eu pegava a bola, os caras batiam mesmo.Entendeu? Então eu não tinha medo. Eu sentia tudo quanto era dor. Eu entrava, encarava os caras, ia para dentro, chutava, eles também. Então, às vezes, quando eu pegava a bola, eu gostava de sair... Eu comecei... Foi por Jorge Curi, ele que me colocou esse apelido porque eu pego uma bola, passei por três jogadores e ele: “Parece um vendaval”. Aí saiu no outro dia e pegou.

J.A. – Você foi muito expulso? R.M. – Eu fui em algumas partidas sim, mas não era porque... Tem hora que

você não aguenta, não é? Porque você vai falar com o árbitro e o árbitro finge que não escuta. Então aí eu apelava com ele e ele me expulsava. Ou então com o Fontana, com Fontana era sempre, não é? O Fontana... Eu vou espalhar um negócio para vocês que vocês não vão acreditar: Toda vez que eu jogava contra o Fontana – ele no Cruzeiro e eu no Vasco – eu não podia dar as costas para ele, ele me dava na cara. Tapa. Ele grandão para caramba, aquela bração... Ele me arranhava. Eu ficava louco, louco. Olha, teve um jogo, Taça das Libertadores, nós vamos primeiro em Minas. Cruzeiro com aquele timaço, Tostão, Dirceuzinho Lopes, José Carlos, Natal. Nós vamos lá dentro, ganhamos de um à zero, Mineirão lotado. Nós já começamos a brigar ali. Ele dando porrada e eu dando porrada nele. Estava ganhando no jogo... Ele falou: “Olha, no Rio eu vou te arrebentar”. Eu digo: “Estou te esperando, seu merda”. Falei mesmo assim. Só que começou o jogo, eu dei... O Dirceuzinho foi lá e fez um a zero. Eu digo: “Estou fudido”. O escore lá foi um a zero. Aí ele falou: “Está vendo? Agora eu vou deitar, seu puto”. Só que eu fui lá e ele começou a me dar porrada, porrada, porrada. Aí foi uma hora no corner, eu dei as costas para ele e ele veio e me deu um tabefe na cara. Eu fiquei puto. Mas eu não posso dar porque a gente está perdendo de um a zero. Aqui eu já estou... Eu digo: “Vou ser expulso”. Uma bola lá que veio já no segundo tempo, eu fui lá e empatei, um a um. Agora é comigo, eu digo: “Não da as costas para mim que eu vou te torrar mesmo”. Toda vez que tinha um corners, eu dava nele. Eu dava soco nele aqui, na cabeça dele. Primeiro eu olhava para o bandeirinha e para juiz, eu não via que eles estavam olhando e eu já chegava dando. E gritava, saia gritando. Aí o juiz me olhava de rabo de olho e eu: “Ele está me dando porrada”, e era que eu que tinha dado nele. Aí teve uma hora que ele viu que estava no final, ele foi na frente de todo mundo e me deu um tabefe. Cheguei e fiquei todo laiado. Aí voltei nele e fomos brigando. Aí tem o delegado que estava na boca do túnel, de terno branco lá. Aí o juiz: “Podem sair vocês dois”. Aí o delegado chamou a gente. Fomos cada um para o seu vestiário tomar banho, mas com um cara olhando a gente tomando banho. Nós já estávamos presos ali. Eu e ele. Eu com o maior arranhão aqui e ele também todo marcado. Eu é que levava a pior, ele é maior. Aí garoto, já saiu um advogado para cada. Os advogados viram e falaram assim: “Eles vão perguntar o que é isso”. Era uma noite lá, um calor, o campo seco. Aí um dos advogados dizia assim: “Vocês escorregaram e bateram com a mão um no rosto do outro”. “Ah, que isso, o campo está seco”. Mas isso era para a gente não ficar preso. Nós fomos à delegacia de São Cristovão que era a mais próxima do Maracanã.

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F.H. – Mas como que surge essa sua rivalidade com o Fontana? R.M. – Era coisa já antiga. Já era do tempo do Vasco e o Brito falava: “Não

bate nele que ele vai voltar, é pior”. Mas ele era teimoso, o Fontana era teimoso. O Fontana sempre foi um cara de... Na seleção mesmo, em 70, ele falou: “Tem que ir lá, tem que dar nos caras”. Ele sempre foi um cara atirado para isso. Então o Brito perto dele, ele mandava: “Porra, tem que dá no cara”. O Brito: “Para quê? Pô, não é assim, tem que jogar. Você não quer jogar, quer dar porrada”. “Não, mas tem dar para amedrontar os caras”. Ele era desse tipo. Mas no fundo, no fundo ele era boa pessoa. No final nós ficamos amigos. Ele reconheceu, não é para... Eu falei para ele: “Fontana, você não sabe jogar, você dá porrada só. Isso aqui não é boxer”. Entendeu? Aí, de tanto falar...

J.A. – Quem foi o teu maior marcador? R.M. – Não gostava de jogar contra Ancheta e Figueroa. Esses dois, eles

sabiam jogar. Figueroa principalmente. E tudo grandão também. Anchieta é o uruguaio e Figueroa é o chileno. Sabiam jogar. Então, como nós jogávamos? Uma vez no campeonato nacional, eu tive que tirar o Ancheta do sério porque jogava ele e Beto, Beto era lento e o Ancheta também não era veloz, era grandão, magro. E o time do Grêmio era bom. Então, na época, jogava o Zequinha, o ponta direita, no lugar do Rogério. E nosso time era o mesmo, só o Rogério que estava machucado e entrou o Zequinha e o Zequinha era rápido. Então, em uma jogada lá dentro da área, eu dei um soco no estômago dele porque teve uma hora que ele me deu uma no tornozelo. Ele falou: “Híjo de puta, eu lhe pego”. Aí ele saiu do jogo dele. Aí ele começou a vim atrás e eu recuava até o meio campo e ele vinha para me dar, eu sabia que ele ia me dar. Era quando o Gérson pegava e colocava para o Zequinha, o Zequinha entrava e gol. Fez dois gols o Zequinha. Ganhamos de dois a zero lá no Olímpico. O Beto não era de correr, jogava com ele na zaga, e o Zequinha era rápido. Mas aí todos os jogos ele me pegava. E o Figueroa já era mais clássico. Era difícil também porque ele sabia... Uma vez, Botafogo... Um que dava também era o Forlán. O Forlán, uma vez, Botafogo e São Paulo no Morumbi à noite, primeira bola que eu fui ele me tirou de campo. Ele me deu uma no tornozelo. Meu tornozelo inchou, filho. Eu olhei para ele: “Filho da puta”. Me tirou, eu não consegui jogar mais. Com um minuto de jogo ele me tirou de campo.

F.H. – Você acha que todos esses confrontos que você teve aí com os

zagueiros foi o que fez depois você vim a ter tantas contusões?

R.M. – Foi, foi. Porque vai minando. Você é de carne e osso, tanta porrada, porrada, porrada. Sempre, em todos os jogos você toma, toma, toma. Então vai minando o cara. E outra coisa, eu sempre fui um jogador que acreditava em todas as jogadas. Inclusive, uma vez, nós ganhamos o campeonato contra o Bangu no campo do Maracanã. Começou a chover, estava com poças, eu acreditava em tudo quanto era jogada. Então teve uma bola: eu estou aqui, tinha o Mário Tito aqui, o Ubirajara aqui e o gol aqui. Lançaram a bola e a bola parou no Mário Tito, eu não ia mais no Mário Tito. Ele vai dar para o Ubirajara e na época o goleiro podia pegar com a mão. Só que eu digo: “Eu vou neles, sei lá”. Me deu uma vontade e eu corri nele. Ele pensava que eu não ia mais, ele atrasou para o Ubirajara sem ver. A bola parou aqui na poça, eu entrei por trás dele e fiz um gol. Nós ganhamos de dois a um, campeão. Você vê, se

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eu não vou na bola?

F.H. – Vendaval, não é? R.M. – Era isso, eu acreditava em todas as jogadas. F.H. – Roberto, então a gente viu todo esse processo de seleção olímpica,

juvenil, os primeiros títulos do Botafogo, e quando vai surgir a seleção? R.M. – A seleção, inclusive, eu tive um momento... Na primeira convocação

eu não fui convocado. Eu não me dava muito bem com o João Saldanha. Uma vez nós tivemos uma briguinha dentro do Botafogo, porque esse João Saldanha era muito exigente em certas coisas e eu não levava desaforo também. “Não, ele é o treinador”. Eu digo: “E daí? Ele quer que eu faça umas jogadas que não dá para eu fazer”. Nós saímos já no time de cima e ele queria que fizéssemos umas jogadas: “Não, você vai entrar por aqui, fazer isso, fazer isso”. “Eu digo, mas Saldanha...”. Ele era assim: “Quer, quer”. Eu digo: “Então não quero”. “Então pode sair”. Aí, eu, artilheiro do campeonato, ele, treinador da seleção, convoca todo mundo [INAUDÍVEL].

F.H. – Isso em 69. Mas antes disso você já tinha ido para a seleção? R.M. – Eu ia com Aymoré Moreira, Osvaldo Brandão. Esses que me

convocaram.

F.H. – E esse momento? Como que é ser convocado a primeira vez para seleção?

R.M. – A do Aymoré Moreira. É porque o Aymoré Moreira tinha uma porção

de irmãos: Zezé Moreira... Então eles gostavam muito de mim: “Convoca o Roberto porque...”.

F.H. – Antes do Saldanha assumir? R.M. – Antes do Saldanha assumir. Osvaldo Brandão, lembra? Ele me levava

sempre. O próprio Feola. Porque eles me viam com o Feola. O Feola já chegava: “Esse é bom jogador, pode convocar ele para principal”. Então esses que entravam na principal me convocava. O Hilton Gosling que era o médico: “Ele é bom jogador, pode convocar”. Eles falavam para mim: “Você vai ser convocado, se cuida”.

F.H. – Mas aí em 69 o Saldanha assume para fazer o time das eliminatórias... R.M. – Das eliminatórias. Eu não vou às eliminatórias.

F.H. – As feras do Saldanha e você não está. [riso] R.M. – Não estou. Eu sendo o artilheiro e tudo mais. Então tudo bem. E ele

era um cara muito exigente. Aí um dia eu estou treinando à tarde, General Severiano... Vocês conhecem bem General Severiano? Tem a rua General Severiano e tem a rua Voluntários da Pátria, aqui, onde ficava o Canecão e aqui onde ficava o morro General Severiano. Eu estou atacando para lá, o nosso vestiário é aqui, o gol está aqui

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e o Zagallo aqui. Aí começou o treino de dez, doze, treze minutos por aí, era o número do Zagallo. Estou vendo entrar gente para burro por esse portão. A comissão técnica da seleção: Jeronimo Bastos – que era o chefe da delegação, Antonio do Passo, todo mundo entrando por aqui e param no alambrado onde estava o Zagallo. O Zagallo: “Para o treino”. Mais ou menos esse tempo de treino. Aí o Zagallo conversa dois minutos com eles. O vestiário era aqui.O Zagallo vem na minha direção, bate na minha bunda e diz assim: “Sai do treino”. Eu digo: “Porra Zagallo, o treino não começou agora?”. “Sai do treino, rapaz”. Aí saí do treino, fui para o vestiário. Quando eu estou tirando a roupa – uma porção de chuveirinhos – e estou tomando... Entrou a imprensa: “Roberto, o que tu achas da tua convocação?”. Eu digo: “Eu não acho... Ele não me falou nada”. “Porque você está convocado, estava falando para o Zagallo que você está convocado”. Eu digo: “Porra, é mesmo”. “Você nem vai em casa porque amanhã tem um treino coletivo. O Zagallo vai te dar logo um coletivo”. Ai o Zagallo chegou e falou: “Roberto, manda alguém trazer alguma roupa da sua casa e leva nas Paineiras hoje à noite porque amanhã nós vamos treinar no Maracanã à tarde, coletivo”. Eu digo: “Que legal”. Meu irmão levou... Nós estávamos concentrados nas Paineiras. Foram convocados eu, Félix, o Leônidas, teve mais gente... Acho que teve mais um...

F.H. – Teve mais dois...

R.M. – Teve mais dois, não é?

F.H. – Eu não lembro...

[FINAL DO ARQUIVO I]

F.H. – A minha dúvida é: o Zagallo é informado nesse exato momento também que ele é o técnico?

R.M. – Nesse momento. F.H. – Então você é convocado junto com o Zagallo... [riso] R.M. – É... Tudo convocado no mesmo dia. Nós vamos para as Paineiras.

Quando chega à tarde no outro dia, o coletivo no Maracanã, ele já me dá a camisa titular.

J.A. – Aí você enfrenta o Fontana de novo. [risos] R.M. – Mas aí ele me dá a camisa titular, joga eu e o Pelé na frente, e eu faço

gol no treino. Não sei se eu faço um ou dois gols no treino. Eu sempre fazia gol no treino. Aí volta para concentração. Aí vem outro dia, outro treino, eu, titular, fazendo gol. Aí tem um amistoso: Brasil e Chile no Morumbi. O Morumbi lotado, todo mundo falando: “Esse garoto vai dar bem. Está fazendo gol e não sei o quê”. Aí joga eu e Pelé na frente. Nós ganhamos de cinco à zero. Eu fiz dois, Pelé dois e o Gérson um. Aí eu falei assim: “Porra, eu vou, eu estou dentro. Não vou ser cortado”, meu pensamento: Estou treinando, jogando nos amistosos e fazendo gol, não é? Eu digo: “Ah, eu não vou ser cortado”. Aí vem uma que Zagallo inventou e disse assim: “Vai

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jogar Roberto e Tostão. Pelé, tu vais ficar no banco dessa vez”. Foi contra a Bulgária. F.H. – Como que foi isto: Pelé no banco?

R.M. – Não, vai vendo. Aí teve outro jogo no Maracanã, Brasil e Chile, que

nós ganhamos de dois a um. Foi quando eu fui expulso, eu e Jairzinho. O cara me deu uma pisada na barriga... Tem um lance em uma revista aí. O cara está me pisando, eu levantei e dei umas porradas. Aí o cara me expulsou, eu e Jairzinho, porque o Jairzinho veio para me livrar. Mesmo assim não me prejudicou não. O Brasil ganhou de dois a um. Aí veio Bulgária no Morumbi. Ele tira o Pelé e coloca o Tostão. Porque o Tostão estava com um probleminha, não sei se vocês lembram. Então ele me põe.. Eu era o cara imediato, ou joga o Tostão e o Pelé, ou joga eu e o Pelé, ou joga eu e o Tostão. Então está bom. Mas aí empatou o jogo, zero a zero. Aí o Pelé: “Está vendo? Sem mim vocês não fazem gol. Porque ficam me querendo tirar...”. Pelé sabia que ele ia ficar. O Zagallo estava testando. Mas eu de sacanagem falei: “Está vendo? Coloquei você no banco”. Mas tudo brincadeira. Aí vem o corte. Já estava perto da gente ir para Guanajuato, porque nós íamos para Guanajuato que é mais alto. Nós íamos ficam em Guadalajara e Guanajuato fica acima de Guadalajara. Um forte fechado, entendeu? Então aí nós estamos nas Paineiras, de repente eu acordo logo depois do treino (lá você dorme de manhã e à tarde)... Aí treinamos de manhã, almoçamos e subimos para os quartos. Mas eu acordei, eu não era muito de dormir, e desci para pegar um pouco de água. Estou vendo Leônidas de terno, Zé do Milho de terno (Zê do Milho é o Dirceu Lopes) e mais outro de terno. Eu falei: “Rapazes, vocês vão para onde?”. Olha como que eram as coisas, nem acordados nós éramos. “Rapaz, nós fomos cortados, nós vamos embora”. É chato para quem é cortado, para mim não. Eu digo: “Estou dentro. Eu vou viajar para a Copa do Mundo”. Mas para eles era chato, não é?

F.H. – Mas vocês sabiam que ia ter esse corte? R.M. – Sabia, mas não naquela hora, naquele dia. J.A. – Eu acho que o outro cortado foi o Rildo. R.M. – Não, o Rildo não estava nessa seleção. J.A. – De 70?

R.M. – Não, os laterais eram Marco Antônio e Everaldo, laterais esquerdo.

Não era o Rildo, lembra disso?

J.A. – Não, não. Que foram à Copa. Mas...

R.M. – Mas Rildo, será? Pode ser, mas eu não me lembro do Rildo, sinceramente. O Rildo eu acho que foi nas outras duas seleções anteriores.

F.H. – Alguém que tinha sido cortado e voltou também é o Leão, você estava nesse período?

R.M. – O Leão foi como terceiro goleiro. Inclusive, ele ficava de terno. Quem

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mudava de roupa era o Ado e o Félix, um jogava e o outro ficava no banco. Eu fiquei no banco em todas as partidas, então me lembro bem. O Zagallo virava para mim e falava: “Olha, tu amarra a chuteira e fica prontinho porque você pode entrar na ponta direito, no Pelé ou no Tostão”. Porque eu entrei uma vez na ponta direita contra o Peru.

F.H. – Mas você estava contando para a gente da preparação lá em

Guanajuato.

R.M. – Então aí nós viajamos. Aí eu comecei como titular nos amistosos de lá, porque o Tostão não estava ainda... Ele fazia tratamento, voltava, depois... Mas aí nós ficamos treinando, treinando.

F.H. – Tem uma coisa desses treinamentos... Eu acho que dá para colocar agora: a Copa de 70, para muitos, representa uma mudança na preparação física; a equipe de preparadores físicos... A Copa de 70 é diferente do que era feito antigamente. Você sentiu essa diferença: do treino físico do Botafogo para aquela seleção de 70?

R.M. – Não, eu não senti. Não senti porque quem era o meu treinador – inclusive está no jornal que morreu o irmão dele, o Aquiles Chirol. O Chirol que era o nosso treinador já tinha aparecido.

J.A. – Admildo.

R.M. – Admildo Chirol. Então quem era nosso treinador no Botafogo era o

Admildo Chirol, que era da seleção. Parreira, Coutinho, Carlesso era tudo preparador físico. Então era tudo igual ao Chirol. Então eu não senti diferença. Nós treinávamos de manhã e à tarde.

J.A. – Mas eu acho que é porque teve uma preparação longa aqui no Brasil. Eles treinaram muito aqui no Brasil.

R.M. – Nós ficávamos, às vezes, no retiro dos padres na Barra. Nós ficávamos ali concentrando. Paineiras ou retiro dos padres.

F.H. – Como é que era esse grupo?

R.M. – Espetacular. Vou te falar. Não era porque foi considerado uma das melhores seleções, eu também acho. Mas a amizade parecia... Todo mundo se dava um com o outro.

J.A. – Até você com o Fontana? R.M. – Até eu com o Fontana, impressionante. Sabe o que eles faziam? Antes

de começar o treino eles faziam aquela rodinha. Eles davam dividida para mim e para o Fontana para darmos paulada um no outro. Eles davam dividida para a gente brigar. Mas a gente sabia. A gente dizia: “Que isso, nós somos amigos”, entendeu? Ali que nós ficamos amigos.

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F.H. – O embarque para o México, você lembra? Sair do Rio... R.M. – Primeiro nós fomos falar com o presidente. Recebemos uma santinha

da esposa dele, cada um recebeu uma santa: “Vá com Deus”. Eu vou contar uma coisa para vocês. Na época tinha problemas aqui no Brasil. Já era problemático aqui no Brasil. Quando nós saímos daqui nós já fomos avisados: “Pode ter catástrofe lá no Brasil”. O Médici ligava para o brigadeiro todas as noites: “Como é que estão os meninos? Tem que trazer a Copa do Mundo senão vai ter confusão aqui”. É verdade, eu não sei se vocês estão sabendo disso. “Não, pode deixar, pode deixar.”. Toda noite nós víamos ele conversar com o presidente. Aí ele falava para nós: “Olha, o presidente ligou para vocês desejando boa sorte no jogo de amanhã”. Aí, quando ganhou a Copa do Mundo que o pessoal...

J.A. – E vocês sentiam essa pressão política ou essa pressão do presidente?

Como é que vocês reagiam a essa pressão: tem que ganhar senão a coisa vai ficar difícil?

R.M. – Nós não colocávamos isso na cabeça, entendeu? Eu principalmente. Eu

digo: “eu quero é jogar”. E outra coisa, pelo o que nós víamos, o jogo mais difícil nosso foi a Inglaterra. Ali que foi o caos. Mas sobre esse negócio de política, nós víamos, ele falava e tudo mais...

F.H. – Teve uma tensão dele com o Saldanha, não é?

R.M. – Teve, teve. Não estou falando que o Saldanha não era brincadeira? Muita gente brigava com ele. Eu principalmente não me importava com isso porque eu digo: “Está na metade da Copa do Mundo. Nós estamos indo bem. Pelos adversários que estou vendo aí...”- e pelo o que nós víamos: “Pelo amor de Deus. Brasil tem que ganhar”. Inclusive quando nós passamos pela Inglaterra, que foi o jogo mais difícil, eu senti: “Nós somos campeões mundiais. Porque contra a Itália... Eu vi a Itália jogando contra a Alemanha... Teve uma prorrogação não sei, vocês se lembram disso? A Itália estava indo de Puebla e nós estávamos indo de Guadalajara para a capital, onde ia ser a final. E nós ficamos o tempo todo em Guadalajara. E nós pegamos o mesmo avião que estava os italianos. Os italianos olhavam para gente com cara de morto já: “Ih, estão fodidos, vocês estão fodidos”, nós falávamos, “depois de amanhã”, porque era depois daquele jogo. Eles ficavam olhando para nós assim. Verdade, já estavam derrotados, eu senti isso na cara deles. Portanto foi quatro a um e era para ser de mais.

F.H. – Mas só para a gente voltar. R.M. – Pode voltar, porque às vezes eu me empolgo... F.H. – Não, mas está ótimo. Mas esse embarque, vocês vão lá vêem o

Médici... Como que era o clima dos torcedores, da imprensa, expectativa em vocês? R.M. – Confiança total. Eu vou contar um negocinho: no México, a torcida

mexicana era a nosso favor, todinha: “Brasil, Brasil”. Todo mundo era Brasil. Vocês lembram contra o Uruguai? Copa do Mundo de 50 que o Uruguai faz o primeiro gol? Tem mais ou menos [INAUDÍVEL] a jogada do Pelé. Pensa que o Pelé é burro? O

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negão era foda. Aí o Brasil empata, faz dois a um e três a um. Tem uma jogada do Pelé... Então a torcida era toda nossa no estádio. Que Uruguai que nada. O Pelé tem uma jogada... O cara dá uma porrada no Pelé. O Binha, lateral forte, está com assim com a risca da lateral. O Pelé recebe uma bola e olha para ele. A jogada do Pelé... A corrida dele... Ele atrasou a passada para deixar o cara encostar nele, quando o cara encosta nele, ele faz... O cara chega a fazer assim... Você pode ver no tape, o cara faz com o rosto assim... Pegou mesmo o queixo do cara. Ele dá mesmo. Ele faz sacanagem porque o cara tinha dado uma porrada nele. Então ele era foda. Didiviu...

F.H. – E foi falta no Pelé, você lembra? R.M. – Foi, o juiz nem deu, o juiz vai embora, porque ele está correndo. Ele

está correndo assim e ele deixa. F.H. – Mas aí você falou que estava no México jogando os amistosos, o

Tostão mais ou menos ali, como é que vem esse momento? J.A. – Você achava que ia ser o titular? R.M. – Não, eu não achava porque eu sabia que jogaria Pelé e Tostão, era só o

Tostão melhorar um pouquinho, entendeu? Eles já tinham vindo daquela... Como é...? J.A. – Eliminatórias. R.M. – Das eliminatórias. Jogaram os dois, deram certo... E o Zagallo não

muda. Dificilmente o Zagallo mudava. Ganhou já um título nas eliminatórias... Mas eu sabia. Tanto que o Zagallo falava: “Já vai para o banco com a chuteira amarrada. Todo prontinho”.

J.A. – Então você era coringa para três posições.

R.M. – Para três posições: Jairizinho, Pelé e o Tostão. Portanto eu treinava com o Pelé e treinava com o Tostão, e no dia em que o Jairzinho não estava bem eu fiz até um gol. Jairzinho estava driblando muito próximo do lateral esquerdo e lateral esquerdo toda hora tomava dele. Aí o Zagallo chegou perto de mim e falou: “Olha o Jairzinho como é que está. Driblou pertinho do cara. O cara está tomando toda hora dele. Você entra, dá uns dribles longos”. Aí eu cheguei a dar dribles longos, porque ele já estava meio fodido. Aí eu comecei a dar drible longo, o cara já estava fodido. E contra a Inglaterra eu entrei. Tostão, antes de fazer aquela jogada dele, olha e me vê aquecendo. Ele fala: “Porra, vai entrar o Roberto”. Não estava bem o Tostão, ele faz só aquela jogada: ele dá o passe para o Pelé e o Pelé dá para o Jairzinho e o Jairzinho faz o gol. Aí eu entrei, mas eu entrei com o seguinte: “Roberto, você pega a bola”, o Zagallo sabia, “e vai para cima deles”. Portanto eu quase faço um gol. Eu dou drible para dentro, bati no canto e [INAUDÍVEL]. Ela foi no cantinho e ele a colocou. Você viu a cabeçada do Pelé? Ele era foda. E quase pega um chute do Jairzinho. Ele faz isso e a bola passa aqui nele, quase bate nele. Então eu entrei para pegar a bola e fazer só... Porque eles estavam vindo muito em cima. Rapaz, teve um jogada que... Félix nesse dia também nós falamos que foi Deus que estava levantando a mão dele. O Bobby Charlton deu uma cabeçada daqui até aqui, ele sozinho. O cara faz assim: bate e sai. Aí eu falei: “Foi Deus que levantou o seu braço, não é possível”. Teve uma

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jogada que o cara deu um chute e bate na perna do Everaldo... O Félix cai. Bate aqui e sobe um cara aqui, se o cara vai isso, faz o gol. O grandão que tinha lá. Ele dá uma porrada e a bola sumiu. E se empata ainda... Mas nós ganhamos de uma a zero. Eu digo: “Agora nós somos campeões”.

F.H. – A estreia foi contra a Tchecoslováquia, não é? R.M. – Tchecoslováquia, quatro a um. Eles fizeram um a zero. Aquele cara

que se ajoelha, faz o gol. Mas você vai sentindo que... Foi quatro a um. F.H. – Não deu um medo ali? Começa a Copa, esse gol... R.M. – Não, mas empatou e aí a gente começou em cima, em cima. Não deu

medo não. F.H. – Aí vem o jogo com a Inglaterra que você já... R.M. – Já, já contei.

F.H. – E depois, para encerrar a primeira fase: Romênia.

R.M. – A Romênia foi um jogo que eu vou te contar. Foi três a dois. Foi um

jogo que você diz assim: “Não”. Três a dois não quer dizer o que foi a partida – eu acho, é a minha opinião. Porque não foi isso. Podia ter sido quatro a um, Brasil, cinco. Mas foi três a dois porque eu acho que é coisa de futebol mesmo que existe às vezes. Mas o Brasil não perdia para a Romênia.

F.H. – Nesse período que você está no banco, Roberto, como você observa os outros times, os outros jogadores da Copa? Tinha alguém que chamava a sua atenção, os estilos que eram parecidos com os seus...? Dos outros times...

R.M. – Dos outros países? F.H. – É. R.M. – Eu prestava atenção (porque eu estou preparado para entrar) na zaga

deles, nos zagueiros. Porque eu digo: “Eu quero ver onde eu caio melhor”. O Zagallo: “Você cai para a direita ou cai para...”. Eu digo: “Zagallo, deixa eu cair para onde eu me sentir melhor”. Uma vez, no Botafogo, ele diz: “Cai pela direita”. Eu cheguei, estava difícil, eu fui para a esquerda, comecei a cair para a esquerda. Aí fiz dois gols e falei: “Está bom?”. Ele diz: “Ótimo”. [riso] E ele mandou eu cair para a direita.

J.A. – Você chamava o Zagallo de Zagallo? Chamava os treinadores pelo

nome, não tinha esse negócio de professor, não?

R.M. – Não, eu joguei com o Zagallo, ainda peguei o Zagallo. Chamava de Zagallinho. Nós éramos amigos mesmo.

F.H. – Aí Brasil passa na primeira fase, três vitórias. Uma coisa para perguntar: falam que nessa Copa o Pelé estava com uma mística interna, que ele

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queria vencer muito essa Copa para provar... Em 62 ele machucou, 66 ele machucou, muitos falavam que ele não conseguiria mais ganhar uma Copa do Mundo. Vocês sentiam essa coisa do Pelé no grupo, no elenco, ele falava com você?

R.M. – Para falar do Pelé... Em campo ele era... Não é à toa, não sei se vocês sabem, que eles queriam sequestrar o negão. Ele vivia protegido, ficava só no quarto. Eu sentia... Nós tínhamos uma mania, nós íamos para o vestiário... Porque cada um tinha uma sacola azul que ali estava: camisa, calção, sunga, chuteira. O jogador tinha que ter responsabilidade do seu material, senão levava. Ele chegava no vestiário e fazia daquilo um travesseiro. Fechava os olhos, não abria, ficava uns vinte minutos como se fosse dormir. Eu acho que ele ficava pensando na jogada que ele queria fazer, entendeu? Todos os jogos ele fazia isso. “Acorda a fera não, deixa que ele...”. Aí ele ia para campo com tudo. Ele queria ganhar a Copa do Mundo.

J.A. – Mas ele conversava, falava isso com vocês? R.M. – Você sentia nele. Para ele fazer isso, ele ficava... A primeira coisa: ele

não queria ver ninguém: “Não, deixa eu descansar um pouquinho. Deixa eu mentalizar”. Em todos os jogos. E você sabe que vestiário é um barulho, um brinca com outro, e o negão está lá mentalizando. Aí entrava em campo e era aquele... Safado, jogava para caramba. Ele era liso. Você vê cada jogada que ele fez. Contra o Uruguai, uma que o goleiro bate e ele pega de primeira. [INAUDÍVEL] Uma que ele passa também assim e larga a bola. Pô, ele era fogo.

F.H. – Falam que nesse período de jogos tinha muita reunião entre vocês, só

vocês jogadores. Como que era essa reunião? R.M. – Não, porque nós queríamos ganhar. Então a gente dizia: “Não vamos

relaxar. Vamos para dentro dos caras. Não interessa quem vem jogar contra nós, temos que chegar lá e dá o máximo de cada um”.

F.H. – E de jogador? Tinha os líderes, aquele pessoal ali do Carlos Alberto...? R.M. – O Pelé mesmo quase não falava, quem falava era Carlos Alberto,

Gérson. O Pelé era como um jogador comum, só ficava na dele. Agora, quando ele entrava em campo era ele, não é? As possibilidades quem fazia tudo era ele. Mas dizem, eu nunca joguei no Santos, que o Zito que dava bronca dele: “Vai lá Negão, tu tens que fazer isso”. Pô, ele o cara que fazia de tudo, ainda levava bronca e ele ficava quieto. Os caras me contam do Santos. É verdade isso?

F.H. – O Zito era muito esquentado, não é? Todos contam.

R.M. – Pois é, para mim também. Eu digo: “Que porra é essa que o Zito dava

esporro em você e você não responde?”. [risos] F.H. – Então a gente chega no fim da primeira fase. Aí vem quartas de final e

você entra para jogar de novo, não é? É o jogo contra o Peru. Tinha essa questão que o treinador do Peru era o Didi...

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R.M. – Então eu vou contar uma fase. Nós estamos entrando... E ainda vou te falar, o time do Peru era muito bom, tinha o Baylón, Cubillas, Mifflin. Um timaço o time deles. Mas eles... É assim, você entra no corredor, o vestiário do Peru fica para cá e o nosso aqui. Só que aqui tem uma imagem de um santo. Quando nós chegamos, eles estavam tudo rezando aqui. Nós chegamos falando alto. Eles se assustaram com a gente. Aí pararam de rezar e ficaram tudo olhando para nós. Aí nós fomos para o nosso vestiário e eles continuaram aqui. Então ali eles já sentiram: “Não vai dar para ganhar dos caras”. Agora, para você ver, portanto Brasil fez dois a zero, eles fizeram dois a um, três a um, eles fizeram três a dois, quatro. E quando eles tomavam o gol, eles queriam ir para cima. A gente fazia um gol e recuava. Então eles não eram fáceis não.

F.H. – E a sua entrada no jogo? R.M. – A minha entrada foi isso que eu te contei; o Zagallo me chama e diz

assim: “Roberto, o Jairzinho está driblando muito em cima do lateral. Então você não dribla em cima dele”, que era um garoto rápido também, o lateral deles, “então você dribla longo”. Aí eu comecei a driblar longo. Aí ele já não tinha mais perna para me acompanhar.

J.A. – Você chegou a encontrar o Didi nesse jogo? R.M. – Encontramos. O Didi sabia: “nós viemos bem, vamos perder só para

vocês”. O Didi sabia. J.A. – Antes do jogo? R.M. – Antes do jogo. “Se não fosse vocês, nós podíamos chegar até a final”,

ele falou, “o meu time é bom, mas pegou o Brasil...”. J.A. – E depois do jogo, você chegou a encontrar com ele? R.M. – Encontramos, a gente conversou, ele deu os parabéns. Foi legal, o Didi

sempre foi um cara... J.A. – Difícil para você, não é? Porque vocês jogaram juntos ali e aí chega na

Copa do Mundo e tem que ganhar, porque senão não vai para frente. R.M. – Eu jogava cartas com ele na concentração. O Didi sempre foi um cara

malandrão. Ele jogava aqui, ficava te olhando. Ele observa tudo. Ele me dava muito conselhos porque é mais velho, não é? Eu vinha do juvenil. Então ele foi sempre meu amigão. Ele, Nilton Santos, os mais velhos sempre falavam comigo: “Faz de conta que você está no juvenil”. Eles iam ver, eles acordavam cedo para ver o juvenil do Botafogo. Para você ver, no dia do jogo deles. Eram amigos.

F.H. – Aí o jogo da semi-final vai ter toda uma mística porque é Uruguai vinte

anos depois de 50. Isso era muito falado para vocês? R.M. – Inclusive, quando eles fazem o primeiro gol os torcedores começam a

gritar: “Maracanã, Maracanã”. Sabia disso? A torcida do Uruguai “Maracanã”,

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lembrando o um a zero para eles. F.H. – E você no banco? R.M. – Eu vou... Mas aí o Clodoaldo... Nós logo empatamos um a um, depois

viramos, três a um. “Que Maracanã. Vai ser aqui, meu filho. Vocês estão fora”. J.A. – Mas bateu um terror ali? R.M. – A torcida deles lembraram, os uruguaios. Um a zero eles lembrando

Maracanã. Vai ser igual ao Maracanã. J.A. – Para quem está de fora deve ser um suplício. R.M. – Você fica louco. Você fica mais nervoso... Em campo eu não ficava

nervoso, fora eu ficava nervoso. Às vezes você vê uma jogada e quer entrar. Mas fazer o que, não é?

F.H. – Vocês tinham ideia de como estavam as coisas aqui no Brasil, a

torcida...? R.M. – Tínhamos... Porque nós não saímos... Que coisa, não é? Acabava o

jogo, nós entrávamos no ônibus. Um muro alto, redondo, o hotel que nós ficávamos em Guadalajara. Eu não ouvia um ruído. Só entre nós. E aqui a maior festa. Nós imaginávamos: “Pó, lá deve estar o maior carnaval”.

J.A. – Não tinha visita íntima? R.M. – Pode não. J.A. – Quanto tempo a seco?

R.M. – Não, nós tivemos uma saída durante a Copa do Mundo. Uma saída,

assim mesmo de 5 às 10. F.H. – Em Guadalajara, não é?

R.M. – Em Guadalajara. J.A. – Dureza. R.M. – Não, mas aí que está o grupo. Você quer ir para ganhar a Copa do

Mundo, entendeu? Tinha seleções...Depois que eu parei de jogar, eu fui ver a Copa do Mundo da Itália e da Alemanha. Então a gente, às vezes, ia visitar a seleção brasileira nos treinamentos. Para você ver, quando você pergunta da nossa. A nossa era tudo... parecia irmãos, uma família. Rapaz, eu fui ver na Itália tinha um grupo aqui e outro grupo aqui que não se dava com esse, e esse aqui não se dava com esse. Vai ganhar a Copa do Mundo como? Entendeu? E outra coisa, eles saiam. Treinou: “Vou dar um até ali”. Nós não, era preso. E outra diferença, a nossa comissão técnica era tudo militar. Nós éramos iguais a milicos. Agora não, os caras saem: “Vou dar uma

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voltinha ali. Vou falar com uma fulana aí”, eles deixam. Se colocar isso aqui no Brasil, perde a Copa do Mundo. Tem tudo para ganhar, não é? Mas se começar assim: “Eu vou em casa, vou em casa falar com os meus pais”. [riso]

F.H. – E para final, Roberto, você lembra de uma preparação maior, as conversa, as preleções, o clima, pré-final depois que passou do Uruguai?

R.M. – Não, mas foi isso. Para não deixar cair no já ganhou... F.H. – É perigoso. R.M. – É perigoso. Então, eu disse: “Olha, vamos começar a Copa do Mundo

ainda. Não tem nada definido não”. No meu interior eu já sabia: “Nós temos noventa por cento de ser campeão mundial”. Pelas outras seleções que estão chegando, entendeu? “Não, nada disso. Vamos lá, vamos batalhar. Temos que acordar 5 horas da manhã para treinar, vamos. Não tem nada ganho até aqui, só depois que o juiz apitar acabou a Copa do Mundo. Aí sim, se for nós, tudo bem”.

J.A. – Como era a rotina, assim, antes dos jogos? O Zagallo falava com vocês

e depois vocês se reuniam sozinhos no vestiário, tinha alguma coisa assim? R.M. – Não, o Zagallo sempre foi um cara de falar muito pouco assim. Ele

falava, fazia o esquema e ele dava a liberdade de você perguntar a ele: “Zagallo, você não acha...”. Ele não te exigia as coisas: “Vai fazer isso”. Ele te dava o diálogo: “Você não acha melhor por aqui, por aqui?”. Sempre foi assim com ele.

J.A. – E ele fez alguma observação diferente para a final contra a Itália? R.M. – Ele viu que... Por exemplo, o Jair estava muito bem na ponta direita.

Tinha aquele Facchetti, um lateral. O Facchetti nós o achávamos meio lento, o Jair era rápido. O Jair vinha por dentro. O Jair faz um gol quase dentro do gol, você viu? De tanto ele fazer aquele facão e o Facchetti não acompanhava porque não tinha perna para acompanhar, entendeu? O time da Itália não tinha nada demais, você via que estava aberto ali. A gente sentia que não tinha... A Itália começou tudo lá atrás, eles estavam com medo, eu sentia a Itália com medo: “Vou perder, mas vou tomar de dois a um no máximo”. Tomou de quatro. Era para tomar de mais.

J.A. – E nem na final, no vestiário, o Pelé se dirigiu a vocês para falar alguma

coisa? R.M. – Não, nunca vi Pelé... Se falou eu não vi. Pelé era muito reservado. Pelé

faz um gol de cabeça, ele vem por trás dos caras. Rivelino dá uma sola, ele faz assim, vai na cabeça dele certinha. Quantos anos já? Eu lembro disso. Têm coisas que ficam marcadas.

F.H. – Nas outras Copas você ainda era muito jovem, não tinha muito essa

ligação que você mesmo falou: “Ah, vi lá mais ou menos”. E aqueles noventa minutos no aguardo para ser campeão do mundo. Como foi essa apitada?

R.M. – Quando terminou? Rapaz, ali a ficha não caiu. Você fica com aquilo:

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“Sou campeão mundial”, entendeu? O pessoal chamando: “Sobe para receber a medalha e o pessoal nem estava ligando de medalha. Estava festejando porque a torcida entrou em campo. Os mexicanos entraram em campo e você foi obrigado a correr para o vestiário, porque os caras iam te arrancar tudo.

J.A. – O Tostão ficou de sunga, não é? R.M. – Para você ver. Então, depois de muito tempo eles falaram: “Agora

vocês têm que ir lá receber a medalha”. Mas aí nós já estávamos no vestiário. Eu já ia até tomar banho, porque o brigadeiro falou assim: “Eu nunca dei nada para vocês. Eu vou falar com o Presidente da República agora e tem uma boate, está alugada (somente entra mulher, não entra homem) só para vocês. Faz o que vocês quiserem”. Ele abriu mesmo. Teve gente que veio dormir aqui no Brasil.

F.H. – O pessoal contou que o vôo foi muito uísque, não é? J.A. – Brasileiras ou mexicanas? R.M. – De tudo. O pessoal ficou contente, não é? Aí voltaram. O Presidente,

Médici, ficou muito agradecido. F.H. – E essa chegada no Brasil, como que foi? R.M. – Foi uma loucura. F.H. – Primeiro desce aonde, você lembra? R.M. – Eu acho que foi em Copacabana, não foi? No hotel Palace. Mas meu

filho, ali você tinha que ter cuidado porque você está com muito dinheiro no bolso, cheio de grana. Dali você ia se desligar, mas você tem uma festa... Passamos em Brasília e almoçamos em Brasilia. Não tinha guardanapo e o Brito começou a limpar os dedos na cortina do palácio. [risos] Tem coisa engraçada: “Não tem guardanapo, então vamos limpar...”. Aí depois nós viemos para Copacabana, paramos e ficamos lá. Aí tinha um jantar... Mas eu e Gérson víamos para Niterói esse dia, aí o Gérson disse assim: “Roberto, vamos embora senão não vão deixar a gente sair. Vamos sair por trás do hotel”. Tinha um cara com uma moto, esses policiais, aí trouxe a gente escoltando nosso carro.

J.A. – Até onde? R.M. – Até aqui em Niterói, nas barcas. J.A. – Mas vocês vieram no carro de alguém? R.M. – Aí já tinha um cara esperando a gente. F.H. – Você morava onde nessa época? Você voltou para onde? R.M. – Nessa época eu estava em Niterói. Na Copa do Mundo.

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F.H. – Mas você morava... Já estava casado tinha muito tempo? R.M. – Já, já. F.H. – Como foi essa chegada em casa? R.M. –Foi maravilhosa. Foi demais. J.A. – O Gérson foi para casa dele e você veio cá? R.M. – Foi, ele foi para casa dele e eu vim para cá. E depois nós nos

encontramos novamente porque o prefeito aqui de Niterói ia dar um coquetel para mim e ele, e desfilar com os bombeiros.

J.A. – Carro aberto. R.M. – Carro aberto. Mas aí já não dá mais porque o pessoal te rasga todo. Ali

já não é mais festança. [riso] Aí nós ficamos preocupados, falei para o Gérson: “Vamos não porque esses caros ficam jogando coisa em cima da gente... É festa, mas não é assim”.

F.H. – E aí, como é essa volta para o Botafogo de tricampeão mundial? Volta

Roberto para o Botafogo, tricampeão do mundo. R.M. – Mas aí que tem prêmio para tudo que é lado. Para a gente começar a

treinar no Botafogo primeiro tem que ir ao Banco do Brasil: “Tem um dinheiro lá para você pelo campeonato. Tem a Petrobrás. Tem outro chequinho lá para você”.

F.H. – Tem o fusca. R.M. – Tem o fusca. O fusca foi a São Paulo, Maluf, um fusca verdinho da

Volkswagen, 70. Tudo da mesma cor. Deu um para cada um. F.H. – Mas e a volta a jogar? Você vai sentir diferença, essa readaptação...

Você ficou muito tempo na seleção. R.M. – Aí volta ao que era. Voltou ao normal, a essa coisa de clube. Aí já

começa aos pouquinhos. Já fica mais difícil para você porque os jogos, os adversários já começam a te marcam muito em cima: “Os caras são seleção”. Fica tudo em cima. Entendeu? Então você quer fazer uma jogada já vêm dois, três em cima de você. Você volta do campeonato: “Olha, marca ele”. Qualquer treinador do outro time: “Vai nele, vai nele. Não deixa ele”. É quando vem as pauladas. [INAUDÍVEL].

J.A. – Mas a sua vontade... Quando você chega de uma Copa do Mundo

campeão mundial é o máximo que se pode atingir. Aí você volta para jogar em Madureira, Olaria, Bonsucesso, São Cristovão, ainda tem vontade, ainda tem gana de jogar?

R.M. – Não tanto mais, não tanto mais, entendeu? A não ser quando vai se

aproximando da outra Copa. Aí você dando tudo de você de novo. [risos] Mas aí você

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falou uma coisa certa, já não é mais aquela... Tu falas: “eu já sou campeão mundial”. J.A. – Sem desmerecer.... Na verdade os clubes são legais... Eu me lembro que

eu ia aos estádios aí, são campinhos de pelada. R.M. – Você tem razão, acontece isso. Você não vai entrar em qualquer

jogada, entendeu? Você não entra. Aí você já começa a se cuidar mais... Aí você já pensa dessa maneira.

F.H. – Aí você vai continuar no Botafogo? R.M. – Continuo no Botafogo. Aí depois tinha o André Richer que era o

presidente do Flamengo, o Xisto Toniato do Botafogo, vice-presidente. As rendas deram uma caída. Então eles falam: “Roberto, tem uma jogada aí”. Eu digo: “Qual é a jogada?”. “É assim, você vai para o Flamengo por um campeonato e vem o Brito e o Paulo Henrique para o Botafogo”. “Tudo bem”. Aí eu fui para o Flamengo e disputei um campeonato. A renda volta a subir e eu volto para o Botafogo. Aí fiquei no Botafogo. Aí de repente veio o... O espanhol do Corinthians... Matheus,Vicente Matheus: “Roberto, o Vicente Matheus vem jantar com a gente hoje e ele quer falar com você”. Era para me comprar. “Tudo bem”. Aí ele começa a falar: “Ado, Zé Maria, Baldochi, Rivelino pediram para pegar você”. Eu digo: “Não é você que me quer não? São eles?”, eu ainda brinquei com ele. [riso] “Não, somos nós”. “Está bom, vamos aí”. Vai dar grana na mão. “Ta, tudo bem”. Aí eu fui para o Corinthians. Estreei contra o Flamengo e fiz logo o primeiro gol, ganhamos de três a zero em um amistoso. Para me apresentar no Pacaembu eu fiz um gol. Aí fiquei no Corinthians.

F.H. – Mas Roberto, como é? Você vai para o Flamengo depois da Copa em

71 ou 72... Você já tinha mais de dez anos de Botafogo. R.M. – Tinha, eu fui criado dentro do Botafogo. F.H. – Então, e a torcida, tranquilo? R.M. – Não, não gostaram muito não. Mas aí já era pensando que... Disse:

“Nós fizemos isso para as rendas subirem”. E de fato subiram mesmo. Inclusive hoje, você vê que tem torcedor que é meio ingrato. Isso é uma profissão, se você trabalha em outro esquema... Vamos dizer, marca de carro... se você trabalha na Ford e vai para a Hyundai – você está ganhando mais. Esse é seu trabalho, você não vai? A torcida não quer saber disso. Então quando, hoje, tem festa no Botafogo, feijão no fogo, por exemplo uma feijoada, eles dizem assim: “Quem está aqui é o Roberto Miranda”, Aí o cara: “Eu não bato palma para ele”. “Por quê?”. “Ele foi para o Flamengo e Corinthians”. Esse é meu emprego pô, o cara me deu mais lá... Não é verdade? Eles não entendem isso não.

J.A. – A tua ligação maior é com o Botafogo. R.M. – Botafogo, até hoje. Olha, eu fui à São Paulo com o vice-presidente do

Botafogo essa semana. O Botafogo que pediu: “Roberto, vai representando o Botafogo com o vice-presidente”. E agora só eu que vou representar o Botafogo na maioria das coisas aí.

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F.H. – Você lembra seu último jogo pelo Botafogo? R.M. – Lembro, espera aí... F.H. – Mas não teve despedida? R.M. – Nada, que nada, não tinha nada disso. J.A. – Dois últimos jogos: a saída para o Flamengo e depois a saída para o

Corinthians, não é? R.M. – É verdade, mas na época não tinha isso. J.A. – Você acha que o Botafogo te tratou bem? R.M. – Muito bem. Me tratava sempre muito bem. Doutor Hilton então, eu

não podia ter qualquer coisa que ele largava tudo para ir me ver. Doutor Hilton era meu amigo além de... Ele sabia que eu tinha problema de contusões, sabia que eu tinha o joelho arrebentado. Em 66, lembra? Quando eu fui convocado, lembra? Ele que me recuperou. Ele falou: “O dia que você parar de fazer exercício, acaba o futebol. Você tem que movimentar esse joelho dia a dia”.

F.H. – E, só falar essa coisa do Botafogo e Flamengo novamente. Alguma

diferença jogar nos dois? Jogou no Botafogo e depois no Flamengo... R.M. – Tem muita diferença. O problema é o seguinte... Em relação a torcida,

a do Flamengo é superior. Isso não tinha... Eu joguei tanto aqui no Rio como fora... Teve uma vez que nós jogamos um amistoso contra o Corinthians em Mato Grosso. Teve uma festa lá. Cheio de flamenguista, maior torcida, maior do que a do Corinthians. Eu jogando pelo Corinthians e nós ganhamos do Flamengo. Outra coisa, o ambiente em si... O Botafogo, eu não sei porque, já estava acostumado com vários campeões mundiais, os caras eram todos educados. Chegavam na hora do almoço, sentadinhos, na hora do jantar, sentadinhos direitinhos, educados. No Flamengo não, para você almoçar no Flamengo, os caras quase sentavam na mesa. Porra, era uma falta de educação. Eu estranhei muito. Os caras estavam acostumado a isso, entendeu? Horrível... Na minha época. Depois do Zico eu acho que não, o Zico, o Júnior devem ter... Melhorou claro. Eu conheço bem eles, converso com eles, são iguais a mim. Mas no início, quando eu fui para o Flamengo era assim. Viam televisão alta, não se importavam se você queria dormir, entendeu? Era uma casa, não era hotel não.

J.A. – São Conrado. R.M. – São Conrado. Então o que eu fazia? Inclusive eu jantava um pouco

separado deles e depois ia para o quarto do [Estrique]1 ver televisão. O [Estrique] não gostava que entrasse no quarto dele. Zezinho Miguel que era auxiliar. Depois ele levou até Zezinho Miguel para o Corinthians. O [Estrique] foi para o Corinthians e me levou também. Ele foi do Flamengo e me levou também, com o Vicente Matheus.

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Mas eu ficava no quarto dele vendo televisão. Eu gostava de ver filmes a noitinha. Aí um dia ele me pegava no quarto dele: “Porra, no meu quarto?”. “Ah, eu vou ficar lá embaixo naquela confusão?”, falei mesmo para ele.

F.H. – Mas então devia existir uma coisa assim: o moço do Botafogo ali que

não estava na TV com mundo... R.M. – Mas não meu filho, como que você vai... No Botafogo nós assistíamos

televisão, mas tudo em silêncio. Nós íamos ver um filme, mas tudo em silêncio. No Flamengo o povo não deixava você ver o filme. Eles gritavam, falavam... Aí você não prestava atenção. Aí eu preferia sair: “Ah, não vou ver com vocês não. Parecem índios”. [riso] Então era uma diferença muito grande. Não quer dizer que eu não gostava... Eu tinha amizade com todos eles, mas na hora de almoçar ou jantar era uma bagunça, eles não respeitavam.

J.A. – Mas você não criou um laço mais profundo com o Flamengo? R.M. – Não, não, ali foi mesmo profissional. Ali fui como profissional. F.H. – Aí vai ter essa mudança primeiro: Botafogo-Flamengo e depois volta

para o Botafogo. Mas aí vai ter uma outra mudança também que é futebol carioca-futebol paulista. Sua chegada no Corinthians, qual foram os pontos que você viu de diferentes, o que mudou?

R.M. – A diferença foi o seguinte, é que eu fui bem tratado no Corinthians,

muito bem tratado. Inclusive, eu andava na rua e pô, as pessoal me adorava. A torcida do Corinthians se identificou logo comigo, pelo meu tipo de jogo: eu era um cara que ia, batalhava pelo jogo. Inclusive no campeonato nós estreamos contra... Eu joguei contra a Ponte Preta... Eu fazia muitos gols no Corinthians também. Contra o América de Rio Preto, também que tinha dois negões. Eu fui lá, encarei eles e ganhei o jogo. Então, na rua, eu era um cara que me dava muito. Apesar de que eles eram muito exigentes com muitos jogadores no Corinthians. E quando eu peguei o Corinthians, o Corinthians era o Ado, Zé Maria, Baldochi, Luís Carlos, Wladimir, Adãozinho, Rivellino, Vaguinho, eu e Marco Antonio. Porra, era um time de quase seleção. Só que o Corinthians não dava sorte. Nós ganhávamos de time grande, perdíamos para time pequeno, empatávamos com time pequeno. Aí que tá, não pode. A gente era time grande.

F.H. – Você pegou aquela fase do grande jejum do Corinthians. Você está um

pouco antes do jejum quebrar. R.M. – Antes um pouquinho, mais um pouquinho é campeão. F.H. – Você pegou um clima ali não muito tranquilo, não é? R.M. – É, mas eu tinha... A torcida gostava de mim. Eu fui muito bem

recebido lá e tenho amigos lá até hoje. J.A. – E tem grandes diferenças? Ou quais as grandes diferenças que você

identifica do futebol do Rio para o futebol de São Paulo?

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R.M. – Olha, eu não sei porque o Corinthians não era campeão há vários anos.

Quando eu cheguei, apesar de ter jogadores de nível de seleção, às vezes eles ficavam afobados, eles tinham aquela obrigação de ganhar. Eu sentia isso neles: “Nós somos obrigados a ganhar”. “Não é obrigado gente, eu não convivi com vocês esse tempo. Eu vim de time que quase todo ano ganhava o título. Então eu sou acostumado, não vou entrar nessa de vocês”. Então senti isso dentro de campo: era obrigado a ganhar. Às vezes errava a jogada porque era aquela afobação: “não, não, vamos”. Não pode, tem que ir com calma. Tá entendendo?

F.H. – E a vida em São Paulo mesmo? Você sai com sua família de Niterói e

vai para lá viver em São Paulo? R.M. – Não, a única coisa é que fazia sol de manhã, chovia daqui a pouco,

fazia outro sol. Eu saia com guarda-chuva, né? Aí de repente um sol e eu de guarda-chuva? Era só isso. Mas depois eu me acostumei, apesar de que eu morava um pouco distante, não é?

F.H. – Você morava onde lá? R.M. – Morava ali... Você sobe a Brigadeiro, atravessa a Paulista, cai e essa

aqui. Perto do Jardim Europa, por ali. Então você atravessa aquilo tudo. No início eu não sabia ir, ia um cara comigo, o Wladimir ia comigo. “Vem aqui”, aí nós vamos. O Wladimir tinha esse cuidado: “Senão você não almoça lá em casa”, eu falava. Ele almoçava lá em casa, o Wladmir. Adãozinho também. Lembra do meia? Habilidoso ele.

F.H. – Em São Paulo você vira Roberto Miranda, não é? R.M. – Por causa do Roberto Rivellino, entendeu? O nome é Roberto, então

colocou Roberto Rivelino e Roberto Miranda, para não ser só Roberto. J.A. – Mas quando eu te perguntei sobre diferenças do futebol do Rio para São

Paulo, é que sempre existe esse comentário que o futebol do Rio é mais lento, mais cadenciado. No sul do país ele é mais corrido, é mais disputado. Em São Paulo você sentiu alguma diferença de estilo de jogo propriamente?

F.H. – Dentro do campo, não é? R.M. – Dentro de campo? Não, tinha...Ali vai muito... Porque tinha jogos que

era bem mais corrido e tinha jogos que era tranquilo. Aí vai de muito de partida para partida. No Rio, por exemplo, joguei a minha vida toda quase no Rio. Então falava: “se você quer ser convocado, vai jogar em um clube do Rio”. Se falava que os melhores jogadores estão no Rio de Janeiro, é a vitrine. Mas que nada, tinha bons jogadores. É a forma de se conduzir. Em Minas tem grandes jogadores, saiu grandes jogadores de Minas... São Paulo. É isso, eu nunca fui...portanto, eu cheguei a disputar negócio de seleção carioca, mineira, paulista. Nós, inclusive, fizemos um jogo para a rainha Elizabeth aqui no Maracanã. Ela veio ver e não teve nenhum gol para ela, empatamos em zero a zero. [riso] A seleção paulista veio com tudo: Rivellino, Pelé. Aquela camisa linda da seleção paulista, aquela riscadinha preto e branca com a bola

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vermelha. E a nossa era azul com um triangulo e calção branco. Lotou o Maracanã e a rainha não viu um gol sequer.

F.H. – Roberto, e a seleção? Quando você viu que não ia dar mais? Nesse

período de Corinthians você ainda tinha expectativa de 74? R.M. – Não, quando eu vi eu estava jogando e estava tudo bem. Meu nome

estava nos jornais. Já tinham ligado e falado: “Roberto vai ser convocado de novo”. Seria eu, Rivellino e Zé Maria. Os três do Corinthians. Mas aí eu tenho esse problema no joelho. Aí eu parei de vez, não jogo mais. Doutor Osmar, inclusive, manda me operar e diz: “Você vai subir o pico de Jaraguá. Vão testar você ali”. Mas não consegui nem... Quanto estou subindo eu digo: “Não dá”. Uma dor violenta: “Pode parar”. Ele que me parou: “Você vai parar de jogar, não tem condição”.

F.H. – Doutor Osmar...? R.M. – Osmar de Oliveira. Pergunta a ele. Já não tinha mais condição. Era dor

em cima de dor. J.A. – Você se machucou, nesse joelho, em um jogo, em uma jogada, ou já

vinha uma...? R.M. – Eu já vinha machucado. Em 66 eu já tinha tido problema no joelho, até

não fui convocado. Em 66 a primeira vez e agora em 74, que eu estava para ser novamente e aí estourei. Era para eu disputar três Copas.

J.A. – Mas quando você diz assim: “Estourei”, foi em um jogo que você cai e

sai...? R.M. – Não, foi uma pancada que eu tomei em dois jogos. O corpo cai por

cima do joelho e ele dá um estalo. E depois eu fui pular, gol cavalete, e o campo estava escorregando, tinha chovido, aí minha perna faz assim. Aí estourou tudo. Mas eu estava com ele arrebentado. Ali para ver se estava bom mesmo. Eu fiquei em cima de uma perna só, pra ver se tava...Aí que não tinha mais perna, não tinha mais nada. Eu notei, eu digo: “Acabou futebol”. Eu senti: “Não dá mais para jogar”.

F.H. – Aí você encerra no Corinthians? R.M. – Encerrei no Corinthians. J.A. – E como foi para você, Roberto, chegar a essa decisão? Quer dizer, a

decisão, na verdade, chegou para você, não foi você quem tomou a decisão. Mas a sensação de que “não vou à Copa e vou parar de jogar futebol”, que provavelmente era coisa que você mais gostava de fazer, não é?

R.M. – É. Você sabe que eu gostava tanto de jogar futebol que às vezes eu

sonho que estou em campo. Eu acordo... Estou sonhando que vou fazer essa jogada, quando eu... “Não estou jogando mais”, eu acordo. Para você ver como funciona a coisa, como eu gostava tanto de jogar. Eu machucado, eu pensava: “pô, vou cuidar isso assim, vou fazer isso”. Depois: “Eu não poder mais jogar”. Estava tudo

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enfaixado, tudo engessado. Doutor Osmar falava mesmo: “Não adianta, você não vai poder mais jogar”.

J.A. – Você sabia que não ia mais ter chance de voltar, o médico te falava ou

você sabia? R.M. – Fizeram uma junta médica. Eu já sabia. Pelo o que eu sentia, eu já

sabia: não dá mais. A minha perna sai... Essa parte de baixo sai lá de cima, eu tiro com a mão. E sinto dor até hoje. Eu estou na academia para amortecer a dor. Eu tenho que fazer exercício todos os dias, levantar um pouco de peso. O músculo que faz você diminuir a dor. Mas nem isso estava adiantando mais. Eu tenho que fazer outra cirurgia. A minha perna abriu, aí que dói. Sabe quem me aposentou? Doutor Osmar de Oliveira. Eu sou um jogador aposentado pelo INSS. Primeira coisa que ele disse: “Não, você vai se aposentar”.

F.H. – Pelo INSS? Aposentado, não é? R.M. – É, porque eu pagava muito. O que pagava de... F.H. – Acho que por invalidez ou alguma coisa assim. R.M. – Invalidez. Porque eu jogava mais, mas aí não deu mais. J.A. – Isso não é muito comum, não é Roberto? Os jogadores não fazem essa

previdência, nem a pública e nem a privada, não é? E você fez. R.M. – Eu fiz, fazia. Eu pagava direitinho. Aliás, o clube pagava para mim,

descontava e pagava. J.A. – Mas como é que foi para você assim: “Domingo eu não vou jogar,

quarta eu não vou jogar, domingo eu não vou jogar, eu não vou jogar mais”? R.M. – No início eu até relevei um pouquinho. De tanto pancada que eu levo

eu digo: “Vou descansar um pouquinho também”. Mas depois, aí você volta tudo: “ah, eu gostaria de jogar mais um pouco”. Às vezes dá saudade sim. Se algum jogador falar que não, é mentira. Às vezes você tem vontade de entrar em campo.

F.H. – Então você tinha se preparado para esse momento. Você pagava uma

aposentadoria... Financeiramente você tinha se ajeitado...? R.M. – É, porque depois eu vou tirar da onde? Não é? Se eu não tenho

aposentadoria... Eu não tenho outro tipo de emprego. O meu emprego era o futebol. Então você tem que se preparar para quando parar de jogar.

J.A. – Foi o seu irmão que administrou? R.M. – Foi o meu irmão que administrava. Ele era meu procurador para tudo.

Os contratos todos era ele que fazia. J.A. – E o futebol te deu meios para você viver...?

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R.M. – Para viver um pouco. Não é aquela coisa, mas da para levar até o final,

mais essa aposentadoria que não é grande coisa, uma baba de aposentadoria...de dois mil reais, dois mil e pouco. Mas dá para você, entendeu?

F.H. – Você foi trabalhar com outras coisas? R.M. – Não, a minha profissão foi jogador. A única coisa que eu faço por

causa da Copa Mundo e das Olimpíadas é que o governo pede para gente fazer eventos. Eu vou fazer eventos. Quer um tricampeão aqui. Eu vou lá, mas eu cobro. Entendeu? Vai começar as Olimpíadas: “Ah, ele é olímpico, vamos trazer ele”. Eu viajo, eu viajo. Eu vou a esses lugares: “Roberto, tem que vim aqui que tem um dinheirinho para você”. “Marca aí”.

F.H. – Quando os jogadores param, muitos vão trabalhar como treinadores, ou

vão trabalhar em categoria de base ou vão para um clube que tem identificação – como você poderia ter tentado ir para o Botafogo. Passou isso pela sua cabeça? Não? Por quê?

R.M. – Pelo meu temperamento, não dava, como eu vou ser treinador? Tem

jogador aí que é folgadinho. Eu não tenho temperamento, não dava. Tem cara que sabe ser treinador, eu não.

F.H. – Nem passou pela sua cabeça? R.M. – Não é que eu não sei lidar... É pelo meu temperamento. Dentro das

quatro linhas tudo bem, mas a cabeça...não aceitar muita coisa de jogadores. Tem um jogador do Botafogo atual (ontem ele saiu novamente) que pelo amor Deus, eu não sei como o cara é jogador. Outro dia ele foi substituído, ele falou, chamou o treinador de tudo, a torcida deu... Aí, um dos jogadores foi lá e acalmou ele, porque o tiraram de campo: “Não é assim, você é um profissional”. A torcida o marcou e vaiou ele demais. Ontem a mesma coisa e não jogando nada. Foi mandado embora. Quer dizer, olha o temperamento do cara. Ele não joga nada e quer... Qual o treinador que aguenta um cara desses? O Botafogo já sabe que não dá mais. Você aceitaria um jogador assim? Pelo amor de Deus.

F.H. – Quem é esse jogador? R.M. – É um garoto... Está aí no jornal, um lateral esquerdo. F.H. – O Botafogo teve o Jobson há um tempo atrás que era mais ou menos

isso também. R.M. – Não, voltou, não é? Ele está de novo. Mas na primeira furada vai ser

mandado embora. Não dá mais. O Bahia o mandou embora. O cara é louco, maluco.

[FINAL DO ARQUIVO II]

F.H. – Roberto, vocês são campeões em 70, você para em 76, 74 por aí... Vai demorar um bom tempo para o Brasil vim a ser campeão de novo, não é? O Brasil só

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vai ganhar uma outra Copa em 94. Como você acompanhou a seleção nesse outro tempo? Você vê diferença, você acha que o futebol brasileiro passou por um momento difícil...?

R.M. – Dessas que não foram campeões? F.H. – É.

R.M. – Eu não sei se vocês guardaram o que eu falei que eu fui uma vez na

Itália... Naquela época que existia os grupinhos, tinha um grupinho aqui, outro grupinho que não se dava com esse e esse não se dava com esse. Então isso de não ser amigos dentro da seleção, isso que faz a... Entendeu? Porque você diz assim: “Eu quero que fulano jogue”. O outro diz: “Não , eu quero que meu amigo jogue”. Então há uma diferença, como vai ganhar uma Copa do Mundo assim? Não tem condição.

J.A. – Essa união que a gente lê no jornal: “O grupo está fechado”. Essa união

é tão fundamental assim? R.M. – Não, tem que ser. Primeiramente é isso. No meu ponto de vista, a

primeira coisa que tem que ter é... Os jogadores têm que ser unidos. J.A. – Não adianta ter os melhores? R.M. – Não adianta. Se não tiver união, meu filho. Cada um vai... Eu vou

pegar a bola e vou fazer isso; o outro vai pegar e vai fazer aquilo. Não vai ter a união e, como é que se diz? A coletividade de jogar um para... Eu jogo para você e você joga para mim. Se não tiver união você não joga para mim, eu não jogo para ele... Não vai dar certo, vai? Agora, se tiver união: “tudo certo, vamos jogar um para o outro”. Tem ser jogador bom também, não pode ser ruim, não é? Aí dá certo.

F.H. – E sua relação com o futebol hoje, qual é? R.M. – A mínima possível. Eu vejo...Dificilmente eu vou ao estádio. E vê na

televisão eu vejo pouco porque eu durmo muito cedo, oito e meia, quinze para às nove eu estou dormindo e os jogos começas às dez. Aí eu já não...

J.A. – Mas você se desinteressou do futebol? R.M. – Não, porque eu acordo quatro e meia, cinco horas da manhã. Vou para

a minha academia cedo e aí me dá sono cedo. F.H. – Então, um pouco é que você se desinteressou, não é? R.M. – Eu me desinteressei um pouco, é. J.A. – Você acha que o futebol hoje está mais feio, mais pobre? R.M. – Essa seleção que houve agora, pelo amor de Deus... Já joguei contra a

seleção Argentina várias vezes. Fui ver a seleção argentina, pelo amor de Deus, aquilo não é seleção. Não é para tirar o mérito do Brasil que ganhou de dois a zero. Não é o

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que quero dizer. Mas, pelo amor de Deus, tinha um lateral esquerdo, o que é isso.... Um pequeninho, o número três lá. O menino do Inter deu, uma vez, uma bicicleta nele. Aquilo não existe. Aquele jogador da argentina não existe. Eu nem conheço eles. Antigamente você viu a seleção argentina, você sabia quem eram os caras.

F.H. – Até mesmo a brasileira, não é? R.M. – A brasileira... Tem jogador brasileiro que eu não conheço,

sinceramente. Com todo respeito, não quero... Mas eu não conheço. Não conheço mesmo. “Olha, tem fulano ali”. “Quem é esse cara? Que time que ele joga”. Aí ganha, campeão, acham que está... Eu acho que não é por aí.

F.H. – E o Botafogo, você torce ainda? R.M. – Eu gosto do Botafogo. O Botafogo tem muita condição de ser

campeão. F.H. – Mas você. Você se diz botafoguense? R.M. – Eu falo que sou Botafogo porque foi o time que eu joguei mais tempo

e eu tenho muitos amigos no Botafogo, entendeu? Propriamente não... Dirigentes, não é? Eu tenho muitas amizades lá dentro. Então eu vou torcer para quem? Vou torcer para eles que são boas gentes. Além disso, eu acho que o Botafogo tem um plantel bom. Você vê que nós temos... Eu acho, um dos melhores goleiros é o Jefferson. Esse garoto, o Côrtes, está aparecendo agora, mas ele é bom jogador. Ele é muito bom jogador. Tem o Renato que é um jogador mais experiente, jogou no Sevilha – experiência internacional, não é? Segura ali mais ou menos o piano. Tem o Maicosuel. Tem bons jogadores.

J.A. – Roberto, uma pergunta diferente aí: quem foi o melhor treinador com

quem você trabalhou? R.M. – Olha, eu trabalhei com muitos bons treinadores. O Feola, apesar de

falar pouco, é um cara legal. O Osvaldo Brandão, Aymoré Moreira eram todos gente... Entendeu? Agora, pela minha... De estar envolvido mais tempo e peguei ele como jogador foi.... Para mim, vou colocar o Zagallo, entendeu? Porque nós nos dávamos muito bem em tudo. Então foi o treinador que eu trabalhei mais tempo e nós nunca tivemos uma desavença, sempre correto em tudo. Mas eu tive bons treinadores. O próprio [Estrique]2... O [Estrique] era brigão, mas ele tinha um coração do tamanho de um boi, porque o negócio dele era comer. Ele parava o treinamento para dar melancia, banana: “Come tudo aí”. Ele levava uma Kombi, não sei se vocês lembram disso, São Paulo, Corinthians... cheia de laranjas. Nós gostávamos de treinar. Mas ele tinha um coração bom. Muita gente não gostava dele porque ele era muito exigente.

J.A. – Mas quem entendia de futebol? R.M. – O Zagallo entedia de futebol. Osvaldo Brandão entendia... Aymoré

Moreira... Os três aí eram...

2 Mais próximo do que foi possível ouvir.

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F.H. – Nessa linha... O Asbeg perguntou do seu treinador inesquecível, o

maior... Você fez muitos gols, não é Roberto? Mas tem um que você nunca vai esquecer?

R.M. – Como é? F.H. – Você fez muitos gols. Tem um seu que é inesquecível? Você

conseguiria pontuar um? J.A. – Quantos gols você fez, Roberto, desculpa? R.M. – Eu não marquei não. Uma revista aí uma vez , a Placar, uma vez diz

que eu fiz setecentos e uns quebrados. Mas eu não marquei. O caso é o seguinte, tem jogador... O Pelé conta desde o Exército os gols dele. Poxa, se eu for contar, eu tenho muitos... Eu servi à Aeronáutica. Fui campeão militar e fui artilheiro militar, entendeu? Juvenil, todo ano artilheiro. Se contar todos... Amistosos que não contam, está lá também. Mas tem gente que... Para fazer mil gols é muito difícil, não é assim não.

J.A. – Mas aí voltando à pergunta do Fernando: qual foi o gol inesquecível

para você? R.M. – Olha, uma vez... Não foi aqui. Foi um quadrangular. Jogava a seleção

da Rússia e o Botafogo estava como clube. Botafogo, seleção da Rússia, outra seleção e um clube lá, não sei. Foi fora. O goleiro da Rússia era enorme... Ele era conhecido a beça...

J.A. – Yashin? R.M. – Não, não foi o Yashin. O Yashin na época não jogava, ele era mais

velho. É um compridão, grandão. À noite o jogo... A grande área aqui... Olha da onde eu peguei o chute. O cara cruzou, eu fiquei olhando e antes da cair eu bati com a perna esquerda. Eu não a deixei ela quicar. Ela entrou no ângulo. Mas foi uma coisa... Nem eu entendi. Eu chutei para o gol. Aquele lance que às vezes você chuta por chutar e pegou bem. Mas ela entrou no ângulo. O goleiro foi, mas não deu, foi muito forte. Para mim foi um dos maiores gols que eu já fiz. No Corinihians, um: Vaguinho vai e cruza. Corinthians e Bahia no campeonato nacional. Vaguinho vai aqui e colocou aqui. Eu vinha de trás na meia lua. Eu estava passando da bola, a bola estava vindo aqui. Eu fiz assim, entrou... Foi um dos maiores gols da minha vida. Passa até hoje o gol. Pode ver que tem. Corinthians e Bahia no Pacaembu. Porque tem gol também que eu vou te contar. Tem gol que você acerta sem querer. Eu falo, não nego. Flamengo e Botafogo: chutaram uma bola e ela bateu na baliza daqui. Eu vinha de briga com o Manicero, um argentino, que jogava no Flamengo. Eu não vinha nem olhando para a bola. Dando cotovelada em mim e de repente: gol. Os caras depois: “Que categoria que você teve”. Eu não vi a bola, ela bateu na minha perna e entrou. Eu vinha brigando com o cara, rapaz. Eu digo: “É, eu joguei para aquilo”. Mentira. Não existe isso. Tem bola que você vai cruzar e entra. É verdade.

J.A. – Jairzinho na Copa, chega... Na Copa lá no Japão, contra a Inglaterra,

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será que ele quis cruzar ou ele quis chutar para gol mesmo? [riso] R.M. – Mas têm jogadas que é... F.H. – Roberto, quando a gente estava só falando do estilo de jogo e tudo

mais, e de hoje. Você consegue enxergar alguém que jogue semelhante ao Roberto? R.M. – Olha, eu gosto dele, mas eu acho ele um pouco pesado. Eu gosto dele

como centro avante: o Fred do Fluminense. Têm jogadas que ele é... Mas eu o acho um pouco meio... Eu era mais veloz. Mas ele não é bobo não, é inteligente. Eu o acho um pouco parecido com o meu jeito. Porque eu sempre fui... Vocês perguntaram: “Roberto, qual o cara que te ensinou muita coisa?”, eu falei: “Paraguai”. De abrir os olhos para cabecear. Tem jogador hoje que fecha os olhos para cabecear. Outra coisa, antes da bola chegar em mim eu já tinha olhado tudo. Ele falava: “Olha tudo primeiro antes da bola chegar em você”. Eu já sabia onde estava meu colega, eu sabia onde que eu tinha que dominar e ir para o gol. Tem centro avante hoje que não faz isso não. Ele pega a bola e não quer olhar, aí ele tromba com zagueiro. Ele tem que ser experto. E de vez enquanto o Fred faz isso, não é a toa que ele faz gol, é artilheiro.

J.A. – Eu gosto muito de uma pergunta que você faz sempre no final sobre o

que você acha da seleção brasileira para essa Copa do Mundo de 2014? R.M. – Eu acho que além de nós estarmos no nosso país – nós vamos ter tudo

a nosso favor –, tem tudo para ser campeão. Armando direitinho... J.A. – Gostou do time? R.M. – Mas é isso que eu quero falar, não com esses treinamentos que está

existindo aí. Aí eu não acredito. Tem começar de agora. “Ah, mas fulano não pode jogar porque joga no outro país”. Não tem problema, então não joga. Tem começar a fazer de agora. Porque tudo se arruma assim, você não faz da noite para o dia. Aí não tem jeito, pode jogar aqui que não vai dar certo. Como eu te falei, você tem que saber o nome dos jogadores todos que vão disputar a Copa do Mundo desde já. Agora, quer colocar fulano e fulano que você não conhece. Daqui a pouco o meu primo está lá na seleção. Pergunto: “O que você está fazendo aí?”. “Fui convocado”. [riso] Estou certo ou errado? Vocês não acham isso?

J.A. – Certíssimo. R.M. – Então pronto. F.H. – Essa pergunta que a gente encerra sempre a Copa de 2014. Mas ela tem

duas partes, a primeira é essa sobre a Copa de 2014, o futebol, que você acabou de falar e o Brasil, país, receber uma Copa do Mundo.

R.M. – É outra coisa também. Eu acho que... Pelas obras que eu estou vendo

aí. Agora mesmo, eu vindo de São Paulo, o avião passou em cima do Maracanã... Nossa, parece o Coliseu. Muito turista vai ver o Coliseu. O Coliseu está cheio de mato, aqueles filmes romanos. Eu fui lá ver o Coliseu, não entrei. Eu digo: “Que coisa horrível, o que vou fazer lá dentro?”. O Maracanã está assim. É, verdade. Outra coisa,

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eu vi na Alemanha, uma vez... Eu estava entrando no hotel, era noite ainda, de repente aquela torcida do inglês, Hooligans... Eles, tudo rapaz forte, estavam bebendo conhaque e cerveja misturados. Um copo de conhaque enorme, não é? Não sei como eles fazem aquilo, e eles brigando, jogando o copo no chão, fazendo barulho. De repente eu vi um policial alemão que estava encostado, fardado. Ele tem um aparelho que ele meche e de repente aparece um carro camburão, cada alemão enorme, pega os dois ingleses e joga lá dentro do camburão e sai com o carro. Deram uma limpa, mas eles não dão um pio. Os policiais não falam nada, só pegam eles e jogam com tudo. Aí fica mais cinco policiais e os ingleses vão tudo embora. Porque senão... Aí esses dois, que estava fazendo a bagunça, que eles levam. Será que nós vamos ser assim? Porque eles vão vim aqui. Vai ter... Copa do Mundo eles fazem de qualquer maneira. E outra coisa, o país não está... Você vê o que tem aí, está parecendo o Iraque. Toda hora tem tiroteio, tem essas coisas. Como é que a gente pode esperar disso? Até lá vai se arrumar isso? Vai se tornar guerra, você já pensou? Isso é a primeira coisa. E os turistas? Porque eles querem ver tudo, querem ir ao campo, depois querem pegar a noitada. Será que vai poder fazer isso aqui? Não sei, é meio difícil. Vamos começar a ver, esperar.

F.H. – É, está chegando. R.M. – Está chegando... Essa é uma das coisas. F.H. – Bom, então a gente só pode agradecer imensamente pela entrevista. R.M. – Eu agradeço a vocês. Em qualquer momento que vocês quiserem, até

chegar Copa do Mundo, Olimpíadas, estarei à disposição de vocês. J.A. – Maravilha. Saúde, Roberto. R.M. – Saúde para vocês também. Tudo de bom. F.H. – Obrigado.

[FINAL DO ARQUIVO III]