trajetÓria de uma arte, filosofia e ciÊncia do … · a história do brasil e, ... (história...
TRANSCRIPT
1
TRAJETÓRIA DE UMA ARTE, FILOSOFIA E CIÊNCIA DO CUIDADO
Carlos Roberto Fernandes
Entre os anos de 2001 e 2003 realizei o curso de mestrado em Enfermagem na
Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Por
interesse histórico-pessoal e no início de 2001, realizei uma pesquisa bibliográfica sobre
a história do Brasil e, nessa revisão, as primeiras obras referenciais foram as
publicações em livro de Darcy Ribeiro (1922-1997).
O estudo das obras de Darcy Ribeiro conduziu-me a todos os demais
historiadores1, memorialistas
2, etnólogos e antropólogos do Brasil, incluindo os textos
publicados de alguns jesuítas3. O resultado desses estudos e com as minhas posições
analítico-críticas foi apresentado, em comunicação oral, no VIII Colóquio Internacional
de Sociologia Clínica e Psicossociologia, realizado pela UFMG (FERNANDES e
FREITAS, 2001).
A pesquisa bibliográfica realizada conduziu-me a obras mais específicas com o
intuito de inventariar as guerras, as batalhas, os levantes, as insurreições, as revoltas, os
conflitos e os confrontos violentos entre povos indígenas e não indígenas no Brasil4.
Somente a partir desses estudos pude entender a condição e o estado cotidiano e
permanentemente bélicos e violentos de formação ou de transfiguração das multi-
sociedades no território brasileiro dos últimos 516 anos. Por todos os fatos de cotidiana
violência e porque sou enfermeiro, tais fatos foram interpretados por mim como fatos de
não cuidado e consequentes à produção de não cuidado.
1 Uma das notáveis obras de estudo é a de Wilson Martins, intitulada História da inteligência brasileira e
publicada em 7 volumes. Igualmente notável são as obras de Serafim Leite (Cartas dos primeiros jesuítas
no Brasil, em 3 volumes; Novas cartas jesuíticas: de Nóbrega a Vieira; História da Companhia de Jesus
no Brasil). Duas obras muito marcantes para mim foram “Trabalho Índio em Terras da Vera ou Santa
Cruz do Brasil” de José Martins Catharino e “Do escambo à escravidão” de Alexander Marchant. 2 Por mais óbvio e primário, li as obras de Hans Staden (Viagens e aventuras no Brasil), André Thévet
(Singularidades da França Antártica), Ulrich Shmidel (Historia verdadeira de uma viagem curiosa feita
por U. Shmidel), Jean de Léry (Histoire d'un voyage fait en la terre du Bresil, dite Amerique), Pero de
Magalhães Gândavo (Tratado da terra e gente do Brasil e História da província Santa Cruz), Gabriel
Soares de Souza (Tratado descritivo do Brasil em 1587), Claude D'abbeville (História da missão dos
padres capuchinhos na Ilha do Maranhão e terras circunvizinhas), Yves D'Evreux (Viagem ao norte do
Brasil), Anthony Knivet (As incríveis aventuras e estranhos infortúnios de Anthony de Knivet),
Francisco Adolfo de Varnhagen (História geral do Brasil, volumes 1 e 2), frei Vicente do Salvador
(História do Brasil: 1500-1627). 3 Manuel da Nóbrega (Cartas do Brasil), José de Anchieta (Cartas, Informações, Fragmentos e Sermões),
Fernão Cardim (Tratados da terra e gente do Brasil). 4 Cinco obras marcaram este início: A Guerra dos Tamoios, de Aylton Quintiliano; Guerra dos Emboabas,
de Isaias Golgher; Rebeliões da Senzala, de Clóvis Steiger de Assis Moura; Dicionário das batalhas
brasileiras, de Hernâni Donato; Sociedade brasileira: uma história através dos movimentos sociais, de
Rubim Santos Leão de Aquino, Fernando Antônio da Costa Vieira, Carlos Gilberto Werneck Agostinho e
Hiram Roedel.
2
A noção sobre fatos de não cuidado, consequentes à produção de não cuidado,
levaram-se à formulação do geopolítico absurdo e cotidiano real conceito de violência
histórica. Esta formulação procede daqueles mesmos estudos, anteriormente referidos, e
cujo registro assombrava-me e assombra-me nas palavras de Darcy Ribeiro:
Construimo-nos queimando milhões de índios. Depois, queimamos
milhões de negros. Atualmente estamos queimando, desgastando
milhões de mestiços brasileiros, na produção não do que eles
consomem, mas do que dá lucro às classes empresariais (RIBEIRO,
1995, p. 45).
O Brasil tem sido, ao longo dos séculos, um terrível moinho de gastar
gentes, ainda que, também, um prodigioso criatório. Nele se gastaram
milhões de índios, milhões de africanos e milhões de europeus. [...]
Foi desindianizando o índio, desafricanizando o negro,
deseuropeinizando o europeu e fundindo suas heranças culturais que
nos fizemos. Somos, em consequência, um povo síntese, mestiço na
carne e na alma. [...] Hoje, nosso povo é descartável, como excedente
das necessidades da economia. [...] Em nosso país tudo se deteriora e
se degrada. [...] A Nação Brasileira [...] está em risco de deterioração,
porque é a própria estrutura do poder que está corrompida e
desmoralizada. [...] Estamos matando, martirizando, sangrando,
degradando, destruindo nosso povo! [...] [Há uma perpetuação] de
matança intencional do povo brasileiro, que é o que está em curso. [...]
Estão minando, carunchando a vida de milhões de brasileiros. [...]
Vivemos, com efeito, um processo genocida que faz vítimas
preferenciais entre as crianças, os velhos e as mulheres; entre os
negros, os índios e os caboclos (RIBEIRO, 1995, p. 13, 29, 30, 42,
53).
Embora os estudos referidos não compusessem, aparentemente, a minha tese de
mestrado, não houve solução de continuidade entre os mesmos e o objeto de estudo
delimitado: as concepções de corpo na Enfermagem brasileira.
Após o mestrado e pelas perspectivas epistemológicas, referentes ao objeto de
estudo referido, tinha eu postulado o advento da Ciência do Cuidado e com uma base
cognitiva assentada na história da América Portuguesa – posteriormente, Brasil.
O mais remoto uso, por mim encontrado, da expressão “ciência do cuidado” é
em Watson (1979), onde se propõe ser a Enfermagem a filosofia e ciência do cuidado.
Em 1988, a enfermeira Ana Rosete Camargo Maia destaca os fatores de cuidado de Jean
Watson por base filosófica para o "estudo da enfermagem como ciência do cuidado“
(MAIA, 1998, p. 135). Em 1996, a enfermeira Ivete Palmira Sanson Zagonel destaca a
contribuição epistemológica e filosófica de Jean Watson para "o desenvolvimento da
ciência do cuidado“ (ZAGONEL, 1996, p. 66). Em 1997, Wilson Danilo Lunardi Filho
fala sobre “a percepção de um movimento da enfermagem em direção a uma possível
3
‘ciência do cuidado’ ” (LUNARDI FILHO, 1997, p. 48)5. Em 2002, destacando a base
do modelo de ensino no Hospital de Alienados e centrado na assistência e no cuidado
das pessoas, Taka Oguiso fala do resgate desse modelo “não apenas como Ciência da
Enfermagem, mas como a Ciência do Cuidar ou do Cuidado” (OGUISSO, 2002, s/ref.).
Conquanto distanciando-me dos pressupostos de Jean Watson, nos anos de 2004
e 2005 dediquei-me à divulgação nacional dos fundamentos da Ciência do Cuidado. O
quadro 1 demonstra o itinerário dessa peregrinação, acentuando em negrito as pesquisas
apresentadas sobre a Ciência do Cuidado.
Em 2004, propus um itinerário para a sistematização lógica, epistemológica e
metodológica da Ciência do Cuidado. Para fins autorais, esse trabalho de 2004 foi
registrado no Escritório de Direitos Autorais da Biblioteca Nacional (EDA/BN), sob o
número 315.197, livro 575, folha 357. Tal registro dá conta do conteúdo intitulado
Propedêutica: introdução à Ciência do Cuidado, pertencente a uma anunciada série
Fundamentos da Ciência do Cuidado. Os demais volumes anunciados eram: 2 –
Corpística; 3 – Epistemologia do Cuidado; 4 – Enfermagem; 5 – Historística; 6 –
Terapêutica do Cuidado; 7 – Humanética.
5 Em 2011, no editorial de Márcia Ferreira de Assunção afirma-se ser a Enfermagem arte e ciência do
cuidado (FERREIRA, 2011).
4
Quadro 1 – Fundamentos da Ciência do Cuidado
Simpósios, Seminários, Congressos e
Colóquios nacionais
Período Local Títulos de trabalhos apresentados
VII Simpósio Nacional de
Diagnósticos de Enfermagem
(SINADEN)
29/05 a 1/6 de 2004 Belo Horizonte/
Minas Gerais
1 – O projeto “Aprender Pesquisando” na Enfermagem comunitária: estratégias para aprendizagem significativa
do SUS no curso de graduação em Enfermagem (FERNANDES, 2004a, p.150)
2 – Propedêutica: uma introdução à Ciência do Cuidado (FERNANDES, 2004b, p. 151)
VIII Simpósio Nacional de
Diagnósticos de Enfermagem
(SINADEN)
31/08 a 4/9 de 2004 Vitória/Espírito Santo 1 – Nova lógica da educação permanente em saúde para o SUS e o desenvolvimento de uma nova educação de
Enfermagem
2 – Fundamentos da Ciência do Cuidado: da educação em Enfermagem para a educação de Enfermagem
III Fórum de Educação e Saúde da
região centro-oeste e Distrito Federal
/ Seminário Nacional sobre educação
popular e saúde6
21 a 24/7 de 2004 Brasília/Distrito
Federal
1 – A introdução do módulo saúde comunitária nos cursos de graduação em saúde
2 – Estratégias para as mudanças curriculares no ensino de Enfermagem, segundo a nova lógica da educação
permanente em saúde e na perspectiva do sistema único de saúde
3 – Nova lógica da educação permanente em saúde para o SUS
13º. Seminário Nacional de Pesquisa
em Enfermagem (SENPE)
14 a 17/6 de 2005 São Luís/Maranhão 1 – Concepções de corpo na Enfermagem: advento da nova Enfermagem e da Ciência do Cuidado
(FERNANDES, 2005a)
2 – Noção de pessoa na Enfermagem e sua relação com os modelos de atenção à saúde no Brasil
(FERNANDES, 2005b)
3 – A linguagem esquecida do cuidado: conceitos e modelos de não cuidado no Brasil (FERNANDES,
2005c)
III Congresso Brasileiro de Ciências
Sociais e Humanas em Saúde7
9 a 13/7 de 2005 Florianópolis/
Santa Catarina
1 – Os fundamentos teórico-conceitual da saúde comunitária
2 – As concepções de corpo na Enfermagem e o advento da Ciência do Cuidado
VI Congresso Nacional da Rede
Unida
2 a 5/7 de 2005
Belo Horizonte/
Minas Gerais
1 – História e Filosofia da educação como foco de mudanças na formação de profissionais de saúde
2 – Saúde comunitária: área integradora dos cursos de graduação no Brasil
3 – Conceitos estruturais de educação e educação permanente em saúde
57º Congresso Brasileiro de
Enfermagem
3 a 7/11 de 2005 Goiânia/Goiás 1 – Motivo central do cuidado de Enfermagem (FERNANDES, 2005d)
2 – Movimento nightingaleano para uma Ciência do Cuidado (FERNANDES, 2005e)
3 – Formação da cultura de cuidado na disciplina sócio-humana Enfermagem (FERNANDES, 2005f)
II Colóquio latino-americano de
História da Enfermagem
12 a 15/9 de 2005
Rio de Janeiro/
Rio de Janeiro
1 – A formação de um paradigma de pensamento histórico para estudo da arte e ciência do cuidado na
América Latina (FERNANDES, 2005g)
2 – Bases teóricas da antropologia do cuidado ou da história e historiografia da arte de cuidado no Brasil
(FERNANDES, 2005h)
VIII Semana de Eventos das
Faculdades Tecsoma
25 a 27/10 de 2005 Paracatu/Minas
Gerais
Semiótica do cuidado: nova semiologia e semiotécnica para a Enfermagem (minicurso ministrado)
6 O Fórum não produziu ou não disponibilizou Anais.
7 O Congresso não produziu ou não disponibilizou Anais.
5
Ainda no ano de 2005, outros subcampos da Ciência do Cuidado foram
apresentados, em seus fundamentos, e havendo a reafirmação daqueles outros
anunciados em 2004. O quadro 2, textualmente, destaca aqueles subcampos
reapresentados por Fernandes e Nascimento (2005, p. 524-5).
Quadro 2 – Subcampos da Ciência do Cuidado
Subcampos Fundamentos
Antropologia do Cuidado
“fundamento histórico-antropológico da arte de cuidado, no qual se
estudam os saberes e as práticas de cuidado, específicos e comuns às
diversas, diferentes e não raro contrapostas comunidades de pessoas”.
Historística8
“Subcampo especial da ciência do cuidado para estudos históricos
sobre a arte de cuidado, incluindo a história da enfermagem. A história
e a historiografia da arte de cuidado no Brasil formam, em verdade, o
subcampo Historística, fundamento histórico da ciência do cuidado”.
Psiquêutica
“fundamento histórico-psicológico da arte de cuidado, no qual se estuda
o relacionamento terapêutico estabelecido entre terapeuta do corpo e do
cuidado e a pessoa cuidada”.
Filosofia do Cuidado
“fundamento histórico-filosófico da arte de cuidado, no qual se estuda a
própria filosofia do cuidado em seus aspectos lógico, epistemológico,
metodológico, moral, estético, poético, artístico”.
Política do Cuidado “fundamento histórico-político da arte de cuidado, no qual se estudam
as políticas de cuidado institucionalizadas ou instituticionalizáveis, em
diferentes momentos históricos”.
Sociologia do Cuidado
“fundamento histórico-sociológico da arte de cuidado, no qual se estuda
o processo de cuidado em diversos ambientes e espaços sociais”.
Pedagogia do Cuidado
“fundamento histórico-pedagógico da arte de cuidado, no qual se
estudam: as pedagogias de cuidado em diversos momentos históricos,
em diferentes comunidades de pessoas; os modos de institucionalização
de pedagogias de cuidado; os processos educacionais que instituem
pedagogias de cuidado”.
Ecocuidado9
“fundamento histórico-administrativo da arte de cuidado, no qual se
estudam a administração, a gerência e a gestão de ambientes e de
espaços com relação às pessoas e às comunidades de pessoas para um
modo e processo de viver saudável, incluindo a experiência e o
processo de adoecimento”.
Corpêutica10
“fundamento histórico terapêutico da arte de cuidado, no qual se
estudam as suas terapias e terapêuticas, tanto no processo de viver
saudável quanto no processo de adoecimento”.
Enfermagem
“fundamento histórico-assistencial da arte de cuidado, no qual se
estudam os saberes e as práticas de atenção na experiência e no
processo de adoecimento”.
8 Fernandes (2010, p. 223-9; 2013a) dá a publicidade os fundamentos do que denomina método
historístico. 9 Para Fernandes (2010, p. 31) o “campo epistêmico nightingaleano do Ecocuidado, operacionalizado pela
Administração Ecossanitária e alimentada pela Filosofia Ecossanitária, ergue-se dos modos e processos
nightingaleanos de administrar, gerenciar e gerir o cuidado de ambientes, espaços e contextos para
pessoas e coletividades de pessoas sadias ou doentes; por tais modos e processos, Nightingale pelo menos
cinco subcampos básicos do Ecocuidado, inexplorados pela Enfermagem fora do ambiente hospitalar:
Arquitetura do Cuidado, Engenharia do Cuidado, Economia do Cuidado, Geografia do Cuidado, Estética
do Cuidado”. 10
Anteriormente, Fernandes (2004c) denominou de Corpoterapia.
6
Em 2007 e 2010 e mais enfaticamente, explicito o conceito de cuidado e
delimito o conceito de Ciência do Cuidado: “em sentido geral, é a ciência da Arte de
Cuidado e, em sentido especial, a ciência do sistema filosófico nursing de Florence
Nightingale” (FERNANDES, 2007, p. 33; 2010, p. 11).
Desde 2003, as seguintes distinções foram realizadas por Fernandes (2003;
2007, p. 31; 2010, p. 88, 241, 267-8) e por Fernandes e Nascimento (2005, p. 523):
- sistema pedagógico nightingale, de ensino e treinamento de
mulheres;
- sistema assistencial enfermagem, caracterizado por saberes e práticas
medicocêntricas, hospitalocêntricas, biomedicocêntricas;
- sistema filosófico nursing, delineado por Florence Nightingale e
ainda não desenvolvido nem sistematizado; e
- um novo sistema cujas raízes reaproximam-se da filosofia nursing,
substituída pelo taylorismo, quando houve a versão norte-americana
do sistema Nightingale. A esse novo sistema denomino Ciência do
Cuidado. [itálicos no original].
Com relação ao conceito de cuidado:
Cuidado é estrutura, fundamento, unidade de significado absoluta em
si mesma e conceito epistemológico, consolidador de um modo de ser,
de apreender e de se relacionar (com) o mundo das coisas e das
pessoas. Esse modo de ser, de apreender e de se relacionar (com) o
mundo das coisas e das pessoas pode ser conhecido pela expressão
modo de cuidado [...]
Cuidado é antes do logos, antes da fala, antes da etnia, antes da saúde,
antes da doença; é outro mapa cognitivo, afetivo, político, social,
econômico, histórico, outro conceito e outro paradigma de
desenvolvimento e de civilização. Estes outros conceito e paradigma,
histórica e milenarmente, são os modos de relação particularmente
identificáveis e expressivos da civilização indígena,
predominantemente matriarcal, e não das civilizações grega, greco-
romana, judaica, judaico-cristã e japonesa – dominantemente
patriarcais. Tais modos de relação são opostos aos modos de relação
predatório-utilitarista, antropocêntrico e instrumental”
(FERNANDES, 2004, p. 80-1; 2007, p.32, 56-7; 2010, p. 10-11, 268).
Em 2007, 2009, 2010, 2014 e 2016 apresento outro subcampo com o seu método
de operacionalização: Semiótica do Cuidado e Corpoanálise. Além desses, delineio os
subcampos de Enfermagem Forense e Enfermagem de Segurança Pública, delimito o
conceito de processo saúde-doença-cuidado, proponho e delimito o subcampo
Arquitetura do Cuidado. O quadro 3 demonstra a socialização em eventos científicos de
tais pesquisas.
7
Quadro 3 – Outros subcampos da Ciência do Cuidado
Simpósios,
Seminários,
Congressos e
Colóquios
nacionais
Período Local Títulos de trabalhos apresentados
59º Congresso
Brasileiro de
Enfermagem
3 a 7/12 de 2007 Brasília/
Distrito Federal
1 – Enfermagem de segurança pública na
república federativa do Brasil: gestão
política do cuidado de Enfermagem
(FERNANDES e SOUZA, 2007a)
2 - Gestão política no ensino da
Enfermagem Forense: proposição de
campos temáticos nos cursos de
graduação em Enfermagem
(FERNANDES e SOUZA, 2007b)
Maio de 2009 1 – Abordagem clínica da violência moral
na lógica do processo saúde-doença-
cuidado11
Maio de 2009 1 – Configuração teórico-metodológica do
processo saúde-doença-cuidado12
15º Seminário
Nacional de
Pesquisa em
Enfermagem
8 a 11/06 de 2009
Rio de Janeiro/
Rio de Janeiro
1 – Abordagem clínica da violência moral
na lógica do processo saúde-doença-
cuidado (FERNANDES, 2009)
2 - Semiótica do cuidado e método
corpoanálise (minicurso ministrado)
3 – Relançamento do livro: Violência Moral
na Enfermagem
1-Contribuição histórica da Enfermagem
na formação do conceito processo saúde-
doença-cuidado (FERNANDES, 2013b).
14º. Encontro
Nacional de
Fundamentos
do Cuidado de
Enfermagem
15/5 de 2014 Rio de Janeiro/
Rio de Janeiro
1- Contribuição histórica da Enfermagem
na formação do conceito processo saúde-
doença-cuidado
IV Semana de
Enfermagem
11 a 15/5 de 2016 -
Centro
Universitário Norte
do Espírito
Santo/Universidade
Federal do Espírito
Santo
São Mateus/
Espírito Santo
1 - O fundamento da arquitetura do
cuidado em Florence Nightingale
(FERNANDES, PORTO, SOARES,
SPINASSÉ e SANTOS, 2016).
2 – Estética e epistemologia do cuidado
segundo Florence Nightingale
(FERNANDES e SPINASSÉ, 2016).
3 – Semiótica do cuidado e corpoanálise
(FERNANDES e RUFINO, 2016).
Todos os subcampos da Ciência do Cuidado, elencados nos quadros 2 e 3, são
interconexos e têm por fundamento a História, compreendida esta como o campo
descritivo-analítico das trajetórias e memórias de corpo, individuais e coletivas. Nestas
trajetórias e memórias de corpo identificam-se as expressões de cuidado e as expressões
de não cuidado de indivíduos e de coletividades.
11
Pesquisa cadastrada na Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal do Espírito
Santo sob o número 1043/2009. 12
Pesquisa cadastrada na Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal do Espírito
Santo sob o número 1044/2009.
8
O conceito de trajetórias e memórias de corpo foi proposto desde a tese de
mestrado, cujo processo pesquisante se deu entre 2001 e 2003: as trajetórias de corpo
são o mar empírico da história e as memórias de corpo são as expressões ou as
configurações concretas daquelas trajetórias ou mar empírico no mundo histórico. Todo
esse mar empírico expressa-se primordialmente, da concepção à morte do corpo
humana, no corpo e, depois, em tudo o que existe no mundo humano – sempre histórico
- em termos de saberes constituídos, de organizações ou de instituições.
Primeira e resumidamente para Fernandes (2003, p. 72), trajetórias são “as
vivências e as experiências de corpo, enquanto memórias são as expressões das
vivências/experiências. Dentre essas expressões, [tem-se] as concepções de cuidado e
concepções de corpo”.
Posteriormente, Fernandes (2004, p. 28-9) e Fernandes e Nascimento (2005, p.
523) explicitam:
Trajetórias de corpo constituem o que, no Sistema de Dilthey, é
nomeado de mar empírico de história, trajetória vital, trajetória de
vida, todas expressões sinônimas. São as vivências e as experiências
de corpo das pessoas, elas mesmas formadoras de comunidades, povos
e estados. Trajetórias de corpo constituem a história.
Memórias de corpo consistem, no Sistema de Dilthey, na expressão da
vivência, no espírito objetivo, na manifestação de vida, na objetivação
de vida, nas grandes objetividades do pensamento – todas expressões
sinonímias. Memórias de corpo são historiografias.
Ainda depois, Fernandes (2010, p. 73-4, 89; 2013, p. 280) ratifica:
Trajetórias de corpo são as vivências e experiências de pessoas,
comunidades, sociedades e povos em sua trajetória de vida;
reafirmando o fato de que não existem vida e condição humana sem
corpo, aquelas trajetórias de vida são trajetórias de corpo. Memórias
de corpo são as fixações das vivências e experiências de pessoas e
sociedades, desde um gesto até grandes objetividades do pensamento
tais como os sistemas culturais e sistemas de organização interna e
externa da sociedade; as próprias enfermidades são memórias de
corpo.
Ao estudo mais descritivo-analítico das trajetórias de corpo denomino
Historística (FERNANDES, 2005g); ao estudo descritivo-analítico das memórias de
corpo denomino Antropologia do Cuidado (2005h); ao estudo das multidiversas
concepções de corpo, sobretudo no âmbito da Enfermagem, denomino Corpística
(FERNANDES, 2004c).
Por Antropologia do Cuidado não compreendo uma expressão mais ou menos
cômoda para agregar e designar saberes e práticas existentes e dispersos, em geral
9
designados por “médicos”, “de saúde”, “de Enfermagem”. Trata-se de criar um campo
epistêmico, sistematicamente organizado e filosoficamente justificado ainda não
existente na Enfermagem, cujos dois conceitos substanciais são corpo e cuidado.
Numa retomada etimológica,
o prefixo grego –an significa no alto, em cima; no alto de, sobre; de
baixo para cima; por, através de; durante; tropo, do grego trópos,
significa direção, atitude, modo, maneira, melodia, tom, estilo,
conduta, caráter. An-tropo-logia é estudo ou tratado de direção,
atitude, modo, maneira, estilo, conduta, caráter. Antropologia do
Cuidado é o estudo ou tratado descritivo e analítico de uma atitude
(direção, modo, maneira, estilo, conduta, caráter) de cuidado.
Antropologia do Cuidado inclui, além de uma antropologia ambiental,
uma antropologia da pessoa e uma antropologia do corpo
(FERNANDES, 2005h; 2010, p. 6).
Atento às contribuições de Madeleine Leininger para o que poderia ter sido
proposto como Enfermagem Antropológica ou Antropologia de Enfermagem e para
evitar-se confusões terminológicas e teóricas com a Etnologia, a Etnografia e a própria
Antropologia, o método proposto e criado por Fernandes (2010, p. 197-8) da
Antropologia do Cuidado é o método Etnocuidado “pelo qual se pesquisam as etno-
revoluções da história e da historiografia da Arte de Cuidado de povos, nações,
comunidades, etnias, culturas, civilizações, sociedades, instituições”.
No itinerário de tantos subcampos propostos, com várias pesquisas buscando
sistematiza-los, a figura 1 apresenta a visão geral de alguns desses subcampos e o
quadro 4 apresenta alguns conceitos já constituídos.
10
CIÊNCIA DO
CUIDADO
HISTORÍSTICA
ANTROPOLOGIA
DO CUIDADO
CORPÍSTICA
PSIQUÊUTICA
HUMANÉTICA
FILOSOFIA DO CUIDADO
CORPOTERA-PÊUTICA
SEMIÓTICA DO CUIDADO
ENFERMAGEM
POLÍTICA DO CUIDADO
PEDAGOGIA DO CUIDADO
SOCIOLOGIA DO CUIDADO
11
Quadro 4 – Subcampos e conceitos centrais
ALGUNS
SUBCAMPOS
ALGUNS CONCEITOS
CENTRAIS
SISTEMATIZAOS
ALGUNS
SUBCAMPOS
ALGUNS CONCEITOS
CENTRAIS
SISTEMATIZAOS
Historística
- Trajetórias de corpo
-subalternismo
historiográfico
- distorção histórica
- memória histórica
- consciência histórica
- Método historístico
- Violência histórica
- Pedagogias da violência
Pedagogia do Cuidado
- Processo de cuidado
- Teorias do processo de
cuidado
- Processo saúde-doença-
cuidado
- Educação para o Cuidado
Antropologia do
cuidado
- Memórias de corpo
- Memória étnica
- Complexo de mameluco
- Etnocuidado
Psiquêutica
- Psicocuidado
- Unidades de Cuidado
Pessoa
Família
Grupo
Comunidade
Ambiente
Corpística
- Concepções de corpo
- Corpoestesia
- Corpofobia
- Corpofagia
- Corpocídio
Enfermagem
- Concepções de Enfermagem
- Enfermagem Especializada:
Enfermagem Forense
Enfermagem de Segurança
Pública
Enfermagem Hospitalar
Enfermagem de Saúde Pública
Corpoanálise13
- Semiótica do Cuidado
- Método corpoanálise
- Padrões corpográficos
Filosofia do cuidado
-Estética do Cuidado
-Arte de Cuidado
-Epistemologia do Cuidado
-Arquitetura do Cuidado
Corpêutica14
- Consulta de Enfermagem
- Atitude corpoterapêutica15
Corpoterapias (grupo A)
Hidroterapias (grupo B)
Indígenoterapias (grupo C)
Nutroterapias (grupo D)
Energeticoterapias (grupo E)
Psiquêterapias (grupo F)
Exercicioterapias (grupo G)
Religioterapias (grupo H)
Diagnosticoterapias (grupo I)
Ambientoterapias (grupo J)
Familioterapias (grupo K)
Bioterapias (grupo L)
13
Não há relação, embora os diálogos possíveis, com o método terapêutico holístico denominado de
corpo-análise e criado em 1980 pela bailarina e professora Gerry Maretzki. 14
Sem criar este conceito na época, Fernandes (2003, p. 14, 74, 87) assume e justifica que enfermeiros e
enfermeiras são terapeutas do corpo e do cuidado e registra uma das perspectivas epistemológicas pelo
estudo das concepções de corpo na Enfermagem brasileira: sistematizar as terapias do cuidado de
Enfermagem, iniciando-se com a nominação conceitual das práticas terapêuticas desenvolvidas por
Florence Nightingale. Explícita e posteriormente, Fernandes e Nascimento (2005, p. 525), conforme o
quadro 2, preconizam um subcampo para criação do “fundamento histórico terapêutico da arte de
cuidado, no qual se estudam as suas terapias e terapêuticas”. 15
O conceito de atitude corpoterapêutica é uma das conclusões propositivas da pesquisa intitulada “A
consulta de Enfermagem e o conceito de atitude corpoterapêutica”, cadastrada na Pró-Reitoria de
Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal do Espírito Santo, sob o número 6582/2015.
12
Finalmente, todos os conceitos criados seguiram um método especificamente
criado para uma científica formação de conceitos.
A distinção entre noção, ideia e conceito, entre concepção e conceito talvez seja
uma tarefa inversa tanto ao trabalho da Escolástica porque para os escolásticos conceito
era sinônimo de notio (noção) quanto ao Racionalismo ou Intelectualismo (desde o
macedônio Aristóteles até o francês René Descartes e, até certo ponto, o alemão
Gottfried Wilhelm von Leibniz) para o qual conceito é uma ideia, uma realidade
intelegível e não sensível, existente por si mesma.
Os Escolásticos distinguiam a notio formal e a notio objetiva: a primeira é “o
termo com que o entendimento concebe uma coisa ou um ente a razão, um ens rationis,
quando pensamentos uma pessoa ou um triângulo, por exemplo)”; a segunda refere-se à
“coisa mesma ou o ente da razão mesmo; a pessoa pensada ou o triângulo pensado”
(THIRY-CHERQUES, 2012, p. 26). A distinção escolástica é a base diferenciadora
entre o Nominalismo (para o qual os Universais da Antiguidade Grega e do Mundo
Medieval europeu são apenas nomes, convenções e não declarações sobre supostas
essências dos entes existentes fora da mente humana) e o Essencialismo ou Realismo
(para o qual aqueles Universais são realidades, essências expressivas da natureza dos
entes existentes fora da mente humana).
Na concepção historista (e não historicista) da Escola Histórica Alemã,
representada por Wilhelm Dilthey (1833-1911), a formação sistemática de um
conceito científico parte do pressuposto de que nenhum conceito científico deve ser
criado fora da realidade humano-sócio-histórica.
Todo conceito é humano, portanto histórico, corpóreo; procede da vivência e
não de “vontade de saber”; consequentemente, conceito não é abstração, não é
elaboração mental desvinculada da vivência ou experiência vivida.
Todo conceito, incluindo-se o científico, é uma adstração –e não abstração- da
realidade humano-sócio-histórica.
A proveniência de qualquer conceito, incluindo-se o conceito científico, é a
vivência (Erlebnis): esta é a base do Historismo Alemão; particularmente, é a base do
Historismo de Dilthey, da consciência hermenêutica, historista ou científico -
experiencial, também nomeada de consciência científico – espiritual:
Na correlação constante das vivências e dos conceitos [até se alcançar a]
consciência científico-experiencial [, na qual] não deve haver nenhum
conceito que não se tenha formado em toda a plenitude do reviver
histórico; não deve haver nada geral que não seja a expressão essencial de
13
uma realidade histórica. [...] Acima de toda representação e estilização do
real e do singular, o pensamento esforça-se para chegar ao conhecimento
do essencial e necessário; aspira a compreender a conexão estrutural da
vida individual e social; porque somente conquistaremos poder sobre a
vida social, quando captarmos e aproveitarmos sua regularidade e
conexões. As formas lógicas em que se expressam essas regularidades são
juízos [ou conceitos gerais] cujos sujeitos são tão gerais como seus
predicados.
Entre os múltiplos conceitos gerais do sujeito, ao serviço desta tarefa nas
ciências do espírito [ou da vida], encontram-se alguns como filosofia, arte,
[ciência], religião, direito, economia. (DILTHEY, 1952, p. 76-7;
DILTHEY, 2003; p.72-3)
A definição diltheyana de consciência científico-espiritual ou científico-
experiencial, expressa o desenrolar metodológico da crítica da razão histórica,
caracterizadora do que pode ser denominado consciência metodológica ou consciência
historista, expressa em dois movimentos hermenêuticos (ou historísticos) básicos:
1o. movimento. correlacionar conceitos e vivências formadas na expressão
fundamental e necessária, especial e geral, importante e valorativa do mundo histórico.
O princípio determinante do que é fundamental (um princípio da Estética),
necessário (um princípio da Poética), especial (um princípio da Arte), geral (um
princípio da Práxis), importante e valorativo (princípio da Ética) deve ser buscado nas
regras radicais do Historismo e do Empirismo Histórico:
- Primeira regra de Giambattista Vico: verdadeiro é o fato, verdade é o feito,
verum ipsum factum;
- Segunda regra de Wilhelm Dilthey: o pensamento não pode ir além da vida, ou
seja além do mundo histórico, porque esse mesmo pensamento se forma e se
desenvolve no mundo histórico porque a razão é histórica.
São dois princípios desconstrutores da razão cartesiana, da razão pura kantiana,
da verdade da argumentação e da verdade do método na ciência experimental moderna
que não poderão ser transliterados para as ciências não experimentais. (DILTHEY,
1986; VICO, 1999; FERNANDES, 2010).
2o. movimento. compreender a conexão estrutural da vida individual e social.
Não é nenhuma genialidade autônoma ou “vontade de saber” de uma pessoa que cria os
conceitos gerais de filosofia, arte, [ciência], religião, direito, economia, mas a própria
estrutura psicofísica dessa pessoa que é histórica; não são as uniões lógicas artificiosas,
14
criadas por cada um dos sistemas culturais seriados ou especializações com os seus
métodos e argumentos, que produzem ou promovem nexos, conexões.
Para Dilthey (2003, p.74) o pensamento científico-experimental, expresso no
saber (conhecimento) científico das ciências experimentais, traz a priori em seu
conteúdo o esquematismo daquelas representações (ou conceitos) gerais configuradas
nos nexos finais da cultura (filosofia, arte, ciência, religião, entre outros); caberá ao
pensamento e ao saber (conhecimento) científico-experienciais, próprios das Ciências
do Espírito (hoje denominadas humanas e sociais) verificar antes de qualquer
investigação se aquelas representações gerais realmente são legítimas para a
investigação no campo histórico-social-humano.
Na concepção de Dilthey, a pessoa porque é histórica compreende aquela
conexão estrutural porque ela própria é essa conexão estrutural: tal compreensão das
regularidades e conexões da vida individual e social é a própria fonte do poder sobre a
vida social. Este princípio também está no pensamento de Giambattista Vico quando o
filósofo napolitano considera que somente compreendemos o que é criação nossa, ou
seja, apenas o mundo histórico; o mundo natural é objeto de conhecimento e não objeto
de entendimento e de compreensão. (FIKER, 1994; BURKE, 1997; VICO, 1984; VICO,
1999).
Ao empreender a criação de todos os conceitos, anteriormente apresentados, as
bases teóricas com as quais dialoguei foram, pois, de Giambattista Vico e Wilhelm
Dilthey.
Ao falar sobre formação de conceitos, Dilthey (2003) não elabora etapas para a
formação de um conceito, mas descreve o itinerário para explicitar o seu estudo
sistemático sobre a essência do conceito geral Filosofia: dessa descrição e para os meus
fins investigação, construí as etapas da técnica para formação de conceitos, procedente
de duas fontes:
- do estudo de Hans-Georg Gadamer sobre o conceito de vivência (Erlebnis). Apenas os
dois primeiros passos do estudo de Gadamer são aqui utilizados para a composição da
técnica para formação de conceitos. Apesar de Gadamer também não apresentar “etapas
básicas” para o estudo do conceito de vivência, o seu estudo sobre este conceito decorre
de sua exposição do pensamento do próprio Dilthey que dá à vivência um estatuto
epistemológico para as Ciências do Espírito. Gadamer (1999) compõe o seu estudo
sobre o conceito de vivência (Erlebnis), explicitando: (1º.) a história da palavra, ou seja,
15
o seu surgimento e (2º.) a sistematização da palavra até a sua constituição em um
conceito epistemológico.
- da pesquisa de Dilthey (2003, p. 69) com o objetivo de investigar “a lei de formação
que rege a gênese de cada sistema filosófico particular” e cujo texto originalmente em
alemão, Das wesen der Philosophie , foi publicado em 1907.
Ao referir-se à formação de conceitos, Dilthey (2003) toma para o seu estudo o
conceito geral de Filosofia para determinar a essência da Filosofia. Ou seja, este início
refere-se (1º.) à escolha ou criação da palavra ou expressão que se quer conceituar – no
exemplo específico de Dilthey: essência da Filosofia; (2º.) aos traços distintivos a serem
escolhidos para constituírem o conceito, pressupondo uma decisão prévia sobre quais
fatos deverão ser designados pela palavra ou expressão escolhida; (3º.) àquela decisão
prévia precedida pela escolha intelectual de traços distintivos suficientes e
comprobatórios dos fatos característicos daquela palavra ou expressão criada ou
escolhida; (4º.) às relações isoladas (distorções ou falsidades dos fatos) que poderão ou
não serem conectadas àqueles traços distintivos; (5º.) à necessidade de se identificar
traços comuns entre os fatos daquelas relações isoladas; (6º.) à definição do conceito,
chamando a atenção de que tal definição ou definições são abreviaturas caracterizantes
de uma forma histórica daquele conceito e, daí, seu caráter de inseguridade. Esta
inseguridade deve ser superada pela comprovação de determinações mais seguras –
ainda que insuficientes – daquele conceito; esta superação se dá pelo estabelecimento de
traços essenciais característicos do conceito que se quer definir.
Com os movimentos metodológicos de Dilthey para o seu estudo sobre a
essência da filosofia, o esquema para formação científica de conceito reitera o fato de
que conceitos procedem de concepções de mundo ou modos de interpretação da
realidade e estas derivam de vivências (Erlebnisse), anteriores ao próprio conhecimento
no pensamento discursivo e no pensamento reflexivo ou interpretativo (DILTHEY,
1944; 1954).
A figura 2 esquematiza a técnica de formação de conceitos, tradutora dos passos
seguidos por Dilthey no estudo sobre o conceito de essência da Filosofia e constitutiva
dos passos metodológicos de todas as minhas investigações.
16
Entre outras pesquisas, no ano de 2016, ratifico todass as pesquisa anteriores e
amplio algumas de suas operacionalizações em temas específicos. Algumas dessas
pesquisas estão registradas no quadro 3 e aqui enumeram-se todas elas apresentadas na
IV Semana de Enfermagem do Centro Universitário Norte do Espírito Santo, da
Universidade Federal do Espírito Santo.
Quadro 5 – Pesquisas na Ciência do Cuidado
Discriminação dos títulos das pesquisas Pesquisador e coordenador Registro
Pró-Reitoria
de Pós-
Graduação e
Pesquisa
Referência
1 – Estética e Epistemologia do cuidado
segundo Florence Nightingale
Carlos Roberto Fernandes 6591/2015 Fernandes e
Spinassé (2016)
2 – Os conceitos centrais da arte, ciência e
filosofia de Enfermagem
Idem 6722/2015 Fernandes,
Spinassé, Soares e
Porto (2016)
3 - A Consulta de Enfermagem e o conceito
de atitude corpoterapêutica
idem 6582/2015 Fernandes,
Spinassé, Bita e
Gonçalves (2016)
4 - Semiótica do cuidado e corpoanálise idem Fernandes e Rufino
(2016)
5 - Historicidade política do conceito de
necessidades e modelos conceituais de
Enfermagem
idem Fernandes e
Oliveira (2016)
6 - Corpo, cuidado e violência histórica no
Brasil
idem 6723/2015 Fernandes, Porto,
Soares e Lacerda
(2016)
7 - O fundamento da arquitetura do cuidado
em Florence Nightingale
idem 6745/2016 Fernandes, Porto,
Soares, Spinassé e
Santos (2016)
7. Definição do conceito
3. Identificação de fatos da realidade
humano-sócio-histórica traduzíveis da
palavra
4.Traços distintivos dos fatos
5.Traços essenciais dos fatos
1. Escolha ou criação da palavra
6.Traços suficientes dos fatos
3.1. Abreviaturas de fato
(possíveis outras interpretações do
mesmo fato)
3.2. Relações isoladas
(distorções ou falsidades do fato)
2. determinação da origem ou
história da palavra ou expressão
escolhida ou criada
FORMAÇÃO DE CONCEITOS
17
REFERÊNCIAS
BURKE, Peter. Vico. Tradução de Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Unesp. 1997
DILTHEY, Wilhelm. El mundo histórico. Tradução de Eugenio Ímaz. México: Fondo
de Cultura Económica, 1944.
____________. La esencia de la filosofia. Tradução Elsa Tabernig. Buenos Aires:
Losada. 1952.
_____________. Teoria de la concepción del mundo. Tradução de Eugenio Ímaz,
1954.
_____________. Crítica de la Razon Histórica. Tradução de Carlos Moya Espí.
Barcelona: Península. 1986.
____________. La esencia de la filosofia. Tradução de Elsa Tabernig. Buenos Aires:
Losada. 2003.
FERNANDES, Carlos Roberto; FREITAS, Maria Imaculada de Fátima. Resistência
indígena no processo de transfiguração étnica. In: Colóquio Internacional de Sociologia
Clínica e Psicossociologia, VIII. Belo Horizonte, Minas Gerais, 3 a 6 de julho de 2001.
Anais. Universidade Federal de Minas Gerais, 2001.
FERNANDES, Carlos Roberto; NASCIMENTO, Estelina Souto do. Historística: o
campo dos fundamentos históricos da Ciência do Cuidado. Texto Contexto Enferm,
Florianópolis, v. 14, n. 4, p. 520-7, Out./Dez. 2005.
FERNANDES, Carlos Roberto; SOUZA, Robson Weligton. Enfermagem de Segurança
Pública na República Federativa do Brasil: gestão política do cuidado de Enfermagem.
In: Congresso Brasileiro de Enfermagem, 59. Brasília, Distrito Federal, 3 a 7 de
dezembro de 2007. Anais. Associação Brasileira de Enfermagem, 2007a.
FERNANDES, Carlos Roberto; SOUZA, Robson Weligton. Gestão política no ensino
da Enfermagem Forense: proposição de campos temáticos nos cursos de graduação em
Enfermagem. In: Congresso Brasileiro de Enfermagem, 59. Brasília, Distrito Federal, 3
a 7 de dezembro de 2007. Anais. Associação Brasileira de Enfermagem, 2007b.
FERNANDES, Carlos Roberto; SPINASSÉ, Angelina Rafaela Debortoli. Estética e
Epistemologia do cuidado de Enfermagem segundo Florence Nightingale. In: Semana
de Enfermagem, IV. São Mateus, Espírito Santo, 11 a 15 de maio de 2016. Anais.
Centro Universitário Norte do Espírito Santo/Universidade Federal do Espírito Santo,
2016.
FERNANDES, Carlos Roberto; PORTO, Isaura Setenta; SOARES, André Marcelo
Machado; SPINASSÉ, Angelina Rafaela Debortoli; SANTOS, Luís Eduardo
Gonçalves. O fundamento da arquitetura do cuidado em Florence Nightingale. In:
Semana de Enfermagem, IV. São Mateus, Espírito Santo, 11 a 15 de maio de 2016.
Anais. Centro Universitário Norte do Espírito Santo/Universidade Federal do Espírito
Santo, 2016.
FERNANDES, Carlos Roberto; SPINASSÉ, Angelina Rafaela Debortoli; SOARES,
André Marcelo Machado; PORTO, Isaura Setenta. Os conceitos centrais da arte, ciência
e filosofia de Enfermagem. In: Semana de Enfermagem, IV. São Mateus, Espírito
Santo, 11 a 15 de maio de 2016. Anais. Centro Universitário Norte do Espírito
Santo/Universidade Federal do Espírito Santo, 2016.
18
FERNANDES, Carlos Roberto; RUFINO, Emanuel Lucas da Silva. Semiótica do
cuidado e corpoanálise. In: Semana de Enfermagem, IV. São Mateus, Espírito Santo,
11 a 15 de maio de 2016. Anais. Centro Universitário Norte do Espírito
Santo/Universidade Federal do Espírito Santo, 2016.
FERNANDES, Carlos Roberto; SPINASSÉ, Angelina Rafaela Debortoli; BITA,
Gustavo Miranda; RODRIGUES, Samuel Gonçalves. A Consulta de Enfermagem e o
conceito de atitude corpoterapêutica. In: Semana de Enfermagem, IV. São Mateus,
Espírito Santo, 11 a 15 de maio de 2016. Anais. Centro Universitário Norte do Espírito
Santo/Universidade Federal do Espírito Santo, 2016.
FERNANDES, Carlos Roberto; PORTO, Isaura Setenta; SOARES, André Marcelo
Machado; LACERDA, Larissa Carolina Xavier. In: Semana de Enfermagem, IV. São
Mateus, Espírito Santo, 11 a 15 de maio de 2016. Anais. Centro Universitário Norte do
Espírito Santo/Universidade Federal do Espírito Santo, 2016.
FERNANDES, Carlos Roberto; OLIVEIRA, Juliane Rocha de. Historicidade política
do conceito de necessidade e modelos conceituais de Enfermagem. In: Semana de
Enfermagem, IV. São Mateus, Espírito Santo, 11 a 15 de maio de 2016. Anais. Centro
Universitário Norte do Espírito Santo/Universidade Federal do Espírito Santo, 2016.
FERNANDES, Carlos Roberto. Concepções de corpo na enfermagem dos anos
noventa no Brasil: uma abordagem com Wilhelm Dilthey. 2003. 179p. Dissertação
(Mestrado em Enfermagem). Univ. Fed. de Minas Gerais. Escola de Enfermagem da
UFMG.
_______________. O projeto “Aprender Pesquisando” na Enfermagem comunitária:
estratégias para aprendizagem significativa do SUS no curso de graduação em
Enfermagem. In: Simpósio Nacional de Diagnósticos de Enfermagem, VII. Belo
Horizonte, Minas Gerais, 29 de maio a 1 de junho de 2004. Anais. Associação
Brasileira de Enfermagem, 2004a.
_______________. Propedêutica: uma introdução à Ciência do Cuidado. In: Simpósio
Nacional de Diagnósticos de Enfermagem, VII. Belo Horizonte, Minas Gerais, 29 de
maio a 1 de junho de 2004. Anais. Associação Brasileira de Enfermagem, 2004b.
______________. Propedêutica: introdução à Ciência do Cuidado – volume 1. Rio de
Janeiro: EDA/BN, 2004c.
_______________. Concepções de corpo na Enfermagem: advento da nova
Enfermagem e da Ciência do Cuidado. In: Seminário Nacional de Pesquisa em
Enfermagem, 13. São Luís, Maranhão, 14 a 17 de junho de 2005. Anais. Associação
Brasileira de Enfermagem, 2005a.
_______________. Noção de pessoa na Enfermagem e sua relação com os modelos de
atenção à saúde no Brasil In: Seminário Nacional de Pesquisa em Enfermagem, 13. São
Luís, Maranhão, 14 a 17 de junho de 2005. Anais. Associação Brasileira de
Enfermagem, 2005b.
_______________. A linguagem esquecida do cuidado: conceitos e modelos de não
cuidado no Brasil. In: Seminário Nacional de Pesquisa em Enfermagem, 13. São Luís,
Maranhão, 14 a 17 de junho de 2005. Anais. Associação Brasileira de Enfermagem,
2005c.
19
_______________. Motivo central do cuidado de Enfermagem. In: Congresso
Brasileiro de Enfermagem, 57. Goiânia, Goiás, 3 a 7 de novembro de 2005. Anais.
Associação Brasileira de Enfermagem, 2005d.
_______________. Movimento nightingaleano para uma Ciência do Cuidado. In:
Congresso Brasileiro de Enfermagem, 57. Goiânia, Goiás, 3 a 7 de novembro de 2005.
Anais. Associação Brasileira de Enfermagem, 2005e.
_______________. Formação da cultura de cuidado na disciplina sócio-humana
Enfermagem. In: Congresso Brasileiro de Enfermagem, 57. Goiânia, Goiás, 3 a 7 de
novembro de 2005. Anais. Associação Brasileira de Enfermagem, 2005f.
______________. A formação de um paradigma de pensamento histórico para estudo
da Arte e Ciência do Cuidado na América Latina. Colóquio Latino-americano de
História da Enfermagem, 2º. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 12 a 15 de setembro de
2005. Anais. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2005g.
______________. Bases teóricas da Antropologia do Cuidado ou da história e
historiografia da arte de cuidado no Brasil. Colóquio Latino-americano de História da
Enfermagem, 2º. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 12 a 15 de setembro de 2005. Anais.
Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2005h.
______________. Violência moral na Enfermagem. Goiânia: AB, 2007.
______________. Abordagem clínica da violência moral na lógica do processo
saúde-doença-cuidado. Seminário Nacional de Pesquisa em Enfermagem, 15º. Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 8 a 11 de junho de 2009. Anais. Associação Brasileira de
Enfermagem, 2009.
______________. Fundamentos do processo saúde-doença-cuidado. Rio de Janeiro:
Águia Dourada, 2010.
________________. Método historístico: da análise epistemológica à análise historística.
Revista da Universidade Vale do Rio Verde, Três Corações, v. 11, n. 2, p. 272-286,
ago./dez. 2013a.
______________. Contribuição histórica da Enfermagem na formação do conceito
processo saúde-doença-cuidado. Revista da Universidade Vale do Rio Verde, Três
Corações, v. 10, n. 1, p. 371-386, jan./jul. 2013b.
FERREIRA, Márcia Ferreira de. Enfermagem – arte e ciência do cuidado. In: Escola
Anna Nery Revista de Enfermagem. v. 15, n. 4. Out./Dez, p. 664, 2011.
FIKER, Raul. Vico: o precursor. São Paulo: Moderna. 1994.
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método: traços fundamentais de uma
hermenêutica filosófica. Tradução de Flávio Paulo Meurer. Petrópolis: Vozes, 1999.
v.1.
LUNARDI FILHO, Wilson Danilo. Refletindo acerca do saber da Enfermagem como
um saber científico. Texto Contexto Enferm, v. 6, n. 3, Set./Dez., p. 44-49, 1997.
MAIA, Ana Rosete Camargo. Elementos e dimensões do cuidado na perspectiva de
clientes ambulatoriais. Texto Contexto Enferm, v. 7, n. 2. Mai./Ago., p. 133-150, 1998.
OGUISSO, Taka. Prefácio da segunda edição. In: GEOVANINI, Telma; MOREIRA,
Almerinda; SCHOELLER, Soraia Dornelles; MACHADO, Wiliam César Alves
20
Machado. História da Enfermagem: versões e interpretações. Rio de Janeiro: Revinter,
2002.
RIBEIRO, Darcy. O Brasil como problema. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995.
THIRY-CHERQUES, Hermano R. Conceitos e definições: o significado da pesquisa
aplicada nas ciências humanas e sociais. Rio de Janeiro: FGV, 2012.
WATSON, Jean. Nursing: The Philosoph and Science of Caring. Boston: Little Brown,
1979.
VICO, Giambattista. Princípios de (uma) ciência nova: acerca da natureza comum
das nações. Tradução de Antônio Lázaro de Almeida Prado. Coleção Os Pensadores.
São Paulo: Abril Cultural, 1984.
______________. A Ciência Nova. Tradução de Marco Lucchesi. Rio de Janeiro/São
Paulo: Record. 1999.
ZAGONEL, Ivete Palmira Sanson. Epistemologia do cuidado humano: arte e ciência da
enfermagem abstraída das idéias de Watson. Texto Contexto Enferm. v. 5, n. 1, p. 64-
81, Jan./Jun. 1996