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1 Semiótica e transdisciplinaridade em revista, São Paulo, v.7, n.1, p.1-19, Jul. 2017 | ISSN 2178-5368 semeiosis SEMIÓTICA E TRANSDISCIPLINARIDADE EM REVISTA TRANSDISCIPLINARY JOURNAL OF SEMIOTICS resumo O ensino de português para surdos, assim como em outras disciplinas, precisa considerar o aspecto cultural do surdo que é marcadamente visual. Sendo assim, o signo imagético contribui para a aprendizagem desse tipo de público. Dessa forma, tomamos como base a tradução intersemiótica para a criação de recursos didáticos para o apoio educacional para esse sujeito, assim como a melhor compreensão do aluno e seu aprendizado. Aqui, apresentaremos aspectos sobre a Narrativa Visual Lógico-Didática para o ensino de língua portuguesa como L2 para surdos. Defendemos que esse tipo de narrativa contribui para o desenvolvimento da habilidade de leitura em textos verbais de língua oral pelo surdo. Para isso, as imagens que a compõem devem representar o sentido produzido no texto verbal de maneira mais fiel possível. Concluímos que a Narrativa Visual Lógico-Didática é uma ferramenta importante no ensino de língua portuguesa como L2 para surdos. PALAVRAS-CHAVE: Ensino-aprendizagem do português, Surdos, Narrativa Visual Lógico-Didática abstract The portuguese teaching for deaf, as anothers courses, needs consider the visual aspect that is determined by eye. So, imagetic sign contributes to the learning of this people. Here, we have as a theory basic the intersemiotic translation to create teaching resources as an educational support , helping comprehension and and learning of deaf. So, we are presenting aspect of logical didactic visual narrative to teach Portuguese as L2 to deaf. We defend this kind of narrative can help reading ability development in verbal text of oral language by deaf. To this end, the narrative pictures have represent the sense of the verbal text in a way faithfully possible. Then, logical didactic visual narrative is an important tool to teacher Portuguese language as a L2 to deaf. KEYWORDS: Deleuze; critical semiotics; abstract machines Tradução intersemiótica e ensino de português como L2 para surdos SANTOS, Andreina Silva dos. Graduanda em Letras na Universidade Federal da Paraíba - UFPB | [email protected]; ALVES, Edneia de Oliveira. Professora da Pós Graduação em Letras na Universidade Federal da Paraíba - UFPB | [email protected] Semiótica e transdisciplinaridade em revista, São Paulo, v.7, n.1, p.1-19, Jul. 2017 | ISSN 2178-5368

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Semiótica e transdisciplinaridade em revista, São Paulo, v.7, n.1, p.1-19, Jul. 2017 | ISSN 2178-5368

semeiosisSEMIÓTICA E TRANSDISCIPLINARIDADE EM REVISTA

TRANSDISCIPLINARY JOURNAL OF SEMIOTICS

resumoO ensino de português para surdos, assim como em outras disciplinas, precisa considerar o aspecto cultural do surdo que é marcadamente visual. Sendo assim, o signo imagético contribui para a aprendizagem desse tipo de público. Dessa forma, tomamos como base a tradução intersemiótica para a criação de recursos didáticos para o apoio educacional para esse sujeito, assim como a melhor compreensão do aluno e seu aprendizado. Aqui, apresentaremos aspectos sobre a Narrativa Visual Lógico-Didática para o ensino de língua portuguesa como L2 para surdos. Defendemos que esse tipo de narrativa contribui para o desenvolvimento da habilidade de leitura em textos verbais de língua oral pelo surdo. Para isso, as imagens que a compõem devem representar o sentido produzido no texto verbal de maneira mais fiel possível. Concluímos que a Narrativa Visual Lógico-Didática é uma ferramenta importante no ensino de língua portuguesa como L2 para surdos.

PALAVRAS-CHAVE: Ensino-aprendizagem do português, Surdos, Narrativa Visual Lógico-Didática

abstractThe portuguese teaching for deaf, as anothers courses, needs consider the visual aspect that is determined by eye. So, imagetic sign contributes to the learning of this people. Here, we have as a theory basic the intersemiotic translation to create teaching resources as an educational support , helping comprehension and and learning of deaf. So, we are presenting aspect of logical didactic visual narrative to teach Portuguese as L2 to deaf. We defend this kind of narrative can help reading ability development in verbal text of oral language by deaf. To this end, the narrative pictures have represent the sense of the verbal text in a way faithfully possible. Then, logical didactic visual narrative is an important tool to teacher Portuguese language as a L2 to deaf.

KEYWORDS: Deleuze; critical semiotics; abstract machines

Tradução intersemiótica e ensino de português como L2 para surdos

SANTOS, Andreina Silva dos. Graduanda em Letras na Universidade Federal da Paraíba - UFPB | [email protected];

ALVES, Edneia de Oliveira. Professora da Pós Graduação em Letras na Universidade Federal da Paraíba - UFPB | [email protected]

Semiótica e transdisciplinaridade em revista, São Paulo, v.7, n.1, p.1-19, Jul. 2017 | ISSN 2178-5368

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revisão de literaturaO atual artigo visa ressaltar a importância do cinema como ferramenta

de análise e transformação cultural, por meio da trilogia ibérica de Bigas Luna. É possível compreender melhor os signos da sociedade por meio dos signos fílmicos, e por meio da compreensão, enxergar o cinema como um importante instrumento de transformação social, cultural e individual.

O atual artigo visa ressaltar a importância do cinema como ferramenta de análise e transformação cultural, por meio da trilogia ibérica de Bigas Luna. É possível compreender melhor os signos da sociedade por meio dos signos fílmicos, e por meio da compreensão, enxergar o cinema como um importante instrumento de transformação social, cultural e individual

Observamos que pesquisas sobre o ensino para surdos têm aumentado gradativamente em nosso país, mas ainda não se têm pesquisado com maior entusiasmo e profundidade as práticas didáticas adotadas para o ensino do surdo.

Sendo o Português a língua oficial do Brasil, com características escritas e orais e, se fazendo necessário que todo brasileiro tenha o domínio dessa para se desenvolver educacional e profissionalmente, podemos ver e entender através de Lima e Naves (n.d.) que o processo para a aquisição do português pelo surdo é diferente ao observarmos sujeitos surdos em anos iniciais de ensino depois de muitos anos escolares.

O privilégio à língua oral-auditiva em relação a Libras e à falta de conhecimento sobre a importância da aquisição da Libras como L1 ao sujeito surdo e seu aprendizado dificultam a escolarização e o desenvolvimento do português como L2. Em muitos momentos, o preconceito e as discriminações impedem os surdos de utilizarem sua língua por esta ter características visuais ainda entendidas como piada, diferença e motivo de exclusão.

Os surdos são, devido à falta de comunicação com ouvintes, “pessoas geralmente colocadas às margens do mundo econômico, social, cultural, educacional e político, pessoas narradas como deficientes, incapazes, desapropriadas de seus direitos e da possibilidade de escolhas” (SILVA, 2010: 272).

Berthier (1984, apud NASCIMENTO, 2006) afirma que os educadores interpretavam a mente do surdo como um lugar vazio que não continha nada, mesmo que “o processo de aprendizagem da língua de sinais requer memorização e correlação entre imagens de objetos, semântica, contextualização e sinais” (BORGES et al, 2010: 92).

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Ainda hoje, porém, muitos surdos sofrem com a falta de comunicação e sem escolaridade, pois são impedidos de utilizarem a Libras por familiares e institutos educacionais que desconhecem ou relevam a sua importância para o desenvolvimento, forçando os mesmos a aprenderem uma língua baseada no som sem que el possua um input auditivo, tornando-os incomunicáveis.

Considerando o artefato cultural visual do surdo, apontado por Strobel (2009) afirmando ser a experiência visual a que antecede todas as experiências do surdo, que marca a sua vivência e que a falta de recursos visuais dificultam a participação social desse sujeito. Dessa forma, entendemos que recursos visuais podem impactar positivamente na aprendizagem do surdo. Segundo Reily (2003, apud BATISTA; NERY, 2004), o uso de material predominantemente visual é fundamental na educação de surdos.

De acordo com Silveira (2005: 113), há muitas vantagens ao utilizar-se de imagens para a construção de um texto. A autora destaca, entre outros fatores, que o texto constituído por imagens possui uma comunicação universal, dessa forma, vencendo as barreiras da linguagem podendo ser entendido e compreendido por pessoas de língua e cultura variadas. Outra vantagem apontada pela autora é a praticidade da leitura de textos de imagens que pode ser feita em um curto período de tempo e torna-se, assim, mais atraente aos potenciais leitores.

A imagem, segundo Braga (2010: 155), faz parte do processo de produção e recepção da comunicação visual e, dessa forma, comunica algo a alguém. Esse processo de comunicação constitui uma mensagem visual da imagem, proporcionando a medicação da mensagem.

Para Santaella (2000, apud SILVEIRA, 2005: 116), a imagem é entendida “como exemplo de ícone, pois a qualidade de sua aparência é semelhante à qualidade da aparência do objeto que representa.” Podemos, portanto, entender a imagem como um ícone que tem semelhança com o objeto a ser representado e que torna o aprendizado mais significativo, criando nos alunos a capacidade de compreender mais profundamente o que está sendo ensinado, propiciando uma compreensão mais profunda nos mesmos (PROCÓPIO; SOUZA, 2009: 140).

Dessa forma, em aulas com produção e negociação de sentido, tornam-se necessárias para a aquisição do conhecimento pelo surdo. Essa prática, todavia, não é totalmente eficaz nas salas de aula comuns que utilizam o sistema de inclusão. Nessas, na maioria das vezes, o professor se volta à aula expositiva totalmente oral, sem estímulos visuais e, mesmo com a presença do intérprete, é possível que haja perda dos conteúdos apresentados. Silva et al. (2014) afirmam que os surdos reconhecem a necessidade do intérprete para exploração dos

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recursos imagéticos em contextos em que o professor é falante de língua oral. Esse é um dado que corrobora com Lima (2011) e Dorziat et al. (2011), pois, constataram que só a presença do intérprete em sala de aula não garante a efetiva participação do aluno surdo a ponto de suprir todas as suas necessidades educacionais.

Capovilla (2001) também fala sobre essa redução de aprendizado ao ressaltar que a educação de surdos originou-se na oralização, tornando assim sua escolarização inferior quando comparada aos ouvintes. Considerando que “tanto a linguagem verbal como a visual desempenham papel constitutivo na produção de sentidos, de efeitos de sentido” (BRAIT, 2013: 44), ao compreender a língua de sinais como natural ao surdo e ao adotarmos aspectos da cultura surda para o seu ensino, passamos a dar importância ao recurso visual como forma primordial para a comunicação desse sujeito.

A criança surda, igualmente à ouvinte, desenvolve sua linguagem através da imitação, das experiências vividas ao longo do crescimento, porém não participa da experiência referencial auditiva, mas sim a visual.

Dessa forma, igualmente como a criança ouvinte, a criança surda precisa desenvolver a sua linguagem natural antes de qualquer outra língua, pois as fases do processo de aquisição são semelhantes tanto nas línguas de sinais quanto nas línguas orais (QUADROS, apud LIMA e NAVES, n.d.).

Partindo desse pressuposto, a grande sensibilidade visual do surdo propicia uma melhor interação com o imagético, com uma língua voltada para o espaço-visual e são desenvolvidas capacidades de percepção de detalhes muitas vezes despercebidos por ouvintes.

Essa habilidade está também relacionada ao envolvimento do indivíduo surdo na comunidade que lhe propicia uma cultura voltada ao visual, ao ótico, levando em conta o signo imagético, as formas e as manifestações que ele assume através de sistemas de comunicação baseados na cultura, assim adotamos a teoria da semiótica para o desenvolvimento dos trabalhos, pois, como é afirmado em Souza (2006: 45):

a semiótica será definida como um projeto de pesquisa que contempla todos os processos culturais como processos de comunicação. O campo semiótico contempla tanto sistemas de comunicação espontâneos ou naturais, considerados menos culturais, quanto os sistemas culturalmente complexos.

Considerando esse princípio, entendemos que o surdo, fluente ou não da Libras, tem uma melhor percepção visual e o seu estímulo pode ser proveitoso no espaço educacional, preferindo o estímulo imagético às técnicas comumente

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utilizadas de exposição oral-auditiva. Dessa forma, a proposta de leitura de imagens torna-se uma habilidade a ser desenvolvida por ter como base o processo de comunicação que, por meio de imagem facilita a comunicação (SARDELICH, 2006: 454).

Utilizando-se de construções imagéticas que narram fatos ou conteúdos, é possível conseguirmos uma resposta positiva no que se refere à compreensão do aluno surdo, pois o “enunciado, nessa perspectiva, é concebido como unidade de comunicação, como unidade de significação, necessariamente contextualizado” (BRAIT, 2013: 63).

No caso do campo imagético, o enunciado deve ser traduzido e representado por imagens e possuir uma ideia equivalente ao contexto daquilo que será exposto, a fim de atingir a comunicação e a absorção da maioria do conteúdo, criando significação comparativa entre imagens e textos, pois todo processo de compreensão de um texto passa pelo processo de tradução tido como transformação mental das informações à medida que o sujeito em contato com o texto significa e ressignifica-o. Assim, nesse contexto de discussão, Diniz ( 2002) afirma que processo de tradução pode também operar com signos diferentes de forma que se mantém o sentido.

Devemos aqui, rapidamente, entender a que se refere esse processo de tradução equivalente para a educação para os surdos. Inicialmente, devemos compreender a construção do conteúdo utilizado para o ensino através da perspectiva tradutória e ao considerarmos que a tradução do verbal para o imagético pode permear o foco central para o ensino e educação dos surdos, observamos que a tradução depende da ação do tradutor e essa não é uma semiose natural, mas consequência da interpretação e criatividade do sujeito que a traduziu, colocando sobre ela sua leitura e expressão próprias (ESPÍNDOLA, 2008).

Nesse processo, o processo de conversão do texto puramente verbal em texto verbo-visual ou puramente visual envolve o campo da intersemiótica que, para Roman Jakobson (apud ESPÍNOLA, 2008), é um processo de tradução de um sistema semiótico para o outro e que se destaca por representar signos verbais em uma linguagem não-verbal.

Assim sendo, o sujeito/professor/tradutor responsável por relacionar o conteúdo objeto de ensino ao campo imagético deve ler, entender e analisar todo esse material considerando que o texto não é traduzido isoladamente, mas utiliza-se de outros textos resultantes de outras semioses com as quais dialoga (ESPÍNDOLA, 2008).

A mediação do ensino de leitura ao surdo facilitada com o uso do

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apoio imagético, por meio da Narrativa Visual, tendo como base a concepção de dialogicidade presente nos mais diversos tipos de linguagem. Conforme Fernandes (2003), as linguagens incluem o sinal de trânsito, música e pintura, por exemplo. Bakhtin (2000) compreende dialogismo como o processo de interação entre textos, independentes desses serem escritos ou visuais, e que afirma que o texto não pode ser visto isoladamente, mas dialogado com outros discursos similares.

O apoio de fotos, mapas, tabelas ou imagens facilitam o desenvolvimento de leitura do texto verbal no aluno que, em conjunto, formarão ideias relacionadas ao texto abordado, estimulando a criação de conceitos, interpretação textual e pensamento mais crítico compreendendo-se que “um só código nunca é suficiente para pôr um discurso em funcionamento, pois, mesmo que este código seja predominante, outros atuam igualmente” (SOUZA, 2006:104).

A narrativa visual não é simplesmente uma forma de ilustração, mas sim uma mensagem independente, organizada e bem estruturada capaz de fornecer sentido amplo (PROCÓPIO; SOUZA, 2009: 139). Podemos entender, também, a Narrativa Visual como formas visuais articuladas discursivamente expressando fatos para a compreensão discursiva do seu conteúdo onde a proposta é simultaneamente estabelecida em um processo sequencial. (BRAGA, 2010: 164-165).

Braga (2010: 167) afirma também que as configurações imagéticas, aqui entendidas como Narrativas Visuais, podem ser reproduzidas em vários e diferentes suportes materiais. Esse é variável e pode ser reproduzida de forma a haver aproximação das formas imagéticas com suas correspondentes discursivas.

Podemos dizer, dessa forma, que a proposta pedagógica que utiliza-se de recursos semióticos como instrumentos de ensino estará favorecendo o aprendizado das pessoas com deficiência, tornando possível a significação do mundo através da construção de sentido mediante a interação entre o sujeito e o signo (BATISTA; NERY, 2004).

Bakhtin afirma que “o primeiro e mais importante dos critérios do acabamento do enunciado é a possibilidade de se responder – mais exatamente, de adotar uma atitude responsiva para com ele, por exemplo, executar uma ordem” (2000: 299), assim o ensino do português com o uso da narrativa visual possibilitará que o aluno surdo dialogue com o conteúdo e com demais alunos, absorvendo ensinamentos e opinando sobre o texto de forma mais clara.

Dessa forma, consideramos o desenvolvimento dessa pesquisa relevante, pois ao observar que o principal ponto para a dificuldade de compreensão do

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surdo em relação à aquisição do português é a falta da referência sonora como base para associação de palavras, ao fazer uso de narrativas visuais é possível construir no surdo a ideia da escrita baseada na referência visual, sendo assim possível o entendimento e aprendizado.

metodologia Apresentaremos a experiência de construção das Narrativas Visuais

lógico-didáticas e sua aplicação no projeto de extensão intitulado “Produção de recursos didáticos para o ensino ao surdo” e apresentado nas aulas de português para surdos, no “Projeto de letramento do surdo através dos gêneros textuais do cotidiano (LETS)”, ambos realizados no ano de 2016 na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), sob a coordenação da professora Dra. Edneia de Oliveira Alves.

A observação da aplicação das narrativas visuais didáticas aconteceu durante as aulas ministradas nas aulas de Português para surdos do LETS, em três turmas somando o total de 20 alunos surdos adolescentes e adultos ao longo de três anos, em níveis de instrução escolar e de proficiência em leitura de língua portuguesa. Aos alunos eram apresentadas as narrativas visuais lógico-didáticas dos gêneros textuais trabalhados em sala de aula, com temas diversos relacionados ao cotidiano, sob a ministração da professora coordenadora.

Dessa forma, foram dispostas as Narrativas Visuais Lógico-Didáticas que narraram textos durante as aulas do projeto supracitado durante o período de oito meses. As narrativas foram construídas com imagens coletadas de sites disponibilizados pelo google imagem, com as devidas citações de fontes, assim como, houve o cuidado de desfocar rostos presentes nas imagens para não uso da imagem dos seres humanos. Tais narrativas foram compostas por imagens estáticas e por vezes editadas para possibilitar uma associação entre a informação imagética e a verbal do texto original. Para as edições de imagem, utilizamos o programa Adobe Photoshop2 , sendo agrupadas em seguida, como narrativas, no programa PowerPoint3 , em formato de slides. Em seguida, foi necessário o estudo do conteúdo a ser apresentado para que a Narrativa Visual tivesse a melhor associação com o enunciado.

resultados e discussõesNo contexto de ensino ao surdo, a narrativa visual foi adaptada para

atender ao objetivo de ensino de leitura para o surdo. Com base em Braga (2010), entendemos narrativa visual como uma composição narrativa realizada por meio de sequência de imagens que terá a finalidade de contar uma história ou fato.

Por necessidade do projeto, criamos a Narrativa Visual lógico-didática

2 Adobe Photoshop, (2007). (Versão CS3) [Software]. EULA.3 Microsoft Power Point, (2010). (Versão 2010) [Software]. MICROSOFT.

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com fins educacionais para o ensino de leitura. Assim, sua estrutura é uma narrativa construída com imagens estáticas que apresentem e representem a ideia central de determinado enunciado verbal mantendo sua qualidade informativa com a finalidade de estabelecer comunicação visual, nesse caso, para o surdo.

Dessa forma, a Narrativa Visual Lógico-didática é utilizada nesse projeto como auxílio para o ensino de leitura de textos verbais em português, sendo também útil para transmitir qualquer tipo de informação, seja ela de cunho social ou educacional. Apresentamos um fato narrado/exposto através da tradução imagética (intersemiótica), pois, “o texto resultante, a tradução, não consiste da incorporação do texto anterior “transportado”, e sim de um texto que se refere a outro(s) texto(s), que o(s) afeta, que mantém com ele(s) uma determinada relação ou que ainda o(s) representa de algum modo.” (DINIZ, n.d.: 1001).

A partir dessa ideia, demonstramos a importância do recurso das Narrativas Visuais Lógico-didáticas para as aulas de português e para as demais disciplinas escolares, entre outras, podem ser ministradas aos alunos, sejam eles surdos ou ouvintes, gerando melhor compreensão ao associarem o texto escrito com o visual, na perspectiva assumida por Brait (2013, p, 51, 52) como verbo-visual quando afirma que o verbal e o visual estabelece:

[...]um forte diálogo entre texto e imagens, de tal forma que, mesmo olhando para as duas dimensões, uma em cada página, o leitor tem a impressão de uma contaminação recíproca, de maneira que as fronteiras entre o verbal - a escrita, e o desenho ficam diluídas, provocando efeitos conjuntos.

Para a criação da Narrativa Visual Lógico-didática implementamos um processo de trabalho. Inicialmente, foram escolhidos os textos verbais a serem traduzidos para a o texto imagético, considerados o texto fonte. Em seguida, foi necessária uma observação profunda e detalhada sobre as imagens que traduziriam frases ou ideias de trechos do texto fonte. Consequentemente, criou-se uma sequência lógica das ideias seguindo a mesma sequência de ideia do texto fonte.

Para que possamos compreender as implicações que envolvem a criação das Narrativas Visuais Lógico-Didáticas, apresentamos aqui a analise daquela cujo texto fonte foi um Artigo de Opinião: O estupro, a histeria coletiva, o sociologismo vagabundo e as distorções da militância de gênero, de Reinaldo Azevedo4 .

Nessa Narrativa, inicialmente, foi pensado uma forma de identificar a posição opinativa do escritor que se coloca no discurso como um narrador

Figura 1 – Imagem indicando aumento do crime

Fonte: http://www.goiasreal.com.br/images/noticias/thumbnails/viol_ncia%20gr_fico_650x0.jpg

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4 Fonte:<http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/o-estupro-a-histeria-coletiva-o-sociologismo-vagabundo-e-as-distorcoes-da-militancia-de-genero/>

onipresente por meu da expressão explícita de suas opiniões, como prevê o tipo de gênero escrito. Assim, utilizou-se a um desenho de um sujeito presente em todas as lâminas do slide. A repetição dessa imagem constituiu a representação da presença de uma opinião.

Esse elemento foi importante para que os alunos pudessem visualizar a presença da opinião nesse tipo de gênero. Essa representação imagética possibilitou que o aluno alcançasse a ideia de opinião de forma materializada e não só por meio de abstração dos sentidos no texto verbal, pois, esse tipo de atividade os alunos não tivera sido preparado para alcançar o nível suficiente para essa abstração.

Em seguida, todo o artigo de opinião foi lido e a ideia central do enunciado, identificada. Consecutivamente, por se tratar de um texto extenso, foram retirados do mesmo os parágrafos que representassem as ideias centrais expostas e, após serem agrupados em sequência no programa Power Point, iniciou-se o processo de tradução intersemiótica com a construção da Narrativa Visual Lógico-didática utilizando-se de imagens que representassem as ideias centrais de cada parágrafo.

Considerando que “a imagem favorece um pensamento relacional, utilizando os elementos visuais para estabelecer relações e comparações” e que “as crianças surdas podem ser favorecidas em sua aprendizagem pelo uso de imagens visuais como estratégia de ensino,” (BATISTA; NERY, 2004: 290) é imprescindível, portanto, que essa construção seja a mais fiel possível ao texto de estudo, evitando que ideias contrárias às desejadas sejam transmitidas.

Aqui analisaremos a lâmina 37 da narrativa citada acima, enfatizando a importância de uma boa construção referencial imagética para que o conteúdo seja transmitido de forma clara e alcance os seus objetivos.

Nessa lâmina, foi utilizado o seguinte trecho do artigo de opinião mencionado anteriormente: “As notificações de estupro cresceram enormemente depois de 2009, o que coincide com a aprovação da Lei 12.015, uma pérola da militância feminista.”. Partindo da ideia central presente nesse enunciado, destacamos “As notificações de estupro cresceram enormemente depois de 2009”, que entendemos ser a ideia central contida no trecho, constantes na figura 1 e 2 respectivamente.

Analisaremos, então, ambas as imagens e a ideia que cada uma delas representa, quando associadas à informação central contida no trecho selecionado, e a receptividade das imagens para a aula de português na qual foram apresentadas.

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Quando indicamos o trecho “As notificações de estupro cresceram enormemente depois de 2009”, devemos, inicialmente, entender a ideia de que as denúncias de estupro aumentaram muito desde o ano de 2009.

Ao analisarmos a imagem contida na figura 1, percebemos que a ideia central do trecho selecionado não foi transmitida de forma precisa, deixando

Figura 1: Imagem indicando aumento do crimeFonte: http://www.goiasreal.com.br/images/noticias/thumbnails/viol_ncia%20gr_fico_650x0.jpg

margens para interpretações de aumento da criminalidade de qualquer tipo.

Devemos tomar a ideia da cultura visual descrita por Strobel (2009), ao trabalharmos com o ensino de surdos, temos em nosso meio, pessoas que não tem um referencial auditivo de aquisição de conhecimento sendo esse suprido pela percepção visual. Portanto, as escolhas das imagens para a Narrativa Visual lógico-didática não toma como base a ideia da ilustração, mas, da representação fiel ao sentido produzido pelo texto fonte. Caso seja apresentada uma imagem que leva a uma interpretação errônea do sentido do enunciado, corremos o risco de criar um referencial informativo errado no sujeito ao qual transmitimos o conhecimento.

A imagem da figura 1 apresenta um sujeito empunhando uma arma. Ao fundo, vemos uma espécie de grade, que nos remete a uma cela de cadeia e, um gráfico em tom vermelho sobrepondo-lhe. Em um primeiro momento, poderíamos ver essa imagem como a representação do crescimento nas notificações de estupro por se tratar de uma representação que nos retoma a violência e um gráfico que nos indica o crescimento de algo. Todavia, a imagem como um todo não caracteriza denúncias contra estupro, e sim, um crescimento de algo que aparenta ser a violência com uso de arma de fogo. Assim, é importante compreendermos que:

O tradutor, já definido como leitor antes de ser produtor, também tem sua experiência moldada. Ele tem em vista o espectador com

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todos os seus condicionadores sociais, mas, simultaneamente, como o criador do interpretante, sofre, também, a influência desses mesmos condicionantes. A tradução situa-se, pois, na interseção, no entrecruzar desse social partilhado pelo emissor e pelo receptor do novo signo constituído pela tradução. (DINIZ, n.d: 1004).

A escolha da imagem representativa da mensagem a ser transmitida sofrerá influência no que se refere ao criador da Narrativa Visual lógico-didática. A tradução da ideia apresentada para o ensino, nesse caso, será moldada de acordo com a experiência e vivência do seu tradutor, assim como será fator de primordial importância o conhecimento que esse tiver a respeito do conteúdo ensinado. O tradutor, reforçamos, precisa ler, entender e assimilar a ideia central para que essa possa ser traduzida sem erros ou dubiedades.

Dessa forma, o grupo de alunos com o qual trabalhamos a imagem não poderia associar a ideia de denúncia à imagem da arma sendo empunhada. Nesse caso, a imagem retoma o seu sentido original, o de aumento da violência, transmitindo uma ideia contrária àquela que está sendo apresentada.

Logo, concluímos que a imagem da figura 1 não representa de forma clara a ideia apresentada no recorte feito, necessitando essa ser descartada e substituída por uma imagem que apresente em sua totalidade, uma tradução mais fiel do trecho referenciado, tendo em vista que a Narrativa Visual Lógico-didática é um auxílio necessário para que o surdo consiga ser estimulado à leitura em português através do visual e, dessa forma, adquirir novos conhecimentos.

Outro caso de representação imagética trabalhada para a Narrativa Visual Lógico-didática foi a apresentada na figura 2. Podemos, inicialmente, perceber que ela tem representações discrepantes se comparada à figura 1.

A imagem da figura 2 é resultante de uma junção de várias imagens para que a representação imagética fosse fiel ao sentido contido no texto verbal. Ao equipararmos o trecho “As notificações de estupro cresceram enormemente depois de 2009” e a imagem apresentada acima, temos ambas as ideias, verbal e imagética, dialogando entre si, facilitando a compreensão da mensagem e absorção do conteúdo exposto.

Na imagem, a mulher aflita ao telefone representa as muitas mulheres que, através da militância feminina e acesso à informação, compreenderam que podem e devem, denunciar casos de abusos, independente da natureza da qual vierem.

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Figura 2: Representação do aumento da violência

Adaptado de: https://marcioantoniassi.files.wordpress.com/2013/07/grafico-crescimento.jpg;http://imgsapp.sites.uai.com.br /app/noticia_ 133890394703/2015/11/25/155694/20151125152822300149u .jpg

http://imguol.com/c/entretenimento/ 66/2016/03/07/ mulher-chorando-telefone-ligacao- 1457369298522_956x500.jpg

http://www.douradosnews.com.br/ media/images/ 2921/43881/ tmp/wmX-800x531x4-5148edd 1d9ca6596b2d527 f5ff7d1e 6dcf61952ddc567 .jpg

Prosseguindo com a análise da imagem da figura 2, vemos, à frente dessa mulher que denuncia, um gráfico crescente que parte de 2009 até 2015, deixando claro o sentido de constância e continuidade em ordem crescente. A seta verde ascendendo representa aqui uma iniciativa positiva, também nos trás a ideia de algo assertivo.

Criando uma ideia ainda mais clara da denúncia, sua importância e crescimento, temos ainda na mesma imagem uma mulher em um ambiente que parece ser uma delegacia, de frente para um policial. Essa imagem representa o local e as pessoas que a recebem a denúncia feita por mulheres. O tipo de crime denunciado está implícito nessa imagem facilmente recuperado por meio de inferência porque imagens anteriores mostravam informações sobre estupro. Assumindo a imagem da figura 2 como uma representação mais precisa do trecho escolhido, podemos entender que:

A tradução se define, pois, como um processo de transformação de um texto construído através de um determinado sistema semiótico em um outro texto, de outro sistema. Isso implica em que, ao decodificar uma informação dada em uma “linguagem” e codificá-la através de um outro sistema semiótico, é necessário mudá-la, nem que seja ligeiramente, pois todo sistema semiótico é caracterizado por qualidades e restrições próprias, e nenhum conteúdo existe independentemente do meio que o incorpora. (DINIZ, n.d: 1003).

Partindo desse pressuposto, entendemos a necessidade da adaptação da imagem para garantir uma melhor assimilação, porém, não necessariamente se fará o uso de montagens para que esse resultado seja alcançado.

Considerando que o tradutor/criador da Narrativa Visual Lógico-didática tenha conhecimento do exposto, assim como entenda e compreenda

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sobre o que está sendo falado, a busca por imagens que representem a ideia de forma mais adequada será certa.

Aprofundando o conhecimento, esse observará a imagem e toda a sua construção visual, adaptando-a da melhor forma ao exposto, remetendo, novamente, o trabalho à tradução intersemiótica. Assim sendo,

entendemos a tradução intersemiótica a partir de três aspectos: a semiose é, nesse caso, observada em sua dimensão estética, transpositiva ou contextual. A primeira diz respeito à caracterização do texto final (resultado da tradução) como obra de arte autônoma; a segunda, refere-se àquilo que se transfere de um sistema para outro, em que a tradução promove um espelhamento do texto inicial em outra mídia; a terceira consiste no modo como outros textos intermedeiam a relação entre o signo e seu objeto na tradução (ESPÍNDOLA, 2008: n.p.).

Dessa forma, quanto mais aprofundamento houver no que diz respeito ao ensino, melhor será a Narrativa Visual Lógico-didática, tendo ela qualidade e clareza de ideias, o que são essenciais para o ensino ao surdo e sua aquisição de conhecimento, transferindo a ideia de um sistema comunicativo para outro, tendo em vista que o método transpositivo é uma operação especular, que o método contextual é dialógico e marcado pela intertextualidade (ESPÍNDOLA, 2008), não privando a tradução do sentido contextual, baseando a criação da Narrativa Visual Lógico-Didática nos textos que dialogam com o exposto.

Considerando as informações apresentadas e a importância da escolha da imagem para a representação do texto, podemos agora evidenciar a construção da lâmina em questão em sua aplicação. Vejamos a aplicação das imagens na lâmina 37 que consta na figura 3:

Na construção final da lâmina 37 da Narrativa Visual Lógico-Didática do artigo de opinião, figura 3, apresentado em sala para os alunos surdos, observamos as ideias centrais de cada um dos trechos representados por imagens. É essencial que essas imagens sigam uma métrica, que se repitam caso o texto evidencie algo que já foi apresentado, para a melhor fixação da mensagem, pois [...] os enunciados visuais são compostos a partir da conjugação de vários componentes: a orientação do rosto, a grandeza do plano, a profundidade do campo e a distância (SOUZA, 2006, p, 118).

A produção com imagens deve ser trabalhada de forma a considerar a produção de mecanismos educativos, pois elas não cumprem apenas a função

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Figura 3: Slide contendo imagem da figura 2

de informar ou ilustrar algo, mas a função de educar e produzir conhecimento. (SARDELICH, 2006:459).

Ao apresentarmos a lâmina 37 aqui estudado para o grupo de alunos surdos, foi possível observar uma melhor compreensão de todos, mesmo àqueles que não tinham total domínio da sua língua natural, a Libras, ao que se refere às denúncias de casos de estupro.

Para Smith (1999, apud SARDELICH, 2006:460) é necessário pensar sobre o processo de leitura das imagens como uma forma possível de leitura. Ele afirma que o bem simbólico é codificado de diversas formas e a recepção desses bens deve ser compreendida como leitura, pois imagem, assim como código, é código em constante interação.

A imagem apresentada para a construção do aumento das denúncias contra estrupo foi vista como uma construção positiva, levando à consciência de que é necessária a denúncia contra casos de violência e ao pensamento crítico ao observarmos um longo debate sobre o estupro, a violência e suas consequências também na comunidade surda.

Dessa forma, foi possível compreender Procópio e Souza (2009: 140) ao afirmarem que ao trabalharmos com imagens, “o aprendizado se torna mais significativo e os aprendizes são capazes de criar uma compreensão mais profunda, retendo a informação com maior facilidade”.

Todavia, é importante que se considere para quem o material será produzido, cuidando para que o aluno não seja agredido através das imagens apresentadas. “Quando falamos ou escrevemos, consideramos o perfil do nosso interlocutor, mesmo que ele seja virtual. A linguagem é adequada aos seus conhecimentos, lugar social, faixa etária, grau de instrução etc. [...].” (SILVA, 2016: 96).

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Quanto mais constrangedor seja o tema a ser abordado, mais atenção deve-se ter a respeito da tradução. Nessa Narrativa Visual Lógico-didática, que tratou de um assunto polêmico – estupro coletivo, a composição das imagens seguiu uma linha de intensos cuidados.

Além de repassar a imagem de um caso que chocou o país, a ideia geral do artigo deveria ser transmitida para os alunos de forma ampla e clara, utilizando-se de imagens que representassem o fato por uma perspectiva não tão agressiva.

Dessa forma, podemos entender e ressaltar que o objeto também é um signo, dessa forma, uma obra que será traduzida também tem um objeto que a representa. Assim sendo, a tradução é uma forma de tentar representar esse mesmo objeto de outra forma. (ESPÍNDOLA, 2008).

Além do apoio imagético, é necessária também a explicação do conteúdo, das imagens ali representadas para a construção de conceitos e essa deve ser feita em Libras, garantindo quase que em sua totalidade a absorção do exposto, ao interagir com os alunos em sua língua natural, através da interação, assim como Brait afirma ao dizer que:

[...] o enunciado e as particularidades de sua enunciação configuram, necessariamente, o processo interativo, ou seja, o verbal e o não verbal que integram a situação e, ao mesmo tempo, fazem parte de um contexto maior histórico, tanto no que diz respeito a aspectos (enunciados, discursos, sujeitos etc.) que antecedem esse enunciado específico quanto ao que ele projeta [...]. (2013: 67).

É importante que a Narrativa Visual Lógico-didática, como já dito anteriormente, seja construída seguindo criteriosamente o texto abordado dialogando como equivalentes, pois:

A idéia de equivalência provém do fato de que toda linguagem tem uma ordenação básica, isto é, os signos não se amontoam, mas existem como sistemas, semântica e sintaticamente, organizados. A equivalência estilística aponta para elementos com funções equivalentes. Este é o nível da tradução intersemiótica. Assim, a equivalência não se define como busca pela - igualdade que não pode ser encontrada nem dentro da mesma língua - mas como processo. (DINIZ, n.d.: 1003).

Ressaltamos a necessidade para que o exposto seja adaptado de forma cuidadosa. Em se tratando de português, por exemplo, textos longos necessitarão de cortes para que o conteúdo seja explanado, porém, é imprescindível que esses cortes sigam uma sequência para que não haja perda de conteúdo, assim como é necessária revisões da Narrativa Visual Lógico-didática para se certificar se ela abrange a ideia geral contida no texto.

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conclusãoConsiderando o conteúdo exposto, podemos identificar que a ausência

do referencial auditivo e a falta de metodologia adaptada, assim como a pouca utilização da Libras como L1 em sala de aula, prejudica em grande escala o aprendizado do aluno surdo que tem como referência o visual e precisa absorver como sua, uma língua oral.

Assim sendo, como forma de apoio e melhora do ensino, a nossa experi~encia indica que as Narrativa Visual Lógico-didática contribuem para a aprendizagem do surdo uma vez que requer desse sujeito o referencial visual. A Narrativa Visual Lógico-didática, que deve ser analisada e interpretada de forma a dialogar com o conteúdo a ser ensinado, vem como um apoio e referencial para o aluno surdo que aprenderá e compreenderá de maneira mais facilitada, através da associação, a disciplina. As construções imagéticas presentes na Narrativa Visual Lógico-didática virão como referencial e este aluno conseguirá, assim, ter um melhor aprendizado ao assimilar o contexto enunciado.

Compreendendo que os alunos surdos do projeto tiveram maior absorção de conteúdo através da comparação texto-imagem, torna-se, portanto, extremamente importante que as imagens presentes da Narrativa Visual Lógico-didática sejam observadas, estudadas e interpretadas antes de servirem como referência, a fim de evitar a transmissão de informações erradas. Quanto mais firmeza e conhecimento do tema a ser ensinado, mais precisão na criação da Narrativa Visual Lógico-didática que conseguirá, dessa forma, passar uma ideia mais clara do seu contexto educacional.

Ao utilizar a Narrativa Visual Lógico-didática como apoio para o ensino em sala de aula, durante o projeto citado, observou-se o real interesse dos alunos presentes a melhor compreensão do conteúdo exposto. Observamos que o conteúdo que era apresentado com esse tipo de narrativa era melhor assimilado, assim como também observamos que nas Narrativas cujas imagens não representavam de forma clara a ideia central do exposto foram absorvidas com maior dificuldade depois de repetidas explicações por parte da professora.

Concluímos, pois, que a problemática educacional dos surdos não está em sua capacidade de aprendizado que, por tantos anos, foi apregoada como inferior aos ouvintes, mas sim na forma como o conteúdo a ser ensinado está sendo transmitido. Em um grupo onde o referencial é visual, não se pode esperar uma boa compreensão de enunciados apresentados de forma oral, considerando que esse sujeito não ouve o que está sendo dito em sala por seus professores.

Dessa forma, sugerimos o uso da Narrativa Visual Lógico-didática como apoio para o ensino de surdos, independente da disciplina ou conteúdo a serem expostos, assim como ressaltamos a importância desse apoio de ensino,

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observando que é de suma importância que exista o estímulo visual – gestual na sala de aula, assim como a busca por outros recursos que possam auxiliar e melhorar o aprendizado dessa comunidade.

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como citar este artigoSANTOS, Andreina Silva dos; ALVES, Edneia de Oliveira. Tradução intersemiótica e ensino de português como L2 para surdos. Semeiosis: semiótica e transdisciplinaridade em revista. [suporte eletrônico] Disponível em: <http://www.semeiosis.com.br/?p=2405>. Acesso em dia/mês/ano.

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