tradição da narrativa jongueira

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Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo A TRADIÇÃO DA NARRATIVA NO JONGO: POÉTICA, MEMÓRIA E RESISTÊNCIA NEGRA 1 RENATO DE ALCANTARA (FAETEC) RESUMO: Este artigo estuda o jongo, manifestação artística oriunda dos povos bantu, à narrativa, categoria estética da literatura. Para tanto analisamos a trajetória dos negros africanos em África e na diáspora a que foram submetidos em terras brasileiras. Verificamos que os elementos que o constitui, o terreiro, a fo- gueira, o tambor, a dança e o ponto narram não só essa trajetória como todo os processos de (re)construção identitária. Com maior ênfase nos pontos, nossa pesquisa mostra o modo criati- vo, irônico e metafórico com que o negro consegue construir as his- tórias de suas comunidades e criticar a realidade social que o cerca sem perder a alegria, pois o jongo apresenta-se, antes de tudo, como uma celebração à vida. Introdução Em 1862, o filólogo alemão Wilhelm Bleeck utiliza-se do ter- mo bantu para designar variados falares aparentados, nos quais a palavra que designa homens (ou povo) é geralmente construída com o prefixo indicador de plural ba- e o radical -ntu (o singular é mun- tu). Lingüistas como Joseph Greenberg, Malcom Guthrie e Bernd Heine irão, através de estudos etimológico-comparativos, supor a existência de uma língua ancestral hipotética o protobantu, da qual derivou o conjunto de cerca de 600 línguas faladas na região subsaa- 1 Este artigo é versão sintética da Dissertação de Mestrado em Letras, Lite- ratura Comparada, apresentada à UFRJ, em agosto de 2008.

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Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

A TRADIÇÃO DA NARRATIVA NO JONGO: POÉTICA, MEMÓRIA E RESISTÊNCIA NEGRA1

RENATO DE ALCANTARA (FAETEC) RESUMO:

Este artigo estuda o jongo, manifestação artística oriunda dos povos bantu, à narrativa, categoria estética da literatura. Para tanto analisamos a trajetória dos negros africanos em África e na diáspora a que foram submetidos em terras brasileiras.

Verificamos que os elementos que o constitui, o terreiro, a fo-gueira, o tambor, a dança e o ponto narram não só essa trajetória como todo os processos de (re)construção identitária. Com maior ênfase nos pontos, nossa pesquisa mostra o modo criati-vo, irônico e metafórico com que o negro consegue construir as his-tórias de suas comunidades e criticar a realidade social que o cerca sem perder a alegria, pois o jongo apresenta-se, antes de tudo, como uma celebração à vida.

Introdução

Em 1862, o filólogo alemão Wilhelm Bleeck utiliza-se do ter-

mo bantu para designar variados falares aparentados, nos quais a palavra que designa homens (ou povo) é geralmente construída com o prefixo indicador de plural ba- e o radical -ntu (o singular é mun-tu).

Lingüistas como Joseph Greenberg, Malcom Guthrie e Bernd Heine irão, através de estudos etimológico-comparativos, supor a existência de uma língua ancestral hipotética o protobantu, da qual derivou o conjunto de cerca de 600 línguas faladas na região subsaa-

1 Este artigo é versão sintética da Dissertação de Mestrado em Letras, Lite-

ratura Comparada, apresentada à UFRJ, em agosto de 2008.

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riana, em uma área que vai desde a fronteira entre Nigéria e Cama-rões até a África do Sul. Não é demais atentarmos para a observação de SILVA (1992):

(...) o conceito de protobanto é uma criação dos lingüistas e que não se pode falar em origem última, em sentido absoluto, de qualquer língua ou grupo humano – atrás de cada ancestral estão seus ancestrais (...) (SILVA, 1992, p. 210)

Pesquisas mais recentes dão conta que, a região compreendida entre o Gabão e o norte da Namíbia, forma uma única zona cultural, não só por fazerem parte do grupo bantu, mas por seus povos com-partilharem das mesmas ideologias políticas e visões de mundo.

Tais descobertas movem o olhar de etnólogos, antropólogos e historiadores para o fato de os diversos grupamentos tribais que che-gavam cativos ao Brasil possuíam mais afinidades do que outrora se imaginava. Como as línguas se aparentavam, é provável que a uni-formização lingüística tenha-se dado a partir de uma língua oriunda da África, provavelmente o kimbundu, e aprendida durante a viagem da diáspora e não o Português, como a historiografia tradicional a-ponta.

Originário dos batuques e danças de rodas da tradição Bantu, o Jongo apresenta-se como dança comunitária rural que remonta à época da escravidão. Pesquisadores do Instituto do Patrimônio Histó-rico e Artístico Nacional – IPHAN, registraram2, em 2004, cerca de 15 comunidades jongueiras nos estados de São Paulo, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Mas percebem indícios de que haveria aproxima-damente 20 comunidades e cerca de 25 grupos.

Dentre as comunidades catalogadas, destacamos, no Rio de Janeiro, o Jongo de núcleos do Morro do Carmo e Bracuí (Angra dos Reis), Barra do Piraí, Campelo (Bom Jesus de Itabapoana ), Mirace-ma, Pinheiral, Santo Antônio de Pádua, Morro da Serrinha (Madurei-ra), Quilombo de São José da Serra (Valença). Em São Paulo, as comunidades jongueiras de Tamandaré (Guaratinguetá), Cunha, Pi- 2 Tais pesquisas objetivavam o registro do Jongo do Sudeste como Patrimô-

nio Imaterial Brasileiro.

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quete, São Luís do Piraitinga, Lagoinha e Taubaté. Destacamos tam-bém, o Jongo de Carangola e São Mateus, em Minas Gerais e Espíri-to Santo, respectivamente.

Manifestação cultural complexa, que transita no campo do sa-grado e do profano, o Jongo é uma instituição social na medida em que o conceito abrange, simultaneamente, a prática divinatória, dan-ça, canto, canções, melodia, instrumentos, o momento da confrater-nização e o grupo social de seus praticantes, os jongueiros. Deste modo, grafamos a palavra com maiúscula quando nessa abrangente significação. No plural, enfatizam-se tanto os aspectos particulares quanto gerais.

Em entrevista, de Aniceto do Império3 nos diz que O Jongo mata, Jongo não é brincadeira, o Jongo é das almas, e é importante que a senhorinha saiba que está conversando com uma pessoa do santo, eu sou do santo, aquilo ali é a casa das Al-mas e casa de Exu. É difícil eu me encanar, sabe, se eu lhe disser que sois linda é porque é, talvez não lhe diga que és linda porque é falta de princípio, mas também não lhe digo que és linda, fico na minha. Então o seu interesse de pesquisar é mais para ter pa-tenteado, ter gravado como arquivo a declaração de a, b, ou c, mas não é maior no sentido da palavra. Mas como diz o baiano, ‘não é buruburu de ofidam’ diz ele, burro, burra, burra. Estou lhe falando de cadeira, estou lhe autorizando, estou lhe dando autor-ga, me desminta, me chame de mentiroso se puder. O Jongo é das almas, o Jongo deve ser iniciado à meia noite, o Jongo exige uma fogueira, nesta fogueira uma vasilha com algo dentro, deve ser acesa uma vela, ao lado desta vela um copo d’água virgem, liso. O Jongo deve ser dançado com a indumentária branca, na falta de branca, alva. Mas eu tenho medo, sem força de expressão, o Jon-go deve ser dançado descoberto, se é homem descoberto. São três atabaques em ordem crescente segundo o tamanho, candongueiro é pequeno e tem o som bem agudo, depois o angoma puíta, e de-pois desse o caxambu. Porque caxambu não é dança, não é ritual: o caxambu é um instrumento, e o ritual é o Jongo. O Jongo é pai de muitas outras músicas que existem por aí, o Jongo é pai de tu-

3 Aniceto de Menezes e Silva Junior um dos fundadores da Escola de Sam-

ba Império Serrano e morador da Comunidade da Serrinha.

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do isso ou mãe. O Jongo é muito respeitado, o Jongo mata, o Jongo carece até de cabeças maduras, pelo seguinte motivo: o Jongo é deitado no metá-metá, o linguajar do caboclo e eu falar consigo dirigindo-me a ele. E tem que saber desamarrar, desatar aquilo, entender que é consigo o que eu estou falando. (Apud MOURA, 1995, p. 139)

Essa fala aponta a dimensão que o Jongo possui, para as co-munidades negras onde se manifesta: é elemento de reunião, diverti-mento, mas também carrega força mística, unindo homens com a religiosidade.

Não era dançado em data específica: poderia ser ao final da colheita do café, em homenagem a pessoa importante, ou nas grandes festas, geralmente religiosas, tais como São Sebastião, Nossa Senho-ra do Rosário, São José, São Jorge, 13 de maio e festas juninas, em pagamento de promessa do santo de devoção, como demonstra o ponto de Darcy Monteiro4:

Bendito louvado seja, é o rosário de Maria. Bendito louvado seja, é o rosário de Maria. Bendito pra Santo Antônio, bendito pra São João, senhora Santana, saravá meu “zirimão”. Saravá angoma-puíta, saravá meu candongueiro, abre caxambu, saravá jongueiro. Bendito louvado seja meu “zirimão”, agora mesmo que eu cheguei foi pra saravá. Bendito louvado seja Senhora Santana, agora mesmo que eu cheguei foi pra saravá. (RIBEIRO, 1960, JONGO DA SERRINHA, 2001, p. 8)

4 Posteriormente conhecido como Mestre Darcy, será o principal introdutor

de mudanças no Jongo,como a presença de crianças, primeiro da Serrinha e que depois irão espalhar às demais comunidades.

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Observe que

O Jongo se dança em terreiro e note-se essa denominação, que também serve para os locais onde se praticam ritos feitichistas, macumbas, Candomblés, etc. Essa é uma das indicações do sen-tido religioso da dança...

Como prática afrodescendente, comunga o aspecto cosmogô-nico da relação entre os seres, na qual é quase inexistem fronteiras entre o sagrado e profano: Dona Laurides, jongueira de Barra do Piraí, diz, à equipe de pesquisadores do IPHAN, que do final de no-vembro até a quaresma, os tambores estão fechados, não se podendo tocá-los. Na Umbanda e no Candomblé ocorre o mesmo preceito.

Ao contrário da fala de Aniceto, atualmente há consenso entre as comunidades jongueiras em considerar sinônimos os termos Jongo e Caxambu, sendo esse último largamente utilizado nas regiões do Vale do Paraíba Fluminense e Paulista.

Com relação à origem e o significado da palavra jongo, temos três hipóteses: Nei Lopes (1996, p 142) indica uma dança dos ovim-bundu, de nome onjongo, conforme consta no Dicionário Português-umbundu, de Grégoire Le Gennec e José Francisco Valente. No mesmo verbete, discorda do filólogo Antenor Nascentes que vê o vocábulo derivar de Jihungu, instrumento musical.

No documentário Feiticeiro da palavra (2001), o jongueiro Zé Carlos, de Guaratinguetá, afirma que Jongo significa “saudade da África”. Já em Jongos, calangos e folias (2007), o historiador Robert Slenes, aposta na palavra do kikongo nzongo, presente no umbundu e kimbundu na forma songo, que significa flecha ou bala. Diz que há uma expressão em kikongo nzongo myannua, ‘a bala da boca’, isto é, a palavra usada agressivamente e o provérbio umbundu “a palavra é como uma bala”.

Finalmente, Antônio José do Espírito Santo5, traz o vocábulo kimbundu nongo, enigma, adivinhação. Ji-nongonongo é o jogo de

5 RIBEIRO (1960, p. 26) Também aponta esse parentesco, mas não se apro-funda nem assume, pelo que entendemos, essa posição.

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adivinhas, de charadas que, segundo o etnolingüista suíço Hèli Cha-telain possui caráter talvez sócio-educativo, praticado pelos mais velhos de uma comunidade. Conclui afirmando que

sendo Jongo uma manifestação muito antiga, de caráter transna-cional, bem mais complexa do que imaginávamos, podemos con-cluir também que a dança devia ter importância apenas acessória nos eventos (talvez até, meramente eventual) no âmbito de um a-tividade social, francamente, africana, muito ocorrente no Vale do Rio Paraíba do Sul, de meados do século 19 até hoje. (ESPÍ-RITO SANTO, 2008)

Estas hipóteses indicam que há muito que se pesquisar no campo da cultura afrodescendente do Brasil. Esperamos que esse texto cumpra a humilde tarefa de seduzir jovens e novos pesquisado-res nesta empresa. Resta a nós – que nas palavras dos velhos jonguei-ros, somos “pinto pequeno” – perceber se as proposições apresenta-das são ou não contempladas pelo Jongo: a dança, o adivinhar, a palavra-bala que fere com o peso do enigma. Quem mais se aproxi-ma do correto? Não sabemos. Afinal de contas “segredo de parede, barata sabe tudo”, diriam, com sabedoria, os jongueiros velhos.

A narrativa e a memória

Em seu clássico artigo sobre a narrativa de Nicolai Leskov,

Walter Benjamin (1994, p 198) nos diz que “a experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a que recorreram todos os narradores”. Tal passagem traz, para o conceito primevo de narrativa, a associa-ção com a arte de contar o mundo, apreendido através de saberes vindos de terras longínquas e também acumulados na tradição. A transmissão destes conhecimentos se dava principalmente pela orali-dade.

À guisa de estabelecer a possível gênese do fenômeno narrati-vo, SCHOLES e KELLOGG (1977) estudam um período nebuloso, anterior à tradição grega da epopéia e, no mito, fixam a primeira forma de narrativa de que se tem conhecimento. Para eles, mito e

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narrativa tradicional são sinônimos pois “mytos em grego tinha exa-tamente esse significado” (Ibidem, p. 153).

Indo além, indicam três espécies distintas de narrativa tradi-cional primitiva que observam na maioria das culturas: O conto po-pular imaginativo, com função de divertir uma platéia; a lenda, conto quase histórico e o mito sacro “que é uma expressão e justificativa para a teologia, maneiras e moralidades primitivas” (Idibidem, p. 153).

O contador de histórias, desta forma, narrava o mundo e sua ação de narrar se revestia de autoridade, pois era possuidor do res-paldo da experiência compartilhada por toda uma comunidade. A narrativa tinha como fim a transmissão de algum ensinamento, de uma proposição moral, um conselho ou o divertimento. Mantendo-se, durante muito tempo, pela tradição oral, essa narrativa necessita-va de um corpus coletivo, narrador e ouvintes, para existir.

Das formas apontadas anteriormente, o mito sacro é a mais an-tiga e mais arraigada à tradição:

Antes que o relato de histórias houvesse alcançado um grau de sofisticação suficiente para fazer da diversão ou do registro histó-rico sua alçada, deve ter estado a serviço da teologia primitiva. Os mitos sacros acham-se arraigados nos mais vitais interesses da raça humana. (SCHOLES; KELLOGG, 1977, p. 154)

Esta narrativa caracteriza-se por ser fortemente cerrada, ha-vendo em cada evento uma significação que se encaixa nos demais. Ao final, o entrelaçamento de todos eles nos remete a uma significa-ção de ordem cósmica, universal, explicadora da origem de um fe-nômeno natural. É a função etiológica do mito que sempre mantém uma relação significativa com a vida humana e sua existência na Terra.

Essas facetas do mito sacro, e de sua narrativa, configuram-se enquanto tentativa de apalpar o desconhecido, de o homem intervir no caos do universo, dando continuidade ao descontínuo da doença, das catástrofes, do mistério da morte, através das palavras que, ao serem transmitidas, adquirem valor de verdade e de sagrado. Narrar é

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uma forma de ordenar a desordem, subjugar o desconhecido, anular o esquecimento, perpetuando a existência.6

A contaminação das narrativas originais por outras oriundas de culturas com que se mantivessem contatos comerciais ou bélicos, por exemplo, acaba por diversificar a série de eventos narrados.

O significado de ordenação cósmica não desaparece porque, a transmissão de conhecimentos realizada, delineava narrador e narra-tiva enquanto mediadores das relações efetuadas entre o mundo e os homens, operacionalizando uma ação de abrangência totalizadora do real.

Nada escapava ao narrar, toda experiência narrada segue ao encontro do reconhecimento. Os homens se reconheciam no ato de contar suas histórias. Recontá-las infinitamente significava o domí-nio humano sobre o cosmo e a confirmação de que ele é revelador de saberes, multiplicando-os. A linguagem é o meio pelo qual as coisas se manifestam e adquirem significados. A realidade existe como tal porque o homem impõe às coisas relações instauradoras de uma certa configuração.

Na medida em que as sociedades vão se tornando mais com-plexas, tornam-se necessárias outras formas de mediação entre o homem e aquilo que o cerca. O canto, a dança, a música, o gestual irão preencher lacunas deixadas pela narrativa. É na união do corpo humano-natureza, que será reconfigurada a conjunção ancestral ge-radora do universo.7

Sabemos, através dos Jongos, que os negros escravizados tive-ram que pôr em prática suas habilidades de dizer de modo indireto.

6 Há de se lembrar que, nos portos de embarque de escravos, havia a árvore

ou portal do esquecimento. Homens e mulheres eram obrigados a dar, res-pectivamente, 9 ou 7 voltas ao redor deste e em sentido horário. As memó-rias, o passado, a cultura e a identidade eram ritualisticamente esquecidas, rompendo todos os vínculos, todos os laços de pertencimento. Deste mo-do, os cativos perdiam a condição de viventes, convertendo-se em mortos em vida.

7 Nesse sentido, as experiências narrativas na diáspora revivificavam os cativos, anulando o ritual da árvore do esquecimento

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Através de metáforas percebidas por seus iguais, os antepassados e as forças metafísicas eram reverenciados:

Papai era negro da Costa, Mamãi era nega banguela, Papai começô gostá de mamãi, Foi e casô cum ela. (ARAÚJO, 1964, p. 203)

A dura vida no eito que obrigava os negros a acordar antes do nascer do sol, após cinco ou oito horas de sono, era mencionada de modo jocoso:

Aquele diabo de bembo zombou de mim Não tenho tempo de abotoar minha camisa, Aquele diabo de bembo zombou de mim (STEIN, 1990, p. 198)

A palavra bembo8 parece referir-se a mbembo, do kikongo9: voz, nome próprio (homem ou mulher); briga; ou do kimbundu mbembo, repetição de um som reenviado por um corpo duro, eco conforme registram Pacheco e Slanes (2008, p. 178). Dessa forma, os fatos narrados reconstroem as fissuras provocadas pela diáspora.

Ética ancestral

As manifestações culturais dos escravos negros no Brasil não

seguem o paradigma ocidental, marcado pela divisão social do traba-

8 Na gravação feita pelo pesquisador norte-americano não fica claro se é

dembo que, neste caso, viria do kimbunbu ndembu autoridade superior ou ndenbo, umbundu, rainha. (LARA E PACHECO, 2008, p.178)

9 Seguiremos a notação dos estudos internacionais sobre povos e línguas africanos. Grafaremos termos nas línguas de origem em itálico somente na primeira aparição.

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lho que modifica as relações entre os homens e destes para com o conhecimento e a produção de mercadorias. Para tal divide-se em nichos ultra-especializados à procura de maior eficiência. O trabalho especializado torna-se a síntese de uma percepção da realidade não mais baseada no todo e na integração.

O consumo diviniza-se e comprar torna-se um fim em si pró-prio. Como sabiamente aponta José Saramago em Ensaio sobre a cegueira, o futuro reserva a cegueira da alienação.

Na cultura ancestral africana, o universo articulava-se de modo cosmogônico, isto é, em autocriação integrada: suas partes respon-dendo pelas relações entre os homens, a natureza e os Deuses. De maneira oposta, a tradição judaico-cristã, da qual somos herdeiros, dualmente faz a separação matéria-espírito. Na tradição estudada, essa dicotomia inexiste: céus, terras, natureza, trabalho, homens, ancestrais e Deuses, todos interagem e se complementam ou, nas palavras de Dias (2001):

Num universo sacralizado, qualquer ação do homem ganha cará-ter ritual, direcionando-se para equilibrar a sua força vital com as demais energias do cosmo. E convivem em continuum o mundo dos homens, da materialidade, e o mundo invisível, dos ances-trais e divindades. Sendo, pois, a vivência do sagrado total e coti-diana, ela não exclui as emoções humanas, o prazer e a alegria: a fé com festa que tanto intrigava os cronistas. (DIAS, 2001, p. 866)

Nas sociedades da África subsaariana, caracterizadas pela pre-dominância da oralidade, o detentor da palavra possui a função de ser o guardião das histórias e transmissor do conhecimento de seu povo. A estrutura organizacional destas sociedades garante-lhe poderes especiais, pois é através das suas palavras que os caminhos serão iluminados e que as tradições são perpetuadas.

Cabe aos mais velhos esse papel, devido às experiências acu-muladas durante sua trajetória existencial, cabendo-lhes a obrigação de veicular o conhecimento aos mais novos a fim de perpetuar não só a cultura, como também a História, conforme nos relata Padilha (1995):

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O feito vivido - lutas internas, dissensões, genealogias, casamen-tos intertribais, criações de novos grupos clânicos, etc. - nas soci-edades africanas não letradas passava a ter estatuto de fato conta-do e, com isso, preenchia-se o vazio lacunar da não escrita e a História se disseminava pela voz. (PADILHA, 1995, p. 16)

É nessa comunhão que o mundo passa a ter sentido e a sabedo-ria pode ser transmitida para toda a comunidade. Ação coletiva, fruto dos diversos relatos aos quais se tem acesso, é identificatória, pois, conforme diz Benjamin (1994, p. 200), “o narrador é um homem que sabe dar conselhos”.

Para a existência de um aconselhamento, faz-se necessária a aproximação entre a vida e aquilo que se conta, tornando aquele que narra em sábio, em função de seus conselhos serem tecidos “na subs-tância viva da existência” (Idibidem, p. 200).

Ronilda Ribeiro refere-se ao universo africano como uma i-mensa teia de aranha: “não se pode tocar o menor de seus elementos sem fazer vibrar o conjunto. Tudo está ligado a tudo, solidária cada parte com o todo. Tudo contribui para formar uma unidade” (1996, p. 41).

Essa unidade realça o cuidado com a ecologia e com o bem-estar das pessoas. Tanto o mundo natural, ecologia, quanto o mundo social, estão em harmonia no que tange a uma visão unificada do universo. Sem o respeito e a preservação aos elementos naturais não é possível ter uma vida social saudável e, inversamente, a vida social sã é impossível sem uma natureza também sã.

A terra, terreiro e resistência

Lugar da celebração entre homens, ancestrais e natureza, con-

forme nos diz Silva (2006, p. 41), “era guardiã dos mortos, a servido-

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ra dos vivos e a promessa dos vindouros. Pertencia a todos eles, no tempo e na eternidade”.10

As cerimônias dos candomblés da Bahia e do Rio de Janeiro iniciam-se pela saudação aos orixás africanos e aos caboclos, consi-derados como donos da terra. Na Umbanda ocorrem ritos iniciais semelhantes e no Jongo, temos os chamados pontos de abertura, no qual os antigos jongueiros são reverenciados.

Na diáspora a posse da terra é vedada, mas os cativos constro-em, tomam posse e defendem o terreiro, espaço de chão batido en-frente às senzalas, onde se canta e dança. O terreiro difunde e recria, através de suas atividades, não uma cultura monolítica, mas conhe-cimentos, concepções filosóficas e estéticas, formas alimentares, música, dança: um patrimônio de mitos, lendas, refrões, em constan-te recriação, pois são respostas às demandas da realidade vivenciada por negros reunidos no cativeiro.

É pólo irradiador de complexo sistema cultural no qual as ma-nifestações orais, histórias sagradas, contos, adivinhas, lendas, ex-pressões do canto, constituem um de seus elementos, que deve ser compreendido em função do todo, isto é, do momento em que ocor-rem, dos partícipes, os instrumentos utilizados e demais nuances.

À medida que as repressões aumentam, o negro abriga-se na roda para cantar, dialogar, e discutir a reconquista do terreiro e da liberdade, como mostra esse ponto de Guaratinguetá:

Foi na beira do mar Eu vi ogum guerrear Ele jurou bandeira Ele tocou clarim Com seu exército todo Ele lutou por mim (DIAS, op. cit., p. 874)

10 Os territórios que passam de uma tribo a outra não perdem os laços com o

ocupante anterior. Pode existir, no seio da tribo ocupante, um descendente da etnia que outrora habitava aquele solo e este será conselheiro com po-der de veto. Caso não haja um descendente vivo ou a terra conquistada agora já tenha pertencido a outro povo, são feitas oferendas para os ante-passados destes.

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Se o corpo é cativo, o imaginário, ente intangível, coletiva-mente constrói saberes, ofícios, modos de fazer, lugares e formas de expressão. Disto sabiam as tias baianas do início do século, sendo Ciata a mais famosa delas. Também eram sabedoras do segundo pilar das tradições africanas: a família. Não se trata da noção ocidental e/ou burguesa de família. Para as comunidades de terreiro, os mem-bros da família não só possuem laços consangüíneos, mas espirituais.

A casa está sempre aberta e acolhe a todos que a procuram, tornando-se núcleo de resistência e abrigo. Todos, em vida comunitá-ria, comungam e partilham o pão, as dores, tristezas e alegrias e rea-valiam seus códigos comunicativos.

Teobaldo (2003, p. 11) ao perceber que, a partir de 1970, ocor-re a fragmentação na vida social das comunidades do trecho entre Campos e Paraty, desalojadas por conta da especulação imobiliária, mostra que tal fato “exigiu das culturas orais-rítmicas como Jongos - que têm seus fundamentos assentados nos laços familiares - uma reavaliação urgente de seus códigos de comunicação”.

A migração para a cidade provoca, nestas culturas, a incorpo-ração de novos temas no seu universo, a fim de serem mantidas as suas funções:

Não há outra forma de compreender as culturas de terreiro, se não pela sua utilidade. Cantos de trabalho, terços cantados, rodas de Jongo, tudo isso é utilitário. Simplesmente porque é necessá-rio. Socializa ações. Comunga identidades. (...) a cultura oral so-breviveu e ainda sobrevive, como no caso do Jongo rural de An-gra dos Reis, porque aprendeu a superar os limites geográficos ou políticos que poderiam enfraquecer a sua resistência. (TEO-BALDO, 2003, p. 12)

As culturas de terreiro narram, segundo princípios de uma es-tética singular, as transformações sofridas nas suas realidades parti-culares. Ao observá-las, pode-se perceber semelhanças e diferenças em seus processos de identificação e resistência.

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No Jongo, o processo de escolha temática e estruturação cole-tiva remete-se à rememoração ou reatualização de tradições ances-trais comuns a esses escravos. Devido às trocas simbólicas na diás-pora, tais elementos e situações vão se modificando para se adequar às novas demandas.

A narrativa, como dissemos, se faz necessária na etiologia isto é, na busca da origem e causas da vida humana e, para os bantu essa narrativa viria carregada de poesia e musicalidade. O missionário Karl Laman, ao pesquisar os costumes dos integrantes do grupo kon-go ao norte do Rio Zaire, diz que homens e mulheres “irrompem ao canto pelo mais mínimo pretexto em qualquer ocasião” (The Kongo, vol. IV, pp. 83-4 apud SLANES 2008, p. 126).

Ele também percebe que os corifeus compositores de novos versos são respeitados, acenando para a cumplicidade necessária entre assistência e solista. A habilidade no canto não se restringia às atividades lúdicas ou religiosas, uma vez que estava presente nas demandas jurídicas, envolvendo desafio e réplica, conforme Willian Holman Bentley:

Nos tribunais as canções transmitiam advertências, instruções e admoestações, assim como também alusões ao andamento e des-fecho do caso. Freqüentemente um homem [enfrenta] outros ho-mens que cantam e agitam seus chocalhos (BENTLEY apud SLANES, 2008, p. 126-7)

Como os cativos em África passavam cerca de três anos juntos antes da seleção e embarque rumo ao Novo Mundo (MUKUNA 2000), havia tempo hábil para permitir a construção de um estoque cultural entre os escravos que já chegavam, por exemplo, falando uma ou várias línguas comuns, seja kikongo, kimbundu ou umbundu, usadas no comércio de escravos, sendo que estudos mais recentes indicam a proeminência da primeira como o idioma falado nas senza-las do sudeste. (SLANES, op. cit.)

Sob o som do tambu

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Oi Tambu, oi tambu Quando eu for me embora pra bem longe Quando eu for me embora pra bem longe, eu levo comigo Ah esse som bate forte em meu coração Tim tim tim tim tim, oi tambu Tim tim tim tim tim oi tambu

Tanto esse ponto cantado pela comunidade de Guaratinguetá, quanto o relato de Totonho11, um de seus jongueiros, mostram a im-portância vital do tambor para as comunidades negras:

O tambor é realmente um instrumento muito respeitado no Jongo. Porque ele recebe um nome, também significa como se fosse um orixá pra gente ali. Então ele tem que ser saravado, ele tem que ser respeitado, ele tem que ser cumprimentado na roda de Jongo, porque ele é um respeito. Sem o tambu o Jongo não sai. (...) É o tambu que fala. E a gente transmite tudo que pode através do som pra eles lá. É uma mensagem. (DIAS, 2001, p. 870)

A quantidade de tambores no Jongo é assunto controverso. Grande parte dos pesquisadores indica que são dois ou três os tambo-res do timbre grave para o agudo.

Délcio Teobaldo, no entanto, afirma que originalmente havia apenas um único tambor. Os demais timbres seriam executados com uma tabla de folha de bananeira seca percutida diretamente no chão, ou com uma vara de madeira batida diretamente no corpo do tambu, prática ainda realizada por várias comunidades.

Ressalta ainda que, dadas as condições de sujeição dos escra-vos no eito, era impossível, na prática, conseguir escavar, em madei-ra, dois ou três tambores diferentes e prepará-los sem a perda de desempenho produtivo dos envolvidos com esta tarefa. Ele percebe que a constante reiteração dos entes que compõe a comunidade de terreiro, o mais novo, o mais velho e o ancestral, fez com que essas

11 José Antônio Marcondes Filho.

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três vozes, primeiramente existentes no plano simbólico, fossem relacionadas, posteriormente, aos tambores.

Não existem provas documentais ou relatos que corroborem sua argumentação; ela é calcada no aspecto pragmático da vida sob o cativeiro. Além disso, muitos jongueiros informam existir uma série de preceitos de cunho religioso na confecção de um tambor que vão desde a lua certa para se derrubar a árvore12, o tempo de secagem, o momento de se matar o animal que fornece o couro.

A atual literatura sobre o Jongo, sobretudo os relatos nas pes-quisas de Stanley Stein mostram que, quando era dada permissão para o Caxambu, escravos e negros-forros de várias regiões compa-reciam às rodas. Podemos especular que seria perfeitamente provável que levassem seus instrumentos.13

Divergências à parte, a denominação genérica do tambor da área dos bantu é angoma14. Essa palavra deriva do termo ngoma, oriunda do kimbundu ou kikongo. Por ampliação, a própria roda de Jongo, às vezes, recebe esse nome.

O tambu, maior de todos, apresenta outros nomes dependendo da região, como caxambu, papai, ou guanazamba. As madeiras prefe-ridas para sua execução eram suinã, canjerana, bico de pato, orelha de negro, ou algumas espécies de cedro. Escavado, tem comprimento de 80 centímetros (mais utilizado por razões acústicas) até mais de 1,5 metros e cerca de 40 centímetros de diâmetro.

Normalmente, o tambu é colocado no chão, e o tocador monta nele, percutindo-o com as mãos. O couro é molhado com pinga, de maneira carinhosa, e aquecido na fogueira para manter a afinação.

12 A confecção de um tambor é um grande segredo. Os jongueiros velhos

sempre desconversam e os mais novos dizem não saber como fazê-los. Ouvi de vários jongueiros que não se cortava a árvore, deveria esperar que ela caísse.

13 Uma das coisas mais espetaculares da pesquisa nas tradições orais negras é o fato de que uma série de elementos permanecem ocultos, aguçando a imaginação e a curiosidade.

14 Também chamado de ingoma, engoma, angona, angomba.

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Candongueiro é o nome dado ao tambor médio medindo entre 40 a 60 centímetros e o menor chamado de guzunga ou cadete. A confecção destes é semelhante à do tambu.

Algumas comunidades15 utilizam-se da puíta ou angoma-puíta: Uma barrica, sem fundo, encourada na boca. No seu interior, preso ao centro do couro, há um pequeno cilindro de madeira ou bambu, friccionado com um pedaço de pano úmido ou com a própria mão molhada, com isso se consegue um som surdo, por isso é conhecida como boi ou onça. Seu tocador é também chamado de maquinista. É a precursora da cuíca.

Perceber o tambor como um dos principais elementos da cultu-ra afro-brasileira nos leva a uma viagem no tempo e no espaço. Sua existência e função primeva relacionam-se com a necessidade de o ser humano integrar e superar a phisis, isto é, a matéria, a natureza explícita.

Por esse motivo, tambor, para o negro africano torna-se elo re-lacional entre os planos terreno e metafísico, pois agrega a força vital do animal que fornece o couro, do vegetal que cede a madeira e a da terra, que fornece o alimento para os últimos e a fixação de tudo com o uso de minerais metálicos. Por último, o fogo, além de ser utilizado para escavar o tronco, é fundamental para garantir a afinação do cou-ro.

Como bem afirmou Délcio Teobaldo16, o tambor é vazio, oco por dentro. Abre-se a (e para) uma nova dimensão absorvendo e transmitindo as energias armazenadas nele e da comunidade que o invoca.

Dessa recombinação emerge um ente de energia plena, capaz de encapsular a alma dos antepassados e a essência das divindades: É a partir do toque dos atabaques que será possível o transe, (re) liga-ção entre os planos da existência.

15 A comunidade de Santo Antônio de Pádua é uma das poucas que vi utili-

zando-a. 16 Informações colhidas durante ciclo de palestras: Jongá, cantos de traba-

lho e orgia, no auditório da Caixa Cultural, Rio de Janeiro, entre 06 e 20 de novembro de 2007.

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Atualmente, várias comunidades utilizam-se de instrumentos industrializados, como o Jongo de Piquete; no interior paulista, po-rém, a maioria das comunidades possui e utiliza instrumentos artesa-nais.

A dança

Dispostos em círculo, os participantes são a assistência, com-

posta por convidados da comunidade ou, atualmente, espectadores comuns, os instrumentistas e os jongueiros dançarinos. Não eram admitidas crianças e os mais jovens ficavam de fora observando. A roupa, branca ou alva, poderia ser especialmente reservada para a atividade ou ser roupa comum. Os pés, descalços em contato com o chão de terra batida. As mulheres sempre usavam saia rodada. Os jongueiros movimentam-se no sentido anti-horário17.e o primeiro passo sempre é dado com o pé direito acompanhando a batida do tambu.

Os dançarinos, conforme observa Ribeiro (1960, p. 47), “fa-zendo um balance de dois ou três passos e viram à direita e esquer-da” numa espécie de simulação de abraço. Um casal realiza, no cen-tro da roda, um solo até que seja substituído por outro.

Narrativa com poesia ou poética na narrativa: o ponto de jongo

Do mesmo modo que na Umbanda e no Candomblé, o cântico

entoado pelo jongueiro chama-se ponto. Ao contrário das primeiras, no Jongo há somente os símbolos orais e, portanto, pode ser falado ou cantado primeiramente pelo solista, com versos livres improvisa-dos e tem o refrão respondido por todos.

17 O sentido é o oposto ao do realizado no ritual da árvore do esquecimento,

conforme falamos (Cf. nota 5).

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Deve-se atentar para o fato de os jongueiros utilizarem as ex-pressões tirar ou jogar um ponto quando se referem a iniciar o canto. Entendemos tal procedimento situado no código de coletividade que a roda exige: Ninguém o faz. Fazer significaria ato solitário e indivi-dual e a dinâmica do processo não fixa autores e sim o próprio grupo. Dessa forma, a autoria dos pontos não é mais importante do que ne-nhum dos partícipes que precisam reconhecer nele a força de fazer a roda girar.

Além disso, quando se “tira” algo é porque ele já existia, era imanente à comunidade que comunga, toma parte do que é dito. Jo-gar está no campo semântico da diversão e, ao mesmo tempo da des-treza. Só joga aquele que bebeu bastante da tradição jongueira, a-prendendo e apreendendo seus mistérios, preceitos, metáforas e ma-lícias.

Cheguei na angoma Tinha muita diferença Quero cantar meu pontinho E meus pais velhos dão licença.

Tia Luiza e os demais jongueiros de Angra dos Reis costumam abrir assim suas rodas. Avisam que chegaram para o Jongo e pedem licença aos mais velhos. É um ato de respeito às regras de compor-tamento.

Quando algum jongueiro deseja cantar outro ponto, interrom-pendo o anterior, grita: “Machado!” ou “Cachuêra!”. Ambos são elementos de corte, interrupção. Os tambores imediatamente se ca-lam e a dança cessa até que se tire um novo ponto.

No período escravista, o espaço criado com a dança no terreiro representava um raro momento de comunicação da comunidade cati-va. Todas as mensagens de apelo, críticas articulações e pedidos eram executados através do ponto que, metaforicamente, se torna ímpar ao tirar partido da percepção de a cultura hegemônica conside-rar o negro incapaz de maiores refinamentos expressivos:

Junta, junta mosquito-polva Marimbondo chegou agora.

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Era desse modo que os escravos sabiam que algum outro cati-vo estava sendo castigado e corriam para acudi-lo, conforme relatou, aos pesquisadores do IPHAN, uma jongueira de Santo Antônio de Pádua, infelizmente não identificada.

Mas o ponto nunca converge para uma única direção, uma vez que nele passam infinitas retas. Deste modo, podemos ler a metáfora do ponto de outro modo: apesar de ser diminuto e frágil, por isso comparado aos escravos, o mosquito-pólvora ou maruim, endêmico nas regiões de manguezal, possui uma picada dolorosa que provoca inchaço e, em alguns casos, febre.

Em oposição a ele, está o marimbondo, representação do feitor ou do Senhor. Muito maior que o mosquito e dono de um ferrão que inocula veneno poderoso, tem hábito solitário. O ponto exorta a uni-ão guerreira dos pequenos contra o grande opressor.

A linguagem dos jongueiros é dúbia, com imagens aparente-mente simples, tomadas da realidade próxima (natureza, plantas, o trabalho da roça, os animais). O sentido atribuído a entes é movedi-ço, pois as decifrações dos códigos cantados eram exclusivas às co-munidades, vigiadas continuamente por feitores, intendentes ou por brancos que se aproximavam da roda para buscar diversão, como nos informa D.ª Zé, jongueira de Guaratinguetá (Apud DIAS, op. cit., p. 875):

os escravo, num podia comunicá com ninguém, eles não tinha li-berdade, né? Então, quando eles entrava na senzala é que eles iam participá um co outro. Então, no meio eles faziam a roda de Jongo e, ali, cada um cantava o Jongo falando o que queria falá, mas sobre... pela canção. Daí, um entendia o que tinha que sê fei-to. As vezes o que se passô no dia, o que ia acontecê. Então, um já avisava o outro. E, era por meio de ponto de Jongo que era comunicado as coisa.

Algumas danças de escravos, como o lundu, chegavam aos sa-lões da casa grande. Do lado de fora, ganha corpo e se desenvolve

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uma poética de compreensão interna que ainda hoje se atualiza nos obscuros pontos de jongo.

As descrições sobre as rodas de Jongo costumam classificar os pontos de acordo com o momento em que eles ocorrem ou assunto principal. (RIBEIRO, 1960; GANDRA,1995):

Abertura ou licença: cantado no início dos trabalhos para pedir licença;

Louvação: saudação dirigida a algum antepassado jongueiro, ao dono da casa e/ou o local da roda;

Visaria ou bizarria: para alegrar e divertir os participantes; Demanda, porfia ou gurumenta: desafio, exige que outro jon-

gueiro decifre seu código demonstrando sabedoria. Atualmente esses pontos não são cantados em apresentações públicas;

De encante: carregado de magia e capaz de enfeitiçar o opo-nente que não consegue desatá-lo. Há registros de jongueiros que ficam desacordados ou catatônicos e, no dia seguinte, não se lem-bram de nada que ocorreu. A preocupação de Aniceto do Império, citada no início deste capítulo, encerra-se nesta característica do pon-to;

De encerramento ou despedida: cantado ao amanhecer, sau-dando a chegada do dia e encerrando a festa.

Do ponto de vista da dinâmica da roda de jongo, os pontos de licença e louvação encontram-se em um mesmo momento, o início do Jongo ou da chegada do jongueiro a este. Os pontos de visaria expressam o cotidiano da comunidade e seguem em um segundo momento18. Os pontos de demanda, gurumenta, gromenta ou goru-menta, corruptela de argumento (DIAS, op. cit., p. 878), incluem os de encante. Sua diferenciação estaria apenas calcada na intenção do jongueiro em desafiar ou enfeitiçar alguém.

A água vai em riba e a pedra espia

18 Essa seqüência é feita sem pausas ou explicações que rompam a unidade

da roda.

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Como dissemos, não há fronteiras entre as práticas de fé e or-gia na mentalidade dos bantu. Deste modo, o primeiro ato em uma roda de Jongo é o de louvar os antepassados, o tambor, o terreiro e os santos do dia:

Bendito, louvado seja É o Rosário de Maria, Bendito pra Santo Antônio Bendito pra São João Senhora Sant’Ana Saravá meus irmãos (JONGO DA SERRINHA, 2001, p. 46) Peço licença a Deus Nesta terra que eu piso Nesta terra que eu piso, (JONGO DE PINHEIRAL. In: JONGO DO SUDESTE, 2004, p. 39) Saravá São Benedito Nossa Senhora do Rosário, (JONGO DO QUILOMBO DE SÃO JOSÉ, 2004, p. 52) Cheguei na angoma Tinha muita diferença Quero cantar meu pontinho E meus pais velhos dão licença. (Tia Maria Luíza, de Angra dos Reis In JONGO DO SU-DESTE, 200, p. 39) Quando eu aqui cheguei Padre, Filho, Espírito Santo Se eu me benzer primeiro Por causa de algum quebranto. Um quebranto, Se eu me benzer primeiro Por causa de algum quebranto (Idibidem, p. 41)

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A abertura mostra a ligação entre o jongo e as práticas religio-sas bantu que vão se cristalizar na umbanda e no candomblé.

Há profundas ligações entre a umbanda e o Jongo: Em diver-sas comunidades os participantes são seus adeptos, como Vovó Ma-ria Joana Rezadeira, da Serrinha-RJ, Mãe Teté, do Quilombo de São José-RJ, Dona Mazé, do Jongo do Tamandaré-SP. Porém, isto não representa uma restrição aos participantes e há muitos que se autode-claram católicos, mesmo que exibam símbolos das religiões de matiz africano.

Tal fato mostra o papel híbrido das relações religiosas brasilei-ras. O catolicismo, que se impôs ao escravo, não conseguiu destruir suas crenças. Aquilo que, à primeira vista parecia um rito católico era subvertido através do fingimento, conforme relato de Carmo Moraes no documentário Morre congo, fica congo: “Eu entrava no jongo, primeiro me benzia: Bendito louvado seja, bendito seja louva-do. Bendito louvado seja, bendito seja louvado. Quer dizer tá ben-zendo e desbenzendo”.

Assim, não se louvam os elementos do opressor. A festa é dos negros e de suas simbologias:

Eu vou abrir meu Cangoê Eu vou abrir meu Cangoá Primeiro eu peço a licença A rainha lá do mar Pra salvar a povaria Eu vou abrir meu Cangoê (JONGO DO TAMANDARÉ. In: FEITICEIROS DA PA-LAVRA, 2001) Eu vim aqui E não vim pra demorar Eu vim cumprimentar O povo desse lugar Eu cheguei aqui no Jongo de pé no chão No balanço dessas ondas vim lá de Angola Arrastei o pé na´ngoma poeira sumbiu Pra pedir a proteção de Mamãe senhora

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La, la, ê, ia, la, i,ê l,a la, eiê

É importante notar a presença de verbos de movimento nos pontos. A louvação é o momento da chegada que é breve, somente no período do Jongo, mas sempre se está fazendo algo, seja um ges-to, um pedido. Os corpos estão no movimento da dança ritmado pe-los tambores e as vozes fazem coro para o ponto tirado. O Jongo é o próprio tambor, ngoma onde se arrastam os pés descalços e a poeira do terreiro sobe. O congo se abre.

O jongueiro Zé Carlos traduziu Jongo como saudade. Provável que seu pensamento tenha sido influenciado por uma série de pontos em que ela transpareça. A saudade da terra natal, dos antepassados, daqueles que ainda estão entre os vivos e que chamamos de irmão, amigo:

Oi, amigo meu eu quero cantar um pontinho memo que tudo po-de cantar e depois tudo pode gatinhá, pra nóis brincá sossegado. Oi quando eu sai de casa, eu moro no bairro do Selado desse memo município Natividade da Serra, mai conversa com São Lui do Pairaitinga e tem contato com São Lui do Paraitinga. Oi, meus amigo Eu num vim aqui pra mais nada Eu vim aqui pra sentir saudade Eu vim aqui mai nada Eu vim pra senti saudade (refrão) (MESTRE JOVIANO, 29/05/93 Festa do Divino. In: BA-TUQUES DO SUDESTE, 2002)

A primeira parte desse ponto é falada, com um eventual toque do tambor e o chocalhar do inguaiá. Nele, Mestre Joviano louva aos presentes na festa e inicia seu canto em tom de lamento. Ele conta de onde vem, um município próximo mas que aparentemente o afasta de seus amigos. Na segunda parte de seu ponto, onde haverá o canto propriamente dito, falará da saudade.

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Quando o ponto firma, ou seja, é repetido pelo coro, improvisa novos versos respontidos pelo refrão: “Converso com meus amigos”, “No toco de jongueiro”, “Em São Luís do Paraitinga”, “O reino é do Divino, gente”. Agora a saudade , diverte, une. O ponto seguinte, do Jongo do Tamandaré (SP), faz da saudade louvação: É a partir dela que os jongueiros mortos da comunidade do Tamandaré serão invo-cados:

Sinto saudade De quem se foi (bis) saravá Canário Zumba n’Aruanda Sinto saudades de quem se foi Saravá o meu filho n’Aruanda (as Alma Preta) (Zé capelão) (Dito Prudente) (...) nAruanda

Vovó Teresa jongueira e mãe de Mestre Fuleiro, um dos fun-dadores da Escola de Samba Império Serrano, conta a sua saída de Paraíba do Sul até Madureira. Vendo a fumaça do trem de ferro, lembrava das chaminés dos navios no Rio Paraíba:

Vapor da Paraíba Vapor berrou na Paraíba, chora eu, chora eu Vovó. Fumaça dele na Madureira, e chora eu. O vapor berrou piuí, piuí. Ô irê, irê, irê, ô irê, irê, irê . (JONGO DA SERRINHA, 2002)

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O tempo do cativeiro é relembrado em uma série de pontos. Neles podemos perceber o uso de expressões em kinbundu, bem como as sutilezas metafóricas dos cativos para informar a presença repentina do Senhor na roça:

Lá vem o navio Apinhado de escravo, Vem da África trazendo Esse povo maltratado!... (AGUIAR, s/d) Ei campo, quimô Ei campo quimô Piquira ta curiano Piquira ta curiano ê... (RIBEIRO, 1960, p. 24)

Ribeiro informa que piquira significa peixe pequeno e se mi-metiza no escravo. Lopes (2004) informa que curuar origina-se do kimbundu Ku-dia, com correspondente ao umbundu Kulya e signifi-ca comer. Os versos anteriores significavam perigo, pois o campo queimou. Como os peixes poderiam ficar se refestelando? Nesse sentido, os escravos intensificavam o trabalho. Caso não houvesse tempo de se avisar os companheiros, cantava-se:

Cumbi viro ei, ei, ei Cumbi ,a ,a ,a. (Idibidem, p. 24)

Cumbi vem de Kumbi, o sol, símbolo de autoridade e que re-presentava o Senhor ou o portador do chicote, portanto revestido de autoridade. Slanes (Op. cit., p. 130) nos informa da existência desse vocábulo em kimbundu e umbundu, bem como da expressão o “sol virou” ou “o sol nasceu” que significa “acorde, tome cuidado”.

Deve-se observar que, se há o uso de expressões em kimbun-du, os escravos, além de entendê-las, delas fazem uso. Significa dizer que há indícios de que a língua das senzalas do Vale do Paraíba era

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uma versão simplificada do kikongo e não a Língua Portuguesa, como a historiografia da escravidão assiná-la.

Questões lingüísticas à parte, os pontos vão desvelando mais aspectos da vida escrava, inclusive este, presente no romance Til de José de Alencar, cuja primeira edição é de 1872:

Na roça estavam os pretos no eito, estendidos em duas fi-las, e no manejo da enxada batiam a cadência de um canto monótono, com que amenizavam o trabalho: Do pique daquele morro Vem descendo um cavaleiro Oh! Gentes, pois não verão Este sapo num sendeiro? Adubavam o mote com uma descomposta risada e logo a-pós soltavam um riso gutural: – Pxu! Pxu! Tem os pretos o costume de entressacharem nas toadas ha-bituais, seus improvisos, que muitas vezes encerram epi-gramas e alusões. Bem desconfiavam, pois, o feitor de que a tal cantiga bulia com ele, e o sapo não era outro senão um certo sujeito bojudo e roliço, de seu íntimo conhecimento; mas fingia-se despercebido da coisa. (ALENCAR, [s.d.], p. 29)

O canto serve ao trabalho, mas também à ironia. A desconfi-ança do feitor deixa transparecer o uso da palavra irônica como arma. A possibilidade de compreensão do ponto se dá pela permissão do cativo que poderia usar de uma expressão mais cifrada ou em kikon-go.

Quando proibido de usar expressões africanas já era especia-lista em modificar o sentido das coisas para planejar fugas, como neste ponto relatado por Salvino Pereira Rodrigues, jongueiro já falecido de São Matheus, Espírito Santo:

O galo já cantô bem cedo, Levanta que chegô a hora, Capitão-do-Mato tá durmindo,

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Não chora por mim, não chora!... (AGUIAR, s/d)

O “galo” aqui, com certeza, representa outro escravo que lide-ra a fuga sinalizando o momento em que ela deve ocorrer. Recaptu-rado, serviria de exemplo para intimidar. Porém, o castigo cantado, transforma-se em foco de resistência:

O chicote cumeu no lombo, Coitado do nêgo fujão, Mais vale tentá fugí Que vivê na provação! (AGUIAR, s/d) No dia 13 de maio Quando o senhor me batia Eu gritava por Nossa Senhora, meu Deus Quando a pancada doía. (CAXAMBU DE SANTO ANTÔNIO DE PÁDUA. In: JONGO DO SUDESTE, 2007).

O sofrimento do eito é bastante recorrente nos pontos que a-presentam a escravidão. Neste da comunidade de Pádua, temos um 13 de maio anterior à abolição. E o castigo ao negro. Mas o sonho de liberdade permanecia vivo, conforme diz Salvino Rodrigues,

“se ficasse aceitando o chicote do sinhô, ele ia passá a vida toda apanhando, então era priciso tentá a fuga pros mato, onde vivia outros nêgo em liberdade nos quilombo. Se o Capitão-do-Mato pegasse ele e trouxesse de volta pra fazenda, ele ia apanhá na frente de todos, mais se não fugisse ele tombém ia apanhá pra sirví de exemplo; então era melhó tentá fugi”. (AGUIAR, s/d.)

Era correta essa observação, uma vez que fugitivos reinciden-tes eram acorrentados uns aos outros e levados aos campos:

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O canarinho tão bonitinho, que está preso na gaiola Pra quê correntinha no pé, pra quê? (STEIN, 1990, p. 172)

Paulatinamente, teremos a valorização dos símbolos da negri-tude. A África é apresentada como mãe, uma metáfora bastante re-corrente. Os sons do tambu e do candongueiro são comparados ao choro e soluços. As memórias do cativeiro se transformam em sím-bolo de resistência cultural negra:

O Mãe África Vem lembrar seu cativeiro O como chora meu Tambu (ai meu tambu) Oi como chora o Candongueiro (ai candongueiro) De tanto soluçar, soluçar, soluçar Vai molhar o meu terreiro

Axé

STEIN (Op. cit., p. 302-3) conta que ao saber da proclamação da Lei Áurea, os tambores reverberaram por três dias e três noites, tocando o caxambu. Ouviam-se pontos inspirados na hesitação do Imperador contrastando com o ato assinado pela filha:

Pisei na pedra A pedra balanceou O mundo estava torto A rainha endireitou.

É notável a construção metafórica deste ponto. A forma verbal “pisei” tem sentido de confiar ou apoiar-se em algo ou alguém. As-sociando o nome Pedro à pedra, já que são sinônimos temos uma crítica ao Imperador e elogio à firmeza de sua filha. Outro ponto vai indicar a surpresa com que a notícia foi anunciada:

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Tava durumindo angoma me chamou Ô se levanta povo o cativeiro acabou.

O cativo dorme e quem o acorda é o tambor. É o maior símbo-lo da ancestralidade que lhe fala mostrando o novo tempo. E não fala só para o indivíduo. Sua voz é o chamamento a toda povaria que se levante e seja livre.

Estes pontos emblemáticos vão possuir formas variantes, seja pela introdução de novos elementos ou pela mescla de versos entre eles:

Pisei na pedra Pedra balanceou Levanta meu nego Cativeiro se acabou! (FEITICEIROS DA PALAVRA, 2001) Pisei na pedra, a pedra balanceou Falou mal da rainha ta me fazendo Falsidade Pisei na pedra, a pedra balanceou Falou mal da rainha ta me fazendo Falsidade (PACHECO; SLENES, 2008, p. 186)

Nesse ponto em particular, nota-se a simpatia com que o povo negro passa a ter com a Princesa Isabel. O que não ocorre com seu pai:

Tava no genheco Quando o imperador passo Respondo bom dia se quisé Pruque lovado já cabo. (RIBEIRO, 1960, p, 34)

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Um Jongo de Angra dos Reis mostra que o negro deseja des-truir os elementos que lembram o cativeiro:

Oi bota fogo na senzala Onde negro apanhou. (JONGO DO SUDESTE).

Com o passar do tempo, a realidade inquieta o liberto: Sua no-va condição social o faz desempregado. Os mais velhos mendigam, os jovens migram para regiões de melhor salário, como no Rio ou São Paulo. Muitos permanecem no Vale do Paraíba fazendo acordos com os antigos senhores. E o Jongueiro, criticamente cantou:

Ahi não deu banco p’ra nos sentar Dona Rainha me deu cama, não deu banco p’reu me sentar. (STEIN, 1990, p. 304)

Além do seu sofrimento, os jongueiros lançavam críticas às es-truturas políticas que percebiam:

Com tanto pau no mato Imbauva é coroné (RIBEIRO, 1960, p. 31; STEIN, p. 248)

Esse ponto relaciona a embaúba (Cecropia peltata) árvore de caule oco e considerada pobre por essa razão, e o coronel, é aquele que manda. A união dos dois elementos comparados ao primeiro verso “com tanto pau no mato” mostra o sarcasmo do jongueiro. No mato há madeiras mais nobres que a embaúba e na comunidade, pes-soas mais capazes na região, mas quem manda é o néscio.

Os pontos podem ter a significação alterada dependendo do contexto onde está. Em Angra dos Reis, o Carmo Moraes canta um ponto similar que se refere às intromissões de pessoas desconhecedo-ras dos fundamentos do Jongo;

Com tanta madeira de lei nessa mata

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E umbaúba é coronel. (TEOBALDO, 2003, p. 72)

As disputas políticas foram assim cantadas: Água com areia Não pode cumbiná Água vai embora Areia fica no lugá (RIBEIRO, 1960, p. 31)

A água é o fazendeiro novo, inexperiente, que não pode medir forças com o velho e poderoso fazendeiro, metaforizado na areia. Do embate, o mais forte vence. Observando a perseguição de movimento político vencedor com seus adversários, dirá o jongueiro:

Macaco subiu no gaio Os cachorro ta acuando Ai uê i uê (Idibidem, p. 33)

Os pontos vão desvelando a vida social das comunidades, suas inquietações, as histórias e memórias. As relações de trabalho, sem-pre desfavoráveis para o negro lembram a escravidão, conforme os pontos de Santo Antônio de Pádua:

Trabalhei numa fazenda Que não tem trabalhador Perereca corta cana Marimbondo é moedor Trabalhei numa fazenda Tem vergonha de contar Canjiquinha no almoço Pela égua no jantar (BATUQUES DO SUDESTE, 2002)

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Tais pontos apresentam um padrão de cifra que caracteriza os pontos de jongo. Perereca aqui é o negro e marimbondo, o engenho. No segundo, canjiquinha e péla-égua são sinônimos, isto é, uma sopa de milho partido com carne e verduras.

A assimetria das relações de trabalho também é assinalada por este ponto do Quilombo de São José (2004):

Eu plantei café de meia Eu já plantei canaviá Canaviá não dá lucro Canaviá cachaça dá.

Na cidade, as coisas não mudam muito. Um jongueiro fô-

ra convidado para trabalhar em uma farmácia em Piedade, zona

norte do Rio de Janeiro. À noite, tirou esse ponto na Serrinha:

Eu num é doutô, Eu num é “fermêro”. Como vai tomá conta de butica na Piedade? Eu num sabe lê, Eu num sabe “crevê”. Como vai tomá conta de butica na Piedade? (GANDRA, 1995)

A ironia e a metáfora são, sem dúvidas, armas estético-retóricas amplamente usadas nos pontos. Nas festividades há aqueles que servem para comunicar jocosamente ao anfitrião de que os jon-gueiros desejam comer e beber alguma coisa. Em Angra dos Reis, Tia Maria Luiza recorda:

Zé, ô Zé, ô Zé Saco vazio não se põe em pé, ô Zé, ô Zé, saco vazio não se põe em pé.

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Ou este: Tanta chuva que choveu Na goteira não pingou Tanta chuva que choveu, Na goteira não pingou Não pingou, não pingou, Tanta chuva que choveu, Na goteira não pingou. (JONGO DO SUDESTE, 2007)

Segundo Terezinha Maria de Jesus, do Quilombo de São José, ouve-se:

Bombeiro da bomba, Bombeiro da bomba , me da um copo d'água A sede me tomba (QUILOMBO DE SÃO JOSÉ, 2004)

Em conversa pessoal, com Dona Su, lembrou-se um ponto: Vovó me disse que hoje não vai chover Vovó me disse que hoje não vai chover Só toco o candongueiro se der água preu beber Só toco o candongueiro se der água preu beber.

Em Angra dos Reis, Rosalvo Bernardo diria: Carro sem boi não anda E eu não canto sem beber. (TEOBALDO, 2003)

Mas há também os pontos de demanda, onde o assunto é mais sério: alguns são desafios à inteligência dos participantes, que devem

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decifrar, com destreza, os enigmas ocultos nas metáforas, enfeitiçan-do aqueles que não os desatem.

Delcio Bernardo, de Angra dos Reis, diz também que há os pontos de demanda branda que adverte a respeito das tradições ou para manter a ordem na festa:

Galinha assanha, não meche cum pinto (QUILOMBO DE SÃO JOSÉ, 2004)

Neste ponto deseja-se proteger uma pessoa querida que está sendo incomodada. O jongueiro diz que o problema passará a ser dele que é mais forte e protegerá o amigo tal qual a galinha faz com seus pintos.

Se um jongueiro chega depois de o Jongo ter começado e não louve os antepassados, ouvirá a advertência:

Quem entra no meu terrero Sem licença me pedi Papai engole a casca E não pode mais saí. (RIBEIRO, 1960, p. 42)

A folclorista conta a história de um jongueiro que estava abo-bado em uma roda de jongo em Cunha, SP, e que não encontrava sua capa. Sua mulher e seus filhos, fora da roda o aguardavam apreensi-vos e ele estava amarrado no Jongo. Seu companheiro decifrou o ponto: Papai era o tambu, onde a capa estava escondida.

No meio de jongueiros mais velhos, o jovem jongueiro deve respeitá-los, conforme mostrou Eva Lúcia, jongueira de Barra do Piraí:

Oi dá licença galo velho pinto novo quer sarava

Ou Delcio Bernardo: Cheguei na ingoma Tive muita diferença

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Quero cantar meus pontinhos Meus pai veio dá licença (JONGOS, CALANGOS E FOLIA, 2007).

Caso contrário ouviriam uma das seguintes reprimendas: Galo cantou mentira não é dia Cadê aquele galo que cantou no claro dia? (JONGOS, CALANGOS E FOLIA, 2007). Bate tambor grande Repinica no candongueiro Pinto pequeno ta cantando no poleiro. (JONGOS, CALANGOS E FOLIA, 2007).

Essas demandas brandas servem para indicar que há uma or-dem nas coisas. As ações dos jongueiros são reguladas por códigos de conduta que são inscritos na própria prática jongueira. Assim, o jovem apreende o jongo no interior dele próprio, não havendo uma escola formal de jongo.

O universo dos pontos de Jongo é feito, assim, de associações. Semelhante ao ponto “segredo de parede, barata sabe tudo” que re-mete ao ponto "quentura de panela, só colher conhece” ou ao “segre-do de camisa quem sabe é paletó”, como falam os jongueiros de di-versas comunidades.

Ora, em roda de Jongo, de samba, de capoeira ou quaisquer outras de batuques ou artimanhas de pretos, há os de dentro e os de fora. Então, é preciso estar dentro para saber o que acontece e saber é respeitar, caso contrário, a demanda começa a se tornar mais pesada:

Vovó não quer casca de coco no terreiro Porque lhe faz lembrar Dos tempos de cativeiro

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Outra variação deste ponto fala que vovó não quer palha de cana no terreiro. Terreiro é o espaço mínimo reconquistado pós-Abolição e quase sempre roubado. Sendo assim, a negra ex-escrava reconquista seu direito à terra e a dar as ordens. Neste espaço ela quer fixar a lembrança em outros fragmentos que não sejam os que lembrem o cativeiro. Isto fica claro noutra variação:

Pega a vassoura Varre a páia do terreiro Vovó num qué Se alembrá do cativeiro.

A palha, a casca de coco, aqueles que vêm às tradições com o intuito de se locupletar. Délcio Teobaldo contou um fato ocorrido em 2000 durante uma roda de Jongo. Os olhares cúmplices dos jonguei-ros condenavam, claramente, os que estavam de fora e cantavam, filmavam, batiam palmas e até ensaiavam rufar o tambor, sem se dar conta do rito dos pontos e da roda. Com este ponto, fizeram uma provocação mais pesada para eles:

Tatu tá cavucano A catacumba do meu pai Pra baixo ele não desce Pra cima ele não sai

O ponto adverte duramente os que tentam penetrar, como o ta-tu, numa cultura que desconhecem. Ele não pode atingir os mistérios da ancestralidade, a que se refere a catacumba; nem é capaz de voltar à tona, com a informação incompleta, para passá-la adiante. Assim, o aventureiro fica no limbo, amarrado, parado.

O tatu

A presença de animais nos pontos de Jongo é bastante comum.

Burro e o boi, por exemplo, quase sempre representam o jongueiro

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ou o negro. A referência reside no fato, de serem utilizados no trans-porte ou tração de cargas, assim como o escravo. Galo, galinha, pinto e demais aves são sempre representativas do elemento humano, ora de modo positivo ora negativamente. Mas, de todas as referências animais, a mais significativa é a do tatu.

Slenes (Op. cit.) vê na associação entre o mestre jongueiro, chamado de cumba, e o tatu uma metáfora que certamente provenha da África Central, onde os animais que faziam seus ninhos em baixo da terra eram vistos como mediadores entre os homens e o mundo dos mortos.

O roedor Cricetomys gambianus, ou rato gigante da Gâmbia era conhecido entre os Kongo como nkümbi, derivado de kùmba, cavar, e aplica-se, metaforicamente, a um patriarca “que conhece vários países, usos e costumes” (p. 143).

Vejamos uns pontinhos para perceber essa discussão entre os jongueiros:

Jongueiro cumba Jongueiro cumbambá O cravo tá na roseira E a rosa, onde tá?

Cumba é o mestre que ensina o mestre, o feiticeiro da palavra. No segundo verso a palavra cumba está aglutinada a outra palavra de origem bantu, bambá que significa, segundo relato de Délcio Teo-baldo, mingau ou pessoa sem ação, indolente.

A palavra cumbambá contempla o universo simbólico africa-no, onde é comum a visão ternária, isto é com as coisas resolvendo em três. Assim, cumbambá possui três signos: Cumba, o feiticeiro; bamba, destemido e bambá, o indiferente.

Deste modo, os dois versos do ponto chamam a atenção do jongueiro, não importa a sua posição hierárquica ou física, para o fato de, ao observar quaisquer imprevistos, estar atento. "O cravo está na roseira/ e a rosa, onde tá?". Num mundo em mutação, mesmo diante do belo, é necessário manter o olhar crítico e atento.

Tatu mineiro, cavuca terra de cacunda Tatu mineiro, cavuca terra de cacunda

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Cavuca terra de cacunda, tatu mineiro Cavuca terra de cacunda (PACHECO; SLENES, 2008, p. 182)

Jongueiros mineiros, que acompanhavam os tropeiros descen-do de Minas para os portos, tinham fama de cumbas temíveis; o tatu mineiro até podia cavucar terra para trás. O tatu possui a habilidade de correr de costas em seu túnel quando é ameaçado. Tal destreza o relaciona ainda mais com o Outro Mundo, considerado, pelos kongo, reflexo espelhado do nosso, onde todos os espíritos movem-se como o animal.

Eu sou mineiro mal Não bule comigo não. (PACHECO; SLENES, op. cit., p. 182)

Se o cumba mineiro é poderoso, sua força seria provada nos terreiros onde tomasse parte. Caso viesse em paz cantaria este ponto, avisando os demais jongueiros de suas intenções, mas se provocado não deixaria barato, como neste desafio entre uma jongueira de Tau-baté e um jongueiro desconhecido, que diziam ser de Minas Gerais, conforme Ribeiro, (Op. cit., p. 37):

Minêro veio de mina Com fama de domadô É mentira de minero Minêro nunca domo

E a resposta: Minêro veio de mina Minêro não quer domá Minêro veio comprá terreno Pra ponha vaca no curra

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Retornando aos nossos cavucadores, o tatu pode personificar o órgão sexual masculino, o tambu, ou, como dissemos, o próprio cumba:

Mestre Lico: Tatu tá véio Mai sabe negá o carreiro Zé de Toninho: Olha lá senhor jongueiro Pra mim ocê é um home fraco Esse tatu tá véio Mai é acostumado no buraco. João Rumo: Eh, meu Deus do céu Esse tatu pode tá véio Mai não cai nessa gaiola. Zé de Toninho: Meu senhor jongueiro Escute o que eu to falano Esse tatu é véio Mai ele véve cavucano Aia , aê,iê, ia Esse tatu tá veio Mai ele véve cavucano. (BATUQUES DO SUDESTE, 2002)

Note-se a destreza dos jongueiros que a todo instante ampliam o sentido do tatu. Inicialmente se diz cumba, pois nega, vence outro jongueiro experiente, o carreiro isto é, o guiador do carro de boi. No segundo, mantém sua destreza, sabe cavar, conhece seu ofício e, por isso não cai em armadilhas. Por último ele é velho mas viril, fecunda a terra, produz pontos.

Neste ponto de Pádua, o tatu pode representar, inicialmente, o tambor ou a festa e depois um jongueiro atrasado:

O tatu tá cavucano Na casa de dona Aurora Não cavuca muito não, gente Que o tatu chegou agora (BATUQUES DO SUDESTE)

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Durante o 9º Encontro de Jongueiros, Mestre Gil de Piquete e

Dona Mazé, de Guaratinguetá lembraram-se do seguinte ponto, onde tatu, originalmente, era a mãe solteira:

Tatu ta de cangalha O mantimento de quem é?

Na ocasião, a intenção de Gil era descobrir intenções ocultas de determinado participante do encontro, num claro exemplo de re-contextualização do ponto.

Mas tatu também personifica a dor, como neste ponto pesado, utilizado para encerrar, amarrar contenda:

O tatu tá cavucando, E a terra tá sumindo; Quero que o mestre jongueiro diz, Pra onde a terra tá indo

ou em Você corta ponto de Jongo Mas não corta cemitério

MORRE CONGO, FICA CONGO

Se as demandas com os velhos tatus cumba foram sendo es-

quecidas, seguiu-se o perigo de o Jongo desaparecer. As transforma-ções do ambiente rural, a expulsão contínua das comunidades jon-gueiras que, paulatinamente, foram perdendo a posse das terras a que teriam direito, para grileiros, o desinteresse dos mais jovens, influen-ciados pela cultura de massa e seus ritmos descartáveis foram dimi-nuindo o número de rodas jongueiras que desapareceram de determi-nadas localidades.

O fenômeno das religiões pentecostais e neopentecostais, mui-tas baseadas no fundamentalismo dogmático e na intolerância para com os cultos africanos, agravaram ainda mais o quadro.

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Mas o Jongo resistiu, modificando algumas de suas estruturas, conforme veremos no diálogo entre os pontos dos paulistas Nico, de Piquete, e Jefinho, de Guaratinguetá:

Ô Galo Rosa Tenha dó do meu penar Minhas penas são douradas, galo sereno Tenho medo de molhar na ingoma Deixa cantar o bem-te-vi Bem te vi canta cedinho A tarde toda quem canta é a juriti

Paulo Dias, em conversa pessoal, afirma que no primeiro, o jongueiro velho lamenta não ter interlocutores nas rodas atuais à altura de entender e valorizar a fineza do legado jongueiro “penas douradas” que recebeu do pai “galo rosa”, manifestando o receio de que esta herança seja mal compreendida “tenho medo de molhar na ingoma”.

No outro ponto, Jefinho pede licença para os jongueiros mais jovens poderem entrar na roda “deixa cantar o bem-te-vi”, que pela tradição era exclusiva dos mais velhos “a tarde toda quem canta é a juriti”.

Dias vê que há hoje duas tendências entre as quais transita a tradição jongueira nas comunidades: Jongo antigo, de demanda, ou “com pergunta e resposta”, como diz Mestre Cabiúna, de Pinheiral - RJ, e o Jongo mais voltado ao lazer da comunidade, mais inclusivo no aspecto etário e geracional, ao passo que o Jongo antigo era reser-vado a uma confraria de conhecedores em geral masculina.

Rio de Janeiro, década 1980. Mestre Darcy Monteiro revolu-ciona a estrutura tradicional do Jongo, transformando as rodas em espetáculos. Convence sua mãe, Vovó Maria Joana Rezadeira, da necessidade de haver crianças nas rodas19, tabu que impede a renova-ção.

19 Aqui o Jongo se afasta do candomblé. Neste é a presença da criança santi-

fica o lugar. Nemhuma entidade, nem Exu mexe com elas. Temos mais um indício de diferenças entre as tradições bantu e iorubanas.

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Atualmente, coexistem espetáculo e resistência. As crianças fazem suas rodas e cantam seus pontos, como o Caxambu mirim, de Miracema-RJ.

Canta beija-flor Canta sabiá Caxambu mirim Que acabou de chegar

Ou no Bairro do Tamandaré, em Guaratinguetá - SP: Meu cachorrinho foi pro mato caçá O que é que ele trouxe boa sinhá Boa sinhá, boa sinhá O que é que ele trouxe boa sinhá?

Mestre Darcy propôs que o Jongo descesse o morro para pro-curar abrigo no circuito cultural carioca, mobilizando novos agentes sociais, na maioria universitários, como tentativa de sobrevivência. Claro que este movimento provocou fortíssimas reações dos mais velhos, como Aniceto.

A resposta deste ao Mestre não se deu em um Jongo, como fez o velho Nico de Piquete, mas um samba intitulado “A morte do Jon-go”:

Ele tá morrendo Eu tá caluturai20 Perengando21 tô, peregando tô Reze por mim quem me gosta Pro Zâmbi nosso sinhô Cheguei de terra distante Radiquei-me no Brasil Vivi mais de quatro séculos

20 Pessoa muito acabada. 21 Doente, sofredor.

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To morrendo nesse instante Eu e o Jongo já me chamam caxambu Eu tá virando petisco de orubu Quem me entendia morreu já não vive mais Buru, buru22de ofidã vivem mi roubando a paz Não sou folclore seu é o rei da magia Sô arquivo de mistério, mestre de feitiçaria Pedro de Sá Maria-Manoel Pesado-Elói Lindolfo da Barra-Vieira e Castolino Hoje quem canta é menino Tio Luiz-Celina-Nascimento da Eulália Tio Anjo-Antenor- Maria- Napoleão Doze bambas então. (Acervo particular de Seu Aniceto. In: FERNANDES, 1986)

Muito mais pungente que estas duras palavras é o modo da resposta. Com um samba, Aniceto enfatiza a total falta de interlocu-tores: o formato de espetáculo, proposto por Darcy, quebra o caráter sagrado do Jongo, para ele, o golpe de misericórdia.

Teobaldo (Op. cit., p. 13), concorda com o velho e saudoso fundador do G.R.E.S. Império Serrano: “quando folclorizada, ensai-ada, agendada e se definem espaço e hora para acontecer, a cultura popular, essencialmente espontânea é imobilizada. Fica repetitiva, medíocre, vira simulacro. Cópia malfeita de si mesma”.

Sem entrar no mérito desta demanda, uma vez que somos “pinto pequeno”, para usar uma fala jongueira, o fato é que o jongo permanece vivo, como cantam os Jongueiros do Morro do Carmo, em Angra dos Reis:

Morre o Rei do Congo E a Rainha Cabundá Morre congo, fica congo Tem congo no lugar. (TEOBALDO, op. cit.. p., 11)

22 Burro.

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Conclusão

Adeus, povo bom adeus Adeus, que eu já vou embora Pelas ondas do mar eu vim Pelas ondas do mar, eu vou embora.

Chegamos ao final de nossa jornada. Claro que não consegui-mos esgotar todo potencial narrativo e inventivo contido nas palavras dos jongueiros. Assonâncias, aliterações, metáforas, paradoxos e demais figuras de linguagens estão lá nas demandas, louvações e provocações jocosas, esperando para serem pronunciadas no terreiro, ao som de tambus. Novos sentidos são introduzidos e o Jongo segue em sua dinâmica de sedutora e mágica inovação.

No convívio com Jongueiros, notamos a força com que viven-ciam a solidariedade e a esperança. Como bem cantou Dona To, velha jongueira do Tamandaré:

Bate, bate coração pode bater Não treme não oh coração Pára de tremer Bate, bate coração Que nossa vida inda tem solução – Graças a Deus – (FEITICEIRO DA PALAVRA)

Pudemos perceber que decifrar um ponto depende da contex-

tualização. O mesmo ponto, sem mudar uma letra, pode ter intenção completamente diferente, se aplicado à outra necessidade.

Na verdade, os pontos são charadas, mas não pedem recursos semânticos sofisticados para entendê-los. A força destes enigmas reside nesta simplicidade, vivida diariamente por pessoas que lutam pela sobrevivência, sem deixar de sorrir ou celebrar a dádiva da exis-tência.

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Jefinho, jongueiro do Tamandaré fez um ponto aos 20 anos de idade, conquistando o respeito dos velhos cumbas. Atava ele as pon-tas da vida. Aqui também o fazemos:

Saravá jongueiro velho Que veio pra ensinar Que Deus dê a proteção Pra jongueiro novo Pro Jongo não se acabar (FEITICEIRO DA PALAVRA)

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