tractatus logico-philosophicus: a certidão de óbito da metafísica - eduardo nunes

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 TRACTATUS LOGICO-PHILOSOPHICUS: A CERTIDÃO DE ÓBITO DA METAFÍSICA Apresentado na Semana Científica Unilasalle - 2005 Eduardo Nunes Resumo: O Tractatus Logico-Philosophicus, de Ludwig Wittgenstein, tem como tese central a teoria figurativa da linguagem, segundo a qual a linguagem representa o mundo por possuírem ambos a mesma forma lógica. Daí a idéia de que as proposições da Metafísica não são falsas – nem verdadeiras – mas sem sentido, por não representarem o mundo, já que não se referem a nenhum estado de coisas possível. Palavras-chave: linguagem, figuração do mundo, forma lógica, proposição, dizer/mostrar. 1. INTRODUÇÃO Em 1922 1 , com a publicação do Tractatus Logico-Philosophicus, obra de expressivo impacto nos meios acadêmicos, Ludwig Wittgenstein propõe uma nova abordagem dos problemas filosóficos, mediante um esclarecimento da natureza da li nguagem, o que leva ao desaparecimento desses problemas. A tese de Wittgenstein é a de que a aparente insolubilidade dos problemas discutidos pela Metafísica deriva não da complexidade de tais questões, mas sim de uma má compreensão (  Mi  β verständnis) da natureza da linguagem. Apresenta, então, a teoria segundo a qual a linguagem é uma figuração (  Bild ) do mundo. Desse modo, as proposições da Metafísica tradicional não são falsas, mas contra-sensos, ou seja, são desprovidas de sentido,  por não figurarem e stados de coisa s possíveis. Por meio da análise lógica da proposição, deve o filósofo, segundo Wittgenstein, clarificar a linguagem para identificar esses contra-sensos. A Filosofia, então, deixa de ser um conjunto de doutrinas para se tornar uma atividade, e o filósofo tem a missão de estabelecer – a partir do interior – os limites da esfera do dizível, e também de convidar ao silêncio sobre o indizível. 2. DESENVOLVIMENTO 2.1 A Gênese do Tractatus O Tractatus Logico-Philosophicus é uma obra singular, talvez sem nenhum paralelo na História da Filosofia, tanto pelo seu estilo enigmático e oracular, quanto pela atribulada história de sua composição. É provável que Wittgenstein seja dos poucos filósofos cuja obra não podemos conhecer com maior profundidade sem conhecermos também a sua história de vida, e a i nfluência desta no movimento do seu pensamento. Ludwig Wittgenstein, nascido em Viena no ano de 1889, no seio de uma das famílias mais ricas da Europa, teve uma for mação intelectual e cultural bastante peculiar. Viena, a capital do 1  Na verdade, o Tractatus  foi publicado pela primeira vez em 1921, como artigo na revista  Annalen der  Naturphilosophie , dirigida pelo físico W. Ostwald. Wittgenstein ficou furioso com a má-qualidade da impressão, cheia de erros de linotipia e revisão, de sorte que a primeira edição oficial do livro foi a lançada em 1922 por C.K. Ogden, de Cambridge, com texto bilíngüe (alemão/inglês).

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Artigo apresentado na Semana Científica Unilasalle - 2005. O Tractatus Logico-Philosophicus, de Ludwig Wittgenstein, tem como tese central a teoria figurativa da linguagem, segundo a qual a linguagem representa o mundo por possuírem ambos a mesma forma lógica. Daí a idéia de que as proposições da Metafísica não são falsas – nem verdadeiras – mas sem sentido, por não representarem o mundo, já que não se referem a nenhum estado de coisas possível.

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5/13/2018 Tractatus Logico-Philosophicus: A certid o de bito da metaf sica - Eduardo Nu...

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TRACTATUS LOGICO-PHILOSOPHICUS:A CERTIDÃO DE ÓBITO DA METAFÍSICA

Apresentado na Semana Científica Unilasalle - 2005

Eduardo Nunes

Resumo: O Tractatus Logico-Philosophicus, de Ludwig Wittgenstein, tem comotese central a teoria figurativa da linguagem, segundo a qual a linguagemrepresenta o mundo por possuírem ambos a mesma forma lógica. Daí a idéia deque as proposições da Metafísica não são falsas – nem verdadeiras – mas semsentido, por não representarem o mundo, já que não se referem a nenhum estadode coisas possível.

Palavras-chave: linguagem, figuração do mundo, forma lógica, proposição,dizer/mostrar.

1. INTRODUÇÃOEm 19221, com a publicação do Tractatus Logico-Philosophicus, obra de

expressivo impacto nos meios acadêmicos, Ludwig Wittgenstein propõe uma novaabordagem dos problemas filosóficos, mediante um esclarecimento da natureza da linguagem,o que leva ao desaparecimento desses problemas.

A tese de Wittgenstein é a de que a aparente insolubilidade dos problemasdiscutidos pela Metafísica deriva não da complexidade de tais questões, mas sim de uma mácompreensão (Mi β verständnis) da natureza da linguagem. Apresenta, então, a teoria segundoa qual a linguagem é uma figuração ( Bild ) do mundo. Desse modo, as proposições daMetafísica tradicional não são falsas, mas contra-sensos, ou seja, são desprovidas de sentido,por não figurarem estados de coisas possíveis.

Por meio da análise lógica da proposição, deve o filósofo, segundoWittgenstein, clarificar a linguagem para identificar esses contra-sensos. A Filosofia, então,deixa de ser um conjunto de doutrinas para se tornar uma atividade, e o filósofo tem a missãode estabelecer – a partir do interior – os limites da esfera do dizível, e também de convidar aosilêncio sobre o indizível.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 A Gênese doTractatus

O Tractatus Logico-Philosophicus é uma obra singular, talvez sem nenhum paralelo naHistória da Filosofia, tanto pelo seu estilo enigmático e oracular, quanto pela atribuladahistória de sua composição. É provável que Wittgenstein seja dos poucos filósofos cuja obranão podemos conhecer com maior profundidade sem conhecermos também a sua história devida, e a influência desta no movimento do seu pensamento.Ludwig Wittgenstein, nascido em Viena no ano de 1889, no seio de uma das famílias maisricas da Europa, teve uma formação intelectual e cultural bastante peculiar. Viena, a capital do

1 Na verdade, o Tractatus foi publicado pela primeira vez em 1921, como artigo na revista Annalen der  Naturphilosophie, dirigida pelo físico W. Ostwald. Wittgenstein ficou furioso com a má-qualidade da impressão,

cheia de erros de linotipia e revisão, de sorte que a primeira edição oficial do livro foi a lançada em 1922 porC.K. Ogden, de Cambridge, com texto bilíngüe (alemão/inglês).

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Império Austro-Húngaro, era um centro cosmopolita efervescente de cultura, e a casa dosWittgenstein era freqüentada por grandes figuras como Brahms e Mahler, participantesassíduos dos saraus promovidos pela família, cujos membros tinham excepcional talento paraa música. Educado por tutores e tendo contato com a nata da cultura vienense, a bagagem

intelectual de Ludwig foi desde cedo assistemática e bastante eclética. Dos filósofos, leuprincipalmente Schopenhauer e Kierkegaard. Tendo já muito jovem demonstrado talento paraa mecânica, foi estudar Engenharia, e assim, após um período de estudos em Berlim, mudou-se para Manchester, Inglaterra, onde pretendia dedicar-se à aviação.O interesse de Wittgenstein, entretanto, acabou se desviando para os fundamentos daMatemática, e daí para a Lógica. Impressionado com as obras de G. Frege e posteriormente deB. Russell, foi a Cambridge estudar com este último. Russell ficou maravilhado com otalento e a perspicácia de Wittgenstein, e debruçaram-se os dois sobre os problemas lógicoslevantados pelo inglês em suas obras. Wittgenstein era intenso tanto no modo de viver quantono de filosofar; era um virtuose genial e autoritário, como seus irmãos o eram no terreno damúsica. Depois de estudar com Russell, Ludwig passou uma temporada numa cabana em uma

remota aldeia norueguesa, trabalhando em seus problemas lógicos. Com a declaração daPrimeira Guerra Mundial, em 1914, Wittgenstein alistou-se no Exército do Império Austro-Húngaro e permaneceu no front até o fim do conflito, quando foi feito prisioneiro no norte daItália. O Tractatus Logico-Philosophicus, uma das principais obras filosóficas do século XX(e dos anteriores também) foi escrito nas trincheiras dessa guerra.Após a sua soltura em agosto de 1919, Wittgenstein tratou de editar o Tractatus, o que foibastante difícil devido ao estilo obscuro da obra (os editores temiam investir num livro quenão seria compreendido e, por conseguinte, venderia pouco). Somente após a intercessão deRussell, que escreveu um prefácio para a obra, Wittgenstein conseguiu publicar o Tractatus.Após isso, por coerência com as idéias apresentadas no livro, ele abandonou a Filosofia, indodedicar-se à educação infantil, jardinagem e arquitetura. Voltou aos meios acadêmicossomente em 1929, quando o Tractatus já era o cerne da discussão filosófica tanto emCambridge quanto nas reuniões do Círculo de Viena.

2.2 EstruturaO Tractatus foi escrito num estilo bastante peculiar. São aforismas

aparentemente arbitrários e dogmáticos, porque se apresentam como são, sem nenhumatentativa de argumentação ou explicação por parte do autor.

O conjunto faz pensar numa revelação transmitida por um novo Zaratustrareconvertido em lógico matemático. Como no livro de Nietzsche, o conteúdo éindissociável do estilo, o que faz do Tractatus um caso particular na história dafilosofia: uma mensagem inexprimível sob outra forma. (...) O estilo não é

indiferente: ele mostra alguma coisa (  sie zeigt etwas), como diz na última frase doprefácio. O valor do livro, aos olhos de Wittgenstein, não se prendia somente às“verdades definitivas” que trazia, mas à sua boa expressão. [grifos da autora]2 

Desse modo, os aforismas concisos do Tractatus, que condensam páginas e  páginas de argumentação3, apesar de tornarem um tanto quanto penosa a tarefa dosestudantes de filosofia interessados em decifrar o pensamento wittgensteiniano, evitam que oautor caia no palavrório abstruso que procurava com esta obra combater.

Os aforismas do Tractatus estão numerados hierarquicamente (de modo que oaforisma 1.n é um comentário ao aforisma 1, o 1.n.m é um comentário ao 1.n, e assim por

2 CHAUVIRÉ, 1991, pp.49-50.3 IDEM, Ibidem, p.51.

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diante), e por meio deles Wittgenstein fala sobre a estrutura do mundo, sobre a relação defiguração entre a linguagem e o mundo, apresenta a distinção entre dizer e mostrar, e concluia obra com uma injunção ao silêncio sobre o que não pode ser dito: Sobre aquilo de que não

 se pode falar, deve-se calar 4. Ou seja, depois de traçar os limites do que se pode dizer com

clareza e certeza, Wittgenstein conclui nada poder dizer sobre as coisas que tantos filósofosacreditam poder afirmar. O próprio Wittgenstein, numa carta a Ludwig Von Ficker afirmouque

Meu livro consiste em duas partes: esta que lhe apresento, mais a outra que nãoescrevi. E esta segunda parte é precisamente a mais importante. Em resumo, creioque, nele, consegui pôr bem em seu lugar aquilo sobre o que hoje tantos outrosperoram, calando-me a respeito. 5 

2.3 Teoria Figurativa da LinguagemPara Wittgenstein, nós só podemos falar sobre o mundo porque linguagem e

mundo possuem a mesma forma lógica, uma comunhão estrutural - ambas se coadunam noespaço lógico: é a chamada teoria figurativa da linguagem.

Wittgenstein teve essa intuição enquanto trabalhava no Tractatus. Ao ler umartigo numa revista, sobre o modo como um acidente de trânsito foi representado numtribunal por meio de bonecos e carros de brinquedo, ele percebeu que, para que os elementosdessa representação correspondessem realmente ao acidente da vida real, os bonecos e carrosde brinquedo deveriam necessariamente estar dispostos da mesma maneira que estavam aspessoas e automóveis reais. Assim, tanto a representação quanto o acidente tinham a mesmaforma lógica, ou seja, os seus elementos constituintes relacionavam-se da mesma maneira.Wittgenstein teve então o insight de que o mesmo ocorre com a linguagem e o mundo.

As proposições nada mais são que a expressão lingüística do que acontece nomundo. E do mesmo modo que no mundo os fatos podem ser decompostos até restaremapenas elementos simples, os objetos, na linguagem as proposições complexas (que

representam os fatos) podem ser decompostas até restarem apenas os nomes (que nomeiam osobjetos). Essa relação pode ser melhor compreendida observando-se o seguinte quadro:

Mundo LinguagemFatos   Proposições complexasEstados de coisas   Proposições elementaresObjetos   Nomes

É esse isomorfismo que nos permite falar do mundo, pois a mesma relaçãoexistente entre os elementos simples do mundo (os objetos) existe entre os elementos simplesda linguagem (os nomes).

O disco gramofônico, a idéia musical, a escrita musical, as ondas sonoras, todosmantêm entre si a mesma relação interna afiguradora que existe entre a linguagem e omundo. A construção lógica é comum a todos. (Como, no conto, os dois jovens, seusdois cavalos e seus lírios. Todos são, em certo sentido, um só)6 

4 WITTGENSTEIN, Tractatus Logico-Philosophicus, 7 (doravante, citaremos o Tractatus pela siglaTLP).5 WITTGENSTEIN apud CHAUVIRÉ, 1991, p.48.6 TLP, 4.014.

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Assim, a linguagem não explica o mundo, mas o descreve. A proposição podeser verdadeira ou falsa. É verdadeira quando descreve um estado de coisas existente domundo. E é falsa, quando descreve um estado de coisas inexistente no mundo. Convémdestacar que tanto a proposição verdadeira quanto a falsa são dotadas de sentido. O sentido da

proposição, em Wittgenstein, consiste na figuração de um estado de coisas possível. Surgeaqui a distinção entre dizível e indizível. Se a linguagem é figuração da realidade, só podemosdizer (e pensar) o que o que corresponde à realidade.

A existência e a inexistência de estados de coisas é a realidade. (À existência deestados de coisas, chamamos também um fato positivo; à inexistência, um fatonegativo).7 

Desse modo, tem sentido a proposição que descreve um estado de coisas queocorre ou não na realidade. Esse é o sentido da proposição: figurar um estado de coisaspossível, dizível. A frase sem sentido, também chamada de contra-senso oupseudoproposição, é a que tenta dizer o indizível, ou seja,descreve um estado de coisas que

não é nem verdadeiro nem falso, como é o caso das (pseudo)proposições da Metafísica:A maioria das proposições e questões que se formularam sobre questões filosóficasnão são falsas, mas contra-sensos. Por isso, não podemos de modo algum responder aquestões dessa espécie, mas apenas estabelecer seu caráter de contra-senso. A maioriadas questões e proposições dos filósofos provém de não entendermos a lógica denossa linguagem. (São da mesma espécie que a questão de saber se o bem é mais oumenos idêntico ao belo.) E não é de admirar que os problemas mais profundos nãosejam propriamente problemas.8 

O sentido da proposição, isto é, a representação de um estado de coisaspossível, não pode ser dito, mas é mostrado pela própria proposição, enquanto dita:

É o que se vê a partir do fato de entendermos o sentido do sinal proposicional semque ele nos tenha sido explicado.A proposição é uma figuração da realidade: pois sei qual é a situação por elarepresentada, se entendo a proposição. E entendo a proposição sem que seu sentidome tenha sido explicado.A proposição mostra seu sentido . [grifo do autor]9 

Sabemos se uma proposição tem ou não sentido logo que a ouvimos,independentemente de qualquer verificação, pois a proposição mostra o seu sentido, que étranscendental, a priori. O sentido da proposição está na sua forma lógica, no modo como serelacionam os seus elementos constituintes, representando uma relação de objetos no mundo.

2.4 O Fim da Metafísica?

Wittgenstein mostra, pela sua teoria figurativa da linguagem, que asproposições da Metafísica são contra-sensos, ou seja, são frases sem sentido, tentam dizer oindizível, não descrevem nenhum estado de coisas possível.

Posteriormente à publicação do Tractatus, os filósofos do Círculo de Vienaradicalizaram essa posição e fundaram o Positivismo Lógico, afirmando que tudo o que podeser dito restringe-se às proposições da ciência natural, passando toda sentença pelo crivo daverificação, e acusando de Metafísica (dando ao termo conotação pejorativa) toda especulaçãosobre coisas não-verificáveis. Isso é uma má compreensão do pensamento de Wittgenstein

7 TLP, 2.06.8 TLP, 4.0039 TLP, 4.02-4.022

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expresso no Tractatus. Ele não nega a existência do indizível, apenas mostra-nos que sobre oindizível nada podemos dizer, mas tão-somente mostrar: Há por certo o inefável. Isso se

mostra, é o Místico.10  Vemos a importância em Wittgenstein da distinção dizer/mostrar. Oque pode ser dito é o que figura o mundo, é a proposição. Mas a proposição , ao mesmo

tempo em que diz algo, também mostra algo que não pode ser dito.Wittgenstein chegou a dizer que o cerne do Tractatus tinha caráter ético e que a maisimportante porção do livro era a porção que não havia escrito. Pretendia significar queentre as coisas que não podem ser ditas, aquelas que ele nem chega a pôr em palavras– religião, moralidade e estética – são mais importantes do que a que ele havia tentadocolocar em palavras – a filosofia. Desse ponto de vista, que, naturalmente, não é oponto de vista da filosofia pura, o que torna de relevo a demarcação do limite dodiscurso factual é o fato de ele prevenir invasão e preservar aquelas três disciplinas do descrédito a que poderiam sujeitar-se em razão de um tratamento pseudocientífico. 11 

Desse modo, Wittgenstein não mata a Metafísica, como pretendiam ospositivistas lógicos; ele mata as pretensões da Metafísica de poder descrever os seus objetos

tradicionais, como o Ser, o Bom, o Belo. Fazer Metafísica como ciência é, a partir deWittgenstein, impossível devido à natureza da linguagem, mostrada no Tractatus.Wittgenstein não nega, contudo, a importância dos contra-sensos da Metafísica. Ele distingueentre os problemas de vida ( Lebensprobleme) e o palavrório totalmente vazio de sentido. Osproblemas de vida, apesar de não poderem ser resolvidos por proposições, mostram muitosobre o sujeito, refletem o meu querer, a minha decisão de dar à minha vida o rumo que meaprouver.

Sentimos que, mesmo que todas as questões científicas  possíveis tenham obtidoresposta, nossos problemas de vida não terão sido sequer tocados. É certo que nãorestará, nesse caso, mais nenhuma questão; e a resposta é precisamente essa.Percebe-se a solução do problema da vida no desaparecimento desse problema. (Nãoé por essa razão que as pessoas para as quais, após longas dúvidas, o senti do da vida

se fez claro não se tornaram capazes de dizer em que consiste esse sentido?)12 

2.4 O papel do filósofoEm Wittgenstein, portanto, o papel da Filosofia deixa de ser o de sistematizar o

conhecimento, descrever o mundo, etc:O fim da filosofia é o esclarecimento lógico dos pensamentos. A filosofia não é umateoria, mas uma atividade. Uma obra filosófica consiste essencialmente emelucidações. O resultado da filosofia não são “proposições filosóficas”, mas é tornarproposições claras. Cumpre à filosofia tornar claros e delimitar precisamente ospensamentos, antes como que turvos e indistintos.13 

O papel do filósofo preconizado no Tractatus é uma atividade, a crítica dalinguagem, a tarefa de clarificar conceitos, elucidá-los e neles identificar o que pode ou nãoser dito, e o que só pode ser mostrado, convidando ao silêncio sobre o indizível, como nainjunção final do Tractatus: Sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar .14 

3. CONCLUSÃO

10 TLP, 6.522.11 PEARS, 1973, p.90.12 TLP, 6.52-6.521.13 TLP, 4.112.14 TLP, 7.

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Procuramos neste artigo clarificar tanto quanto possível a compreensão de umadas mais importantes obras da história da Filosofia. Pela exposição de suas teses centrais, foinosso intento mostrar o sentido das proposições de Wittgenstein.

O Tractatus não sepulta a Metafísica, apenas mostra que o Bem, o Belo, o

Indizível não são objetos do mundo passíveis de definição pelo método científico, mascompõem o Místico, pano de fundo em virtude do qual o mundo em que vivemos adquiresentido.

Acreditamos ser fundamental no Tractatus a idéia de que a solução de todos osproblemas filosóficos não muda em nada os nossos problemas de vida, de modo que o sentidoda vida não será encontrado pela inferência de verdades últimas, nem pode ser dito por meiode proposições; esse sentido só será encontrado vivendo-se a vida radicalmente, como fezLudwig Wittgenstein.

REFERÊNCIASCHAUVIRÉ, Christiane. Wittgenstein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1991.

PEARS, David. As Idéias de Wittgenstein. São Paulo: Cultrix, 1973.PENHA, João da. Wittgenstein. São Paulo: Ática, 1995.WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus Logico-Philosophicus. São Paulo: EDUSP, 2001.