traÇando o perfil de usuÁrios de trilhas interpretativas atravÉs da percepÇÃo ambiental

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TRAÇANDO O PERFIL DE USUÁRIOS DE TRILHAS INTERPRETATIVAS ATRAVÉS DA PERCEPÇÃO AMBIENTAL Antoninho A. Portilho 1 , Paulo Fernando de Almeida Saul 1 & Anamaria Stranz 2 1 Laboratório de Prática de Ensino, Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), E-mail: [email protected] ; [email protected] 2 Laboratório de História da Vida e da Terra (LaViGea),Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), E-mail: [email protected] Resumo Questões relativas à percepção do ambiente foram realizadas com o objetivo de definir futuros usuários para uma trilha interpretativa localizada no sítio do Dotta, no município de Sapiranga, Rio Grande do Sul. Toda a trilha foi caracterizada levando-se em conta seus aspectos bióticos e abióticos. O conjunto de informações identificou 14 estações de trabalho. Posteriormente, dividiram-se os participantes em três grupos segundo sua idade, profissão e preocupação com a causa ambiental. Entre os participantes, 59% eram estudantes, 21% industriários, 13% comerciários e 7% desempregados. Destes, 55% tinha entre 14 a 16 anos. Todas as questões abordadas tiveram como objetivo averiguar um possível parâmetro entre idade/profissão e o grau de preocupação ambiental. Entre os itens considerados indispensáveis ao se realizar uma trilha, 97% consideraram a máquina fotográfica, seguido de água potável (80%). Com relação a sua atitude ao avistar um animal (cobra, aranha ou lagarto), 50% respondeu que esperaria ele se afastar. Sobre a preferência no uso dos sentidos (tocar, cheirar, ouvir ou ver), houve um baixo interesse (4,33%) nos dois primeiros. A maioria opta por informações detalhadas (76%) e 54% priorizam a conversa durante a caminhada. Os principais focos de interesses são às árvores (45%) e os mamíferos de grande porte (22%). Sobre a lembrança que levariam da trilha, 73% mencionaram uma fotografia, 69,33% uma concha e 59% uma folha. O grupo 1 constituído por trabalhadores com idades entre 15 e 19 anos dão grande importância ao seu bem-estar e preferem não se arriscar em situações de interação com o meio ambiente. O grupo 2 formado por estudantes do magistério com idades entre 14 e 19 anos demonstraram preocupação em melhorar seus conhecimentos em Biologia, e o grupo 3, formado por alunos do ensino fundamental com idades entre 14 e 16 anos, foi o mais propenso a aprender, pois manifestaram menor temor com relação ao ambiente. Palavras-chave: Trilhas, interpretação ambiental, percepção ambiental, educação ambiental

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TRAÇANDO O PERFIL DE USUÁRIOS DE TRILHAS INTERPRETATIVAS ATRAVÉS DA PERCEPÇÃO AMBIENTAL

Antoninho A. Portilho1, Paulo Fernando de Almeida Saul1 & Anamaria Stranz2

1Laboratório de Prática de Ensino, Universidade do Vale do Rio dos Sinos

(UNISINOS), E-mail: [email protected]; [email protected] 2Laboratório de História da Vida e da Terra (LaViGea),Universidade do Vale do Rio

dos Sinos (UNISINOS), E-mail: [email protected]

Resumo Questões relativas à percepção do ambiente foram realizadas com o objetivo de definir

futuros usuários para uma trilha interpretativa localizada no sítio do Dotta, no município

de Sapiranga, Rio Grande do Sul. Toda a trilha foi caracterizada levando-se em conta

seus aspectos bióticos e abióticos. O conjunto de informações identificou 14 estações

de trabalho. Posteriormente, dividiram-se os participantes em três grupos segundo sua

idade, profissão e preocupação com a causa ambiental. Entre os participantes, 59%

eram estudantes, 21% industriários, 13% comerciários e 7% desempregados. Destes,

55% tinha entre 14 a 16 anos. Todas as questões abordadas tiveram como objetivo

averiguar um possível parâmetro entre idade/profissão e o grau de preocupação

ambiental. Entre os itens considerados indispensáveis ao se realizar uma trilha, 97%

consideraram a máquina fotográfica, seguido de água potável (80%). Com relação a

sua atitude ao avistar um animal (cobra, aranha ou lagarto), 50% respondeu que

esperaria ele se afastar. Sobre a preferência no uso dos sentidos (tocar, cheirar, ouvir

ou ver), houve um baixo interesse (4,33%) nos dois primeiros. A maioria opta por

informações detalhadas (76%) e 54% priorizam a conversa durante a caminhada. Os

principais focos de interesses são às árvores (45%) e os mamíferos de grande porte

(22%). Sobre a lembrança que levariam da trilha, 73% mencionaram uma fotografia,

69,33% uma concha e 59% uma folha. O grupo 1 constituído por trabalhadores com

idades entre 15 e 19 anos dão grande importância ao seu bem-estar e preferem não

se arriscar em situações de interação com o meio ambiente. O grupo 2 formado por

estudantes do magistério com idades entre 14 e 19 anos demonstraram preocupação

em melhorar seus conhecimentos em Biologia, e o grupo 3, formado por alunos do

ensino fundamental com idades entre 14 e 16 anos, foi o mais propenso a aprender,

pois manifestaram menor temor com relação ao ambiente.

Palavras-chave: Trilhas, interpretação ambiental, percepção ambiental, educação

ambiental

Page 2: TRAÇANDO O PERFIL DE USUÁRIOS DE TRILHAS INTERPRETATIVAS ATRAVÉS DA PERCEPÇÃO AMBIENTAL

Introdução A Biologia é uma disciplina dinâmica, pois mudanças acontecem a cada

instante e, somente os conceitos básicos permanecem. A cada dia, surgem novas

teorias, novas frentes de pesquisa, novas tecnologias que comprovam ou jogam por

terra velhas tradições.

Atualmente, é inconcebível alguém ficar atrelado a simples teoria, preso em

uma sala de aula, sem a vivência da prática, ou seja, sem a experiência do ver, ouvir,

sentir e interagir quando possível. Se não há um contato do aluno com os respectivos

objetos de estudo, não tendo estes como visualizar (experimentar) as diferenças,

resta-lhe, apenas, confiar no professor.

Em uma trilha é possível perceber detalhes que jamais serão descritos em sala

de aula, seja pelo melhor autor de livro ou pelo melhor audiovisual, visto que não há

nenhum meio de comunicação que substitua a sensação de “ser” parte de um todo. Ao

entrar na mata, o indivíduo passa a sentir-se parte da natureza, a perceber a interação

entre as espécies, tais como, as relações existentes entre o tipo de solo, a

luminosidade, a umidade, a altitude e a vegetação; relação que dificilmente será

percebida em muitas páginas de texto memorizado para uma prova.

Segundo DIAS (2000), disciplinas eminentemente práticas, como a Física,

Química, Biologia, Ciências e Artes, passaram a existir nas escolas de forma

exclusivamente teórica, sem o exercício da reflexão e da análise. Na busca desse

exercício, alunos e professores ansiosos em abandonar a mesmice das aulas teóricas,

buscam alternativas que nem sempre tem resultados agradáveis ou que se queiram

repetir.

O presente trabalho é o resultado de uma caracterização realizada com o

objetivo de orientar professores e guias quanto ao uso de uma trilha localizada no sítio

Dotta, no município de Sapiranga (RS). A trilha tem sido manejada e preservada pelos

seus proprietários e tem sido amplamente utilizada com fins educativo por ser segura,

de fácil acesso, baixo custo e que proporciona muitas possibilidades de aprendizagem

nas mais diversas áreas do conhecimento.

A trilha caracterizada e utilizada no desenvolvimento do perfil dos usuários é

uma ótima sugestão numa cidade carente de opções de lazer, num mundo

necessitando refletir com urgência sobre suas relações com o meio ambiente.

Identificando problemas, propondo soluções... Em um passeio orientado pelo guia do sítio algumas observações puderam

servir como parâmetro para a organização de visitas menos agressivas ao local.

Page 3: TRAÇANDO O PERFIL DE USUÁRIOS DE TRILHAS INTERPRETATIVAS ATRAVÉS DA PERCEPÇÃO AMBIENTAL

O grupo que realizou a trilha era imenso, com mais de 50 pessoas, todos

adolescentes (alunos do 1º ano Normal e do 2º e 3º do Ensino Médio). O efeito de 50

pares de pés sobre o local é, no mínimo, devastador. São mudas de árvores

pisoteadas, cogumelos esmagados, pedras deslocadas, o solo úmido torna-se

lamacento e escorregadio, sem falar na total falta de silêncio, pois sempre há alguém

gritando ou pulando, tornando impossível ouvir qualquer som produzido por aves ou

qualquer outro animal na mata. O guia, para se fazer ouvir, precisava constantemente

gritar e o caos estava estabelecido. Há uma grande pressa em atravessar a mata,

perdendo-se a oportunidade de interação com o local. Tudo o que se quer é ver o final

da trilha. Ao acabar o passeio, o que resta nas pessoas é o cansaço e a lama; na

mata, um rastro de destruição.

Aventuras como essa pode deixar traumatizados aqueles que estão alçando

vôo em atividades que envolvam o mundo vivo, fazendo com que alguns recusem o

convite para outro tipo de saída. Considerando-se ainda, que se tratam de futuros

professores a perda seria irreparável, pois estes serão os porta-vozes junto às futuras

gerações.

Conforme SAUL et al. (2002), o contato organizado com o ambiente,

estimulado durante o percurso das trilhas, auxilia no desenvolvimento da

responsabilidade e no senso de dependência que os seres humanos devem ter frente

ao meio e proporciona uma tomada de consciência e, sobretudo, desperta para

compreensão da integridade, fragilidade e biodiversidade da natureza. Visitas

orientadas com o objetivo de conhecer e interagir com o meio são importantíssimos

para essa tomada de consciência e mudança de atitudes perante a natureza. O

envolvimento das pessoas na busca de soluções para os problemas ambientais deve

começar pelo conhecimento de como funciona o ambiente, e isso se consegue através

da vivência. Numa trilha, e com o olhar atento, estamos aguçando nossa percepção

sob as interações entre os organismos e entre esses e o meio físico. São as

interações que propiciam o equilíbrio e qualquer interferência humana pode romper

essa teia natural de forma irreversível. Cabe-nos, então, buscar a forma menos

agressiva de usufruir deste ambiente e essa forma passa pelo conhecimento e pelo

seu uso, pois para mudar é preciso vivenciar.

A interpretação dos aspectos de uma trilha fornecerá, por exemplo, várias

perspectivas sobre o mesmo tema, pois cada disciplina poderá apresentar um conceito

sobre o que se vê. A interpretação ambiental é a tradução da linguagem da natureza

para a linguagem comum dos visitantes, fazendo com que estes sejam informados em

vez de distraídos, e educados, além de divertidos (VASCONCELOS 2003). A

visualização e interpretação dos efeitos antrópicos sobre o ambiente, uma tomada de

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atitude no sentido de minimizar ou solucionar um problema ambiental com certeza

levará o indivíduo a localizar e buscar solução para outros problemas no seu bairro,

por exemplo. Faltam enfim, atividades de interpretação ambiental, onde uma

caminhada, associada às discussões sobre problemas ambientais poderá originar

mudanças de atitudes e formação de uma cultura de sustentabilidade. E sempre é

bom deixar claro, que quem tem que ser surpreendido durante a visita é o visitante e

não o guia, que deverá estar sempre bem munido de informações, bom humor e

linguagem acessível.

Caracterização da trilha O sítio das Águas Dotta localiza-se ao norte do município de Sapiranga, na

base do planalto basáltico. Inserido na localidade denominada Kraemer-Eck entre

Sapiranga e Dois Irmãos, o local é cercado por propriedades com características

diversas, como: sítio residencial, sítio de lazer, campo para criação de animais, matas

de acácias, culturas de subsistência e áreas de mata preservada. Típica propriedade

rural adaptada ao turismo de lazer, com piscinas, churrasqueiras, restaurantes, e um

pequeno museu e playground, possui ainda um lago que represa a água vinda das

áreas altas através de pequenos arroios (Figura 1).

Figura 1. Localização do município de Sapiranga no Estado e uma panorâmica da

localidade de Kraemer-Eck, onde situa-se o sítio Dotta, tendo o morro Ferrabráz ao

fundo.

A trilha do Paredão é constituída por um remanescente de Floresta Estacional

Semidecidual ponteada por uma vegetação exótica, o que indica uma ocupação

humana de longa data. Toda a área é entrecortada por córregos sazonais, que

desaparecem durante os períodos de estiagem. No local é possível encontrar muitas

espécies de plantas nativas, assim como áreas de ecótono, pois foram identificadas

30º

51º

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exemplares de Araucária (Araucaria angustifolia O. Kuntze) nas áreas acima de 600

metros, o que caracteriza uma Floresta Ombrófila Mista (TEIXEIRA et al., 1986).

Nas áreas de menor altitude (abaixo de 500 metros), as figueiras (Ficus sp.),

maricás (Mimosa bimucronata O. Kuntze), aroeiras vermelha (Schinus terebinthifolius

Raddi), aroeira-salsa (Schinus molle L.), pitangueira (Eugenia uniflora L.), umbu

(Phytolacca dioica L.), taquareira (Bambusa tuldoides), guajuvira (Patagonula

americana L.) e pente–de–macaco (Pithecoctenium echhinatum (Jacq.) Baill) dominam

a paisagem. Artrópodes (aracnídeos e insetos) e espécies diferentes de aves, tais como o

Quero-quero (Vanellus chilensis), a pombinha-rola (Columbina picui ), o Anu–preto

(Crotophaga ani), o Anu–branco (Guira guira), os Pica-paus (Picidae), o João–de–

barro (Furnarius rufus), o Vira-folha (Sclerurus scansor ), a Corruíra (Troglodytes

aedon), o Sabiá-laranjeira (Turdus rufiventris) e o Canário (Fringillidae) foram

avistados durante o levantamento da trilha. Durante o percurso, aspectos geológicos importantes são observados. A trilha

bordeja a zona de contato entre rochas areníticas, geologicamente caracterizadas

como pertencentes ao paleo-deserto Botucatu, que se estendia por todo o Gondwana

durante o período Triássico (251 milhões de anos atrás) e rochas basálticas originadas

durante a separação América do Sul-África, durante o Cretáceo (145 milhões de anos

atrás). Estes contatos formam afloramentos chamados de “paredões” de

aproximadamente, 10 metros de altura. São estes enormes paredões que dão o nome

à trilha. O percurso apresenta uma elevação gradual de aproximadamente 30 metros

do início até a base do paredão. De determinados pontos da trilha é possível observar

a pedreira municipal que expõe a formação basáltica que caracteriza a região mais

alta do município. O piso da trilha é arenoso e recoberto pela serapilheira, porém em

determinados trechos, torna-se pedregoso, formado por pedaços de arenito deixados

pela exploração para retirada de lages de arenito (pedra grês) para construções. Com base nas observações de campo e da pesquisa realizado, foi criado um

croqui da área (Figura 2), onde foram estabelecidos 14 pontos de

interpretação/percepção ambiental, buscando focar aspectos ecológicos, geológicos e

culturais da região.

Caracterização dos pontos interpretativos Seguindo o modelo proposto por MAGRO E FREIXÊDAS (1998) foram

estabelecidos 14 pontos interpretativos, abaixo descriminados:

• Ponto 1: A trilha inicia com a observação de um imponente Umbu (Phytolacca

dioica L.) e com a presença de exemplares de araçá-vermelho (Psidium

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cattleyanum Sabine) (Figura 3A) árvore que, segundo FLECK (1994), teria

originado o nome do município a partir de sua denominação indígena, Araçá–

pyranga. Ocorrem também “moitas” de taquareiras (Bambusa trinii Nees) que são

utilizadas como quebra-vento e como material para construção de cercas de

hortas.

• Pontos 2 e 3: No ponto 2 é realizada a travessia do primeiro arroio perene. Este

ponto é riquíssimo em vegetação, a qual conserva a temperatura amena. Muitas

epífitas como barba–de-pau (Tillandsia usneoides), rabo-de-rato (Rhipsalis

baccifera), cravo-do-mato (Tillandsia aeranthos) e bromeliáceas, que funcionam

como cisternas e estão presentes em praticamente toda a área. Este ponto

encontra-se em recuperação, pois segundo informações locais, a área foi

desmatada para a criação de gado. Contínuo ao ponto 2, está o ponto 3, onde o

destaque é o açoita-cavalo (Luehea divaricata Mart. Et Zucc.) com diversas epífitas

(Figura 3B), que, quando floridas, nos dão a dimensão da importância de um único

indivíduo para o meio ambiente.

• Pontos 4 e 5: Nesse ponto, cruza-se um córrego semi-permanente. Ali há o

encontro com o córrego permanente proveniente da parte alta. Neste ponto são

observados exemplares de Araucária (Araucaria angustifolia O. Kuntze) e diversas

árvores nativas cobertas por lianas e epífitas. Troncos caídos servem de berçário

para novos exemplares que crescem em busca de luminosidade. Uma variedade

de fungos foram observados, sendo que os mesmos poderão servir de mecanismo

de controle da trilha, pois estão presentes nas diversas estações do ano.

• Ponto 6: Área de preservação. A visitação é condicionada pelas situações

climáticas do dia, devido, principalmente, ao seu difícil acesso. O local é rico em

espécimes vegetais que servem como refúgio para animais. Dentre as espécies

identificadas, está o Xaxim (Dicksonia selowiana (Presl) Hook.) que atualmente

encontra-se na lista de ameaçada de extinção.

• Ponto 7: Região próxima à divisa com o campo. Nesse local pode-se verificar o

contraste de uma região intensivamente agredida pelo homem com outra onde,

atualmente, há preocupação com a preservação. Desse local é possível ver uma

imponente Figueira (Ficus sp.). Além disso, várias goiabeiras (Psidium guajava L.)

chamam atenção pelas flores entre os meses de Setembro a Novembro e pelo

cheiro dos frutos de Janeiro a Abril.

• Ponto 8: Exemplares de plantas exóticas como a Uva-do-Japão (Hovenia dulcis

Thunb.), que dominam a paisagem (Figura 3C) formando um corredor homogêneo.

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• Pontos 9, 10 e 11: Primeiro afloramento. Constitui-se em uma antiga pedreira,

onde a face vista não sofreu ação direta, permitindo ver o desgaste natural pela

água, ventos e vegetação. Muitas raízes e lianas descem pela rocha (Figura 3D).

Local amplamente procurado por aves e roedores (observação facilitada quando

se está em pequeno grupo ou sozinho). Plantas com enormes acúleos e grandes

exemplares de urtigão (Urera aurantiaca Wedd.) e pente–de–macaco

(Pithecoctenium echhinatum (Jacq.) Baill), ornamentam a passagem. Área de

aclive acentuado até chegar ao ponto 12.

• Ponto 12: Segundo local de afloramento, onde agora o visitante passa junto ao

paredão de arenito que, nos dias de maior umidade, libera uma refrescante chuva

de água que brota das raízes. Grande variedade de plantas e pequenos animais

usufruem dessa umidade, como por exemplo, samambaias, avencas, bromélias,

beija-flores, rato silvestre e insetos. Aves constroem ninhos nos pontos elevados e

secos, utilizando as reentrâncias da rocha. Há também um local onde se pode

acessar a parte de cima do paredão, de onde se tem uma magnífica vista do vale

(Figura 3E) e da pedreira de rochas vulcânicas que hoje é aproveitada como

pavimento pela prefeitura. É um ponto de descanso para os visitantes. Dentre as

árvores destacamos a timbaúva (Enterolobium contortisiliquum Vell. Morong.) e a

gameleira (Ficus organensis (Miq) Miq.).

• Ponto 13: Observação da Figueira (Ficus sp.) cujas raízes se estendem sobre a

terra, por mais de 30 metros, possivelmente devido ao solo raso originado pela

erosão da rocha basáltica (Figura 3F). Pontos de erosão natural ocasionada pelas

águas de drenagem servem de apoio para discussões sobre erosão e

geomorfologia.

• Ponto 14: Área de campo com gramíneas e Jerivás (Syagrus romanzoffiana

(Cham.) Glassm.) de onde se observa o vale e pedreira (Figura 3G), num local

cercado por floresta nativa. Ótimo local para avaliar e discutir as percepções e

vivências sobre o passeio, a formação geológica regional, realizar jogos

ecológicos, ou simplesmente admirar a paisagem.

Levantamento do perfil dos grupos Um questionário dirigido (em anexo) foi respondido antes do inicio de cada

caminhada e teve como objetivo, estabelecer um perfil dos grupos visitantes. Foram

distribuídos 270 questionários, dos quais 255 foram respondidos e devolvidos. Os

c

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grupos foram organizados por afinidade, visto que o objetivo foi o de realizar as

caminhadas com abordagens diferenciadas dependendo destes perfis. Cada questão

foi elaborada com a intenção de verificar as possíveis atitudes a serem tomadas com

cada grupo (linguagem, atividades de reconhecimento, sensibilidade, percepção, etc.)

para tirar o máximo proveito do percurso.

Os grupos foram divididos em três, de acordo com suas profissões, sendo

que o grupo 1 era formado por pessoas de variadas profissões; o grupo 2 por alunos

do magistério e o grupo 3 por alunos do Ensino fundamental.

Análise dos Dados As trilhas foram realizadas com cada grupo e com atividades diferenciadas por

parte do guia, partindo de um dos três perfis traçado anteriormente pela tabulação dos

dados do questionário, para que o aproveitamento fosse o melhor possível. Todos

tiveram participação ativa, questionando e opinando sobre os mais diversos fatores

que tornam a trilha interessante.

Perfil do grupo 1

Constituído por comerciários e industriários com idades entre 15 e 19 anos,

possuem como interesse comum o aprender sobre o ambiente. Alguns acreditam na

coleta indiscriminada e sem critérios e valorizam o seu bem-estar (muito repelente e

água). Contudo, a maioria prefere fotografar (dados da questão XI). Ninguém citou que

eliminaria um animal em seu caminho, mas preferem não se arriscar, como indica a

questão VI (92% dizem que dependendo da situação tocariam, cheirariam ou ouviriam

algo). A maioria participaria de jogos ecológicos (83%). Todos preferem informações

detalhadas (100%). As paradas para conversar obtiveram 59% e foram solicitadas

informações sobre vegetação. Cerca de 50% deles e menos de 8% interessaram-se

sobre mamíferos, sendo que não houve questionamentos sobre rochas, liquens,

cogumelos e aves, denotando distanciamento desses organismos e dos aspectos

geológicos, talvez pela falta de vivência e de associações entre os fatores bióticos e

abióticos. Das possíveis lembranças, às fotos são maiorias (100%), seguido de rochas

e cascas (50%). Poucos levariam plantas e animais. O respeito pelos seres vivos ou a

necessidade de cuidados faz com que a vontade de levar para casa algo vivo seja

reduzida.

Perfil do grupo 2

Formado por estudantes do primeiro ano do curso normal, com idades entre

14 e 19 anos. Tem como preocupação melhorar seus conhecimentos em Biologia. A

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questão IV demonstra a preocupação em fotografar, anotar (56% levariam caderneta),

proteger-se (chapéu 78%, repelente 33% e água 67%, além de comida 33%) e cerca

de um terço preocupam-se em não deixar lixo no local, ou quem sabe, recolhê-lo

(44%). Desse grupo 22% eliminaria um animal que lhe cruzasse o caminho e 56% iria

fotografá-lo. A maioria informa que, dependendo da situação, tocaria ou cheiraria algo

na mata (67%), outros 22% preferem ver e apenas 11% ouvir. Desse grupo 78%

participariam de um jogo ecológico.

Quanto ao item informações, a maioria prefere que seja detalhada (67%) e

11% não querem obter informações. Nas estações, 78% preferem apenas parar para

observar e não para conversar. A maioria se interessa por mamíferos (33%) e aranhas

(22%), e 11% mostram interesse pelas árvores, bromélias e insetos. Novamente não

houve nenhum interesse pelas rochas. Quando a pergunta é sobre o que você levaria

para casa, 78% levariam penas e conchas, 67% flores, pedras e cascas enquanto que

apenas 22% levariam animais ou plantas. Tais respostas demonstram a cultura na

qual aquilo o que não for vivo, pode ser retirado sem problemas.

Perfil do grupo 3

Constituído por estudantes do ensino fundamental com idades entre 14 e 16

anos, suas preocupações diferem dos outros grupos provavelmente pela curiosidade

inerente em alunos dessa faixa etária. Todos informaram que é indispensável levar a

máquina fotográfica (100%), seguida pela água (75%), pelo repelente (63%), chapéu

(50%) e por sacolas para lixo (13%). Nenhum deles eliminaria um animal que lhe

cruzasse o caminho, preferindo fotografá-lo. A maioria prefere ver (63%), sendo que

tocar e cheirar perfez 13% cada.

Quanto ao jogo ecológico, todos participariam. Muitos preferem informações

detalhadas (63%). Quanto ao que gostariam de saber mais, as árvores levaram

vantagem, seguidas pelos mamíferos e aranhas. No caso do que você levaria para

casa como lembrança, 88% disseram que levariam conchas, 75% levariam flores, 63%

levariam fotos e folhas e novamente a minoria levaria um ser vivo. O grupo 3 é o mais

propenso a aprender e aquele com menor temor com relação ao ambiente.

Conclusão Ao se organizar as saídas a maior dificuldade sempre foi o de se criar um

ambiente de multidisciplinaridade, pois professores de outras áreas que não da

Biologia, não tinham disposição de participar do passeio.

Grupos não agendados, geralmente serão heterogêneos e o guia terá que ser

eclético nas abordagens.

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De posse das características de cada grupo é possível fazer um trabalho

diferenciado em cada saída, salientando os aspectos de interesse dos ecoturistas,

mas também os aspectos negativos para que haja, na prática, um processo de

mudança de atitudes, verdadeiro objetivo da Educação Ambiental.

Bibliografia FLECK, L. (1994). A História de Sapiranga. Santa Maria: Pallotti, 1994.

MAGRO, T.C.; FREIXÊDAS, V.M. (1998) Trilhas: como facilitar a seleção de pontos

interpretativos. Circular Técnica IPEF, n. 186, Setembro de 1998. pp.4-10.

SAUL, P.F.A.; LEAL, J.C.P.; FENSTERSEIFER, C. (2002) Trilhas de interpretação

ambiental. Educação Ambiental: Teoria e Prática. Carlos Henrique Nowatzki (org.).

Ed. UNISINOS: São Leopoldo, pp. 107-114.

TEIXEIRA, M.B.; NETO, A.B.C.; PASTORE, U.; FILHO, A.L.R.R. (1986) As regiões

fitoecológicas, sua natureza e seus recursos econômicos:estudo fitogeográfico. In:

Levantamento de Recursos Naturais (RADAMBRASIL), Folhas SH.22 Porto Alegre

SH.21 Uruguaiana e SI.22 Lagoa Mirim. IBGE: Brasília, 1986.

VASCONCELOS, J. (2003). Interpretação ambiental. In: Manual de ecoturismo de

base comunitária: ferramentas para um planejamento responsável. Brasília: WWF

Brasil, 2003. 470p. il.

Page 11: TRAÇANDO O PERFIL DE USUÁRIOS DE TRILHAS INTERPRETATIVAS ATRAVÉS DA PERCEPÇÃO AMBIENTAL

QUESTIONÁRIO DE CAMPO PARA DEFINIÇÃO DO PÚBLICO-ALVO Nome: ________________________________________

Sua idade ( ) 10 a 13 ( ) 14 a 16 ( ) 17 a 19 ( ) 20 a 23 ( ) 24 a 27 ( ) 28 a 31 ( ) mais de 31

Sua profissão ___________________________________________________

Você faria um passeio a pé, em uma trilha de cerca de 80 cm de largura, numa mata com árvores de 15 m, num local de fácil acesso a 2 km do centro da cidade, de onde partiria, realizando observações do reflexo da ação humana sobre o meio ambiente?

( ) não gosto de trilhas (fim do questionário) ( ) sim

( ) não, prefiro uma trilha mais larga e ampla (3 m de largura), onde não haja contato com a

vegetação, mas que seja fácil observá-la. Para um passeio como esse, o que você considera indispensável levar (escolha cinco itens):

( ) máquina fotográfica ( ) gravador ( ) facão ( ) fósforos ( ) cigarros ( ) cerveja

( ) refrigerantes ( ) chapéu ( ) água ( ) envelopes para sementes ( ) repelente para insetos

( ) caderneta ( ) sacolas para lixo ( ) sacolas plásticas e frascos para por mudas ou

animais coletados ( ) outra:_________________

Durante o passeio ao avistar pelo caminho uma aranha, uma cobra, um lagarto, etc., você:

( ) elimina ( ) espera ele se afastar ( )fotografa. ( ) outra:______________

Durante o passeio você prefere usar os sentidos para:

( ) ver ( ) tocar ( ) cheirar ( ) ouvir ( ) todos ( ) outra: _________________

Você participaria de um jogo ou de uma brincadeira ecológica, onde precisasse imitar um animal, por exemplo?

( ) sim ( ) não, porque ______________________

Nos pontos visitados na trilha você prefere informações ( ) detalhadas? ( ) superficiais? ( ) de nenhum tipo?

Durante a caminhada você prefere ( ) parar e observar ( ) parar e conversar ( ) parar, observar e conversar

( ) andar sem parar ( ) outra: __________________________

Escolha um item existente na região sobre o qual você gostaria de saber mais ( ) árvores ( ) bromélias ( ) insetos ( ) aves ( ) mamíferos ( ) aranhas

( ) líquens ( ) cogumelos ( ) rochas ( ) outro:_________________________

Você considera uma lembrança e levaria para casa ( ) animal ( ) pedra ( ) concha ( ) pena ( ) frutos. ( ) planta ( ) foto

( ) folha ( ) casca ( ) sementes ( ) flores ( ) outro: ___________________

Page 12: TRAÇANDO O PERFIL DE USUÁRIOS DE TRILHAS INTERPRETATIVAS ATRAVÉS DA PERCEPÇÃO AMBIENTAL

Figura 2. Croqui da trilha do Paredão com a localização dos pontos de

interpretação/percepção ambiental.

Page 13: TRAÇANDO O PERFIL DE USUÁRIOS DE TRILHAS INTERPRETATIVAS ATRAVÉS DA PERCEPÇÃO AMBIENTAL

Figura 3. A) Ponto 1: mata de araçá-vermelho na borda do lago. B) Ponto 3: Abundância de

orquídeas. C) Ponto 8: Raízes de uva-do-japão sob o afloramento. D) Ponto 10: Raízes de figueiras

escalam as rochas dos paredões. E) Ponto 12: Panorâmica da região obtida na parte superior do

A B

C

D E

F G

Page 14: TRAÇANDO O PERFIL DE USUÁRIOS DE TRILHAS INTERPRETATIVAS ATRAVÉS DA PERCEPÇÃO AMBIENTAL

afloramento. F) Ponto 13: Grupo 3 junto à figueira centenária. G) Ponto 14: Grupo 1 realizando

observação na área de campo e Jerivás (Syagrus romanzoffiana)