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1 A produção de preparados piscícolas em Tróia Estudo de três amostras provinientes da Oficina 2 Sónia Gabriel 2013 LISBOA LARC TRABALHOS DO LARC TRABALHOS DO LARC TRABALHOS DO LARC

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Page 1: Trabalho LARC 1 - Direção-Geral do Património Cultural · 1 A produção de preparados piscícolas em Tróia Estudo de três amostras provinientes da Oficina 2 Sónia Gabriel

1A produção de preparados piscícolas em Tróia

Estudo de três amostras provinientes da Oficina 2

Sónia Gabriel

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Coordenação  Editorial  Ana  M.  Costa  LARC/DGPC  -­‐  EnvArch/CIBIO/InBIO  

Projeto  Gráfico  Ana  M.  Costa  

Data  de  Impressão  Fevereiro  de  2013  

Edição  Laboratório  de  Arqueociências,  LARC  Direção-­‐Geral  do  Património  Cultural  Rua  da  Bica  do  Marquês,  nº2  1300-­‐087  Lisboa  TEL:  +351213625369  

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Créditos  de  capa:  Whitehead,  P.J.P.  (1985),  FAO  species  catalogue.  Clupeoid  fishes  of  the  world.  An  annotated  and  illustrated  catalogue  of  the  herrings,  sardines,  pilchards,  sprats,  anchovies  and  wolfherrings.  Part  1  -­‐  Chirocentridae,  Clupeidae  and  Pristigasteridae.  Fish.Synop.,  (125)Vo1.7,  FAO  Este  relatório  contém  dados  inéditos  cuja  utilização  e  divulgação  necessitará  da  autorização  dos  autores  

   

TÍTULO  

A  produção  de  preparados  piscícolas  em  Tróia  (Grândola)  

Estudo  de  três  amostras  provenientes  da  Oficina  2  

AUTORES  

Sónia  Gabriel  

RESUMO  

O  presente  relatório  descreve  três  amostras  ictioarqueológicas  provenientes  da  Oficina  2  de  Tróia,  (séc.-­‐II  e  séc.  III-­‐V).  Os  resultados  obtidos  indicam  que,  à  semelhança  de  outras  fábricas  da  região  de  Lisboa,  a  sardinha  S.  pilchardus  constitui  a  base  dos  preparados  piscícolas  ali  produzidos.    

A   estimativa   do   tamanho   individual   dos   espécimes   arqueológicos   permitiu   aferir   e   comparar   os  tamanhos  da  sardinha,  evidenciando  a  utilização  de  exemplares  de  maior  tamanho  na  amostra  datada  do  séc.  I-­‐II.  

Cruzando  os  dados  obtidos  com  alguma  informação  disponível  nos  textos  clássicos,  conclui-­‐se  que  as   amostras   analisadas   documentam   a   produção   de   produtos   do   grupo   dos   molhos/pastas,   embora   a  discussão  do  seu  tipo  necessite  ainda  um  exame  mais  cuidadoso.  

ABSTRACT  

This  report  describes  three  samples  of  the  fish  derived  from  Tróia  (Workshop  2),  dated  to  the  1st-­‐2nd  century,  and  to  the  3rd-­‐5th  centuries  AD.  The  results  show  that,  like  other  factories  in  the  Lisbon  region,  the  sardine  S.pilchardus  was  the  basis  of  the  products  found  in  the  factory  for  making  fish  products.  

Comparing   individual  size  distribution,   it   is  evident   that   the  sample,  dated  to  the  1st-­‐2nd  century  AD,  was  produced  using  larger  specimens.  

Comparing   the   data   with   information   available   in   classical   texts,   we   conclude   that   the   samples  document  sauce  production  (garum,  hallec,  among  others),  though  their  characterization  requires  further  analysis.  

 

Trabalhos  do  LARC  n.º  1  Lisboa,  2013  

 

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ÍNDICE  

1.   INTRODUÇÃO  ..................................................................................................................................................................  1  1.1   A  fábrica  de  preparados  piscícolas  de  Tróia  ................................................................................................  2  1.1.1  A  Oficina  2  ....................................................................................................................................................  3  1.2   Âmbito  e  objectivos  de  trabalho  .................................................................................................................  3  

2.   MATERIAL  E  MÉTODOS  .......................................................................................................................................................  5  2.1   Material  .......................................................................................................................................................  5  2.2   Métodos  ......................................................................................................................................................  5  2.2.1  Preparação  das  amostras  ............................................................................................................................  5  2.2.2  Triagem  e  identificação  ...............................................................................................................................  6  2.2.3  Osteometria  .................................................................................................................................................  6  2.2.4  Análise  de  dados  ..........................................................................................................................................  6  

3.   OS  RESTOS  DE  PRODUÇÃO  ENCONTRADOS  NA  OFICINA  2  (CETÁRIAS  1,  5  E  9)  ...............................................................................  8  3.1   Preservação  .................................................................................................................................................  8  3.2   Representatividade  esquelética  ..................................................................................................................  8  3.3   Diversidade  taxonómica  ..............................................................................................................................  8  3.4   Distribuição  de  tamanhos  ...........................................................................................................................  9  

4.   OUTROS  RESTOS  DE  PEIXE  ENCONTRADOS  NA  OFICINA  2  .........................................................................................................  11  5.   DISCUSSÃO  E  CONSIDERAÇÕES  FINAIS  ..................................................................................................................................  12  

5.1   Exploração  dos  recursos  ...........................................................................................................................  12  5.1.1  Critérios  de  captura  ....................................................................................................................................  12  5.2   Produtos  fabricados  ..................................................................................................................................  13  

6.   CONCLUSÕES  E  PERSPECTIVAS  DE  INVESTIGAÇÃO  ...................................................................................................................  16  BIBLIOGRAFIA  ........................................................................................................................................................................  17  

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ÍNDICE  DE  FIGURAS  

Figura  1.  Mapa  da  Península  Ibérica  e  Norte  de  África  com  indicação  das  regiões  do  antigo  Império  Romano.  ...............  2  Figura  2.  Mapa  de  Portugal  com  indicação  da  localização  da  península  de  Tróia  (o ).  A  figura  de  pormenor  (B)  indica  a  implantação  da  fábrica  de  preparados  piscícolas  ali  instalada  no  século  I.  ........................................................................  2  Figura  3.  Resumo  gráfico  dos  métodos  utilizados  na  análise  das  três  amostras  de  restos  de  produção  recuperadas  na  Oficina  2  de  Tróia:  T1[193]_2660;  T5[233]_2658;  T9[418]_2664.  ......................................................................................  7  Figura  4.  Diversidade  taxonómica  registada  nas  três  mostras  analisadas  (T1[193]_2660,  T5[233]_2658,  T9[418]_2664]):  percentagens  calculadas  com  base  no  número  mínimo  de  indivíduos  estimado  (NMI).  ...................................................  9  Figura  5.  Distribuição  de  tamanhos  de  sardinha,  S  pilchardus,  encontrada  em  cada  uma  das  amostras  analisadas.  As  caixas   incluem  50%  dos   indivíduos,   e   as   riscas   verticais   apontam  para   os   tamanhos  máximo   e  mínimo   da   sardinha  encontrada  em  cada  amostra.  ..........................................................................................................................................  10  Figura  6.  Classes  de  tamanho  da  sardinha,  S  pilchardus,  encontrada  em  cada  uma  das  amostras  analisadas.  ...............  10  Figura  7.  Diversidade  taxonómica  observada  nas  amostras  T1[193]_329,  e  T7c[215]_337.  Da  cetária  8  procedem  três  amostras   T8[182]_333;   [192]_335;   e   [195]_336).  Número  de  elementos  esqueléticos   identificado   taxonómicamente  (NISP),  e  número  mínimo  de  indivíduos  estimado  (NMI).  ................................................................................................  11  Figura  8.  Distribuição  de  tamanhos  de  sardinha,  S  pilchardus,  encontrada  na  Oficina  2  de  Tróia  comparada  com  a  dos  tamanhos  encontrados  em  três  fábricas  da  região  de  Lisboa:  Casa  do  Governador  da  Torre  de  Belém  (C.  Governador  T.  Belém  -­‐  GTB);  Núcleo  Arqueológico  da  Rua  dos  Correeiros  (N.A.R.  Correeiros  -­‐  NARC);  e  Mandarim  Chinês  (M.Chinês  .  MC).   As   caixas   incluem   50%   dos   indivíduos,   e   as   riscas   verticais   apontam   para   os   tamanhos  máximo   e  mínimo   da  sardinha  encontrada  em  cada  amostra.  ...........................................................................................................................  13  

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ÍNDICE  DE  TABELAS  

Tabela  I.  Capacidade  instalada  em  algumas  oficinas  de  produção  de  preparados  de  peixe  do  ocidente  romano.  A  partir  de  Filipe  e  Fabião  (2006/2007)  e  Pinto  et  al.  (2011).  L  =  Lusitania,  B=  Baetica,  MT=  Mauritânia  Tingitana.  .....................  3  *  Indica  que  não  se  conhece  a  capacidade  total.  ...............................................................................................................  3  Tabela  II.  Lista  do  material  analisado:  contextualização  crono-­‐estratigráfica  e  observações  sobre  o  tipo  de  amostras  a  partir  de  Pinto  et  al.  (2009,  2010).  ......................................................................................................................................  5  Tabela  II.a.  Lista  de  material  sobre  o  qual  foram  registadas  observações  adicionais.  Notas  sobre  o  tipo  de  amostras  a  partir  de  Pinto  et  al.  (2009,  2010).  ......................................................................................................................................  5  Tabela   III.   Variável,   e   equação   de   regressão   utilizada   para   estimativa   dos   comprimentos   individuais   de   Sardina  pilchardus   a   partir   da   medição   da   primeira   vértebra   (V1).   Onde:   TL   =   Comprimento   total;   e   r²   =   Coeficiente   de  determinação.  .....................................................................................................................................................................  6  Tabela  IV.  Restos  de  produção  da  Oficina  2:  principais  elementos  esqueléticos  identificados  nas  amostras  analisadas.  ■  =  presença.  .....................................................................................................................................................................  8  

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Sónia  Gabriel    

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1. INTRODUÇÃO  

“It  is  up  to  others,  whenever  it  may  be  possible,  to  determine  to  which  species  of  fish  these  remains  belong”.  (Dressel,  1879  cit.  por  Van  Neer  et  al.2010)  

A   antiga   província   romana   da   Lusitania   (Figura   1),   possui   características   privilegiadas   para   a  exploração   dos   recursos  marinhos:   uma   ampla   frente   Atlântica,   rica   em   recursos   piscícolas;   e   um   clima  quente,  com  estiagens  longas  e  secas,  adequado  à  produção  de  sal  (Fabião,  2009).  São  bem  conhecidas  as  potencialidades  piscícolas  do  Atlântico,  sobretudo  se  comparadas  com  as  do  Mediterrâneo,  que  fazem  das  zonas  costeiras  a  ocidente  do  Estreito  de  Gibraltar  áreas  privilegiadas  para  a  exploração  daqueles  recursos  (Edmonson,   1987),   cuja   pesca   serviu   para   sustentar   a   produção   nas   fábricas   de   produtos   piscícolas  instaladas  nas   franjas   litorais  da  Andaluzia  ocidental,  da   costa  meridional  portuguesa  e  das   costas  norte-­‐africanas  (Figura  1).  

Os  preparados  piscícolas  ocuparam  um  papel  central  na  alimentação/gastronomia,  e  na  economia  da   época   romana.   O   seu   comércio   e   consumo,   encontram-­‐se   documentados   pelas   fontes   literárias   e  epigráficas,   pela   escavação   e   análise   dos   sítios   de   produção,   e   pelo   estudo   das   ânforas   utilizadas   para  transporte  desses  preparados  (Van  Neer  et  al.2010).  

Apesar   do,   já   significativo,   conhecimento   sobre   a   indústria   romana   de   preparados   piscícolas,   a  informação  sobre  a  produção  com  base  na  observação  direta  dos  seus  restos  (ossos  de  peixe),  raramente  constituiu  uma  prioridade  (para  uma  síntese  dos  estudos  realizados  até  à  década  de  1990,  ver  Curtis,  1991).    

A   análise   dos   restos   de   peixe   recuperados   em   cetárias,   fundos   de   ânfora,   e   lixeiras,   permite  documentar   quais   as   espécies   utilizadas   nos   preparados   produzidos,   estimar   quais   os   seus   tamanhos   e,  nalguns  casos,  inferir  o  tipo  de  produto  fabricado  (Van  Neer  e  Parker,  2008).  

Graças  à  utilização  de  métodos  de  recolha  adequados,  e  à  disponibilidade  de  coleções  osteológicas  apropriadas,  a  análise  de  amostras  de  peixe  resultantes  da  produção  de  preparados  piscícolas  tem  vindo  a  aumentar   consideravelmente   nos   últimos   anos,   permitindo   um   conhecimento   mais   amplo   sobre   os  preparados   piscícolas   (Beja,   1993;   Studer,   1994;   Van   Neer   e   Ervynck,   1998,   1999,   2004;   Desse-­‐Berset   e  Desse,  2000;  Sternberg,  2000;  Assis  e  Amaro,  2006;  Van  Neer  et  al.  2006;  Van  Neer  e  Parker,  2008;  Gabriel  et  al.  2009,  para  mencionar  apenas  alguns  exemplos).  

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A  produção  de  preparados  piscícolas  em  Tróia  (Grândola).  Estudo  de  três  amostras  provenientes  da  Oficina  2    

2  

 Figura  1.  Mapa  da  Península  Ibérica  e  Norte  de  África  com  indicação  das  regiões  do  antigo  Império  Romano.  

1.1 A  fábrica  de  preparados  piscícolas  de  Tróia  

As   ruínas   romanas   de   Tróia,   são   conhecidas   principalmente   pelos   seus   tanques   de   produção   de  preparados  piscícolas.  O  sítio  situa-­‐se  cerca  de  50km  para  sul  de  Lisboa,  na  península  de  Tróia,  uma  língua  de  areia  orientada  no  sentido  NW-­‐SE,  que  marca  a  separação  entre  o  fim  do  rio  Sado  e  o  Oceano  Atlântico  (Figura   2).   Esta   localização   geográfica   privilegiada,   permite   beneficiar   tanto   das   condições   ecológicas  proporcionadas  pelo  estuário  do  rio  Sado  (a  Este),  como  das  oferecidas  pelo  Oceano  Atlântico  (a  Oeste).  

 Figura  2.  Mapa  de  Portugal  com  indicação  da  localização  da  península  de  Tróia  (o ).  A  figura  de  pormenor  (B)  indica  a  

implantação  da  fábrica  de  preparados  piscícolas  ali  instalada  no  século  I.  

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Sónia  Gabriel    

 3  

Embora  Tróia  seja  conhecida  desde  o  século  XVI  (Castelo-­‐Branco  1965  cit.  por  Magalhães,  2006),  o  resultado   das   intervenções   ali   realizadas   (as   primeiras   no   século   XVIII,   sob   a   égide   de   D.   Maria   I),   são  bastante   dispersos,   conhecendo-­‐se   uma   única   monografia   onde   se   dá   conta   da   intervenção   francesa  realizada  nas  fábricas  1  e  2  (Étienne  et  al.  1994).  

Apesar  da  capacidade  de  produção  ali  instalada  (1408  m3),  a  maior  conhecida  até  à  data  nas  regiões  da  Lusitania,  Baetica,  e  Mauritânia  Tingitana  (Pinto  et  al.  2011)  (Tabela  I;  Figura  1),  pouco  se  sabe  sobre  a  produção  ali  realizada  (espécies  utilizadas  e  natureza  dos  produtos).  

Tabela  I.  Capacidade  instalada  em  algumas  oficinas  de  produção  de  preparados  de  peixe  do  ocidente  romano.  A  partir  de  Filipe  e  Fabião  (2006/2007)  e  Pinto  et  al.  (2011).  L  =  Lusitania,  B=  Baetica,  MT=  Mauritânia  Tingitana.    

*  Indica  que  não  se  conhece  a  capacidade  total.  

SÍTIO   Nº  OFICINAS   CAPACIDADE  M³  Lixus  (MT)   10   1013  Cotta  (MT)   1   258  Baelo  Claudia  (B)   7   277  Lisboa  –  Casa  do  Governador  da  Torre  de  Belém  (L)   1   335*  Lisboa  –  R.  Correeiros  (L)   7   288*  Arrábida  –  Creiro  (L)   1   39  Tróia  (L)   25   1408  Sines  (L)   5   120*  Lagos  –  R.  Silva  Lopes  (L)   1   122  

1.1.1  A  Oficina  2  

A  oficina  de  salga  2  insere-­‐se  no  contexto  de  uma  grande  fábrica  que  não  foi  ainda  completamente  escavada.  Durante  o  seu  tempo  de  laboração  (desde  o  início  do  século  I  e  até  finais  do  século  V),  a  fábrica  conheceu  três  fases  de  transformação:  o  primeiro  (Fase1),  corresponde  aos  dois  primeiros  séculos  (séculos  I  e  II);  a  Fase  2,  compreende  o  século  III,  altura  em  que  se  regista  uma  reestruturação  do  sítio;  e  a  última  fase  (Fase  3),  compreende  desde  o  século  IV,  altura  em  que  se  assiste  a  uma  organização  do  sítio,  até  ao  século  V,  quando  a  produção  pára  (Etienne  et  al.  1994).  

A  oficina  2,  mais  pequena  que  a  oficina  1,  conta  uma  área  de  cerca  de  346.50  m2,  onde  se  dispõem  dezanove  tanques,  alguns  deles  subdivididos  em  unidades  mais  pequenas  (Pinto  et.  al.  2011).  

1.2 Âmbito  e  objectivos  de  trabalho  

Recentemente,  a  península  de  Tróia  tem  sido  explorada  com  propósitos  turísticos.  Neste  contexto,  o  Tróiaresort  conta,  desde  2006,  com  uma  equipa  permanente  dirigida  por  Inês  Vaz  Pinto,  e  coordenação  científica   de   Jorge   de  Alarcão   (Magalhães,   2006).   Além  da   conservação   e   valorização   do   sítio   (declarado  Monumento  Nacional  por  decreto  de  16  de  Junho  de  1910),  os  trabalhos  mais  recentes  têm,  entre  outros  fins,   procurado   colmatar   algumas   lacunas   existentes,   nomeadamente   as   relativas   à   produção   dos  preparados  de  peixe  com  base  na  observação  directa  dos  restos  de  produção.  

No  âmbito  de  uma  monografia  que  dá  conta  dos  trabalhos  mais  recentes  realizados  em  Tróia,  e  que  será  publicada  antes  do  fim  do  corrente  ano,  foi  pedido  ao  Laboratório  de  Arqueociências  (LARC)  o  estudo  ictioarqueológico  de  três  amostras  provenientes  da  Oficina  2.  

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A  produção  de  preparados  piscícolas  em  Tróia  (Grândola).  Estudo  de  três  amostras  provenientes  da  Oficina  2    

4  

O  principal   objectivo   deste   trabalho   é   caracterizar   e   comparar   essas   amostras.   Com  base   na   sua  análise  pretende-­‐se  saber  quais  as  espécies  utilizadas,  e  quais  os  tamanhos  explorados.  Os  resultados  serão  utilizados  para  discutir  o  tipo  de  preparados  produzidos.  

Sabendo-­‐se   que   o  material   supramencionado   para   este   estudo   constitui   uma   pequena   parte   da  realidade   ictioarqueológica   recuperada   na   Oficina   2,   e   que   ali   existem   amostras   com   características  distintas  das   inicialmente  entregues  para  análise   (I.V.Pinto,  2012,  com.  pess.),   considerou-­‐se  pertinente  a  observação   preliminar   de   algum   desse   material,   para   aferir   o   espectro   faunístico,   e   apurar   sobre   a  diversidade  de  produtos  fabricados.  

Os   dados   obtidos   serão   comparados   com   outros   contextos   conhecidos   para   antiga   região   da  Lusitania,  concretamente  no  actual  território  português.  Espera-­‐se  que  no  futuro,  estes  dados,  possam  ser  utilizados  para  ampliar  o  conhecimento  sobre  produção  de  preparados  piscícolas  em  época  romana.  

 

 

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Sónia  Gabriel    

 5  

2. MATERIAL  E  MÉTODOS  

2.1 Material  

 Foram   analisadas   três   amostras   procedentes   das   cetárias   1,   5,   e   9   (Tabela   II).   O   material   foi  recuperado  durante  as  campanhas  de  2008  e  2009,  e  está  constituído  principalmente  por  ossos  de  peixes  de  pequeno  tamanho,  resultantes  da  produção  de  preparados  piscícolas  entre  o  século  I  e  o  século  V  (Pinto  et  al.  (2009,  2010)  (Tabela  II).    

Adicionalmente,   foram   observados  materiais   recuperados   em   2007,   constituídos   essencialmente  por  ossos  de  peixes  de   tamanho  grande   (designados   como  “espinhas  de  peixe   recuperadas  em  níveis  de  lixeira”)  (Tabela  II.a).  

Tabela  II.  Lista  do  material  analisado:  contextualização  crono-­‐estratigráfica  e  observações  sobre  o  tipo  de  amostras  a  partir  de  Pinto  et  al.  (2009,  2010).  

CETÁRIA   U.E   AMOSTRA   CRONOLOGIA   TIPO  DE  AMOSTRA  1   193   2660   Sec.  V     “restos  de  molho  de  peixe”  5   233   2658   Sec.  V   “restos  de  molho  de  peixe”  9   418   2664   Sec.  I  –  Sec.  II  (final)   “bolsa   de   garum   no   interior   de   ânfora  

DRESSEL  14”    

Tabela  II.a.  Lista  de  material  sobre  o  qual  foram  registadas  observações  adicionais.  Notas  sobre  o  tipo  de  amostras  a  partir  de  Pinto  et  al.  (2009,  2010).  

CETÁRIA   U.E   AMOSTRA   CRONOLOGIA   TIPO  DE  AMOSTRA  [1]   [193]   [329]   [Sec.  V]   “espinhas  de  peixe”  [7C]   [215]   [337]   [Sec.  III  –  Sec  V]   lixeira:   fauna   ictiológica,   alguma   da   qual   em   conecção,   incluindo  

grandes  peixes  ali  depositados  sem  cabeça  [8]   [182]   [333]   [Sec.  I  –  Sec.  II]   níveis  de  lixeira:  espinhas  de  peixe  [8]   [192]   [335]   [Sec.  I  –  Sec.  II]   níveis  de  lixeira:  espinhas  de  peixe  [8]   [195]   [336]   [Sec.  I  –  Sec.  II]   níveis  de  lixeira:  espinhas  peixe  

2.2 Métodos  

Os  métodos  descritos  (ver   infra  as  alíneas  a-­‐  d),  e  resumidos  na  figura  (Figura  3)  dizem  respeito  à  análise  das  amostras  listadas  na  Tabela  II.    

Para   o   material   observado   adicionalmente   (Tabela   II.a),   apenas   se   procurou   a   identificação  taxonómica  de  alguns  elementos  selecionados.  

2.2.1  Preparação  das  amostras  

O   material   encontrava-­‐se   embalado   em   bolsas   de   plástico   devidamente   etiquetadas,   e  acondicionadas   dentro   de   contentores   transformados   a   partir   de   recipientes   de   plástico   semirrígido.   As  amostras  apresentavam  sedimento  em  proporções  comparáveis.    

Considerando   o   volume   de   material   existente,   e   o   tempo   disponível   para   análise,   recolheu-­‐se  2000ml  de  sedimento  por  unidade  estratigráfica  (Figura  3:1).  Esse  material  foi  crivado  com  água,  utilizando  um   conjunto   de   crivos   de   malhas   finas   (1mm   –   500μm   –   70μm)   (Figura   3:2),   para   salvaguardar   a  

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A  produção  de  preparados  piscícolas  em  Tróia  (Grândola).  Estudo  de  três  amostras  provenientes  da  Oficina  2    

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recuperação  de  todos  os  ossos  e  fragmentos  de  osso,  bem  como  eventuais  restos  que  possam  ser  objecto  de  futuras  análises  (plantas,  insectos,  e/ou  outros).  

Os   remanescentes   de   crivo   foram   secos   à   temperatura   ambiente   (Figura   3:3),   e   posteriormente  observados  à   lupa  binocular.  Todas  as  amostras  se  viam  compostas  por  quantidades  massivas  de  ossos  e  fragmentos   de   ossos,   além   de   algum   “resíduo”   considerado   como   intrusão   pós-­‐deposicional:   algumas  partículas  minerais,  raros  carvões  e  invertebrados  (moluscos  terrestres).    

Verificou-­‐se   que   o   material   retido   nas   malhas   de   1mm   tinha  maior   potencial   para   identificação  anatómica  e  taxonómica.    

Para  manter  a  análise  dentro  de  dimensões  realizáveis,  e  ainda  assim  significativas,  procedeu-­‐se  à  sub-­‐amostragem  do  remanescente  de  crivo:  100  ml  por  amostra  na  fracção  de  1mm  (Figura  3:4).

2.2.2  Triagem  e  identificação  

O   material   foi   selecionado   com   a   ajuda   de   uma   lupa   binocular   Olympus   SZ60   com   iluminador  Olympus   Highlight2001,   equipamento   do   LARC.   Para   identificação   anatómica   e   taxonómica   utilizou-­‐se   a  coleção  osteológica  do  LARC  (Figura  3:5).  

2.2.3  Osteometria  

Os  critérios  osteométricos  são  os  propostos  por  Assis  e  Amaro  (2006)  (ver  Figura  3:6).  

A  medição  dos  espécimes  de  pequenas  dimensões   foi   feita  com  micrómetro   incorporado  na   lupa  binocular  (Olympus  SZ60).    

2.2.4  Análise  de  dados  

Após   a   identificação   taxonómica,   estimou-­‐se   o   número  mínimo   de   indivíduos   (NMI),   seguindo   a  norma  proposta  por  White  (1953).    

Para   a   espécie   mais   abundante   procedeu-­‐se   à   estimativa   de   tamanho   utilizando   fórmulas   de  regressão   linear,   que   permitem   estimar   o   tamanho   individual   dos   espécimes   arqueológicos   a   partir   do  tamanho  de  elementos  esqueléticos  (Tabela  III;  e  Figura  3:7):  

Tabela  III.  Variável,  e  equação  de  regressão  utilizada  para  estimativa  dos  comprimentos  individuais  de  Sardina  pilchardus  a  partir  da  medição  da  primeira  vértebra  (V1).  Onde:  TL  =  Comprimento  total;  e  r²  =  Coeficiente  de  

determinação.  

 

Osso   Variável   Equação   r²  V1   LA  (largura  anterior)   TL=  62.87  AL+  24.26   0.967  

 

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Sónia  Gabriel    

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Figura  3.  Resumo  gráfico  dos  métodos  utilizados  na  análise  das  três  amostras  de  restos  de  produção  recuperadas  na  

Oficina  2  de  Tróia:  T1[193]_2660;  T5[233]_2658;  T9[418]_2664.    

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A  produção  de  preparados  piscícolas  em  Tróia  (Grândola).  Estudo  de  três  amostras  provenientes  da  Oficina  2    

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3. OS  RESTOS  DE  PRODUÇÃO  ENCONTRADOS  NA  OFICINA  2  (CETÁRIAS  1,  5  E  9)  

3.1 Preservação  

As  amostras  observadas  caracterizam-­‐se  por  quantidades  massivas  de  ossos,  comparáveis  nas  suas  porções,   e   na   sua   conservação.   Em  geral,   geral   observa-­‐se  um  grau  de   fractura   evidente,   sobretudo  nos  ossos  de  estrutura  laminar,  usual  em  amostras  desta  natureza.  

Assinalam-­‐se  algumas  singularidades  na  amostra  T5   [233]  _2658,  que   inclui  pedaços  de  placas  de  osso  (de  ≈  1-­‐2mm  de  espessura),  que  à   lupa  binocular  expõem  grandes  acumulações  de  ossos  da  cabeça,  barbatanas,  e  vértebras  articuladas  em  conexão  anatómica,  todos  muito  compactados.  Além  destes,  ≈80-­‐90%   das   vértebras   utilizadas   na   obtenção   de   dados   osteométricos   têm   um   aspecto   que   varia   entre  “caramelizado”  e  “carbonizado”,  parecendo  indicar  a  presença  de  elementos  queimados.  

3.2 Representatividade  esquelética  

Os   elementos   esqueléticos   analisados   apontam   para   a   presença   de   espécimes   inteiros,  correspondendo  a  espécies  de  pequeno  tamanho.  Das  amostras  analisadas,  a  T1  [193]  _2660  é  a  única  em  que  se  identificam  fragmentos  de  arcos  branquiais,  pertencentes  a  espécies  de  tamanho  grande.  

Salvo   no   caso   indicado,   os   elementos   esqueléticos   reconhecidos   são   idênticos   em   todas   as  amostras  (um  grande  número  de  bulas  proóticas/pteróticas,  basioccipitais,  e  maxilares,  alguns  operculares,  hiomandibulares,   cleithra,  e   raras  escamas).  Além  destes,   foram  encontrados  alguns  otólitos  na  cetária  9  (T9_2664).  Em  todos  os  casos,  as  vértebras  constituem  os  restos  mais  abundantes  (Tabela  IV).  

Tabela  IV.  Restos  de  produção  da  Oficina  2:  principais  elementos  esqueléticos  identificados  nas  amostras  analisadas.  ■  =  presença.  

 

3.3 Diversidade  taxonómica  

As   três   amostras   analisadas   têm   como   denominador   comum   o   predomínio   da   sardinha,   Sardina  pilchardus.  Este  táxon  representa  89%  do  NMI  na  amostra  T1  [193]  _2660,  99%  na  T5  [233]  _2658,  e  91%  em  T9  [418]  _2664  (Figura  4).  

Além  da  sardinha,  foram  identificados  outros  taxa,  cuja  diversidade  apresenta  proporções  variáveis  nas  três  amostras  analisadas.  Na  amostra  T1  [193]  _2660  é  onde  se  regista  maior  diversidade  taxonómica,  

  AMOSTRAS  ELEMENTOS  ESQUELÉTICOS     T1[193]_2660   T5[233]_2658   T9[418]_2664  Vértebras   ■   ■   ■  Bulas  proóticas/pteróticas   ■   ■   ■  Basioccipitais   ■   ■   ■  Maxilares   ■   ■   ■  Hiomandibulares   ■   ■   ■  Operculares   ■   ■   ■  Cleithra   ■   ■   ■  Arcos  branquiais   ■   -­‐   -­‐  Escamas   ■   ■   ■  Otólitos   ■   -­‐   -­‐  Indetermináveis   ■   ■   ■  

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Sónia  Gabriel    

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tendo   sido   reconhecidos   restos   de   Engraulidae   (cf.   Engraulis   encrasicolus,   biqueirão),   Merlucciidae   (cf.  Merluccius  merluccius,  pescada),  Trachurus  trachurus  (carapau),  Diplodus  sp.  (sargos),  Pagrus  sp.  (pargos),  e  cf.  Scomber  scombrus  (cavala),  que  representam  11%  do  NMI  (Figura  4).    

Nas   amostras   T5   [233]   _2658   e   T9   [418]   _2664,   onde   a   diversidade   taxonómica   é   menor,  reconhece-­‐se  a  presença  de  Trachurus  trachurus   (carapau),  Diplodus   sp.   (sargos),  e  cf.  Scomber  scombrus  (cavala).  Estes  representam  respectivamente  1%  (T5)  e  9%  (T9)  do  NMI  (Figura  4).  

 Figura  4.  Diversidade  taxonómica  registada  nas  três  mostras  analisadas  (T1[193]_2660,  T5[233]_2658,  T9[418]_2664]):  

percentagens  calculadas  com  base  no  número  mínimo  de  indivíduos  estimado  (NMI).  

3.4 Distribuição  de  tamanhos  

Todos  os  elementos  esqueléticos  analisados  correspondem  a  indivíduos  de  pequeno  tamanho.  No  caso   da   espécie   predominante   –   a   sardinha,   S.   pilchardus   –   foram   estimados   os   tamanhos   utilizando   a  equação  apresentada  na   Tabela   III   (ver   secção  2).  Os   resultados,   ilustrados  na   figura,   deixam  ver  que  os  peixes   encontrados   nas   três   amostras   teriam   entre   87   e   262mm,   embora   os   da   T9   [418]_2664   sejam  tendencialmente  maiores  (Figura  5).    

Ainda   que   os   indivíduos   contidos   nas   amostras   T5   [233]_2658,   e   T1   [193]_2660   mostrem   uma  distribuição  de  tamanhos  mais  semelhante,  os  encontrados  na  primeira  parecem  ser  tendencialmente  mais  pequenos   que   os   da   segunda   (T1   [193]_2660),   onde   se   encontram   indivíduos   maiores-­‐   até   159mm.   A  

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amostra  T9  [418]_2664  é,  como  foi  assinalado,  onde  se  encontram  os  espécimes  de  maior  tamanho  -­‐  entre  199  e  262mm  (Figura  6).  

   

Figura  5.  Distribuição  de  tamanhos  de  sardinha,  S  pilchardus,  encontrada  em  cada  uma  das  amostras  analisadas.  As  caixas  incluem  50%  dos  indivíduos,  e  as  riscas  verticais  apontam  para  os  tamanhos  máximo  e  mínimo  da  sardinha  

encontrada  em  cada  amostra.  

 Figura  6.  Classes  de  tamanho  da  sardinha,  S  pilchardus,  encontrada  em  cada  uma  das  amostras  analisadas.  

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Sónia  Gabriel    

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4. OUTROS  RESTOS  DE  PEIXE  ENCONTRADOS  NA  OFICINA  2  

Os   restos  designados   como  “espinhas  de  peixe   recuperadas  em  contexto  de   lixeira”   (Tabela   II.a),  correspondem  a  espécimes  de  grande  tamanho,  tendo  sido  identificados  alguns  dos  taxa  reconhecidos  nos  restos   de   produção   mas   que   neste   contexto   correspondem   a   indivíduos   de   tamanho   médio-­‐grande,  designadamente:   Merlucciidae   (cf.   Merluccius   merluccius-­‐   pescada);   Diplodus   sp.   (sargos);   e   Pargus  sp.(pargos)  (Figura  7).  

Além  das  referidas,  contam-­‐se  alguns  restos  de  raias  e  tubarões   (Chondrichthyes   indet.),  esturjão  (cf.   Acipenseridae),   anchova   (Pomatomuas   saltratix),   capatões   (Dentex   sp.),   bem   como   de   alguma   taxa  indeterminados  (Figura  7).  

A  presença  de  marcas  de   corte  nalgumas  das   vértebras   indica  que  os   capatões   (e  possivelmente  outras  espécies)  foram  cortados  em  partes  para  processamento  ou  consumo.    

Dos  conjuntos  observados,  distingue-­‐se  o   recuperado  na  T1   [193]_  329,  por  ser  composto,  quase  exclusivamente,   por   restos   de   elementos   esqueléticos   do   aparato   branquial   (entre   os   restos   observados  contam-­‐se  raras  vértebras  de  sardinha,  e  uma  vértebra  de  um  esparídeo  de  grande  tamanho).  

As  amostras  observadas  (ver  listagem  na  Tabela  II.a),  permitem  documentar  a  presença  de  grandes  peixes  inteiros.  Embora  nalguns  casos  se  possa  afirmar  que  estes  foram  depositados  sem  cabeça,  no  caso  dos  esparídeos   (Sparidae   fam.),   a  presença  de  ossos  do  aparato  mandibular   atesta   a  deposição  das   suas  cabeças.  

 Figura  7.  Diversidade  taxonómica  observada  nas  amostras  T1[193]_329,  e  T7c[215]_337.  Da  cetária  8  procedem  três  amostras  T8[182]_333;  [192]_335;  e  [195]_336).  Número  de  elementos  esqueléticos  identificado  taxonómicamente  

(NISP),  e  número  mínimo  de  indivíduos  estimado  (NMI).  

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5. DISCUSSÃO  E  CONSIDERAÇÕES  FINAIS  

5.1 Exploração  dos  recursos  

As  amostras  provenientes  dos  restos  de  produção  são,  do  ponto  de  vista  taxonómico,  comparáveis  às  encontradas  noutros  contextos  de  produção  da  região  de  Lisboa,  onde  a  sardinha  constitui  o  principal  componente  dos  produtos  fabricados  (Gabriel  et  al.  2009,  Assis  e  Amaro,  2006).    

À  semelhança  do  observado  para  os  sécs.   IV-­‐V  na  região  de  Lisboa,  também  na  Oficina  2  se  terão  utilizado  principalmente  peixes  de  pequeno  tamanho  na  produção  de  determinados  preparados,  sendo  de  assinalar   alguma   semelhança   entre   os   tamanhos   observados   em  duas   das   amostras   analisadas   (T5   [233]  _2658  e  T1  [233]  _2658),  e  outras  encontradas  no  NARC  (amostras  8  e  12)  (Figura  7).  

Como  pode  ver-­‐se  no  gráfico,  em  todos  os  estudos  de  caso  conhecidos  se  observam  variações  de  tamanho  entre   as   amostras   analisadas.  No   caso  da  C.G.T.Belém   (Gabriel  et   al.   2009),   parece   existir   uma  tendência   para   espécimes   de   maior   tamanho   (100-­‐200mm),   que   os   encontrados,   por   exemplo,   no  N.A.R.Correeiros  (71-­‐178mm),  no  M.Chinês  (82-­‐130mm),  e  em  Tróia  (amostras  T5  e  T1:  87-­‐159mm)  (Figura  7).    

Porém,  é  evidente,  até  do  ponto  de  vista  gráfico,  a  dissemelhança  na  distribuição  dos  tamanhos  de  sardinha   encontrados   na   amostra   T9   de   Tróia   (199-­‐262mm),   relativamente   às   outras   conhecidas   no  território  português   (Figura  7).   Esta   singularidade   reveste-­‐se  de  particular   interesse,   por   ser   esta   a  única  amostra  com  cronologia  distinta  dos  casos  mencionados  -­‐  correspondendo  ao  séc.  I-­‐II  (Tabela  II).  

5.1.1  Critérios  de  captura  

Em   Portugal   a   sardinha   encontra-­‐se   distribuída   ao   longo   de   toda   a   costa,   achando-­‐se  exclusivamente  na  plataforma  continental  (20-­‐100m  profundidade).  As  sardinhas  movem-­‐se  em  cardumes,  a   espécie   vive   cerca   de   14   anos   e   pode   crescer   até   270mm.   Contudo,   na   Península   Ibérica,   a   pesca   da  sardinha  visa  sobretudo  espécimes   juvenis   (cerca  de  3-­‐4  anos)  com  tamanhos  médios  entre  140-­‐200mm.  Na   costa   portuguesa,   as   sardinhas   atingem  os   130-­‐140mm  após   o   primeiro   ano   de   vida   (Assis   e   Amaro,  2006).    

As  sardinhas  apresentam  vários  episódios  de  desova  ao  longo  do  período  de  reprodução  (posturas  múltiplas),  durante  o  qual  utilizam  a  gordura  armazenada  na  época  de  maior  disponibilidade  de  alimento  (plâncton)  (Quintanilla  e  Pérez,  2000).  Na  costa  portuguesa  a  desova  de  S.  pilchardus  ocorre  principalmente  entre  Outubro  e  Maio/Junho,  (Carrera  e  Porteiro,  2003;  Coombs  et  al.,  2006;  Stratoudakis  et  al.,  2004).  

O  crescimento  da  sardinha  é  menor  no  Mediterrâneo,  e  no  Atlântico  é  maior  no  Canal  da  Mancha  (diminuindo  gradualmente  para   Sul,   até   ao  Norte  de  Marrocos)   (Silva  et  al.,   2008).  Na  Península   Ibérica,  verifica-­‐se  um  crescimento  sazonal  que  ocorre  entre  Fevereiro  e  Agosto  no  Norte  de  Portugal,  e  entre  Abril  e  Outubro  no  Sul  (Silva  et  al.,  2008).  

Devido   à   sua   localização   geográfica,   a   costa   Oeste   de   Portugal   é   uma   região   dominada   por   um  regime  de  upwelling  intenso  e  persistente  durante  o  Verão  (Relvas  e  Barton,  2002;  Relvas  et  al.,  2007),  que  promove   a   produção   planctónica.   No   entanto,   estes   períodos   de   produtividade   também   podem   ocorrer  durante  o  Inverno  (Borges  et  al.,  2003).  

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Sónia  Gabriel    

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Convém,   chegando  a  este  ponto,  questionar   se  a  diferença  nos   tamanhos  da   sardinha  detectado  nas  fábricas  da  Lusitania  corresponde  a  um  critério  sazonal  ou  se,  pelo  contrário,  evidencia  uma  atividade  produtiva  orientada  para  o  aproveitamento  direto  de  espécies  de  maior  abundância,  e  fácil  captura  durante  todo  o  ano.  Ainda  assim,  volta  a  ser  notória  a  superioridade  dos   tamanhos  explorados  na  amostra  T9  de  Tróia  (199-­‐262mm)  (Figura  8).  

É   sabido   que   a   pesca   intensiva   de   determinada   espécie   produz   a   diminuição   do   crescimento   da  biomassa.  Se  a  pressão  da  pesca  se  mantém  nessas  condições,  ou  aumenta,  inevitavelmente  passar-­‐se-­‐á  de  um  crescimento  cada  vez  menor,  a  uma  diminuição  clara  da  biomassa.  Relativamente  a  esta  contingência,  não  é  de  excluir,  como  hipótese  de  trabalho  futuro,  que  a  diminuição  dos  tamanhos  da  sardinha  depois  dos  séculos  I-­‐II  possa  apontar  para  um  cenário  de  sobrepesca.  

 Figura  8.  Distribuição  de  tamanhos  de  sardinha,  S  pilchardus,  encontrada  na  Oficina  2  de  Tróia  comparada  com  a  dos  tamanhos  encontrados  em  três  fábricas  da  região  de  Lisboa:  Casa  do  Governador  da  Torre  de  Belém  (C.  Governador  T.  Belém  -­‐  GTB);  Núcleo  Arqueológico  da  Rua  dos  Correeiros  (N.A.R.  Correeiros  -­‐  NARC);  e  Mandarim  Chinês  (M.Chinês  .  MC).  As  caixas  incluem  50%  dos  indivíduos,  e  as  riscas  verticais  apontam  para  os  tamanhos  máximo  e  mínimo  da  

sardinha  encontrada  em  cada  amostra.    

5.2 Produtos  fabricados  

Em  princípio,  qualquer  tipo  de  peixe  suficientemente  suculento  poderia  ser  utilizado  para  salga,  ou  para  elaboração  de  molhos/pastas.  Dentro  deste  último  grupo,  existem,  no  entanto,   inúmeras  variedades  (Edmonson,  1987;  Ponsich,  1988;  Curtis,  1991)  cuja  identificação  é  praticamente  invisível  através  da  análise  arqueozoológica  tradicional  (Van  Neer  e  Parker,  2008).  

Segundo  Von  den  Driesch  (1980),  a  salga  pode  ser  documentada  se  forem  utilizados  peixes  inteiros,  ou   bocados   que   contenham   osso.   Os   autores   clássicos,   contudo,   mencionam   vários   tipos   de   salga   que  conteria   poucos   ossos,   ou   nenhum.   Esses   produtos,   fabricados   com   peixes   grandes   (principalmente  tunídeos),  podem  ser  tetragona,  trígona,  cubia,  e  melandrya  (Curtis,  1991;  Etiene  e  Mayet,  2002).  

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Dentro  do  grupo  dos  molhos,  o  produto  designado  como  hallec  é  segundo  Curtis  (1991),  e  Van  Neer  et   al.   (2008),   aquele   que   apresenta   maiores   possibilidades   de   ser   documentado   através   dos   restos  esqueléticos   (por   conter   inúmeros   ossos),   enquanto   os   designados   como   garum,   liquamen,   e   muria  constituíam  líquidos  salgados  e  bastante  limpos  quando  coados  (Curtis,  1991).  

O   facto   de   nas   amostras   analisadas   se   encontrarem   representados   os   ossos   correspondentes   ao  corpo   inteiro  de  pequenos  peixes   indica  que,  provavelmente,  estes  achados  correspondem  ao  grupo  dos  molhos,  talvez  hallec  (uma  pasta  que  resulta  do  processo  de  produção  do  liquamen  e  do  garum),  ainda  que  não  seja  de  descartar  a  possibilidade  de  os  restos  recuperados  nos  tanques  materializarem  as  acumulações  originadas  com  a  prensagem  do  produto  da  combustagem  para  obtenção  de  líquidos  filtrados.  

De  acordo  com  o  autor  da  Geopónica   “O   liquamen  é  produzido  da   seguinte   forma.  As  entranhas  dos  peixes  são  lançados  para  o  interior  de  um  tanque  e  salgados.  Pequenos  peixes  –  especialmente  peixe-­‐de-­‐cheiro,  pequenas  taínhas,  espadilhas,  anchovas,  ou  qualquer  outra  coisa  que  pareça  ser  pequena  -­‐  são  todos  salgados  da  mesma  forma,  por  maceração  em  espaço  fechado”  (…)“(…)  o  garum  é  produzido  a  partir  desta   solução   salgada   da   seguinte   maneira.   Coloca-­‐se   uma   cesta   grande   e   forte   no   meio   do   tanque  contendo  os  peixes  acima  mencionados,  para  que  os  fluxos  de  garum  entrem  na  cesta.  Do  mesmo  modo,  o  chamado  liquamen  é  coado  através  da  cesta  e  removido.  O  que  resta  da  solução  é  hallec”  (Geoponika,  XX,  46  traduzido  de  Edmonson,  1987).  

Com   efeito,   a   presença   de   ossos  muito   compactados   (como   os   observados   em   T5   [233]_   2658),  poderá  ser  um  efeito  deste  processo  de  filtragem,  durante  o  qual  se  poderá  ter  exercido  pressão  sobre  as  matérias  depositadas  no  fundo  das  cetárias.  

É   possível   que   a   amostra   T1[193]_329   (Tabela   II.a),   composta   maioritariamente   por   ossos   do  aparato   branquial,   possa   formar   parte   da   mesma   realidade   que   a   amostra   T1[193]_2660,   adicionando  outros  elementos  (vísceras  de  peixes  de  tamanho  grande)  à  grande  massa  de  pequenos  peixes.  

A   mistura   de   intestinos,   e   de   outras   partes   de   peixes   grandes,   com   pequenos   peixes   inteiros  também  é  referida  pelos  autores  clássicos  na  Astronómica  e  na  Geoponika   (Martinez,  1992),  como  forma  de  diversificação  dos  produtos  elaborados.  

De   acordo   com   alguma   da   literatura   existente,   a   inclusão   de   vísceras   é   útil   no   processo   de  maturação  dos  próprios  produtos.  Jandin  (1961),  aponta  que  processo  de  maceração  constitui  um  processo  de   autodigestão   do   peixe,   que   ocorre   graças   aos   fermentos   proteolíticos,   sobretudo   os   presentes   no  intestino.  A  este  processo  digestivo,  realizado  na  presença  de  um  antisséptico  que  impede  a  putrefacção  (o  sal),   soma-­‐se   a   fermentação   microbiana,   atribuída   a   germes   anaeróbicos   concretos,   que   facilita   a  maturação  dos  produtos  (Grimal  e  Monod,  1952;  Jardin,  1961;  Etienne,  1970).    

Uma  forma  de  acelerar  a  maturação  dos  molhos/pastas  podia  ser  a  utilização  do  fogo  (Geoponika,  XX,   46   traduzido   de   Edmonson,   1987).   No   caso   das   amostras   analisadas,   apenas   uma   (T5   [233]_2658),  apresenta   indícios   de   alteração   térmica,   muito   embora   seja   de   admitir   que   a   cor   observada   possa   ser  causada  pela  própria  cor  dos  líquidos  que  envolviam  os  restos.  

Relativamente   aos   outros   ossos   de   peixe   recolhidos   nos   níveis   de   lixeira,   o   seu   significado   é  indefinido.  Se,  por  um  lado,  estes  restos  podem  ser   lixos  resultantes  de  consumo,  também  é  viável  a  sua  utilização  na  produção  conserveira  (utilizados  inteiros,  ou  partidos  em  fracções  mais  pequenas).  

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A  presença  de  marcas  de   corte,  observada  nalguns  dos  elementos  vertebrais  analisados,   indica  a  manipulação  das   carcaças.  Contudo,   só  um  estudo  sistemático  destes   sinais  poderá  ajudar  a  perceber   se  essa  preparação  se  destina  a  dividir  o  corpo  em  partes  mais  pequenas,  ou  resulta  da  obtenção  de   filetes  com  vista  à  produção  de  outros  preparados  (nomeadamente  a  salga).    

   

   

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A  produção  de  preparados  piscícolas  em  Tróia  (Grândola).  Estudo  de  três  amostras  provenientes  da  Oficina  2    

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6. CONCLUSÕES  E  PERSPECTIVAS  DE  INVESTIGAÇÃO  

As   amostras   analisadas   indicam   que,   a   sardinha   constitui   a   base   dos   preparados   piscícolas  produzidos  na  Oficina  2  de  Tróia,  como  também  acontece  noutras  fábricas  da  região  de  Lisboa.  

Embora  o  ritmo  das  capturas  efectuadas  para  satisfazer  a  produção  nos  séculos  I-­‐II  e  IV-­‐V  seja  difícil  de  solucionar,  é  evidente  a  exploração  de  bancos  de  pelágicos.  

Apesar  de,  com  base  nos  tamanhos  das  sardinhas  encontradas  no  interior  de  uma  ânfora  Deressel  14,  não  ser  possível  afirmar  a  sobrepesca  deste  recurso  numa  fase  posterior  ao  século  I-­‐II,  este  tema  será  constituído  como  hipótese  de  trabalho  na  análise  de  outras  amostras  com  características  semelhantes.  

Além  da  sardinha,  da  observação  preliminar  de  outras  amostras,  resulta  evidente  a  abundância  de  grandes  peixes  (não  documentada  noutros  estudos  de  caso  em  contextos  do  território  português).  Uma  das  prioridades   futuras   será,   sem   dúvida,   a   análise   destes   conjuntos.   Espera-­‐se   que   o   seu   estudo   traga  respostas  quanto  ao  tipo  de  produção  realizada,  ao  mesmo  tempo  que  fornece  novos  elementos  sobre  a  pesca  e  a  gestão  dos  recursos  piscatórios  em  época  romana.  

       

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