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Trabalho em casa? Só se for lavando a louça! Escrito por Henrique Lammel Seg, 16 de Janeiro de 2012 13:37 - Promulgada pela presidente Dilma, a Lei 12.551, de 15 de dezembro de 2011, continua gerando polêmicas e críticas por parte dos empresários. A Lei, que acaba com a distinção entre trabalho presencial e à distância e pode fazer com que o recebimento de ligações ou e-mails fora do ambiente de trabalho configurem hora extra, é tema de artigo do assessor Jurídico do SindBancários, Antônio Vicente Martins. No texto, Vicente Martins observa que a lei é uma importante medida “de respeito ao direito de trabalhadores e de humanização das relações de trabalho” e analisa que o discurso dos empresários, de que “a alteração legal vai trazer um custo impossível de ser suportado, (...) vai nos levar a sustentar que temos que ter trabalho escravo ou trabalho infantil como temos em conhecidos países da Ásia e que são potências na produção de produtos de baixo custo, mas de alta degradação humana”. Confira o artigo: Trabalho em casa? Só se for lavando a louça! * Em tempos de velocidade das informações e das modernidades comunicativas, celular, tablet, computador, nosso trabalho muitas vezes nos acompanha para casa ou para os nossos momentos de lazer e descanso com amigos e familiares. Quem de nós não conhece uma criatura que fica sentado à mesa do churrasco de domingo lendo e respondendo e-mails e torpedos enviados por chefes e colegas de trabalho? Quem sabe não somos as próprias criaturas que ficam mandando estes torpedos e e-mails para nossos colegas ou subordinados no trabalho? Lembrei que tenho um cliente para atender amanhã e vou chegar atrasado, mando um torpedo para minha secretária às 23:50 hs: “Vou chegar atrasado amanhã!” Pronto, o marido dela lê o torpedo e está feita a confusão. Será que eu teria o direito de mandar o torpedo? Será que a 1 / 3

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Trabalho em casa? Só se for lavando a louça!

Escrito por Henrique LammelSeg, 16 de Janeiro de 2012 13:37 -

Promulgada pela presidente Dilma, a Lei 12.551, de 15 de dezembro de 2011, continuagerando polêmicas e críticas por parte dos empresários. A Lei, que acaba com a distinçãoentre trabalho presencial e à distância e pode fazer com que o recebimento de ligações oue-mails fora do ambiente de trabalho configurem hora extra, é tema de artigo do assessorJurídico do SindBancários, Antônio Vicente Martins.

No texto, Vicente Martins observa que a lei é uma importante medida “de respeito ao direito detrabalhadores e de humanização das relações de trabalho” e analisa que o discurso dosempresários, de que “a alteração legal vai trazer um custo impossível de ser suportado, (...) vainos levar a sustentar que temos que ter trabalho escravo ou trabalho infantil como temos emconhecidos países da Ásia e que são potências na produção de produtos de baixo custo, masde alta degradação humana”.

Confira o artigo:

Trabalho em casa? Só se for lavando a louça! *

Em tempos de velocidade das informações e das modernidades comunicativas, celular, tablet,computador, nosso trabalho muitas vezes nos acompanha para casa ou para os nossosmomentos de lazer e descanso com amigos e familiares.

Quem de nós não conhece uma criatura que fica sentado à mesa do churrasco de domingolendo e respondendo e-mails e torpedos enviados por chefes e colegas de trabalho? Quemsabe não somos as próprias criaturas que ficam mandando estes torpedos e e-mails paranossos colegas ou subordinados no trabalho?

Lembrei que tenho um cliente para atender amanhã e vou chegar atrasado, mando um torpedopara minha secretária às 23:50 hs: “Vou chegar atrasado amanhã!” Pronto, o marido dela lê otorpedo e está feita a confusão. Será que eu teria o direito de mandar o torpedo? Será que a

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Trabalho em casa? Só se for lavando a louça!

Escrito por Henrique LammelSeg, 16 de Janeiro de 2012 13:37 -

mensagem não caracteriza uma invasão na privacidade da trabalhadora? E se ela não ler otorpedo, posso cobrar dela que não avisou o cliente de meu atraso? Esta mensagem não éuma forma de comando ou controle ou supervisão ou determinação de meu empregado?

É... Sinal dos tempos. Acabamos nos acostumando com o absurdo e deixamos de achar que oabsurdo é um absurdo. A Consolidação das Leis do Trabalho é a legislação brasileira que tratadas relações de trabalho. Ela é de 1943, ainda que tenha tido alterações ao longo do tempo,permanece com sua essência do período de sua promulgação. Assim, não trata de trabalhotelemático ou informatizado, mas de sobreaviso.

O sobreaviso é uma figura prevista na lei(artigo 244, parágrafo 2º, da CLT), para osempregados ferroviários(são aqueles que trabalham com trens – explicação necessária para osmais jovens), e que assim era definido: “Considera-se de sobreaviso o empregado quepermanecer em sua própria casa, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço”.Este empregado tinha uma escala de vinte e quatro horas e recebia o pagamento equivalente a1/3 do valor das horas normais para ficar neste sobreaviso.

A lógica do sobreaviso da CLT, para os ferroviários, era de necessidade para funcionamentodos trens. Naquele tempo em que sequer existiam telefones funcionando e que a comunicaçãoera feita por telegramas ou por cartas, em que as estradas não eram asfaltadas e que nãoexistiam aviões de carreira, os ferroviários precisavam ficar em casa, para a qualquer momentocomparecerem ao longo da linha férrea para execução de algum conserto necessário para queos trens pudessem funcionar. Por isto, ficavam de sobreaviso.

Com a modernização dos tempos, as empresas acabaram incorporando as invençõesvinculadas à comunicação para usar da mão de obra de seus empregados no maior espaço detempo possível sem o correspondente pagamento destas horas. Mas, isto não seria umaespécie de sobreaviso? A Justiça não entendia isto como sobreaviso porque interpretava que oempregado não tinha a determinação para ficar às ordens do empregador em sua residência,mas sim se comunicando com o empregador ou recebendo mensagens de orientação domesmo.

Pois bem, a Lei 12.551, de 15 de dezembro de 2011, promulgada pela Presidenta DilmaRoussef introduziu uma importante inovação que corrige esta distorção existente nas relaçõesde trabalho. Mais ainda, a lei define que o trabalho realizado no domicílio do empregado oumesmo à distância, não se distingue do trabalho prestado no estabelecimento do empregador.A lei é muito clara ao afirmar que meios informatizados ou telemáticos de comando, controle esupervisão se equiparam aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão.

Ou seja, se eu mando um e-mail para meus empregados com uma ordem ou comando deserviço, fora do horário de trabalho destes empregados, eu estou mantendo estestrabalhadores em suas atividades no momento do recebimento desta ordem ou determinação. Não é sobreaviso, é hora extra. 

E se eu estou fazendo um curso de ensino à distância de treinamento para execução dedeterminadas tarefas para meus empregados, mas que eles podem fazer quando quiserem em

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Trabalho em casa? Só se for lavando a louça!

Escrito por Henrique LammelSeg, 16 de Janeiro de 2012 13:37 -

suas casas, eu estou exigindo hora de trabalho destes empregados.

São duas importantes medidas de respeito ao direito de trabalhadores e de humanização dasrelações de trabalho.

Não se diga que a alteração legal vai trazer um custo impossível de ser suportado para osempresários e que é uma medida retrógada ou que engessa a capacidade de concorrência denossas empresas com outras empresas de outros lugares do mundo. Esta é uma linha deargumentação que vai nos levar a sustentar que temos que ter trabalho escravo ou trabalhoinfantil como temos em conhecidos países da Ásia e que são potências na produção deprodutos de baixo custo, mas de alta degradação humana.

Aliás, a Volkswagen, na Alemanha, assinou recentemente um acordo coletivo de trabalho comseus empregados, onde se compromete a não haver envio de e-mails aos trabalhadores emhorários não compatíveis com os respectivos registros destes mesmos obreiros. E aVolkswagen não me parece que tenha alegado que este procedimento iria inviabilizar o seufuncionamento ou prejudicar sua capacidade de concorrer no mercado mundial de automóveis.

Precisamos mudar nossa cultura. Hora do churrasco é a hora do churrasco, nada demensagens eletrônicas ou e-mails. Hora de brincar com nossos filhos é a hora de brincar comos filhos. Hora de namorar é hora de namorar. Em casa, nada de trabalho. Se tiver quetrabalhar em casa, vou lavar a louça e ganhar muitos pontos com a patroa.

*Antônio Vicente Martins, assessor jurídico do SindBancários

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