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1 TRABALHO E EDUCAÇÃO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: POSSIBILIDADES DE PESQUISA A PARTIR DA PENITENCIÁRIA INDUSTRIAL DE GUARAPUAVA. Vanessa Elisabete Raue Rodrigues Universidade do Centro Oeste UNICENTRO [email protected] Carlos Herold Junior Universidade Estadual do Centro-Oeste Unicentro. [email protected] RESUMO Tratam-se de resultados preliminares de uma pesquisa desenvolvida em stricto sensu com título “A relação entre Trabalho e Educação no Sistema Prisional” vinculada à linha de pesquisa “Políticas Educacionais, História e Organização da Educação ” do curso de Mestrado em Educação da Universidade do Centro Oeste com foco na Penitenciária Industrial de Guarapuava. Utilizando o método histórico dialético, lançamos mão de levantamento bibliográfico e documental, além de apontamentos baseados na experiência profissional de um dos autores na instituição desde 2002. Verificou-se, portanto, alguns dos apontamentos relacionados a construção histórica da instituição a partir de 1999, objetivando criar condições para desvelar as conexões entre a educação e o trabalho. A partir da presente reconstrução histórica, será possível a continuidade da investigação. Palavras-chave: Reinserção social, sistema prisional, trabalho, educação, Guarapuava. Introdução O estado do Paraná conta, atualmente, segundo dados da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (PARANÁ, 2013) com 33 estabelecimentos penais, sendo três destinados a presas mulheres e 30 a presos homens. Destas instituições, 12 situam-se na capital do Estado e área metropolitana, ficando o restante distribuídos nas demais regiões, como as cidades de Francisco Beltrão, Cruzeiro do Oeste, Ponta Grossa, Londrina, Maringá, Foz do Iguaçu, Cascavel, Lapa e Guarapuava. De todas, somente uma delas é destinada a tratamento médico: trata-se do Complexo Médico Penal, antigo Manicômio Penitenciário, que se encontra em Curitiba. Sete são destinadas ao cumprimento de pena em regime semiaberto, classificadas como unidades de segurança média. Com exceção à Unidade Penal de Cruzeiro do Oeste que não consta nos dados, pois foi inaugurada

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TRABALHO E EDUCAÇÃO NA SOCIEDADE

CONTEMPORÂNEA: POSSIBILIDADES DE PESQUISA A

PARTIR DA PENITENCIÁRIA INDUSTRIAL DE

GUARAPUAVA.

Vanessa Elisabete Raue Rodrigues

Universidade do Centro Oeste – UNICENTRO

[email protected]

Carlos Herold Junior

Universidade Estadual do Centro-Oeste – Unicentro.

[email protected]

RESUMO

Tratam-se de resultados preliminares de uma pesquisa desenvolvida em stricto sensu

com título “A relação entre Trabalho e Educação no Sistema Prisional” vinculada à

linha de pesquisa “Políticas Educacionais, História e Organização da Educação” do

curso de Mestrado em Educação da Universidade do Centro Oeste com foco na

Penitenciária Industrial de Guarapuava. Utilizando o método histórico dialético,

lançamos mão de levantamento bibliográfico e documental, além de apontamentos

baseados na experiência profissional de um dos autores na instituição desde 2002.

Verificou-se, portanto, alguns dos apontamentos relacionados a construção histórica da

instituição a partir de 1999, objetivando criar condições para desvelar as conexões entre

a educação e o trabalho. A partir da presente reconstrução histórica, será possível a

continuidade da investigação.

Palavras-chave: Reinserção social, sistema prisional, trabalho, educação,

Guarapuava.

Introdução

O estado do Paraná conta, atualmente, segundo dados da Secretaria de

Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (PARANÁ, 2013) com 33 estabelecimentos

penais, sendo três destinados a presas mulheres e 30 a presos homens. Destas

instituições, 12 situam-se na capital do Estado e área metropolitana, ficando o

restante distribuídos nas demais regiões, como as cidades de Francisco Beltrão,

Cruzeiro do Oeste, Ponta Grossa, Londrina, Maringá, Foz do Iguaçu, Cascavel,

Lapa e Guarapuava. De todas, somente uma delas é destinada a tratamento médico :

trata-se do Complexo Médico Penal, antigo Manicômio Penitenciário, que se

encontra em Curitiba. Sete são destinadas ao cumprimento de pena em regime

semiaberto, classificadas como unidades de segurança média. Com exceção à

Unidade Penal de Cruzeiro do Oeste que não consta nos dados, pois foi inaugurada

2

no ano passado, as 24 restantes, conforme dados consolidados de 2008 presentes no

site do Ministério da Justiça (BRASIL, 2013,) são estabelecimentos destinados ao

regime fechado. Sendo considerados e observados como estabelecimentos penais de

segurança máxima.

O Estado possui ainda uma peculiaridade, um pioneirismo que compõe, hoje,

somente seis unidades penais de regime fechado do país: a proposta de

disponibilização do trabalho industrial interno para presos que ainda estão sob o

regime de segurança máxima:, as penitenciárias industriais.

A possibilidade de atividades laborais na prisão visa promover um olhar

diferente em relação à pena em regime fechado. As penitenciárias com

características industriais num espaço de segurança mais rígida mudam o

entendimento que aparece na classificação da Lei de Execuções Penais n° 7.210/84,

a qual indica no seu artigo 91, que o trabalho seja propiciado somente a partir do

regime semiaberto, observando os espaços das Colônias Agrícolas, Industriais ou

similares como instituições de uma pena em progressão, mais amena.

É importante salientar, que o trabalho do preso condenado é previsto,

conforme o artigo 28, como dever social e condição de dignidade humana com

finalidade produtiva e educativa, ficando os procedimentos sujeitos à atividade

laborterápica no período diurno e reclusão noturna.

Em 1999 inaugura-se a primeira penitenciária industrial do país instalada no

município de Guarapuava, tendo no planejamento do Governo do Estado o intuito,

segundo Garani (2011, p.26), da interiorização das unidades penais, fazendo com

que o preso ficasse mais próximo de sua família ou local de origem e da

ressocialização por meio do trabalho, profissionalização e educação, melhorando as

condições para sua reintegração à sociedade.

A inauguração dessa instituição e seu apelo reformador pautado no trabalho

forma o campo empírico e institucional de uma pesquisa em curso no Programa de

Pós-graduação em Educação da UNICENTRO. Se neste texto apresentamos

resultados parciais relativos à construção histórica da instituição e os debates por

ela gerados na região de Guarapuava, a intenção maior dos estudos é analisar como

se relacionam as categorias trabalho e educação no sistema prisional. Acreditamos

na importância dessa temática, por ela poder fornecer subsídios interessantes sobre

o lugar do trabalho na educação da atualidade, sem perder de vista que esse lugar é

permeado pelas diferentes perspectivas classistas que se tensionam no cenário

3

político, econômico e educacional. Nesse sentido, enxergamos que o sistema

prisional é um locus muito privilegiado para focalizarmos problemas sociais

oriundos de uma sociedade excludente que vê na educação a possibilidade de

contornar limites estruturais que se manifestam, obviamente, nos índices de

violência, crime etc., bem como na fragilidade do sistema prisional e seu problemas

estruturais que levam segundo SILVA (2009) a reforçar o sentido inverso do

propósito de recuperação.1

Os dados obtidos no desenvolvimento deste levantamento histórico são, em

parte, resultantes de uma pesquisa bibliográfica e documental, especificamente,

jornais locais e revistas, bem como relatos de experiência. É necessário esclarecer

que a que a Instituição Penal citada é o local de atuação de uma dos autores desde

2002, tendo nela exercido as funções de pedagoga da referida instituição e

pedagoga do centro de educação de ensino, atualmente instalado dentro da

instituição penal para atender a demanda de jovens e adultos que ainda não

concluíram o ensino fundamental e o ensino médio.

Para apresentarmos, então, os primeiros resultados da pesquisa que hoje está

em andamento, este texto foi dividido em dois momentos: o primeiro apresentará o

processo histórico inicial da Penitenciária Industrial de Guarapuava, antes mesmo

de sua construção, observando o posicionamento da comunidade local e os

encaminhamentos do Governo do Estado diante da possibilidade da construção de

uma penitenciária no interior. E o segundo momento, que seguirá após a

inauguração da Unidade Prisional, delineando o percurso tomado na proposta de

tratamento penal, observando a ênfase dada ora à educação ora ao traba lho, e a

trajetória desta proposta tendo por base as mudanças de administração do Governo

do Estado.

A Primeira Penitenciária Industrial do Estado: antes da inauguração...

A construção da penitenciária em Guarapuava encontrava-se no mesmo

projeto de uma outra penitenciária em Piraquara, na região de Curitiba. Em 1990, o

governador Álvaro Dias, com aval do Ministro da Justiça, Jarbas Passarinho,

anuncia o início das negociações de aproximadamente 6 bilhões de cruzeiros para a

1 Sobre propósito inverso o autor observa que a prisão, hoje, disposta, leva a degradação do ser humano

através dos problemas inerentes à própria à natureza do cárcece, como aspectos de isolamento da

sociedade extramuros e à convivência forçada no meio delinquente.

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construção das duas penitenciárias citadas. Todavia, devido às fortes pressões

contrárias da Câmara dos Vereadores do Município e da Cooperativa Agrária, as

negociações não avançaram neste período.

Em 1991, a possibilidade é colocada novamente em pauta pelos meios de

comunicação, conforme o Jornal Esquema Oeste deste ano. Contrariedades entre

partidos políticos permeavam as discussões da construção de uma penitenciária no

município. Naquele período, o deputado Élio Dalla Vecchia afirmava, conforme

entrevista no jornal citado, que o deputado estadual Cezar Silvestri, do PDT, tinha

auxiliado o município a livrar-se da penitenciária. Ainda nesta direção, afirmou

que, ao receber do Governador Sr. Roberto Requião, do Secretário de Justiça e

Cidadania do Paraná, Sr. Goyá Campos, e do Secretário do Planejamento e

Coordenação Geral, Sr. Carlos Artur Krüger, a correspondência com a solicitação

de apoio à construção de uma penitenciária no município, ficou indignado e enviou

um telex manifestando, segundo a reportagem do jornal, “o posicionamento

contrário da comunidade guarapuavana, pelo desagravo em confrontá-la com

problemas que lhe é estranha aos seus costumes e a suas vidas” (ESTECHE, 1991,

p.01).

No projeto, sua construção estava destinada à localização das margens da PR

170 na Chapada do Jordão, entre a cidade de Guarapuava e o distrito de Entre Rios,

num terreno de 6.000 metros quadrados e teria a capacidade de 494 presos, com um

custo avaliado entre R$ 4,5 milhões à R$ 5 milhões.

Segundo o Jornal Tribuna de maio de 1995, esse projeto mobilizou a opinião

pública contra sua implantação, pois a experiência com a Cadeia Pública do

município, que se localizava no centro da cidade, era particularmente depreciadora,

com muitas fugas, rebeliões e, inclusive, curtos sequestros de moradores dos

arredores da instituição prisional, quando em fugas, presos se escondiam da polícia

nas residências. Além disso, para a comunidade guarapuavana, a construção de uma

penitenciária faria com que muitos familiares de presos de municípios vizinhos

viessem morar próximo ao ente querido, causando supostamente um migração

criminal fazendo com que o preso, quando solto, não voltasse para seu local de

origem.

A localização prevista para a construção da penitenciária também era motivo

de polêmica pela diretoria da Cooperativa Agrária, pois o terreno ficava no caminho

que levava à empresa e esta reivindicava a obstrução da obra, justificando as

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possíveis fugas de presos que fragilizariam a segurança do distrito Entre Rios, local

da Cooperativa.

No dia 29 de maio de 1995, no SESC local, convidados pelo Centro de

Direitos Humanos de Guarapuava, foram reunidas autoridades e lideranças

comunitárias para discutirem o projeto de implantação de uma penitenciária no

município, embora esta já estivesse prevista e aprovada no Orçamento do Estado,

com uma estimativa de início da construção naquele ano e término no prazo dos três

anos seguintes. Esta reunião aconteceu somente quando o prefeito da época, Sr.

Cesar Franco, desengavetou o projeto pedindo tempo para o Governo do Estado

com objetivo de consulta pública junto à população.

Nesse período, a característica da Penitenciária de Guarapuava estava

delineada com espaço laborterápico, mas não incluída nos programas de prisões

fábrica. Este programa era uma proposta de adaptação de prisões para o trabalho

industrial, idealizada pelo governador Jaime Lerner, o qual apresentava problemas

graves de implementação devido à escassez de espaço físico das instituições penais

do Paraná.

Desta reunião, as discussões levaram ao entendimento de que a penitenciária

somente seria possível se a gestão fosse repensada pelo Governo do Estado. A

administração, portanto, deveria ser diferente das outras penitenciárias que

apresentavam sérios problemas com a ociosidade dos presos. Deveria, segundo as

lideranças, ser uma penitenciária de recursos próprios onde os presos pudessem ter

atividades que sustentassem as famílias com um programa melhor elaborado.

Considerando a reorganização do projeto de construção e do próprio

atendimento proposto na futura inst ituição penal, atendendo também a proposta do

programa prisões fábrica, o Governo do Estado e o a Prefeitura de Guarapuava

destinaram outro espaço para a desapropriação e possível construção de uma

Penitenciária em formato industrial, sendo uma concordância com a Câmara dos

Vereadores que ela fosse construída no Centro de Desenvolvimento Industrial do

Município, o bairro CDI, o qual fica próximo a BR 277, na saída primária do

município e junto à pequenas fábricas de Guarapuava.

No terreno de 35.000 m2 era prevista a construção de 7.177,42 m

2, sendo

1.800m2 destinados à indústria instalada para produção, e o restante dividido em

dois refeitórios, cinco pátios de convivência, 12 quartos de visita íntima, um

berçário e um fraldário para a visita dos filhos, um consultório médico, um

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consultório odontológico, três salas de aula, seis salas de atendimento técnico, uma

lavanderia, uma biblioteca, uma cozinha, cinco canteiros de trabalho alternativo à

fábrica, 120 cubículo divididos em cinco galerias, espaços dest inados a abrigar e

proporcionar trabalho à 240 presos. A construção teria 80% dos custos

implementados provenientes de convênios com o Ministério da Justiça e 20% do

Governo do Estado, ficando a remodelagem do desenho arquitetônico industrial a

ser desenvolvido pelo Instituto Jaime Lerner, considerando as Diretrizes Básicas de

Arquitetura Penal da época.

A arquitetura apresentada no projeto se identificava com padrões antigos nas

suas galerias. Demonstravam um desenho característico de técnicas penitenciárias

ausburnianas do período de 1816 que, segundo Foucault (2012), eram compostas

com celas dispostas em duas linhas separadas por um corredor central. Mas o

enquadramento total do prédio disposto como uma arena demonstrava uma proposta

híbrida no espaço penal, embora observando a necessidade do enclausuramento

noturno, considerava o trabalho e educação com locais muitos bem definidos para

movimentação, o que identificava um projeto inovador no penitenciarismo.

Em maio de 1998, a construção da Penitenciária estava completa. Contudo

em janeiro de 1999 a instituição penal permanecia vazia, aguardando a definição da

fábrica que seria instalada para trabalho dos apenados. Nesta época, no Jornal

Diário do Povo (SANTOS, 1999) o novo Secretário de Justiça e Cidadania, Sr. José

Tavares, afirmava que a penitenciária diminuiria a quantidade de presos das cadeias

da região do município. Ela não seria, no entanto, destinada a qualquer preso, os

transferidos precisam ser pessoas com bom comportamento e que concordassem em

trabalhar.

Entremeio às pressões e discussões locais que colocavam em pauta os

benefícios e problemas de uma penitenciária no município, no Brasil a discussão no

campo jurídico se referia ao surgimento das propostas privatizantes do sistema

penal.

Segundo Garani (2011, p. 22) esta proposta surgiu no âmbito do Conselho

Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça que, em

1992, propõe, formalmente, a adoção das prisões privadas no país como uma forma

de resolver os graves problemas de fuga, rebeliões e crimes contra os direitos

humanos. Esta proposta vinha dos resultados obtidos pelos considerados modernos

modelos dos estabelecimentos penais dos EUA, França, Austrália e Inglaterra e de

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recomendações constantes no documento de 1981, referente à Convenção contra

Tortura e outros Tratos ou Penas dos Povos, e de 1990, que trata das Regras

Mínimas para o Tratamento de Presos, além da resolução da Organização das

Nações Unidas n° 24 que versa sobre a educação, capacitação e consciência

públicas na esfera da prevenção de delito.

Ainda conforme o Garani (2011, p.22) A privatização foi contestada pela

Ordem dos Advogados do Brasil, justificando que a execução da pena não poderia

ser transferida as empresas privadas, sendo função única e intransferível do Estado,

segundo a Constituição Federal. Diante destes apontamentos, a proposta é

arquivada em consenso com o Ministério e Conselho Federais.

Apesar das divergências federais e municipais, mas com uma breve abertura

do município de Guarapuava ao solicitar através das lideranças comunitárias, uma

nova proposta de gestão, o Estado do Paraná, segundo o Jornal Diário de

Guarapuava (SANTOS, 1999), sem qualquer justificativa, desconsidera a seleção

dos funcionários públicos feita anteriormente, e leva à frente a proposta apresentada

pelo Conselho Penitenciário junto ao governo federal, transformando a primeira

penitenciária industrial do país em primeira penitenciária industrial com serviços

terceirizados do país.

Em setembro de 1999, segundo o Jornal Diário de Guarapuava (SANTOS,

1999) é assinado o contrato de terceirização dos serviços na Penitenciária Industrial

de Guarapuava com a empresa Humanitas Administração Prisional. Neste mesmo

dia também foi firmado o protocolo de parceria com a empresa Azulbrás do

município de Arapongas, uma fábrica de estofados que ficara responsável pelo

trabalho dos presos no barracão industrial da instituição penal, destinado

exclusivamente para este fim.

Em outubro de 1999, depois de entrevistas feitas com uma equipe

multidisciplinar composta pelos profissionais de psicologia, assistência social,

chefia de segurança e direção, os primeiros noventa presos são transferidos da

Cadeia Pública do município para a penitenciária. Somente em novembro do

mesmo ano, dezoito meses depois da conclusão de sua construção, a primeira

penitenciária industrial do estado é inaugurada, com a presença do Governador

Jaime Lerner e do Secretário de Justiça e Cidadania, Sr. José Tavares.

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Conceito de tratamento penal

Pensada e construída depois de muitos percalços, a penitenciária com serviços

terceirizados inicia suas atividades de tratamento penal. O trabalho laboral dos presos

como parte do programa de atendimento destinou-se a finalização da produção de

móveis, especificamente sofás.

Segundo o Jornal de Guarapuava (SANTOS, 1999), no início das atividades a

penitenciária representava um espaço de trabalho com cento e cinquenta profissionais

da empresa terceirizada Humanitas atuando no atendimento dos apenados, cinco

profissionais na empresa Azulbrás para suporte e fiscalização de produção e cento e

vinte presos na produção de estofados com a garantia de remição de pena, pois segundo

a Lei de Execuções Penais no seu artigo 126 a cada três dias trabalhados, um dia deve

ser diminuído no tempo a ser cumprido pelo preso.

Visão parcial da Fábrica de Sofás Azulbrás no pavilhão Penitenciária Industrial de Guarapuava

Fonte: Revista Veja, ed. 1623 de 10/11/1999

Além do trabalho na fábrica, o andamento da penitenciária também dependia do

trabalho dos presos. Os canteiros laborais proporcionavam trabalho na lavanderia,

cozinha, panificadora, limpeza na ala de segurança e demais espaços de atendimento,

limpeza e distribuição dos tênis para as atividades de recreação.

Junto aos primeiros presos, também vieram os primeiros professores do Centro

de Educação à Distância – CEEBJA num atendimento semipresencial, até então da

Primeira Fase do Ensino Fundamental correspondente ao processo de alfabetização e

Fase sequencial. Estes se preparavam para atender uma demanda pequena de presos que

não estariam trabalhando.

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Em janeiro de 2000, conforme o Jornal Diário de Guarapuava (SANTOS, 2000)

é criada a Vara de Execuções Penais e Corregedoria dos Presídios da comarca de

Guarapuava com uma jurisdição de 16 comarcas do interior do Estado, contemplado os

municípios de Cândido de Abreu, Cantagalo, Irati, Iretama, Mallet, Manoel Ribas,

Palmital, Pinhão, Pitanga, Prudentópolis, Rebouças, Reserva do Iguaçu, São João do

Triunfo, São Mateus do Sul, União da Vitória e Guarapuava. Estes municípios além de

serem atendidos pela Vara de Execuções Penais do município consequentemente

representavam grande parte das demandas da Penitenciária de Guarapuava,

considerando a proximidade no cumprimento de pena.

É interessante ressaltar ainda que, até 1995, só havia duas Varas de Execuções

Penais para todo o Estado do Paraná e no ano de 2000, além de Guarapuava foram

criadas mais duas varas de comarcas de Londrina e Maringá, totalizando somente cinco

para todo o Estado.

Neste ano, os professores retomam as atividades escolares, com uma ampliação

no atendimento. Inicia-se as aulas com o Primeiro e Segundo Segmento do Ensino

Fundamental e Ensino Médio. Este atendimento caracterizou-se por uma forma de

extensão na escolarização da Educação de Jovens e Adultos, chamado de PAC, Posto

Avançado do CEEBJA. Os PACs eram comuns em lugares mais afastados, onde não

havia escolas próximas para alunos desta modalidade. Para o CEEBJA Guarapuava era

a primeira experiência com homens presos.

Em 2002, com o fim do contrato com a empresa Azulbrás, a empresa não renova

suas intenções e retira seu maquinário do pavilhão da instituição penal. Neste mesmo

ano, duas empresas iniciam contrato com a Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania,

utilizando a mão de obra de apenados dentro da Penitenciária Industrial de Guarapuava.

A empresa Fujiwara de calçados de Segurança, com sede em Apucarana, que utilizaria

parte do pavilhão industrial e a empresa local Estilo Palitos que embalava palitos de

sorvetes e uso médico e que utilizaria parte de um anexo do refeitório dos presos que

estava ocioso.

No início de 2003, com a posse do Governador Roberto Requião, a proposta de

Terceirização começa a ser debatida. Sendo enfático nas suas afirmações, o atual

governador afirmava não se conformar com o alto custo da privatização da penitenciária

e ainda indicava o aumento de 50% de presos no estabelecimento.

Em agosto deste mesmo ano, conforme o Jornal Diário de Guarapuava

(GODOY, 2003), a Juíza da Vara de Execuções Penais de Guarapuava, Sr.a Christine

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Kampmann Binttencourt, começa um embate junto ao Governo do Estado e do

Secretário de Justiça e Cidadania, Sr. Aldo Parzianelo, objetivando manter o número de

presos conforme a lotação da penitenciária industrial e garantir que o projeto industrial e

de terceirização não fosse alterado. Assina ainda uma portaria que garantia a remição a

cada dezoito horas de estudos no ensino formal presenciais o preso aluno teria um dia

de pena remida. Isto proporcionava ao preso que estudava e trabalhava menos dias de

pena cumprida e menos tempo ocioso dentro das celas.

Neste período a Juíza da Vara de Execuções Penais teria algumas vitórias junto

ao governo do estado, convencendo o Governador de que o modelo não poderia ser

quebrado e que os índices mereciam consideração. Segundo o próprio governador “em

homenagem ao idealismo” da juíza, ele aguardaria mais estudos à respeito e ainda

acolheria a proposta de construção de uma Unidade Prisional que ficaria em anexo ao

sistema de regime fechado com a mesma administração industrial proposta pela co-irmã

penal.

Em 2004, as entrevistas feitas pela equipe de avaliação da PIG nas cadeias

públicas tinham algumas questões diferentes a serem observadas: o crime ou o tempo de

pena continuava a não ser ter nenhuma discriminação, continuava o fato de não poder

fumar, beber, usar drogas ou jogar cartas, mas a partir de então teria que ter interesse no

trabalho e nos estudos, pois as vagas eram disponibilizadas para todos.

Em julho de 2006, com o fim das prorrogações de contrato da empresa

terceirizada e justificando o fato da empresa descumprir com os contratos firmados

anteriormente relacionados à manutenção de equipamento de segurança e fornecimento

de materiais, o governo do estado retoma a administração das penitenciárias que

mantinham a cogestão, assumindo também a penitenciária de Guarapuava a qual

mantinha índices altos de atendimentos e baixos em reincidência, ressaltando nenhuma

rebelião ou fuga desde sua inauguração.

Os anos seguintes 2008, 2009 e 2010, teve seus reflexos frente ao atendimento

do Estado, com falta de alguns profissionais como Técnicos em Pedagogia. Contudo, o

ecos dos anos anteriores permaneceram na ação dos profissionais que assumiram as

atividades e daqueles que puderam continuar atuando seja como Processo Seletivo

Simplificado e, mais tarde, alguns que passaram pelo concurso público. A filosofia não

se perdeu e muito do que se inovava era parte da semente que fora plantada.

Um destes ecos repercutiu em 2009 com a instalação do Centro Estadual de

Educação Básica para Jovens e Adultos Nova Visão, um instituição escolar de ensino

11

formal, proposta em 2005 por profissionais que atuavam na Unidade Prisional e que

ansiavam por um atendimento próprio para sistema penitenciária, com um Projeto

Político Pedagógico elaborado especificamente para os alunos que estavam reclusos.

Junto a implementação da escola, a Vara de Execuções Penais assina uma nova

portaria referente à remição pelo tempo de estudo, incluindo a produção na escola como

fator importante e solicitando que junto às fichas de remição também sejam enviadas as

notas obtidas pelos alunos presos.

Em 2011, junto ao novo Governador Beto Richa, também assumem novas

propostas gerais de atendimento, agora não mais destinadas somente ao trabalho, mas à

educação. Neste ano, a presidenta Dilma Roussef assina a lei 12433 que promove a

alteração da Lei de Execuções Penais nos seus artigos 126 à 129, que dispõe sobre a

remição de parte do tempo de execução de pena por estudo ou por trabalho. No

documento, o preso poderá remir um dia de pena à cada doze horas estudadas no ensino

escolar ou curso profissionalizante. E se trabalhar poderá remir um dia à cada três dias

trabalhados. Sendo os dois compatíveis em relação ao período de trabalho e estudo, será

possível utilizar as duas atividades para remição de pena. Em suma, como já acontecia

no município de Guarapuava desde 2003, trabalho e estudo proporcionam a remição de

pena.

Propostas no ano de 2012 sinalizaram para a prioridade da educação com o

lançamento do Projeto Remição pela leitura, onde a cada livro lido e resenhado ou

resumido o preso teria um dia mensal remidos e com a implementação do Projeto já

executado extramuros Paraná Alfabetizado.

Em agosto, segundo o Jornal Diário de Guarapuava (ESSERT, 2012) a

Penitenciária Industrial, mantendo seu perfil pioneiro, junto ao Centro de Regime

Semiaberto, em parceria com a Universidade do Centro Oeste, inauguram as instalações

do curso de ensino superior de licenciatura em Arte Educação na modalidade à distância

junto ao projeto da Universidade Aberta do Brasil, atendendo 20 presos, sendo 10 no

regime fechado e 10 no regime semiaberto.

Ainda neste ano, o governo federal também determinou o prazo para envio dos

Planos Estaduais de Educação em Prisões com objetivo de concluir suas Diretrizes até

2014.

Neste ano de 2013, estudos estão sendo feitos e os CEEBJAs de sistema

prisional estão enviando propostas ao alterações e adaptações das propostas curriculares

para melhor atendimento no sistema prisional.

12

Considerações Finais

No contexto histórico da Penitenciária Industrial de Guarapuava desde antes da

elaboração do seu projeto até a atualidade foi possível identificar as mudanças de

conceito de pena e de direcionamento nas prioridades no tratamento penal. Além das

mudanças aqui não mencionadas relacionadas à aplicação de pena, o cumprimento desta

teve seus pilares fundamentados inicialmente no trabalho e disciplina, posteriormente na

categoria disciplina, trabalho e educação, sendo essa última a que tem mais ênfase hoje.

Embora tenha sempre no discurso a chamada ressocialização, ainda assim, necessitamos

de estudos mais aprofundados para entender o motivo pelo qual estas mudanças foram

se delineando. A abordagem não tem como objetivo defender uma ou outra categoria

proposta para reinserção social, nem mesmo justificar se a privatização ou o

atendimento público tem subsídios para cumprir com este objetivo. Temos como intuito

identificar como foram construídos estes conceitos no decorrer do seu período de

funcionamento e analisar, numa pesquisa posterior, quais políticas públicas delineavam

estas questões para compreender o processo prático de busca de reinserção social dos

apenados por meio do trabalho. Para nós essa ênfase na questão educacional no e pelo

trabalho mostra-se uma problemática de grande riqueza não apenas para a discussão

específica que ocorre sobre o sistema prisional, mas, sobretudo, dimensiona mais um

importante uso que é feito do trabalho na produção da “educação” daqueles que, a

priori, materializam em suas trajetórias os limites formativos existentes em uma

sociedade baseada na apropriação privada da riqueza socialmente produzida.

Referências

ALMEIDA, Delise Guarienti. Diário de Guarapuava. Governador Jaime Lerner cria

nova Vara de Execuções Penais. Ano II. ed. 0279. 08 e 09 de jan. 2000. p. 03

BRASIL, Ministério da Justiça. Dados Cadastrais de Instituição Penal. Disponível

em:http://www.brasil.gov.br/linhadotempo/html/tema/lista_epocas?tema=Hist%C3%B3

ria%20do%20Brasil. Acesso em 09 jul. 2013.

________, Lei de Execuções Penais n.° 7.210 de 11 de julho de 1984. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm. Acesso em 10 jan. 2013.

________, Lei 12.433 de 11 de junho de 2011. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12433.htm. Acesso em

10 jan. 2013.

13

ESSERT, Harald. Unidades Penais de Guarapuava oferecem curso superior. Diário de

Guarapuava. ano XIII edição 3404. 01 de ago. 2012. p.12

ESTECHE, Paulo. Construção da Penitenciária mobiliza opinião pública. Jornal Tribuna de

Guarapuava. Guarapuava. ano I . ed. 0034. 29 abr à 05 de maio. 1995. p. 11

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