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TRABALHO COMPULSÓRIO E LIBERDADE NAS TERRAS DO CABO NORTE (XVII E XVIII): UMA PROBLEMÁTICA CONCEITUAL NA ESCRITA DA HISTÓRIA. SILVANEY RUBENS ALVES DE SOUZA * . A ideia da construção deste artigo surgiu de um questionamento após inúmeras leituras realizadas sobre o tema em questão: será que existe a necessidade de conceituar as relações de trabalhos que foram desenvolvidas nas terras do Cabo Norte, nos séculos XVII e XVIII? O que, para muitos, pode parecer algo bem resolvido a nós suscitou inúmeras dúvidas, principalmente na hora de determinar a devida contribuição de cada grupo, através de seu trabalho no processo de povoamento e desenvolvimento econômico da região do Grão-Pará e Maranhão e, mais precisamente, das “Terras do Cabo Norte”. Não há dúvidas de que, a utilização da mão de obra escrava, compulsória e livre deram a tônica no processo de escrita dessa história social do período colonial sobre a região, sugerindo uma fácil caracterização dos mesmos, no qual, alguns grupos foram plasmados a determinados serviços, ocupações e até condições de trabalho, neste caso, negros, índios e colonos; os grupos sociais que dominam os cenários da historiografia colonial da região. No entanto, consideramos essa relação não tão óbvia, principalmente, no que tange a nomenclatura das categorias de análises sobre as relações de trabalho e os diversos grupos, sociais e étnicos, que juntos ajudaram a compor o ambiente social histórico da região Amazônica, em especial “as Terras do Cabo Norte”. Deste modo, nos propomos neste artigo a realizar uma revisão historiográfica, de textos e autores que ajudaram a construir a história social da região e apontar a importância da conceituação das categorias de análises, no que tange as relações de * Professor de História da rede pública de ensino, graduado pela Universidade Federal do Pará e especialista em História do Amapá (IBPX).

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TRABALHO COMPULSÓRIO E LIBERDADE NAS TERRAS DO CABO NORTE (XVII E XVIII): UMA PROBLEMÁTICA CONCEITUAL NA

ESCRITA DA HISTÓRIA.

SILVANEY RUBENS ALVES DE SOUZA*.

A ideia da construção deste artigo surgiu de um questionamento após inúmeras

leituras realizadas sobre o tema em questão: será que existe a necessidade de conceituar as

relações de trabalhos que foram desenvolvidas nas terras do Cabo Norte, nos séculos XVII

e XVIII? O que, para muitos, pode parecer algo bem resolvido a nós suscitou inúmeras

dúvidas, principalmente na hora de determinar a devida contribuição de cada grupo,

através de seu trabalho no processo de povoamento e desenvolvimento econômico da

região do Grão-Pará e Maranhão e, mais precisamente, das “Terras do Cabo Norte”.

Não há dúvidas de que, a utilização da mão de obra escrava, compulsória e livre

deram a tônica no processo de escrita dessa história social do período colonial sobre a

região, sugerindo uma fácil caracterização dos mesmos, no qual, alguns grupos foram

plasmados a determinados serviços, ocupações e até condições de trabalho, neste caso,

negros, índios e colonos; os grupos sociais que dominam os cenários da historiografia

colonial da região.

No entanto, consideramos essa relação não tão óbvia, principalmente, no que

tange a nomenclatura das categorias de análises sobre as relações de trabalho e os diversos

grupos, sociais e étnicos, que juntos ajudaram a compor o ambiente social histórico da

região Amazônica, em especial “as Terras do Cabo Norte”.

Deste modo, nos propomos neste artigo a realizar uma revisão historiográfica, de

textos e autores que ajudaram a construir a história social da região e apontar a

importância da conceituação das categorias de análises, no que tange as relações de

* Professor de História da rede pública de ensino, graduado pela Universidade Federal do Pará e especialista em

História do Amapá (IBPX).

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trabalho e seus sujeitos, objetivando uma ampliação e/ou limitação das interpretações,

acerca da escrita da história da região, cujas possibilidades têm suas limitações históricas

e metodológicas.

O ponto de partida para nossa análise é o texto “Índios das Corporações: trabalho

compulsório no Grão-Pará no século XVIII, de Cecília Maria Chaves Brito. Neste artigo o

que nos chama a atenção foi o fato da autora conceituar a categoria de analise utilizada

para determinar o trabalho compulsório dos indígenas, e a partir da conceituação buscou

fundamentar as relações de trabalho dos indígenas nas corporações de ofícios, algo até

então pouco visto na historiografia da região. A importância desse texto de Chaves Brito,

para além da conceituação do trabalho compulsório, só aumenta na medida em que

estabelece um marco historiográfico para a redefinição das relações de trabalho na região,

com as legislações Pombalinas e, principalmente com o diretório dos índios.

Se, para Rosa Elisabeth Acevedo Marin, não existe dúvidas que nos dois séculos

de dominação portuguesa foram utilizadas, “diferentes formas de trabalho”, socialmente

organizadas, com vistas a garantir um modelo de povoamento e ocupação da região e,

estas combinadas ao ambiente natural da região, serviram aos interesses mercantilistas

(MARIN, 1999). Enquanto que Nívia Ravena argumenta que o processo de povoamento

foi caracterizado por dois ingredientes principais: planejamento e improvisação

(RAVENA, 1999).

Portanto, neste contexto “O projeto Pombalino para a Amazônia e a Doutrina do

Índio-Cidadão” (ALVES JR. 1993) vislumbra uma conjuntura onde o diretório dos índios

aparece como uma das ações da coroa portuguesa para dinamizar a exploração na colônia

e desenvolver, por conseqüência, a metrópole portuguesa, haja vista, que segundo José

Alves Jr, para elite intelectual portuguesa representada na figura de Sebastião José de

Carvalho Melo, o Marquês de Pombal, a metrópole Portuguesa encontrava-se em situação

de atraso em relação a outras metrópoles européias (França, Inglaterra). E é, a partir da

verificação dessa situação de atraso, que foi desenvolvida uma série de medidas políticas e

econômicas que visavam a “regeneração portuguesa”. Em contrapartida, essa nova postura

da elite intelectual portuguesa modificou as relações entre metrópole e colônia, “Já que o

Brasil começava a ser colocado como o centro em torno do qual esse projeto se efetivaria

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(ALVES Jr, 1993)1”. Deste modo, é repensada a utilização das potencialidades

econômicas da colônia portuguesa visando racionalizar a exploração, segundo o próprio

autor.

Em suma, para José Alves Jr., existe uma coerência nas atitudes políticas do

estado português para com os indígenas, versando pelo lado da ideologia portuguesa, pois

o “Diretório dos Índios” trata da defesa do território; do fomento à exploração colonial da

Amazônia e, por ultimo, o reforço do papel de Estado como agente estruturador das

relações sócio-econômicas dentro desta parte da América.

Mas, para implementar tal “projeto pombalino”, foi necessário o desmantelamento

da estrutura anterior, dento em vista que, para Acevedo Marin, os missionários

empreenderam em uma “estrutura de forma autárquica, onde o extrativismo e a agricultura

articularam-se sob uma racionalidade eficiente e adequadas ao mercado

colonial”(MARIN, 1999). E, para a autora, nas ultimas décadas do século XVIII,

aumentaram as unidades produtivas incentivadas pelas autoridades metropolitanas com a

concessão de terras e créditos, onde uma força de trabalho diversificada em diversos

regimes de trabalho: escravidão de índios, negros, trabalho compulsório e soldada,

emergiram articulados ou não à economia mercantil, desmantelando, desta forma uma

estrutura singular de gerir a força de trabalho, que segunda Nívia Ravena, “rendeu aos

missionários um cabedal significativo” (RAVENA, 1999)

Portanto, a mão de obra indígena foi largamente utilizada no processo de

povoamento, defesa e produção de gêneros para exportação, antes e durante o “projeto

Pombalino” para a região, disso não há dúvidas, fato este consolidado pela historiografia

da região, com a análise das leis Régias, como o exemplo a seguir:

“E como sua foi [s]ervido dar novo methodo ao governo de[s]tas povoações; abolindo a admi[s]tração temporal, que os regulares exercitavão nellas; e sem con[s]equencia de[s]ta Real Ordem, fica ce[ss]ado a fórma da repartição dos índios, os quaes [s]e devidirão em três partes, huma pertencente aos Padres Mi[ss]ionarios; outra ao [s]erviço dos moradores; e outra ás me[s]mas

1 Para COELHO (2000) O período de 1750 trás mudanças significativas para o império Colonial português. Pois, passado o período áureo gerado pelas riquezas das Minas Gerais e a confirmação das perdas de suas colônias na África e na Ásia, a colônia americana ganha grande importância. Já que, é delas que se esperavam recuperar as riquezas perdidas. É importante lembrar, também, que a urgência desse projeto é inerente a grande catástrofe do qual Portugal é vítima, o terremoto ocorrido em 1 de Novembro de 1755, que deixou Lisboa em ruínas, e cujos recursos financeiros para reerguer Portugal vão fluir de suas possessões coloniais da América.

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povoaçooens:Ordeno ao Directores, que ob[s]ervem daqui por diante inviolavelmente, o parágrafo 15 do regimento, no qual o dito Senhor manda, que, dividindo-[s]e os ditos Índios em duas partes iguaes, huma dellas [s]e con[s]erve [s]empre nas [s]uas re[s]pectivas povoaçoens, a[ss]im para a defesa do E[s]tado,como para todas as diligencias do [s]eu Real [s]erviço, e outra para [s]e repartir pelos moradores, não [s]ó para a e[s]quipação das canôas, que vão extrahir Drogas ao Sertão, mas para os ajudar na plantação dos Tabacos, cana de A[ss]ucar, Algodão, e todos os gêneros, que podem inriquecer o E[s]tado, e augmentar o commercio”.(Directorio, parágrafo 63).

A partir desta citação do parágrafo 63, do diretório, podemos perceber uma

intensa relação entre este conjunto de leis e o desenvolvimento da empresa colonial

portuguesa na América, especificamente na Amazônia, na medida em que estabelece,

entre as suas normas, formas para alimentar e desenvolver o comércio na região. Por isso,

este documento se tornou um dos mais importantes para se compreender a interferência do

Estado português nas “povoações” da região e dos índios que nelas viviam.

Deste modo, podemos afirmar que, não só a mão de obra indígena se tornou uma

condição sine qua non, para o projeto Pombalino e, para o desenvolvimento de todas as

potencialidades econômicas da região, mas também, os diversos grupos sociais que se

estabeleceram na região, neste caso específico, colonos livres e os africanos escravizados,

que juntos contribuíram para o desenvolvimento dessa empresa colonial na América.

Não há dúvidas, que o “projeto Pombalino” modificou sobre maneira as relações

de trabalho existentes na região, anteriormente dedicada ao extrativismo de “drogas do

Sertão”, inserindo uma nova forma de expropriação da mão de obra indígena, objetivando

atingir os seus interesses, conforme podemos atestar no Diretório dos Índios;

Sendo, pois a cultura das terras o [s]ólido fundamento daquelle commercio, que [s]e reduz á venda, e commutação dos fruetos, e não podendo duvidar-[s]e, que entre os precio[ss]os effeitos, que produz o paiz, nenhum he mais intere[ss]ante que o algodão:Recõmendo aos directores,que animem aos Indios a que fação plantações de[s]de ultimo genero, novamente recomendado pelas Reaes ordens de Sua Mage[s]tade; (Directório, parágrafo24)

Esse trecho nos ajuda a entender a dinâmica na qual a economia colonial

portuguesa, do século XVIII, estava inserida no comércio transatlântico, na medida em

que ordena ao diretor que incentive nos índios o interesse pelo cultivo de um produto que

tenha aceitação no mercado europeu, no caso em questão, o produto é o algodão. Destaca

ainda, a importância desta nova cultura agrícola para o desenvolvimento do país, já que,

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para a autoridade portuguesa o cultivo das terras ‘‘é o sólido fundamento do comércio”2, e

por conseqüência a posse da terra.

Já, no campo da história econômica do Brasil, temos Celso Furtado que em

“Formação Econômica do Brasil”, destaca que coube a Portugal desenvolver uma forma

de viabilidade econômica para a colônia na América, que não fosse baseada na fácil

extração de metais preciosos, deste modo, Portugal torna-se pioneiro ao implementar na

América uma empresa agrícola colonial, superando a empresa espoliativa e extrativa

empreendida na Costa da África e nas Índias Orientais. A “América passa a constituir

parte integrante da economia produtiva européia, cuja técnica e capitais nela se aplicam

para criar de forma permanente em fluxo de bens destinados ao mercado europeu”. (

FURTADO, 1959).

Ainda, para Celso Furtado, o bom desempenho da empresa agrícola portuguesa na

América, no período colonial, se dá pautado em alguns princípios fundamentais, tais

como: As boas relações comerciais dos portugueses com os Flamengos e os Holandeses,

pois estes transportavam e distribuíam os produtos e, no caso especifico da produção do

açúcar, eram responsáveis também pelo refinamento e, as experiências portuguesas

anteriores na África e nas Antilhas que propiciaram o desenvolvimento de técnicas

agrícolas na cultura de plantation, e a utilização da mão-de-obra escrava, haja vista, a

impossibilidade de introdução de mão-de-obra livre assalariada na efetivação da empresa

agrícola portuguesa na América.

Portanto, estas seriam para Celso Furtado, variáveis que se põem como condição

sine qua nom para a efetivação e o bom desempenho desta empresa colonial. O que, de

certa forma, corrobora com o pensamento de Rosa Acevedo (1999), ao analisar a

especificidade histórica da “prosperidade e estagnação de Macapá colonial”, onde afirma

que;

As conquistas territoriais e as formas de apropriação da natureza empreendidas pelos agentes coloniais encontraram, inicialmente, obstáculos, dentre os quais, o ais importante foi o enquadramento da força de trabalho indígena3 (ACEVEDO, 1999)

2 Esta questão esta muito presente na colonização portuguesa na América e já foi muito debatida na historiografia brasileira, através da implementação da cultura de plantation, que teve sua maior expressão no nordeste com a cana-de-açúcar. 3 Neste caso especifico Rosa Azevedo deixa evidente a importância da utilização da mão-de-obra indígena ao discorrer sobre a rizicultura na região do Cabo Norte e a falta de preparo da região para uma cultura de

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É notório, que nos textos abordados para este trabalho, a historiografia sobre a

região, não evidencia uma conceituação clara e específica, das categorias de analises sobre

as relações de trabalho empreendidas na empresa colonial portuguesa, no que tange a

região amazônica, em sua totalidade, talvez pela falta de elementos mais contundentes ou

pelo nivelamento das formas de trabalhos, facilmente descritas nos documentos históricos

pesquisados para compor o texto historiográfico.

Deste modo, tendo em vista a impossibilidade apontada por Celso Furtado de

utilização de mão-de-obra assalariada na empresa agrícola colonial na América

(FURTADO; 1959), subtende-se que nesta dinâmica da economia colonial, a mão de obra

possível utilizada como força de trabalho, capaz de viabilizar o desenvolvimento desta

empresa na região amazônica pode, também, ser enquadrada dentro do fundamento do

trabalho compulsório, em suas variadas formas e agentes sociais, a partir do conceito de

W. Koosteerboer, utilizado por Cecília Maria Chaves Brito, que diz:

Trabalho do qual o trabalhador não pode se retirar se quiser sem ocorrer o risco de punição, e/ou para o qual tenha sido recrutado sem seu consentimento voluntário a isto. Por outro lado, o motivo para a disposição deste trabalho deve ser o de obter o lucro.(BRITO, 1998).

Por outro lado, autores como José Alves Souza Jr. (1993) e Nádia Farage (1991),

não definem de forma conceitual as relações de trabalho que utilizam em seus textos.

Desta feita, podemos ter o entendimento que a categoria utilizada pelos autores se encaixa

dentro do conceito utilizado por Cecília Mario Chaves Brito. Isto se dá ao verificarmos,

por exemplo, que a autora Nádia Farage quando distingui os dois tipos de mão-de-obra

indígena presente na região: a escrava e a livre.

O fato que nos chama atenção é a categoria ‘livre’ que a autora utiliza para

distinguir os índios aldeados dos demais, os chamados tribais. Estando estes últimos mais

propícios ao trabalho escravo, pelo menos em tese, enquanto que os primeiros à

“liberdade”. Contudo, Nádia Farage deixa claro que esta liberdade é condicionada a vários

fatores e, dentre estes, o mais importante para a nossa análise é a obrigatoriedade do

plantation, haja vista, que uma superprodução gerou mais problemas que soluções para a região em questão, gerada principalmente pela dificuldade de transportar os produtos e pela falta de um mercado consumidor na região.

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trabalho, já que o índio “livre” deveria prestar serviço por um período pré-estabelecido,

em que a própria autora reconhece o não cumprimento do mesmo, ou seja, o índio “livre”

ficava prestando serviço por tempo indeterminado, tornando-se uma fonte constante de

atrito entre os grupos dominantes da hierarquia colonial (Estado, colonos e missões), na

região do Grão-Pará e Maranhão.

Já, para José Alves de Souza Jr., na sociedade colonial o ser livre está associado à

propriedade e, por sua vez, ser proprietário implicava na condição de não trabalho.

Portanto, era uma situação incompatível ao índio se ver como um ser livre, haja vista, que

estava condicionado ao trabalho, seja em suas roças, seja nas dos colonos.

Fato, que se tornou mais grave, para Souza Jr, dada a dificuldade de mão-de-obra

enfrentada pelos colonos, cuja problemática foi identificada pelo autor, para realização

dos trabalhos nas roças nos moldes de concepção capitalista de trabalho, ou seja, a

realização do trabalho para obter uma produção excedente, sem dúvida nenhuma o que

chamaria de lucro, o entendimento do autor acerca das relações de trabalho dos índios

pode ser encaixado, perfeitamente, no conceito de trabalho compulsório utilizado por

Cecília Maria Chaves Brito.

Dadas às características acima citadas pelos autores, entendemos em nossa análise

que, de certa forma, não é utilizando o conceito de trabalho compulsório de W.

Koosteerboer ipsis literis, mas percebemos nuanças que não as excluem de serem

interpretadas neste contexto conceitual de trabalho compulsório, no qual utilizamos como

base para a realização desta análise.

Portanto, fica claro que tanto para Souza Jr, quanto para Nádia Farage, a categoria

de analise utilizada para pensar o trabalho do índio “livre” não se enquadra na mesma

categoria para se pensar o colono livre, no entanto, ambos os autores não buscam

conceituar o que seria a “LIBERDADE”, dentro dos padrões de uma sociedade colonial

no século XVIII, na região amazônica, visando caracterizar o aspecto peculiar do “ser

livre” na região Amazônica. No entanto, não há dúvidas que negros, índios e soldados

desertores foram os protagonistas de uma original aventura para a conquista da liberdade

(GOMES 1999).

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Por outro lado, Maria Sylvia de Carvalho Franco em sua análise sobre

“Organização social do Trabalho no Período colonial”, nos ajuda a entender que existe

uma variação contundente nas relações de trabalho, utilizadas no desenvolvimento da

empresa colonial, seja escrava, trabalho compulsório ou livre, o que para a autora

corrobora, em certa medida, com o caráter de uma economia pautada em princípios

capitalistas, reforçando a tese de Celso Furtado e integrando as relações socioeconômicas

desenvolvidas na colônia portuguesa dentro de um contexto do sistema capitalista

internacional, ou seja, “Colônia e metrópole são desenvolvimentos particulares do

capitalismo, mas carregam ambos em seu interior, o conteúdo essencial, o lucro, que

percorre todas as suas determinações (FRANCO. 1975)”.

Para o nosso entendimento a dinâmica apresentada pelos autores, acima, nos dá

condição de entender as diversas formas de trabalho desenvolvidas para o povoamento e

desenvolvimento da região, seja compulsório indígena, escravo indígena, escravidão

africana e ou soldada, realizado na região do Grão-Pará e Maranhão, e por conseqüência,

na Capitania do Cabo Norte, como relações sócio-econômicas típicas da empresa colônia

portuguesas na América, configurando assim em âmbito geral, mais uma das

“determinações particulares do capitalismo (FRANCO, 1975)”.

No entanto, acreditamos que há espaço para uma conceituação melhor definida

sobre as relações de trabalho, na historiografia sobre as “Terras do Cabo Norte”, do século

XVIII, diminuindo as possibilidades de interpretações errôneas acerca das formas de

trabalhos e seus sujeitos sociais. A história social da região necessita de categorias de

análises mais precisas, em sua microrealidade, que definam a real caracterização da

exploração a que os grupos sociais estiveram expostos na realidade amazônica, mas

precisamente nas “Terras do Cabo Norte”, que divergem, seja na forma, seja na execução,

das outras realidades apresentadas em nível nacional, geral e abrangente. Portanto,

acreditamos que não podemos continuar utilizando categorias de analises, para determinar

as relações de trabalho, em uma história social da Amazônia colonial, cuja conceituação

não seja evidenciada de forma clara, bem elaborada e definida no corpo do texto, visando

uma desconstrução dos aspectos generalizantes de uma história pautada pela diversidade

de atores e multiplicidade de contextos socioambientais.

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