trab saude mental arrumado

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JENNIFER MAIA SILVA DE SOUZA JOÃO ANTÔNIO SOARES DA SILVA KARINA VASCONCELOS BARROS PENNA MAELCIO SILVA ANDRADE RAFAEL DE OLIVEIRA ROMEU RAFAEL NOGUEIRA BRESSANI SAULO LACERDA CÉSAR THIAGO MAGNE FERNANDES CURTY ABORADAGEM PSICOLÓGICA DO PACIENTE DIABÉTICO

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Page 1: Trab Saude Mental Arrumado

JENNIFER MAIA SILVA DE SOUZA

JOÃO ANTÔNIO SOARES DA SILVA

KARINA VASCONCELOS BARROS PENNA

MAELCIO SILVA ANDRADE

RAFAEL DE OLIVEIRA ROMEU

RAFAEL NOGUEIRA BRESSANI

SAULO LACERDA CÉSAR

THIAGO MAGNE FERNANDES CURTY

ABORADAGEM PSICOLÓGICA DO PACIENTE DIABÉTICO

VALENÇA

2012

Page 2: Trab Saude Mental Arrumado

JENNIFER MAIA SILVA DE SOUZA

JOÃO ANTÔNIO SOARES DA SILVA

KARINA VASCONCELOS BARROS PENNA

MAELCIO SILVA ANDRADE

RAFAEL DE OLIVEIRA ROMEU

RAFAEL NOGUEIRA BRESSANI

SAULO LACERDA CÉSAR

THIAGO MAGNE FERNANDES CURTY

ABORADAGEM PSICOLÓGICA DO PACIENTE DIABÉTICO

DIABETES UM OLHAR PARA A VIDA

O trabalho busca uma abordagem

biopsicossocial do paciente diabético para o

melhor entendimento e compreensão no papel da

psicologia no dia-dia médico

VALENÇA

2012

FACULDADE DE MEDICINA DE VALENA

Page 3: Trab Saude Mental Arrumado

  

"A incapacidade de comentar com palavras os seus pensamentos faz com que esta

pessoa "fale" com a "língua dos órgãos", ou seja, o adoecer de determinado órgão é

a forma inconsciente de a pessoa proclamar seu sofrimento, por não conseguir fazê-

lo de outra forma..." (Silva, 1994)

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SUMÁRIO

Pág.

1. RESUMO ii

2. ABSTRACT iii

3. INTRODUÇÃO 4

4. O ATO PSICANALÍTICO E A MEDICINA DO CORPO 7

5. CONCIDERAÇÕES PSICOSSOMÁTICAS SOBRE DIABETE:BREVES

REFLEXÕES 29

6. O Ser e o Diabetes 35

6.1. Auto Imagem da Diabetes 35

6.2. Construção da Imagem Corporal 36

6.3. Diabetes e a Compreensão do Eu 37

6) REACÕES PSICOLÓGICAS A DOENÇA E AO ADOECER 40

7) ASPECTOS PSICOLÓGICOS DA DIABETES NA INFÂNCIA 43

8) ASPECTOS PSICOLÓGICOS DA DIABETES NO JOVEM 46

9) ASPECTOS PSICOLÓGICOS DA DIABETES NO IDOSO 54

10)CONCLUSÃO 58

11)REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 60

i

Page 5: Trab Saude Mental Arrumado

Resumo

A compreensão do homem como um organismo unificado, onde mente e corpo,

comportamento e emoção são entendidos como aspectos absolutamente interligados

do ser humano vêm sendo bastante difundida entre os profissionais da área da

saúde. Diversos estudos científicos têm comprovado que fatores biológicos,

psicológicos e sociais interagem de diferentes modos e proporções na gênese de

qualquer enfermidade inclusive a Diabetes Mellitus. 

Palavras - chaves: comportamento; emoção; doença crônica; tratamento; diabetes

mellitus.

 

ii

Page 6: Trab Saude Mental Arrumado

Abstract

The man's understanding as an unified organism, where it lies and body, behavior and

emotion are understood as the human being's quite interlinked aspects are being

quite spread among the professionals of the area of the health. Several scientific

studies have been proving that you factor biological, psychological and social they

interact of different manners and proportions in the genesis of any illness besides to

Diabetes Mellitus.

Key Words: behavior, emotion, chronic illness, treatment, diabetes mellitus

Page 7: Trab Saude Mental Arrumado

4

INTRODUÇÃO

O Diabetes é uma realidade deste novo século. A estatística é cada vez maior

quando representa o número de pessoas atingidas pela doença e estima-se o

aumento futuro deste número visto a falta de conhecimento de muitos sobre a doença

e seus sintomas, o que acarreta o desenvolvimento da mesma sem os cuidados

preventivos.

Poucos estudos existem sobre esta doença e sua influência nos aspectos

psicológicos de diabéticos (ou vice-versa). Assim, este trabalho partiu da escuta do

sofrimento e da angústia destes indivíduos e da percepção da necessidade de

aprofundar estudos nesta área.

Este trabalho é realizado no contato direto com estas pessoas e, ao se deparar com

tal angústia e questionando-se sobre o simbolismo desta realidade, é possível

relacioná-la a algo diabólico, referindo-se ao próprio mal. Alguns associam a castigos,

por não ter-se importado mais com a própria saúde,por não ter controle de momentos

estressantes; outros se questionam dos motivos que o levaram a situação atual,

outros apenas aceitam e confiam na expectativa de cura. Mesmo que hajam

explicações de influências inconscientes que auxiliaram para o surgimento da

doença, ainda assim é um sofrimento real e que deve ser considerado.

É neste sentido que o trabalho sobre estas dificuldades, para que sejam percebidas,

compreendidas e superadas, faz-se tão imprescindível. Acredita-se que assim é

possível melhor conviver com o Diabetes, uma doença crônica, porém tratável

.Esta pesquisa corrobora o pensamento e experiência de Kaplan, Harold I. (1997):

“(...) o diabete melito é um transtorno do metabolismo e do sistema vascular,

manifestado por uma perturbação da manutenção da glicose, lipídios e proteínas pelo

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5

corpo. (...) Sua etiologia: A hereditariedade e a história familiar são extremamente

importantes, no aparecimento do diabete. Um início agudo está, freqüentemente,

associado com o estresse emocional, que perturba o equilíbrio homeostático num

paciente predisposto. Os fatores psicológicos aparentemente significativos são

aqueles que provocam sentimentos de frustração, solidão e rejeição. Os paciente

diabéticos, em geral, devem manter algum tipo de controle dietético, do seu diabete.

Assim quando sentem-se deprimidos e rejeitados,freqüentemente exageram no

comer ou no beber, de forma autodestrutiva, fazendo com que a doença fique fora de

controle. Isto é especialmente comum no diabete juvenil. Além disto, termos tais

como oral, dependente, busca de atenção materna e passividade excessiva tem sido

aplicado ao paciente diabético.” (p. 715)

Segundo este mesmo autor, a psicoterapia de apoio é necessária, a fim de se adquirir

a cooperação no manejo médico desta complexa doença. A terapia deve encorajar os

diabéticos a levarem uma vida normal, na medida do possível, com o reconhecimento

de suas possibilidades e limitações.

Dados sobre aspectos emocionais do paciente diabético são levantados diante da

observação destes pacientes, pesquisas de campo e levantamento bibliográfico, além

da constatação de novas pesquisas sobre o assunto que geram novas questões e

reflexões.

Recentemente, por exemplo, a pesquisadora Lawrence Leshan cita em seu livro

“Brigando pela Vida – aspectos emocionais do paciente com câncer” (1994), uma

pesquisa realizada na Inglaterra e no País de Gales, sobre a relação do estado civil e

a doença na influência da taxa de mortalidade desta doença, entre os anos 1931 e

32. Relacionando tais dados, ela faz uma análise comparativa com o diabetes e

comenta que a taxa de mortalidade do diabetes era geralmente mais alta para as

mulheres casadas do que para as viúvas, mesmo em idades mais avançadas. Ela

acrescenta que esse fato reforça a idéia de que existe um relacionamento especial

entre o estado civil e o câncer, independente dos fatores de idade envolvidos.

Page 9: Trab Saude Mental Arrumado

6

Existem também estudos sobre a depressão como o do Dr. Adolpho Milech –

endocrinologista do serviço de Nutrologia do Hospital Universitário Clementino Fraga

Filho e Professor da Faculdade de Medicina e da Universidade Federal do Rio de

Janeiro (UFRJ)1, que relaciona a depressão e o diabetes.Segundo sua pesquisa,

pessoas com diabetes estão duas vezes mais propensas a apresentar depressão do

que as não-diabéticas.

Estas pesquisas apontam para a extensão dos estudos nesta área. Com esta

monografia, pretende-se acrescentar conhecimento sobre o assunto e colaborar com

o aumento do espaço dedicado para o mesmo nas diversas áreas interessadas.

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7

O ATO PSICANALÍTICO E A MEDICINA DO CORPO

A Psicanálise e a Medicina nunca se entenderam. O objetivo deste trabalho é

contribuir com algumas reflexões para esse entendimento. Considero indispensável

esse entendimento, tanto para a Psicanálise quanto para a prática médica em geral.

Antes de mais nada vamos esmiuçar um pouco a afirmação de abertura: a

Psicanálise e a Medicina nunca se entenderam. É desconcertante que assim seja,

lembrando que o criador do método psicanalítico, bem como das teorias originais

sobre a dinâmica mental, Sigmund Freud, era médico e livre - docente de Medicina

da Universidade de Viena. Fundou suas hipóteses sobre o tratamento das neuroses

em sólidas bases hipocráticas. Teve o mérito de descrever minuciosamente quadros

clínicos, construir a fisiopatologia explicativa desses quadros, estabelecer hipóteses

etiológicas bem fundamentadas em achados clínicos e desenvolver um método

terapêutico considerado eficaz.

Como pôde isso acontecer? Não dá mais para acreditar que Freud escandalizou a

sociedade vitoriana da época com suas hipóteses etiológicas de traumas ou fantasias

sexuais. A sociedade da época nem era mais

vitoriana, nem Freud era um sexólogo fanático. Ao contrário, muitas hipóteses

freudianas recendem à ingenuidade, como às relativas à sexualidade feminina, ou

aquelas que descrevem um período de latência, entre o final do período fálico e a

pré-puberdade.

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8

Aliás, Freud nem descrevia a rigor práticas sexuais, mas a trajetória de processos

mentais que utilizavam o impulso sexual como pretexto para construir um modelo de

dinâmica mental. Graças a isso, pôde-se caracterizar processos diacrônicos de

desenvolvimento extremamente sutis da infância, e de todos os períodos de vida

( veja-se para isso por exemplo a Escola Inglesa iniciada por Melanie Klein, ou os

trabalhos de D.W. Winnicolt) ou processos sincrônicos como os descritos por W. R.

Bion, esmiuçando transformações psíquicas, da inconsciência à consciência, um

riquíssimo repertório de teorias sobre como se forma a consciência, muito além de

suas bases neurobiológicas.

A dificuldade, creio, era do próprio criador da Psicanálise, extremamente suscetível à

críticas, traço comum em todos os gênios, ou mesmo em pessoas multitalentosas.

Não é por acaso que veneramos àqueles que iluminam nossa ignorância ou

encantam nossa vida com suas produções artísticas. No período clássico greco-

romano conferia-se aos criadores qualidades semidivinas, afetadas que estavam pelo

entusiasmo, inspirados mensageiros, portanto, de algo superior e transcendente.

A reação de Freud ao ser contestado foi criar uma nova instituição médica, já não

mais médica, algo parecido, que não tratava exatamente, mas estimulava o auto

conhecimento, algo pouco definido pois que os pacientes, até hoje, vêm se tratar,

tratar de algo específico como um sintoma neurótico, um desvio de

desenvolvimento, ou uma mazela mais ampla, existencial. Não havia necessidade de

se criar uma ciência à parte, a salvo de críticas, mas, sim, abri-la ainda mais à crítica

para que, depurada de dogmas, de estereotipias e crendices, pudesse a Psicanálise

realizar seu papel de ampliar os horizontes da prática terapêutica. Não estão em

causa querelas profissionais entre psicólogos e médicos. Estamos diante de uma

questão maior : a questão terapêutica. A questão do sentido hipocrático de therapeia,

que é cuidar. Seja cuidar do distúrbio físico, seja social, seja do imaginário. Tudo se

refere ao ser humano sofredor.

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O pathos,mister essencial do ato terapêutico. Buscando os vetores necessários para

ajudar o ser humano em sua trajetória existencial. Se persistem guerrinhas territoriais

por espaço profissional, é porque todos nós sofremos das mediocridades tribais

herdadas de nossos ancestrais nômades que vagavam inquietos em busca de

segurança e sobrevivência. E com isso esquecemos e nos embotamos para a missão

maior que é ser terapeuta. Terapeuta que ajuda o paciente em suas crises, em suas

dores, em suas lesões, em seus impasses, em sua sofrida transformação em

humano.

Freud, a despeito dele e de suas inseguranças psicológicas, não ficou apenas como

líder máximo e o ícone perpétuo da Psicanálise. Tornou-se, como desbravador por

excelência da dimensão simbólica, redentor de uma medicina perdida, aquela dos

tempos hipocráticos que valorizava o doente, acima da doença.Voltamos, com

melhores instrumentos, a poder tratar doentes. Embora esse fato não costume ser

comentado, vejamos como ocorreu essa façanha.

Depois de cem anos de existência, qualquer psicanalista deveria saber pelo menos

duas coisas: 1) o que é psicanálise; 2) o que é o ato psicanalítico. Infelizmente isso

não ocorre. Até hoje repete-se a definição estabelecida por Freud, freqüentemente

sem muita convicção conceitual . Por conta disso criaram-se outras vertentes,

hipóteses, teorias, propostas terapêuticas, técnicas, algumas mirabolantes, outras tão

misteriosas quanto difíceis de entender.

Com isso, formaram-se novas sociedades e institutos formadores e se criaram novos

ícones foram criados,bem como outros tantos dogmas teóricos e técnicos. A eficácia

terapêutica dessas novas propostas não ultrapassa de muito o que já havia sido

estabelecido e muitas repetem velhos conceitos com novos nomes.

Tudo isso denuncia que precisamos mais ciência e menos crença. Há urgência em

estabelecer unidades conceituais para permitir uma crítica adequada em nível

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clínico e teórico, depurando a miríade de fantasias científicas que se criaram em

torno da proposta original de Freud.Não consigo isolar uma ciência separada para a

Psicanálise. É óbvio que todo conhecimento apreendido pela prática e pela teoria

psicanalítica fazem parte da Psicologia e é um ramo dela. Dessa forma deveríamos

buscar uma conceituação sobre o que é mente, objeto de estudo da Psicologia.

Psicanálise, admitindo-se atividade mental inconsciente, é um ramo da Psicologia

que transforma conteúdos mentais inconscientes em conteúdos mentais conscientes.

Há uma técnica (ou várias) que permitem ou facilitam essa transformação.

O processo objetiva produzir consciência e, portanto, maior domínio adaptativo sobre

as operações gerais da vida humana, sejam emocionais, cognitivas, relacionais ou

sociais. Adaptação aqui não é ajustamento,mas a otimização da prática de vida, com

menos dispêndio de energia, mais capacidade de alcançar

objetivos com um menor risco de conflitos. Freud chamou essa instância da vida ,

capaz de produzir atos adaptativos, de ego. O ato psicanalítico pretende, desta

forma, uma ampliação da capacidade do ego, dando a este conceito uma dimensão

material.

Compreendendo-se assim o ato psicanalítico como um instrumento promotor de

consciência, ao lado de outros como o ato pedagógico por exemplo, podemos situar,

no campo médico, o ato psicanalítico como aquele capaz de promover o que

chamamos de prevenção primária. A prevenção primária tem a ver com a

organização da vida para a saúde.

Entende-se, diferentemente do que pensava Freud, que a saúde não é

um bem natural e a doença um acidente que perturba o que deveria ser um programa

geneticamente preestabelecido de bem estar de vida. É preciso que a vida se

organize para viver bem e a mente através de seu ego é o instrumento adaptativo por

excelência desse processo, além dos recursos herdados pelo patrimônio genético.

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Organizações defeituosas tornam-se pouco hábeis para enfrentar os desafios da

vida,sejam eles biológicos, psicológicos ou sociais, comumente uma composição

deles todos. Entram em colapso, ficam incapazes de gerar soluções e submetem o

organismo a estresse gerador de crises homeostáticas, vulnerabilidades biológicas,

desorganizações estruturais, defesas psicológicas patogênicas e comportamento

sociais inadequados. O que costumamos chamar doenças. É assim que o ato

psicanalítico, muito além de seu objetivo original de solucionar conflitos histéricos, é o

construtor em laboratório terapêutico, de um excelente promotor de saúde chamado

ego.

Há teorias que pretendem dispensar o conceito de ego. Creio que confundem esse

conceito com algo. H.Hartman nos ajuda a compreender o ego como um conjunto de

funções. Assim como a mente que só pode ser definida por suas funções. A

pretensão de dar à mente substrato neurobiológico e, portanto,

materialidade, retira dela o que ela tem de essencial que é existir entre as pessoas e

não nelas.

Vida mental é processada entre e não em. A base neurobiológica é evidente, mas

uma coisa é examinar o que se passa entre dois neurônios - nas sinapses - e outra

coisa é examinar o que se passa entre duas pessoas – no vinculo psicológico.Mesmo

usando o recurso ideológico da medicina da época que era - e continua sendo - o

diagnóstico causal, para estabelecer inicialmente a causa dos sintomas histéricos,

remetendo-os às experiências traumáticas prévias, (daí a idéia de limpeza de

chaminé, retirada do caso de Ana O .), ou a fantasias prévias (como no caso de

Dora), a psicanálise com a “Interpretação dos Sonhos” passou a objetivar a uma

construção da vida mental e a técnica psicanalítica passou a recorrer à experiência

psicológica da transferência, que vem a ser, em última análise uma experiência entre,

configurando uma psicologia bipessoal.

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O ato psicanalítico passou tecnicamente a incidir na experiência de relação,

denunciando com isso onde estava o autêntico território da psicologia. Há nesse

aspecto sérios mal-entendidos, especialmente ao que se refere à necessidade

estereotipada de reduzir toda relação terapêutica a uma possível transferência e, em

seguida, poder assim esmiuçar uma interpretação.Tal reducionismo infeliz embota a

capacidade de efetivamente se entrar na autêntica cena mental. É sempre necessário

se estabelecer os vários matizes da experiência emocional de encontro, um dos quais

pode ser a transferência, que por sua vez não é exclusiva do campo terapêutico

psicanalítico. Qualquer relação humana pode contê-la.

O ato psicanalítico, em síntese, é um ato psicológico que emerge da compreensão de

uma cena mental apreendida pela experiência do analista, cena mental patrocinada

pelos integrantes da relação terapêutica e constituída pelos objetos mentais

(fantasmas) desses integrantes. Pretende ampliar o campo da consciência e a

capacidade adaptativa do ego. Essa função pode ser encontrada igualmente na

relação mãe- bebê, na relação professor- aluno, nas múltiplas relações familiares, na

relação entre amigos, na catarse teatral, na

leitura de um livro, na experiência religiosa, na reflexão filosófica.

A vantagem do ato psicanalítico sobre os demais é que este pode ser realizado em

laboratório (consultório) debaixo de controle profissional. Pelo menos, deveria ser. Às

demais experiências, não se exige esse contexto profissional. Até aqui

compreendemos que o ato psicanalítico abriu uma dupla perspectiva para a prática

médica. A primeira refere-se a etiopatogenia de distúrbios psicogênicos do corpo; a

segunda à relação clínica.Examinaremos, em seguida, essas duas contribuições: a

primeira, relacionada à psicossomática e a segunda, à psicologia médica.

Há na atualidade uma dominância neurobiológica nas exposições psicossomáticas.

Independente das contribuições anteriores, foi a Psicanálise, desde seus primórdios

com Freud, que efetivamente produziu uma contribuição médica à formulação

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etiopatogênica psicológica de sintomas somáticos. Ainda no final do século XIX Freud

dissertava sobre neurastenia e neurose de angústia, condições na época descritas

como conseqüentes à distúrbios da prática sexual, a primeira ligada à masturbação e

a segunda ao coito interrompido. Ambas condições diagnosticadas por queixas

físicas, bem específicas.

O caso de Anna O de Breuer está pejado de sintomas corporais; assim como os

demais casos que compõem seus “Estudos sobre Histeria” publicados juntamente

com Freud em 1895. A preocupação em distinguir uma patologia funcional está

evidente no trabalho de Freud sobre “Algumas Considerações para um Estudo

Comparativo das Paralisias Motoras e Histéricas” de 1893, do mesmo ano que

publicava com Breuer “O Mecanismo Psíquico dos Fenômenos Histéricos”. É

interessante lembrar que a palavra neurose, na época, designava um distúrbio

somático do sistema nervoso e a preocupação de Freud consistia em demonstrar a

natureza psicológica, causal, desse distúrbio. Cometemos freqüentemente o

equívoco de transportar nosso esquema

conceitual atual para o passado, quando nele apenas se esboçava, com muita

dificuldade, o panorama psicológico das múltiplas queixas somáticas dessas

neuroses. A rigor, a descoberta da Psicanálise foi uma descoberta psicossomática.

Descobria-se o território da dinâmica mental, abrindo-se a porta das múltiplas

manifestações somáticas das neuroses.

Aparentemente, Freud não se interessou pelas conseqüências efetivamente

psicossomáticas de suas descobertas, psicossomáticas no sentido de enveredar pela

medicina clínica e incluir na fisiologia das doenças físicas uma psicopatologia

psicodinâmica, em outros termos, questões psicológicas relativas ao balanço

consciente/ inconsciente presentes nas doenças do corpo. Foram seus discípulos

imediatos que perceberam essa relação com a Medicina em geral, notadamente Felix

Deutsch, Otto Fenichel, Georg Groddeck e finalmente um emigrante para os Estados

Unidos, também discípulo direto de Freud, Franz Alexander. Este, depois de passar

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pela Califórnia radicou-se em Chicago onde fundou seu famoso Instituto de

Psicossomática, cujos trabalhos tiveram repercussão mundial. Daí em diante

pulularam trabalhos psicanalíticos psicossomáticos em todo mundo. Na Argentina,

Angel Garma, Arnaldo Raskowski, Marie Langer, Luiz Chiozza, entre muitos, e aqui

no Brasil, notadamente Danilo Perestrello.

A natureza desses trabalhos pioneiros foi estabelecer a causa psicológica de

entidades mórbidas tão diversas como vitiligo, úlcera péptica, enfarte do miocárdio,

artrite reumatóide, hipertensão arterial, lupus erimatoso, e múltiplas manifestações de

câncer, apenas para citar algumas. Possivelmente todas as

especialidades médicas com suas patologias passaram pelo crivo da interpretação

psicanalítica, no afã de uma nova “corrida do ouro”, desta vez psicológica, quase na

crença mítica que poderíamos descobrir a

palavra curativa do sofrimento humano. George Engel estudou 5.000 casos de

portadores de colite ulcerativa.

Flanders Dunbar esmiuçou-se em descrever personalidades pré-mórbidas de um

grande número de doenças. Úlceras do estômago ao colo, psoriáticos, coronarianos,

artríticos, cancerosos e outros tantos, foram brindados com estudos minuciosos de

seu psiquismo consciente e inconsciente, de seus conflitos, de sua história, de seu

ambiente familiar e receberam longos tratamentos psicanalíticos, individuais e em

grupos. Muitos pacientes se beneficiaram, outros não.

Mas o entusiasmo pela psicanálise de pacientes somáticos era grande,

especialmente nos anos 60 e 70. O clínico comum, contudo, via com desconfiança

esse entusiasmo e, não raro, desprezava e se opunha a esses esforços

psicanalíticos, salvo quando passavam eles próprios por análises pessoais ou eram

amigos chegados de algum analista interessado em psicossomática.Esse vínculo

pessoal, conferindo qualidade científica a uma proposta terapêutica, não beneficiou o

desenvolvimento da pesquisa psicossomática. Ao contrário, favorecimentos

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institucionais só exaltaram os ânimos tanto do lado das instituições médicas, quanto

das próprias instituições psicanalíticas, na maioria execrando os comprometimentos

dos psicanalistas com a universidade e aos hospitais de ensino como transgressões

à psicanálise e como desvios imperdoáveis da técnica. Faltou, mais uma vez, efetiva

qualidade científica a essas propostas, consubstanciando seus achados e

afirmações, em geral de natureza empírica, com verificações críticas.

A crescente popularidade das pesquisas neurobiológicas e dos estudos do estresse

social empurraram, nas últimas duas décadas, a proposta terapêutica da psicanálise

destinada às síndromes funcionais da medicina interna e das entidades mórbidas já

consagradas como beneficiárias da intervenção psicanalítica (vg, úlcera péptica,

colite ulcerativa, hipertensão essencial, enxaqueca, artrite reumatóide, asma

brônquica, psioríase, entre outras), ou para o esquecimento, ou para aquela vala

comum das possibilidades terapêuticas obscuras, com desconfianças de semi-

charlatanismo, afins das terapêuticas alternativas.

Concorreu para isso a dispersão teórica da concepção psicanalítica e a precariedade

de formação científica dos profissionais comprometidos com a tarefa, claro, com

notáveis exceções.É interessante verificar que nesse mesmo período, não só nos

congressos oficiais de Psicanálise como,

especialmente, nos congressos e publicações psicossomáticas ,começaram a

escassear trabalhos psicanalíticos relacionados a doenças do corpo, assim como

trabalhos sobre a imagística do corpo, comuns nos tempos que poderíamos já

chamar de clássicos da psicossomática psicanalítica, como os de Paul Schilder sobre

o “esquema corporal” ou os de Tomas Szasz, sobre o “membro fantasma”.

O Psycosomatic Research, órgão oficial do College of Psychosomatic Medicine

tornou-se um repertório importante de publicações relativas aos avanços

neuroquímicos em psicossomática. Quase nada sobre psicanálise na

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medicina do corpo, assim como em outras revistas consagradas, inclusive nossa

Revista Brasileira de Psicossomática. Se computarmos, é possível que a Revista

Brasileira de Psicanálise publique mais sobre medicina do corpo que a Revista

Brasileira de Psicossomática sobre Psicanálise. Sinal de que a Psicanálise perdeu o

prestígio e credibilidade científica? Nem tanto. Está sim mal administrada, mal

divulgada e possivelmente mal praticada. Certamente o conhecimento psicanalítico

precisa urgentemente de psicanálise.O patrocínio da economia global às pesquisas

neuroquímicas em suas aplicações aos distúrbios funcionais do corpo serviu também

para empurrar para o banco de reserva a psicanálise e suas aplicações nitidamente

médicas.

A relação entre a angústia e a depressão e a concentração de intermediários

químicos nas sinapses tem deixado a teoria psicanalítica em dificuldades.

Especialmente porque o próprio Freud em suas exposições básicas apontava para a

possibilidade de se encontrar uma explicação química às etiologias que propunha.

As mesmas explicações etiológicas, que no texto original psicodinâmico, inspiraram a

chamada “Escola Psicossomática de Paris”, até há alguns anos por Pierre Marty e

inspirada nos trabalhos deste e dos de M’ Uzan, principalmente, expondo a teoria do

pensée opératoire, bastante semelhante ao conceito de alexythimia desenvolvido em

Harvard, particularmente por Peter Sifneos.

São exposições atraentes de natureza psicodinâmica, nem sempre coincidentes com

a ortodoxia psicanalítica. Peter Sifneos,por exemplo,foi excluído da Sociedade

Psicanalítica de Boston, provavelmente mais por suas propostas de psicoterapia

breve.

Angústia e depressão, desde as primeiras notáveis exposições clínicas de Freud,

estavam no cerne da explicação etiológica das neuroses. Tentava-se assim explicar,

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através da psicodinâmica, da etiologia das fobias, das obsessões, da melancolia, com

uma tímida inserção na paranóia. Pode-se perceber que o desenvolvimento desse

texto teórico inspirou Melanie Klein a criar o conceito da posição esquizo- paranóide e

posição depressiva.

Enfim, toda psicanálise precisa da explicação de angústia e da depressão. Reduzir

essas entidades à intermediação neuroquímica das sinapses não deixa à Psicanálise

nenhum outro refúgio senão tornar-se uma exposição semântica, bastante abstrata,

tão ao gosto da escola lacaniana.

É interessante observar que toda psicossomática psicanalítica, particularmente a

“Escola Psicossomática de Paris” dependem da manutenção da explicação

psicodinâmica da angústia e da depressão, duas manifestações sintomáticas

universais do sofrimento mental. Se ambas forem esgotadas pela

neuroquímica,realmente teríamos o imenso acervo bibliográfico psicanalítico,

acumulado no século XX confinado à arqueologia cultural e, sem dúvida, os achados

psicanalíticos mereceriam apenas o prêmio Goethe. Seria esse o fim da Psicanálise e

o fim da psicossomática psicanalítica? Ou está faltando alguma nova brecha

epistemológica?

Qualquer psicanalista medianamente culto e preparado ficaria indignado diante dessa

perspectiva sombria de extinção de sua especialidade, assim como os socialistas

ficaram atônitos diante do fracasso da União Soviética, mutatis mutandis. O fato é

que há mais de vinte anos a representatividade de Psicanálise nos Congressos de

Psiquiatria e nos Congressos de Psicossomática baixaram a um nível insignificante.

A explicação relativamente simples desse acontecimento infaustoso não passou

desapercebida a muitos críticos da Psicanálise e da própria Psicossomática John

Klauber, por exemplo, seguindo paralelo a epistemólogos que classificaram a

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Psicanálise como ciência hemenêutico -dialética lembrava o parentesco da

Psicanálise com a História, e que ambas seguiam métodos de investigação afins.

A Psicanálise, com efeito, não é uma ciência de Natureza, não segue parâmetros

aplicados a esta, segue sim, parâmetros das chamadas ciências culturais, desde o

início do século XX, designadas por W. Dilthey por ciências do espírito.Classificá-la

não resolve o problema, mas permite abrir uma nova porta epistemológica, não para

salvar a Psicanálise dessa aporia em que se meteu, mas para livrá-la de seus

equívocos originais, verdadeiros males de raiz.

Uma delas, a que nos interessa, é seu comprometimento com a explicação etiológica.

A explicação etiológica garantiu durante séculos a credibilidade da prática médica,

desde os tempos hipocráticos. E seria um consumado atrevimento questionar essa

tradição. Mas, às vezes, é obrigatório enveredar por atrevimentos.

O problema a ser examinado não é exatamente a noção consagrada da etiologia na

patologia, mas os procedimentos decorrentes dela. Explico. Todos nós estamos de

acordo que determinados agentes provocam, mantêm, desencadeiam, estimulam

distúrbios, lesões, alterações, transformações em nossa vida,manifestando-se em

nosso corpo, em nosso imaginário, em nosso comportamento social, isso o que nós

chamamos doença.

O raciocínio subseqüente de que eliminando o agente (causa) desse distúrbio ou

doença, eliminamos essa doença é incorreto. É tão incorreto que, não raro, no afã de

eliminar os agentes provocadores de doença, eliminamos também o doente. Doença

e saúde, como já insistimos antes, não são elos exclusivos de uma cadeia causal,

mas fazem parte de organizações complexas, sistemas, para utilizar uma

nomenclatura mais moderna.

Page 22: Trab Saude Mental Arrumado

19

O equívoco da Psicanálise foi tentar manter uma postura terapêutica etiológica na

abordagem dos sofrimentos mentais. Muitos psicanalistas preocupados com essa

vulnerabilidade da teoria psicanalítica trataram de questionar a curabilidade do ato

psicanalítico, trataram de separar o ato psicanalítico do ato médico, na suposição que

o ato médico pressupunha a cura; Mais alguns equívocos: o primeiro, dissociar a

Psicanálise da Medicina e o segundo, supor que o objetivo do ato médico é

exclusivamente curar o doente de uma doença.

Lembramos que o ato médico é destinado basicamente a promover saúde, proposta

muito mais complexa do que apenas eliminar doenças e essa proposta está

exatamente no âmago da proposta psicanalítica. Para isso devemos sempre destacar

que promover saúde é muito mais que eliminar doenças.

Saúde é um conceito existencial, enquanto doença é um conceito biológico.

Existência inclui necessariamente a experiência do existir percebido pela “pessoa” do

doente. É o que assinalou Danilo Perestrello em seu inspirado texto “ A Medicina da

Pessoa”.

Essa é a razão porque médicos, na ausência de achados anormais biológicos,

afirmam que o doente não tem nada. Não tem nada, mas continua doente

da existência. Seu ego, continua doente; seu imaginário continua doente; suas

relações humanas continuam doentes. Sua vida, enfim, continua doente. Deverá o

médico comprometido com uma visão biológica exclusiva, afirmar que o doente não

tem nada, ou aprender a tratar males existenciais? A Psicanálise tem a resposta. Mas

estava tão envolvida com o campo etiopatogênico que não se deu conta que já havia

fabricado a resposta e que ela estava em uso há praticamente meio século. A

questão psicossomática comprometida com a Psicanálise não deveria se esgotar na

pesquisa de causas de doenças do corpo, mas nos atos psicológicos de natureza

psicodinâmica comprometidos na assistência.

Page 23: Trab Saude Mental Arrumado

20

Medicina é relação médicopaciente,além de diagnóstico de doenças.E se a

Psicanálise foi efetivamente mestre em algo, o foi no estudo da relação humana. Aí

ela é senhora absoluta. Não há intermediário químico que a prive desse seu lugar

privilegiado. Esse é o lugar da Psicologia Médica. Psicologia Médica é o braço clínico

da Psicossomática. É indiscutível seu compromisso teórico com a psicodinâmica

psicanalítica. Sequer ela seria compreensível.

Compreendemos, hoje, que a Psicossomática ocupou-se da patogenia de distúrbios

psicogênicos com repercussões no corpo, enquanto a Psicologia Médica, baseada

em princípios psicodinâmicos da prática psicanalítica, notadamente a noção de

campo terapêutico transferencial / contratransferencial, em outros termos a

experiência emocional de natureza inconsciente que está presente na relação

médico- paciente de qualquer especialidade médica, ou melhor ainda, em qualquer

ato assistencial, ocupa-se de como operacionalizar os conhecimentos advindos da

psicossomática. Aqui vale esmiuçar a fenomenologia do ato psicanalítico para torná-

lo nítido em sua inserção na prática médica.

Afirmava antes que o ato psicanalítico emerge da cena mental. Para entendermos o

que é uma cena mental,primeiro precisamos diferenciá-la da cena real. A cena real é

aquela revelada pela sensopercepção e passível de ser compartilhada. Ela é

acessível em seus aspectos essenciais a todos os que a contemplam.

A cena mental não é acessível pela sensopercepção. Ela é comunicada pelos

recursos da comunicação,mas seu conteúdo é apreendido pela interpretação, porque

faz parte de conteúdos emocionais.A cena mental é afim ao processo primário de

pensar como exposto por Freud na “Interpretação dos Sonhos” e desenvolvido em

termos teóricos no modelo de abcissas e ordenadas (“a grade”) de W..R.Bion.

W. Baranger, partindo de Melanie Klein, descreveu um lugar onde os “objetos

mentais” encenavam e praticamente tinham vida própria, cena que podia se

Page 24: Trab Saude Mental Arrumado

21

reproduzir na relação psicanalítica, o que denominou campo transferencial/

contratransferencial. Tais objetos, restos de relações especialmente primitivas,

podiam exercer tal influência sobre a experiência mental como para produzir

identificações e luto grave, quando de sua perda. Leon Grinberg ocupou-se

particularmente desses aspectos em seu conhecido volume dedicado a “Culpa e

Depressão”

A cena mental é a intimidade emocional em constante mutação, mercê das novas

experiências, mercê das vicissitudes que os chamados objetos internos passam.

Como se fora um enorme palco onde transitam, num espaço virtual, os personagens

fantásticos da biografia de cada um. Imprimem destinos aos seus portadores bem

como sofrimentos, alegrias, proteções e confortos. Reais ou não, pouco importa.

Importa que exercem efeitos bem reais, às vezes mais reais que a própria realidade.

É como se fora uma prótese de percepção da realidade, conferindo a ela os matizes

individuais como cada qual percebe emocionalmente o mundo que o cerca, natural,

psicológico ou social.

A cena mental só é evocada quando estamos em relação com alguém, ou com

nossos personagens mentais, esses que fazem parte de nossa intimidade emocional.

A cena mental é a expressão mais acessível de nossa intimidade emocional.

Entenda-se que vida emocional representa a trama de relações e é a forma pela qual

cada um estabelece vínculos, vínculos construídos ao longo da vida e que organizam

um nível virtual - mental - aquilo que em biologia (particularmente, etologia)

representa o espaço de segurança.Espaço de segurança indispensável para as

operações básicas de sobrevivência e da transformação geradora de adaptações

exitosas.

Para entendermos melhor, precisamos de um modelo concreto e aqui vou me servir

da máquina PC,utilizada na informática domiciliar, com seus dois componentes

Page 25: Trab Saude Mental Arrumado

22

básicos: o hardware e o software. O hardware vem com seu programa da fábrica e

pode executar exclusivamente o que o fabricante propôs, tal como o genoma só pode

executar o que estabeleceu seu programa genético. Diferentemente, o software

amplia a capacidade do hardware, eventualmente o modifica, é modificável, assim

como atualizável,podendo ser ampliado.

Nossos programas software constituem essas cenas mentais que são a base das

operações do que convencionamos chamar “ego”, programa que ampliou

consideravelmente a capacidade adaptativa de nosso genoma. Reduzir um ao outro é

ignorar as conseqüências biológicas da interação humana e pensar que elas estão

contidas nos limites estreitos da bioquímica e da neurofisiologia. O ato psicanalítico

age na cena mental, portanto, no software. O ato psicofarmacológico age no sistema

nervoso,portanto, no hardware.

Essa diferença é fundamental para estabelecermos o lugar de competência de cada

procedimento. Seria equivalente a afirmar que podemos aprender uma língua através

da administração de tal ou qual derivado de neurotrofina ou através de algum

estímulo neural. Pode ser o sonho onipotente de algum terapeuta ou de algum

visionário de ficção científica, muito necessitado aquele de uma boa análise para lhe

arrefecer as ilusões e concentrá-lo melhor no quotidiano da realidade humana, e ser

útil aos seus pacientes. “Pé no chão”, como diria a vovó em sua simplicidade.Por que

a cena mental é a expressão mais acessível da vida mental de alguém? Bion e

Winnicott separadamente deram explicações psicodinâmicas coincidentes, ambos

concordando com idéias prévias de Freud.

A experiência emocional precisa ser sonhada, ser objeto de revêrie fazer parte dos

elementos α(alfa), para estabelecer contato com o outro. Poderia aqui aventar (com

bastante timidez) que uma das funções do sonhar, além do classicamente exposto

(manter o sonhante dormindo; atender alucionatoriamente ao desejo e elaborar

traumas), é criar recursos para promover vínculos, indispensáveis para a renovação

Page 26: Trab Saude Mental Arrumado

23

das funções mentais. Nesse sentido a fantasia, o sonho, o devaneio,as ilusões

servem não só para nos manter alheios à realidade e presos às tramas de vínculos

passados, mas recondicionando a experiência com o passado, permitir novos

acessos no presente e, desta forma, garantir o futuro. É o que realiza nossa

criatividade, habilidade capaz de fluir com desembaraço pelo mundo dos sonhos.

Assim, se quisermos estabelecer contato com alguém, não é por via da informação

fornecida por esse alguém que dele nos aproximamos, mas por via da cena mental

que nos oferece, na medida em que permite acesso emocional.

É assim que a Psicanálise se transformou, na medida dessa evolução, de um estudo

da patologia da neurose para a dissecção psicodinâmica do encontro terapêutico, e,

em conseqüência, do encontro humano.

O “Eu e Tu” de Martin Buber, encontrava eco teórico na faina psicanalítica de

entender o espaço transcendente formado pelo encontro da experiência mental,como

numa composição surrealista de fusão de duas biografias no espaço virtual formado

por elementos de sonho. E é aí que o psicanalista deverá procurar os recursos para a

reformulação e ampliação da capacidade do ego e é aí que a Psicologia

Médica,baseada na dinâmica psicanalítica, vai encontrar subsídios para promover a

saúde, através da otimização psicológica da prática assistencial, ampliando a

capacidade mental dos personagens comprometidos na terapêutica: médicos,

assistentes, a família e o próprio paciente.

Foi Michael Balint, a partir de 1949 na Tavistock Clinic em Londres, quem lançou as

bases conceituais para uma Psicologia Médica, aparentemente com procedimentos

despretensiosos reunindo pessoal comprometido na assistência para realizar a

conscientização dos aspectos inconscientes - irracionais, portanto - envolvidos no ato

assistencial.

Page 27: Trab Saude Mental Arrumado

24

Hoje temos vasta literatura a respeito, uma Federação Internacional de Grupos Balint,

e uma nova designação terapêutica e educacional: o grupo Balint I.L. Luchina, na

Argentina, utilizou o processo para desenvolver suas idéias de interconsulta médico-

psicológica,como uma “terapia da tarefa assistencial” e entre nós, Danilo Perestrello,

este autor e Júlio de Mello Filho. A meu convite, na inauguração da Associação

Brasileira de Medicina Psicossomática, durante a I Reunião Nacional de Medicina

Psicossomática realizada em nossa Academia Nacional de Medicina, em

1967,convidei Michael Balint para presidi-la como Presidente de Honra. Havia um

propósito nisso. Era inaugurar a Psicossomática brasileira sob a bandeira do estudo

da relação médico- paciente, visando a longo prazo, a prática humanizante da

terapêutica.

O que sou, ou quem sou, é pergunta que remonta à Gênese bíblica. Tentando a

resposta Eva, transgrediu o mandamento divino e provou o fruto da árvore do

conhecimento. Parece que não obteve uma resposta muito clara, pois precisou da

cumplicidade de Adão. Estamos procurando a resposta até hoje, passando pelo

pórtico do Templo de Delfos, que o recomendou para todo o sempre como o máximo

objetivo de vida.

Essa resposta poderia contemplar o antropólogo moderno com o conceito de

humano. Qual é de fato a característica desse macaco sem rabo que pretende

dominar o Universo? Já, praticamente, subjugou seu planeta de origem e com seu

poder já pode destruí-lo. Será essa a característica do humano: ter uma ambição por

um poder que possa ultrapassar sua própria natureza? Ou como dizem os místicos,

somos a ante-sala do movimento entrópico de Deus em seu momento de retorno à

Sua essência? Ou,darwinianamente,somos apenas mais um elemento da escala

evolutiva da vida? Ou um ser feito de matéria e espírito, como definiu Descartes? Ou

nossa natureza é impossível de ser conhecida - um noumenos transcendente,

parafraseando Kant?

Page 28: Trab Saude Mental Arrumado

25

Um pouco de Descartes, um pouco de misticismo e um pouco de Darwin nos ajuda a

compreender a característica do existir humano que é possuir consciência. Se essa

consciência é um sub produto da mecânica físicoquímica do cérebro, ou se foi

agregada à matéria através de caminhos espirituais, pouco importa para

entendermos a natureza humana. A realidade da consciência é uma evidência

acachapante.

Quando um bebê nasce, esperamos que ele fale, pense, aprenda, comunique-se e

intervenha na cultura,seja na precariedade tosca de um mundo rural primitivo, seja

num sofisticado laboratório de uma universidade. Quem não sabe pensar, aprender e

intervir na vida é um deficiente necessitado de cuidados.Em outras épocas, objeto da

curiosidade das feiras e dos circos. É um deficiente, digno de pena.Efetivamente um

quase-humano.

Ser humano é ter consciência, desenvolvê-la e participar do contexto humano,

iluminando a ignorância com seus watts de capacidades, dando sua contribuição,

maior ou menor, para tornar, para um ou para muitos, o desconhecido mais

conhecido e nesse afã tornar-se ele próprio mais iluminado. Dar sentido é a tarefa

humana, conseqüência dessa capacidade chamada consciência.

Sentido que produziu a cultura e os bens da civilização. E muito mais que curar

neuroses, Freud descobriu um método de intervir sobre o psiquismo e produzir

consciência. E produzindo consciência tornar aquele ser sob seus cuidados mais

humano. É esse aspecto que me parece a mais extraordinária participação do ato

psicanalítico na tarefa médica. É ela que pode tornar a tarefa médica, tão voltada

para os aspectos mecânicos da vida, mais humana e desta forma geradora de

instrumentos mentais capazes de produzir maior capacidade adaptativa.Tornar-se

consciente é a essência do ato psicanalítico e é também a essência do tornar-se

humano.Tornar-se consciente é também um ato político. Através dele - ser

Page 29: Trab Saude Mental Arrumado

26

consciente - tornar -se hábil para participar e ter voz no contexto cultural, entendê-lo,

recriá-lo, ampliar seu acervo, contestá-lo, aperfeiçoá-lo.

Deixa de ser um consumidor passivo do passado e um catador de lixo da civilização.

Consciência é pré- condição de liberdade. Livre, pode transfigurar suas instituições à

sua imagem - a imagem de uma existência livre. Não será assim que se constrói uma

sociedade justa? Não se pense, contudo, que a Psicanálise é finalmente a fórmula

salvadora para essa humanidade oprimida desde que plantou as primeiras sementes,

milênios atrás,às margens do Eufrates. É apenas mais uma modesta contribuição

para conter esse uivo milenar de dor,expressão de doença social para a qual nossa

medicina hipocrática tem sido impotente.

Mas essa dor atravessou os muros dos hospitais e dos consultórios no século XX,

inaugurou uma Medicina Social,Familiar e do Trabalho e ampliou o campo do ato

médico.Obrigou a mexer na latrina de seus dejetos sociais e o doutor foi obrigado a

ouvir esse uivo, e até a pensar nas reflexões filosóficas a Escola de Frankfurt com

suas especulações sociais vinculadas à Psicanálise. E se tornar um agente de saúde

social, inevitavelmente servindo-se do instrumento psicanalítico para aumentar o

campo de consciência, e se comprometer com maior autenticidade nos atos que

pratica num corpo triturado pelas muitas patologias engendradas nos corredores

sombrios das instituições.

Como ato individual ou social, a intervenção psicanalítica contém outro componente

humanizador, além de produzir consciência. Refiro-me à aceleração do

desenvolvimento, empurrando os dois eixos que estruturam o comportamento para

seus desfechos existenciais: o sonho e o eu.

Se há uma característica essencial na Psicanálise ela se refere a sua capacidade de

interpretar sonhos. Não o faz com a pretensão esotérica de revelar o oculto, mas com

Page 30: Trab Saude Mental Arrumado

27

a pertinácia do pesquisador que decifra um código lingüístico e o converte numa

linguagem corrente.

Avaliada dessa forma o mérito mais notável de Freud foi revelado na “Interpretação

dos Sonhos”, onde ele, com mestria de gênio, condensa o esclarecimento da língua

emocional da humanidade com uma teoria capaz de fundamentar as origens da

formação da mente. É tudo o que se precisava para poder se intervir sobre o espaço

mental e organizá-lo para a vida e para a realidade. Caminhando literalmente para a

depuração da fantasia que obscurece a percepção do mundo que nos cerca. No dizer

de Paul Ricoeur, como um instrumento desilusionante.

Do sonho para a realidade, assim progride o psiquismo da criança para uma vida

mental adulta, tarefa da existência impregnada de decepções, resistências e lutos

pelas ilusões perdidas. Mas que nos garante visão objetiva e essa extraordinária

capacidade de produzir conhecimento sobre a natureza, sobre nossos semelhantes e

sobre nós mesmos. É verdade, com perdas consideráveis do encanto ingênuo das

fantasias infantis, nas quais reincidimos a cada passo, como o próprio movimento

cultural psicanalítico reincidiu,dogmatizando teorias e técnicas de intervenção. O que

vale também para o ato médico, banalizado por injunções comerciais, assim como o

próprio ser humano.

Desmitificar não é banalizar e uma das tarefas da atividade médica, na atualidade, é

desmitificar o ato econômico, e colocá-lo a serviço do ser humano e não acima dele,

como um novo “bezerro de ouro”, acima da existência, tornando tudo o mais

subserviente e desqualificado. A psicanálise tem condições de ajudar o médico a

recuperar a dignidade social da Medicina e, com outros humanistas, recuperar seu

lugar existencial cedido às administradoras do dinheiro.

Page 31: Trab Saude Mental Arrumado

28

Um dos critérios que o leigo costuma fazer ao método psicanalítico é que o paciente

que a ele se submete torna-se “egoísta”. Se de fato isso ocorre, certamente não fez

uma efetiva psicanálise, ou o crítico não entendeu o que é egoísmo. Egoísmo é a

exclusão do outro e a atenção que a pessoa “analisada” dá a si própria é o resultado

de aquisição de identidade.

Nosso eu infantil está diluído nos interesses e no poder de nosso ambiente familiar e

contexto cultural. À medida que formamos uma identidade, nos destacamos do

contexto e deixamos de ser uma extensão do desejo de nossos pais, professores, ou

mesmo analistas. Formamos nossa visão de mundo, nossas concepções,

reconhecemos os nossos sentimentos, nossos desejos adquirem identidade. Não é

uma tarefa simples, pois implica em aquisição de autonomia e consciência das

diferenças inevitáveis.

Ter pensamentos e desejos próprios não significa “egoísmo”, mas identidade. Obriga

a se viver em relação muito além de submissão. Obriga a administrar diferenças e

não impor concordâncias. É interessante que é justamente a pessoa autônoma que

precisa e sabe conviver com o outro. Substitui a dependência infantil pela

interdependência adulta. É curioso esse paradoxo: só na liberdade da autonomia nos

tornamos altruístas, ou seja, voltados para o próximo. Só seres livres conseguem

amar. E ser amados.

Identidade e objetividade é aquisição que está no cerne do ato psicanalítico. Assim

como está no alvo da aquisição da condição humana. Consciência, identidade e

objetividade a definem e nada menos que isso pretende a Psicanálise. Não se

colocando como a solução moderna para as patologias da humanização,mas como

um instrumento auxiliar importante.

Page 32: Trab Saude Mental Arrumado

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CONSIDERAÇÕES PSICOSSOMÁTICAS SOBRE DIABETES: BREVES

REFLEXÕES

O estudo sobre a relação psique-soma é muito amplo, e abrange, pela própria

concepção do termo, áreas distintas do conhecimento. Aqui fundamentaremos o

trabalho principalmente em dois autores, D. W. Winnicott e Luis Chiozza, ambos

pertencentes à psicanálise.

O termo psicossomática deve ser, em primeiro lugar, problematizado, pois

parece indicar a união de duas coisas distintas, sejam elas a Psique e o Soma, o

Corpo.Neste sentido poderia-se pensar que existe somente o corpo, e em outra

instância somente a psique.

Porém, como coloca Chiozza, “soma e psique não são (...) duas realidades

ontológicas distintas que se influenciam reciprocamente. São mutuamente

irredutíveis. Soma e psique são duas categorias que um mesmo existente

inconsciente adquire na consciência” (CHIOZZA, 1997). Gurfinkel sobre as

concepções de Winnicott refere que “a psique e o soma – que formam o esquema

corporal de todo indivíduo – interpenetram-se e desenvolvem-se em uma relação

dialética, e apresentam o paradoxo da diversidade na unidade; ora, um exame mais

atento das proposições do autor não deixa muitas dúvidas sobre a sua posição

monista, já que psique e soma devem estar em continuidade” (GURFINKEL, 1998).

O termo monista aparece em contraposição ao termo dualista ligado à psicanálise

tradicional, em que se compreende o ser humano como dividido em duas instâncias

distintas, que seriam o corpo e a psique.Além das instâncias Soma e Psique,

Winnicott compreende que há uma terceira que também é parte da natureza humana:

a Mente. Desta maneira, devemos olhar para o

fenômeno humano a partir destas três instâncias – Soma, Psique e Mente – e seu

interrelacionamento.

Page 33: Trab Saude Mental Arrumado

30

“Existem o soma e a psique. Existe também um inter-relacionamento de

complexidade crescente entre um e outra, e uma organização deste relacionamento

proveniente daquilo que chamamos mente” (WINNICOTT,

1990). Num indivíduo saudável, estas três instâncias caminham juntas, estão

integradas ao seu self, sendo sentidas como pertencentes a um todo. Esta unidade,

porém, não é dada a priori, é uma conquista de cada indivíduo através da relação

com seu meio ambiente. “ao nascer, soma e psique estão indiferenciados, de forma

que a diferenciação e integração psicossomática são conquistas, desde que tudo

corra bem no desenvolvimento do indivíduo” (GALVAN & AMIRALIAN, 2009).

Sobre a constituição do self no corpo, Safra afirma que “não se deve pensar no

self como organização mental, ou como uma representação de si mesmo, mas como

o indivíduo organiza-se no tempo, no espaço, no gesto, a partir de sua corporeidade.

O self se dá no corpo, o self é corpo” (SAFRA, 2005).

Esta forma de compreender o ser humano tem implicações importantes para o modo

como abordamos o fenômeno das doenças psicossomáticas, aqui em especial da

Diabetes. Deixamos de buscar as causas psíquicas que levariam ao surgimento da

doença para compreender qual o sentido que esta tem na vida destas pessoas que

adoecem desta maneira. “Se nosso pensamento se orienta até a determinação das

causas, sejam estas últimas físicas ou psíquicas (...), nos separaremos da

possibilidade de compreender os motivos, ou seja, o sentido de uma doença em

função da trajetória de vida” (CHIOZZA, 1987).

Ainda sobre esta questão Chiozza afirma que “quando dizemos, então, que todo o

corporal possui um sentido psicológico e todo o psíquico um correlato corporal, não

pressupomos que um fenômeno psíquico se converta em um

corporal ou vice-versa, mas que a própria existência do fenômeno somático está

dotada desse sentido e que a própria existência do fenômeno psíquico possui um

aspecto corporal” (CHIOZZA, 1980).

Page 34: Trab Saude Mental Arrumado

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A Diabetes é considerada uma das principais doenças crônicas que afetam a

humanidade no mundo contemporâneo. De acordo com Franco e colaboradores, a

Diabetes como causa básica de óbitos corresponde a 2,7% em capitais no Brasil.

Entretanto, quando se considera a mortalidade proporcional, agregando o diabetes

como causa básica ou associada, este coeficiente aumenta 3 vezes (FRANCO et. al.,

1988).

De acordo com Obstfeld, “essa enfermidade ocupa (...) o terceiro lugar como ‘causa

mortis’ no mundo” (OBSTFELD, 1975). Desta maneira, fica evidente a importância de

ampliarmos a discussão e o estudo sobre a doença. A Diabetes é “uma alteração do

metabolismo dos hidratos de carbono, provocada por um déficit de insulina (...) ou por

um distúrbio em sua utilização”

(CHIOZZA, 1998).

O corpo não consegue absorver a glicose advinda da alimentação, e esta permanece

no sangue, acumulando-se em quantidade superior à normal, o que pode causar

diversas complicações e levar, inclusive, à morte. Neste momento a questão que

deve ser colocada é se é possível encontrar um sentido neste tipo de adoecimento.

Ele possui características específicas, conteúdos

inconscientes específicos?

Se pensarmos no significado que a absorção da glicose (que fornece energia para o

corpo) através da insulina possui, “podemos supor que a função ‘insulinopancreática’

adquire (...) o valor de um representante da ‘disposição ao gasto energético implícito

no fazer, empreender-se, gerar ou construir’” (CHIOZZA, 1997). Ou seja, a produção

de insulina estaria ligada a uma disposição para o fazer, para retirar da glicose a

energia necessária para tal.

O contrário, no caso do paciente diabetético, indicaria uma “carência

Page 35: Trab Saude Mental Arrumado

32

dos meios que predispõem à realização do gasto energético necessário para a

realização de um trabalho” (idem). Aprofundando este raciocínio, Chiozza refere que

podemos compreender que neste caso há um sentimento de impropriedade, onde o

paciente não sente que suas conquistas foram adquiridas através dos seus próprios

meios (idem).

Se encararmos a glicose como uma riqueza para o corpo, pois dela retiramos nossa

energia, podemos entender que o diabético é rico, ou seja, possui glicose em

abundância em seu sangue, porém sente-se sempre insatisfeito, pois não pode

usufruir dela. Esta riqueza, então, não se torna sua (sentimento de impropriedade).

Sabe-se que a incidência de Diabetes Mellitus, principalmente a de tipo II, é

maior em idosos (TORQUATO et. al., 2003). De acordo com Debray, “quanto às

diabetes de aparecimento mais tardio, parece-nos que o desencadeamento da

doença está em relação direta com uma modificação relativa à configuração externa

dos objetos privilegiados do sujeito” (DEBRAY, 1995).

Mais adiante, coloca que “com o passar do tempo as pessoas têm maior tendência

para responder aos traumas com desorganizações somáticas ao invés de fazê-lo pela

exacerbação de uma sintomatologia mental” (idem).

Ou seja, sabemos que a maturidade traz o enfrentamento de questões muito

importantes,como a finitude, novas estruturas familiares (filhos se casam, falecimento

de irmãos e

pais, etc.), mudanças no corpo, perdas, o que caracteriza uma fase de mudanças e

de crise, uma fase de fragilidade para o adoecimento. Como coloca Dias, “não

podemos desconsiderar o uso do corpo como veículo de expressão do sofrimento,

quando circunstâncias internas ou externas ultrapassam os modos psicológicos de

resistência habitual, além de ser o meio através do qual estabelecemos as relações”

(DIAS et. al.,2007).

Page 36: Trab Saude Mental Arrumado

33

É possível, então, entender que a Diabetes aparecer com maior incidência na

maturidade pode ter um sentido? Sabemos que torna-se importante nesta fase

apropriarse da própria história, olhar para sua própria vida e encontrar o que pôde ser

construído e realizado ou não. É possível que muitos idosos não acreditem ter

realizado algo,olham para sua vida e não encontram nada. A questão da própria

finitude é posta, trazendo todas estas questões à tona. “Winnicott afirma que o morrer

é parte da saúde,parte do processo maturacional. Mas só pode morrer quem existiu,

e existir é acontecer e agir no mundo humano” (SAFRA, 2005). Como é possível

morrer se há um sentimento de que não se viveu?

Surgem relatos de como sentem-se frustrados ao chegar à maturidade e não

terem conseguido aquilo que gostariam – “a casa própria”; “um bom marido”; “a boa

convivência em casa”; “tranqüilidade”; “saúde”. Com freqüência isto é verificado na

clínica com idosos, e parece nos remeter justamente ao que Chiozza expõe sobre

sentimento de impropriedade e sobre o sentimento de não ser dono das próprias

conquistas, como colocado anteriormente.

Buscam encontrar um sentido para o adoecimento, sempre relacionado a um

sofrimento e a perdas, a momentos de vida de fragilidade. Não podemos deixar de

pensar que o paciente possui um conhecimento sobre si mesmo, e que estas

explicações parecem nos mostrar que eles de certa maneira intuem e vislumbram a

Diabetes como uma doença do ser, de todo seu psicossoma, não somente do corpo.

Há que se considerar, também, que as emoções vivenciadas pelo paciente com a

doença influem em seu controle. Parece haver um consenso de que ansiedade,

depressão, etc., alteram a taxa de glicose no sangue, ‘descompensando’ a

doença.“Outro aspecto a ser enfatizado é a influência das emoções no curso da

doença.

Page 37: Trab Saude Mental Arrumado

34

Podemos estabelecer uma relação entre falta de controle e complicações, que parece

estar ligada ao tipo de ansiedade que o paciente experimenta. Portanto, para ter uma

vida ‘normal’ o diabético depende, em certa medida, de como lida com angústia,

medo, raiva, e culpa, ou seja, depende da capacidade do paciente elaborar o luto”

(HELENO,1991). Isto fica evidente no discurso dos pacientes, que referem que

quando sentem muito “nervoso”, “irritação”, “raiva”, “ansiedade”, “tristeza”, sua

Diabetes descompensa.

Quando levantamos todas estas questões sobre os sentidos deste adoecimento,não

queremos dizer que é possível construir um “perfil psicológico” dos pacientes

diabéticos. Em nosso trabalho, partimos de uma premissa fundamental: cada ser

humano é único, com sua própria história e modo de ser. Não é possível relacionar-

se com alguém se acreditamos que já o conhecemos antes de haver um encontro.

Sendo assim, ao tratar de um paciente diabético buscamos ir de encontro às

necessidades daquele paciente naquele momento, não tratar de algo que julgamos a

priori ser importante para todo paciente diabético tratar. Porém estudos como este

nos auxiliam em nossa prática, pois encontramos em muitos pacientes sofrimentos

advindos destas questões levantadas.

Neste sentido podemos dizer que o homem é maior que toda teoria

que busque explicá-lo, e que não é possível qualquer teoria abarcar toda a

complexidade do fenômeno humano.

Fica evidente que muitas outras questões estão envolvidas neste processo de

adoecimento psicossomático tratado aqui. O caráter breve do presente trabalho,

porém,impede maiores aprofundamentos. Percebe-se a necessidade de mais

estudos sobre o tema, que revela-se muito importante não somente para psicólogos e

equipe de saúde,mas para a população como um todo.

Page 38: Trab Saude Mental Arrumado

35

Ser e o Diabetes

Auto Imagem do Diabetes

         Para Freig (2001) esquema corporal é como uma tomada de consciência formal

da pessoa no seu mundo das sensações, ou ainda uma maneira de expressar que

seu corpo está no mundo. Entendendo o técnico que é o núcleo fundamental da

personalidade, sendo a partir dele que são organizados todos os comportamentos e

condutas. Ressalta Freig que o esquema corporal não é compreendido só por

imagens, mas em especial por relações, pois envolve a relação entre espaço gestual

e espaço entre objetos.

         Para Cabral (2001) a imagem inconsciente do corpo, substrato do psiquismo

inconsciente, ultrapassa o real do corpo e começa a marcar-se por traços, através de

percepção sutil, constituindo os primeiros significantes. Ressalta Cabral que se trata

de um traço estrutural da história emocional de cada ser humano gravado a partir de

suas percepções sutis com os outros, que são significativas para cada um.

Acrescenta ainda que seja uma expressão inconsciente, a partir do qual é elaborada

toda expressão da pessoa.

         Já Capisado (1992) acredita que "a imagem do corpo" estrutura-se em nossa

mente, no contato da pessoa consigo mesmo e com o mundo que a rodeia. Sob o

"primado" do inconsciente, entram em sua formação contribuições anatômicas,

fisiológicas, neurológicas, sociológicas, etc... Todos os teóricos, contudo, concordam

que a imagem corporal não é mera sensação ou imaginação. É a figuração do corpo

em nossa mente.

 

Page 39: Trab Saude Mental Arrumado

36

Construção da Imagem Corporal

         Angerami (1992) explica que o corpo pode ser considerado, em sua construção

como unidade, destacando-se massa pesada com orifícios, cavidades e

protuberâncias, desenvolvidas em superfície e contorno. Dentro desta unidade, o

teórico afirma que se desenvolvem sensações que podem ser compreendidas em

quatro níveis diferentes, interligados. O primeiro seria fisiológico, medular, simpático e

periférico. O segundo ligados às atividades focais do cérebro. O terceiro diz respeito

às atividades orgânicas gerais, relacionadas a região cortical. O quarto nível seria os

processos que ocorrem na esfera psíquica com influencias contínuas no soma.

Angerami acrescenta que estes diferentes níveis em interação psicofisiológicas

contínua interferem no modelo postural do corpo, caracterizando nossa vida.

                  A vida emocional goza de importância básica na construção do modelo

postural do corpo, o autor ressalta que basta dizer que o contorno da imagem

corporal é conferido pelo bom desenvolvimento dos níveis afetivos e libidinais.

         Calmon (1998) chama a atenção que do ponto de vista psicanalítico, a imagem

corporal é construída através da interação entre o ego e o id, em integração continua 

das tendências egóicas com as tendências libidinais.

Page 40: Trab Saude Mental Arrumado

37

Diabetes e a Compreensão do Eu

O diagnóstico de diabetes é um evento vital altamente estressante, que requer um

alto número de acomodações mentais e físicas. O paciente deve aprender a lidar com

uma dieta complexa diariamente e passar a sofrer diversas intervenções médicas. O

estilo de vida, trabalho e escola devem ser alterados. Todas estas mudanças

consomem muita energia, tanto da família quanto do paciente. As mudanças

psicológicas incluem um ajuste a uma nova visão de si, e ao golpe narcísico sofride

pelo EU: a visão que muitos de nós temos de que somos invencíveis é esmigalhada e

dói coletar os cacos do antigo Eu para formar uma nova identidade.

Depressão

A depressão é uma das mais comuns complicações do diabetes, com prevalência

cinco vezes maior nos diabéticos do que na população em geral. Diabéticos com

depressão major apresentam alta taxa de recorrência de episódios depressivos em 5

anos e uma pessoa deprimida não tem energia ou motivação para manter um bom

controle do diabetes. O próprio estresse da depressão pode levar a hiperglicemia em

diabéticos.

No caso de crianças e adolescentes com diabetes, crianças cujos pais são mais

críticos em seus comentários têm pior controle da glicose. Paradoxalmente, super

envolvimento emocional entre os membros da família e a criança diabética não

acarreta pior controle (Koenigsberg et al. 1993).

Adolescentes diabéticos apresentam maior ideação suicida quando comparado com

seus pares e aqueles com ideação suicida não tomam cuidados adequados. Lembrar

que adolescentes suicidas diabéticos têm em seu poder um perigoso medicamento

que em altas doses pode levar a óbito.

Estudos recentes sugerem que o tratamento eficaz da depressão pode melhorar o

controle glicêmico. (Lustman et al. 1997). No caso de depressão, o paciente deve

Page 41: Trab Saude Mental Arrumado

38

procurar ajuda especializada e tratamento, que pode consistir de psicoterapia (casos

mais leves) ou medicação. Para evitar a depressão ou para os que já a tiveram e

querem evitar recaídas, psicoterapia, técnicas de relaxamento, lazer, praticar

esportes, analisar o estilo de vida e reduzir o estresse são técnicas efetivas.

Alterações psicológicas

Muitos dos recém diagnosticados com diabetes passam pelos típicos estágios de

luto: negação, raiva, depressão e aceitação.

Negação: é um dos estágios mais perigosos e pode ocorrer mais de uma vez, com

pacientes espiralando de volta a esta fase várias vezes. A fase de "lua de mel"*,

associada ao início de um quadro de diabetes tipo 1 pode reforçar esta fase, que é

bastante comum em adolescentes diabéticos.

   

A "fase de lua de mel" é um período de tempo logo após o diagnóstico do diabetes

tipo 1 no qual há uma melhoria na produção de insulina pelo pâncreas. Esta é uma

situação temporária, e não melhoria, cura ou remissão da doença.

Raiva: um paciente com diabetes tipo 2 que está a tentar emagrecer pode invejar

pessoas mais obesas que estão saudáveis. Mecanismos de defesa como

deslocamento, no qual o paciente fica extremamente irritado com observadores

inocentes, pode ocorrer. Cuidado  pois a raiva pode alterar drasticamente os níveis

de glicose.

Depressão: sentimentos moderados de depressão são parte normal do processo de

luto. Se se tornarem pervasivos ou prolongados, assistência especializada deve ser

procurada.

Aceitação: o paciente finalmente aceita a doença e acalma-se. Alguns podem voltar

Page 42: Trab Saude Mental Arrumado

39

ao início deste ciclo e começar de novo, pela negação. Isso pode ocorrer

particularmente após fatores estressantes de vida (complicações clínicas, etc).

Ansiedade

Quadros de ansiedade podem causar grandes variações dos índices glicêmicos.

Ataques de pânico podem se assemelhar a episódios de hipoglicemia e vice-versa.

Quando em dúvida, trate a todos como episódios de hipoglicemia e os níveis devem

ser monitorados de perto, particularmente em períodos de grande estresse.

Da mesma forma que para quadros depressivos, diversos tratamentos são oferecidos

quando um diagnóstico de transtorno de ansiedade é estabelecido. Técnicas de

relaxamento e outras ajudam a impedir o desenvolvimento ou a reduzir o risco de

recaídas nestes quadros.

Transtornos Alimentares

Os transtornos alimentares são pouco discutidos nestes pacientes, mas pais e

profissionais de saúde devem estar alertas. Adolescentes diabéticas com alterações

da imagem corporal podem desenvolver Bulimia. Ao invés de vomitar ou fazer

exercícios extenuantes, como as outras pacientes, diabéticas podem passar a

negligenciar as doses de insulina, o que leva a graves complicações como a

retinopatia diabética e a cetoacidose diabética, que pode causar coma e morte.

Adultos com diabetes tipo 2 e obesidade, que não conseguem aderir a um regime

dietético devem ser investigados para Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica,

no qual o paciente come excessivamente (Binge) mas não apresenta episódios

purgativos.

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40

REAÇÕES PSICOLÓGICAS À DOENÇA E AO ADOECER

A passagem do indivíduo da situação de sadio para a de enfermo, qualquer que seja

essa passagem, modifica a sua relação com o mundo e consigo mesmo, e, segundo

Spitz(10),"...Implica sempre em repercussões psicológicas tanto nele quanto no seu

círculo familiar e social". A forma como eles reagem à irrupção da doença, qualquer

que seja, geralmente é vivenciada como uma ameaça do destino, em função de

inúmeros fatores da própria patologia, da personalidade do sujeito e de suas

características ligadas aos seus recursos e seus déficits.

Podemos dividir tais reações segundo o ponto de vista:

1) Do paciente:

- regressão: constitui um mecanismo de defesa e adaptação à doença à medida que

permite ao paciente se deixar cuidar pela equipe de saúde, renunciar

temporariamente às suas atividades rotineiras e aceitar a necessidade de

hospitalização, cirurgias e/ou tratamentos a serem efetuados. No início essa

regressão é bem-vinda, mas se ela se perpetua, infantiliza a forma de reagir do

paciente. Por vezes a equipe ou a família favorece a regressão e sua maior

permanência, cabendo à equipe possibilitar que aspectos mais sadios e adultos do

paciente se instalem e recuperem a iniciativa diminuída da doença, ao invés de

cronificar comportamentos regressivos;

- negação: trata-se de uma defesa contra a tomada de consciência da doença, que

consiste na recusa parcial e/ou total do reconhecimento da percepção do fato de

estar enfermo. Essa recusa pode levar a negligências no tratamento, aceite da

natureza, dos efeitos e do diagnóstico/prognóstico da doença;

- depressão: é uma conseqüência psíquica quase inevitável ao se adoecer. É

Page 44: Trab Saude Mental Arrumado

41

importante não confundir os sentimentos de tristeza, desesperança e preocupação

ligados ao adoecer e à internação com quadros leves, moderados e graves de

depressão. Se grave ou moderada, envolve a necessidade de encaminhamento para

o psiquiatra, que poderá prescrever medicação antidepressiva e/ou atendimento

psicoterápico;

- ganhos primários: são aqueles que desempenham papel significativo no

desencadeamento da doença ou na sua própria estruturação;

- ganhos secundários: são os que resultam das conseqüências da doença,

favorecendo a acomodação na doença e na sua cronificação. Os ganhos conscientes

são ligados à compensação social da doença. Os desejos regressivos de

dependência e passividade são ganhos inconscientes, posto que o enfermo se torna

alvo de cuidados especiais;

- adaptação e aceitação da doença: não significa uma aceitação passiva nem uma

submissão à doença. É um processo dinâmico e permanente de tentar buscar uma

convivência razoável com a enfermidade através de um trabalho emocional de

elaboração da ferida narcísica que representa ser doente. Há um processo de

elaboração dos lutos pelas perdas sofridas da autonomia, da saúde, da capacidade

do organismo, etc.;

2) Da família do paciente: há aqueles que, diante da doença, entregam-se a ela,

ficam dominados pela dor, pelo desespero e pela situação vivida como traumática.

Outros lutam pela reestruturação e possibilidade de homeostase do organismo e da

atmosfera do lar, mobilizando defesas positivas para se adaptar e aceitar a doença.

- segundo Burd e Graça(4), isso revela"...atitudes clássicas encontradas em todos os

doentes, principalmente os crônicos e suas famílias: hiperproteção ansiosa, rejeição,

denegação onipotente, aceitação realista da doença";

Page 45: Trab Saude Mental Arrumado

42

3) Da equipe médica: Michel Balint(3) enfatiza a relação estabelecida entre

médico/equipe de saúde e paciente/família, o primeiro remédio no tratamento da

doença e do doente. Se essa relação é positiva, ajuda os envolvidos no seguimento

do tratamento e no controle da doença. Se não se dá tão bem assim, pode ajudar a

perpetuar mecanismos de defesa frente à doença que atrapalham o bom andamento

da terapêutica. Pode perpetuar cronicamente a regressão, a negação ou qualquer

mecanismo mais negativo do paciente/família diante do adoecimento.

Em relação às doenças crônicas, incapacitantes, recidivantes, às potencialmente

fatais, a equipe pode encontrar obstáculos na aceitação das grandes dificuldades dos

pacientes e no prognóstico grave ou de morte dos mesmos. Tendem a se afastar

antecipatória e precocemente dos pacientes e seus familiares, quando eles mais

precisam de um atendimento amiúde e próximo.

Page 46: Trab Saude Mental Arrumado

43

ASPECTOS PSICOLÓGICOS DO DIABETES NA INFÂNCIA

 O diagnóstico do diabetes na criança se apresenta como um grande impacto na vida

de toda família. Nesta fase inicial, os pais experimentam grande abatimento e

ansiedade frente às mudanças que começam a ocorrer com o início do tratamento e

suas novas imposições, como a dieta balanceada, o exercício físico e principalmente

a tomada da insulina, que para muitos pais e filhos é a tarefa mais difícil.

Mesmo sabendo que a injeção de insulina é muito pouco ou nada dolorida, sua

aplicação é culturalmente associada à dor ou ao castigo. Quantas vezes na nossa

infância ouvimos a frase: “Se você sair na chuva e ficar doente, vai tomar injeção...”

É preciso muito cuidado para não transferirmos nossos medos e dificuldades para a

criança. Não podemos esquecer que algo que é difícil de ser lidado por alguém, não

necessariamente acontece da mesma forma com os outros.

O diabetes na criança é geralmente diagnosticado de forma abrupta e, muitas vezes,

a hospitalização se faz necessária. Neste momento, as crianças não conseguem

entender muito bem o que está ocorrendo e algumas até se permitem tirar proveito da

situação à medida que se sentem no centro das atenções perante a família e à

equipe multiprofissional que a está assistindo, pois passa a estar muito mais rodeada

de cuidados e carinho. Sem contar com as novidades do tratamento, como por

exemplo, o aparelho para medir glicemia, variedade de alimentos dietéticos que antes

não eram conhecidos e tão pouco utilizados.

Com o passar do tempo, sentindo-se fisicamente bem, a criança geralmente não é

capaz de compreender o por que da série de cuidados pelos quais se vê cercada e, à

medida que percebem as limitações e mudanças como duradouras e irreversíveis,

podem passar a vivenciar o diabetes como uma agressão ou punição.

Page 47: Trab Saude Mental Arrumado

44

É comum às crianças sentirem-se castigadas pelo diabetes e tentam justificar o seu

diagnóstico através da fantasia de se perceberem más, briguentas com os irmãos,

porque estavam indo mau na escola ou por gostarem e terem comido muito doce.

A ansiedade e o medo encontram-se muito presentes no dia a dia da criança com

diabetes. Podemos perceber que grande parte da resistência em fazer os teste de

glicemia reside na dificuldade em lidar com resultados insatisfatórios para um bom

controle do diabetes, vivenciando o medo das complicações agudas e crônicas.

Não podemos deixar de considerar que a criança tenta presentear a família e os

profissionais de saúde com um bom resultado nos testes, gerando em torno destes,

grande expectativa, decepção, frustração e incapacidade. Tanto os pais, quanto às

crianças, devem compreender que o teste de glicemia não passa de um meio para

que seja tomada uma atitude frente a um determinado resultado, ou seja, uma

resposta dentro de um padrão adequado para um bom controle significa que o

tratamento esta adequado. Um resultado ruim, significa que é preciso que seja

revisto algum aspecto do tratamento para poder torná-lo adequado.

O sentimento de culpa dos pais pelo diabetes do filho, faz com que desenvolvam uma

atitude de excessiva permissividade para com o filho diabético, gerando um clima de

ciúmes e inveja entre os demais irmãos, além de facilitar o desenvolvimento de um

comportamento manipulador e de rebeldia no portador da doença, que passará a

usar o diabetes como uma arma contra tudo e todos.

Faz-se necessário, neste momento, o apoio familiar, principalmente dos pais e da

equipe multiprofissional para que a criança consiga um equilíbrio entre o tratamento,

o conhecimento teórico e pratico acerca do diabetes, amor e limites.

Não se sentindo diferentes das outras crianças e, conseqüentemente, não

desenvolvendo um sentimento de inferioridade por ser portador de diabetes, a

Page 48: Trab Saude Mental Arrumado

45

criança poderá se adaptar, gradativamente, ao tratamento de maneira segura,

independente e feliz.

Grande parte dos problemas psicológicos e sociais da criança com diabetes pode ser

minimizado com o apoio familiar e a compreensão dos aspectos fundamentais do

diabetes e seu tratamento por meio da leitura, de pesquisa e da participação em

Programas de Educação em Diabetes, como por exemplo, as associações, grupos de

estudo, acampamento de férias; todos com o objetivo de desmistificar e banir tabus e

preconceitos relacionados ao diabetes e seu tratamento.

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46

ASPECTOS PSICOLÓGICOS DA DIABETES NO JOVEM

A adolescência é um período de rápidas mudanças biológicas, acompanhado de

desenvolvimentos físico, cognitivo e de maturidade emocional(12). Nesse contexto, o

paciente com DM1 merece cuidados especiais por parte do profissional de saúde que

o acompanha; as limitações e novas responsabilidades que surgem com a doença

podem interferir diretamente no adequado desenvolvimento desse jovem, assim

como o período pelo qual o adolescente está passando pode interferir no seu

tratamento. É plausível que a deterioração do controle glicêmico leve a maior

ansiedade, depressão e perturbação emocional. O mesmo acontece quanto ao

funcionamento familiar e à diabetes(1).

O estresse também é visto como um dos fatores que podem dificultar o controle da

glicemia do sangue e até mesmo levar a um quadro de hiperglicemia, devido à ação

hormonal produzida nessa condição. No entanto, o estresse pode ter efeito positivo

quando permite ao paciente vislumbrar a importância da adesão ao tratamento.

Diversos estudos mostraram a possibilidade de o estresse psicológico ser fator de

risco para a etiologia do DM1 em diferentes períodos de vida. Os eventos negativos

ocorridos nos primeiros dois anos de vida, os acontecimentos que causaram

dificuldades de adaptação e o funcionamento familiar caótico foram ocorrências

comuns dentro do grupo com a doença, podendo ser considerados possíveis fatores

de risco na aquisição do DM1.

Maia e Araújo acreditam que o estresse psicológico pode causar a destruição

imunológica das células beta do pâncreas, causando deficiência na produção de

insulina pelo órgão, que, nesse caso, deve ser administrada pelo paciente(6). Muitas

condições impostas pelo DM podem interferir no desejo adolescente de

independência dos pais e demais adultos. Nesse grupo etário, o desejo por

emancipação pode, algumas vezes, expressar-se por baixa aderência ao tratamento.

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47

Além disso, o diabetes é fator de risco para desordens psiquiátricas nesse grupo

etário. Comparando-se adolescentes com e sem DM, observa-se aumento de 33% na

frequência de desordens psiquiátricas, principalmente depressão e ansiedade. É

interessante notar que, embora a ideação suicida seja mais frequentemente

observada em adolescentes diabéticos, a taxa de tentativas de suicídio se iguala à

taxa da população geral. Adolescentes com episódios recorrentes de cetacidose

diabética apresentam mais chances de desenvolver quadros psiquiátricos(8).

Isolamento social, baixa autoestima, dificuldades de relacionamento e de tomada de

decisões também são comumente citados, refletindo nos sentimentos pessoais

no engajamento com o serviço de saúde e no desenvolvimento pessoal(7).

Considera-se também que a criança diabética é mais susceptível a ter dificuldades de

aprendizagem(13).

Francioni et al. sugerem que a necessidade de tratamento do DM altera a habilidade

individual de se tornar autônomo e lidar com adversidades a longo prazo(5). Assim,

cada vez mais se admite que aspectos emocionais, afetivos, psicossociais,dinâmica

familiar e até mesmo relação médicopaciente podem influenciar o controle do

diabetes. Nesse sentido, é reconhecida a importância dos fatores psicológicos no

surgimento e no controle metabólico do diabetes. Sugere-se que as estratégias de

enfrentamento podem reduzir as condições ambientais desfavoráveis e aumentar as

possibilidades de recuperação, possibilitando ao sujeito a tolerância ou adaptação a

eventos negativos(8).

Os adolescentes geralmente têm mais dificuldades para aceitar a doença quando

comparados a crianças, pois, enquanto estas ainda dependem dos cuidados dos pais

ou responsáveis, os jovens são convocados a responsabilizar-se pela própria saúde.

A imaturidade destes pode mostrar-se no momento em que têm de assumir os

autocuidados, como a administração de medicamentos e o seguimento de uma dieta,

por exemplo. Além da imaturidade e das dificuldades na aquisição do autocontrole, as

Page 51: Trab Saude Mental Arrumado

48

mudanças hormonais também podem fazer com que a incumbência do controle da

taxa de glicose no sangue seja ainda mais difícil durante a adolescência. Jovens

inseguros sobre si mesmos têm maiores possibilidades de não cumprir as tarefas do

tratamento, pois procuram evitar sentir-se diferente de seus companheiros.

Alguns adolescentes também tentam tirar proveito da doença, procurando, de alguma

maneira, manipular pessoas e situações a fim de obter mais atenção para si. As

maiores dificuldades estão relacionadas com o futuro (medo e incerteza quanto ao

curso da doença), a necessidade de reeducar a alimentação para evitar possíveis

complicações com a doença e a adaptação a uma rotina de compromissos sociais

(trabalho, escola, festas) face às frequentes idas a médicos e laboratórios químicos

para exames(8).

Enfrentamento e Adesão ao Tratamento

Fatores como idade, crenças, valores, motivação pessoal, condições financeiras e

doenças associadas, entre outros aspectos, podem influenciar na decisão do

paciente ou do familiar em optar por um controle mais rígido, e o profissional de

saúde deve estar adequadamente capacitado para orientá-lo e apoiá-lo(15).

As estratégias de enfrentamento podem ainda tornar possível conservar uma

autoimagem positiva diante da adversidade, mantendo equilíbrio emocional e

relacionamento satisfatório com as pessoas e têm o objetivo de manter o bem-estar,

buscando amenizar os efeitos de situações estressantes. Existem vários recursos

que podem ajudar um indivíduo a enfrentar as situações de estresse, entre eles

saúde e energia, crenças positivas, habilidade para resolução de problemas,

habilidade social, busca de suporte social e recursos materiais.

Podem ocorrer mudanças significativas das estratégias de enfrentamento à medida

que o indivíduo desenvolve-se. Nesse sentido, adolescentes, crianças e adultos

Page 52: Trab Saude Mental Arrumado

49

diferenciam-se em suas maneiras de administrar seus problemas. O fato de estar no

início, no meio ou no fim da adolescência também diversifica as estratégias de

enfrentamento. Percebeu-se que os adolescentes mais velhos têm um repertório

maior de habilidades cognitivas, o que reduz consideravelmente o nível de estresse

por eles experimentado.

É necessário motivar o indivíduo para "adquirir conhecimentos e desenvolver

habilidades para as mudanças de hábitos, com o objetivo geral do bom controle

metabólico e da melhor qualidade de vida"(8).

Abordagem

Alguns autores acreditam que o diabetes será enfrentado diferentemente por cada

indivíduo, pois dependerá da estrutura psíquica ou organização mental de cada um.

O modo como o indivíduo enfrenta o diagnóstico da doença depende de três fatores:

a) o modo como soube da doença: se percebeu sozinho, se outro lhe revelou, se

adiou ter conhecimento do diagnóstico ou se preferiu saber logo;

b) as experiências pessoais anteriores que teve em relação à doença, por exemplo

amigos ou pessoas da família que tiveram ou têm a doença;

c) o modo como a família e os amigos reagiram frente ao diagnóstico.

O enfrentamento do diabetes depende da história dessa doença e da reação dos

pais. Considera-se ainda que, além da importância que o próprio adolescente tem no

autocontrole do diabetes, a família, as equipes médica e de enfermagem evidenciam-

se como as fontes determinantes para melhor controle do diabetes em adolescentes.

Desse modo, acredita-se que manter os familiares envolvidos no cuidado do

diabetes, não só na ajuda em tarefas do tratamento como também no apoio

emocional, é essencial para uma boa adesão ao tratamento médico dessa doença.

Page 53: Trab Saude Mental Arrumado

50

Adicionalmente, os profissionais de saúde devem considerar formas de supervisionar

as ações do tratamento, bem como de fornecer apoio emocional relativo ao

tratamento do diabetes.

No âmbito dos cuidados à saúde, os grupos médico e de enfermagem devem estar

conscientes da importância das suas funções em fornecer apoio específico e com

relação ao diabetes, promovendo sessões de educação em que se realce o papel

importante do exercício físico no autocontrole da doença. Por último, o contexto

familiar deverá ser fonte de apoio constante, promovendo a autonomia do

adolescente diabético, com elevados níveis de apoio, instrumental e emocional, com

relação à enfermidade(11).

A família do diabético também enfrenta a ansiedade diante da doença, que exige

cuidados. O diabetes deve ser tratado no grupo familiar com um membro apoiando

outro, pois, por meio do apoio emocional, os familiares tornam-se significativos no

monitoramento da doença e naimplementação das intervenções. Observa-se alto

índice de pais de diabéticos tipo 1 que apresentam muita ansiedade, e isso se deve a

problemas familiares ou conjugais, ao fato de não aceitarem a doença de seu filho e

ao sentimento de culpa pelo fator hereditário envolvido na doença. Cerca de 70% de

mães de filhos diabéticos reagem à doença com sentimento de revolta e desespero.

Sintomas de depressão significativos em um terço das mães de crianças diabéticas

também foram encontrados.

Fazendo-se uma análise da dinâmica familiar vivida pelo paciente diabético, os

cuidados extremos exigidos pela doença podem levar os pais a superprotegem os

filhos, principalmente no caso de crianças, fazendo com que essas percam ou não

adquiram autonomia. Integrar o paciente diabético num grupo de iguais é uma das

maneiras de ajudá-lo. O objetivo da formação de grupos é a melhora; falar sobre a

doença possibilita trabalhar as fantasias, trocar entre iguais, compartilhar

sentimentos, dúvidas e, assim, aprender a conviver melhor com ela. Além disso, as

Page 54: Trab Saude Mental Arrumado

51

intervenções psicoeducacionais com crianças e suas famílias são importantes para

resolver problemas e aumentar o apoio dos pais com relação à doença.

Pesquisas têm demonstrado a eficácia de terapia psicossocial para melhor adesão ao

regime, controle glicêmico, funcionamento psicossocial e qualidade de vida. Como

todos sofrem de problemas semelhantes, enfrentam as mesmas vicissitudes e

necessidades, há no grupo fortes níveis de coesão e solidariedade. Os pacientes

sentem- se protegidos e amparados, enxergando-se uns através dos outros. O grupo

ajuda a combater alienação, baixa autoestima e desmoralização, que ocorrem

quando o indivíduo sente-se a única pessoa afligida pela doença. O trabalho em

grupo é importante para que os pacientes busquem compartilhar

sentimentos entre iguais e desfazer fantasias a respeito da doença, contribuindo para

aceitação interna dela e, consequentemente, melhor qualidade de vida(13).

Assim, implementar programas de educação em diabetes é fundamental para que a

equipe multiprofissional esteja capacitada para o atendimento global da criança e do

adolescente e o envolvimento de pais e familiares nesse processo. A família constitui-

se um dos determinantes favoráveis para o sucesso do controle metabólico da

criança e do adolescente.

Para compreender o comportamento da criança e do adolescente frente a uma

doença crônica, os profissionais de saúde precisam estar informados a respeito dos

estágios de desenvolvimentos cognitivo e socioemocional desses, pois a doença

crônica afeta as interações da criança com os meios físico e social nos quais vive. A

maneira e a duração pelas quais a doença crônica pode modificar os processos de

desenvolvimento da pessoa dependem de tipo da doença, gravidade, história natural,

prognóstico, grau de limitação, estrutura genética e implicações, necessidade de

cuidado físico, aparência física, diferenças individuais no temperamento e

personalidade, dinâmica interpessoal da família, rede de apoio social e financeiro,

respostas dos professores, médicos, enfermeiras e outros profissionais.

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52

As famílias estruturadas e organizadas podem fornecer um ambiente mais compatível

para as necessidades da criança e do adolescente diabético, pois o próprio

tratamento exige controle e organização. Ressalta-se ainda que os sentimentos de

superproteção, indiferença ou descuido com crianças e adolescentes podem

contribuir para a obtenção de um mau controle metabólico. Por outro lado, pais que

levam crianças e adolescentes a assumirem toda a responsabilidade pelo

autocuidado também têm demonstrado dificuldades para manter os níveis glicêmicos

compatíveis com o grau de controle metabólico.

Nessa direção, estudos que procuraram avaliar a relação entre autocuidado e

controle metabólico em crianças e adolescentes diabéticos tipo 1 afirmaram que

esse grupo necessita de algum grau de envolvimento dos pais no cuidado. Ataíde e

Damasceno ressaltam ainda que crianças e adolescentes que demonstraram maior

independência para as atividades de autocuidado não necessariamente tiveram

melhor controle metabólico em relação ao daquelas cujos pais estiveram mais

envolvidos no cuidado diáriocom relação ao diabetes(2).

Aparentemente, o equilíbrio entre a independência e a dependência da criança

doente necessita ser abordado dentro do contexto familiar. Considerando que

crianças e adolescentes estejam em uma fase inicial da doença, esperase que

medidas efetivas de controle metabólico possam reduzir ou retardar as complicações.

Portanto, a intensificação de programas de educação junto a essa população e o

envolvimento das famílias nesse processo muito contribuirão para o controle da

doença.

O conjunto de dados obtidos nesta investigação mostrou que as mães enfrentam

dificuldades durante o seguimento terapêutico da criança e do adolescente diabético

tipo 1, e que essas complicações têm resultado em internações desencadeadas pelo

descontrole metabólico. Tais problemas estão relacionados à prestação dos serviços

Page 56: Trab Saude Mental Arrumado

53

em saúde, na área hospitalar ou ambulatorial, uma vez que se encontra organizada

para atender a doença em forma de atendimento centrado na queixa, sem

preocupação com seguimento e apoio contínuos.

Portanto, um programa de educação em diabetes para crianças e adolescentes

requer obrigatoriamente a organização dos serviços, priorizando a capacitação de

profissionais, a fim de qualificar o atendimento a essa clientela, minimizar o impacto

da doença na família e minorar o sofrimento das crianças, dos adolescentes e dos

próprios pais com relação ao DM.

Além desse tipo de apoio, realça-se a importância do suporte emocional, como ouvir

as queixas do adolescente quanto ao tratamento do diabetes, encorajar, dar ânimo e

incentivar para a importância do autocontrole da doença. O segundo fator considera a

importância da manutenção de um programa de exercício físico regular como forma

de manter o controle metabólico. Por último, a aprendizagem de um conjunto de

estratégias de coping com o diabetes do tipo instrumental (como resolução de

problemas específicos relacionados com a doença, comportamento autoafirmativo,

busca pela ajuda dos outros, planejamento com análise de informação relevante para

o problema), que revelam influenciar positivamente o controle metabólico(2,14).

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54

ASPECTOS PSICOLÓGICOS DA DIABETES NO IDOSO

  

Segundo Martins (2003), a vida é o corpo em movimento. Mesmo lento, o corpo do

idoso não deixa de ser tomado por desejos, sonhos, fantasias e possibilidades de

viver bem.A idade constitui um dado, mas não determina a condição da pessoa. O

que conta é a qualidade do tempo vivido, os acontecimentos e as condições

ambientais que a rodeiam.

Embora o envelhecimento diminua a capacidade funcional dos indivíduos e aumente

a chance de ocorrência de patologias crônicas, como diabetes, doenças

cardiovasculares, cânceres, entre outras, para Sousa (2002), envelhecer não significa

apenas perda de força, funções ou vitalidade, pode ser, também, um processo de

enriquecimento pessoal, pela descoberta de novas qualidades ou pelo

aperfeiçoamento de outras já existentes,como a das qualidades superiores da mente.

A diabetes é uma das patologias crônicas mais comuns que afetam os idosos,

representando, assim, uma grande preocupação à saúde pública. Consoante

Chaimowicz (2006), o diabetes está entre as dez causas principais de internação

hospitalar entre os idosos de todas as faixas etárias, ao lado de doenças

respiratórias, cardíacas, cerebrovasculares, renais, infecciosas, entre outras, de

acordo com os dados do Sistema Único de Saúde (SUS) de 2005. Corroborando com

esta idéia, Freitas (2006) fala no alto custo das internações hospitalares por diabetes

mellitus e suas complicações, que geralmente demandam procedimentos mais

complexos e aumentam a taxa de permanência hospitalar.

A saúde e a funcionalidade física na velhice são uma preocupação central no

campo do envelhecimento, uma vez que são muitas as dificuldades cotidianas

decorrentes de problemas de saúde, tanto para os próprios idosos quanto para suas

famílias. A doença crônica, maior causa de incapacidade entre os idosos, é

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influenciada tanto por fatores médicos quanto pelos psicológicos e sociais (RABELO;

FORTES, 2005).

Atualmente o diabetes mellitus é considerado um dos mais importantes

problemas de saúde pública devido ao número de pessoas afetadas, especialmente

os mais velhos, devido às incapacidades e morte prematura causadas pela

doença, e também devido aos custos relativos ao controle e tratamento de

suas complicações. Uma das maiores dificuldades encontradas frente a esta

enfermidade é a baixa aderência dos pacientes ao tratamento.

A necessidade de mudanças no estilo de vida, a medicação regular, a

monitorizarão diária da glicemia e o fato de terem de lidar e manejar uma

doença pelo resto da vida são esquemas complexos que repercutem no humor

e no bem‐estar dos indivíduos com diabetes (PÉRES et al, 2007).

Aquele que recebe o diagnóstico da doença pode experimentar muitas

emoções, tais como negação, raiva e depressão. Mesmo aceitando a doença,

estas pessoas têm de lidar com o caráter invasivo desta, isto é, os efeitos

perturbadores que interferem em atividades e interesses que o indivíduo valoriza

bem, como redução do senso

do controle pessoal, da autoeficácia e da autoestima (STRAUB, 2005).

O manejo do estresse é um fator importante, pois as reações ao estresse influenciam

na adesão ao tratamento e também nos níveis de glicose no sangue. Os esforços de

enfrentamento (coping) são definidos como o uso que as pessoas fazem de

estratégias cognitivas e comportamentais com o objetivo de lidar com demandas

internas ou

externas que surgem em situações adversas (RABELO; FORTES, 2005).

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Ações educativas, junto ao paciente, família e comunidade terão muito a contribuir

para uma melhor qualidade de vida, tendo um papel essencial no controle dessa

enfermidade, uma vez que suas contribuições estão estritamente ligadas ao

conhecimento para o cuidado pessoal diário adequado e ao estilo de vida saudável.

O idoso, em especial, necessita ser estimulado pelos profissionais de saúde a manter

uma vida independente, adaptando se da melhor maneira possível às modificações

exigidas para o controle metabólico (TAVARES, RODRIGUES, 2002).

Para Dellaroza (2007), a dor passa a ser o centro, direcionando e limitando as

decisões e comportamentos dos indivíduos, e a impossibilidade de controlá‐la traz

sofrimento psíquico e físico.De acordo com Carneiro (2004), a manutenção de

relações sociais na velhice, com o cônjuge e com os familiares favorece o bem‐estar

psicológico e social dos idosos.

E o apoio social está relacionado com os índices de habilidades sociais,

autoestima, extroversão e assertividade, e está inversamente relacionado com

neuroses, pessimismo, afetos negativos e outros mais. A capacidade de interagir

socialmente é fundamental para o idoso, a fim de que ele possa conquistar e manter

as redes de apoio social e garantir maior qualidade de vida. A satisfação de vida é

influenciada pelo modo como as pessoas se sentem sobre os seus relacionamentos

interpessoais, e o apoio social desempenha um papel importante nesse processo.

Como os idosos frequentemente convivem com diabetes mellitos, há uma grande

utilização dos serviços de saúde e um alto consumo de medicamentos, e a questão

da adesão é de suma importância em relação aos idosos. A adesão é definida como

o comportamento do paciente equivalente às recomendações do médico ou de outros

profissionais de saúde. Assim, adesão implica comportamentos como tomar

medicamentos, seguir dietas ou executar mudanças de hábitos de vida que

coincidam com o regime terapêutico prescrito (ALMEIDA, 2007).

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As estratégias de enfrentamento apresentam uma contribuição significativa para o

bem estar subjetivo dos idosos. São mecanismos que os indivíduos utilizam

para minimizar os efeitos do estresse, resolvendo ou manejando

o problema com o objetivo de voltar à normalidade de funcionamento

pessoal o mais rápido possível (GUEDEA, 2006).

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CONCLUSÃO

O sucesso da medicina que cura, evita que as pessoas morram e, como

conseqüência tem o aumento de ocorrência de doenças crônicas como o diabetes. O

teórico esclarece que a definição de doenças crônicas  não é única, mas de um modo

geral aceita-se que são doenças sem cura, ou de tratamento muito prolongado que

impõem a pessoa enferma mudanças  importantes no estilo de vida, de maneira que

ele possa conviver diariamente com a doença. Ressalta ainda o autor que se esse

novo estilo de vida proposto não for adotado, ou se não houver uma aceitação dessa

doença, a qualidade de vida dessa pessoa pode tornar-se bastante limitado, o que

pode contribuir para uma má evolução do caso.

 Tratando especificamente do paciente portador de diabetes tipo 1, torna-se quase

impossível separar os aspectos psicológicos e psicossociais dos aspectos clínicos

envolvidos. Segundo Arrais e col. (2003), o diabetes interfere diretamente nos fatores

nutricionais e hormonais e indiretamente nos psicossociais. Segundo o autor, com

uma freqüência maior a da população em geral, os pacientes diabéticos apresentam

descontrole emocionais sinais de irritabilidade e instabilidade afetiva. Tais situações

parecem ser relacionadas às neuroses impostas pelo tratamento continuado que

requer a doença, sendo o grau de comprometimento psicológico dependente da

idade, do sexo e da vivência pessoal prévia.

Outro aspecto que influencia a saúde emocional dos diabéticos diz respeito à sua

autoimagem. Ressalta ainda que a autoimagem, geralmente, encontra-se

comprometida em função do convívio com a doença. Segundo Joseph (2003) este

aspecto se agrava na medida em que os pacientes são submetidos a procedimentos

mutilantes em função das complicações vasculares que aparecem com o passar dos

anos. Joseph acredita ainda que esta insatisfação com sua autoimagem possa gerar

baixa autoestima e estar relacionada com depressão e insegurança

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A medicina sozinha não consegue dar conta de ajudar no controle da doença para

que não haja complicações, pois além de exames e medicamentos, é necessário

dieta, exercícios físicos e um equilíbrio emocional, visto que estes aspectos influem

diretamente sobre a doença, descontrolando-a e gravando o quadro. Segundo Geed

(2000) não basta ter consciência da doença e suas repercussões, pois a doença

física atinge diretamente o emocional e este não é determinado apenas por aspectos

conscientes. O emocional é constituído, ressalta Geed, por aspectos mais profundos

internamente e inconscientes, que podem impedir um bom controle da doença se

esta não for internamente aceita. Geed acredita que o diabetes será enfrentado

diferentemente por cada pessoa, pois dependerá da estrutura psíquica ou

organização mental de cada um.

As dificuldades em conviver com uma doença crônica, a idade na qual o DM

manifesta-se e as mudanças geradas no núcleo familiar acarretam fatores de risco

aos quais os profissionais de saúde devem estar atentos. Porém, devido ao pouco

tempo nas consultas e à dificuldade de diagnosticar de forma objetiva as alterações

psicológicas, o profissional de saúde e os familiares do paciente devem lançar mão

de instrumentos que auxiliam na prevenção e no tratamento dos principais conflitos

vividos pelos pacientes com DM.

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