torquato neto

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  • Torquato Neto - A potica do impossvel

    Muito j se disse do poeta piauiense Torquato Neto. " Anjo torto", " Santo demnio". Onde estar Torquato? Em TextosEscolhidos dessa edio, vida, obra, textos e ensaios de um escritor que berrava poesia. ( Leia completo)

    Pg. 01- Poemas e Textos Pg. 02- Ensaio : " Torquato entre ns", de Andr Monteiro Pg. 03- Vida Obra eBibliografia

    1) CogitoEu sou como eu sou

    pronome

    pessoal intransfervel

    do homem que iniciei

    na medida do impossvel

    Eu sou como eu sou

    agora

    sem grandes segredos dantes

    sem novos secretos dentes

    nesta hora

    Eu sou como eu sou

    presente

    desferrolhado indecente

    feito um pedao de mim

    Eu sou como eu sou

    vidente

    e vivo tranqilamente

    todas as horas do fim.

    2) Sempre subindo a ladeira do nada,Topar em pedras que nada revelam.Levar s costas o fardo do serE ter certeza que no vai ser pago.

    Sentir prazeres, dores, sentir medo,Nada entender, querer saber tudo.Cantar com voz bonita pr cachorro, No ver "PERIGO" e afundar no caos.

    Fumar, beber, amar, dormir sem sono,Observar as horas impiedosasQue passam carregando um bom pedaoda vida, sem dar satisfaes.

    Amar o amargo e sonhar com dourashttp://www.letraselivros.com.br - Letras e Livros Powered by Mambo Generated: 2 April, 2012, 10:21

  • Saber que retornar no possvelSentir que um dia vai sentir saudadesDa ladeira, do fardo, das pedradas.

    Por fim, de um s salto,Transpor de vez o paredo.

    Rio 9.8.62

    3) Tome nota por todas as ruas

    onde ando sozinho

    eu ando sozinho

    com voc

    e voc

    se que se lembra

    ( se lembra)olha assim pra mim

    como capa de revista

    pelo rabo-do-olho

    de artista,

    e sorri.

    Eu acho tudo muito legal

    Mas a verdade

    que o nome normal disso a :s-a-u-d-a-d-e;

    pois bem:

    sei que vou sozinho

    sei que vou tambm sozinho

    mas acontece

    que parece

    que voc

    como se que fosse

    o prprio caminho.

    4) Bilhetinho Sem Maiores Conseqnciashttp://www.letraselivros.com.br - Letras e Livros Powered by Mambo Generated: 2 April, 2012, 10:21

  • Uma retificao, meu bom Vincius:Voc falou em "bares repletos de homens vazios"e no entanto se esqueceude que h bareslaresteatros, oficinasavies, chiqueirose sentinas,cheinhos(ao contrrio)de homens cheiosHomens cheios.(e voc bem sabe)entulhados da primeira ltima geraoda imoralidade desta vidadas cotidianas encruzilhadas e decepesda patente inconsequncia disso tudo.Voc se esqueceuVincius, meu bom,dos bares que esto repletos de homens cheiosda maldade das coisas e dos fatos,dos bares que esto cheios de homens cheiosda maldade insacivel dos que fazem as coisase organizam os fatosE vocque os conhece to de pertoVincius "Felicidade" de Moraesno tinha o direito de esquecer essa parcela imensa de homens tristes,condenados candidatos naturaisa ttulos de to alta racionalidadea deboches de to falsa humanidade.

    Com uma admirao "deste tamanho".

    Rio 7.7.62

    5) Explicao do fato Parte IImpossvel envergonhar-me de ser homem.

    Tenho rins e eles me dizem que estou vivo.

    Obedeo a meus ps

    e a ordem seguir e no olhar frente.

    Minsculo vivente entre rinocerontes

    me reconheo e falho

    e insisto.

    E insisto porque insistir minha insgnia.

    O meu braso mostra dois ps escalavrados

    e sobram-me algumas foras: sei-me fraco

    e choro.

    E choro e nem assim me excedo na postura humana:

    sofro o corpo inteiro, pendo e no procuro

    http://www.letraselivros.com.br - Letras e Livros Powered by Mambo Generated: 2 April, 2012, 10:21

  • a arma em minhas mos.

    Sei que caminho. s.Joelhos curvam-se, amaziam ao cho que queima

    e me penetra e eu decido que no posso

    envergonhar-me de ser homem.

    A criana antiga dique barrando o meu esco

    e diz que no, no me envergonhe.

    No me envergonho.

    Tenho rins mos boca orgo genital e

    glndulas de secreo interna:

    impossvel.

    No entanto sinto medo

    e este o meu pavor.

    Por isso a minha vida, como o meu poema,

    no canto, pranto

    e sobre ela me debruo

    observando a corcunda precoce

    e os olhos banzos.

    Parte II

    Tambm tenho uma noite em mim to escura

    que nela me confundo e paro

    e em adgio cantabile pronuncio

    as palavras da nnia ao meu defunto,

    perdido nele, o ar sombrio.

    (Me reconheo nele e me apavoro)Me reconheo nele,

    no os olhos cerrados, a boca falando cheia,

    as mos cruzadas em definitivo estado, se enxergando,

    mas um calor de cegueira que se exala dele

    e pronto: ele sou eu,

    peixe boi devolvido praia, morto,

    exposto vigilncia dos passantes.

    Ali me enxergo, fora no caixo do mundohttp://www.letraselivros.com.br - Letras e Livros Powered by Mambo Generated: 2 April, 2012, 10:21

  • sem arabescos e sem flores.

    Tenho muito medo.

    Mas acordo e a mquina me engole.

    E sou apenas um homem caminhando

    e no encontro em minha vestimenta

    bolsos para esconder as mos, armas, que, mesmo frgeis,

    me ameaam.

    Como no ter medo?

    Uma noite escura sai de mim e vem descer aqui

    sobre esta noite maior e sem fantasmas.

    como no morrer de medo se esta noite fera

    e dentro dela eu tambm sou fera e me confundo nela e

    ainda insisto?

    No vivel.

    Nem eu mesmo sou vivel, e como no? No sou.

    O que vivel no existe, passou h muito tempo

    e eram manhs e tardes e manhs com sol e chuva

    e eu menino.

    eram manhs e tardes e manhs sem pernas

    que escorriam em tardes e manhs sem pernas

    e eu sentado num tanque absurdamente posto no meio da rua,

    menino sentado sem a preocupao da ida.

    E era todo dia.

    Havia sol

    e eu o sabia

    sol: era de dia

    Havia uma alegria

    do tamanho do mundo

    e era dia no mundo.

    Havia uma rua

    (debaixo dum dia)e um tanque.

    http://www.letraselivros.com.br - Letras e Livros Powered by Mambo Generated: 2 April, 2012, 10:21

  • Mas agora noite at no sol.

    Parte III

    Vou parede e examino o retrato,

    irresponsvel-amarelo-acinzentado-testemunha.

    Meus olhos no se abrem e mesmo assim o vejo.E mesmo assim te vejo, menino, encostado palmeira de tua praae sem querer sair.

    E mesmo assim te penso dique,

    desolao de seca na caatinga, noite de insnia,

    cano antiga ao p do bero,

    prata

    fsforo queimado

    poo interminvel, seco.

    Ouo teu sorriso e te obedeo.

    Eu que desaprendi a preparao do sorriso

    e no o consigo mais.

    Estou preso a ti, ainda agora,

    apesar do cabelo escurecido,

    as mos maiores e mais magras

    e um sbito medo de morrer, amor vida, tolo.

    tenho preso a ti a palavra primeira

    e o primeiro gesto de enxergar o espelho:

    ouo-te, sou mais desgosto em mim, imcompreensvel.

    tua ordem decido no envergonhar-me de existirnesta forma disforme e de osso

    carne

    algumas coisas qumicas

    e uma vontade de estar sempre longe,

    visitando pases absurdos.

    No posso envergonhar-me de ser homem.

    tenho um menino em mim que me observa

    e ele tem nos olhos

    (qual a cor?)http://www.letraselivros.com.br - Letras e Livros Powered by Mambo Generated: 2 April, 2012, 10:21

  • todas as manhs e tardes e manhs com sol e chuva

    e eu menino, que me alumiava.

    Tenho um menino em mim e ele que me tem:

    por isso a corcunda precoce

    e os olhos banzos: tenho o corpo voltado sua procura

    e meu olhar apenas toca, e leve,

    a exata matriz da cala

    molhada em festa vespertina da bexiga.

    6) O Poeta a Me das Armas

    O Poeta a me das armas & das Artes em geral -al, poetas: poesia no pas do carnaval;Al, malucos: poesiano tem nada a ver com os versos dessa estao muito fria.

    O Poeta a me das Artes & das armas em geral: quem no inventa as maneiras do corte no carnaval (al, malucos), traidor da poesia: no vale nada, lodal.

    A poesia o pai da ar-timanha de sempre: quent ura no forno quente do lado de c, no lar das coisas malditssimas; al poetas: poesia! poesia poesia poesia poesia!O poeta no se cuida ao pontode no se cuidar: quem for cortar meu cabelo j sabe: no est cortando nada alm da MINHA bandeira ////////// =sem aura nem bara, sem nada mais pra contar.Isso: ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar: em primeirssimo, o lugar.

    poetemos pois

    torquato neto /8/11/71 & sempre.

    7) A rua

    Toda rua tem seu cursoTem seu leito de gua claraPor onde passa a memriaLembrando histrias de um tempoQue no acaba

    De uma rua, de uma ruahttp://www.letraselivros.com.br - Letras e Livros Powered by Mambo Generated: 2 April, 2012, 10:21

  • Eu lembro agoraQue o tempo, ningum maisNingum mais cantaMuito embora de cirandas(Oi, de cirandas)E de meninos correndoAtrs de bandas

    Atrs de bandas que passavamComo o rio ParnabaO rio mansoPassava no fim da ruaE molhava seus lajedosOnde a noite refletiaO brilho mansoO tempo claro da lua

    , So Joo, , Pacatuba, rua do Barroco, Parnaba passandoSeparando a minha ruaDas outras, do Maranho

    De longe pensando nelaMeu corao de meninoBate forte como um sinoQue anuncia procisso

    , minha rua, meu povo, gente que mal nasceuDas Dores, que morreu cedoLuzia, que se perdeuMacapreto, Z VelhinhoEsse menino crescidoQue tem o peito feridoAnda vivo, no morreu

    , PacatubaMeu tempo de brincar j foi-se embora, ParnabaPassando pela rua at agoraAgora por aqui estou com vontadeE eu volto pra matar esta saudade

    , So Joo, , Pacatuba, rua do Barroco

    8) GO BACK

    Voc me chamaEu quero ir pro cinemavoc reclamameu corao no contentavoc me amamas de repente a madrugada mudoue certamenteaquele trem j passoue se passoupassou daqui pra melhor,foi!

    S quero saberhttp://www.letraselivros.com.br - Letras e Livros Powered by Mambo Generated: 2 April, 2012, 10:21

  • do que pode dar certono tenho tempo a perder

    voc me pedequer ir pro cinemaagora tardese nenhuma espciede pedidoeu escutar agoraagora tardetempo perdidomas se voc no mora, no morou porque no tem ouvidoque agora tarde- eu tenho dito -o nosso amor michou(que pena) o nosso amor, amore eu no estou a fim de ver cinema(que pena)rio/agosto/71

    9) a) A virtude a me do vcioconforme se sabe;acabe logo comigoou se acabe.

    b) A virtude e o prprio vcio- conforme se sabe -esto no fim, no incioda chave.

    c) Chuvas da virtude, o vcio,conforme se sabe; nela prpriamente que eu me ligo,nem disco nem filme:nada, amizade. Chuvas de virtude:chaves.

    d) (amar-te/ a morte/ morrer:h urubs no telhado e carne seca servida: um escorpio encravadona sua prpria ferida, no escapa: s escapopela porta de sada).e) A virtude, a me do vciocomo eu tenho vinte dedos,ainda, e ainda cedo:voc olha nos meus olhosmas no v nada, se lembra?

    f) A virtudemais o vcio: incio daMINHAtransa, incio, fcil, termino:"como dois mais dois so cinco"como Deus precipcio,durma,e nem com Deus no hospcio(durma) nem o hospcio refgio. Fuja.10) Plulas do tipo deixa-o-pau-rolar.http://www.letraselivros.com.br - Letras e Livros Powered by Mambo Generated: 2 April, 2012, 10:21

  • na mesma base: deixa.

    Primeiro passo tomar conta do espao.Tem espao a bessa e s voc sabe o que o que pode fazer do seu.Antes ocupe. Depois se vire.

    No se esquea de que voc estcercado, olhe em volta e d um rol.Cuidado com as imitaes.

    Imagine o vero em chamas e fiquesabendo que por isso mesmo.A hora do crime precede a hora davingana, e o espetculo continua.cada um na sua, silncio.

    Acredite na realidade e procureas brechas que ela sempre deixa.Leia o jornal, no tenha medo demim, fique sabendo: drenagem, dragase tratores pelo pntano. Acredite.

    Poesia. Acredite na poesia e viva.E viva ela. Morra por ela se vocse liga, mas por favor, no traia.O poeta que trai sua poesia uminfeliz completo e morto.Resista, criatura.

    Snteses. Painis. Afrescos. Repor-tagens. Snteses. Poesia. Posies.Planos gerais. "O Close-up umaquesto de amor". Amor.

    Eu, pessoalmente, acredito emVampiros. O beijo frio, os dentesquentes, um gosto de mel.

    16/11/71 - 3-feira

    11) Nenhuma DorMinha namorada tem segredosTem nos olhos mil brinquedosDe magoar o meu amor

    Minha namorada muito amadaNo entende quase nadaNunca vem de madrugadaProcurar por onde estou

    preciso, doce namoradaSeguirmos firmes na estradaQue leva a nenhuma dor

    Minha doce e triste namoradaMinha amada idolatradaSalve-salve o nosso amor

    12) Pra Dizer AdeusAdeusVou pr no voltarhttp://www.letraselivros.com.br - Letras e Livros Powered by Mambo Generated: 2 April, 2012, 10:21

  • E onde quer que eu vSei que vou szinho

    To sozinho amorNem bom pensarQue eu no volto maisDesse meu caminho

    Ah! pena eu no saberComo te contarQue esse amor foi tantoE no entanto eu queria dizer

    VemEu s sei dizerVemNem que seja sPra dizer adeus

    13) Gelia GeralUm poeta desfolha a bandeiraE amanh tropical se iniciaResplandente, cadente, fagueiraNum calor girassol com alegriaNa gelia geral brasileiraQue o Jornal do Brasil anuncia

    , bumba-y-y-boiAno que vem, ms que foi, bumba-y-y-y a mesma dana, meu boiA alegria a prova dos noveE a tristeza teu porto seguroMinha terra onde o sol mais limpoE Mangueira onde o samba mais puroTumbadora na selva-selvagemPindorama, pas do futuro

    , bumba-y-y-boiAno que vem, ms que foi, bumba-y-y-y a mesma dana, meu boi a mesma dana na salaNo Caneco, na TVE quem no dana no falaAssiste a tudo e se calaNo v no meio da salaAs relquias do Brasil:Doce mulata malvadaUm LP de SinatraMaracuj, ms de abrilSanto barroco baianoSuperpoder de paisanoFormiplac e cu de anilTrs destaques da PortelaCarne-seca na janelaAlgum que chora por mimUm carnaval de verdadeHospitaleira amizadeBrutalidade jardim, bumba-y-y-boihttp://www.letraselivros.com.br - Letras e Livros Powered by Mambo Generated: 2 April, 2012, 10:21

  • Ano que vem, ms que foi, bumba-y-y-y a mesma dana, meu boiPlurialva, contente e brejeiraMiss linda Brasil diz "bom dia"E outra moa tambm, CarolinaDa janela examina a foliaSalve o lindo pendo dos seus olhosE a sade que o olhar irradia

    , bumba-y-y-boiAno que vem, ms que foi, bumba-y-y-y a mesma dana, meu boiUm poeta desfolha a bandeiraE eu me sinto melhor coloridoPego um jato, viajo, arrebentoCom o roteiro do sexto sentidoVoz do morro, pilo de concretoTropiclia, bananas ao vento

    , bumba-y-y-boiAno que vem, ms que foi, bumba-y-y-y a mesma dana, meu boi 14) Marginlia IIEu, brasileiro, confessoMinha culpa, meu pecadoMeu sonho desesperadoMeu bem guardado segredoMinha aflio

    Eu, brasileiro, confessoMinha culpa, meu degredoPo seco de cada diaTropical melancoliaNegra solido

    Aqui o fim do mundoAqui o fim do mundoAqui o fim do mundo

    Aqui, o Terceiro MundoPede a bno e vai dormirEntre cascatas, palmeirasAras e bananeirasAo canto da juritiAqui, meu pnico e glriaAqui, meu lao e cadeiaConheo bem minha histriaComea na lua cheiaE termina antes do fim

    Aqui o fim do mundoAqui o fim do mundoAqui o fim do mundo

    Minha terra tem palmeirasOnde sopra o vento forteDa fome, do medo e muitohttp://www.letraselivros.com.br - Letras e Livros Powered by Mambo Generated: 2 April, 2012, 10:21

  • Principalmente da morteOlel, lal

    A bomba explode l foraE agora, o que vou temer?Oh, yes, ns temos bananaAt pra dar e venderOlel, lal

    Aqui o fim do mundoAqui o fim do mundoAqui o fim do mundo

    15) let's play that quando eu nasci um anjo louco muito louco veio ler a minha mo no era um anjo barroco era um anjo muito louco, torto com asas de avio eis que esse anjo me disse apertando a minha mo com um sorriso entre dentes vai bicho desafinar o coro dos contentes vai bicho desafinar o coro dos contentes let's play that

    16) DesejoMas...se eu pudesse um diacom as mos o sol pegar;a lua apertar entre meus ps etrmulo de prazerem plena Via Lctea, todos os astros reter comigo,um gozo frentico e sem fim,apesar de tanta infelicidadeeu chegaria a ter pena de mim mesmopois, indiscutivelmente,eu estaria louco,demente! Ba, 02/07/61

    (NETO, Torquato. inditos da juventude. Torquatlia (do lado de dentro). Rio de Janeiro: Editora Rocco Ltda., 2004, p.35)

    17) Literato cantabileagora no se fala maistoda palavra guarda uma cilada e qualquer gesto o fimdo seu incio;

    agora no se fala nadae tudo transparente em cada forma qualquer palavra um gestoe em sua orlaos pssaros de sempre cantamnos hospcios.

    voc no tem que me dizerhttp://www.letraselivros.com.br - Letras e Livros Powered by Mambo Generated: 2 April, 2012, 10:21

  • o nmero de mundo deste mundo no tem que me mostrara outra faceface ao fim de tudo:

    s tem que me dizero nome da repblica do fundo o sim do fim do fim de tudo e o tem do tempo vindo;

    no tem que me mostrara outra mesma face ao outro mundo (no se fala. no permitido:mudar de idia. proibido.no se permite nunca mais olhares tenses de cismas crises e outros tempos. est vetado qualquer movimento(Op.cit., p.168)18) Trs da madrugada (1971)Trs da madrugadaQuase nadaNa cidade abandonadaNessa rua que no tem mais fim Trs da madrugadaTudo e nadaA cidade abandonadaE essa rua no tem maisNada de mim...NadaNoite alta madrugadaNa cidade que me guardaE esta cidade me mataDe saudade sempre assim...Triste madrugadaTudo nadaMinha alegria cansadaE a mo fria mo geladaToca bem de leve em mim. Saiba:Meu pobre corao no vale nada Pelas trs da madrugadaToda palavra caladaNesta rua da cidadeQue no tem mais fimQue no tem mais fim...

    19) Vento de maio (1966)

    Oi voc que vem de longe Caminhando h tanto tempo Que vem de vida cansada Carregada pelo ventoOi voc que vem chegando V entrando e tome assentoDesapeie dessa tristeza Que eu lhe dou de garantia A certeza mais seguraQue mais dia, menos dia No peito de todo mundo Vai bater a alegria http://www.letraselivros.com.br - Letras e Livros Powered by Mambo Generated: 2 April, 2012, 10:21

  • Oi meu irmo fique certo No demora e vai chegar Aquele vento mais brando E aquele claro luarQue por dentro desta noite Te ajudaro a voltarMonte em seu cavalo baio Que o vento j vai soprar Vai romper o ms de maio No hora de parar Galopando na firmeza Mais depressa vais chegar

    Gravao: Wilson Simonal em Vou deixar cair (1966).(Op.cit., p.121)20) Coisa mais linda que existe (1968)Coisa linda neste mundo sair por um segundoE te encontrar por aPra fazer festa ou comcioCom voc perto de mimNa cidade em que me percoNa praa em que me resolvoNa noite da noite escura lindo ter junto ao corpo Ternura de um corpo manso Na noite da noite escuraCoisa linda neste mundo sair por um segundoE te encontrar por aPra fazer festa ou comcio Com voc perto de mimO apartamento, o jornalO pensamento, a navalhaA sorte que o vento espalhaEssa alegria, o perigoEu quero tudo contigoCom voc perto de mim Coisa linda neste mundo sair por um segundoE te encontrar por aPra fazer festa ou comcio A coisa mais linda que existe ter voc perto de mimGravao: Gal Costa em Gal Costa (1969).(Op.cit., p.129)

    21) Um dia desses eu me caso com vocde tanto me perder, de andar sem sono por essa noite sem nenhum destinopor essa noite escura em que abandonouns sonhos do meu tempo de meninode tanto no poder mais ter saudade de tudo o que j tive e j perdidona menina, eu me resolvo agoraa ir-me embora pra longe daqui.

    http://www.letraselivros.com.br - Letras e Livros Powered by Mambo Generated: 2 April, 2012, 10:21

  • um dia desses eu me caso com vocvoc vai ver, voc vai verum dia desses, de manh, com padre e [pompa voc vai ver como eu me caso com voc

    meu tempo de brincar j foi-se embora e agora, o que que eu vou fazer?no tenho onde morar, vou caminhando sem sono, sem mistrios, sem voc;pra terra onde nascino volto nunca maise esta cidade alheia tem segredosque eu fao tudo pra no compreender

    meu pobre corao no vale nadaanda perdido, no tem soluomas se voc quiser ser minha namoradavamos tentar, no ?no custa nadaat pode dar certoe se no dereu pego um avio, vou pra xangaie nunca mais eu volto pra te ver.(Op.cit., p.181)

    22)o poeta nasce feitoassim como dois mais dois; se por aqui me deleito por questo de depois

    a glria canta na camafaz poemas, enche a cara mas com quem mais se ama que a gente mais se depara

    ou seja:quarenta e sete quilates sessenta e nove tragadasvinte e sete sonhos, noites calmas, desperdiadas.

    saiba, ronaldo, acontece uma vez em qualquer vida: as teias que a gente tece abrem sempre uma ferida

    no canto esquerdo do riso? no lado torto da gente? talvez.o que mais forte preciso no sei sequer se urgente.

    nem sei se eu sou o caso que mais mereo entender -de qualquer forma, o A-caso me deixa tonto. e querer

    no sentar, ter na mesa uma questo de depois:, melhor, ver com certeza http://www.letraselivros.com.br - Letras e Livros Powered by Mambo Generated: 2 April, 2012, 10:21

  • quem imagina um mais dois.

    paris, europa, o brasil l no brasil, seis de setembro de 1969*(Op.cit., p.184-185)* Poema at ento indito, dedicado ao letrista Ronaldo Bastos. (Nota do Organizador)

    23) Ai de mim, Copacabana (1968)Um dia depois do outro Numa casa abandonada Numa avenidaPelas trs da madrugada Num barco sem vela aberta Nesse marNesse mar sem rumo certo Longe de tiOu bem perto indiferente, meu bemUm dia depois do outro Ao teu lado ou sem ningum No ms que vemNeste pas que me engana Ai de mim, Copacabana Ai de mim: queroVoar no ConcordeTomar o vento de assaltoNuma viagem num salto (Voc olha nos meus olhos E no v nada - assim mesmoQue eu quero ser olhado.)Um dia depois do outro Talvez no ano passado indiferenteMinha vida tua vida Meu sonho desesperado

    Nossos filhos nosso fusca Nossa butique na Augusta O Ford Glaxie, o medo De no ter um Ford Glaxie O txi o bonde a ruaMeu amor, indiferente

    Minha me teu pai a luaNesse pas que me engana Ai de mim, Copacabana Ai de mim, Copacabana Ai de mim, Copacabana Ai de mim.

    Gravao: Caetano Veloso em compacto simples de 1967, reeditada, em 1985, no LP compilao Um poeta desfolha abandeira e a manh tropical se inicia. Em 1999, a faixa foi includa no CD Singles, comercializado exclusivamente noJapo, hoje tambm parte integrante da caixa Todo Caetano.(Op.cit., p.92-93)

    24) Pessoal IntransfervelEscute, meu chapa: um poeta no se faz com versos. o risco, estar sempre a perigo sem medo, inventar o perigo eestar sempre recriando dificuldades pelo menos maiores, destruir a linguagem e explodir com ela. Nada no bolso enas mos. Sabendo : perigoso, divino, maravilhoso.http://www.letraselivros.com.br - Letras e Livros Powered by Mambo Generated: 2 April, 2012, 10:21

  • Poetar simples, como dois e dois so quatro sei que a vida vale a pena etc. Difcil no correr com os versos debaixodo brao. Difcil no cortar o cabelo quando a barra pesa. Difcil, pra quem no poeta, no trair a sua poesia, que,pensando bem, no nada, se voc est sempre pronto a temer tudo; menos o ridculo de declamar versinhossorridentes. E sair por a, ainda por cima sorridente mestre de cerimnias, "herdeiro" da poesia dos que levaram a coisaat o fim e continuam levando, graas a Deus.

    E fique sabendo: quem no se arrisca no pode berrar. Citao: leve um homem e um boi ao matadouro. O que berrarmais na hora do perigo o homem, nem que seja o boi. Adeuso.Publicado na coluna "Gelia Geral", 3a feira, 14/09/71

    25) O nome do mistrioEu poderia dizer

    Que agora tarde e o nosso amor outro

    Que o nosso tempo agora

    o fim de tudo

    e s nos resta alguns papis

    para rasgar

    eu poderia dizer que agora tarde e o nosso amor morto

    que o nosso amor agora o fim do mundo

    e no sobra nada mais

    para esperar

    eu poderia dizer mas eu no digo

    o nome do mistrio, o nome disso

    e vou por mim aqui silencifrado

    de volta ao lar, meu bem querendo ir

    26) Quem dera Quem dera

    um dia eu encontrar

    o amor igual ao que eu sonhei

    um amor como na vida quase nunca a gente v

    quem dera saber na verdade

    aonde que a felicidade

    guardou at hoje distanteesse amor que o meu sonho de ter

    que a ele eu irei de mansinho

    levando nas mos meu carinhohttp://www.letraselivros.com.br - Letras e Livros Powered by Mambo Generated: 2 April, 2012, 10:21

  • levando a certeza que a vida

    sem ele era s

    morrer

    27) Andar andeiNo o meu pas

    uma sombra que pendeConcreta

    Do meu nariz

    Em linha reta

    No minha cidade

    um sistema que inventoMe transforma

    E que acrescento

    minha idadeNem o nosso amor

    a memria que sujaA histria que enferrujaO que passou

    No voc

    Nem sou mais eu

    Adeus meu bem

    ( adeus adeus)voc mudou

    mudei tambm

    adeus amor

    adeus e vem

    28) Posio de ficarNo princpio era o verbo amar

    Mas os sentimentos extinguiram-se

    E retesaram-se os membros: no houve amor

    Desde ento

    Agora, sabemos intil procurar nos livros a frmula derradeira deste verbo.

    http://www.letraselivros.com.br - Letras e Livros Powered by Mambo Generated: 2 April, 2012, 10:21

  • As coisas fizeram-se lcidas

    Notou-se o fato

    E sentiu-se o medo

    Deixaramos o corpo livre se pudssemos,

    Mas o corpo est preso a tantos acontecimentos abstratos.

    Choraramos se fosse possvel,

    Mas no h mais lgrimas

    E o rosto retesado pelo medo

    pulsao imaginada e s imaginada, insensvel a quaisquer prantosE no entanto nada procuramos.

    Temos as mos fechadas, no as forcem.

    Nossas celas as sabemos impenetrveis, no as forcem.

    Temos tanto sono, mas o venceremos,

    No nos forcem.

    Conjugaremos o irrepreensvel verbo esquecer, no perdoar.No perdoamos.

    Em toda esta fraqueza nos sentimos fortes como os primeiros mrtires,

    Estamos na arena,

    Sentimos medo e deixaremos nossos restos ao vosso escrnio.

    Desaprendemos tudo.

    Ambguos em ns mesmos, amamos agora o silncio das covas

    E as esperamos : este o nosso fim.

    29) Todo dia dia DDesde que sa de casa

    Trouxe a viagem de volta

    Gravada na minha mo

    Enterrada no umbigo, dentro e fora assim comigo

    Minha prpria conduo.

    Todo dia dia dela

    Pode no ser pode ser

    Abro a porta e a janelaTodo dia, dia D

    H urubus no telhadohttp://www.letraselivros.com.br - Letras e Livros Powered by Mambo Generated: 2 April, 2012, 10:21

  • E a carne seca servida

    Escorpio encravado na sua prpria ferida

    No escapa, s escapo pela porta da sada

    Todo dia mesmo dia

    De amar-te e a morte morrer

    Todo dia mais dia, menos dia

    dia D30) Panorama Visto da PonteAzulejos retorcidos pelo tempoFazem paisagem agora no abandonoA que eu mesmo releguei um mal distante.

    Faz muito tempo e a paisagem a mesmaNo muda nunca - sempre indiferenteA cus que rolem eu infernos que se ergam.

    Alguns vitrais. E em cinerama elsticoO mesmo campo, o mesmo amontoadoDas lembranas que no querem virar cinzas.

    Trs lampies. As cres verde e rosaA brisa dos amores esquecidosE a pantera, muito negra, das paixes.

    No passa um rio enlameado e doceNem relva fresca encobre a terra dura. s calor e ferro e fogo e brasaQue insistem como cobras enroladasNos grossos troncos, medievais, das rvores.Uma eterna camada de silncio

    E o sol cuspindo chumbo derretido.O cu azul - e como no seria?mas to distante, to longnquo e azul...

    Rio, 13.12.62

    31) Hoje Tem Espetculo V ao cinema: presta?V ao teatro: presta?Esses filmes servem a qu?Servem a quem?Essas peas: servem? Pra qu?Divirta-se: teu programa esse,bicho: v ao cinemav ao teatro, v ao concertodisco cultura, v para o inferno:o paraso na tela no palco na bocado some nas palavras todasna ferrugem dos gestos e nas trancasda porta da ruano movimento das imagens: violnciae frescura: montagem.http://www.letraselivros.com.br - Letras e Livros Powered by Mambo Generated: 2 April, 2012, 10:21

  • Divirta-se. O inferno perto longe, o parasocusta muito pouco.Pra que serve este filme, serve aquem?Pra que serve esse tema, serve aquem?De churrasco em churrasco enchao seu caco,amizade. Cante seresta na churrascariae arrote filmes-teatros-marchas-ranchosalegrias e tal: volte (como sempre)atrs,fique na suabons tempos so para sempre - jamaisbata no peito, bata no prato, assim que se faza festa. Reclame isso: esse filmeno prestao diretor fraco e essa histria euconheoesse papo pesado demais prascrianas na sala macio, demais: serve a quem,amizade?Teu roteiro hoje esse, meu bicho: cantetudo na churrascariano saia nunca mais da frente friasirva, serve, bicho, criana, bonecosirva sirva sirva maischurrasco churrasquinho churrasco.Sirva um samba de Noel, uma cirandauma toada do Gonzaga (o pai),aquele sambaaquela exaltao de um i-i-iromanticosuavespumabem macioum filme de mocinho e de bandidosuma pea qualquer com muitodrama:encha o caco, amizade, tudo portae v entrando vontade, a casa sua, entrepelos filmes em cartaz, pelas peassobre os palcosv entrando pelo papo, entrandopelo canogeral; coma churrasco, sirva, ventrandoe servindo (a qu a quem?)encha o seu caco. Divirta-se, batano pratoe pea bis, reclame, cante o quantoqueiraafaste o lixo, nem pense:teu programa esse mesmo, bicho.

    ENSAIO

    TORQUATO ENTRE NS http://www.letraselivros.com.br - Letras e Livros Powered by Mambo Generated: 2 April, 2012, 10:21

  • Andr Monteiro

    A imagem viva de um escritor no vive da posse de seu rosto. Torna-se msica: imagem que nos faz danar. Enunciaovivida como vozes que permanecem gritando entre ns. No so fantasmas de uma imaginao saudosa (clich romnticode uma infncia perdida ou de uma morte anunciada em compaixo prvia). So brinquedos cheios de eletricidadezombando de nosso tempo previsto, nossa cronologia de figurinhas emboloradas, idolatradas no lbum de retratosfamiliares da histria literria. Um fragmento de nota pessoal (a suposta intimidade) saltando para fora do poder de suamoldura. Ser isso o invisvel da imagem? Torquato Neto por Torquato Neto: voc olha nos meus olhos e no vnada: pois assim mesmo que eu quero ser olhado. assim mesmo que eu quero que voc no entenda... (1)Quem esse voc enunciado no texto? Seguindo a trilha verossmil (o eixo sintagmtico lgico-discursivo) dodesfecho, seria Ana Duarte, a ento mulher de Torquato: ...e eu me viro ao teu lado, te acordo, te amo, ana (2).Seguindo uma outra trilha, a de um ato de leitura idealizado e no menos verossmil, o voc poderia vir a ser umaintegridade nossa. Mas voc, nesse caso, j no possui, entre ns, lugar seguro. Sua verossimilhana (os olhos nosolhos) fugidia, no se pode alcan-la com um mero mergulho narcisista. No se trata de desafeto: nosso rosto sedescontinua diante de uma enunciao desviante, tal como na proposio de Godard ao se recusar, em 1995, acomemorar o automatismo cronolgico dos cem anos de cinema: O espelho deveria refletir a imagem antes de reenvi-la (3). Um desencontro reflexivo diante do espelho "eu" nos multiplica (trata-se de um movimento) e nos convida a criarvidas entre vidas.

    Mas no nos enganemos. Certamente existe em ns a tentao da transparncia biogrfica. Automatismo de nossacivilizao. Queremos contar tudo: um rosto outro agarrado em um rosto mesmo. Um rosto sempre nosso a nos esperarl trs. Um rosto de propriedade privada: efeito e causa. No ser toda verossimilhana uma poderosa moldura? Aimagem de um escritor, quando nos interroga, produz buracos e ns imediatamente passamos a preench-los comestratgias confortveis de uma boa novela, passvel de uma comunho didtica e varrida de estranhezas. Em nossotempo, como nos ensina Jim Morison na srie de The Lords, deu-se uma metamorfose: do corpo, enlouquecido peladana, passamos masturbao do voyeur cujo emblema o espelho e cuja prece a janela. Eis a nossa impotncia:No atravessas nunca o espelho/nem mergulhas pela janela(4) . A impotncia a fora dominante de nossas instituiessociais/individuais. Ela constitui, nos dizeres de Deleuze/Parnet, nossos afetos tristes: ...Vivemos em um mundodesagradvel, onde no apenas as pessoas, mas os poderes estabelecidos tm interesses em nos comunicar afetostristes. Afetos tristes so todos aqueles que diminuem nossa potncia de agir...(5) Propomos aqui um prazer: o de encontrar as vozes de Torquato Neto em sua potncia e na alegria (composio de aes)de seus cantos entre ns. Mas possvel o prazer de atravessarmos um corpo - e no querermos prend-lo - sem aomesmo tempo cuidarmos de nossas dores? Nietzsche j nos ensinou que a dor pergunta sempre pela causa enquantoo prazer tende a ficar consigo mesmo e no olhar para trs (6). Se a nossa vontade aqui a de seguir em frente (darvida vida) - ao de saltarmos para alm das garras do espelho re-acionrio -, essa vontade tambm j aprendeu comNietzsche que, por vezes, necessrio recuar para se dar um grande salto (7).Recuo histrico (leia-se verossimilhana) para tomar impulso:Ao ingressarmos no mestrado em Literatura Brasileira da PUC-Rio, em 1997, trazamos em nosso corpo o peso de umapaixo antiga e enorme pelo rosto de Torquato Neto. O livro Os ltimos dias de paupria era nossa bblia sagrada, arepresentao mais radical de um espelho contra-cultural. Olhvamos para Torquato de um modo fixo e obsessivo:paradoxalmente, ns o queramos em um centro puro que, inversamente, poderia configurar um ideal de margem: o poetadesafinado da Gelia Geral brasileira, o anjo torto suicida do tropicalismo. Lamos Torquato pelo seu suposto fim e nopelos seus meios possveis. No procurvamos, evidentemente, um autgrafo, mas uma autpsia.

    O anjo torto era nossa loucura chorosa e impotente. Diante das espinhas e dos espinhos de uma profunda sensao dedesajuste escolar, familiar e institucional, esse Anjo se tornava nosso heri: aquele que teve a coragem de voar paraonde nossa recusa supostamente ainda no podia pagar pra ver: o abandono da prpria vida. Uma identidadecontempladora com seu adeus, vou pra no voltar justificava o nosso ressentimento social diante dos fantasmas tidoscomo os inimigos opressores: os cultos infernais da maioria. Para ns, Torquato no era outra coisa seno, comodeclarou certa vez Dcio Pignatari, o representante de ... de tudo aquilo que, de uma forma ou de outra, era marginal apartir dos anos 60.(8) Durante o perodo em que elaboramos nossa dissertao de mestrado, defendida no incio de 1999, congelvamos maisuma vez a imagem de Torquato Neto. Mas dessa vez, ramos movidos por uma fora oposta: um desejo de realizar umaespcie de reviso autocrtica de nossa paixo adolescente pela mitologia marginal.

    Analisamos a trajetria esttico-existencial de Torquato em busca de uma reflexo capaz de compreender de que modotal trajetria foi legitimada e se legitimou enquanto um mito de marginalidade. A marginalidade era agora encarada comohttp://www.letraselivros.com.br - Letras e Livros Powered by Mambo Generated: 2 April, 2012, 10:21

  • uma poltica e no como uma crena. Desse modo, o suicdio precoce de Torquato - precedido por sua suposta e bemcontada biografia, marcada pela loucura e pelo desvio esttico-existencial - passou a ser encarado como o motor desua visibilidade, de sua canonizao em determinada tradio. Sua autofagia, que em uma viso esttica e absoluta domito de marginalidade seria exclusivamente o seu silncio de morte (seu dar as costas ao sol, como escreveu Augustode Campos), tornou-se, ao mesmo tempo, sua fala de integrao prpria vida ordinria do sistema de compra e venda dacultura dominante.

    Realizamos um exerccio reflexivo necessrio, mas niilista, em torno de uma mera constatao relativista. A margem jno podia ocupar um centro mgico, mas uma legitimidade poltica, uma negociao. Se em nossa paixo adolescentepelo mito do marginal assassinvamos Torquato para morrer com ele de paixo, agora o que fazamos era umassassinato frio de nossa paixo assassina. Sufocvamos o prazer mtico de ler Torquato em nome de um trabalhoadulto com a cultura e com a literatura. A obsesso pela virtude acadmica era ento o nosso medo viciado e, tambm,nosso vcio respeitado.

    Hoje, percebemos que Torquato ainda nos toca o corpo. Um outro Torquato. Um outro que sempre esteve vivo entre ns,apesar de nossas encenaes de assassinato. Assumimos uma dvida com a nossa vida e nos indagamos: como serpossvel, agora, manifestar um afeto com Torquato para alm de uma dicotomia entre a paixo mtico-idlatra doadolescente e a frieza adulta meramente relativizadora e desconstrutora dessa paixo? Como trazer, com a linguagemque aqui se produz, um escritor de volta a uma vida? Com uma expresso clssica de Nietzsche, podemos nosindagar: de que modo podemos encarar uma escritura com vontade de potncia? Bem entendido, vontade depotncia no vontade de poder nem vontade de dominar. Potncia no cobia, mas criao e doao (9)- dizDeleuze. A criao um gesto de violncia: trao rasgando uma pgina em branco. A doao aquilo que nos libera denossos vcios, aquilo que se cria quando nos perdemos deles. Os vcios deixam de ser o que so justamente quando asuposta pureza das virtudes (a tristeza de nosso porto seguro, como na letra da cano tropicalista Gelia Geral) j nod conta de abraar a si mesma. A cria da me virtude (o vcio) no capaz de suportar uma pretenso genticatotalitria:Torquato escreve:

    a) A virtude o prprio vcioconforme se sabe;acabe logo comigoou se acabe. b) A virtude o prprio vcio- conforme se sabe - esto no fim, no incio/da escada. Chave.(...)e) A virtude, a me do vciocomo eu tenho vinte dedos,ainda,e ainda cedo:voc olha nos meus olhosmas no v nada, se lembra?f) A virtudemais o vcio: incio daMINHAtransa. Incio fcil, termino:Deus precipcio,durma,e nem com Deus no hospcio(durma), o hospcio refgio.Fuja.(10)Inaugura-se um movimento (uma criao) em que uma fora inominvel de vida vence o limite mximo (a oniscincia)da abstrao: deus como precipcio. Mas no se trata de uma simples inverso dos dois lados da escada moral: o vcio nolugar da virtude e vice-versa. Tampouco se quer o louco no lugar do louco, o refgio. Trata-se de um modo de fugaatravs do qual as possibilidades se somam e se traam e se sujam e se transam e, em fim, que tambm em incio, acriatura e a criao se namoram e se fundem (a virtude o prprio vcio), mas elas ainda se distinguem (a virtude mais ovcio). E se tudo to claro como a soma dos vinte dedos passamos a ler ento o que no est escrito, a imagem quedana: voc olha nos meus olhos/mas no v nada, se lembra? Para onde nos leva o afeto dessa pergunta? Pararecordar o futuro, como quer Daniel Lins lendo o projeto do bom esquecimento de Nietzsche?: O esquecimento umarebelio, uma desorganizao, uma dissidncia ancorada na meditao ativa, na comtemplao que o oposto do mutismoou do quietismo dos homens triturados pelas mquinas da memria .(11)H algo n'Os ltimos dias de paupria que - agora sabemos explicitar - j vinha marcando nosso corpo desde nossasprimeiras leituras. Estava l e vive aqui, na periferia do corpo estilhaado, dando pulso nossa embriaguez para alm dahttp://www.letraselivros.com.br - Letras e Livros Powered by Mambo Generated: 2 April, 2012, 10:21

  • natureza do mito e do contra-mito j aqui cronologizados. Em dilogo com Suely Rolnik poderamos pensar que essealgo talvez j no constitua uma imagem, mas uma marca invisvel, humana e desumana, que no cessa de encontrar,em ns, ambientes de ressonncia. So como composies que atualizam uma nova diferena, um desassossegodesestabilizador. No somos ns quem conduzimos essas marcas. Ao contrrio: O que o sujeito pode, deixar-seestranhar pelas marcas que se fazem em seu corpo, tentar criar sentido que permita sua existencializao - e quantomais consegue faz-lo, provavelmente maior o grau de potncia com que a vida se afirma em sua existncia. (12) Torquato sempre ser bem vindo - ser potente - enquanto com ele pudermos nos estranhar. Enquanto com ele nopudermos ter a certeza do caminho. Perdio, fora, encontro. S assim possvel uma experincia. Experimentar umapalavra perigosa. Vista na estreiteza de seu esteretipo, tem um cheiro estrito de cronologia crnica, mofo dos anos 70.Paralisia. H muitos conhecidos nossos que em nome de uma imagem experimental conservam verdadeiros suicdiosculturais. Experimentar, aqui, no significa propriamente sair do limite, mas sair com o limite, criar e ampliar com elepossibilidades de alteraes: aes outras entre ns outros. O que no se altera no pode viver, afirma o filsofo espanholOrtega y Gasset gritando para nosotros: salgamos fuera! Para Ortega, a vida est sempre fora do Eu. E sendo maisampla do que o Eu, ela conta, sempre, com o que ele no , suas circunstncias. Quando o Eu fecha os olhos e procurapor si mesmo, supostamente dentro de um puro si mesmo, ele no se encontra como coisa, mas como um programa,pois sua prpria paisagem psquica ser sempre um dentro que se faz um fora. em conflito com o l fora que se podeperceber a diferena, a distino de um EU que se move e se altera no mundo: fuera es el mundo (13). Como se daria esse fora - que vida - no processo do escrever? O descontrole de um estalo marcando um estiloprogramado nos libera de nossas egocntricas e neurticas boas ou ms intenes todo-poderosas. esse descontroleque pode nos afastar dos domnios estritos da literatura e nos aproximar de um saudvel delrio. Delirar trair aspotncias fixas que querem nos reter (14). Assumir o escrever como um processo de devir, propor um escritor que nodeseje mais ser conhecido ou reconhecido, tal como na frase de Deleuze: escrever tornar-se outra coisa que noescritor (15). Ler tambm no seria tornar-se outra coisa que no leitor?O que nos interessa no mais Torquato representando Torquato. Mas encontrar o lugar onde Torquato com Torquatose torna imperceptvel (16): percepo inenarrvel que no podemos afirmar atravs de um tratado lgico. O que se quer um deslizar por entre uma escritura alegre. Aquela que firma conosco sua perdio, no sendo digna de ser explicada,mas convivida, em um Cogito sempre outro:

    COGITO

    eu sou como eu soupronomepessoal intransfervelda pessoa que inicieina medida do impossveleu sou como eu souagora sem grandes segredos dantessem novos secretos dentesnesta hora

    eu sou como eu soupresentedesferrolhado indecentefeito um pedao de mim

    eu sou como eu souvidentee vivo tranqilamentetodas as horas do fim. (17)Aceita-se o mundo como um devir e o fim vivido sob o signo do imediato: a linguagem no representa algo, masapresenta o intransfervel. Intransfervel no a pessoa do homem, iniciada na medida do impossvel, mas o seu lugar deencontro com a linguagem (pronome) que no cessa de se derivar: encontro singular que se estilhaa feito um pedaodesse mim. Um humanismo em crise que vive tranqilamente todas as horas do seu fim. Um fim que no cessa porque presente, passagem. Uma vidncia do presente sem segredos dantes, nem secretos dentes. Vidncia distinta doesteretipo de grandiloqncia humanista do bardo romntico: legislador do futuro.

    O homem inscrito nos textos de Torquato no se faz por sua suposta essncia, mas por seu lugar de perigo. O homem um estado inacabado. no seu limite, no seu risco de humana desumanizao, que o homem berra o homem que elepode vir a ser, nem que seja um boi:http://www.letraselivros.com.br - Letras e Livros Powered by Mambo Generated: 2 April, 2012, 10:21

  • Escute, meu chapa: um poeta no se faz com versos. o risco, estar sempre a perigo sem medo, inventar o perigo eestar sempre recriando dificuldades pelo menos maiores, destruir a linguagem e explodir com ela...E fique sabendo: quem no se arrisca no pode berrar. Citao: leve um homem e um boi ao matadouro. O que berrarmais na hora do perigo o homem, nem que seja o boi. Adeuso. (18)O matadouro trgico no um lugar de tristeza, mas um modo de arrancar alegria (ao) l da ponta do abismo davida. Se verdade, como j afirmou Waly Salomo, que ... impossvel ler uma linha de Torquato sem pensar que elese matou... (19), esse suicdio pode no ser a memria de um ponto final pronto para nossa identificao fatal, mas umalinha de fuga (uma melodia a mais) conectada no amplo espao do ambiente Torquato.Falar de Torquato agora como ouvir msica. Mas no a msica da Msica: o protocolo especializado dasclassificaes. Trata-se de um tirar leite de pedra. Ler com as ps, podemos afirmar parafraseando Nietzsche em seujbilo de escrita danante-musical. Escrever Torquato agora ento escrever com as marcas que escrevem: ...escrever fazer letra para a msica do tempo; e esta msica sempre singular (20). A msica em Torquato no nos parece ter propriamente a ver com o sentido estrito da verbivocovisualidade doformalismo concretista, ou da estrita melopia de Ezra Pound que era capaz de perceber o canto dos pssaros naspalavras de Arnaut Daniel. Se Torquato se afetou por uma educao concretista dos sentidos, tal afeto se conectou, demodo simultneo, a audies e vises de uma desarticulao relacional da palavra que no esto fora da linguagem, elas soo seu fora (21). Ciladas guardadas nas palavras, poluio de imprevisveis significados:Quando eu a recito ou quando eu a escrevo, uma palavra - um mundo poludo - explode comigo e logo os estilhaosdesse corpo arrebentado, retalhado em lascas de corte (como napalm) espalham imprevisveis significados ao redor demim: informao. Informao: h palavras que esto nos dicionrios e outras que no esto e outras que eu possoinventar, inverter. Todas juntas e minha disposio, aparentemente limpas, esto imundas e transformaram-se, tantotempo, num amontoado de ciladas.

    Uma palavra mais do que uma palavra, alm de uma cilada. Elas esto no mundo e explodem, bombardeadas. Agorano se fala nada e tudo transparente em cada forma: qualquer palavra um gesto e em sua orla os pssarossempre cantam nos hospcios. No princpio era o Verbo e o apocalipse, aqui, ser apenas uma espcie de caos nointerior tenebroso da semntica. Salve-se quem puder.(22)Entre ns, a grande arte de Torquato consiste na sua desterritorializao: a vida em movimento. Uma espcie de no-obraque pode ser sentida de forma incisiva justamente no livro que ficou conhecido como sua obra pstuma: Os ltimos diasde paupria, lanado inicialmente em 1973 pela editora Eldorado Tijuca e, posteriormente, relanado e ampliado pela MaxLimonad em 1982. Waly Salomo, organizador do livro afirmou certa vez:

    Foi um trabalho de resgate que recusava a linearidade, pois se desdobrava em ziguezagues. Os critrios de seleotinham que respeitar as variantes de um mesmo poema, por exemplo. No tinha cabimento um corte severo de eleio da"melhor" variante. Somente o autor (...) poderia ter escolhido tal vertente ou tal outra. Da optei por uma amostragemperspectiva, ou seja, a revelao dos diferentes vrtices encontrados. H quem no suporte o rugir das crateras, dosabismos, dos buracos da liberdade, ou seja, encontrar-se em alto mar quando supunha-se atracado em porto seguro...(23)Atravs ento de uma leitura em ziguezagues, capaz de surpreender a expectativa de uma recepo ancorada em umalgica linear e espera de um produto esttico bem acabado e coerente, viajamos por traos e contrastes de um poetainacabado cuja multiplicidade vai do empolgado tropicalista, autor de manifestos e engajado em um projeto coletivo deinterveno neo-antropofgica na cultura brasileira, ao ps-tropicalista gauche, do jornalista de amenidades ao cronista daguerrilha cultural, apologista do cinema marginal e da cultura subterrnea (24); da visibilidade, conquistadaprincipalmente atravs das letras de msica (parcerias com Edu Lobo, Gil, Caetano, Macal e outros), aos dirios dehospcio; da oswaldiana alegria como a prova dos nove tristeza como porto seguro.

    Mas no apenas pela multiplicidade que essas mscaras nos des-territorializam. muito mais do que isso. queTorquato mesmo um pensador des-territorializante. Uma msica que no cessa de nos surpreender. Em uma crnicade amenidades, pelos cantos do jornalista (jornalista?), no raro ouvimos uma voz que nos atualiza: notas deperplexidade (dissonncias) atuais (em ato) para os dias de sempre: vida para os amortecedores de notcias:Hoje tem espetculoV ao cinema, presta?V ao teatro, presta?Esses filmes servem a quem?Essas peas: servem? Para que? (25)http://www.letraselivros.com.br - Letras e Livros Powered by Mambo Generated: 2 April, 2012, 10:21

  • Torquato no pra de nos sugerir uma ocupao de espao. Manter a vida acesa pelos lugares por onde andamos. Umapoltica de luta para tomar o lugar. Ouamos: ocupar espao, num limite de traduo, quer dizer tomar o lugar. (...) Com sol ecom chuva. Dentro de casa,na rua. (...) espantar a caretice: tomar o lugar: manter o arco: os ps no cho: um dia depoisdo outro. (26)Agora - aqui dentro, l fora - e a partir dessa sugesto de ocupao - podemos nos indagar: que tipo de espao estamosocupando agora? Estamos ocupando algum espao?Sabemos: Os livros s valem pena quando nos mexem com a vida, quando com eles a alma da vida no pequena. Oresto burocracia acadmica, troca simblica de moedas assassinas, prontas a nos sugar a vida e nos tornarpreparados para o comrcio da morte. E no basta Ler Torquato, Deleuze ou Nietzsche ou etc. para que nos salvemos.Os livros no podem nos salvar sozinhos. necessrio que ns o necessitemos com a vida e em vivo.Muitos intelectuais e professores defendem a leitura como salvao da cultura. Mas no difcil encontrarmos mais idiotasno mundo das letras do que fora dele. Idiota, em seu sentido etmolgico, e tambm em seu sentido vital, ensina-nosDonaldo Schler lendo Herclito, aquele que no sai de si, aquele que no se des-territorializa. Para que ler umlivro? Para no sair do livro? Para nos tornarmos escravos do livro? De que modo temos lido nossos livros? Como livrosnossos? Ou como o livro do professor? (um professor que no est em ns).Do lado de dentro, do lado de fora, a pergunta, aqui, ainda deve ser: O que estamos dizendo aqui encontra ressonnciaa? Ou estamos sendo idiotas? O que vocs acham?

    *

    Notas:

    ___ (1) NETO, Torquato. Os ltimos dias de paupria. So Paulo: Max Limonad, 1982, p.325.___ (2) Idem, p.325.___ (3) Apud SALOMO, Waly. Hlio Oiticica: Qual o parangol? Rio de Janeiro: Relume Dumar, 1996.___ (4) MORISON, James Douglas. Os Mestres e as Criaturas Novas. Lisboa: Assrio & Alvim, 1994, p.36.___ (5) DELEUZE, Gilles, PARNET, Claire. Dilogos. So Paulo: Editora Escuto, 1998, p.75.___ (6) NIETZSCHE, Friedrich. A Gaia Cincia. So Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 64. ___ (7) NIETZSCHE, Friedrich. Alm do bem e do mal: preldio a uma filosofia do futuro. So Paulo: Companhia dasLetras, 1992, p. 189.___ (8) Declarao extrada de uma entrevista videografada concedida a Ivan Cardoso sobre Torquato Neto. A entrevistafoi exibida pela Rede Manchete no programa Documento Especial em janeiro de 1992.___ (9) Cf DELEUZE, Gilles. Nietzsche. Lisboa: Edies 70, 1994, p. 24.___ (10) NETO, Torquato. Os ltimos dias de paupria. So Paulo: Max Limonad, 1982, p.86.___ (11) LINS, Daniel. "Esquecer no crime". In : Nietzsche e Deleuze: Intensidade e Paixo. Rio de Janeiro: RelumeDumar; Fortaleza, CE: Secretaria de Cultura e Desporto do Estado, 2000, p. 49.___ (12) ROLNIK, Suely. "Pensamento, corpo e devir - uma perspectiva tico/esttico/poltica no trabalho acadmico".In : Cadernos de Subjetividade. So Paulo: PUC, 1993, no 2, p. 242.___ (13) Ver ORTEGA Y GASSET, Jos. Unas Lecciones de Metafsica. Madrid: Alianza Editorial, 1999, p. 159-170.___ (14) DELEUZE, Gilles, PARNET, Claire. Dilogos. So Paulo: Editora Escuto, 1998, p.53. ___ (15) DELEUZE, Gilles. "Literatura e vida". In : Crtica e clnica. So Paulo: Ed. 34, p, 1997, p.11.___ (16) Cf: DELEUZE, Gilles, PARNET, Claire. Dilogos. So Paulo: Editora Escuto, 1998, p.58.___ (17) NETO, Torquato. Os ltimos dias de paupria. So Paulo: Max Limonad, 1982, p. 98.___ (18) Idem, p. 63.___ (19) "Cave, canem, cuidado com o co". In : Folha de So Paulo. So Paulo, 5 de novembro de 1995, p.5.___ (20) ROLNIK, Suely. "Pensamento, corpo e devir - uma perspectiva tico/esttico/poltica no trabalho acadmico".In : Cadernos de Subjetividade. So Paulo: PUC, 1993, no 2, p. 242.___ (21) Cf: DELEUZE, Gilles. "Literatura e vida". In : Crtica e clnica. So Paulo: Ed. 34, p, 1997, p.16.___ (22) NETO, Torquato. Os ltimos dias de paupria. So Paulo: Max Limonad, 1982, p. 98.___ (23) "Cave, canem, cuidado com o co". In : Folha de So Paulo. So Paulo, 05/09/1995.___ (24) Palavra cunhada por Hlio Oiticica pra designar o que seria o underground brasileiro, ou, como afirmou oprprio Torquato, "...subterrnea deve significar underground, s que traduzido para o brasileiro curtido de nossos dias..."(NETO: 1982, p.70).___ (25)NETO, Torquato. Os ltimos dias de paupria. So Paulo: Max Limonad, 1982, p. 110.___ (26)Idem, 180.*

    Andr Monteiro nasceu em So Joo del-Rei, MG, em 1973. Licenciou-se em Letras pela Universidade Federal de Juizde Fora. mestre e doutor em Literatura Brasileira pela PUC-RIO. Publicou, entre outros, o ensaio A ruptura do escorpio? ensaio sobre Torquato neto e o mito de marginalidade (2000) e Ossos do cio (poesias reunidas, 2001), ambos pelaCone Sul (SP).http://www.letraselivros.com.br - Letras e Livros Powered by Mambo Generated: 2 April, 2012, 10:21

  • ( Artigo originalmente publicado na Revista Zunai / E-mail:[email protected] mailto:[email protected]) Vida , Obra, Bibliografia Nascido em Teresina, no Piau, filho de um promotor pblico e de uma professora primria,estudou em Salvador, no mesmo colgio de Gilberto Gil, de quem se aproximou aos 17 anos nas rodas artsticas deSalvador, onde conheceu tambm os irmos Caetano Veloso e Maria Bethnia. Mais tarde, em 1962, mudou-se para oRio de Janeiro, onde fez alguns anos de faculdade de jornalismo, sem se formar. No entanto, exerceu a profisso dejornalista em diversos peridicos, como o Correio da Manh (no suplemento Plug), O Sol (suplemento do Jornal dosSports) e ltima Hora, onde nos anos de 1971 e 72 escreveu sua badalada coluna Gelia Geral, em que defendia asmanifestaes artsticas de vanguarda na msica, artes plsticas, cinema, poesia etc. Fundou tambm jornaisalternativos, o Presena e o Navilouca, que s teve um nmero mas fez histria. Em 1968, com o AI-5 e o exlio dos amigose parceiros Gil e Caetano (alm de outros emigrados), viajou pela Europa e Estados Unidos com a mulher Ana Maria,morando algum tempo em Londres. De volta ao Brasil, no incio dos anos 70, ligou-se poesia marginal e aos aos conesdo cinema marginal, Julio Bressane, Rogrio Sganzerla e Ivan Cardoso. Tambm era amigo dos poetas concretistas,Dcio Pignatari, os irmos Augusto e Haroldo de Campos, e do artista plstico Hlio Oiticica. considerado um dosvrtices do movimento tropicalista, ao lado de Gil, Caetano e Capinam. Entre suas parcerias mais famosas estoLouvao (com Gil), Pra Dizer Adeus e Lua Nova (com Edu Lobo), Let's Play That (com Jards Macal), Gelia Geral(com Caetano), Mame Coragem, Marginlia 2. Participou da famosa foto da capa do disco Tropiclia ou Panis EtCircensis, em que esto includos suas msicas Mame Coragem e Gelia Geral. Seu suicdio, um dia depois de seu 28aniversrio, provocou espanto. Torquato voltou de uma festa com a mulher - que foi dormir -, trancou-se no banheiro eligou o gs, sendo encontrado morto no dia seguinte pela empregada. Deixou um bilhete de despedida que dizia:"Tenho saudade, como os cariocas, do dia em que sentia e achava que era dia de cego. De modo que fico sossegadopor aqui mesmo, enquanto durar. Pra mim, chega! No sacudam demais o Thiago, que ele pode acordar". Thiago era ofilho de trs anos de idade. Artigos da coluna Gelia Geral e poesias inditas foram reunidos no livro "Os ltimos Diasde Paupria", organizado por Waly Salomo e a viva Ana Maria em 1973. Alm disso, o cineasta Ivan Cardosoproduziu o documentrio Torquato Neto, o Anjo Torto da Tropiclia. Os Tits musicaram seu poema Go Back, que deunome ao disco da banda de 1988.(Fonte: www.cliqueuol.com.br ) Livro: DO LADO DE DENTRO - ( Torquatlia - Volume 1)Sub Titulo: Obra reunida de Torquato NetoAutor: Torquato Neto (autor) Paulo Roberto Pires (organizao)ISBN:85-325-1590-8Pginas:368Formato : 16x32Preo : R$ 48,50

    inestimvel o valor de Torquatlia, livro organizado pelo escritor e jornalista Paulo Roberto Pires em dois volumes -Do lado de dentro e Gelia Geral - que renem toda a obra escrita conhecida de Torquato Neto. Quando o assunto tropicalismo, imprensa alternativa ou poesia marginal, comum Torquato ser lembrado, sobretudo no meio acadmico.Entretanto, poucos conhecem de fato sua colaborao cultura brasileira. Uma das razes a prpria natureza plural efragmentria de seu trabalho - Torquato era poeta, compositor, cineasta, ator e jornalista, dentre outras atividades,mas, ao morrer, em 1972, com 28 anos, no deixou livros publicados; o filme que dirigiu no estava montado; grandeparte de suas composies no havia sido gravada; as colunas que assinou na imprensa existiam apenas nos arquivoscaticos dos jornais; a maioria das publicaes alternativas que brindou com seu trabalho j estava definitivamenteperdida. Agora, aps um longo trabalho de pesquisa, os dois volumes de Torquatlia resgatam todos os textos deTorquato Neto que foi possvel localizar: poemas, letras de msica, ensaios, roteiros de cinema e televiso, dirio,cartas, anotaes, crticas e textos jornalsticos.Em 1973, um ano depois da morte de Torquato, os escritos do artista foram reunidos num livro pstumo de pouco maisde cem pginas, Os ltimos dias de Paupria, organizado por sua mulher, Ana Maria Duarte, e pelo amigo WalySalomo. A segunda edio, de 1982, era bem mais completa, com cerca de 300 pginas. Mas o livro est esgotadoh muitos anos, e as editoras que o publicaram no existem mais. Portanto, os textos de Torquato s podiam serencontrados nas poucas bibliotecas que tivessem algum exemplar de Os ltimos dias de Paupria. Por outro lado, aolongo das duas dcadas que se seguiram ao lanamento da segunda edio do livro, trabalhos desconhecidos do autornunca pararam de vir tona, encontrados nos arquivos pessoais de amigos, parentes e instituies. Todo esse material,indito em livro ou no, est agora disponvel em Torquatlia, que soma quase 780 pginas de textos de TorquatoNeto, com o objetivo de preserv-lo e apresent-lo a geraes passadas e futuras que, de outro modo, s o conheceriamde ouvir falar, se tanto. Mesmo quem conviveu com ele nos anos 60 e 70 ler pela primeira vez uma srie de textos desua autoria.

    Do lado de dentro, o primeiro volume de Torquatlia, j comea com poemas inditos da adolescncia de Torquato,escritos entre 1961 e 1962, mas que j antecipavam temas e procedimentos que marcariam sua obra. Sopreciosidades que, por muito tempo, permaneceram guardadas na casa de seus pais, em Teresina, no Piau. Mesmo nohttp://www.letraselivros.com.br - Letras e Livros Powered by Mambo Generated: 2 April, 2012, 10:21

  • captulo dedicado poesia madura de Torquato, h uma novidade: um poema indito que s Ronaldo Bastos possua.

    Em seguida, o livro apresenta os primeiros manifestos tropicalistas de Torquato. O destaque aqui o provvel roteirooriginal de Vida, paixo e banana do tropicalismo, que deveria ter sido o primeiro programa de TV tropicalista, idealizadopor Torquato e Jos Carlos Capinam em 1968. Na poca, um desentendimento com o patrocinador fez com que oespecial fosse ao ar com um contedo completamente diferente do previsto no roteiro. O nome tambm fora mudado,passando para Tropiclia ou panis et circensis. Outra jia deste captulo a transcrio de um dilogo delicioso comRogrio Duarte, poeta que influenciou decisivamente o movimento.

    Torquatlia - Do lado de dentro traz tambm o cancioneiro de Torquato. Enquanto a segunda edio de Os ltimos diasde Paupria trazia 16 letras de msicas, o lanamento da Rocco rene mais de 40 composies do autor. Muita coisa foidescoberta apenas recentemente pelos parceiros de Torquato. Gilberto Gil, por exemplo, encontrou duas parcerias suasque estavam perdidas. A "nova" leva inclui tambm uma msica composta com Caetano Veloso, jamais gravada. Hletras que Torquato pediu para Jards Macal e Luiz Melodia musicarem, tarefa que s foi cumprida tardiamente. Go back um dos exemplos de parceria pstuma - no caso, com Srgio Brito, dos Tits, que fez a cano a partir de poemas deTorquato. E claro que tambm esto no livro suas clssicas Gelia geral, Mame coragem, Veleiro, Louvao eMarginlia II, que se eternizaram na histria da MPB.

    No captulo dedicado aos textos sobre cinema, o documento mais importante o roteiro essencial de O terror daVermelha, filme que Torquato rodou em super-oito no ano de sua morte. O trabalho foi revelado e montadopostumamente, pelo parceiro Carlos Galvo, o que s foi possvel devido s orientaes contidas nesse texto.

    Um dos pontos mais interessantes de Torquatlia - Do lado de dentro a correspondncia de Torquato Neto. Umalonga troca de cartas com Hlio Oiticica, datadas de 1971 e 1972, s agora publicada. So relatos de um perodo crticotanto para Torquato quanto para o Brasil. Os escritos oferecem, em primeira pessoa, um panorama da imprensaalternativa carioca da poca, um balano afetivo e intelectual de Torquato em relao Tropiclia, os bastidores dascolunas que ele assinava nos jornais, as estratgias para sobreviver num tempo de censura e um debate exaltadosobre a herana do Cinema Novo e os caminhos do udigrudi. "Alm de seu valor histrico, as cartas Torquato-Hlio soum dos melhores exemplos de como acontece, na prtica, o ideal romntico de fundir vida e arte", escreve PauloRoberto Pires.

    O captulo intitulado Cadernos compila escritos esparsos, anotaes diversas, idias em fase embrionria e mesmotextos prontos de Torquato. Ele escrevia compulsivamente e guardava quase tudo, mas destruiu grande parte desseacervo catico nos meses que antecederam sua morte. Torquatlia rene o material que foi salvo por Ana MariaDuarte.

    Impressionante a ntegra de O engenho de dentro, dirio feito em 1971, durante o perodo que Torquato ficouinternado voluntariamente no Hospital Psiquitrico Pedro II, no bairro do Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro (RJ). oregistro de uma experincia-limite importantssima para o artista.

    O primeiro volume de Torquatlia termina com uma cpia fac-similar da participao de Torquato no nico nmero darevista Navilouca, criada em 1972 para ser porta-voz da gerao que detonou o tropicalismo, mas tambm seu ltimosuspiro. A revista s sairia em 1974, com Torquato j morto. Como escreve Paulo Roberto Pires, "era o incio de umaintensa vida artstica pstuma".

    Gelia Geral, o segundo volume deste valioso inventrio cultural, dedicado exclusivamente aos textos que TorquatoNeto escreveu na imprensa carioca e rene todos os escritos da coluna Gelia Geral, publicada quase diariamentepelo jornal ltima Hora entre agosto de 1971 e maro de 1972. Inditos em livro so a coluna Msica popular e os textosde Torquato para o suplemento Plug. A primeira saa quase todos os dias no Jornal dos Sports, entre maro e setembrode 1967, sendo posteriormente transferida para o mtico tablide O Sol, imortalizado na cano Alegria, alegria, de CaetanoVeloso, nos versos "O Sol nas bancas de revista / Me enche de alegria e preguia / Quem l tanta notcia?". Plug, porsua vez, foi um suplemento cultural criado para ajudar a reerguer o combalido Correio da Manh, mas no passou dejunho de 1971.Lidos em conjunto, esses textos feitos para a grande imprensa formam uma crnica fiel de uma poca. Nas colunas,Torquato documentou os primeiros passos das carreiras de Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa, Maria Bethnia,Vitor Martins, Renato Teixeira, Luiz Melodia e tantos outros; resenhou, por exemplo, lanamentos de Chico Buarque,Nara Leo e Ataulfo Alves, alm de aproveitar relanamentos de Noel Rosa, Slvio Caldas e Lamartine Babo paraenaltecer estes e outros mestres; antecipou letras ainda inditas de Gil (Expresso 2222) e Chico (Roda viva);entrevistou Capinam, Nelson Motta, Sidney Miller e Reginaldo Bessa; exps os bastidores dos festivais da cano, daindstria fonogrfica e da arrecadao de direitos autorais; comentou shows antolgicos de Norma Bengell, BadenPowell, Grande Otelo e Gal Costa (A todo vapor); falou mal do Cinema Novo e defendeu o cinema udigrudi e foicomentarista atento de tantos outros acontecimentos de destaque da poca.

    Os textos introdutrios de Paulo Roberto Pires contextualizam cada faceta desta obra to fragmentada. E ao fim de cadahttp://www.letraselivros.com.br - Letras e Livros Powered by Mambo Generated: 2 April, 2012, 10:21

  • volume apresentada uma cronologia da vida de Torquato Neto e do Brasil em que ele viveu, para ajudar o leitor acompreender o legado do artista.( Fonte : www.rocco.com.br )

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