topologia e espaços métricos

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Topologia e espa¸ cos m´ etricos Roberto Imbuzeiro Oliveira * 7 de Fevereiro de 2014 Conte´ udo 1 Preliminares sobre conjuntos 2 2 Introdu¸c˜ ao aos espa¸cos m´ etricos 3 2.1 Defini¸c˜ ao ............................. 3 2.2 Exemplos ............................. 3 2.2.1 A reta real ........................ 3 2.2.2 O espa¸ co Euclideano de d dimens˜ oes .......... 4 2.2.3 A m´ etrica discreta .................... 5 2.2.4 Restri¸c˜ oes ......................... 5 2.3 Sequˆ encias, limites e completude ................ 6 2.4 Continuidade ........................... 7 3 Introdu¸c˜ ao ` a topologia: abertos, fechados e companhia 8 3.1 Uni˜ oes e interse¸c˜ oes ....................... 9 3.2 Caracterizando os fechados via limites ............. 10 3.3 Continuidade, abertos e fechados ................ 11 3.4 Fechos, interiores e pontos de acumula¸c˜ ao ........... 13 3.5 Como s˜ ao os abertos de R? ................... 14 3.6 Mais exerc´ ıcios .......................... 15 4 Conjuntos conexos 15 4.1 Conexidade e fun¸ oes cont´ ınuas ................. 16 4.2 Os conjuntos conexos de R ao os intervalos .......... 18 4.3 Aplica¸c˜ oes ............................. 20 * IMPA, Rio de Janeiro, RJ, Brazil, 22430-040. 1

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Page 1: Topologia e espaços métricos

Topologia e espacos metricos

Roberto Imbuzeiro Oliveira∗

7 de Fevereiro de 2014

Conteudo

1 Preliminares sobre conjuntos 2

2 Introducao aos espacos metricos 32.1 Definicao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32.2 Exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3

2.2.1 A reta real . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32.2.2 O espaco Euclideano de d dimensoes . . . . . . . . . . 42.2.3 A metrica discreta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52.2.4 Restricoes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

2.3 Sequencias, limites e completude . . . . . . . . . . . . . . . . 62.4 Continuidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

3 Introducao a topologia: abertos, fechados e companhia 83.1 Unioes e intersecoes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93.2 Caracterizando os fechados via limites . . . . . . . . . . . . . 103.3 Continuidade, abertos e fechados . . . . . . . . . . . . . . . . 113.4 Fechos, interiores e pontos de acumulacao . . . . . . . . . . . 133.5 Como sao os abertos de R? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143.6 Mais exercıcios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

4 Conjuntos conexos 154.1 Conexidade e funcoes contınuas . . . . . . . . . . . . . . . . . 164.2 Os conjuntos conexos de R sao os intervalos . . . . . . . . . . 184.3 Aplicacoes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

∗IMPA, Rio de Janeiro, RJ, Brazil, 22430-040.

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5 Conjuntos compactos 215.1 Compactos sao completos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 215.2 Compactos sao totalmente limitados . . . . . . . . . . . . . . 235.3 O criterio das subsequencias convergentes . . . . . . . . . . . 265.4 Compactos de Rd: o teorema de Heine-Borel . . . . . . . . . . 295.5 Criterios topologicos para a compacidade . . . . . . . . . . . 295.6 Continuidade uniforme . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 325.7 Conjuntos perfeitos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33Estas notas serao atualizadas ao longo das proximas aulas.

1 Preliminares sobre conjuntos

Aqui observamos alguns fatos sobre conjuntos que nao havıamos observadoantes.

Em primeiro lugar, e possıvel falar de unioes e intersecoes de um numeroarbitrario de conjuntos. Mais exatamente: suponha que I 6= ∅ e um conjuntoe a cada i ∈ I esta associado um conjunto Ai

1. (Neste caso dizemos que{Ai}i∈I e uma famılia de conjuntos indexada por I). Definimos as unioes∪i∈IAi e intersecoes ∪i∈IAi pelas regras:

∀x : “x ∈⋃i∈I

Ai”⇔ “∃i ∈ I : x ∈ Ai”.

∀x : “x ∈⋂i∈I

Ai”⇔ “∀i ∈ I : x ∈ Ai”.

Em segundo lugar, observamos que, se todos os Ai estao contidos nummesmo conjunto X, podemos falar do complemento Ac

i := X\Ai de cadaAi com relacao a X. Notamos que a operacao de tomar complementos eidempotente ((Ac)c = A) e troca intersecao por uniao:

⋃i∈I

Aci =

(⋂i∈I

Ai

)c

.

1A maneira correta de pensar nisso seria imaginar que temos uma funcao f : I →A, onde A e um conjunto cujos elementos sao conjuntos. Sendo assim, Ai seria um“sinonimo” de f(i).

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2 Introducao aos espacos metricos

Neste trecho do curso estudaremos um pouco da teoria de espacos metricos,com enfase em problemas topologicos, isto e, relacionados a conjuntos abertose fechados e a funcoes contınuas.

2.1 Definicao

Definicao 1 Um espaco metrico e um conjunto X 6= ∅ munido de umafuncao d : X×X → [0,+∞), chamada de metrica sobre X, com as seguintespropriedades.

1. d e nao-negativa e separa pontos distintos: para quaisquer a, b ∈X, d(a, b) = 0 se e somente se a = b;

2. d e simetrica: para qualquer par (a, b) ∈ X ×X, d(a, b) = d(b, a);

3. d satisfaz a desigualdade triangular: para quaisquer a, b, c ∈ X,d(a, b) ≤ d(a, c) + d(c, b).

Todas as propriedades de metrica acima tem uma interpretacao intuitivase pensamos em d como uma nocao de distancia. A propriedade 1 diz quea distancia de um lugar a ele mesmo e nula, mas que qualquer outro lugaresta a distancia positiva. A segunda propriedade afirma que ir de a a b naoe mais facil ou difıcil que ir de b a a. A terceira propriedade afirma que irde a para c e depois para b nao pode resultar em um caminho mais curtoque a rota direta de a para b.

2.2 Exemplos

Veremos abaixo os principais exemplos de espacos metricos que serao recor-rentes no curso. Ocasionalmente usaremos a convencao de denotar por dXa metrica de X; isto sera util quando tratarmos muitos espacos metricos deuma unica vez.

2.2.1 A reta real

X = R com a metrica d(a, b) := |a − b| ((a, b) ∈ R2). As duas primeiraspropriedades da definicao de metrica sao triviais. A terceira e consequenciade “|x+y| ≤ |x|+ |y|”aplicada a x = a− c e y = c− b. Em todas estas notastomaremos esta metrica como a metrica padrao sobre R, a nao ser quandoo contrario for dito.

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2.2.2 O espaco Euclideano de d dimensoes

Nossa segunda classe mais importante de exemplos e dada por X = Rd

com d ∈ N. Os elementos deste conjunto serao representados na formax ∈ Rd, com as d coordenadas de x escritas como x[1], x[2], . . . , x[d]. Asvezes usaremos as seguintes operacoes:

• Soma e diferenca: dados x, y ∈ Rd, definimos x± y ∈ Rd como o vetorde coordenadas x[i]± y[i] (1 ≤ i ≤ d).

• Multiplicacao por escalar: se x ∈ Rd e λ ∈ R, λx e o vetor de coorde-nadas λx[i] (1 ≤ i ≤ d).

A metrica que normalmente usaremos sobre Rn sera a Euclideana. Paradefini-la, vamos primeiro fixar a norma Euclideana:

‖x‖ :=

√√√√ d∑i=1

x[i]2 (x ∈ Rd)

e entao definir d(a, b) := ‖a − b‖ para (a, b) ∈ Rn × Rn (aqui definimos asoma e subtracao de vetores coordenada a coordenada). Provaremos abaixoque d tem as tres propriedades pedidas de uma metrica.

1. Veja que ‖x‖ ≥ 0 sempre, com igualdade se e somente se todas ascoordenadas de x sao nulas. A propriedade segue quando se aplicaisto a x = a− b.

2. Vem do fato que ‖x‖ = ‖−x‖, onde −x e o vetor de coordenadas −x[i](com i ∈ [n]), uma vez que se aplica isto a x = a− b.

3. Como no caso de X = R, vamos tomar x = a − c e y = c − b eargumentar que ‖x+ y‖ ≤ ‖x‖+‖y‖. De fato, como a funcao que levat ≥ 0 em t2 e crescente, basta provar que

‖x+ y‖2 =

n∑i=1

(x[i] + y[i])2

e menor ou igual a (‖x‖+ ‖y‖)2. Para isto expandimos os quadradosacima.

‖x+ y‖2 =

n∑i=1

x[i]2 +

n∑i=1

y[i]2 + 2

n∑i=1

x[i]y[i].

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Veja que a primeira soma do lado direito e ‖x‖2, a segunda e ‖y‖2 ea terceira pode ser cotada superiormente por ‖x‖ ‖y‖ (isto e precisa-mente a desigualdade de Cauchy Schwartz!). Portanto, temos

‖x+y‖2 = ‖x‖2+‖y‖2+2n∑

i=1

x[i]y[i]. ≤ ‖x‖2+‖y‖2+2‖x‖ ‖y‖ = (‖x‖+‖y‖)2.

Em todas estas notas tomaremos esta metrica como a metrica padraosobre Rd, a nao ser quando o contrario for dito. No entanto, outras metricassao possıveis.

Exercıcio 1 (Distancia do maximo) Defina ‖x‖∞ := max{|x[1]|, . . . , |x[d]|}(x ∈ Rd). Prove que

∀x ∈ Rd : ‖x‖∞ ≤ ‖x‖ ≤√d ‖x‖∞.

Mostre que pode haver igualdade tanto na desigualdade inferior quanto nasuperior. Mostre ainda que

d(a, b) := ‖a− b‖∞ ((a, b) ∈ Rd × Rd)

define outra metrica sobre Rd.

2.2.3 A metrica discreta

Os exemplos acima podem passar a impressao de que todo espaco metricoe “agradavel”e que a metrica sempre tem uma boa interpretacao comodistancia. Ha, no entanto, um exemplo simples de metrica que nao temqualquer interpretacao clara. Esta metrica – chamada de metrica discretasobre X – tem a seguinte forma:

d(a, b) :=

{1 se a 6= b0 se nao.

((a, b) ∈ X2)

Embora esquisita, esta metrica serve para treinar os conceitos que veremosabaixo. Nao custa lembrar: qualquer resultado que queiramos provar paraqualquer espaco metrico tem de valer para esta classe estranha!

2.2.4 Restricoes

Nossa ultima classe de exemplos e obtida por restricoes: se Y ⊂ X nao evazio, a restricao de uma metrica dX sobre X define uma metrica dY sobre Y[exercıcio]. Por exemplo, Y = Q, ou Y = [0, 1] tambem podem ser tomadocomo espacos metricos com a metrica dY (a, b) = |a− b| ((a, b) ∈ Y 2).

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2.3 Sequencias, limites e completude

Fixo um espaco metrico (X, dX), podemos falar de sequencias {xn}n∈N ⊂ X.Assim como no caso de sequencias reais, isto e apenas uma forma de escreveruma funcao de N em X, que trataremos como uma sucessao de termos emX. Nao e difıcil adaptar as definicoes da reta R para este caso.

Definicao 2 Uma sequencia {xn}n∈N ⊂ X converge (segundo a metricadX) a um x ∈ X se para todo ε > 0 existe um n0 ∈ N tal que:

∀n ∈ N : n ≥ n0 ⇒ d(xn, x) < ε.

Como no caso de numeros, trocar < ε por ≤ ε na definicao nao mudanada.

Definicao 3 Uma sequencia {xn}n∈N ⊂ X e Cauchy (segundo a metricadX) se para todo ε > 0 existe um n0 ∈ N tal que:

∀m,n ∈ N : m,n ≥ n0 ⇒ d(xn, xm) < ε.

(X, dX) e dito completo se toda sequencia de Cauchy no espaco converge.

A prova de que “convergente”⇒“Cauchy”no caso real se adapta per-feitamente ao caso de espacos metricos gerais. A recıproca nem sempree verdadeira, pois nem todo espaco metrico e completo. Vejamos isto emalguns exemplos.

Exemplo 1 (R, dR) e completo, mas (Q, dQ) nao e.

Exemplo 2 (R2, dR2) e completo. De fato, suponha que {xn}n ⊂ R2 eCauchy. O exercıcio 1 acima implica tanto a primeira quanto a segundacoordenadas de xn formam sequencias de Cauchy, que portanto tem limitesx[1], x[2]. O mesmo exercıcio nos permite concluir que xn converge ao vetorx com estas coordenadas. O raciocınio e o mesmo para dimensoes d =3, 4, 5, . . .

Exercıcio 2 Prove mais formalmente que {xn}n∈N ⊂ Rd converge a x ∈ Rd

se e somente se xn[i]→ x[i] para cada coordenada 1 ≤ i ≤ d.

Exercıcio 3 Calcule o limite dos vetores cujas coordenadas sao n/n!, n2/n!,. . . , nd/n! (com n ∈ N).

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Exemplo 3 Suponha que x ∈ X e discreto, isto e, que existe um r > 0tal que ∀x ∈ X e ∀y ∈ X\{x}, d(x, y) ≥ r. Neste caso xn e Cauchysee somente se existe um n0 tal que xn = xn0 para todo n ≥ n0 (de fato,basta tomar o n0 correspondendo a escolha de ε = r). Mais ainda: quandoisto acontece, limxn = xn0. Segue disto que todo conjunto vira um espacometrico completo com a metrica dscreta.

Exercıcio 4 Prove que xn → x se e somente se dX(xn, x) → 0 (note quedX(xn, x) e sequencia de numeros reais).

2.4 Continuidade

Vamos definir logo de cara um dos conceitos mais importantes do curso.

Definicao 4 Sejam (X, dX), (Y, dY ) espacos metricos e f : X → Y umafuncao. Dizemos que f e contınua em x ∈ X se para toda sequencia{xn}n∈N ⊂ X com xn → x, temos f(xn) → f(x). f e dita contınua see contınua em todo x ∈ X.

Exemplo 4 Se X = Y = R vemos claramente que as funcoes f(x) = a x+b(com a e b contantes), f(x) = xk (k ∈ N), . . . sao contınuas, por causadas regras sobre limites de produtos. A funcao f(x) = 1/x e contınua emX = R\{0}. A soma e o produto de funcoes contınuas tambem e contınua.

Exercıcio 5 Enuncie de forma precisa e prove a afirmacao de que a com-posicao de funcoes contınuas e contınua.

Exemplo 5 Se X = Rd e Y = R, qualquer funcao que seja um polinomionas variaveis x[1], . . . , x[d] e contınua. Se P e um destes polinomios, 1/P (x)e contınua quando tomamos como domınio o conjunto

X := {x ∈ X : P (x) 6= 0}.

Proposicao 1 Seja d a metrica discreta sobre X, um conjunto com dois oumais pontos. Entao:

• qualquer funcao f : X → R e contınua, mas

• uma funcao f : R→ X so pode ser contınua se e constante.

A primeira parte vem do fato que, em X, xn → x se e somente se xn → xpara todo n grande. A segunda parte sera evidente quando falarmos deconexidade.

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Exercıcio 6 Dado L > 0, suponha que f : X → Y e L-Lipschitz, isto e,temos dY (f(x), f(x′)) ≤ L dX(x, x′) para quaisquer x, x′ ∈ X. Mostre que fe contınua.

Exercıcio 7 Fixo x0 ∈ X, defina f : X → R com f(x) := dX(x, x0) (x ∈X). Mostre que f e 1-Lipshitz e portanto contınua.

Exercıcio 8 Fixe S ⊂ X, S 6= ∅.

1. Mostre que, para qualquer x ∈ X, o conjunto

{dX(x, s) : s ∈ S}

tem um ınfimo.

2. Prove que dX(x, S) := inf{dX(x, s) : s ∈ S} e funcao 1-Lipschitz (eportanto contınua) de X em R.

Nas secoes seguintes seguintes faremos a relacao entre continuidade econceitos “topologicos.”

3 Introducao a topologia: abertos, fechados e com-panhia

Nesta secao (X, dX) e um espaco metrico dado. Dados x ∈ X e r ≥ 0,denotamos por BX(x, r) ou apenas B(x, r) a chamada bola aberta de raio rao redor de x:

B(x, r) := {y ∈ X : d(x, y) < r}.

Tambem definimos a bola fechada BX [x, r] ou B[x, r] como

B[x, r] := {y ∈ X : d(x, y) ≤ r}.

Exercıcio 9 Mostre que, dados 0 ≤ r′ < r,

B(x, 0) = ∅B[x, 0] = {x} ⊂ B[x, r′] ⊂ B(x, r) ⊂ B[x, r].

Mostre que B[x, 0] = B[x, 1/2] = B(x, 1) se a metrica e discreta.

Definicao 5 A ⊂ X e dito aberto (segundo a metrica dX) se para todox ∈ X existe um δ > 0 tal que BX(x, δ) ⊂ A. F ⊂ X e dito fechado se X\Fe aberto.

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Exemplo 6 Todos os subconjuntos sao abertos e fechados se a metrica ediscreta.

Exemplo 7 Considere uma bola aberta B(x, r). Afirmamos que ela e umconjunto aberto. Para isto precisamos mostrar que, dado qualquer y ∈B(y, r), temos B(y, δ) ⊂ B(x, r) para algum δ > 0.

De fato, dado y ∈ B(x, r), temos r′ := d(x, y) < r. Tomando δ := r− r′,que e positivo, vemos que

∀z ∈ B(y, δ) : d(z, x) ≤ d(z, y) + d(x, y) < δ + r′ = r.

Portanto todo z ∈ B(y, δ) tambem esta em B(x, r), ou seja, B(y, δ) ⊂B(x, r) CQD.

Exemplo 8 De forma semelhante, podemos provar que B[x, r] e fechadopara todo r ≥ 0 (isto inclui o caso de {x} = B[x, 0]). Para fazer istomostraremos que X\B[x, r] e aberto. De fato, para qualquer y ∈ X\B[x, r]temos d(y, x) =: r′ > r, portanto, se δ := r′ − r, temos

∀z ∈ B(y, δ) : d(z, x) ≥ d(y, x)− d(z, y) > r′ − δ = r,

o que implica B(y, δ) ⊂ X\B[x, r]. Como δ > 0 e podemos encontrar o δpara qualquer y ∈ X\B[x, r], deduzimos que X\B[x, r] e aberto, de modoque B[x, r] e fechado.

Exercıcio 10 Prove que ∅ e X sao ambos abertos e fechados.

Exercıcio 11 Prove que todos os subconjuntos de X sao abertos se usamosa metrica discreta.

Exercıcio 12 Prove que os intervalos abertos e fechados de R sao mesmoabertos e fechados.

3.1 Unioes e intersecoes

Um dos fatos basicos sobre abertos e que qualquer uniao de abertos e aberta.Isto inclui unioes de um numero infinito de conjuntos.

Proposicao 2 Seja A uma famılia de subconjuntos abertos de X. Entao auniao ∪A∈AA e aberta.

Prova: Suponha que a ∈ ∪A∈AA. Devemos provar que existe δ > 0 tal queB(a, δ) ⊂ ∪A∈AA. Para isto basta tomar um A tal que a ∈ A (tem deexistir, pois a pertence a uniao) e observar que, como este A e aberto, temde existir δ > 0 com B(a, δ) ⊂ A. Como A ⊂ ∪A∈AA, isto tambem implicaB(a, δ) ⊂ ∪A∈AA, 2

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Nao pode valer um resultado analogo para intersecoes de um numeroinfinito de abertos. Por exemplo, em R, a famılia

A := {(−t, t) : t > 0}

tem intersecao {0}, que nao e aberto. No entanto, vale que a intersecao deum numero finito de abertos e aberta.

Proposicao 3 Sejam A1, . . . , Am ⊂ X abertos. Entao ∩mi=1Ai e aberto.

Prova: Se a ∈ ∩mi=1Ai, temos que a ∈ Ai para cada i. Como estes conjuntossao abertos, existem δ1, . . . , δm > 0 tais que B(a, δi) ⊂ Ai, 1 ≤ i ≤ m. Masentao

δ := min{δ1, . . . , δi} > 0

e tal que∀1 ≤ i ≤ m : B(a, δ) ⊂ Ai,

o que implica B(a, δ)] ⊂ ∩mi=1Ai. 2

Nos exercıcios a seguir, e bom lembrar que um conjunto e fechado se esomente se tem complementar aberto.

Exercıcio 13 Mostre que qualquer intersecao de conjuntos fechados e fe-chada. Prove ainda que a uniao de um numero finito de conjuntos fechadosresulta em outro conjunto fechado.

3.2 Caracterizando os fechados via limites

Nas definicoes acima definimos fechado em funcao de aberto. Grosso modo,chamaremos de topologicos todos os resultados e definicoes que forem feitosa partir dos conjuntos abertos. Deste modo, a propria definicao de fechadoe topologica.

A nossa definicao de aberto e metrica (isto e, depende de d); damosabaixo uma formulacao metrica para os conjuntos fechados.

Proposicao 4 F ⊂ X e fechado se e somente se limn xn ∈ F para todasequencia convergente {xn}n∈N ⊂ F .

Prova: Como a definicao de fechado e em funcao da de aberto, temos derecorrer a A := X\F . O que a proposicao diz e:

A e aberto ⇔ toda seq. convergente {xn}n ⊂ X\A tem limite em X\A.

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Vamos provar primeiro a direcao “⇒”. Supondo que A e aberto, seja {xn}nqualquer sequencia convergente contida emX\A e seja x = limn xn. Fixandoy ∈ A, mostraremos que x 6= y; o fato de que y pode ser qualquer elementode A implica x 6∈ A, como desejado. Fixe entao y ∈ A. Como A e aberto,∃r > 0 : B(y, r) ∈ A. Por outro lado, como xn 6∈ A para todo n, temos:

∀n ∈ N : xn 6∈ B(y, r), isto e, d(xn, y) ≥ r.

O exercıcio 7 nos mostra que a funcao dX(·, y) e contınua. Como xn → x,isto implica que d(xn, y)→ d(x, y). Pelas propriedades do limite de numerosreais, isto nos diz que d(x, y) ≥ r > 0.

Para terminar a prova, mostraremos que, se A nao e aberto, entao∃{xn} ⊂ F com limn xn ∈ A. De fato, se A nao e aberto, entao existez ∈ A com B(z, r) 6⊂ A para todo r > 0. Isto quer dizer que a bola abertaB(z, r) sempre tem pelo menos um elemento de F = X\A. Em particular,para cada n ∈ N podemos escolher um elemento

xn ∈ F ∩B(z, 1/n).

Afirmamos que a sequencia {xn} converge a z. De fato, para provar isto,basta mostrar que d(xn, z) → 0 (ver exercıcio 4). Para isto, observe que,para cada n ∈ N, d(xn, z) ≥ an := 0 e

d(xn, z) ≤ bn := 1/n, ja que xn ∈ B(z, 1/n).

Portanto, a sequencia {d(xn, z)}n∈N esta “sanduichada” entre duas sequenciasan, bn → 0, o que significa d(xn, z)→ 0.

Vamos agora concluir a prova observando o que fizemos. Nossa missaoera provar que, se A nao e aberto, existe uma sequencia {xn}n ⊂ F con-vergindo a z 6∈ F . Veja que, de fato, a sequencia {xn}n que acabamos deconstruir so tem elementos de F ; por outro lado, z = limn xn ∈ A = X\F ;portanto, missao cumprida. 2

3.3 Continuidade, abertos e fechados

Nosso objetivo nesta secao e apresentar a ideia de continuidade de formatopologica, ao inves da forma metrica (via limites) que ja mostramos acima.Na prova da equivalencia a seguir, veremos ainda uma outra definicao metricade continuidade.

Recorreremos a uma notacao que sera muito usada no que segue: dadosf : X → Y e S ⊂ Y ,

f−1(S) := {x ∈ X : f(x) ∈ S}.

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Exercıcio 14 Mostre que

f−1(S ∪R) = f−1(S) ∪ f−1(R), f−1(S ∩R) = f−1(S) ∩ f−1(R)

ef−1(S\R) = f−1(S)\f−1(R).

Teorema 1 Sejam (X, dX) e (Y, dY ) espacos metricos. Dada f : X → Y ,as seguintes afirmacoes sao equivalentes.

1. f e contınua, isto e, se {xn}n∪{x} ⊂ X e xn → x (segundo a metricadX), entao f(xn)→ f(x) (segundo a metrica dY ).

2. Para qualquer F ⊂ Y fechado em Y , f−1(F ) ⊂ X e fechado em X.

3. Para qualquer A ⊂ Y aberto, f−1(A) ⊂ X e aberto.

4. Para todos x ∈ X e ε > 0, existe δ > 0 tal que:

∀x′ ∈ X : “dX(x, x′) < δ”⇒ “dY (f(x), f(x′)) < ε”.

Prova: Passo 1 ⇒ 2. Tome f contınua e F ⊂ Y fechado. Tome umasequencia convergente {xn}n∈N ⊂ f−1(F ) com limite x ∈ X; nosso objetivoe provar que x ∈ f−1(F ), ou seja, que f(x) ∈ F . Mas isto e simples, ja quef(xn) → f(x) (por continuidade), {f(xn)}n∈N ⊂ F (ja que xn ∈ f−1(F )para cada n) e F e fechado (de modo que o limite de qualquer sequenciaconvergente em F tambem esta em F ).Passo 2⇒ 3. Vem do exercıcio anterior a prova juntamente com o fato deque A e aberto se e somente se X\A e fechado.Passo 3 ⇒ 4. Fixos ε > 0 e x ∈ X, vamos encontrar o δ desejado. Parafazer isto observe que a bola BY (f(x), ε) ⊂ Y e um aberto de Y , de modoque (pelo item 3) f−1(B(f(x), ε)) e aberto. Como f(x) ∈ B(f(x), ε), x eum elemento do aberto f−1(B(f(x), ε)); pela definicao de aberto, isto im-plica que ∃δ > 0 tal que BX(x, δ) ∈ f−1(B(f(y), ε)). Isto quer dizer que,para todo x′ ∈ B(x, δ) – ou seja, todo x′ ∈ X com dX(x, x′) < δ – temosf(x′) ∈ B(f(x), ε) – ou seja, dY (f(x), f(x′)) < ε. Em outras palavras, o δque apresentamos e precisamente o que tınhamos de encontrar.Passo 4 ⇒ 1. Suponha que xn → x em X; nosso objetivo e provar quelimn f(xn) = f(x), ou seja, que dado ε > 0 existe um n0 ∈ N tal que

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dY (f(xn), f(x)) < ε se n ≥ n0. Para isto, fixamos ε > 0 e achamos o n0 cor-respondente. Pelo item 4 podemos encontrar δ > 0 tal que dX(x′, x) < δ im-plica dY (f(x′), f(x)) < ε. Como xn → x, existe n0 ∈ N tal que dX(xn, x) < δsempre que n ≥ n0. Mas entao temos dY (f(xn), f(x)) < ε sempre quen ≥ n0. Ou seja, este n0 assegura a propriedade desejada. 2

3.4 Fechos, interiores e pontos de acumulacao

Vamos definir aqui algumas outras nocoes topologicas e fazer alguns co-mentarios sobre elas. Novamente (X, d) e um espaco metrico.

Definicao 6 O interior de S ⊂ X, denotado por So, e definido por:

So :=⋃

A⊂S :A aberto

A.

O fecho de S e:

S :=⋂

F⊃S :F fechado

F.

Note que o interior e um aberto (proposicao 2) e o fecho e um fechado(exercıcio 13). Propriedades sinples de conjuntos mostram o seguinte.

Exercıcio 15 Mostre que o complementar do fecho de S e o interior docomplementar de S.

Exercıcio 16 Prove que x ∈ So se e somente se B(x, δ) ⊂ S para algumδ > 0.

Proposicao 5 Se S 6= ∅, S = {x ∈ X : d(x, S) = 0}.

Prova: Defina F = {x ∈ X : d(x, S) = 0}. Recorde que x 7→ d(x, S) efuncao contınua. Portanto, a pre imagem de {0}, que e precisamente F ,e fechada, ja que {0} ⊂ R e fechado. Como S esta contido em qualquerfechado contendo S, e ainda S ⊂ F claramente, temos S ⊂ F .

Por outro lado, se x satisfaz d(x, S) = δ > 0 (ou seja, x 6∈ F ), isto querdizer que a bola B(x, δ/2) nao pode interceptar S. Desta forma vemos quex 6∈ F e S ⊂ F , onde F := X\B(x, δ/2) e fechado. Deduzimos que,

x 6∈ F ⇒ ∃F fechado, F ⊃ S com x 6∈ F .

Como F ⊃ S, isso quer dizer que x 6∈ F ⇒ x 6∈ S. Isto quer dizer que∀x : x ∈ S ⇔ x ∈ F , ou seja, S = F . 2

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Definicao 7 O conjunto de pontos de acumulacao de S ⊂ X, denotado porS′ e o conjunto que contem como elementos os x ∈ X tais que, para todor > 0, B(x, r) ∩ S contem um elemento diferente de x.

Exercıcio 17 Mostre que N′ = ∅ e Q′ = R (como subconjuntos de R).

3.5 Como sao os abertos de R?

Em princıpio e impossıvel dar uma “cara” aos abertos de um espaco metrico.Apesar desta dificuldade geral, o teorema a seguir mostra que em R e possıveldescrever os abetos de forma bastante direta.

Teorema 2 Todo conjunto aberto de R que nao e vazio pode ser escritocomo a uniao de um numero enumeravel de intervalos abertos disjutos.

Observe que esta e uma caracterizacao completa, ja que os intervalosabertos sao mesmo abertos e toda uniao de abertos e aberta.Prova: A ideia da prova sera, em primeiro lugar, achar pra cada q ∈ A ra-cional, o maior intervalo aberto Iq tal que q ∈ Iq ⊂ A. Depois veremos quecada x ∈ A esta em um destes intervalos. Depois disto teremos de mostrarque podemos selecionar intevalos disjuntos entre eles.

Passo 1 - construcao dos intervalos. Dado q ∈ Q ∩ A, definimos Iqcomo a uniao de todos os intervalos abertos contidos em A que tem q comoelemento. Mais exatamente, definimos

Iq := {I ⊂ A : q ∈ I, I intervalo aberto } e Iq :=⋃I∈Iq

I.

Note que a famılia Iq contem pelo menos um intervalo ao redor de q porqueq ∈ A e A e aberto. Ja vimos no primeiro teste que a uniao de interva-los contidos em [0, 1] com intersecao nao vazia e intervalo; a mesma provafunciona se os intervalos sao ilimitados, contanto que permitamos sup e infinfinitos. Deste modo, Iq e um intervalo. Alem disto, como Iq e a uniao deconjuntos abertos, ele tambem e aberto. Portanto, Iq 6= ∅ e um intervaloaberto que esta contido em A.

Passo 2 - intervalos disjuntos.Considere a famılia de intervalo

V := {Iq : q ∈ A ∩Q}.

Esta famılia e enumeravel porque pode ser escrita como a uniao enumeraveldos conjuntos unitarios {Iq} (a uniao e enumeravel porque Q e). Afirmamos

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que quaisquer intervalos distintos nesta famılia sao disjuntos. De fato, consi-dere Iq, Ir ∈ V com Iq ∩ Ir 6= ∅. O argumento ja usado no passo anterior nosdiz que Iq ∩ Ir e intervalo aberto. Ao mesmo tempo, Iq ∪ Ir ⊂ A (pois cadaintervalo esta contido em A) e q ∈ Iq ∪ Ir. Portanto Iq ∪ Ir e um intervaloda colecao Iq definida acima. Segue que:

Iq ∪ Ir ⊂⋃I∈Iq

I = Iq.

Como claramente Iq ⊂ Iq∪Ir, temos Iq = Iq∪Ir. Do mesmo modo podemosconcluir que Ir = Iq ∩ Ir e portanto Iq = Ir.Passo 3 - fim da prova. Falta apenas mostrar que a uniao dos Iq’s e A.De fato, como cada Iq ⊂ A, a uniao esta contida em A, e falta mostrar queA ⊂ ∪Iq∈VIq. Isto e, precisamos mostrar que cada x ∈ A esta num dos Iq’s.Mas isto e simples, pois sabemos que um dado x ∈ A esta num intervaloJ = (x− δ, x+ δ) ⊂ A. Necessariamente J contem um elemento q ∈ Q, quepertence a A porque q ∈ J e J ⊂ A. Vemos entao que J ∈ Iq, de modo queJ ⊂ ∪I∈IqI = Iq, logo x ∈ Iq. 2

3.6 Mais exercıcios

Exercıcio 18 (Acrescentado em 28/01/2014) Seja (X, dX) um espacometrico completo e considere um subconjunto Y ⊂ X, Y 6= ∅. Prove que Ye fechado se e somente se e um espaco metrico completo com a metrica dYobtida por restricao de dX .

4 Conjuntos conexos

Nesta secao (X, dX) e um espaco metrico fixo.Intuitivamente, um conjunto em um espaco metrico e conexo se nao ha

nenhuma maneira de dividir seus elementos em dois conjuntos dicotomicose bem separados. A definicao abaixo e uma maneira formal de desenvolveresta ideia.

Definicao 8 Dado Y ⊂ X, uma cisao de Y e um par de conjuntos L,R ⊂ Xcom Y = L∪R, L∩R = ∅ e R∩L = ∅. Esta cisao e dita trivial se L = ∅ (e portanto R = Y ) ou R = ∅ (e entao L = Y ). Dizemos que Y e conexo seas unicas cisoes possıveis de Y sao triviais. Y e desconexo se nao e conexo.

No final desta secao, veremos que esta definicao tem a ver com o com-portamento de funcoes contınuas sobre Y . Mais precisamente, mostraremos

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que Y e conexo se e somente se a imagem de Y por qualquer funcao contınuaf : Y → R e um intervalo. Isto e tıpico de resultados topologicos: eles nosdao uma informacao relevante sobre funcoes contınuas gerais, sem especificarexatamente como cada funcao se comporta.

Exercıcio 19 Considerando o caso particular em que Y = X, mostre que,em qualquer cisao temos L = L e R = R, de modo que L e R sao simulta-neamente abertos e fechados em X. Deduza que X e conexo se e somentese os unicos conjuntos simultaneamente abertos e fechados em X sao ∅ e oproprio X.

Esta e uma definicao topologica. Observe que nossas condicoes implicamL ∩ R = ∅; as condicoes sobre o fecho implicam que os conjuntos L e Rsao separados. O estudo das propriedades da conexidade usara a seguintepropriedade.

Proposicao 6 Dados conjuntos L,R ⊂ X, L∩R = ∅ se e somente se todasequencia {xn}n ⊂ com xn → x ∈ R tem a propriedade de que ∃n0 ∈ N comxn 6∈ L para todo n ≥ n0.

Prova: Seja A := X\L. Como L e fechado, A e aberto. Veja que L∩R = ∅se e somente se R ⊂ A. Portanto, se xn → x ∈ R ⊂ A, podemos encontrarδ > 0 com BX(x, δ) ⊂ A e entao tem de existir n0 ∈ N tal que

∀n ≥ n0 : dX(xn, x) < δ, isto e, xn ∈ BX(x, δ) ⊂ A.

Por outro lado, suponha que toda sequencia {xn}n ⊂ com xn → x ∈ R tema propriedade de que ∃n0 ∈ N com xn 6∈ L para todo n ≥ n0. Como oselementos do fecho sao precisamente aqueles que sao limites de sequenciascontidas em L, vemos que nenhum R pode pertencer ao fecho de L, isto e,R ∩ L = ∅. 2

4.1 Conexidade e funcoes contınuas

Imagine que Y e conexo e pintamos seus elementos com duas cores. Intuiti-vamente, como Y e conexo, os conjuntos com as duas cores nao podem serbem divididos: tem de existir uma “regiao de fronteira” onde ha uma passa-gem abrupta de uma cor a outra. Dito de outro modo, a funcao que atribuicada ponto a sua cor tem de ser discontınua. A unica forma de evitar esteproblema seria nao utilizar uma das cores. O teorema a seguir transformaisto num criterio para conexidade que aplicaremos algumas vezes a seguir.

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Teorema 3 Y ⊂ X, Y 6= ∅ e conexo se e somente se toda funcao contınuaf : Y → {0, 1} e constante. (Usamos a metrica discreta em {0, 1}.)

Prova: A ideia e que ha uma correspondencia 1 a 1 entre as funcoes conınuasf : Y → {0, 1} e as cisoes Y = L ∪ R; basta tomar L = f−1({0}) e R =f−1({1}) e vice-versa. De fato, vamos ver que se f : Y → {0, 1} e umafuncao dada, f e contınua se e somente se L := f−1({0}), R := f−1({1}) ecisao. Para provar isto, lembramos que:

f e contınua ⇔ ∀{xn}n ∪ {x} ⊂ Y, xn → x implica f(xn)→ f(x)

No entanto, a metrica no contradomınio de f e discreta, de modo quef(xn) → f(x) se e somente se f(xn) = f(x) para todo n grande. Istoe,

f e contınua ⇔ ∀{xn}n∪{x} ⊂ Y, xn → x implica ∃n0 ∈ N, ∀n ≥ n0f(xn) = f(x).

Traduzindo em termos de L e R, pedir que f seja contınua equivale a pedirque, se x ∈ R, entao xn ∈ R para todo n ≥ n0 enquanto que, se x ∈ L,entao xn ∈ L para todo n ≥ n0. A Proposicao 6 mostra que isto ocorre se esomente se L ∪R e uma cisao.

Para terminar a prova, notamos que a funcao f e constante se e somentese a cisao correspondente L,R e trivial (ou seja, um dos conjuntos e vazio).2

Uma aplicacao muito importante do Teorema e que a imagem de con-juntos conexos por funcoes contınuas e sempre conexa.

Proposicao 7 Sejam (X, dX) e (Z, dZ) espacos metricos. Se f : X → Z econtınua e Y ⊂ X e conexo, entao f(Y ) e conexa.

Prova: Chame de S a imagem de f . Considere uma funcao g : S → {0, 1}contınua. Como f e contınua e Y e conexo, g ◦ f e constante sobre Y . Ouseja:

∀x, x′ ∈ Y : g(f(x)) = g(f(x′)).

Os elementos de S sao precisamente os pontos da forma f(x) com x ∈ X.Deduzimos que:

∀s, s′ ∈ S : g(s) = g(s′)

ou seja, toda funcao contınua g : S → {0, 1} e constante. Portanto Stambem e conexo. 2

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O teorema tambem da condicoes suficientes para que uma uniao de con-juntos seja conexa. Intuitivamente e claro que, quando unimos conjuntosconexos S,R, so e possıvel produzir um conjunto desconexo se nao ha umponto comum de S e R. O Lema a seguir mostra uma versao mais geraldisto.

Lema 1 Considere um espaco metrico (X, dX) e uma famılia F 6= ∅ de sub-conjuntos de X que nao sao vazios. Suponha que V ∩W 6= ∅ para quaisquerV,W ∈ F . Entao S := ∪V ∈FV e conexo.

Prova: Seja f : S → {0, 1} uma funcao contınua. Nosso objetivo e provarque f e constante.

Para este fim, notamos primeiramente que a restricao de f a cada con-junto V ∈ F funcao contınua. Em particular, como cada V e conexo (porhipotese), f |V e constante. Isto e, para todo V ∈ F existe um bV ∈ {0, 1}tal que f(x) = bV para todo x ∈ V .

Vamos provar que todos os bV ’s sao iguais. De fato, se tomamos V 6= Welementos de F , sabemos (por hipotese) que existe um elemento x ∈ V ∩W ;portanto bV = bW = f(x).

O que concluımos e que f e constante em cada conjunto V ∈ F e que osvalores tomados por f nestes conjuntos sao todos iguais. Isto implica que fe constante sobre todo S = ∪V ∈FV . 2

Exercıcio 20 Prove que, no teorema anterior, podemos pedir apenas queF seja irredutıvel, o que quer dizer que, se A ⊂ F e uma subfamılia comA 6= ∅,F , entao existem A ∈ A, B ∈ F\A com A ∩B 6= ∅.

4.2 Os conjuntos conexos de R sao os intervalos

A seguir sera extremamente importante termos uma caracterizacao dos con-juntos conexos de R. Por sorte, esta nao e uma tarefa difıcil.

Teorema 4 Os subconjuntos conexos de R que nao sao vazios sao precisa-mente os intervalos.

Este teorema tera algumas consequencias importantes, que veremos maisadiante.Prova: Lembre que E ⊂ R, E 6= ∅ e intervalo se e somente se (inf E, supE) ⊂E.

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Nao e intervalo ⇒ nao e conexo. Vamos supor primeiramente que Enao e intervalo e provar que ele tem uma cisao que nao e trivial. Como Enao e intervalo, existe x0 ∈ (inf E, supE) que nao pertence a E. Podemostomar L = E ∩ (−∞, x) e R = E ∩ (x,+∞) e observar que:

L ∩R = ∅ porque L ⊂ (−∞, x] e R ∩ (−∞, x] = ∅.

Um argumento semelhante mostra que R ∩ L = ∅. Alem disto, E tem deconter elementos em [inf E, x) e (x, supE], portanto L,R 6= ∅. Deduzimosque L,R e uma cisao de E que nao e trivial.E intervalo ⇒ e conexo. Observe que todo intervalo e uniao de intervalosfechados limitados que contem um ponto em comum [exercıcio]. Portanto,basta provar este resultado no caso em que E = [a, b] com −∞ < a ≤ b <+∞ (v. Lema 1).

Para isto vamos tomar uma f : [a, b] → {0, 1} contınua e supor (parachegar a uma contradicao) que que f nao e constante. Tome entao a ≤ x1 <y1 ≤ b com f(x1) 6= f(y1). Vamos definir x2, y2, x3, y3, . . . com a ≤ x1 ≤x2 ≤ x3 ≤ . . . , b ≥ y1 ≥ y2 ≥ y3 ≥ . . . e f(xn) 6= f(yn) para todo n, masyn − xn → 0. Faremos isto usando o “velho truque” de dividir o intervalo[xn, yn] em 2 e notar que o ponto medio do intervalo tem valor de f diferentede um dos dois extremos. Disto poderemos deduzir que:

• xn → x (pois e nao descrescente e limitada);

• yn → x (pois |yn − xn| = yn − xn → 0;

• mas |f(yn) − f(xn)| = 1 para todo n, pois f(xn), f(yn) ∈ {0, 1} ef(xn) 6= f(yn).

O resultado sera que 0 = |f(x) − f(x)| =6= limn |f(xn) − f(yn)|, o quecontradiz a premissa de que f nao e constante.

O argumento e bem simples. Ja definimos x1 e y1 acima. Suponhaque x1, y1, . . . , xn, yn ja foram definidos de forma que xi ≤ yi, yi − xi =21−i(y1 − x1) e f(yi) 6= f(xi) para cada 1 ≤ i ≤ n. Note que o ponto mediozn = (xn + yn)/2 pertence a [a, b] e uma das possibilidades abaixo vale:

1. f(zn) 6= f(xn). Neste caso tomamos xn+1 = xn, yn+1 = zn.

2. f(zn) = f(xn). Como f(xn 6= f(yn), temos f(zn) 6= f(yn) e podemostomar xn+1 = zn, yn+1 = yn.

Claramente, f(xn+1) 6= f(yn+1), xn ≤ xn+1 ≤ yn+1 ≤ yn e yn+1 − xn+1 =(yn−xn)/2. E facil deduzir disto que valem as propriedades desejadas. 2

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4.3 Aplicacoes

O teorema a seguir e um dos mais importantes de todo o calculo.

Teorema 5 (Teorema do valor intermediario) Seja I 6= ∅ um inter-valo de R. Entao a imagem de I por f e intervalo. Em particular

∀a, b ∈ I com f(a) ≤ f(b), ∀c ∈ [f(a), f(b)]∃x ∈ I : f(x) = c.

O “em particular” e consequencia do fato que f(a), f(b) ∈ f(I) e quef(I) e intervalo, logo todo ponto c ∈ [f(a), f(b)] esta na imagem de I.Note que este teorema segue da Proposicao 7 combinada com o Teorema 4.Tambem podemos provar este teorema diretamente a partir do argumentode bissecao de intervalo usado na prova do Teorema.

De qualquer modo, o que ja vimos permite provar resultados muito maisgerais.

Definicao 9 Dado (X, dX), Y ⊂ X e dito conexo por caminhos se dadosquaisquer a, b ∈ Y existe uma funcao contınua γ : [0, 1]→ Y (uma “curva”)com γ(0) = a e γ(1) = b.

Exercıcio 21 Mostre que qualquer bola aberta ou fechada em Rd e conexapor caminhos.

Exercıcio 22 Suponha que C ⊂ Rd e convexo, isto e, ∀x, y ∈ C e 0 < t < 1temos que t x+ (1− t) y ∈ C. Prove que C e conexo por caminhos.

Teorema 6 Um conjunto conexo por caminhos e conexo. Qualquer imagemde um conjunto conexo por caminhos por uma funcao contınua e tambemconexa por caminhos, logo conexa.

Prova: Suponha que (X, dX) e dado e Y ⊂ X e conexo por caminhos. Vamosmostrar que Y e conexo tomando uma f : Y → {0, 1} contınua e mostrandoque f e constante.

Se a, b ∈ Y e γ : [0, 1] → Y e uma curva ligando γ(0) = a a γ(1) = b,vemos que f ◦ γ : [0, 1] → {0, 1} e contınua. Como [0, 1] e intervalo (logoconexo), f ◦ γ e constante, emm partcular

f(a) = f(γ(0)) = f(γ(1)) = f(b).

Como quaisquer a, b ∈ Y sao ligados por uma curva, deduzimos que f(a) =f(b) para todos a, b ∈ Y , portanto f e constante. O fato de que a imagemde conexo por caminhos tambem e conexo por caminhos e um exercıcio. 2

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Exercıcio 23 Prove que Y ⊂ X, Y 6= ∅ e conexo se e somente se f(Y )e intervalo para toda f : Y → R conınua. [Dica: o “somente se” ja estaprovado. O “se”resulta do fato de que um intervalo I ⊂ {0, 1} so pode conterum ponto.]

5 Conjuntos compactos

Esta parte ainda vai passar por alteracoes bem grandes.Muitos problemas em Matematica Pura e Aplicada podem ser postos na

forma de problemas de minimizacao.

Dado um conjunto S e uma funcao f : S → R, encontre s∗ ∈ Stal que f(s∗) ≤ f(s) para todo s ∈ S.

Por exemplo: os problemas de achar o mınimo de uma funcao f : Rd →R, de achar a curva de menor comprimento ligando dois pontos em umasuperfıcie e de achar uma superfıcie mınima para um contorno dado temtodos esta forma.

Nem todo problema desta forma tem solucao. Por exemplo, a funcaof(x) = −1/x nao atinge um valor mınimo no domınio S = (0,+∞). Defini-remos um conjunto como compacto se este problema nao ocorre quando f econtınua.

Definicao 10 Um espaco metrico (K, dK) e dito compacto se para toda f :K → R contınua existe um x∗ ∈ K tal que f(x∗) = infx∈K f(x). Se K ⊂ X,dizemos que K e compacto (e escrevemos K ⊂⊂ X) se K e compacto (naacepcao anterior) com a metrica induzida por X.

Veremos nesta secao que os espaccompactos tem uma teoria extrema-mente rica tanto do ponto de vista metrico quanto do ponto de vista to-pologico.

5.1 Compactos sao completos

Comecamos com o fato de que todo compacto e completo do ponto de vistametrico.

Teorema 7 Se (K, dK) e compacto, ele e um espaco metrico completo.

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Antes da prova, observe que o teorema implica que todo K ⊂⊂ X esubconjunto fechado de X (v. exercıcio 18).

Prova: Vamos provar que se K nao e completo, entao nao e compacto. Su-ponha entao que existe {xn}n ⊂ K que e Cauchy, mas nao converge (emK). Nossa intuicao e de que existe em algum “universo maior” um limitepara esta sequencia, dado por um x∗ 6∈ K. A funcao f : K → R dada porf(x) = d(x, x∗) e contınua e sempre positiva (ja que x∗ 6∈ K), mas tomavalores arbitrariamente pequenos ao longo da sequencia. Isto quer dizer queinfx∈K f(x) = 0, mas nao ha ponto atingindo este valor.

Evidentemente, o que descrevemos acima e so intuicao. A rigor o x∗ naoexiste. No entanto, se ele existisse, terıamos d(x, x∗) = lim d(x, xn) paratodo n. Mostraremos que este limite faz sentido de qualquer forma e o usa-remos para definir uma f contınua que nao atinge seu ınfimo. Eis os passosformais.

Passo 1 - definindo uma f . Notamos primeiramente que para todo x ∈ Kexiste o limite:

f(x) := limn

dK(xn, x) ∈ R.

Isto segue do fato que {dK(xn, x)}n∈N ⊂ R e Cauchy, que provamos a seguir.Veja primeiramente que, pela desigualdade triangular,

∀m,n ∈ N, ∀x ∈ K : |dK(xn, x)− dK(xm, x)| ≤ dK(xn, xm)

O fato que {xn}n e Cauchy implica que para todo ε > 0 existe n0 tal que olado direito acima e < ε para n,m ≥ n0. Deste modo, dado ε > 0 existe umn0 tal que

∀m,n ≥ n0 ∀x ∈ K : |dK(xn, x)− dK(xm, x)| < ε.

Isto e precisamente a afirmacao de que {dK(xn, x)}n e Cauchy para todo x.

Passo 2 - o ınfimo de f e 0, mas f(x) > 0 para todo x. Veja primei-ramente que f(x) > 0 para todo x ∈ K. De fato, f e sempre nao negativa(pois e limite de termos nao negativos) e f(x) = 0 implicaria d(xn, x)→ 0,ou seja, xn → x (contradicao com o fato de que xn nao converge).

Falta mostrar que infx∈K f(X) = 0. Para isso primeiro fixamos ε > 0.Vamos observar que, tomando n0 como acima:

∀m,n ≥ n0 : d(xm, xn) < ε.

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Tomando o limite quando m → +∞ vemos que f(xn) ≤ ε para todon ≥ n0. Logo infx∈K f(x) ≤ ε. Como ε > 0 e arbitrario, isto quer di-zer que infx∈K f(x) ≤ 0. Como ja vimos, f nunca toma valores negativos, edisto deduzimos infx∈K f(x) = 0.

Passo 3 - f e contınua. Observe que este passo termina a prova poisele implica que f e contınua e f(z) 6= infx∈K f(x) para todo z ∈ K, oque mostra que K nao e compacto pela nossa definicao. Vamos provar naverdade que f e 1-Lipschitz (v. exercıcio 6). Isto e bastante dieto: dadosx, x′ ∈ K, a desigualdade triangular nos diz que

∀n ∈ Nd(x, xn) ≤ d(x′, xn) + d(x, x′)

e tomando limites obtemos

f(x) ≤ f(x′) + d(x, x′).

Trocando os papeis de x e x′ descobrimos que |f(x) − f(x′)| ≤ d(x, x′).Como x, x′ ∈ K sao arbitrarios, isto nos da o resultado desejado. 2

5.2 Compactos sao totalmente limitados

Vimos acima que todo conjunto compacto e completo. A recıproca naoe verdadeira, como mostra, por exemplo, o caso K = R (com a metricausual). Nesta secao mostraremos que ha uma propriedade extra que umcompacto tem de satisfazer. De fato, vamos ver a seguir que ela e equivalentea compacidade se K e completo.

Definicao 11 Considere um espaco metrico (X, dX). Um conjunto S ⊂ Xe separado se existe um δ > 0 tal que dX(s, s′) ≥ δ para todos s, s′ ∈ S,s 6= s′. Dizemos que (X, dX) e totalmente limitado se ele nao contem umconjunto infinito que e separado.

Esta definicao tem uma reformulacao equivalente que sera importantemais adiante.

Proposicao 8 Um espaco metrico (X, dX) e totalmente limitado se e so-mente se vale a seguinte propriedade: para todo ε > 0 existe uma colecaofinita de bolas abertas BX(xi, ε), 1 ≤ i ≤ k, com X = ∪ki=1BX(xi, ε).

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Prova: Vamos provar primeiro que a existencia da colecao de bolas implicaque X e totalmente limitado. Fixe δ > 0 e tome ε = δ/2. Supondo X ⊂∪ki=1BX(xi, ε), qualquer conjunto infinito S ⊂ X tem de conter infinitoselementos em pelo menos uma das bolas BX(xi, ε) (isto e o caso infinitodo Princıpio das Casas dos Pombos). Em particular, usando a desigualdadetriangular, vemos que S obrigatoriamente possui infinitos pares de elementosa distancia < δ; de fato, dados s, s′ ∈ S ∩BX(xi, ε)

dX(s, s′) ≤ dX(xi, s) + dX(xi, s′) < δ.

Como δ > 0 e arbirtrario, deduzimos que qualquer conjunto infinito S ⊂ Xnao e separado e portanto X e totalmente limitado.

Vamos provar agora a direcao contraria. Fixe ε > 0. Supondo que naoexiste uma colecao finita de bolas de raio ε > 0 cobrindo X, vamos construirum conjunto separado infinito S ⊂ X. A construcao e recursiva.

1. Escolha x1 ∈ X arbitrariamente.

2. Dados x1, . . . , xn ∈ X, escolha xn+1 de modo que dX(xn+1, xi) ≥ εpara todo 1 ≤ i ≤ n.

Note que esta recursao faz sentido: sob a nossa hipotese, temos que paratodo n ∈ N as bolas B(x1, ε), . . . , B(xn, ε) nao cobrem X, portanto existeum xn+1 ∈ X que nao esta em qualquer uma das bolas. E facil verificar queo conjunto

S := {xn : n ∈ N}

e separado, ja que a recursao garante dX(xi, xj) ≥ ε quando 1 ≤ i < j. 2

Lema 2 Todo espaco metrico compacto e totalmente limitado.

Prova: Vamos mostrar que um espaco metrico (X, dX) que nao e totalmentelimitado nao pode ser compacto. Para isto partimos de um conjunto S ⊂ Xque e infinito e separado: d(s, s′) ≥ δ para quaisquer elementos distintoss, s′ ∈ S. Sem perda de generalidade, suporemos que S e enumeravel eescreveremos S = {sj : j ∈ N}. Nosso objetivo sera construir uma funcaocontınua f : X → R com sup{f(x) : x ∈ S} = +∞. isto implica que X naoe compacto porque a funcao contınua −f nao atinge seu ınfimo sobre X.

Defina r := δ/4 > 0. Vamos comecar a prova com a seguinte observacao.Dado x ∈ X, existe no maximo um ındice j = j(x) ∈ N com d(x, sj) < 2r.

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A razao para isto e que, se houvesse outro ındice k ∈ N com d(x, sk) < 2r,a desigualdade triangular implicaria

d(sj , sk) ≤ d(x, sj) + d(x, sk) < 4r = δ,

o que contraria o fato de que a distancia mınima entre elementos de S e δ.Continuando, definimos, para cada j ∈ N, uma funcao contınua fj : X →

R da seguinte forma:

fj(x) := j ×max{r − d(sj , x), 0} (x ∈ X).

Exercıcio 24 Prove que fj e mesmo contınua. [Dica: Primeiro prove quex 7→ max{x, 0} e funcao contınua de R em R e depois aplique composicoes.]

Agora vamos definir uma funcao f : X → R da seguinte forma.

f(x) :=

{fj(x) se j ∈ N e o unico ındice tal que d(x, sj) < 2r;0 se nao ha sj com d(x, sj) < 2r

Veja que f e ilimitada: de fato, para todo j ∈ N temos f(sj) = fj(sj) =j.r → +∞ (pois r > 0). Portanto sup{f(x) : x ∈ X} = +∞. Falta mostrarque ela e contınua. Para isto, fixamos {xn}n∪{x} ⊂ X com xn → x; vamosprovar que f(xn)→ f(x). Consideraremos dois casos.

• d(x, sj) ≥ 3r/2 para todo j. Neste caso f(x) = 0, pois fj(x) = 0sempre que d(x, sj) ≥ r. Por outro lado, observe que existe n0 ∈ N talque para todo n ≥ n0, d(x, xn) < r/2, o que implica que d(xn, sj) > rpara todo n ≥ n0. Neste caso tambem fj(xn) = 0 para todo j ∈ N,donde segue que f(xn) = 0 para n ≥ n0. Ou seja, f(xn) → 0 nestecaso.

• d(x, sj) < 3r/2 para algum j. Neste caso, como observamos acima,j = j(x) ∈ N e o unico ındice com d(x, sj) < 2r; alem disto, f(x) =fj(x). Observe que existe n0 ∈ N tal que ∀n ≥ n0 vale d(x, xn) < r/2,de modo que d(xn, sj) < 2r para todo n ≥ n0. Usando a definicao def , deduzimos

n ≥ n0 ⇒ f(xn) = fj(xn).

Como fj e contınua, fj(xn) → fj(x) = f(x). A implicacao acima nosdiz que f(xn)→ f(x) neste caso.

2

25

Page 26: Topologia e espaços métricos

5.3 O criterio das subsequencias convergentes

Nesta secao vamos mostrar que a compacidade de um espaco metrico podeser avaliada a partir de subsequencias.

Definicao 12 Dados um conjunto infinito N ⊂ N e uma sequencia {xn}n∈N,a subsequencia {xn}n∈N e definida da forma {xj}j∈N com xj := {xnj}, onden1 < n2 < n3 < . . . e a unica enumeracao crescente dos elementos de N .Tambem escrevemos {xnj}j∈N diretamente. Falamos que limn∈N xn = x sexnj → x quando j → +∞.

Exercıcio 25 Mostre que xn → x implica xnj → x.

A propriedade 3 do teorema e muitas vezes tomada como ponto departida da definicao de compacidade em espacos metricos. Como veremosabaixo, ela implica facilmente a nossa definicao de compacidade (=funcoescontınuas atingem o ınfimo). Antes disto, veremos um exemplo de aplicacao.

Teorema 8 Considere um espaco metrico (K, dK). As seguintes proprie-dades sao equivalentes.

1. (K, dK) e compacto.

2. (K, dK) e completo e totalmente limitado.

3. Toda sequencia em K possui uma subsequencia convergente.

Prova: [do Teorema 8] A implicacao 1 ⇒ 2 foi vista no Lema 2 acima.Vamos ver agora que 3⇒ 1 e 2⇒ 3.Prova de 3 ⇒ 1. Seja f : X → R contınua. Vamos primeiramente suporque ` := inf{f(x) : x ∈ K} > −∞. Neste caso sabemos que para caran ∈ N ha um xn ∈ K com ` ≤ f(xn) ≤ ` + 1/n; deste modo, f(xn) → `quando n→ +∞.

Agora observe que, pela propriedade 3, a sequencia {xn}n∈N tem umasubsequencia convergente {xn}n∈N com limite x∗ ∈ K. Por continuidade,f(x∗) = limn∈N f(xn).Mas veja que {f(xn)}n∈N e subsequencia de {f(xn)}n∈N,logo

limn∈N

f(xn) = limn∈N

f(xn) = ` = inf{f(x) : x ∈ K}.

Portanto f(x∗) = inf.Falta mostrar que nao e possıvel ter ` = −∞. Para provar isto, vamos

supor que ` = −∞. Neste caso, podemos construir xn com f(xn) < −n para

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Page 27: Topologia e espaços métricos

todo n ∈ N, de modo que limn f(xn) = −∞. Um argumento semelhante aoque demos acima nos mostraria que uma subsequencia dos xn converge aum x∗ ∈ K; mas entao f(x∗) = limn∈N f(xn), o que contradiz o fato de quef(xn)→ −∞.

Prova de que 2 ⇒ 3. Seja {xn}n∈N ⊂ K. Nosso objetivo sera provarque {xn}n∈N possui uma subsequencia de Cauchy. Como (K, dK) e completo,isto basta para provar que sempre ha uma subsequencia convergente.

Nao e muito simples achar esta subsequencia, entao vamos comecar como resultado mais fraco que apenas garante o seguinte: sempre ha uma sub-sequencia “apertadinha”.

Afirmacao 1 Dado qualquer r > 0 existe uma subsequencia {xn}n∈N talque ∀m,n ∈ N , dK(xm, xn) < r.

De fato, como estamos supondo que K e totalmente limitado, a Proposicao8 nos diz que podemos cobrir K por um numero finito de bolas de raior/2. Como o numero de bolas e finito, uma das bolas, que chamaremos deB(z, r/2), e tal que o conjunto

N := {n ∈ N : xn ∈ B(z, r/2)}

e infinito, e um argumento simples mostra que {xn}n∈N tem a propriedadedesejada.

O que vem a seguir e uma especie de “truque diagonal” que mostra comoesta afirmacao pode ser usada para achar uma subsequencia convergente. Aprimeira ideia deste truque diagonal e que, aplicando a afirmacao infinitasvezes, podemos encontrar subsequencias encaixadas e cada vez mais aperta-das. Mais precisamente:

1. A afirmacao implica que existe N1 ⊂ N infinito tal que dK(xn, xm) <1/2 para todos n,m ∈ N1.

2. Suponha (recursivamente) que existem conjuntos infinitos N1 ⊃ N2 ⊃· · · ⊃ Nk, todos contidos em N, tais que, para qualquer 1 ≤ i ≤ k equaisquer n,m ∈ Ni, vale a desigualdade dK(xn, xm) < 2−i. Vamosmostrar como construir um conjunto Nk+1 de forma a estender pormais um passo esta construcao. Para isto, aplicaremos a afirmacao asequencia

{xnj}j∈N onde {nj : j ∈ N} = Nk.

com r = 2−k−1. Isto nos da um conjunto N e podemos definir Nk+1 :={nj : j ∈ N}, de modo a termos as propriedades desejadas.

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Page 28: Topologia e espaços métricos

Nossa tarefa final e extrair destas subsequencias encaixadas e cada vezmais apertadas uma subsequencia de Cauchy. Uma tentativa poderia serdefinir {xn}n∈N com N := ∩kNk, mas isto nao pode funcionar em geral:afinal,

n,m ∈ N ⇒ ∀k ∈ N, n,m ∈ Nk ⇒ ∀k ∈ N, dK(xn, xm) ≤ 2−k ⇒ xn = xm.

Portanto N nao pode ser um conjunto infinito (a nao ser que a sequenciaoriginal tenha infinitos termos iguais).

A segunda ideia do truque diagonal e uma maneira “diagonal” de seleci-onar um subconjunto infinito N∗ de modo que N∗ ⊂ Nk “quase vale”, istoe, N∗ ⊂ Nk tem apenas um numero finito de termos. Vamos escrever

N∗ := {n1 < n2 < n3 < . . . }

onde os nk sao definidos recursivamente.

1. Em primeiro lugar, definimos n1 = minN1 (isto e valido porqueN1 6= ∅e subconjunto dos naturais).

2. Definidos n1 < · · · < nk, observamos que, como Nk+1 e infinito,

Nk+1\[nk] 6= ∅.

Como ele tambem e subconjunto dos naturais, podemos definir

nk+1 := min(Nk+1\[nk])

e observamos que nk+1 6∈ [nk], de modo que nk+1 > nk.

Pela construcao temos n1 < n2 < . . . . Alem disto, para k, r ∈ N com k < r,temos que

nk ∈ Nk, nr ∈ Nr ⊂ Nk

e como dK(xn, xm) < 2−k para n,m ∈ Nk, isto implica

∀k, r ∈ N : k < r ⇒ dK(xnk, xnr) < 2−k.

Exercıcio 26 Para terminar a prova, deduza disto que {xnk}k∈N e Cauchy.

2

Exercıcio 27 Use o criterio das subsequencias para mostrar que todo sub-conjunto fechado de um compacto e ele proprio compacto.

28

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5.4 Compactos de Rd: o teorema de Heine-Borel

Teorema 9 (Heine Borel) Um subconjunto K ⊂ Rd e compacto se e so-mente se e fechado e limitado.

Prova: [de Heine Borel]Compactos sao fechados (v. exercıcio 18) e total-mente limitados, e vice-versa. Basta provar entao que um conjunto em Rd

e limitado se e somente se e totalmente limitado. Mas isto e simples:

• Se K e totalmente limitado, K ⊂ ∪mi=1B(xi, δ). Mas entao a desigual-dade triangular mostra que d(0, x) ≤ max{d(0, xi)}1≤i≤n+δ para todox ∈ K, ou seja, K e limitado.

• Se K ⊂ Rd e limitado, temos que K ⊂ [−n, n]d para algum n ∈N. Dividindo cada intervalo [−n, n] em intervalos de comprimento< δ/

√d, vemos que [−n, n]d e dividido em um numero finito de cubos

tais que ‖x − x′‖ < δ para quaisquer dois elementos no mesmo cubo.Tomando um ponto xi em cada cubo, vemos que K ⊂ [−n, n]d ⊂∪mi=1B(xi, δ) para uma certa colecao finita de pontos. Deste modo, Ke totalmente limitado.

2

Exercıcio 28 Mostre que um espaco metrico com a metrica discreta e comum numero infinito de pontos nao e totalmente limitado, apesar de ser fe-chado (completo) e limitado.

5.5 Criterios topologicos para a compacidade

Vimos acima que a compacidade – o fato de que “funcoes contınuas sempreatingem o ınfimo-- tem varias expressoes em termos de metricas. Agoraveremos uma versao topologica destes criterios.

Teorema 10 Dado um espaco metrico (K, dK), sao equivalentes:

1. K e compacto.

2. Toda colecao de abertos A de K com ∪A∈AA = K tem uma sub-colecao finita C ⊂ A com ∪A∈CA = K. (Normalmente abrevia-seeste enunciado dizendo que “toda cobertura de K por abertos tem umasubcobertura finita.)

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Page 30: Topologia e espaços métricos

3. Toda colecao de fechados F de K com ∩F∈FF = ∅ possui uma sub-colecao finita P ⊂ F com ∩F∈PF = ∅.

Prova: Veja que 2 ⇒ 3 segue se escrevemos A := {X\F : F ∈ F} enotamos que ∩F∈FF = ∅ se e somente se ∪A∈AA = K. Provaremos que3⇒ 1 e 1⇒ 2 a seguir.Prova de que 3⇒ 1. Seja f : K → R contınua e chame de ` = inf{f(x) :x ∈ K} (em princıpio permitimos ` = −∞). Vamos mostrar que existe umx∗ ∈ K com f(x∗) = `. Para isto notamos que, se t ∈ R e t > `, tem deexistir um x ∈ K com f(x) ≤ t. Portanto, os conjuntos

Ft := {x ∈ K : f(x) ≤ t} = f−1((−∞, t])

sao fechados e nao sao vazios.Afirmamos que ∩t>`Ft 6= ∅. Para isto, o item 3 nos diz que basta checar

que qualquer colecao finita dos conjuntos Ft tem intersecao nao-vazia. Tome,entao conjuntos Ft1 , . . . , Ftk com t1, . . . , tk > ` e verifique que:

k⋂i=1

Fti =k⋂

i=1

f−1((−∞, ti]) = f−1((−∞, min1≤i≤k

ti]) 6= ∅

ja que min ti > ` quando t1, ,tk > `. Pelo item 3, isto implica que⋂t>`

Ft 6= ∅.

Veja que qualquer x∗ ∈ ∩t>`Ft tem ` ≤ f(x∗) (pois ` e ınfimo) e f(x∗) ≤ tpara todo t ≥ `, logo f(x) = ` e (a fortiori) ` 6= −∞.

Prova de que 1 ⇒ 2. Seja A como no item 2. Observe que todo x ∈ Kpertence a algum aberto A ∈ A. Portanto existe um δ > 0 com B(x, δ) ⊂ Apara algum A ∈ A. Reduzindo δ se necessario, podemos tomar δ < 1.

Isto nos permite definir uma funcao r : K → (0,+∞) da seguinte forma:

r(x) := sup{0 < δ < 1 : existe A ∈ A tal que B(x, δ) ⊂ A} (x ∈ K).

Afirmacao 2 r e contınua.

Prova: [da Afirmacao]Vamos mostrar que r e 1-Lipschitz, o queimplica que r e contınua. Para isto basta mostrar que:

Objetivo: ∀x, x′ ∈ X : r(x)− r(x′) ≤ dX(x, x′). (1)

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Page 31: Topologia e espaços métricos

De fato, se temos isto, podemos trocar os papeis de x, x′ e mos-trar que tambem vale r(x′) − r(x) ≤ dX(x, x′), de modo que|r(x′)−r(x)| ≤ dX(x, x′) para todos x, x′ ∈ X. Para provar nossoobjetivo, tome qualquer 0 < r < r(x) e um conjunto A ∈ A comB(x, r) ⊂ A. Note que B(x′, r − dX(x, x′)) ⊂ B(x, r); afinal,

∀y ∈ B(x′, r − dX(x, x′)) : dX(y, x) ≤ dX(y, x′) + dX(x, x′) < r.

Portanto tambem temos B(x′, r − dX(x, x′)) ⊂ A ∈ A e istoimplica r(x′) ≥ r − dX(x, x′). Tomando o supremo em r, vemosque r(x′) ≥ r(x)− dX(x, x′), como querıamos demonstrar. [Fimda prova da afirmacao.] 2

Com esta afirmacao podemos provar que

∃δ > 0 : ∀x ∈ K, ∃A ∈ A com B(x, δ) ⊂ A.

De fato, basta tomar δ := inf{r(x) : x ∈ K}/2 e notar que:

• δ > 0 porque r(·) contınua e K e compacto implicam que inf{r(x) :x ∈ K} = r(x∗) para algum x∗ ∈ K, de modo que r(x∗) > 0 porque re positiva em todo ponto.

• Dado x ∈ X, r(x) > δ. Pela definicao de r(x) como supremo, existemr ∈ (δ, r(x)] e A ∈ A com B(x, δ) ⊂ B(x, r) ⊂ A.

Vamos agora terminar a prova. Ja vimos no Teorema 8 que K compactoimplica que K e totalmente limitado. Pela Proposicao 8, isto quer dizerque K ⊂ ∪ki=1B(xi, δ) para alguma escolha de x1, . . . , xn ∈ K. Mas entaoescolhemos, para cada 1 ≤ i ≤ k, um aberto Ai ∈ A com B(xi, δ) ⊂ Ai, eobservamos que K ⊂ ∪ki=1Ai. Deste modo, C := {Ai : 1 ≤ i ≤ k} e umasubcolecao finita que cobre K. 2

Observacao 1 Um dado importante que surgiu na prova acima e que, seK e compacto, entao toda cobertura A de K por abertos possui um numerode Lebesgue, isto e, um δ > 0 tal que, se x, x′ ∈ K e dK(x, x′) < δ, entaox, x′ ∈ A para algum A ∈ A. Isto e, se dK(x, x′) < δ, x, x′ pertencem aomesmo aberto da cobertura. Usaremos isto mais adiante.

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Page 32: Topologia e espaços métricos

5.6 Continuidade uniforme

Vamos mostrar no restante desta secao que uma funcao contınua em umcompacto e sempre uniformemente contınua.

Definicao 13 Dizemos que f : X → Z e uniformemente contınua se paraqualquer ε > 0 existe um δ > 0 tal que, se x, x′ ∈ X e dX(x, x′) < δ, entaodZ(f(x), f(x′)) < ε.

Note que isto e diferente da definicao de continuidade via ε/δ, que e:

∀ε > 0∀x ∈ X ∃δ > 0 ∀x′ ∈ X : dX(x, x′) < δ ⇒ dZ(f(x), f(x′)) < ε.

Ja continuidade uniforme pede que:

(?) ∀ε > 0 ∃δ > 0 ∀x, x′ ∈ X : dX(x, x′) < δ ⇒ dZ(f(x), f(x′)) < ε.

Ou seja: dado ε, temos que achar um δ que serve para todos os x simulta-neamente.

Exercıcio 29 Toda funcao Lipschitz e uniformemente contınua.

Por outro lado, f : R → R dada por f(x) = x2 nao e uniformementecontınua. De fato,vemos que:

∀n ∈ N, ∀h > 0 : f(n+ h)− f(n) > 2n.h.

Portanto, fixo ε > 0, vemos que ∀δ > 0 existe um n ∈ N e um 0 < h < δ (defato, 2h = δ/n basta) com

|h| < δ mas |f(n+ h)− f(n)| ≥ δ.

O teorema a seguir mostra que este fenomeno nao pode acontecer se odomınio da funcao f e compacto.

Teorema 11 Se (X, dX) e compacto, entao toda funcao f : X → Z que econtınua e uniformemente contınua.

Prova: Seja f : X → Z contınua e fixe ε > 0. Mostraremos que existe umδ > 0 satisfazendo (?).

Pela definicao ε/δ de continuidade, para qualquer ε > 0 e qualquer x ∈ Xexiste um δ(x) > 0 tal que

∀x′ ∈ X : dX(x, x′) < δ ⇒ dZ(f(x), f(x′)) <ε

2.

32

Page 33: Topologia e espaços métricos

A desigualdade triangular implica que:

∀x ∈ X, ∀x′, x′′ ∈ BX(x, δ(x)) : dZ(f(x′), f(x′′)) < ε. (2)

Observe queA := {BX(x, δ(x)) : x ∈ X}

e uma colecao de abertos que cobre X. A Observacao 1 implica que existeum numero de Lebesgue δ > 0 tal que, se a, b ∈ X e dX(a, b) < δ, entao a, bambos pertencem a um mesmo aberto desta colecao. Isto e:

dX(a, b) < δ ⇒ ∃x ∈ X a, b ∈ BX(x, δ(x))⇒ dZ(f(a), f(b)) < ε (por (2)).

Concluımos que o numero de Lebesgue δ tem exatamente a propriedade queprocuravamos. 2

Exercıcio 30 Construa uma prova alternativa da continuidade uniformebaseada no seguinte argumento.

1. Primeiro mostre que f e uniformemente contınua se e somente se valea seguinte propriedade:

∀{xn}n∈N, {yn}n∈N ⊂ X : dX(xn, yn)→ 0⇒ dZ(f(xn), f(yn))→ 0.

2. Agora suponha (para chegar a uma contradicao) que existem {xn}n,{yn}n com dX(f(xn), f(yn))→ 0, mas dZ(f(xn), f(yn)) 6→ 0. Observeque, se xn converge a algum x, yn tambem converge a x e portantodX(f(xn), f(yn)) → 0, contradicao. Depois note que, mesmo que xnnao convirja, e sempre possıvel achar uma subsequencia convergente,e isto ja basta para fazer valer a prova.

5.7 Conjuntos perfeitos

Nesta secao concluımos as notas sobre topologia falando de certos conjuntosem que todo ponto pode ser bem aproximado por outros pontos.

Definicao 14 Seja (X, dX) um espaco metrico. P ⊂ X e perfeito se todox ∈ P e ponto de acumulacao de P , isto e:

∀p ∈ P, ∀δ > 0 : (BX(p, δ)\{p}) ∩ P 6= ∅.

Exercıcio 31 Mostre que P e perfeito se e somente se para cada p ∈ Pexiste uma sequencia {pn}n ⊂ P\{p} que converge a p.

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Page 34: Topologia e espaços métricos

Exercıcio 32 Mostre que R, Q e R\Q sao subconjuntos perfeitos de R.

Exercıcio 33 Mostre que existem conjuntos perfeitos enumeraveis.

Provaremos abaixo um resultado que mostra que nao ha conjuntos com-pactos, perfeitos e enumeraveis.

Teorema 12 Se P ⊂ X e compacto e perfeito, P e nao enumeravel.

Veja que a hipotese de que P e compacto nao pode ser descartada.Prova: Na prova vamos supor sem perda de generalidade que X = P .

Tome uma f : N→ P qualquer; vamos mostrar que ela nao e sobrejetiva.A demonstracao sera bastante parecida com a que usamos para provar queR nao era enumeravel. O que faremos sera construir irecursivamente bolasfechadas encaixadas

P ⊃ F1 ⊃ F2 ⊃ F3 ⊃ . . .

de modo que:

1. O raio de cada Fn e positivo.

2. f(n) 6∈ Fn para todo n ∈ N.

Antes de embarcar na construcao, vamos explicar porque ela basta paraprovar nossa tese. Veja que

F := {F1, F2, F3, . . . }

e famılia de subconjuntos fechados de P tal que, para qualquer subfamıliafinita {Fn1 , . . . , Fnk

},

k⋂i=1

Fni = Fmax{n1,...,nk} 6= ∅;

portanto, o fato de que P e compacto implicara que:

∩nFn 6= ∅.

Por fim, notamos que ∩nFn, que nao e vazio, nao tem elementos em comumcom a imagem de f (afinal, f(j) 6∈ Fj para todo j), portanto f nao pode sersobrejetiva.

Agora vamos partir para a construcao. Para definir F1, fixe primei-ramente um x1 6= f(1) e defina r1 := dX(f(1), x1)/2. Tomamos F1 :=BX [x1, r1] e notamos que f(1) 6∈ F1, F1 6= ∅.

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Page 35: Topologia e espaços métricos

Suponha agora que F1, . . . , Fn ja foram definidas; vamos construir Fn+1 aseguir. Sabemos que Fn := B[xn, rn] com xn ∈ P e rn > 0. Agora usaremosfortemente a hipotese de que P e perfeito para notar que B(xn, rn/2)\{xn}nao e vazio, de modo que podemos tomar yn ∈ P com 0 < dX(xn, yn) <rn/2.

Vamos construir Fn+1 considerando dois casos. Se f(n+ 1) 6= xn, pode-mos tomar

Fn+1 := B[xn, rn+1] com rn+1 := min

{rn,

dX(f(n+ 1), xn)

2

}.

Veja que Fn+1 ⊂ Fn porque o centro da bola se manteve e o raio nao podeaumentar. Alem disto, como dX(f(n+ 1), xn) > 0 e rn > 0 (por hipotese darecursao), o raio de Fn+1 e positivo. Finalmente, f(n+ 1) 6∈ Fn+1 porque adistancia entre xn e f(n+ 1) e maior do que o raio da bola Fn+1.

Resta decidir o que fazer no caso em que f(n + 1) = xn. Neste caso,tomaremos uma bola ao redor de yn

Fn+1 := B[yn, rn+1] com rn+1 := min

{rn2,dX(f(n+ 1), yn)

2

}.

Veja que f(n+ 1) 6∈ Fn+1 porque o raio da bola e menor do que a distanciade f(n + 1) ao centro da bola. Alem disto, o raio e positivo porque tantoesta distancia quanto o rn > 0 sao positivos. Finalmente, Fn+1 ⊂ Fn porque

dX(yn, xn) + rn+1 ≤ rn ⇒ B[yn, rn+1] ⊂ B[xn, rn].

Isto mostra que podemos definir Fn+1 com as propriedades desejadas. 2

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