tópicos em fisiologia comparativa

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Tópicos em Fisiologia Comparativa

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Page 1: Tópicos em Fisiologia Comparativa

Tópicos em Fisiologia Comparativa

Page 2: Tópicos em Fisiologia Comparativa

Comissão Organizadora

Adriessa Santos

Carla Bonetti Madelaire

Danilo Eugênio de França Laurindo Flôres

Elisa Mari Agaki Jordão

Raisa Pereira Abdalla

Renata Ibelli Vaz

Coordenação

Prof. Dr. Hamilton Haddad

Realização

Patrocínio e apoio

Programa de

Pós-Graduação

em Fisiologia

Page 3: Tópicos em Fisiologia Comparativa

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ............................................................................................................................. 4

REGULAMENTO ............................................................................................................................... 5

Alunos regulares ........................................................................................................................................... 5

Alunos especiais ............................................................................................................................................ 7

PROGRAMAÇÃO .............................................................................................................................. 8

MÓDULOS - RESUMOS DAS AULAS

BASES CRONOBIOLÓGICAS DA FISIOLOGIA ............................................................................. 11

Fundamentos da Cronobiologia .................................................................................................................. 11

O Relógio Biológico ..................................................................................................................................... 13

Ações Múltiplas do Hormônio do Escuro .................................................................................................... 22

Ritmo no Sistema Imunológico ................................................................................................................... 26

O Eixo Imune Pineal .................................................................................................................................... 31

O endotélio como alvo privilegiado do eixo imune-pineal .......................................................................... 33

Doenças associadas à perda do ritmo circadiano ....................................................................................... 38

A CÉLULA EM CULTURA COMO MODELO PARA ESTUDO DE RELÓGIOS PERIFÉRICOS ... 43

Desvendando mecanismos de sinalização celular ...................................................................................... 43

Fotorrecepção ............................................................................................................................................. 45

A história das melanopsinas ....................................................................................................................... 48

Relógios periféricos ..................................................................................................................................... 50

O surgimento da Ritmicidade Biológica e a evolução do sistema circadiano ............................................. 53

IMPACTOS AMBIENTAIS NA FISIOLOGIA DE ORGANISMOS COSTEIROS ............................. 59

Transporte de cádmio em células epiteliais do caranguejo de mangue Ucides cordatus ........................... 59

Efeitos da salinidade ambiental sobre a regulação hídrica e osmorregulação nos vertebrados com ênfases nos anfíbios. ................................................................................................................................................ 64

Biomarcadores ............................................................................................................................................ 69

Relação parasita-hospedeiro: Uma ferramenta no entendimento da poluição ambiental? ....................... 72

Efeitos da poluição antrópica na fisiologia de invertebrados marinhos ..................................................... 75

NEUROCIÊNCIA COGNITIVA ......................................................................................................... 82

Neurofisiologia Básica ................................................................................................................................ 82

Sistema Sensorial: Uma Abordagem Comparativa ..................................................................................... 84

Aula prática- O mundo real é aquele que percebemos? ............................................................................. 87

Memória ..................................................................................................................................................... 91

Atenção ....................................................................................................................................................... 94

Neurogênese adulta .................................................................................................................................... 97

Page 4: Tópicos em Fisiologia Comparativa

Neurobiologia das emoções ...................................................................................................................... 102

Linguagem e gesto .................................................................................................................................... 106

Neurociência e Educação .......................................................................................................................... 109

Emoções e a tomada de decisão ............................................................................................................... 112

Decisão ..................................................................................................................................................... 115

REPRODUÇÃO OU NÃO: EIS A QUESTÃO ................................................................................ 120

Endocrinologia Reprodutiva e os desruptores endócrinos ........................................................................ 120

Custos e Benefícios Metabólicos da Reprodução ...................................................................................... 124

Comportamento reprodutivo – uma perspectiva endocrinológica ........................................................... 128

Estresse e suas causas na reprodução ...................................................................................................... 132

Page 5: Tópicos em Fisiologia Comparativa

4

APRESENTAÇÃO

O Curso de Inverno: Tópicos em Fisiologia Comparativa é uma iniciativa dos alunos

da pós-graduação do Departamento de Fisiologia Geral do Instituto de Biociências da

Universidade de São Paulo. O curso é voltado para alunos de graduação e recém-graduados

originários das diversas áreas do conhecimento que tenham interesse em Ciências

Fisiológicas, mais especificamente em Fisiologia Comparativa. Seu principal objetivo é

promover discussões de tópicos atuais que nem sempre são ministrados nos cursos

regulares de graduação.

Tradicionalmente o curso é dividido em aulas teóricas e práticas que são ministradas

pelos pós-graduandos do Departamento de Fisiologia nas duas primeiras semanas do curso

(1 a 12 de julho). Na tentativa de sempre melhorar a qualidade das aulas e a comunicação

dos pós-graduandos, a edição do Curso de Inverno: Tópicos em Fisiologia Comparativa de

2013 está organizada em cinco módulos. Nesta apostila tem-se um resumo de cada uma das

aulas que serão ministradas.

Ao fim das duas primeiras semanas de curso, os módulos servirão como temas-base

para os estágios que serão realizados durante a terceira semana de curso (15 a 19 de julho).

O estagiário deverá envolver-se nas atividades do laboratório escolhido e receber suporte

científico e técnico adequado sobre a linha de pesquisa do mesmo. Além disso, o aluno

participará de um projeto a ser desenvolvido durante a semana do estágio. Para tal, vai

aprender noções de como elaborar, executar e analisar um projeto de pesquisa. Os

resultados obtidos serão apresentados pelos estagiários em apresentação oral no último dia

do curso.

Comissão Organizadora

X Curso de Inverno: Tópicos em Fisiologia Comparativa

Universidade de São Paulo

1 a 19 de Julho de 2013

Page 6: Tópicos em Fisiologia Comparativa

5

REGULAMENTO

Alunos regulares

X Curso de Inverno – Tópicos em Fisiologia Comparativa

O curso terá um período de três semanas e será dividido em aulas teóricas e

desenvolvimento de estágio. As aulas teóricas e práticas serão realizadas entre os dias 1 e

12 de julho e o estágio entre os dias 15 e 19 de julho. Durante o estágio, os participantes

desenvolverão um projeto de pesquisa em um dos laboratórios do Departamento, sendo os

resultados apresentados no dia 19 de julho. Todas as atividades do curso serão realizadas

de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h.

Apresentação do Departamento e das Linhas de Pesquisa dos

Laboratórios

Para que os alunos tomem conhecimento das linhas de pesquisas e dos trabalhos

desenvolvidos no departamento, no primeiro dia do curso haverá uma série de

apresentações realizadas pelos professores responsáveis pelos diferentes laboratórios do

departamento.

Aulas teóricas e práticas

As aulas teóricas e práticas estão organizadas em módulos. Cada módulo será

constituído por uma aula inaugural, com abordagem ampla e os principais pré-requisitos

dos conteúdos das demais aulas do módulo. Na sequência serão apresentadas aulas com

temas mais específicos dentro do eixo-temático do módulo. Ao final do módulo haverá

avaliação que abordará os conceitos tratados. Essa prova poderá ser individual ou em

grupo e poderá ser constituída de questões de múltipla escolha ou dissertativa ou então um

exercício teórico-prático.

Estágio

Durante a realização do projeto de pesquisa, o aluno deverá se envolver nas

atividades do laboratório e receber suporte científico e técnico do aluno-orientador. O

projeto deverá obrigatoriamente consistir de atividades de elaboração, execução, análise e

apresentação.

Page 7: Tópicos em Fisiologia Comparativa

6

Definição dos projetos de pesquisa e orientadores

Cada aluno deverá elaborar no mínimo três projetos de pesquisa em laboratórios

diferentes. O projeto deverá conter hipótese, justificativa e metodologia, descritos em até

1000 caracteres. Os projetos devem ser ordenados de acordo com a preferência do aluno.

Os formulários com a descrição dos projetos devem ser entregues à Comissão

Organizadora na sexta-feira dia 12/7 até as 17 horas.

A definição dos projetos e orientadores atenderá às preferências dos alunos, mas

poderão ocorrer casos em que isso não será possível. Sendo assim, serão respeitadas as

limitações dos orientadores e seus respectivos laboratórios. Para os casos onde haja um

número maior de interessados do que de vagas, os seguintes critérios de desempate serão

aplicados:

1) Interesse em primeira opção;

2) Menor número de faltas nas aulas;

3) Maior média de notas de provas.

A busca pelos estágios e a formulação das suas propostas de projeto deverão ser

feitas exclusivamente no dia 12/07. Uma vez que os orientadores dos estágios estão

proibidos de dar informações durante o período das aulas teórico-práticas.

Avaliação do projeto

Desenvolvimento do projeto: o orientador atribuirá uma nota ao aluno de acordo com

o seu aproveitamento.

Apresentação: o projeto deverá obrigatoriamente ser apresentado oralmente com

slides do PowerPoint na sexta-feira dia 19/7 a partir das 9h. A apresentação deverá conter

contextualização do problema, justificativa, objetivos, métodos, resultados e discussão. A

duração máxima será de 10 minutos.

Avaliação: Uma comissão avaliadora julgará os trabalhos e questionará os alunos

sobre o aprendizado adquirido ao longo do estágio.

Notas e frequência

Será considerado aprovado o aluno com presença de pelo menos 85% e que obtiver

aproveitamento igual ou maior que 7,0 (sete).

O aproveitamento é dado pela:

Page 8: Tópicos em Fisiologia Comparativa

7

(1) média das notas dos módulos teóricos – 50%

(2) nota do orientador – 25%

(3) nota da comissão avaliadora das apresentações dos estágios – 25%

Alunos especiais

Todas as normas referentes aos Alunos Regulares se aplicam aos Alunos Especiais,

exceto pela realização do estágio e respectiva nota que não haverá. Sendo assim, o

aproveitamento dos Alunos Especiais se dará somente através das notas das provas e da

frequência nos módulos teóricos. Sendo considerado aprovado o aluno com presença de

pelo menos 85% e que obtiver aproveitamento igual ou maior que 7,0 (sete).

Page 9: Tópicos em Fisiologia Comparativa
Page 10: Tópicos em Fisiologia Comparativa

MÓDULOS

Resumos das aulas

Page 11: Tópicos em Fisiologia Comparativa

BASES CRONOBIOLÓGICAS

DA FISIOLOGIA

Page 12: Tópicos em Fisiologia Comparativa

11

BASES CRONOBIOLÓGICAS DA FISIOLOGIA

Fundamentos da Cronobiologia

Luis Henrique de Souza Teodoro [email protected]

Para investigações de caráter cronobiológico, um primeiro passo é conhecer os

diferentes significados que o tempo pode assumir.

Nas línguas de origem latina, o vocábulo tempo pode ser empregado em dois

contextos diferentes, de tal modo que pode funcionar como um sinônimo de clima ou

condições meteorológicas, mas também pode remeter a uma assunção física que aponta o

tempo como uma das sete grandezas elementares, passível de ser quantificado e que

independe de outras grandezas para a sua definição.

Em línguas de origem germânica, como o inglês e o alemão, no entanto, há,

respectivamente, os vocábulos weather e wetter para designar clima, enquanto time e zeit

designam a grandeza elementar tempo.

Essa grandeza elementar, segundo Refinetti (2006), pode ser definida como um

contínuo não-espacial no qual ocorrem eventos e/ou fenômenos sucessivos. A ocorrência

repetida e periódica de um evento e/ou fenômeno define o conceito de ritmo (Koukkari e

Sothern, 2006).

Existem diversos padrões rítmicos ambientais que podem ser agrupados em

infradiano, circadiano e ultradiano de acordo com suas ocorrências, que são de caráter

cíclico (Marques et al., 2003). É a capacidade de percepção desses padrões rítmicos que

concebe aos organismos vivos a noção de tempo (Markus et al., 2003).

Ritmos também são observados em diversos organismos, permeando os três

domínios da vida – Bacteria, Archea e Eukarya –, demonstrando sua prevalência. Não

obstante, esses ritmos biológicos, portanto endógenos, apresentam relação direta com

fenômenos rítmicos observáveis na natureza (Refinetti, 2006), o que confere a esses seres

vivos uma vantagem adaptativa (Bell-Pedersen et al., 2005; Smolensky e Peppas, 2007,

Lemmer, 2009; Ohdo, 2010).

Os ritmos endógenos são gerados pelos chamados relógios biológicos. Estes relógios

são as estruturas responsáveis por produzir oscilações regulares que, sincronizadas com os

ritmos ambientais, compõem os mecanismos temporizadores (Rotenberg et al., 2003;

Marques et al., 2003; Refinetti, 2006).

Page 13: Tópicos em Fisiologia Comparativa

12

Tais fenômenos ambientais que são capazes de prover a percepção de tempo e de

exercer um papel regulatório sobre os relógios biológicos são chamados zeitgebers,

vocábulo alemão que designa a “doação de tempo” (Koukkari e Sothern, 2006).

Isto é, a fim de assegurar sua homeostasia, organismos desenvolveram a capacidade

de se antecipar às variações rítmicas ambientais, em função dos zeigebers (Koukkari e

Sothern, 2006), o que lhes configurou uma relevante vantagem adaptativa, mantida ao

longo da evolução (Bell-Pedersen et al., 2005; Smolensky e Peppas, 2007, Lemmer, 2009;

Ohdo, 2010).

A Cronobiologia, muito embora tenha sido reconhecida como disciplina científica

formal a partir de meados do século XX (Araujo e Marques, 2002), suscita interesse de

diversos ramos da pesquisa básica e médica, que são relatados desde o século XVII

(Lemmer, 2009).

Está bem estabelecido que o objeto de estudo da cronobiologia resida na organização

temporal de um organismo (Menna-Barreto, 2003) em seus diversos níveis de estruturação

(Araujo e Marques, 2002). Todavia, diversas são as lacunas no compreender das diferentes

capacidades e os tipos de respostas de um organismo ante as variações rítmicas ambientais

e a influência desses fatores exógenos acerca dos ritmos biológicos.

Referências bibliográficas

Araujo, J. F. e Marques, N. (2002). Cronobiologia: uma multidisciplinaridade necessária. Margem

15, 95 – 112.

Bell-Pedersen, D., Cassone, V. M., Earnest, D. J., Golden, S. S., Hardin, P. E., Thomas, T. L. e

Zoran M. J. (2005). Circadian rhythms from multiple oscillators: lessons from diverse

organisms. Nature Reviews Genetics 6, 544 – 556.

Koukkari, W. L. e Sothern, R. B. (2006). Introducing biological rhythms. Saint Paul: Springer.

Lemmer, B. (2009). Discoveries of rhythms in human biological functions: a historical review.

Chronobiology International 26, 1019 -1068.

Markus, R. P., Junior, E. J. M. B., Ferreira, Z. S. (2003). Ritmos Biológicos: entendendo as horas,

os dias e as estações do ano. Einstein 1, 143 – 148.

Menna-Barreto, L. (2003). O tempo na biologia. In: Marques, N. e Menna-Barreto, L. (3 Eds.).

Cronobiologia: princípios e aplicações. São Paulo: edusp. Pp 25–29.

Ohdo, S. (2010). Chronotherapeutic strategy: rhythm monitoring, manipulation and disruption.

Advanced Drug Delivery Reviews 62, 859 – 875.

Refinetti, R. (2006). Circadian physiology. Boca Raton: CRC Press.

Rotenberg, L., Marques, N. e Menna-Barreto, L. (2003). Desenvolvimento da cronobiologia. In:

Marques, N. e Menna-Barreto, L. (3 Eds.). Cronobiologia: princípios e aplicações. São

Paulo: edusp. Pp. 31-53.

Smolensky, M. H. e Peppas, N. A. (2007). Chronobiology, drug delivery and chronotherapeutics.

Advanced Drug Delivery Reviews 59, 828 – 851.

Page 14: Tópicos em Fisiologia Comparativa

13

O Relógio Biológico

Leila Lima [email protected]

A percepção dos ritmos biológicos

A primeira observação formal da existência de ritmos diários foi feita por De Mairan

em 1729, o qual observou que a planta Mimosa Pudica, mesmo mantida em condição

constante de iluminação, apresentava alternância cíclica dos seus movimentos foliares.

Desde então, passaram a serem observados ritmos que apresentavam um período de um

dia, aproximadamente, em diversos organismos vegetais e animais. Esses ritmos foram

denominados “circadianos”.

Até meados do século XX, já se havia acumulado um grande número de

investigações sobre a ocorrência de ritmos biológicos, até que em 1960, Curt P. Richter fez

a primeira referência a “relógios biológicos internos”. Segundo ele, os relógios biológicos

seriam “instrumentos do corpo para manter a contagem do tempo independentemente das

pistas ambientais externas”. Essa conclusão surgiu através da observação de que, em

determinadas situações de moléstias de pacientes hospitalizados, surgem ritmos

fisiológicos de frequência diferente de 24h, indicando a capacidade do organismo em

contar o tempo em diversas unidades. Desde então, as pesquisas nesse campo se

concentraram na busca pela estrutura responsável por conferir esta ritmicidade endógena.

A busca pelo relógio biológico central

O reconhecimento de estruturas centrais do sistema de temporização de vertebrados

começou com os experimentos originais de Curt Richter (1965, 1967), que consistiam na

lesão progressiva do sistema nervoso central e observação da permanência ou abolição dos

ritmos de ratos. Destes experimentos, concluiu que o centro responsável pela ritmicidade

encontrava-se no hipotálamo. Partindo do princípio de que o sincronizador ambiental mais

importante era o ciclo claro/escuro, o grupo de Robert Moore iniciou sua busca pelos olhos

e descreveu, pela primeira vez, a via retino-hipotalâmica (Moore e Lenn, 1972) a qual

terminava em dois pequenos núcleos na base do cérebro: os núcleos supraquiasmáticos

(NSQ). Logo a seguir, demonstrou-se que, tanto o ritmo circadiano de liberação da

costicosterona, como os ritmos circadianos de atividade e de ingestão de água eram

suprimidos pela lesão dos NSQ em ratos (Moore e Eichler, 1972; Stephan e Zucker, 1972).

Nesta mesma linha de experimentos, destacam-se os trabalhos do grupo de Michael

Page 15: Tópicos em Fisiologia Comparativa

14

Menaker, que inicialmente demonstrou que a extirpação da glândula pineal causava

arritmicidade em pardais (Gaston e Menaker, 1968), indicando um importante papel deste

órgão para os ritmos endógenos em aves.

Em 1979, Inouye e Kawamura conseguiram isolar os NSQs de ratos in vivo,

cortando todas as ligações neurais entre os NSQs e o restante do cérebro, construindo o que

eles descreveram como “ilha hipotalâmica”. Neste experimento, eles observaram que,

antes do isolamento, a atividade elétrica do hipotálamo e do núcleo caudado apresentavam

um ritmo circadiano. Porém, isolando-se os NSQ, apenas a ritmicidade circadiana da

atividade neural no interior da ilha persistia, indicando que os núcleos supraquiasmáticos

eram, de fato, as estruturas responsáveis por conferir a oscilação endógena central. No

mesmo ano, Inouye e Kawamura estabeleceram alguns critérios para que uma estrutura

pudesse ser considerada um oscilador endógeno: ritmicidade autônoma do tecido quando

isolado do resto do organismo e mantido em cultura (in vitro); e competência do tecido de

restaurar a ritmicidade com seu próprio período quando implantado em hospedeiros

arrítmicos. Portanto, o último quesito a ser contemplado para a identificação dos NSQs

como osciladores centrais de mamíferos era a verificação do segundo critério. Isso só foi

possível em 1990, quando hamsters “tau-mutantes” tiveram seus NSQs ( 21h)

implantados em hamsters selvagens ( 24h), e vice-versa. Os animais selvagens, ao terem

os NSQs lesionados, ficaram arrítmicos e, após o transplante, passaram a apresentar ritmos

de atividade-repouso com o mesmo período do doador mutante (Ralph e col., 1990).

Confirmara-se então o caráter oscilatório dos NSQs de mamíferos. Da mesma forma,

estudos com glândulas pineais de aves confirmaram seu papel central como temporizador

em algumas espécies. Porém, em outras, verifica-se uma hierarquia entre osciladores,

incluindo os olhos, a pineal e os NSQs (Cassone e Menaker, 1984).

Ritmicidade do oscilador: mecanismos celulares

O próximo passo de caracterização dos NSQs consistiu em se investigar quais

processos celulares estariam envolvidos na contagem do tempo por estas estruturas. Até

então, havia sido demonstrado que estes neurônios apresentavam ritmos autossustentados

de consumo de glicose e de disparos de potenciais de ação (Schwartz e Gainer, 1977;

Schwartz e col., 1980). Pressupôs-se então que o ritmo metabólico era uma consequência

do ritmo da atividade elétrica destes neurônios, a qual foi a primeira variável candidata a

ser responsável por conferir a ritmicidade endógena do oscilador. Um experimento chave

na confirmação dessa hipótese foi realizado bloqueando-se o potencial de ação dessas

Page 16: Tópicos em Fisiologia Comparativa

15

células pela perfusão crônica de tetrodotoxina (TTX) nos NSQs de ratos cegos (ritmos em

livre-curso) (Schwartz e col., 1987). Os animais perfundidos com solução-veículo

apresentaram ritmo de atividade em livre-curso, conforme esperado, enquanto que os

animais perfundidos com TTX tornaram-se totalmente arrítmicos durante a perfusão.

Porém, após o término da perfusão, os animais não só retomaram seu ritmo de atividade

em livre-curso, com o mesmo tau, como também retomaram a mesma fase prevista caso o

livre-curso não tivesse sido interrompido. Dessa forma, foi constatado que a atividade

elétrica dos NSQs corresponde somente ao mecanismo sincronizador dos ritmos pelo

oscilador, mas não à variável chave para contagem do tempo, pois esta função continuou a

ser executada mesmo na presença de TTX. Portanto, foi dada continuidade a estudos neste

campo, com o intuito de se encontrar os mecanismos que, de fato, realizam a contagem do

tempo pelos NSQs.

Bases genéticas e moleculares do Sistema Circadiano

Desde a década de 60, já era relatada a expressão de ritmos biológicos em

organismos unicelulares (Karakashian e Hasting, 1962; Goto e col., 1985), sugerindo que

uma única célula poderia apresentar os componentes de um relógio biológico completo.

Logo, os mecanismos responsáveis pela oscilação endógena verificada nos NSQs deveriam

ser realizados a nível celular.

A ritmicidade endógena observada, até então, tanto nos organismos menos

organizados como nos metazoários sugeriu que a rotação do nosso planeta foi tão marcante

ao longo da evolução dos organismos, que os ritmos associados ao ciclo dia/noite deveriam

possuir uma base genética para se perpetuarem. Essa teoria pôde ser confirmada com os

estudos de Konopka e Benzer (1971), os quais observaram que algumas moscas-da-fruta

(Drosophila melanogaster) apresentavam aberrações em seus ritmos de eclosão de ovos e

de locomoção. Uma das moscas mutantes estudadas, em condições constantes de

iluminação, era totalmente arrítmica, outra exibia um período de 19h e a terceira tinha

período de 28h em relação ao ritmo de eclosão das pupas. O ritmo de locomoção também

se encontrava alterado nessas moscas, confirmando a ausência da expressão do relógio

circadiano. A partir disso, por meio de cruzamentos e observação dos recombinantes,

concluíram que o gene mutado responsável pelos fenótipos encontrados estava localizado

no cromossomo X. Pelo fato dessas mutações resultarem em uma alteração no período dos

ritmos, até mesmo em condições constantes, o gene mutado recebeu o nome de per

(period), e foi o primeiro “gene do relógio” a ser identificado. Mais tarde, Hardin e

Page 17: Tópicos em Fisiologia Comparativa

16

colaboradores (1990) observaram um acúmulo cíclico de RNA mensageiro de per em

Drosophila, e que a proteína traduzida regulava a transcrição do seu próprio gene.

Sabe-se que uma propriedade única dos neurônios dos NSQs, essencial para a função

do sistema de temporização circadiana, é a capacidade de transformar os ritmos

circadianos em atividade elétrica (Schwartz e col., 1987; Albus, 2002). Por isso, as bases

moleculares da ritmicidade do oscilador central foram alvos de intensa investigação em

vários organismos, incluindo cianobactérias, Neurospora, plantas superiores, Drosophila, e

mamíferos (Dunlap, 1990; Reppert e Weaver, 2002).

Atualmente, sabe-se que o relógio central molecular de mamíferos é composto por

pelo menos 11 proteínas distintas: PERIOD1, PERIOD2, PERIOD3, CLOCK, BMAL1

(brain and muscle ARNT-like 1, onde ARNT= aryl hydrocarbon receptor nuclear

translocator), CRYPTOCHROME1, CRYPTOCHROME2, CASEÍNA KINASE I , REV-

ERBα e β (Pando e Sassone-Corsi, 2001) e ROR (receptor órfão relacionado ao ácido-

retinóico; Dardente e Cermakian, 2007). Assim como em drosófilas, essas proteínas

encontram-se altamente relacionadas com as alças de autorregulação e atuam sob a forma

de heterodímeros.

A primeira alça de feedback negativo é composta por CLOCK (CLK) e BMAL1

(Gekakis e col., 1998), elementos que são membros da família de fatores de transcrição

que apresentam o domínio bHLH-PAS (basic helix-loop-helix, Period-ARNT-Single-

minded). Estas duas proteínas formam um heterodímero capaz de se ligar a promotores

gênicos que contenham uma sequência E-box, regulando sua transcrição, o que inclui os

promotores de Period (Per1, 2 e 3) e Cryptochrome (Cry1 e 2). O feedback negativo é

realizado pelo heterodímero das proteínas PER:CRY que transloca-se ao núcleo e, após

atingir determinada concentração, interage com o heterodímero CLK:BMAL, inibindo sua

atividade de promoção de transcrição. Como consequência, os níveis de RNAm e de suas

respectivas proteínas, PER e CRY, vão decrescendo até tornarem-se insuficientes para

reprimir a atividade do heterodímero CLK:BMAL, o qual, então, volta a ativar a

transcrição gênica, reiniciando um novo ciclo (Yoo e col., 2005).

O heterodímero CLK:BMAL1 também inicia outra alça de feedback, ativando a

transcrição de Rev-erbα e Rorα, cujas proteínas competem entre si pela ligação ao

elemento responsivo ao ROR (ROREs), presente no promotor de Bmal1. Ao se ligar ao

promotor, essas proteínas possuem ações antagônicas: ROR ativa a transcrição de Bmal1

enquanto que REV-ERB a inibe (Ko e Takahashi, 2006). Todos esses ciclos em conjunto

levam cerca de 24h para se completarem e a concentração fásica dessas diferentes

proteínas é o que constitui a base molecular do relógio biológico.

Page 18: Tópicos em Fisiologia Comparativa

17

Modificações pós-traducionais, como a atividade de fosforilação de caseínas kinases

(CK I e ), também são essenciais para a regulação rítmica desses diferentes fatores,

propiciando a estabilidade e a translocação nuclear adequadas. Sua relevância foi

demonstrada em organismos mutantes que não expressavam essas quinases e apresentavam

fenótipos com ritmos circadianos alterados (Gachon e col., 2004). Outra característica de

extrema importância dessa maquinaria é o fato de que as proteínas do relógio não só

regulam sua própria transcrição como também a de outros genes alvos. Tais genes são

denominados, em conjunto, de ccgs, (clock-controlled genes) e possuem o elemento E-box

em sua região promotora, o que faz com que suas transcrições sejam dependentes dos

componentes do relógio biológico (CLK:BMAL1). Eles codificam as mais diversas

substâncias, como neuropeptídeos, vasopressina (Duffield, 2003), neurotransmissores,

hormônios, fatores de transcrição, moléculas de sinalização intracelular, dentre outros.

Estas substâncias, por sua vez, regulam a atividade dos neurônios dos NSQs, os quais

sincronizam o restante do organismo através de inervações diretas sobre o tecido-alvo ou

por secreção hormonal (Bozek e col., 2009). Dessa forma, os ccgs constituem o

mecanismo molecular de eferência do relógio biológico central, ou seja, o mecanismo pelo

qual a oscilação rítmica endógena central é passada ao organismo resultando na expressão

de diversos ritmos endógenos.

Para que ocorra a sincronização desta maquinaria molecular ao ciclo claro/escuro

ambiental, deve ocorrer um reset diário da maquinaria pela informação luminosa. Em

mamíferos, acredita-se que a proteína do oscilador central que exerce o papel de

sincronizar as alças de feedback às informações ambientais seja a PERIOD1. Isso porque

os níveis de seu RNAm aumentam rapidamente após um pulso de luz, enquanto os outros

componentes não são alterados (Field, 2000).

Sincronia interna: do relógio central aos periféricos

Nos mamíferos, a informação luminosa é percebida pela retina e transmitida aos

núcleos supraquiasmáticos através do trato retino-hipotalâmico. Estes núcleos enviam

projeções para, pelo menos, quatro alvos neuronais: neurônios endócrinos, neurônios

autonômicos do núcleo paraventricular do hipotálamo (PVN), outras estruturas

hipotalâmicas, e áreas externas ao hipotálamo. Estas vias eferentes, por sua vez, controlam

diversas funções fisiológicas, tais como o momento de liberação hormonal, o

comportamento alimentar e as flutuações de temperatura. Dessa forma, o sistema

circadiano dos mamíferos é diariamente sincronizado pela informação fótica ambiental, e

Page 19: Tópicos em Fisiologia Comparativa

18

por eferências neurais e hormonais emitidas pelos NSQs a todo o organismo.

Hoje, sabe-se que diversas outras regiões cerebrais (núcleo hipotalâmico, o bulbo

olfatório e a glándula pineal), e tecidos não neuronais (fígado, rim, músculos, tecido

adiposo e células sanguíneas) também apresentam ritmicidade autónoma e sustentada, tal

quais os neurônios dos NSQs em cultura. Isso foi comprovado através de experimentos que

utilizaram um gene-repórter para acompanhamento da expressão do gene Per em diversos

tecidos periféricos isolados, tendo sido observada uma ritmicidade que era mantida por

mais de 20 ciclos celulares (Yoo e col., 2004). Por isso, estas regiões foram denominadas

“osciladores periféricos”. Estes osciladores também dependem de alças de autorregulação

de genes e proteínas do relógio, porém possuem sincronizadores distintos daqueles dos

NSQs, pois respondem a diferentes estímulos ambientais e fisiológicos. O principal

sincronizador dos NSQs é a luz, enquanto que os relógios periféricos podem ter seus

ritmos arrastados ou “resetados” pelo comportamento alimentar, sem que o período do

relógio central seja alterado (Damiola e col., 2000; Stokkan e col., 2001).

Os relógios periféricos se comunicam com o sistema nervoso central principalmente

por meio do hipotálamo. Essas conexões permitem que o organismo ajuste a informação

ambiental externa à informação metabólica proveniente dos órgãos periféricos. Dessa

forma, a organização temporal do organismo é obtida através da sincronização de todos os

relógios periféricos em função do relógio central. Na ausência deste, cada tecido ou mesmo

cada célula fica livre para expressar sua ritmicidade própria, de forma totalmente

independente de outros órgãos e até mesmo de outros indivíduos da mesma espécie. O

relógio central atua, portanto, de forma a coordenar todos os relógios periféricos de modo

que entrem em fase uns com os outros e possibilitem a perfeita sincronização do meio

interno ao meio externo.

Conclusão

A percepção de ritmos biológicos em diversas formas de vida, dos organismos menos

organizados aos mais complexos, indica que o princípio geral da organização temporal dos

seres vivos foi preservado. Isto sugere que a dimensão temporal não representa apenas o

cenário da evolução, mas também atua como fonte de importantes pressões seletivas

impostas pelas variações cíclicas ambientais.

A expressão da ritmicidade endógena dos organismos, mesmo na ausência de pistas

ambientais, foi a característica que instigou os pesquisadores a investigarem a estrutura

Page 20: Tópicos em Fisiologia Comparativa

19

responsável pela geração da oscilação interna, ou seja, o relógio central, e seus

mecanismos celulares capazes de gerar esta oscilação. Atualmente, se sabe que a contagem

do tempo pelo relógio se dá pela maquinaria celular composta pelos genes do relógio e por

suas proteínas correspondentes. Essas proteínas regulam sua própria transcrição gênica por

meio de alças de feedback negativo, mecanismo básico no qual os genes do relógio

regulam a transcrição de seus próprios componentes e de outros genes alvos, expressando

assim uma ritmicidade autossustentada. No caso dos mamíferos, a informação luminosa

ambiental, captada pela retina, é transmitida para os NSQs, os quais, pelas vias eferentes

neuronais e hormonais, sincronizam a oscilação dos relógios periféricos ao ciclo

claro/escuro ambiental. Dessa maneira, a sincronia interna desde o nível molecular até o

sistêmico permite que os processos fisiológicos e comportamentais sejam coordenados

temporalmente de forma que o organismo seja capaz de prever e antecipar as variações

cíclicas do ambiente. Qualquer incoerência entre as informações ambientais recebidas ou

quaisquer alterações transcricionais ou pós-transcricionais ocorridas na maquinaria

molecular do relógio, portanto, pode prejudicar esta sincronia, causando diversos

distúrbios fisiológicos, podendo induzir até mesmo a formação de algumas formas de

câncer.

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Page 23: Tópicos em Fisiologia Comparativa

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Ações Múltiplas do Hormônio do Escuro

Cláudia Emanuele Carvalho de Sousa [email protected]

Papel fisiológico da melatonina- múltiplas ações

A primeira ação atribuída à melatonina no momento de sua descoberta foi a sua

habilidade em promover a agregação de melanóforos na pele de anfíbios (Lerner et al.,

1958). Os estudos subsequentes mostraram que a variação da duração de luminosidade

diária (fotoperíodo) ao longo das estações sincronizavam as atividades reprodutivas anuais

com os ambientes naturais de hamsters (Hoffman e Reiter 1965a, b). Mais tarde, observou-

se que as adaptações reprodutivas dependentes do fotoperíodo eram mediadas pela

mudança da duração dos níveis noturnos da melatonina na circulação (Reiter, 1980a). O

papel da melatonina como molécula marcadora do escuro ficou estabelecido desde então.

A melatonina secretada de forma rítmica na circulação e nos diversos líquidos

corpóreos informa ao organismo se é dia ou noite no exterior e ainda o seu perfil

plasmático noturno, ou seja, sua duração indica a estação do ano (Reiter, 1980b). Sendo

assim, a melatonina é um sinal essencial tanto para sincronização dos ritmos diários como

dos fenômenos sazonais. Vários estudos demonstraram que a melatonina é o sinal essencial

para adaptação sazonal em diversas funções como a reprodução, a resposta imunológica, o

metabolismo e comportamento (para revisão Arentd, 1998; Malpaux et al.., 2002). Em

relação à reprodução, por exemplo, nem todos os animais apresentam respostas adaptativas

às variações do fotoperíodo, e a capacidade da melatonina em estimular ou suprimir as

gônadas é dependente da espécie analisada como também depende do período fértil e da

duração da gestação do animal.

Mais recentemente a melatonina foi também reconhecida como potente

antioxidante endógeno (Reiter et al., 2003, Tan et al., 2007) e tornou-se um dos principais

campos de pesquisa acerca dessa molécula. Esses estudos tem demonstrado que a

melatonina protege efetivamente macromoléculas, células, tecidos, órgãos e organismos

contra danos oxidativos (Hardeland, 2005; Hardeland e Fuhrberg, 1996; Poeggeler et al.,

2002; Srinivasan et al., 2005). Suas ações antioxidantes são observadas em diferentes

níveis incluindo a atenuação da formação de radicais livres. Esses efeitos se dão tanto pela

interação direta da molécula de melatonina com espécies reativas de oxigênio e nitrogênio

como também por aumentar a expressão de enzimas antioxidantes como a glutationa

oxidase e peroxidase e também pela diminuição da expressão de enzimas pró-oxidativas

Page 24: Tópicos em Fisiologia Comparativa

23

como as NO sintases e lipoxigenase (Hardeland et al., 2006). Frente a esta notável

propriedade, a atividade antioxidante tem sido proposta como função primária da

melatonina nos organismos (Hardeland et al., 1995). A capacidade de atuar como

antioxidante representa uma propriedade química e por isso não depende do organismo

investigado. Dessa forma, essa propriedade é conservada e também considerada em

organismos nos quais a melatonina tenha evoluído novas funções, mas não

necessariamente papéis independentes.

Também é reconhecida a habilidade da melatonina em atuar como uma molécula

anti-inflamatória devido a sua capacidade de diminuir a expressão de enzimas e diversas

proteínas relacionadas à montagem da resposta inflamatória (Crespo e col, 1999;

Cuzzocrea e col, 2000; Escames et al., 2003; Mayo e col, 2005; Pontes et al., 2006;

Tamura et al., 2009, 2010). Outra importante ação descrita da melatonina é sua capacidade

de atuar sobre a resposta imune (Carrillo-Vico et al., 2003; Gilad et al., 1998; Guerrero e

Reiter, 2002; Maestroni, 1998; Nelson e Demas, 1997; Pontes et al., 2006). Os estudos

iniciais sobre sua ação imunomodulatória baseavam-se na retirada da glândula pineal e na

observação de diversos parâmetros imunológicos, incluindo principalmente os órgãos

linfoides. A atenuação da resposta celular e humoral, atrofia do timo e a redução de células

imunes no baço após a retirada da pineal são evidências marcantes do papel

imunoestimulatório exercido pela melatonina (Brainard et al., 1988; Csaba e Barath, 1975;

Jankovic et al., 1994; Maestroni et al., 1986). Da mesma forma ela atua potenciando a

resposta celular e humoral, promovendo aumento da proliferação de células do timo,

ativação de células T, B, NK e monócitos, produção de citocinas (interleucinas 1, 2, 6, 12,

e interferon (IFN), potenciando a capacidade fagocítica de macrófagos (Muxel et al., 2012)

e diminuindo a apoptose (para revisão, Guerrero e Reiter, 2002; Srinivasan et al., 2005).

De fato, a melatonina pode ser apontada como uma molécula multifacetada e com

considerações importantes sobre o porquê de ter evoluído em organismos diferentes de

forma a acumular novas funções. Considerar os papéis da melatonina em um contexto

evolutivo nos ajuda a entender a ubiquidade de ações dessa molécula.

Produção Extra-pineal

A melatonina foi primeiramente descrita como um hormônio produzido pela

glândula pineal e reconhecida como a molécula marcadora do escuro. No entanto sua

produção já foi detectada em vários órgãos e células além da pineal, tendo sido descrita no

trato gastrointestinal (Bubenik, 2002) na retina (Zmijewski et al., 2009), na pele

Page 25: Tópicos em Fisiologia Comparativa

24

(Slominski et al., 1996, 2002), células da medula óssea (Conti et al., 2000), e células

imunocompetentes (Carrilo-Vico et al., 2004; Pontes et al., 2006, 2007, Muxel et al.,

2012). A produção extrapineal pode ocorrer de maneira rítmica como acontece na retina ou

constitutiva como acontece no trato gastrointestinal. Nestes órgãos e células, a melatonina

produzida exerce papel regulatório local, mas, em nenhum desses a melatonina secretada

parece contribuir para a variação rítmica do hormônio na circulação, sendo este padrão

dependente da produção pineal.

Ubiquidade da melatonina

A melatonina foi detectada pela primeira vez em pineais de mamíferos e

considerada por vários anos como um hormônio exclusivo de vertebrados. Em 1991,

Poeggeler e colaboradores descreveram que a melatonina também era produzida por um

organismo unicelular, o dinoflagelado Lingulodinium polyedrum. A esta primeira

descoberta seguiram-se vários estudos que demonstram a presença da melatonina em

outros táxons incluindo bactérias (Balzer et al., 2000; Manchester et al., 1995),

tripanossomatídeos (Macías et al., 1999), algas (Hardeland e Fuhrberg, 1996), plantas

(Kolár e Machácková, 2005), fungos (Balzer et al., 2000; Hardeland, 1999; Sprenger et

al., 1999), e vários filos de invertebrados (Hardeland e Fuhrberg, 1996). A presença de

melatonina em praticamente todos os organismos, de bactérias mais primitivas ao homem,

levou os pesquisadores a reconsiderar suas ações biológicas, inicialmente descritas apenas

como cronobióticas. Considerando a distância filogenética dos organismos, sua definição

apenas como um hormônio não é aplicável. A interação com espécies reativas de oxigênio

e de nitrogênio traz a hipótese de que a função primária da melatonina tenha sido proteger

os organismos contra o estresse oxidativo (Hardeland et al., 2005; Tan et al., 2007). Essa

hipótese poderia explicar porque essa molécula é altamente distribuída nos seres vivos,

uma vez que confere um caráter adaptativo, ele tende a ser conservado. A origem

monofilética da melatonina, ou seja, a partir de um único ancestral comum é difícil de ser

demonstrada por causa de sua ubiquidade, possivelmente ela pode ter evoluído

independentemente várias vezes a partir de um precursor comum. A evolução das funções

da melatonina é relacionada também ao desenvolvimento de órgãos e células

especializadas para sua síntese. Um ponto importante é que mesmo com a evolução

morfológica e macromolecular a função primária da melatonina não foi perdida durante o

desenvolvimento de funções fisiológicas adicionais (Tan et al., 2010).

Page 26: Tópicos em Fisiologia Comparativa

25

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Page 27: Tópicos em Fisiologia Comparativa

26

Ritmo no Sistema Imunológico

Sandra M Muxel [email protected]

Introdução

A progressão de fases de claro-escuro ambiental (dia-noite) durante o período de 24

horas de rotação da terra pode influenciar profundamente a função do sistema imunológico

nos homens e em outros organismos. Estudos na área da neuroimunologia indicam que o

sistema imunológico é susceptível a modificações causadas por vários hormônios, em

decorrência de mudanças neuroendócrinas mediadas pelo sistema oscilatório endógeno que

codifica a informação luminosa em sinais hormonais rítmicos. Além disso, muitos estudos

têm demonstrado que diversas funções e parâmetros do sistema imunológico sofrem

variações dependendo da hora do dia. Este é o caso, por exemplo, da apresentação

antigênica, proliferação de linfócitos e expressão de genes da citocinas, seus receptores e

seus níveis no sangue, ativação de células NK, resposta imune humoral (anticorpos),

número de células do sistema imune circulantes no sangue e seus subtipos, nível de cortisol

no sangue, entre outros.

Os ritmos sistêmicos comandados pelos hormônios glicocorticóides, melatonina e

adrenérgicos/noradrenérgicos possuem um papel importante na sincronização da resposta

imunológica em organismos saudáveis. No entanto, os genes de relógios circadianos

também são ritmicamente expressos nos órgãos linfóides secundários de modelos murinos,

como o baço e linfonodos, e também são expressos em macrófagos peritoneais, sendo

capazes de regular a secreção temporal das citocinas IL-6 e TNF-α nestas células. As

condições de luz, estado nutricional, privação do sono e horário de maior atividade dos

indivíduos podem determinar variações na susceptibilidade a infecções e doenças como o

câncer, na progressão de doenças como a artrite reumatóide ou asma e em parâmetros para

o diagnóstico clínico das doenças, bem como na melhor maneira de aplicar a terapia

farmacológica, integrando o sistema circadiano e o sistema imunológico.

Comunicação entre o Cérebro e o Sistema Imune

O sistema nervoso central (CNS) regula o sistema imune através de dois mecanismos

centrais: (1) com a resposta de hormônios do estresse e produção de glicocorticóides e (2)

liberação de noradrenalina pelo sistema nervoso autônomo. O CNS também pode regular o

sistema imune localmente através da liberação de neuropeptídeos, substância P, pelos

Page 28: Tópicos em Fisiologia Comparativa

27

nervos periféricos ou produção do hormônio corticotrofina (CRH).

O eixo hipotalâmico-pituitário-adrenal (HPA) é o maior regulador dos efeitos do

glicocorticóide sobre o sistema imune. Os principais componentes do eixo HPA são o

núcleo paraventricular (PVN) que está localizado no hipotálamo do cérebro, a glândula

pituitária anterior que está na base do cérebro e a glândula adrenal. O CRH é secretado

pelo PVN e estimula a produção do hormônio adrenocorticotropina (ACTH) pela glândula

pituitária anterior. Por sua vez o ACTH circulante chega à glândula adrenal onde induz a

produção e secreção de glicocorticóides. O eixo HPA é regulado pelo sistema nervoso e

pelos sinais vindos da periferia, como hormonais e citocinas. Os glicocorticóides regulam

negativamente o eixo HPA, atuando sobre o hipotálamo e a glândula pituitária. Outros

fatores também regulam o eixo HPA, entre eles, sistema nervoso simpático, citocinas e

neuropeptídeos. Os glicocorticóides fazem parte de uma complexa rede de interação entre

diversas porções do CNS, dentre elas as relacionadas ao sistema neuroendócrino, e o

sistema imune. A rede é composta por nervos, cascatas hormonais e interações celulares

que levam o CNS a regular localmente a resposta imune, seja atuando no foco

inflamatório, nos órgãos linfóides ou atuando sistemicamente via hormônios.

Efeitos dos Glicocorticóides nas Células Imunes

De maneira geral, os glicocorticóides e a melatonina, entre outras moléculas, podem

atuar na maturação, diferenciação, ativação e proliferação de células da imunidade inata,

como as células NK, monócitos e neutrófilos, bem como da imunidade adquirida, células T

e células B. Em mamíferos, os monócitos são as células que auxiliam na ligação da

resposta imune inata ao desenvolvimento de uma resposta imune adquirida aos

microrganismos. Os monócitos são produzidos e maturados na medula óssea e logo após

circulam na corrente sanguínea onde recebem sinais para migrarem para os tecidos onde se

diferenciam em macrófagos, células de Langerhans, macrófagos das mucosas e células

dendríticas (DCs) em resposta a sinais inflamatórios (1).

Os glicocorticóides são utilizados como drogas anti-inflamatórias e

imunossupressoras. Os glicocorticóides interferem nas funções dos macrófagos modulando

a produção de mediadores inflamatórios, como mediadores derivados de fosfolípideos

(prostaglandinas), proteases e metabólitos de oxigênio, óxido nítrico (NO) e citocinas,

incluindo o fator de necrose tumoral (TNF)-α. Deste modo os glicocorticóides contribuem

para o controle de muitas doenças inflamatórias, como a artrite reumatóide em que o TNF-

α contribui para sua patogênese (2). Além disso, os glicocorticóides reduzem o número de

Page 29: Tópicos em Fisiologia Comparativa

28

monócitos circulantes, inibem a secreção de IL-1, IL-6 e TNF-α, fatores de ativação de

quimioatração de monócitos e diminui a síntese de colagenase, elastase e ativador de

plasminogem nos tecidos (3). Os glicocorticóides reduzem o número de neutrófilos

circulantes e também sua aderência ao endotélio, promovendo uma diminuição na

diapedese e migração dos neutrófilos aos tecidos inflamados, reduzindo a liberação de

mediadores inflamatórios e quimioatraentes (IL-1, IL-8 e leucotrieno B4) no foco

inflamatório (3). Os glicocorticóides também são capazes de modular a expressão de IL-12

e do receptor de IL-12, este é o maior mecanismo de regulação da mudança de um perfil de

resposta Th1 para Th2. A diminuição da produção de IL-12 ocorre através da inibição da

fosforilação de Stat4 (4), fator de transcrição que promove o aumento nos níveis de

produção de IFN-γ e manutenção do perfil Th1 (5). Já os níveis de fosforilação de Stat6,

que está envolvida na cascata de sinalização de IL-4 (perfil Th2) (5) não são afetados pelos

glicocorticóides. Os glicocorticóides inibem diretamente a ativação e proliferação dos

linfócitos através da inibição da produção de IL-2 e do receptor de IL-2 e indiretamente

através da redução da síntese de IL-2 pelos linfócitos pela diminuição de IL-1 pelos

macrófagos (6).

Modulação do Sistema Imune pela Melatonina

A melatonina é biosintetizada na glândula pineal e em muitos outros órgãos e

tecidos, como os órgãos linfóides, medula óssea, timo, monócitos e linfócitos. A

melatonina está envolvida na regulação da imunidade celular e humoral (produção de

anticorpos), estimula a produção de células NK, monócitos e neutrófilos pela medula

óssea, além de participar na modulação da resposta Th1 versus Th2, aumentando a

produção de IL-2, IL-6, IL-12 e IFN-γ (7). A função de regulação dos mecanismos

imunológicos ocorre de maneira circadiana e também sazonal conforme a maior ou menor

produção de melatonina, como já observado para as respostas neuroendócrinas, com um

ritmo diurno e um ritmo sazonal de proliferação celular na medula óssea e sistema linfóide

dos mamíferos, bem como subtipos de linfócitos, atividade de células NK, monócitos e

produção de citocinas (8). A melatonina pode regular muitos mecanismos mediadores do

sistema imune através da regulação da expressão gênica e produção destes mediadores,

como aumentar a apresentação antigênica em macrófagos do baço de camundongos,

aumentando a expressão de moléculas do MHC de classe II e TNF-α (9). A melatonina

também pode aumentar a expressão dos genes do fator estimulador de colônia de

monócitos (M-CSF), TNF-α, TGF-β em macrófagos peritoneais de camundongos, assim

Page 30: Tópicos em Fisiologia Comparativa

29

como regular a produção de IL-1β, M-CSF e TNF-α por células do baço de camundongos

(10). A melatonina também pode ativar as células T in vitro, através do aumento na

expressão dos receptores de IL-2 e produção de IL-2 (11).

Modulação do Sistema Imune pelos Sinais Adrenérgicos e

Noradrenérgicos

A ativação do sistema nervoso simpático induz a produção de catecolaminas pela

medula da adrenal e pelos terminais dos nervos simpáticos (12). O CNS pode regular o

sistema imunológico através da associação entre as fibras nervosas simpáticas e as células

ou também através da via endócrina, com os hormônios CRH, ACTH e glicocorticóides.

Ao mesmo tempo, o sistema imune se comunica com o CNS através de citocinas, que são

capazes de ativar diretamente o CNS ou induzir o CNS a produzir citocinas (13). O CNS

também pode afetar vários aspectos do sistema imune, uma vez que os tecidos linfóides

são inervados com fibras simpáticas pós-ganglionares noradrenérgicas que estão associadas

com os órgãos linfóides, timo, baço e linfonodos, e podem formar conexões com linfócitos

através da liberação de noradrenalina (14). A noradrenalina atua no timo modulando a

proliferação e diferenciação dos linfócitos, já no baço e linfonodos está envolvida na

resposta de geração de anticorpos (14). Os efeitos das catecolaminas são mediados através

de adrenoreceptores e estes receptores são expressos em linfócitos, macrófagos e em outras

células do sistema imune (15).

As citocinas pró-inflamatórias, como a IL-1, IL-6 e TNF-α, que são liberadas durante

a resposta imune e a inflamação ativam componentes do sistema de estresse, alteram a rede

de neurotransmissores, induzem febre, fadiga, perda de apetite, sono e libido. Além de

ativarem a síntese de proteínas de fase aguda no fígado, caracterizando a mudança de uma

fase fisiológica para a fase aguda de resposta. De maneira semelhante aos glicocorticóides,

a noraepinefrina e a epinefrina através da sinalização via receptores β2-adrenérgicos

suprimem a produção de IL-12 pelas APCs, o maior indutor da resposta Th1 (16). Os

receptores β2-adrenérgicos são expressos nos linfócitos T CD4+ Th1, mas não nos

linfócitos T CD4+ Th2. Assim, as catecolaminas não regulam diretamente a produção de

citocinas pelos linfócitos T CD4+ Th2, mas agonistas de receptores β2-adrenérgicos inibem

a produção de IFN-γ pelas células Th1, sem alterar a produção de IL-4 pelas células Th2,

em camundongos e no homem (17)

Page 31: Tópicos em Fisiologia Comparativa

30

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Page 32: Tópicos em Fisiologia Comparativa

31

O Eixo Imune Pineal

Adriessa Santos [email protected]

Em vertebrados, a glândula pineal atua como mediadora da sincronização interna ao

ciclo claro/escuro. Sua atividade é modulada pelos núcleos supraquiasmáticos, ou seja, o

relógio biológico central, através da via do trato retino-hipotalâmico. A marcação do

escuro ocorre através da transdução do fotoperíodo ambiental em sinalização endócrina,

através da síntese e liberação de melatonina, indolamina produzida por esta glândula.

Embora tenha seu papel bem conhecido como a molécula marcadora do escuro,

atualmente sabe-se que a melatonina também possui outras funções e pode ser produzida

por outras células e tecidos. São cada vez mais frequentes os trabalhos que associam o

papel da melatonina a ações como: antioxidantes (Luchetti et al., 2010), oncostáticos,

modulação da sobrevivência celular e do processo inflamatório (Reiter et al., 2000). Além

disso, estruturas como, retina (Gern e Ralph, 1979), trato gastrointestinal (Bubenick,

2001), medula óssea e células imunocompetentes também já tem seu papel associado como

produtoras deste hormônio.

Recentemente foi demonstrado que mediadores da inflamação podem modular a

síntese de melatonina pela glândula pineal, cujo papel, neste caso, está diretamente

relacionado à montagem da resposta inflamatória. Acredita-se que exista uma comunicação

recíproca entre o sistema imunológico e organização temporal interna e que o aumento das

concentrações da citocina pró-inflamatória, TNF na fase inicial de uma injúria leva a uma

inibição da produção de melatonina pela glândula pineal. Este é um fator interessante, já

que estudos in vitro demonstraram que na microcirculação a melatonina, em concentrações

compatíveis àquelas encontradas no pico noturno (Pontes et al., 2006), impede o rolamento

e adesão de neutrófilos para os tecidos dificultando uma montagem eficiente da resposta.

Além disso, estudos indicam que, uma vez que a síntese de melatonina pela glândula pineal

seja interrompida, a produção desse hormônio passa a ser realizada no local da injúria por

células imunocompetentes, exercendo ação parácrina. O retorno às condições de higidez ou

uma compensação entre mediadores pró e anti-inflamatórios, restauram a produção noturna

de melatonina pela glândula pineal. Esta interação entre o sistema imunológico e a

organização temporal interna é uma descoberta recente a qual foi dada o nome de Eixo

Imune-Pineal (Markus et al., 2007).

Page 33: Tópicos em Fisiologia Comparativa

32

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Page 34: Tópicos em Fisiologia Comparativa

33

O endotélio como alvo privilegiado do eixo imune-pineal

Marina Marçola [email protected]

O endotélio é a monocamada celular que recobre a face interna dos vasos sanguíneos

e linfáticos, exercendo grande função no controle da permeabilidade e homeostase vascular

(Michiels, 2003), assim como na montagem da resposta inflamatória (Liu e Kubes, 2003).

Devido a sua localização privilegiada, as células endoteliais estão susceptíveis às

alterações dos componentes sanguíneos e teciduais. Assim, hormônios de produção

rítmica, como a melatonina, são fortes candidatos na modulação da reatividade dessas

células.

A melatonina é o hormônio produzido ritmicamente pela glândula pineal, cuja

concentração noturna na corrente sanguínea atinge cerca de 100 vezes mais que as

detectadas durante o dia. Sua função clássica está associada à sinalização da duração e

intensidade do escuro para todo o organismo, exercendo controle nos processos de

sono/vigília e de reprodução (Simmoneaux e Ribelayga, 2003). No entanto, esta

indolamina tem entrado cada vez mais no campo de agentes antioxidantes (Luchetti et al.,

2011), anti-inflamatórios (Carrillo-Vico et al., 2005) e antitumorais (Dai et al., 2008), uma

vez que possui ação parácrina em diversos outros tecidos onde sua produção ocorre de

maneira não rítmica, dentre eles, células imunocompetentes, como macrófagos da cavidade

peritoneal (Martins et al., 2004), linfócitos humanos (Carrillo-Vicco et al., 2004) e células

do colostro humano (Pontes et al., 2006, 2007). Dessa forma, conseguimos distinguir duas

faixas de concentração nas quais a melatonina age sobre as células endoteliais, uma

compatível com os níveis de produção noturna – na faixa de pM-nM – e outra

correspondente a produção local que atinge concentrações maiores, entre µM-mM.

A melatonina (0,1mM) modula a vasodilação dos vasos sanguíneos, potenciando o

vasorrelaxamento induzido por acetilcolina e inibindo a contração induzida por

noraepinefrina e fenilefrina (Anwar et al., 2001). Por outro lado, em concentrações muito

mais baixas (em torno de nM), a melatonina potencia a vasoconstrição de artérias

mamárias internas de humanos (Muller-Schweinitzer et al., 2004). Em ratos, ela inibe a

vasodilatação induzida por bradicinina (Silva et al., 2007). O efeito de inibição sobre a

dilatação pode estar sendo mediada pela capacidade da melatonina, em concentrações

compatíveis com a produção noturna, inibir a produção de óxido nítrico (NO) estimulada

por bradicinina (Tamura et al., 2006), histamina e carbacol (Silva et al. 2007).

Page 35: Tópicos em Fisiologia Comparativa

34

A melatonina agindo sobre o endotélio também modula a montagem da resposta

inflamatória. Em concentrações compatíveis com a produção noturna, reduz o aumento da

permeabilidade vascular e a adesão de neutrófilos in vitro induzidas por leucotrieno B4

(Lotufo et al., 2006). Ainda na mesma faixa de concentração, a melatonina diminui o

rolamento e adesão de neutrófilos em vênulas pós-capilares analisadas por microscopia

intravital (Lotufo et al., 2001). Já em concentrações mais elevadas, melatonina inibe a

expressão de moléculas de adesão induzida pelo fator de crescimento tumoral (TNF;

Sasaki et al., 2002) e a expressão da sintase de óxido nítrico (iNOS) induzida por

lipopolissacarídeo (LPS) da parede de bactérias gram-negativas (Tamura et al., 2009).

Esses dois últimos efeitos são decorrentes da inibição da translocação do fator de

trancrição nuclear kappa B (NF-kB). Nestes casos, a melatonina extra-pineal, decorrente da

produção por células imunocompetentes, pode estar atuando sobre as células endoteliais,

combatendo a injúria tecidual.

Considerando os dados descritos acima, a regulação da reatividade de células

endoteliais pela melatonina coloca o endotélio como alvo privilegiado do eixo imune-

pineal. Na última década, nosso grupo tem demonstrado a comunicação bidirecional entre

a glândula pineal e o sistema imune, sendo a melatonina e alguns componentes

imunológicos os integradores desse sistema. Resumidamente, em condições saudáveis, a

melatonina é produzida ritmicamente pela glândula pineal e age no endotélio inibindo a

adesão, e consequente migração exacerbada de leucócitos. Frente a um sinal inflamatório

ou de perigo, a melatonina circulante, deixa de ser produzida, favorecendo a montagem

necessária da resposta inflamatória e passa a ser produzida localmente por células

imunocompetentes, agindo como uma molécula modulatória da resposta imunológica

(Markus et al., 2007). Hoje já sabemos que a glândula pineal está molecularmente

equipada para sinalização de agentes patológicos e imunológicos, como LPS e TNF

respectivamente, e que esta sinalização inibe a produção rítmica de melatonina pela pineal

(da Silveira Cruz-Machado et al., 2010 e 2012; Carvalho-Sousa et al., 2011). Além disso,

na periferia a melatonina atua sobre macrófagos de forma autócrina e parácrina

favorecendo a fagocitose (Pires-Lapa et al., 2013) e como mencionado acima, inibe a

expressão de iNOS (Tamura et al., 2009) e moléculas de adesão (Sasaki et al., 2002) em

células endoteliais. O NF-kB modula a produção de melatonina tanto na pineal quanto em

macrófagos, constituindo o mecanismo molecular da comunicação bidirecional do eixo

imune-pineal (Markus et al., 2013).

Considerando este contexto, mais recentemente foi demonstrado como o endotélio

participa desta comunicação. Para isso foi utilizado um modelo de estudo ex vivo baseado

Page 36: Tópicos em Fisiologia Comparativa

35

no cultivo de células endoteliais oriundas de animais doadores com diferentes níveis de

melatonina plasmática. Verificou-se que células endoteliais de animais com baixos níveis

plasmáticos de melatonina, estão mais ativadas que células provenientes de animais com

alto nível plasmático de melatonina. Fazendo uma comparação direta entre a melatonina

plasmática e a expressão de moléculas de adesão e iNOS de cada animal, foi verificado

uma correlação inversa entre esses parâmetros, sugerindo que a melatonina circulante é

capaz de primar as células endoteliais (Tamura et al., 2010; Marçola et al., 2013). Além

disso, 19 genes relacionados à sinalização inflamatória desencadeada pela ativação da

resposta imune inata estão mais expressos em células provenientes de animais eutanasiados

de dia. Para finalizar, demonstrou-se que a ativação do NF-kB também é maior nestas

células, sugerindo que os efeitos observados sejam decorrentes da maior ativação deste

fator de transcrição (Marçola et al., 2013).

Nesta aula veremos as principais funções do endotélio e como a melatonina atua

sobre ele, compreendendo melhor como ocorre a comunicação bidirecional estabelecida

pelo eixo imune-pineal.

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Page 39: Tópicos em Fisiologia Comparativa

38

Doenças associadas à perda do ritmo circadiano

Eliana Paula Pereira [email protected]

Os seres vivos se adaptaram ao ciclo claro/escuro resultante do movimento de

rotação que a terra faz, desenvolvendo ritmos circadianos ( circa = cerca de ; dianos = dia),

os quais se repetem, aproximadamente a cada 24 horas. Os ritmos são gerados

endogenamente e estão alinhados com fatores ambientais e fatores exógenos. É sabido que

em mamíferos, os ritmos circadianos são regulados por um relógio biológico localizado no

núcleo supraquiasmático (NSQ) do hipotálamo do cérebro. Pistas ambientais podem

ajustar e sincronizar o NSQ diariamente, assegurando que o ritmo comportamental e

psicológico do organismo esteja em sincronia com os ritmos diários em seu ambiente. O

ciclo claro /escuro é o principal sincronizador do NSQ ao dia solar. A informação

claro/escuro é recebida pelo olho e chega ao NSQ via trato retinohipotalâmico. .

As oscilações circadianas na maioria das células humanas resultam de um pequeno

grupo de genes relógios no interior do núcleo celular. Estes osciladores celulares estão

sincronizados ao relógio biológico localizado no NSQ. Estímulos neuronais e hormonais

transmitem informações temporais do relógio central aos periféricos, mas estes também

são influenciados por outros sinalizadores. O NSQ controla a liberação de melatonina

através do sistema nervoso autônomo. A melatonina é um hormônio produzido apenas à

noite pela glândula pineal sob condições de escuridão. Acredita-se que a melatonina age

como o principal sincronizador interno dos relógios periféricos com o NSQ e entre eles,

transmitindo a informação de tempo do relógio biológico central para os periféricos.

Exemplificando, o ciclo de expressão gênica no trato gastrointestinal , assegura que os

ácidos e enzimas digestivas sejam produzidas nos horários das refeições.

A desincronização crônica entre o relógio biológico central e os periféricos, ou seja,

o rompimento do ritmo circadiano tem um grande impacto na saúde e no bem estar do ser

humano. Pesquisadores da universidade de Tóquio , estimularam o jet lag em ratos e

descobriram que o NSQ se ajusta ao horário local num prazo de um dia baseando-se em

sinais luminosos, enquanto que os relógios periféricos podem levar mais de uma semana

para se ajustarem. Esta interrupção é sentida por profissionais que precisam trabalhar em

turnos noturnos, tais como médicos, enfermeiros, policiais, bombeiros, pilotos de avião,

hoteleiros, entre outros funcionários que exercem serviço essenciais que precisam estar

disponíveis vinte e quatro horas por dia. Existe também, a desincronização temporária a

Page 40: Tópicos em Fisiologia Comparativa

39

qual pode ser vivida por passageiros que fazem viagens transatlânticas ( jet lag) , por

adolescentes em consecutivas festas noturnas, por mães com filhos recém nascidos e até

mesmo por passar muito tempo enclausurado.

Tanto a temporária quanto a crônica, podem acarretar além da fadiga, distúrbios do

humor, desordens do sono, como a insônia e a sonolência, sintomas gastrointestinais como

diarréia, constipação e náuseas, além de aumentar o risco de acidentes, diminuir a

produtividade e a qualidade de vida.

Porém, a perda do ritmo circadiano crônico está associada a um aumento no risco de

incidência de doenças cardíacas, de acidentes vasculares cerebrais, depressão, diabetes do

tipo 2, obesidade, disfunção gastrointestinal, incidência de câncer e problemas hormonais e

reprodutivos.

A fim de exemplificar os efeitos fisiopatológicos da perda do ritmo circadiano

crônico, tomaremos como modelo, funcionários que trabalham em turnos noturnos :

Doenças cardiovasculares – Por décadas, pesquisadores tem atestado associação

entre uma maior ocorrência de doenças e ataques cardíacos, sendo 40 % maior quando

comparada com funcionários de turnos diurnos. Em geral, o risco parece aumentar a

medida que o funcionário permanece no turno da noite. Sendo que nestes trabalhadores o

risco de um derrame aumenta 5%para cada cinco anos desempenhando esta função. No

entanto, o risco do derrame aumenta apenas depois de 15 anos neste turno de trabalho.

Diabetes e distúrbios metabólicos – Os ritmos circadianos são conhecidos por

afetar as vias metabólicas mais básicas, incluindo a síntese protéica, glicólise e

metabolismos de ácidos graxos, a sua ruptura acarreta na síndrome metabólica, uma

combinação de problemas de saúde como pressão alta, obesidade, altos teores de açucares

e colesterol no sangue, oferecendo um sério risco para diabetes , ataques cardíacos e

derrames. Um estudo realizado em 2007, acompanhou por quatro anos, mais de 700

funcionários hospitalares saudáveis, e a incidência da síndrome metabólica foi três vezes

maior naqueles que trabalhavam à noite. Uma pesquisa entre trabalhadores japoneses

mostrou que a incidência de diabetes é 50 % maior nos funcionários do turno noturno.

Obesidade – Existe uma série de possíveis razões que associam obesidade e trabalho

noturno. Dieta pobre, falta de exercício e o desequilíbrio hormonal parecem contribuir para

o problema. O hormônio leptina desempenha um papel importante na regulação do apetite,

contribuindo para a sensação de saciedade. Uma vez que o turno noturno diminui seus

níveis, tal fato justifica a razão pela qual os funcionários noturnos sentem mais fome e

comem mais do que os diurnos.

De acordo com um experimento realizado para avaliar a interrupção do ritmo

Page 41: Tópicos em Fisiologia Comparativa

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circadiano, dez trabalhadores adultos adotaram uma mudança constante no horário de

comer e dormir. Depois de 10 dias, todos apresentaram um baixo nível de leptina, pressão

alta e distúrbios do sono. O mais surpreendente resultado é que 30% apresentaram altos

teores de açucares, valores suficientes para qualificá-los como pré diabéticos, sendo que

esta alteração aconteceu muito rápido, não sendo necessários anos de rompimento do ritmo

circadiano para obter estes efeitos nocivos.

Depressão e distúrbios do humor - A insônia ou a sonolência são características

persistentes em funcionários que trabalham à noite. Um estudo revelou que a concentração

dos níveis de serotonina, substância que apresenta um papel importante na regulação do

humor, é 60% menor.

Problemas gastrointestinais – Funcionários noturnos apresentam um aumento no

risco de úlceras peptídicas, o que contribui para sintomas como náuseas, diarréia,

constipação e possivelmente alguns tipos de doenças intestinais funcionais (como a

síndrome do intestino irritável.) Um estudo de 2008 descobriu evidências que

correlacionam o trabalho por turnos com o aumento da azia crônica ou doença do refluxo

gastroesofágico (DRGE).

Problemas com fertilidade e gestação – Estudos mostraram que aeromoças que

trabalharam durante a gravidez aumentaram a ocorrência de aborto espontâneo em duas

vezes quando comparadas com as que não trabalham. O turno de trabalho desta

funcionárias, também parece estar associado ao acréscimo de complicações durante o

parto, acarretando em bebês prematuros, de baixo peso, além de infertilidade,

endometriose, períodos irregulares e doloridos.

Câncer – Existem evidências contundentes, tanto de estudos realizados com animais

quanto com humanos, que a interrupção do ritmo circadiano em funcionários noturnos

aumenta o risco de câncer, levando em 2007, o sub comitê da Organização Mundial da

Saúde a declarar que o trabalho noturno era “provavelmente carcinogênico”. Diversas

análises de estudos distintos, atestam que o trabalho noturno aumenta em 50 % o risco de

câncer de mama, sendo que este índice chega a 70 % em aeromoças. Há um aumento

também no risco de câncer colorretal e de próstata. No entanto, evidências sugerem que o

risco de câncer cresce após 20 anos de trabalhos em turnos noturnos. Um estudo nacional

ocorrido na Dinamarca atestou que mulheres que trabalhavam principalmente à noite por

pelo menos seis meses, aumentaram em uma vez e meia a chance de desenvolver câncer de

mama do que aquelas que trabalharam em horários regulares. Pesquisadores sugerem que

o aumento no risco de câncer pode ser porque as células destas pessoas começam a se

dividir na hora errada e desgovernadamente, sendo esta hipótese embasada por alguns

Page 42: Tópicos em Fisiologia Comparativa

41

estudos em culturas de células.

O tratamento da interrupção do ritmo circadiano, atualmente é realizada a partir da

fototerapia ( terapia de luz) e a reposição farmacológica de melatonina ( Ramelteon®).

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Page 43: Tópicos em Fisiologia Comparativa

A CÉLULA EM CULTURA COMO

MODELO DE ESTUDOS DE

RELÓGIOS PERIFÉRICOS

Page 44: Tópicos em Fisiologia Comparativa

43

A CÉLULA EM CULTURA COMO MODELO PARA ESTUDO

DE RELÓGIOS PERIFÉRICOS

Desvendando mecanismos de sinalização celular

Rafael Benjamin Araújo Dias [email protected]

O grande passo obtido através da evolução da unicelularidade para a

pluricelularidade certamente foi a capacidade de comunicação entre as células, por meio da

evolução a partir de uma única célula, a qual desempenhava todas as funções necessárias

para o organismo, para um conjunto de células especializadas proporcionando interações

entre elas (Bem Shlomo et al., 2003).

Para que as células pudessem sincronizar as tarefas e perceber informações do

ambiente, foram necessárias especialização de células para percepção do ambiente

(receptores sensoriais), centros integradores dessas informações (sistema nervoso) e

efetuadores de ajustes homeostáticos (sistema muscular, endócrino e exócrino) (Isoldi e

Castrucci, 2007).

Os mensageiros químicos intercelulares devem atingir células alvo, que possam

interpretar os sinais. Para que as células interpretem esses sinais devem apresentar

elementos que reconheçam esses mensageiros, os chamados receptores, que mudam sua

conformação em resposta à ligação do mensageiro. A ligação mensageiro-receptor inicia

uma cascata de sinalização que irá evocar a participação de diversos segundos

mensageiros, ativando múltiplas vias de sinalização.

Os mensageiros químicos extracelulares podem ser classificados de acordo com a

distância que percorrerão do local de sua síntese até a célula alvo, bem como do tipo de

inter-relação entre a célula produtora e a célula alvo, podendo ainda ser classificados

quanto à sua solubilidade em lipossolúveis e hidrossolúveis (Squire et al., 2003).

Já os receptores podem ser classificados quanto à sua estrutura molecular em quatro

grandes famílias (1) superfamília tipo 1 - receptores-canal (ou ionotrópicos), receptores de

membrana que formam o próprio canal iônico; (2) superfamília tipo 2 - receptores

acoplados à proteína G (GPCRs ou 7-TM ou metabotrópicos), receptores de membrana

acoplados a sistemas efetores intracelulares por meio de proteína G; (3) superfamília tipo 3

– receptores enzimáticos, receptores de membrana com domínio intracelular de proteína

quinase (em geral, tirosina quinase, fosfatase e outras) e (4) superfamília tipo 4 - receptores

Page 45: Tópicos em Fisiologia Comparativa

44

reguladores da transcrição de genes (ou receptores nucleares ou receptores intracelulares),

receptores solúveis no citosol.

(1) Os íons são incapazes de penetrar na bicamada lipídica da membrana celular, e só

podem atravessá-la com a ajuda de proteínas transmembrânicas na forma de canais ou

transportadoras.

(2) A interação de hormônios, neurotransmissores ou glicoproteínas com os

receptores 7TM na superfície da célula induz uma mudança conformacional do receptor

que ativa uma proteína G.

(3) São encontrados quatro receptores com diferentes domínios enzimáticos: tirosina

quinase, serina/treonina quinase, tirosina fosfatase, guanililciclase, dentre os ligantes

desses receptores estão fatores de crescimento como o fator de crescimento transformante

beta (TGFβ), fator de crescimento fibroblástico (FGF) e fator de crescimento epidérmico

(EGF).

(4) A família de receptores reguladores da transcrição de genes ou receptores

nucleares (NR) compreende fatores de transcrição de uma grande família de genes,

incluindo receptores de hormônio da tireóide (TH), esteróides, retinóides, vitamina D,

colesterol entre outros.

Page 46: Tópicos em Fisiologia Comparativa

45

Fotorrecepção

Rafael Benjamin Araújo Dias [email protected]

O surgimento e a evolução da vida na terra foram possíveis graças ao

desenvolvimento de mecanismos temporais precisos capazes de ajustar os processos

fisiológicos que ocorriam no interior do organismo com os ciclos ambientais, promovendo

assim, ganhos na capacidade adaptativa e comportamental desses indivíduos (Klein et al.,

1991).

Muito ainda se é questionado com relação às pressões seletivas que conduziram os

diferentes organismos à necessidade de uma organização temporal. Algumas suposições

são levantadas acerca da ocorrência de alguns fenômenos abióticos previsíveis como as

marés, dias e anos que pudessem então, funcionar como ferramentas para demarcar

temporalmente os organismos (Pittengrigh, 1993).

Nesse contexto os ciclos de claro e escuro, resultados da rotação da Terra em torno

do seu próprio eixo, surgem como uma das principais pistas ambientais capazes de arrastar

ritmos biológicos (Duguay e Cermakian, 2009).

O aparecimento da luz como importante forma de ordenação tempo-espacial é

refutado pela teoria da “Fuga da luz” que defende que a capacidade de perceber a luz

estava indiretamente ligada à capacidade de perceber altas temperaturas, por sua vez,

nocivas para a estabilidade de algumas enzimas e determinante para os processos

metabólicos. Como as altas temperaturas coincidiam com as fases mais claras do dia,

“fugir” da luz seria uma forma eficiente de preservação da homeostase (Pittendrigh, 1993).

Uma ampla gama de fotorreceptores e fotopigmentos evoluíram no sentido de

perceber essa informação fótica fornecida pelo ambiente (Foster et al., 2010). Mas, que

eventos moleculares são responsáveis por mediar o processamento dessa informação fótica

com destino à retina?

As opsinas são os principais fotopigmentos sensores de luz dos fotorreceptores da

retina, elas contém um cromóforo derivado da vitamina A, conhecido como retinal.

(Menon et al., 2001).

Quando o fóton de luz incide sobre o fotopigmento, o retinal se isomeriza de 11-cis-

retinal para all- trans-retinal, que inicia uma serie de mudanças conformacionais na

molécula de opsina, tornando-a ativada.

A ativação da proteína G leva a uma diminuição da afinidade do GDP pela

Page 47: Tópicos em Fisiologia Comparativa

46

subunidade α do complexo α-GDPβY que é então liberado e trocado por GTP. A ligação do

GTP faz com que todo o complexo perca a afinidade pela rodopsina, bem como a

subunidade α perca a afinidade pelas subunidades βY, que por sua vez são

instantaneamente liberadas no citoplasma e conduzem a ativação de uma enzima que

hidroliza GMPc (fosfodiesterase de GMPc), o que leva ao fechamento dos canais de

membrana dependentes de GMPc e uma hiperpolarização a nível de fotorreceptores

(Hargrave e Mcdowell, 1992).

É a isomerização do cromóforo na região transmembrânica que direciona a formação

do sítio da transducina na superfície citoplasmática (Pfister et al. , 1985).

Essa informação é transmitida para as outras células das outras camadas

subsequentes que formam a retina, como as células bipolares. Estudos de microscopia

eletrônica demonstram que os dendritos das células bipolares dos bastonetes, penetram nas

esferas de bastonetes e sofrem uma invaginação em seu interior, no intuito de aumentar a

superfície de contato com essas células. Células bipolares fazem sinapse com células

fotorreceptoras (bastonetes) na camada plexiforme externa e no extremo oposto conectam-

se com células amácrinas localizadas na camada plexiforme interna (Werblin e Dowling,

1969).

As células amácrinas apresentam um papel fascinante na modulação de informações

advindas dos fotorreceptores ligando as vias de cones com as vias dos bastonetes (através

de junções tipo gap), conduzindo-as concomitantemente para um mesmo destino, as

células ganglionares (Wassle et al., 1995).

Por último, todavia não menos importante, as células ganglionares representam a

porta de saída da informação processada na retina. As características morfológicas

intrínsecas desse subtipo celular, como o extenso diâmetro de seus axônios permitem a

passagem da informação elétrica da retina para centros corticais. Essa informação é

transportada via nervo óptico, formado pela união dos axônios das células ganglionares

(Nelson, 1993).

As fibras do nervo óptico são direcionadas ao alvo mais relevante para a percepção

visual – o núcleo geniculado lateral. Dessa região partem diversas eferências para várias

outras áreas que serão responsáveis por integrar e interpretar a informação fótica,

formando a imagem, propriamente dita (Cohen et al., 1994).

Embora a percepção visual seja o resultado mais intrigante da capacidade que o

nosso sistema nervoso apresenta de captar e processar a informação luminosa, algumas

funções “imperceptíveis” são também ativadas pela luz. Uma dessas funções é a ação da

luz na sincronização dos ritmos biológicos (Lent, 2005).

Page 48: Tópicos em Fisiologia Comparativa

47

Um caminho alternativo que a informação fótica toma ao deixar a retina pelas células

ganglionares é atingir áreas corticais específicas responsáveis por essa sincronização. De

forma semelhante ao nervo óptico, as células ganglionares formam um feixe de fibras

chamado trato Retino-hipotalâmico (TRH) que chega até uma região do hipotálamo

chamada Nucleo Supraquiasmático (NSQ) responsável, nos mamíferos, pela geração dos

ritmos circadianos (Lent, 2005).

A informação fótica no posicionamento tempo-espacial dos organismos é, sem

dúvida, o aspecto mais apurado e sofisticado das modalidades sensoriais. Um

funcionamento orquestrado desses complexos sistemas irão garantir aos organismos

ganhos adaptativos importantes que vão, em última instância, assegurar a sobrevivência

das espécies.

Page 49: Tópicos em Fisiologia Comparativa

48

A história das melanopsinas

Nathana Fernandes Mezzalira [email protected]

De bactérias até seres humanos, praticamente todos os organismos são capazes de

organizar seus processos fisiológicos frente a mudanças cíclicas do ambiente. Tal fato se

deve à presença de um oscilador interno, popularmente conhecido como relógio biológico,

que foi selecionado ao longo de milhares de anos, permitindo um aumento da eficiência

fisiológica e de sobrevivência, pela organização do comportamento e das funções do corpo.

O primeiro pesquisador a estudar ritmos biológicos cientificamente, foi o astrônomo

francês Jean Jacques Ortous de Mairan. De Mairan, através de experimentos com uma

planta conhecida como mimosa, demonstrou pela primeira vez a endogenicidade de um

ritmo, ou seja, que ritmos biológicos se mantêm mesmo na ausência de estímulos externos.

Apesar dessa importante descoberta o estudo dos ritmos biológicos só foi reconhecido

como uma nova área da ciência em 1960, com a realização do Cold Spring Harbor

Symposium on Quantitative Biology sobre relógios biológicos. Nessa mesma época a

hipótese de um “relógio interno” já ganhara força, e em 1967 um pesquisador chamado

Curt Richter conseguiu causar arritmia em ratos lesando a porção frontal do hipotálamo

desses animais. Em 1972 Stephan e Zucker, dando continuidade aos trabalhos de Richter

de lesões localizadas, chegaram a uma estrutura na porção frontal do hipotálamo conhecida

como núcleo supraquiasmático (NSQs), a qual foi indicada como provável oscilador

circadiano de mamíferos. Um estudo em paralelo, conduzido por Robert Moore, além de

confirmar os NSQs como prováveis osciladores circadianos, evidenciou que o estímulo

luminoso chega a essa estrutura através de um caminho monossináptico exclusivo,

conhecido como trato retinohipotalâmico. Mesmo com essas estruturas evidenciadas a

prova final de que os NSQs eram, de fato, os osciladores centrais de mamíferos só ocorreu

em 1990 com experimentos realizados em hamsters com a mutação tau. No início dos anos

90, pesquisas realizadas em camundongos com degeneração de retina verificaram que

esses animais eram capazes de se sincronizarem normalmente aos ciclos de claro e escuro.

Tal fato levantou uma série de questões a respeito de quais eram os fotorreceptores

responsáveis pela captação dos estímulos que levariam a sincronização desses animais. A

questão só foi resolvida em 2002 com a descoberta de um novo fotorreceptor na retina de

mamíferos, as células ganglionares intrinsecamente fotossensíveis (ipRGCs), e com a

descoberta de um novo fotopigmento presente nessas células, a melanopsina.

Page 50: Tópicos em Fisiologia Comparativa

49

Atualmente muitos estudos têm se focado nas bases moleculares dos ritmos

circadianos, e no centro desses ritmos são encontrados os genes de relógio. As primeiras

evidências de que os ritmos circadianos eram codificados no DNA foram observadas em

1971, em Drosophila melanogaster, onde mutações de um mesmo gene do cromossomo X

levavam a arritimicidade e a ritmos mais longos ou curtos. O mecanismo molecular desse

controle se dá através de uma alça de retroalimentação de produtos gênicos cíclicos, que

controlam sua própria síntese através da regulação positiva e negativa de genes de relógio e

proteínas. Hoje se sabe que os genes de relógio são encontrados em praticamente todos os

organismos e na maioria das células, e sua autorregulação impõe ritmicidade à função de

praticamente todos os órgãos onde se encontra. Apesar do cenário aparentemente claro do

funcionamento das estruturas envolvidas nos ritmos biológicos, muitas questões ainda

permanecem a respeito das interações entre o oscilador central e o restante do organismo

assim como o controle desses osciladores através dos genes de relógio. Para revisão ler

Mark et al, 2007 e Golombek e Rosensten 2010.

Page 51: Tópicos em Fisiologia Comparativa

50

Relógios periféricos

Maria Nathália de Carvalho Magalhães Moraes [email protected]

Nos mamíferos, quase todos os aspectos da fisiologia e comportamento estão sob

controle do sistema circadiano e, portanto exibem oscilações diárias. Relógios circadianos

foram identificados em uma variedade de tecidos e parecem estar organizados de maneira

hierárquica. No topo desta hierarquia estão os neurônios do núcleo supraquiasmático

(NSQ). Como visto anteriormente, o relógio mestre no NSQs recebe informações fóticas

diretas via trato retino-hipotalâmico (Stratmann & Schebler, 2006) através da melanopsina,

uma opsina presente em um subconjunto de células ganglionares da retina (Berson et al.,

2002, Provencio et al., 2002).

Durante muito tempo acreditou-se que os NSQs eram os únicos reguladores dos

ritmos circadianos em mamíferos. Essa conclusão era fundamentada em estudos de lesão e

transplante dos NSQs, e em demonstrações de que os NSQs geram seus próprios ritmos de

potencial de ação (Lowrey & Takahashi 2004). O mecanismo responsável pelas oscilações

espontâneas de cada neurônio do NSQs é formado por um mecanismo molecular de

retroalimentação de controle de expressão gênica (Reppert & Weaver, 2001). Ainda,

neurônios dos NSQs quando dissociados e mantidos em cultura, exibem ritmos de disparos

independentes, porém apresentando fases e períodos diferentes entre si (Welsh et al 1995;

Liu et al, 1997; Herzog et al, 1998).

Após o esclarecimento de que o mecanismo molecular do relógio circadiano de

mamíferos consiste de um grupo de genes denominados “genes de relógio”, e que estes

regulam a ritmicidade endógena por meio de alças de retro-alimentação de transcrição

gênica, verificou-se que a expressão de genes de relógio também ocorre fora dos NSQs, em

diversas células e tecidos do organismo. Inesperadamente, observou-se que até mesmo

células imortalizadas mantidas em cultura apresentam uma maquinaria molecular do

relógio funcional (Balsalobre et al., 1998). Em organismos intactos, acredita-se que os

relógios periféricos são sincronizados pelo marcapasso central, residente no NSQ, o qual

controla a atividade rítmica do organismo por meio de inervação direta dos tecidos alvos

ou através da liberação hormonal. Além dos sinais diretos do NSQ, outros estímulos

ambientais como alimentação, comportamento social, ritmos de temperatura corporal entre

outros, parecem desempenhar um papel no ajuste dos relógios periféricos.

Foi demonstrada a existência de genes de relógios em tecidos periféricos de peixes a

Page 52: Tópicos em Fisiologia Comparativa

51

mamíferos, indicando a existência de uma maquinaria molecular funcional que leva a

geração de funções rítmicas. A ritmicidade de expressão de genes de relógio em tecidos

periféricos já foi observada em coração, rim e em linhagens celulares embrionárias de

Danio rerio (Whitmore et al., 2000), e hepatócitos de camundongos (Kornman et al.,

2007). Estudos da região promotora do gene Per de Drosophila e de Danio rerio através de

sondas bioluminescentes mostraram que existem osciladores periféricos independentes em

diferentes tecidos desses organismos (Whitmore et al., 2000). A partir desses estudos,

diversos outros laboratórios demonstraram a independência dos osciladores periféricos, os

quais provavelmente devem conter elementos sincronizadores próprios. Com base nestas

constatações postulou-se, que osciladores periféricos de mamíferos dependem de sinais

sincronizadores neurais ou humorais do oscilador dos NSQs para manter a homeostase do

organismo (Yamazaki et al., 2000), ao contrário do que ocorre em tecidos periféricos de

Drosophila e Danio, que são fotossensíveis e capazes de se sincronizarem até mesmo

quando isolados (Whitmore et al., 2000). As primeiras evidências de que os relógios

periféricos podem ser sincronizados por sinais humorais (choque de soro) surgiram junto

com a descoberta de que culturas de fibroblastos de mamíferos expressam genes de relógio

de forma rítmica (Balsalobre et al., 1998).

Diversas substâncias têm sido reconhecidas como agentes sicronizadores, dentre

estas hormônios e glicocorticoides (Balsalobre et al., 2000). Essas descobertas sugerem o

envolvimento de receptores nucleares, pois muitas dessas substâncias são lipossolúveis,

que poderia regular diretamente a expressão dos genes de relógio.

O estudo e compreensão dos relógios periféricos vêm se tornando cada vez mais

importante devido à importância do controle dos genes do relógio e também dos sinais

sistêmicos para o funcionamento correto de órgão e tecidos no organismo. Pesquisas

clínicas e epidemiológicas sugerem que disfunções circadianas são associadas a

complicações cardiovasculares e metabólicas em diversos segmentos da população

humana. Trabalhadores de turnos apresentam aumento da prevalência de síndrome

metabólica, aumento do índice da massa corpórea (IMC) e também de complicações

cardiovasculares. Essas observações levantam a possibilidade de que o desalinhamento

crônico entre os ciclos de sono-vigília, e também os de jejum alimentação contribuem para

a progressão de quadros de obesidade, síndrome metabólica, hipertensão, diabetes (Frank

et al., 2009).

Esta aula tem como objetivo apresentar os mecanismos de controle e geração dos

ritmos biológicos e mostrar como os osciladores centrais e periféricos interagem para

manter o fino equilíbrio das atividades vitais. Através de um conjunto de genes

Page 53: Tópicos em Fisiologia Comparativa

52

denominados “clock controlled genes” uma serie de substâncias são produzidas de maneira

rítmica, como neurotransmissores, hormônios, componentes de vias de sinalização entre

outros, que controlam a atividade dos NSQs e estes por sua vez controlam a atividade dos

tecidos periféricos. Ainda será foco desta aula a compreensão dos diferentes processos de

geração dos ritmos biológicos em vertebrados mamíferos e não mamíferos. A partir do

entendimento dos principais conceitos dos ritmos biológicos teremos condições de

compreender como uma desorganização do sistema de temporização pode gerar o mau

funcionamento do organismo ocasionando até mesmo alguns problemas de saúde pública.

Page 54: Tópicos em Fisiologia Comparativa

53

O surgimento da Ritmicidade Biológica e a evolução do sistema circadiano

Jennifer Caroline de Sousa [email protected]

A aula explorará aspectos evolutivos acerca do surgimento e estabelecimento do

sistema circadiano nos seres vivos e discutirá a diversidade dos organismos quanto à

estruturação e funcionamento do sistema circadiano através de uma abordagem

comparativa. Como principais tópicos abordados, teremos questões relacionadas à origem

e natureza de um sistema circadiano; à qualificação de pistas ambientais como sinais de

temporização; às diferenças estruturais no marca-passo central e a presença de relógios

periféricos em espécies mais estudadas nos estudos cronobiológicos.

Hipóteses acerca da origem de um sistema de temporização baseado na duração de

uma volta completa do planeta Terra ao redor do seu próprio eixo, que denominamos por

“dia”, ainda não conseguem desvendar satisfatoriamente a possível origem dos ritmos

circadianos nos seres vivos. No entanto, todas elas, ao estudar seres unicelulares

atualmente existentes, já observam a presença de ritmos, o que evidenciaria uma gênese

muito remota destes (Marques, 2003).

Tomando-se a origem da ritmicidade biológica a partir dos seres eucariontes (estudos

em procariontes ainda são inconclusivos), as suposições se norteiam em dois pontos

iniciais divergentes: a. A adaptação ao meio cíclico como fator primordial para o

estabelecimento da estrutura temporal e b. O surgimento de um padrão rítmico interno

estabelecido sem a participação do ambiente (Marques, 2003).

Independente da divergência entre essas duas perspectivas, não se nega que a

existência da ritmicidade biológica foi um fator viabilizador da vida primitiva na Terra,

uma vez que vemos a diversidade da vida apresentar-se apta a reconhecer os sinais

ambientais como pistas para antecipar, regular e otimizar seus mecanismos vitais e

aumentar as chances de sobrevivência e perpetuação na natureza (Marques, 2003; Marques

et al., 2003).

Essas pistas, na linguagem mais usual da Cronobiologia, são corriqueiramente

designadas por zeitgebers, neologismo literalmente traduzido da língua alemã como

“doador de tempo” e que na prática se refere ao fator cíclico ambiental que promove o

arrastamento dos ritmos biológicos. A importância de cada tipo de zeitgeber depende das

características da espécie, sendo que os ritmos de uma espécie podem ser sincronizados por

Page 55: Tópicos em Fisiologia Comparativa

54

zeitgebers diferentes, organizados segundo uma hierarquia (Marques, 2003).

O principal deles é o ciclo claro/escuro, considerado o estímulo temporal mais

absolutamente estável e confiável ao longo da história da vida. Todavia, em certos

ambientes tais como cavernas subterrâneas, o meio marinho e regiões polares, essa

alternância de luz ambiental perde importância em detrimento de outros sinais temporais

alternativos (Menna-Barreto e Díez-Nogueira, 2012).

Teríamos, portanto, ciclos de disponibilidade de alimento, ciclo de marés, ciclos

lunares, ciclos sazonais (estações do ano), variações de salinidade e pH (ambientes

estuarinos), variação de umidade relativa, ciclos de temperatura, ciclos bióticos como

floração, relações sociais (inter e intra-específicas), como outros potenciais zeitgebers, mas

que só podem recebem esse nome se foram capazes de serem reconhecidos e se levaram ao

processo de sincronização dos ritmos biológicos ao ambiente (Marques, 2003; Menna-

Barreto e Díez-Nogueira, 2011).

Pela preponderância do ciclo claro/escuro, facilmente os estudos acerca dos ritmos

biológicos se voltaram para investigá-lo como agente sincronizador e então se iniciou a

busca pela estrutura que reconhecia essa informação cíclica e a transformava em

informação temporal para o organismo.

Para muitas espécies, um marca-passo central circadiano foi identificado em regiões

discretas em ou próximas ao cérebro, que incluem: retina de moluscos marinhos e lobo

óptico de baratas, grilos e moscas (estas últimas do gênero Drosophila); o Núcleo

Supraquiasmático (NSQ) no hipotálamo de mamíferos e, em répteis e aves, um sistema

multioscilatório composto pela glândula pineal, pelo NSQ ou por uma estrutura análoga a

ele (um conjunto de neurônios hipotalâmicos osciladores, que poderiam ser considerados

os precursores dos neurônios do NSQ de mamíferos) e pela retina (Tosini et al., 2001;

Golombek e Aguilar-Roblero, 2003; Vansteensel et al., 2008).

Em peixes, pouco se sabe a respeito de uma estrutura centralizada para regulação dos

ritmos biológicos, mas em um modelo de teleósteo vulgarmente chamado de peixe-zebra

demonstrou-se que muitas células e tecidos possuem relógios circadianos (temporizadores

circadianos) diretamente responsivos à luz (Tamai et al., 2005).

Interessantemente, vertebrados e invertebrados apresentaram rumos bastante

paralelos em relação ao posicionamento dos osciladores, estes que foram migrando da

periferia para o interior, isto é, de uma região próxima aos olhos para dentro do encéfalo

(Golombek e Aguilar-Roblero, 2003).

Entretanto, seria razoável imaginar que a informação temporal processada por um

oscilador central precisaria ser transmitida ao restante do organismo e, de alguma maneira,

Page 56: Tópicos em Fisiologia Comparativa

55

esse marca-passo deveria receber um feedback para que houvesse a sincronização entre

todos os ritmos. Então, osciladores periféricos foram sendo descobertos, mostrando-se com

algum grau de independência em relação aos centrais e suscetíveis a outras pistas

temporais.

Atualmente, alguns estudos cronobiológicos têm recaído, por exemplo, sobre o

funcionamento a nível molecular dos relógios biológicos e a sincronização por hormônios,

luz e temperatura, alvo de investigação do laboratório de Fisiologia Comparativa da

Pigmentação, que conta diferentes modelos de vertebrados e cuja linha de pesquisa será

apontada oportunamente ao longo do módulo.

Page 57: Tópicos em Fisiologia Comparativa

56

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Page 59: Tópicos em Fisiologia Comparativa

IMPACTOS AMBIENTAIS NA

FISIOLOGIA DE ORGANISMOS

COSTEIROS

Page 60: Tópicos em Fisiologia Comparativa

59

IMPACTOS AMBIENTAIS NA FISIOLOGIA DE

ORGANISMOS COSTEIROS

Transporte de cádmio em células epiteliais do caranguejo de mangue Ucides cordatus

Priscila Ortega

Ao longo da evolução dos crustáceos, surgiram adaptações especializadas das células

epiteliais, principalmente aquelas encontradas nas brânquias e no hepatopâncreas para uma

melhor execução de suas funções, como a respiração e absorção de nutrientes (Ahearn et

al, 1999; Monteilh-Zoller et al. 1999).

As brânquias são um importante órgão para a troca de íons com a água, transporte de

gases, processos enzimáticos, osmorregulação, absorção e excreção de amônia. Além

disso, possuem canais que transportam cálcio, Na, Cl, entre outros íons (Martinez et al.

1999; Yang et al. 2006; Freire et al. 2007). Para a execução destas funções, as brânquias

possuem células específicas: células estriadas para o transporte e osmorregulação, células

principais para a respiração, hemócitos para coagulação e circulação, e células pilares para

a sustentação das brânquias (Lawson et al. 1995; Martinez et al. 1999; Freire et al. 2007;

Ortega et al. 2011).

O hepatopâncreas, por sua vez, desempenha um papel na absorção e estocagem de

nutrientes, síntese de enzimas digestivas, detoxificação de xenobióticos e balanço de cálcio

(Vogt, 1994). Assim, há quatro tipos celulares responsáveis por essas funções: células

embrionárias que originam os outros tipos celulares; as resorptivas que absorvem os

nutrientes; as fibrilares e as armazenadoras ou “blister” responsáveis pela digestão,

degradação de partículas e estocagem de nutrientes (Vogt, 1994; Chavez-Crooker et al,

2001).

Estudos mostraram que metais potencialmente tóxicos podem contaminar os animais

através das brânquias e hepatopâncreas (Pedersen e Bjerregaard, 1999; Nuñez-Nogueira e

Rainbow, 2004; Ahearn et al. 2004), dependendo das taxas de concentrações do metal no

sedimento, água ou fontes de alimentação (Harris e Santos, 2000 e Kamude et al. 2002).

Trabalhos realizados com brânquias de Penaeus japonicus demonstraram que a exposição

do órgão à 200µg/L de cádmio durante 15 dias resulta em um aumento de nefrócitos e uma

diminuição na camada epitelial do filamento, tornando-se mais fina. Já a exposição durante

4 dias à 2000 µg/L de cádmio resultou em importantes alterações nos filamentos branquiais

Page 61: Tópicos em Fisiologia Comparativa

60

como necrose e obstrução do vaso hemolinfático. Além disso, os filamentos

demonstraram-se desorganizados, com células epiteliais separadas da cutícula e perda de

organelas citoplasmáticas (Soegianto et al, 1999).

Contaminação Ambiental

Segundo Camargo e colaboradores (1996), o distrito de Cananéia é formado por um

grande complexo estuarino lagunar, onde estão situadas as Ilhas de Cananéia, Comprida e

Cardoso. A cidade está inclusa na Área de Proteção Ambiental Cananéia, Iguape, Peruíbe

(IBAMA/APA/CIP), que tem por objetivo principal promover o desenvolvimento

sustentável através da ocupação e exploração dos recursos naturais, conforme normas

específicas que asseguram a proteção da unidade (Silva et al. 2010).

Apesar das altas taxas de preservação dos mangues, a região de Cananéia não

apresenta infra-estrutura devida para o tratamento de esgoto, o qual é despejado in natura

nos rios. Este sistema também possui contaminação por metais e outros agentes tóxicos,

decorrentes da mineração na região do Vale do Ribeira (Simões, 2007), porém com índices

abaixo dos limites permitidos pela legislação. Em amostras de água puderam ser

observados valores acima dos padrões pré-estabelecidos para os metais cromo, manganês e

zinco somente (Simões, 2007). Em trabalho desenvolvido por Banci et al (2009) e Pinheiro

e colaboradores (2012), o cádmio não se encontra em altas concentrações em Cubatão, São

Vicente e Juréia, sendo esta última uma unidade de conservação, assim como Cananéia.

Em relação ao cádmio, notou-se que este se acumula de maneira significativa no

hepatopâncreas do Ucides cordatus, pois este órgão é responsável pela detoxificação por

metais (Pinheiro et al. 2012).

O município de Itanhaém, pertencente à Baixada Santista, faz parte do estuário de

Itanhaém, apresentando alto grau de contaminação. Os aterros sanitários e principalmente

os lixões são considerados fontes de alto risco, que contribuem para a contaminação deste

sistema estuarino (Silva et al. 2010).

Pesquisas realizadas verificaram a presença de cádmio neste sistema estuarino,

principalmente no rio Piaçaguera, corpo receptor de efluentes das indústrias de

fertilizantes, em Cubatão. Também foram encontrados altos níveis de cádmio nos

sedimentos deste mesmo rio, sendo indicativo de uma possível fonte do metal associada às

indústrias locais (CETESB, 2001).

Harris e Santos (2000) realizaram experimentos com Ucides cordatus provenientes

do Rio Casqueiro (região poluída) e Guaratuba (região não poluída) e obtiveram como

Page 62: Tópicos em Fisiologia Comparativa

61

resultado altos índices de cádmio presente no hepatopâncreas e brânquias dos animais da

região poluída em comparação à região não poluída. Deste modo, observa-se que o cádmio

encontra-se amplamente difundido neste ecossistema, concentrando-se próximo às fontes

do poluente. A contaminação do sedimento e da coluna d’água indica níveis de

contaminação por cádmio que aparentemente provocam algum efeito nocivo à biota

(CETESB, 2001).

O Metal Cádmio

O cádmio é um metal de transição, tóxico, contido em pilhas e baterias descartadas,

sem aparente função fisiológica para os animais. Pode se acumular em tecidos de acordo

com a concentração externa do metal (Soegianto et al. 1998; Turoczy et al. 2001), porém

em baixas concentrações também pode causar toxicidade (Playle et al. 1993).

Vários estudos mostram que altas concentrações de cádmio podem ser letais para os

crustáceos, possibilitando a ocorrência de efeitos fisiológicos adversos nos animais,

especialmente na respiração e osmorregulação (Soegianto et al. 1998). As brânquias, como

são cruciais para a respiração, ao entrar em contato com altas concentrações do metal,

podem sofrer também danos morfológicos resultando em deficiência respiratória e

osmorregulatória (Soegianto et al. 1999).

Estudos têm focado na retirada do Cd do meio aquático e sua acumulação, mas pouca

informação existe sobre seu transporte celular. Em crustáceos, a retirada de metais ocorre

através das brânquias, onde o cádmio poderia atravessar o epitélio branquial através das

junções paracelulares, ou por via transcelular (Pedersen e Bjerregaard, 1999). Já Silvestre e

colaboradores (2004) observaram que o cálcio (Ca) compete com o Cd em Eriocheir

sinensis e o influxo deste último aumenta com a retirada de Ca do meio externo,

aumentando assim a toxicidade do cádmio. Esses resultados parecem sugerir que o Cd

pode entrar por trocadores de Ca como o Na/Ca (NCX), alterando o equilíbrio do processo

de transporte.

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Page 65: Tópicos em Fisiologia Comparativa

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Efeitos da salinidade ambiental sobre a regulação hídrica e osmorregulação nos vertebrados com ênfases nos anfíbios.

Inés da Rosa.

Generalidades da osmorregulação e balance hídrico

A regulação hídrica e de solutos, presente nos organismos, está relacionada com a

necessidade de manter a integridade celular, especialmente através da regulação da

composição de solutos e do volume celular (Withers 1992). A concentração osmótica (i.e.

quantidade de solutos dissolvidos) determina a distribuição da água entre as células e os

fluídos extracelulares, e a concentração de íons são importantes para o funcionamento

celular. Os fluidos corporais contem diversos solutos, os mais presentes são os íons

inorgânicos como o Na+, K

+ e Cl

-, em menores concentrações o Ca

2+, Mg

2+, SO4

2-, PO4

3- e

HCO3. Os solutos orgânicos são iônicos (e.g. aminoácidos, proteínas) ou não iônicos (e.g.

glicose, uréia).

Mesmo que a concentração osmótica é igual entre o meio extracelular e intracelular,

a composição pode ser diferente. Em geral os íons mais importantes extracelulares são Na+

e o Cl-, e intracelular é o K

+. As membranas celulares, em geral, são extremadamente

permeáveis à água e menos aos solutos, como os mencionados acima. Portanto, a regulação

do volume celular precisa de um rápido controle sobre os solutos intracelulares para

acompanhar as mudanças de volume provocadas pelas alterações freqüentes de pressão

osmótica no intuito de manter a célula viável. O movimento da água entre os

compartimentos vai depender da concentração osmótica desses compartimentos e o

movimento neto da água chama-se de osmose. O fluido extracelular (e.g. plasma

sanguíneo) acaba sendo um tamponante entre o ambiente do fluido intracelular e o

ambiente externo do animal, e em geral fornece um ambiente estável para a célula. Neste

sentido, os organismos através da regulação das características do fluido extracelular

também vão estabelecer os efeitos sobre a viabilidade celular.

Ajustes fisiológicos a meios hipertônicos

Os diferentes grupos de vertebrados apresentam diferentes formas de enfrentar a

variação da concentração osmótica do meio externo, ou seja, os sistemas envolvidos na

regulação hídrica e de sais, apesar de possuírem uma mesma função, podem variar

conforme o grupo. Por exemplo, os vertebrados que ocupam os meios de água doce são

Page 66: Tópicos em Fisiologia Comparativa

65

hipertónicos (concentração osmótica do plasma está na faixa de 200 – 300 mOsm), a

concentração osmótica do animal é maior do que a do meio o que leva a estes organismos a

incorporar água. A água incorporada é eliminada a través da urina, e com ela são perdidos

os íons que frequentemente são reincorporados pela ingestão de alimento, mas podem ser

incorporados de outra forma. Por exemplo, no caso dos peixes teleósteos os íons como o

Cl- são incorporados do meio por transporte ativo em células das brânquias ou no caso dos

anfíbios o Na+ é incorporado pela pele.

Ao contrário do que acontece em água doce, os vertebrados que ocupam ambientes

marinhos, em geral são hipotónicos e, portanto, processos de perda de água e incorporação

de íons ao meio interno do animal são habituais, lembrando que a água do mar apresenta

valores no entorno dos 1000 mOsm. Neste caso, a perda de água nos peixes é compensada

pelo consumo de água do mar, e os sais incorporados serão eliminados seja pela urina,

como também pelas brânquias nos casos dos peixes teleósteos. Em outros vertebrados (e.g.

aves e repteis) nos quais a permeabilidade do tegumento é muito mais baixa do que a dos

peixes, a incorporação de saís pode acontecer pelo consumo de presas, por exemplo,

invertebrados que habitualmente são isotónicos com o mar. Nestes casos, o sal é eliminado

por meio de glândulas especializadas, e também na urina e fezes. No caso dos mamíferos,

se a incorporação de sais superar o nível tolerado fisiologicamente eles têm a capacidade

de concentrar a urina e eliminar o excesso de sal. Os três grupos mencionados são

hipotónicos em relação à concentração osmótica da água do mar.

Por outro lado, os chondricties (tubarões e raias) respondem diferente aos ambientes

marinhos, eles são isotónicos ou levemente hipertónicos com o mar, evitando assim a perda

de água ao meio externo. A capacidade de aumentar a concentração osmótica interna está

relacionada com o aumento da uréia no plasma e na célula, o que leva também ao aumento

de TMAO (Trimetilamina-N-Oxido) que se contrapõe ao efeito denaturante da uréia sobre

as proteínas. A incorporação de íons ao animal pode acontecer por difusão através das

brânquias ou pelo tegumento e a eliminação desses íons acontece por transporte ativo nas

brânquias, mas também por uma glândula especializada, a glândula retal.

No caso dos anfíbios, que são animais típicos de água doce, o aumento da

concentração externa pode ser letal. Este grupo está caracterizado por uma pele muito

permeável á água e moléculas orgânicas e inorgânicas (Hillman et al. 2009), que torna

estes animais especialmente sensíveis à alterações osmóticas do meio externo no qual estão

em contato direto. Portanto, o risco de desidratação está sempre presente, somado ao fato

de que o sistema excretor produz uma urina virtualmente isostónica com o plasma. Isto

quer dizer que para eliminar o excesso de sais uma grande quantidade de água deveria ser

Page 67: Tópicos em Fisiologia Comparativa

66

usada para realizar a regulação em ambientes hipertónicos. Porém, algumas espécies

quando se enfrentam a soluções hipertónicas tem a capacidade de elevar a concentração

interna e evitar a perda de água pela pele como faz, por exemplo, Fejervarya cancrivora.

Fejervarya cancrívora, exemplo extremo de espécie eurihalina dentro

dos anfíbios anuros

Uma das estratégias celulares básicas para evitar a perda de água sob a exposição de

meios hipertônicos é o aumento da concentração osmótica interna da célula (Hochachka &

Somero, 2002). Isto acontece em primeira instância aumentando a concentração de íons,

mas estes primeiros osmólitos têm efeitos denaturantes sobre as proteínas e, portanto sobre

a atividade das enzimas. A seguinte etapa está baseada no aumento na quantidade de

moléculas orgânicas que, em conjunto, não desestabilizam as proteínas e, portanto,

contribuem com a integridade celular. Considerando o organismo todo, este aumento da

concentração celular nos organismos está associado ao aumento da concentração

plasmática. Mas nem todos os vertebrados têm a estratégia de elevar a concentração interna

acompanhando o aumento da concentração do meio externo, como mencionado na seção

anterior.

Os anfíbios, dadas as características já mencionadas, são pouco tolerantes aos meios

hipertónicos, porém algumas espécies podem enfrentar meios de elevadas salinidades. Por

exemplo, Fejervarya cancrivora, espécie da Ásia que ocupa ambientes salobros, consegue

tolerar uma faixa ampla de concentração externa sendo considerada uma das poucas

espécies eurihalinas dentro do grupo dos anfíbios. Fejervarya cancrivora tem a capacidade

de se manter hipertónica em relação ao meio externo atingindo valores de concentração

plasmática de 800 mOsm (Gordon et al., 1961; Balinski, 1981). Esta tolerância está

relacionada com a capacidade de aumentar a concentração interna, elevando as

concentrações de íons e de uréia a níveis não presentes em outras espécies de anfíbios. O

aumento de íons e da uréia contribui de forma decisiva no aumento da concentração interna

o que permite enfrentar altas concentrações externas evitando a perda de água pela pele.

Salinidade ambiental como fator de seleção natural e promotor de

diversificação, exemplo de Bufo calamita

Apesar de existirem algumas espécies de anfíbios como F. cancrivora que toleram

amplas faixas de salinidade ambiental, esta tolerância não é comum entre os anfíbios.. Há

espécies que usam os ambientes costeiros marinhos, e devido ao efeito negativo dos meios

Page 68: Tópicos em Fisiologia Comparativa

67

hipertónicos sobre os anfíbios, alguns pesquisadores têm estudado a possibilidade da

salinidade ser um fator de seleção, ou seja, se pode gerar pressão seletiva. Neste sentido,

nos últimos anos tem se desenvolvido trabalhos que abordam as possíveis diferenças entre

populações na tolerância osmótica em Bufo calamita. Esta espécie se distribui em parte da

Europa e da Rússia. Algumas populações da espécie estão submetidas a elevações de

salinidade por se encontrarem perto da costa. Por estarem perto da costa, a eventualidade

da elevação do mar atingir algumas poças provocando incremento da salinidade da água é

freqüente e comum. Segundo Gomez-Mestre e Tejedo (2003; 2004), essas diferenças nas

características ambientais tiveram um efeito sobre a capacidade de ovos e girinos

sobreviver frente a salinidades maiores do que aqueles indivíduos oriundos das populações

que se encontram afastados da costa. Portanto, essa capacidade de tolerância à salinidade

ambiental das populações perto da costa do mar seria fruto de adaptação evolutiva.

Thoropa taophora, espécie de anfíbio presente nas costas de São

Paulo: o que conhecemos dela

Apesar das comunidades de anfíbios nos ambientes costeiros marinhos não serem as

mais diversas, muitas espécies as usam. Apesar disso, poucos trabalhos tentam entender

como essas espécies lidam com este tipo de ambiente osmoticamente estressante para os

anfíbios. Uma das espécies que usa este ambiente no Brasil é Thoropa taophora que se

distribui pelo Estado de São Paulo. A espécie tem cuidado parental dos ovos pelo macho,

altos níveis de territorialidade, sendo os girinos semiterrestres que vivem sobre substratos

rochosos úmidos (Giaretta & Facure 2004). Dados revelam que indivíduos de populações

costeiras marinhas de T. taophora estão sujeitos a altas salinidades através da ingestão de

presas de origem marinha da zona intertidal (Sazima, 1971), assim como tem se relatado

dados que revelam alta tolerância a elevadas concentrações internas (Abe & Bicudo, 1991).

Portanto, T. taophora é um modelo excelente para conhecer aspectos da fisiologia

relacionados com os efeitos da salinidade ambiental sobre os anfíbios o que permitiria

entender como esta espécie, assim como outras, lida com o ambiente costeiro marinho.

Referencias Bibliográficas

Abe, A.S. e J.E.P.W. Bicudo. 1991. Adaptations to salinity and osmoregulation in the frog Thoropa

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Giaretta AA & Gomes Facure K 2004 Reproductive ecology and behavior of Thoropa miliaris

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Gordon, M., Schmidt-Nielsen, K. e H.M. Kelly. 1961. Osmotic regulation in the crab-eating frog

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Hochachka, P.W. e G.N. Somero. 2002. Water - solute adaptation: the evolution and regulation of

the internal milieu. Pp. 217 – 289. Em Biochemical Adaptation. Mechanism and Process in

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Sazima, I. 1971. The occurence of marine invertebrates in the stomach contents of the frog Thoropa

mililaris. Ciência e Cultura 23(3): 647-648.

Page 70: Tópicos em Fisiologia Comparativa

69

Biomarcadores

Hermann Ludwig Maier

Todos os anos milhares de novos componentes químicos são gerados por atividades

humanas e acabam no ambiente por diversas vias e na maioria dos casos sem nenhum tipo

de controle ou conhecimento suficiente dos efeitos nocivos para o ambiente. Fazendo-se

necessário a existência de um monitoramento ambiental, que consiste na realização de

medições e ou observações específicas, dirigidas a alguns poucos indicadores e

parâmetros, com a finalidade de verificar se determinados impactos ambientais estão

ocorrendo, podendo ser dimensionada sua magnitude e avaliada a eficiência de eventuais

medidas preventivas adotadas.

O monitoramento pode ser feito de diversas formas, a mais comum é analise

química. Que no caso de misturas complexas são demorados, caros e têm o inconveniente

de que não se pode prever a biodisponibilidade final de um composto químico. Neste

sentido, os testes de mortalidade têm sido muito utilizados para suplementar análises

químicas. Mas ao medir a toxicidade aguda em doses elevadas, estes testes têm pouco ou

nenhum valor preditivo para a exposição crónica em níveis subletais. Além de serem

limitados, uma vez que possui os parâmetros controlados, acaba não tendo resultados

confiáveis já que excluem os possíveis efeitos antagônicos, sinérgicos ou aditivo entre

poluentes.

Para incluir os possíveis efeitos entre poluentes em consideração, inicialmente foram

desenvolvidas técnicas in vitro, sua principal vantagem é que elas permitem observação de

alterações morfológicas e fisiológicas significativas ao nível celular ou órgão. Embora

sejam inespecíficas estes se mostraram um bom teste complementar.

A partir das técnicas in vitro surgiu o conceito propriamente dito de biomarcadores.

Onde uma parte da maquinaria de defesa, reparo ou detoxificação celular ou tecidual é

usada como indicador de possíveis alterações no ambiente. Basicamente os testes com

bioindicadores podem ser divididos em três categorias: exposição, suscetibilidade ou

efeito.

1) Biomarcadores de exposição: refletem a distribuição da substância química ou seu

metabólito através do organismo, e por isso são identificados como dose interna.

Consequentemente, a dose externa se refere à concentração do agente químico

presente no ambiente em contato com o organismo. Teoricamente, a distribuição

Page 71: Tópicos em Fisiologia Comparativa

70

da substância no organismo pode ser traçada através de vários níveis biológicos,

como tecidos e células. (Ex: teste de metais no sistema excretor)

2) Os Biomarcadores de Efeito: é um parâmetro biológico, medido no organismo, o

qual reflete a interação da substância química com os receptores biológicos. As

alterações bioquímicas são consideradas como uma fonte potencial de indicadores

biológicos de efeito. Se considerarmos que estas alterações precedem um dano

estrutural, a detecção destas alterações biológicas permite a identificação precoce

de uma exposição excessiva e letal. (Ex: vermelho neutro)

3) Os biomarcadores de suscetibilidade: podem refletir fatores genéticos ou

adquiridos que influenciam na resposta do organismo a uma determinada

exposição química. Estes são fatores pré-existentes e independem da exposição.

São predominantemente genéticos, embora a patologia, alterações fisiológicas,

medicamentos e exposição a outros agentes ambientais também possam alterar a

suscetibilidade individual. (Ex: estudos epidemiológicos)

Os biomarcadores, sejam de exposição ou de efeito, são ferramentas utilizadas nos

estudos epidemiológicos ambientais, buscando-se estabelecer uma relação entre a

exposição aos agentes químicos e os efeitos na saúde dos indivíduos expostos. A

importância do uso destes biomarcadores como parâmetros biológicos de exposição às

substâncias químicas deve-se ao fato de eles estarem mais diretamente relacionados aos

efeitos na saúde do que os parâmetros ambientais. Por isso, podem oferecer uma melhor

estimativa do risco.

Referencias bibliográficas

World Health Organization — International Programme on Chemical Safety (IPCS) —

Environmental Health Criteria 214: Human exposure assessment, Geneva; 2000.

Romberg L. Use of biomarkers in quantitative risk assessment. New York: Plenum Press; 1993.

Kala SV & Jadhav AL. Low level lead exposure decreases in vivo release of dopamine in rat

nucleus accumbens: a microdialysis study. Journal of Neurochemicals; 65(4): 1631-5.

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World Health Organization — Biological Monitoring of Chemical Exposure in the Workplace.

Volumes 1 e 2. Geneva; 1996.

AMORIM, Leiliane Coelho André. Os biomarcadores e sua aplicação na avaliação da

exposição aos agentes químicos ambientais. Revista brasileira de epidemiologia, São

Paulo, v. 6, n. 2, June 2003

FREIRE, Marina Moreira; Vanessa Gomes Santos, Ione Soares Ferreira Ginuino & Ana Rosa Linde

Page 72: Tópicos em Fisiologia Comparativa

71

Arias BIOMARCADORES NA AVALIAÇÃO DA SAÚDE AMBIENTAL DOS

ECOSSISTEMAS AQUÁTICOS Oecologia brasiliensis, 12 (3): 347-354, 2008

BITAR, O.Y & ORTEGA, R.D. Gestão Ambiental,. cap. 32, p.499-508. 1998

Page 73: Tópicos em Fisiologia Comparativa

72

Relação parasita-hospedeiro: Uma ferramenta no entendimento da poluição ambiental?

Vinicius Queiroz

Sobreviver sem interagir é algo inviável, ou seja, não existe vida isoladamente.

Assim, ao longo de sua vida, qualquer organismo deve interagir com outros seres vivos e

com o próprio ambiente a fim de adquirir recursos para sua sobrevivência. Neste contexto,

tem-se o termo simbiose, em contraposição ao termo assimbiose, este último englobando

as interações com os fatores não vivos do ambiente (Lewis, 1988).

O termo simbiose, cunhado em 1879 por Anton de Bary, pode ser definido como uma

associação entre duas ou mais espécies de organismos (de Bary, 1879). Esta associação

pode ser permanente, com os participantes nunca estando separados, ou pode ser de longa

duração. Intuitivamente, esta definição já exclui interações entre populações, que são

associações entre indivíduos da mesma espécie (Paracer & Ahmadjian, 2000).

Apesar de a definição da palavra simbiose não limitá-la a nenhuma modalidade de

interação, seu uso vem sendo feito de uma maneira mais restrita, onde muitas vezes é

utilizada como sinônimo de mutualismo (Noble & Noble, 1976). Como visto em sua

definição, simbiose é um termo mais amplo, sob o qual diversos tipos de interações –

prejudiciais ou benéficas – podem ser consideradas. Das muitas subdivisões existentes, as

mais conhecidas são: comensalismo, mutualismo e parasitismo. O comensalismo pode ser

sucintamente definido como uma associação onde um dos participantes é beneficiado e o

outro não é nem prejudicado nem recebe benefícios. No mutualismo, o benefício é para

ambos os organismos envolvidos, enquanto no parasitismo um vive à custa do outro

(Paracer & Ahmadjian, 2000). Este último é relativamente um dos mais importantes e

disseminados tipos de interação biológica presente na natureza. Todos os grupos existentes

têm registros de parasitas, desde esponjas até os vertebrados mais derivados.

A definição de parasitismo vem do grego, onde o termo “parasita” pode ser

entendido como: “o que come na mesa do outro” ou mais formalmente, “o que vive à custa

do outro” (Noble & Noble, 1976). É um tipo de simbiose onde um dos participantes (o

parasita) se beneficia à custa do outro (o hospedeiro). Nesta relação, , o fator primário a ser

considerado é a nutrição.

Mesmo sendo geralmente observado sob a luz da simbiose, o parasitismo tem sido

apontado como uma forma de predação (Begon et al., 2007). Porém, de forma simples,

pode-se diferenciar um predador de um parasita pelos mecanismos utilizados para obter

Page 74: Tópicos em Fisiologia Comparativa

73

alimento. Predadores são animais que se alimentam por fagotrofia e utilizam processos

ativos para capturar o alimento, enquanto os parasitas geralmente são osmotrofos

absortivos, estando sobre ou dentro de outros organismos (Lewis, 1988). Além disso,

diversas outras características são apontadas para diferenciar um do outro (Noble & Noble,

1976).

Apesar do tão conhecido aspecto nutricional da relação parasita-hospedeiro ser um

ponto chave na definição do termo, existem alternativas mais arrojadas tentando definir

esta relação. Determinadas propostas insistem que o parasita tem de necessariamente ser

prejudicial ao hospedeiro (Smyth, 1994). Outros vão um pouco mais longe e propõem que

parasita é todo simbionte que tem potencial de matar o hospedeiro (Crofton, 1971).

Propostas com um viés mais fisiológico também são apresentadas: alguns autores pontuam

os aspectos bioquímicos nesta relação. Cameron (1956) coloca que: parasita é aquele

indivíduo que tem uma dependência de algum fator metabólico advindo de outro

organismo que é sempre maior que ele. Smyth (1962) pontua algo semelhante, mas

acrescenta que alguns subprodutos metabólicos do parasita são de utilidade para o

hospedeiro.

Tendo em vista que: a relação parasita-hospedeiro é um dos modos de vida mais

comuns encontrados na natureza (Price, 1980); e que existem mais espécies parasitas que

de vida livre (Windsor, 1998); é de se esperar que este grupo de organismos

filogeneticamente não relacionados seja utilizado como sensor de poluição ambiental

(Mackenzie, 1999). Neste contexto temos a parasitologia ambiental, que vem atuando na

busca de indicadores de impacto antrópico no ambiente, utilizando como ferramenta os

organismos parasitas e as suas relações com seus hospedeiros (Sures, 2004).

Os trabalhos mais antigos nesta área remontam da década de 80 (Greichus &

Greichus, 1980; McCahon et al., 1988). Vários são os grupos utilizados como sensores de

impacto ambiental (Sures, 2004; Mackenzie, 1999) e diversas são as possibilidades de

exploração. A relação parasita-hospedeiro pode ser utilizada como ferramenta na

determinação de contaminação de sedimento, eutrofização, metais pesados, etc (Sures,

2004) e os efeitos geralmente observados são a diminuição na diversidade e riqueza de

parasitas, aumento na prevalência e densidade dos organismos, entre outros (Sures, 2004).

Sendo assim, é possível verificar que a relação entre parasitas e seus hospedeiros não

estão completamente estabelecidas, existindo muitas “brechas” nos conceitos. No entanto,

pode-se utilizar essa tão importante interação como uma ferramenta na avaliação de

impactos ambientais, e muitos trabalhos vêm estabelecendo as bases desta nova área de

investigação.

Page 75: Tópicos em Fisiologia Comparativa

74

Referências bibliográficas

Cameron, T. W. M. 1956. Parasites and parasitism. New York, Wiley, 322p.

Crofton, H. D. 1971. A quantitative approach to parasitism. Parasitology, 62: 179-193.

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Greichus, A. & Greichus, Y. A. 1980. Identification and quantification of some elements in the hog

roundworm, Ascaris lumbricoides suum, and certain tissues of its host. Int. J. Parasitol. 10,

89–91.

Lewis, D. H. 1988. Symbiosis and Mutualism: crisp concepts and soggy semantics. In: Boucher, D.

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Mackenzie, K. 1999. Parasites as Pollution Indicators in Marine Ecosystems: a Proposed Early

Warning System. Marine Pollution Bulletin, 38(11): 955 -959.

McCahon, C. P.; Brown, A. F. & Pascoe, D.1988. The effect of the acanthocephalan

Pomphorhynchus laevis (Mu¨ ller 1776) on the acute toxicity of cadmium to its intermediate

host, the amphipod Gammarus pulex (L.). Archives of Environmental Contamination and

Toxicology. 17, 239–243

Paracer, S. & Ahmadjian, V. 2000. Symbiosis: An Introduction to Biological Associations. Oxford

University Press, 304p.

Price, P.W. 1980. Evolutionary Biology of Parasites. Princeton University Press, Princeton.

Smyth, J. D. 1962. Introduction to Animal parasitology. London, English University press.

Smyth, J. D. 1994. Introduction to Animal parasitology. Cambridge University Press, 553p.

Windsor, D. A. 1998. Most of the species on earth are parasites. International Journal for

Parasitology 28, 1939±1942.

Page 76: Tópicos em Fisiologia Comparativa

75

Efeitos da poluição antrópica na fisiologia de invertebrados marinhos

Liv Ascer Goldstein

Marina Santana

O homem, historicamente, prefere regiões costeiras para se estabelecer. Isto acarreta,

à estas áreas, uma maior densidade demográfica (SUHOGUSOFF & PILIACKAS, 2007).

No Brasil, a maior parte da população está distribuída ao longo da faixa litorânea e suas

proximidades (IBGE, 2007). Assim, regiões costeiras e estuarinas são frequentemente

destino de rejeitos utbanos e industriais, acarretando na contaminação das águas e da biota

marinha MAIA et al., 2006). Podemos extrair deste contexto o que chamamos de poluição

antrópica, que, segundo Mellanby (1982), corresponde à presença de substâncias tóxicas

no meio, produzidas e introduzidas pelo homem. As ações poluentes de tais substâncias

podem ser decorrentes da incapacidade do ambiente de biodegradá-las tanto devido à

quantidades excessivas, quanto porque não existem naturalmente (BARROS, 2008) e,

independente de como ocorrem, acabam gerando impactos ambientais.

De acordo com a Resolução CONAMA 001/86, impacto ambiental trata de qualquer

alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por

qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou

indiretamente, afetam: (1) a saúde, a segurança e o bem-estar da população; (2) as

atividades sociais e econômias; (3) a biota; (4) as condições estéticas e sanitárias do meio

ambiente; e (5) a qualidade dos recursos naturais.

Diversos são os exemplos de poluição antrópica presente nos mares e estuários.

Regiões costeiras urbanizadas, por exemplo, usam o espaço para habitação, produção

industrial, comércio, transporte, agricultura, entre outros, gerando dejetos como esgoto e

lixo; poluentes orgânicos como HPAs (hidrocarboneto policíclico aromático) derivados da

queima de combustíveis fósseis; e metais pesados e resíduos de petróleo derivados, por

exemplo, de pólos petroquímicos e cloroquímicos. O litoral brasileiro recebe mais de 3mil

toneladas de poluentes líquidos por dia – dejetos industriais e orgânicos. Dentre os fluentes

industriais estão incluídas aproximadamente 130 toneladas diárias de cargas poluidoras de

expressiva toxicidade (GEO BRASIL, 2002). A Baía de Todos os Santos (BA), por

exemplo, está contaminada por mercúrio, enquanto a Baía da Guanabara (RJ) recebe 500

toneladas de esgoto orgânico, 50 toneladas de nitrato e metais pesados e mais de 3 mil

toneladas de resíduos sólidos, como plásticos, latas e outras sucatas (GEO BRASIL, 2002).

Page 77: Tópicos em Fisiologia Comparativa

76

Com o aumento constante da preocupação com a poluição nas costas brasileiras e

internacionais, estudos aprofundados sobre o efeito de poluentes em organismos marinhos

têm se tornado cada vez mais importantes e abundantes na literatura científica. Organismos

bioindicadores são usados hoje em dia para estes tipos de estudos. Esses organismos, ao se

depararem com uma situação ambiental desfavorável, não costumam morrer, mas se

adaptam ao ambiente, revelando uma certa resistência à diversos tipos de poluentes.

Apesar de não morrerem, eles respondem à esse tipo de variação ambiental por meio de

mudanças fisiológicas e/ou metabólicas que podem ser mensuradas através de uma série de

testes bioquímicos, moleculares e celulares. Essas técnicas tornaram possíveis testes de

biomonitoramento, em condições experimentais (onde a poluição pode ser induzida em

laboratório) ou em condições naturais (onde se avalia a qualidade do ambiente natural, sem

intervenção), que visam o entendimento dos efeitos de diferentes poluentes na fisiologia de

organismos. No ambiente marinho, o bivalve Perna perna é um organismo chave para esse

tipo de biomonitoramento. Esta espécie tem sido usada, com sucesso, em uma série de

projetos de monitoramento de poluentes aquáticos mundo afora (FRANCIONI et al., 2007;

OTCHERE, F.A., 2003.). No Brasil, são abundantes e podem ser encontrados em costões

rochosos do Espírito Santo a Santa Catarina; são economicamente importantes como fonte

de proteínas; e a única espécie de mexilhão cultivada para o comércio (JUNIOR et al.,

2008). De fácil acesso o ano todo, toleram flutuações de temperatura e salinidade além de

outras variáveis aquáticas, sendo assim de fácil manutenção em laboratório. São excelentes

“bioindicadores” por diversos motivos: são filtradores, vivem longos períodos e são

sésseis. Portanto são indicadores diretos da qualidade da água (OSTAPCZUK et a., 1997),

e podem revelar impactos ambientais nem sempre muito evidentes. Vale lembrar que os

bivalves são os mais abundantes e importantes bioindicadores para o ambiente marinho,

mas outros organismos também podem ser usados como foraminíferos (DULEBA et al.

2003), além de outros moluscos e crustáceos.

Paralelamente à escolha de um organismo bioindicador, os pesquisadores devem se

atentar à escolha de diferentes e fiéis biomarcadores para avaliação efficaz dos efeitos dos

poluentes. Os biomarcadores são moléculas cuja estrutura, concentração, ou localização

poderá estar alterada, indicando uma variação de parâmetros fisiológicos frente a uma

alteração (artificial ou natural) do ambiente. Essas alterações podem ser ilustradas tanto

por uma mudança de temperatura ou de salinidade, como presença de elementos antrópicos

como plástico ou petróleo na água (AMORIN, 2003)

Os biomarcadores devem ser escolhidos mediante a um entendimento básico do tipo

de poluição a ser analisada e quais possíveis efeitos eles podem ter. Dentre os tipos comuns

Page 78: Tópicos em Fisiologia Comparativa

77

de biomarcadores, podemos analisar a variação das concentrações de diferentes proteínas

comumente alteradas após um estresse como as proteínas do choque térmico (HSP), mas

podemos também avaliar Danos ao DNA por método TUNEL. Além disso, a viabilidade

celular poderá ser analisada via métodos como o do Vermelho Neutro por meio da

estabilidade membranária do lisossomo. Os diferentes organismos indicadores, assim

como os biomarcadores serão abordados em aula.

Estudo de caso: avaliação dos efeitos da contaminação por

microplásticos na biota marinha.

Os microplásticos (<1mm) fazem parte dos agentes emergentes dos cenários de

poluição marinha, entrando nos mares como matéria prima ou como degradação de

produtos plásticos já manufaturados. Apesar das pesquisas acerca de seus impactos bióticos

serem incipientes, sabe-se que tais partículas podem ser ingeridas, assimiladas e retidas no

trato digestório de invertebrados marinhos (BROWNE et al., 2008; VON MOOS et al.,

2012; SANTANA, 2012). Uma vez ingeridos, estes fragmentos também podem se tornar

fontes de substâncias tóxicas e acumulativas na teia alimentar (MOORE, 2008) e agir

como agente dificultor de nutrição, como visto em exemplares de Arenicola marina

expostos à micropartículas de poliestireno contaminadas com bifenilos policlorados

(PCBs) (BESSELING et al., 2012). Além disso, e muito embora a biomagnificação ainda

não tenha sido formalmente avaliada, a transferência destes microplásticos ao longo da teia

trófica já foi verificada experimentalmente e, portanto, pode ser esperada no meio

ambiente (FARREL & NELSON, 2013). A partir de análises fisiológicas de estresse em

Mytilus edulis (outro organismo comumente utilizado como biomarcador) demonstrou-se

que ingestão e assimilação de microesferas plásticas são agentes estressores para o

mexilhão, provocando alterações teciduais, processos inflamatórios e instabilidade nas

membranas dos lisossomos.

Por ser uma área de pesquisa recente, todos os trabalhos citados a cima tiveram

metodologias experimentais. Eles buscaram replicar possíveis cenários reais e investigar os

microplásticos como poluentes antrópicos (ou seja, subtstâncias tóxicas produzidas e

introduzidas no meio pelo homem), geradoras de impactos ambientais. Assim, espera-se

que os resultados gerados sirvam como ferramentas para a elaboração de diagnósticos mais

precisos sobre os riscos do potencial aumento de microplásticos nos mares, assim como

incentivo à realização de pesquisas em campo, com animais selvagens, para se inferir a

validade de seus resultados num ambiente de real contaminação.

Page 79: Tópicos em Fisiologia Comparativa

78

Apesar de único, o estudo realizado por VON MOOS et al. (2012) cobriu uma gama

de possíveis estresses fisiológicos decorrentes da ingestão e assimilação dos

microplásticos. Em condições controladas de laboratório (temperatura do ambiente;

salinidade e pH da água dos aquários, ciclos de claro e escuro de 12h), o grupo de

pesquisadores expôs, durante 1 semana, exemplares de M. edulis a 2,5g/L de polietileno de

alta densidade em aquários e analisou entre outros testes a estabilidade da membrana

lisossômica por meio do vermelho neutro assim como avaliou a internalização das

partículas plásticas para a hemolinfa. A partir daí concluíram que este produto pode causar

estresse nos organismos, mas não se sabe se ele é decorrente do impacto físico da ingestão

de um grande volume de partículas inorgânicas (que não serve de alimento para os

mesmos) ou de seus compostos químicos, aditivados pelas indústrias para lhe conferir

características desejadas.

A partir da iniciativa e das dúvidas que surgiram ao longo do processo investigativo

feito por VON MOOS e seu grupo de trabalho, outros experimentos podem ser propostos

para que avaliemos com maior precisão o impacto biótico dos microplásticos nos mares.

Alguns exemplos seriam: diferentes cenários de exposição a este poluente (ou seja, outras

concentrações e outros períodos de exposição) teriam os mesmos efeitos tóxicos? Há como

saber se os efeitos encontrados são físicos ou químicos? Outras espécies estariam sujeitas a

estes mesmos impactos? Existem outros indicadores de estresse que não foram utilizados e

demonstram maior sensibilidade? Como isso se daria no meio ambiente, onde a água do

mar muda de salinidade, temperatura, pH, concentração de oxigênio, hidrodinâmica e

outros parâmetros constantemente?

Todas estas perguntas e muitas outras ainda precisam ser avaliadas, não só com

relação ao plástico mas também à outros poluentes. Assim, supondo que você e seus

colegas são pesquisadores de uma renomada instituição científica, como e o que vocês

avaliariam? Por quê? Escrevam um pequeno projeto de pesquisa propondo uma

investigação a cerca de um poluente marinho e seus efeitos fisiológicos na biota.

Lembrem-se: é importante ressaltar o motivo pelo qual escolheram o poluente, o

organismo bioindicador e os efeitos analisados? Tal relevância pode ser relacionada à

diversos aspectos: o organismo é importante ecologicamente ou economicamente? Ele é

um organismo já amplamente utilizado com estes fins? O poluente é comum nas águas

costeiras, ou tem um potencial tóxico muito conhecido? Por que é importante analisar os

efeitos fisiológicos escolhidos? Qual a relação entre o poluente e o efeito a ser analisado?

O projeto não deve exceder 5 páginas.

Page 80: Tópicos em Fisiologia Comparativa

79

Referências bibliográficas

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Page 81: Tópicos em Fisiologia Comparativa

80

SANTANA, Marina. Seleção, ingestão, retenção e assimilação de micro plásticos (PVC) por

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VON MOOS, N.; BURKHARDT-HOLM P., KÖHLER, A., 2012. Uptake and effects of

microplastics on cells and tissue of the blue mussel Mytilus edulis L. after an experimental

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Page 82: Tópicos em Fisiologia Comparativa

NEUROCIÊNCIA COGNITIVA

Page 83: Tópicos em Fisiologia Comparativa

82

NEUROCIÊNCIA COGNITIVA

Neurofisiologia Básica

Sergio Marinho da Silva

[email protected]

Esta aula tem por objetivo explicar para os alunos a importância de se estudar o

sistema nervoso através de quatro diferentes formas: tipos de células que foram este

sistema, estudo do seu desenvolvimento desde o embrião até o indivíduo adulto, análise

macroscópica de suas principais subdivisões e funções e a sua evolução ao longo da

filogenia dos vertebrados. Desta forma, o aluno observa que o sistema nervoso não está

apenas integrado com o organismo, mas que este se desenvolve junto com o indivíduo e

que, dentre os animais, as variações em sua forma, tamanho e desenvolvimento de cada

uma de suas partes estão relacionadas com o grupo de que fazem parte e com o seu estilo

de vida.

A parte introdutória da aula será sobre o porquê de estudarmos o sistema nervoso e

qual o interesse do público acadêmico sobre este assunto. Mostraremos que, muito mais do

que pela sua importância para a manutenção da saúde, bem estar e funcionamento

adequado do organismo, nós nos interessamos pela forma como é formada a memória,

como e o que é a consciência, como aprendemos, e como nosso sistema nervoso se

desenvolve.

A próxima parte trata os diferentes tipos celulares. Serão abordados os conceitos de

formatos das células, funções dos diferentes tipos de neurônios e células gliais e

comunicação entre as células. Os alunos verão fotos reais de neurônios e células gliais em

culturas de células, e marcadas com marcadores fluorescentes.

Em seguida, a origem do sistema nervoso será mostrada para os alunos ao longo da

ontogenia, ou seja, desde formação do zigoto até o adulto. As principais conexões do

sistema nervoso com os órgãos sensoriais serão mostradas no surgimento destes órgãos.

No final deste tópico, os alunos terão uma vista completa das partes que formam o sistema

nervoso central e as suas conexões com o organismo, facilitando a compreensão da

fisiologia do sistema nervoso.

No terceiro tópico da aula, os alunos terão uma visão superficial de cada uma das

partes do sistema nervoso, caminhando desde as partes e funções mais rostrais do córtex

até a porção final da medula vertebral. Ao longo deste trajeto, os alunos serão informados

de pesquisas que são realizadas, tanto pelo nosso departamento quanto por laboratórios

Page 84: Tópicos em Fisiologia Comparativa

83

mundo afora, em cada uma destas partes. Este tópico será finalizado com a diferenciação

entre sistema nervoso somático e sistema nervoso autônomo, a importância do sistema

nervoso simpático e parassimpático e a importância do sistema nervoso periférico.

Após os alunos terem uma noção básica da importância de cada uma das partes do

sistema nervoso, eles observarão diferentes partes do sistema nervoso de vertebrados. Eles

observarão, por exemplo, que o cerebelo de organismos que se movimentam pouco é

menor do que o cerebelo de organismos que se movimentam bastante. Principalmente, eles

observarão o quanto o córtex se modifica em diferentes vertebrados, em tamanho e forma,

especialmente em mamíferos.

Finalizaremos a aula retornando ao assunto inicial: o porquê de estudarmos

neurociência. Este retorno dará uma chance aos alunos refletirem sobre a importância do

sistema nervoso a partir da informação nova que receberão e conseguir pensar sobre a

interação da neurociência com o organismo, o meio, com o desenvolvimento ontogenético

e com a filogenia.

Esta aula terá ênfase em aspectos funcionais e comparativos, sendo o objeto de

comparação final sempre o ser humano adulto. Desta forma, o desenvolvimento

ontogenético buscará mostrar como uma estrutura se origina e como ficará no adulto, a

parte funcional mostrará como cada parte do sistema nervoso do humano adulto funciona e

a aula sobre filogenia mostrará como os diversos grupos diferem em relação ao humano.

Esta escolha foi feita para manter o interesse dos alunos e para que o tempo da aula seja o

suficiente.

Referências:

GUYTON, A. C.; HALL, J. E.; GUYTON, A. C. Tratado de fisiologia médica. Elsevier Brasil,

2006.

LENT, R. Cem Bilhões de Neurônios? Conceitos Fundamentais de Neurociência-2ª edição,

Brasil, Editora Atheneu, 2001.

KANDEL, E. R.; SCHWARTZ, J. H.; JESSELL, T. M.; Principios de neurociencia. Trad.

APARICIO, A.; SAUDAN, A. H. McGraw-Hill Interamericana de España, 2001.

Page 85: Tópicos em Fisiologia Comparativa

84

Sistema Sensorial: Uma Abordagem Comparativa

Daniele Victoratti do Carmo

[email protected]

Todos os organismos interagem o tempo todo com o seu ambiente por meio de

fatores bióticos: os seres vivos, ou por meio de fatores abióticos: temperatura, umidade,

vento, pH, salinidade, solo, chuva, luz, gravidade, pressão, oxigênio, etc. E em seu meio

interno, os seres lidam com fatores como: nutrientes, água, oxigênio, excretas, fadiga, etc.

Ou seja, todos os animais necessitam de informações precisas sobre seus ambientes para

que suas decisões sejam adequadas.

A capacidade que um ser vivo tem de reagir a estímulos é chama de irritabilidade.

Esta propriedade é essencial e está presente em todos os níveis evolutivos: os organismos

unicelulares apresentam uma irritabilidade geral e uniforme e com o desenvolvimento da

multicelularidade, aparece a necessidade der conduzir a informação dentro do organismo.

Certas células se especializaram, intensificando a sua capacidade de reagir a um estímulo,

aumento então, a rapidez de condução.

Estas células são os neurônios que fazem conexões com outros neurônios e com

células de suporte chamadas de células da glia, as quais não são excitáveis, formando um

sistema nervoso, especializado em receber estímulos, transmiti-los na forma de impulso a

diversas partes do organismo e comandar respostas dos efetores.

O neurônio tem a sua estrutura básica praticamente semelhante ao longo da evolução

dos metazoários: o neurônio de um celenterado é essencialmente semelhante, em estrutura

e função a uma célula nervosa humana. Ao longo da escala zoológica o sistema nervoso foi

gradativamente se tornando mais elaborado, mas este grau de complexidade e alterações

das estruturas dos neurônios não foi alcançado de forma brusca: os neurônios se tornaram

mais numerosos e houve um aumento de suas interconexões.

A maioria das células é moderadamente sensível a muitas formas de energia:

mecânica, elétrica, radiante, química, etc, mas somente as células sensoriais ou também

chamadas células receptoras conseguem detectar um tipo específico de energia e de

transformá-la em alterações elétricas, ou seja, traduzir na linguagem de potenciais de ação,

que são os únicos dados passíveis de serem transmitidos aos centros integradores

superiores.

Os receptores podem ocorrer de forma isolada ou se organizar em tecidos que

formam os órgãos sensoriais, estes que constituem o sistema sensorial . A organização

Page 86: Tópicos em Fisiologia Comparativa

85

celular dos órgãos sensoriais permitiu a análise dos estímulos de modo mais preciso do que

poderia ser realizado por células receptoras isoladas.

Estas células receptoras estão divididas em três grupos: o primeiro são os

exteroceptores que captam estímulos do meio externo, fornecendo informações ao animal

gerando ajustes comportamentais. O segundo grupo é chamado de interoceptores que

respondem a sinais dentro do corpo e comunicam as informações ao cérebro por vias que

normalmente não estão ao nosso nível de consciência: como a pressão osmótica nas

células, temperatura, o pH, composição sanguínea, entre outras, isso nos permite sentir

fome, sede, náuseas etc. O ultimo grupo pertence aos proprioceptores que monitoram a

posição dos músculos e articulações, tendões e órgãos internos do corpo. A função desses

receptores é a de informar ao sistema nervoso central sobre a posição, movimento do corpo

e o grau de estiramento ou força de contração.

Nesta aula vamos abordar com mais detalhes somente os receptores que captam

estímulos externos ao ambiente, que são fundamentais para a sobrevivência do organismo

em seu meio, fornecendo informações sobre alimento, temperatura, predadores,

identificação de fêmeas, machos ou indivíduos do mesmo grupo, etc.

Uma classificação mais tradicional (desde Aristóteles) destes receptores os agrupam

em 5 sentidos: audição, olfato, paladar, tato e visão. Mas o que são os sentidos? Um

sentido é um sistema que consiste em um grupo de um tipo de células sensoriais que

responde a um fenômeno físico específico, e que corresponde a um determinado grupo de

regiões do cérebro onde os sinais são recebidos e interpretados. Discussões sobre o número

de sentidos que os seres humanos possuem tipicamente surgem da classificação dos vários

tipos de células e as regiões do cérebro correspondentes.

Na escala evolutiva a lista de estímulos aos quais os diferentes animais respondem é

muito mais extensa. Uma classificação mais apropriada baseia-se no seu estímulo

adequado - no tipo de energia a qual os receptores são sensíveis:

1. Quimiorreceptores: são sensíveis a estímulos químicos, como por exemplo, os

receptores de gustação e olfação;

2. Fotorreceptores: são sensíveis a energia luminosa, como por exemplo, os receptores

da retina;

3. Mecanorreceptores: respondem a estímulos mecânicos, detectando deformações

mecânicas, receptores de som, equilíbrio, movimento, pressão, tensão e contato;

4. Termorreceptores: são sensíveis a variações de temperatura, como os receptores de

calor, frio e radiação infravermelha.

5. Eletrorreceptores: são sensíveis a campos elétricos.

Page 87: Tópicos em Fisiologia Comparativa

86

Uma descrição fisiológica sensorial deve incluir dois aspectos: primeiro, as

propriedades da célula receptora, que permitem a esta célula sensorial receber informações

do ambiente. Um segundo aspecto seria considerar a forma como o sistema nervoso

processa as informações das células sensoriais para produzir sensações reconhecíveis.

Quaisquer distorções produzidas pelas células sensoriais ou pelo posterior processamento

proporcionarão certa característica à nossa percepção de um determinado estímulo,

conseqüentemente esta característica parecerá ser do próprio estímulo.

Referências:

ECKERT, R. et al. Fisiologia animal: mecanismos e adaptações. 4 Eds. Madrid : McGraw Hill-

Interamericana, 2002.

KANDEL, E. R.; SCHWARTZ, J. H.; JESSELL, T. M. Principios de neurociencia. 4a Eds.

Madrid : McGraw-Hill Interamericana, 2001.

ROMERO, S. M. B. Fundamentos de neurofisiologia comparada. 1 Eds. Ribeirão Preto:

Holos, 2000.

Page 88: Tópicos em Fisiologia Comparativa

87

Aula prática- O mundo real é aquele que percebemos?

Elisa Mari Akagi Jordão

[email protected]

Fábio Moraes Gois

[email protected]

A percepção do mundo vai além da sensação dos estímulos externos pelos sistemas

sensoriais. O processamento dessas informações externas é influenciado por outras

capacidades cognitivas como a atenção e a memória que tornam possíveis diferentes

interpretações do mundo. Além disso, devemos levar em conta que os sistemas sensoriais

foram “selecionados” de forma a atender nossa demanda de adaptação ao ambiente em que

vivemos. Por isso, devemos entender que nem todos os estímulos que chegam ao nosso

corpo são processados integralmente.

Para compreender melhor sobre nossa concepção sensorial do mundo resolvemos

elaborar uma aula onde possamos testar as nossas percepções. Será que percebemos o

mundo como ele realmente é? E será que, entre nós, percebemos igualmente?

Somatossensorial:

Experimento 1. Em grupos de 3 pessoas, com um paquímetro será realizada a coleta

da distância mínima de dois pontos para que eles sejam percebidos separadamente. Para

isso, serão coletados dados no dedo indicador, médio, no braço, na perna e nas costas.

Inicia-se como o paquímetro fechado (distância zero) e vai aumentando o tamanho a cada 1

ou 2 mm até a pessoa relatar que percebe dois pontos de pressão separados. A distância

deverá ser anotada na tabela abaixo.

dedo

indicador

dedo

médio

polegar palma

da mão

braço perna costas

Abertura do

paquímetro

Neste experimento é necessária a compreensão de que há uma relação indireta entre a

densidade de receptores sensoriais presentes em uma região e o tamanho do campo

Page 89: Tópicos em Fisiologia Comparativa

88

receptor. Ou seja, quanto mais receptores de toque na pele, menores são os seus campos

receptivos e melhor será a percepção de dois pontos.

Gustatório e Olfatório:

Experimento 2. Voluntários terão que colocar um papel coberto com a substância

PTC e relatar o que sentiram.

Neste experimento poderemos observar a diferença na percepção gustativa entre cada

indivíduo. Temos que a presença de receptores gustativos para essa substância não ocorre

em todos os indivíduos. Isso nos leva a pensar que nossas percepções de algo não são

sempre as mesmas.

Experimento 3. Voluntários irão tomar suco de laranja com essência de abacaxi.

Com os olhos vendados terão que adivinhar qual é o suco sem sentir o cheiro e depois com

o cheiro.

Neste experimento podemos observar a influência de um sistema sensorial em outro.

O paladar e o olfato estão extremamente ligados. A percepção de que você está comendo

algo não depende simplesmente do paladar, temos o olfato o influenciando continuamente.

Audição e equilíbrio:

Experimento 4. Teste do local do som e percepção do som binaural.

Neste experimento observaremos quais outras informações, além da percepção

sonora, o sistema auditório pode processar. Por que existem duas orelhas externas se elas

são tão feias? É importante para nós ouvir um barulho, mas também é importante saber de

onde ele vem. Assim, a presença de 2 orelhas possibilita a recepção diferenciada do

estímulo sonoro e, assim, a localização da fonte sonora no plano horizontal.

Experimento 5. Um voluntário irá testar a percepção de movimento do corpo em

uma cadeira giratória. Com os olhos fechados e cabeça reta, ele relata se está girando e

para que lado.

Neste experimento podemos entender mais sobre como percebemos nossa posição na

Terra. Junto com a cóclea possuímos os três canais semicirculares importantes na

percepção da posição e velocidade da nossa cabeça. Dentro destes canais existe um

líquido, a endolinfa, e um receptor, os otólitos. Os otólitos possuem cílios que são

Page 90: Tópicos em Fisiologia Comparativa

89

estimulados pela movimentação da endolinfa. Assim, temos canais nas três posições

dimensionais que nos informam quando há movimentação em alguma dessas direções.

Visão:

Experimento 6. Movimentos oculares

Na retina há uma distribuição heterogênea dos dois tipos de receptores. No polo

posterior do globo ocular há uma região que contém somente cones e é denominada fóvea.

A fóvea é um local de grande acuidade visual, pois grande parte de seus receptores

realizam sinapses 1:1 com as células ganglionares o que possibilita um processamento

mais detalhado. Sendo assim, há sempre a tentativa de colocar a imagem a ser processada

nesta região por meio dos movimentos oculares. Por isso, iremos mostrar um desses

movimentos chamado de nistagmo vestíbulo-ocular, quando o movimento dos olhos tende

a compensar o movimento da cabeça.

Experimento 7. O ponto cego.

Neste experimento observaremos que algumas informações visuais colocadas em

nossa frente não são processadas. O ponto cego corresponde ao local do nervo óptico na

retina. Como neste local não há presença de receptores, não há processamento da

informação que cai neste ponto. Porém, normalmente, não vemos nenhum ponto preto à

nossa frente. Isso porque temos campos visuais sobrepondo-se, pois são processados pelos

dois olhos. E, mesmo fechando um olho, é difícil encontrar o ponto cego, pois há uma

tendência do processamento visual a completar a imagem processada que normalmente é

chamado de mecanismo de preenchimento.

Experimento 8. O castelo, a bandeira.

Neste experimento percebemos que nossos receptores passam por um processo de

habituação que pode acarretar na mudança de percepção de cor. Após a exposição

prolongada dos cones por alguns comprimentos de onda, temos que, quando nos é

apresentado algo branco, ou seja, que emita todos os comprimentos de onda, os cones

deixam de responder àquelas ondas apresentadas anteriormente e passam a responder

somente às outras ondas produzindo a percepção de outras cores.

Experimento 9. As ilusões da percepção visual.

Page 91: Tópicos em Fisiologia Comparativa

90

Diversas imagens serão apresentadas com o objetivo de mostrar que a percepção

visual é criativa e dinâmica, capaz de processar mais informações do que a simples

imagem bidimensional captada pela retina. Nossa percepção visual é capaz de reconhecer

objetos em diferentes luminosidades e posições, perceber movimentos, profundidade,

preencher informações omitidas. Para isso é necessária a participação da atenção, focando

nas informações que serão processadas, e da memória. Devido a essa capacidade da

percepção, as ilusões, “leituras equivocadas” das informações visuais, são possíveis.

Referências:

GAZZANIGA, M.S.; IVRY, R.B.; MANGUN, G.R. Neurociência cognitiva: a biologia da mente,

2 ed, Porto Alegre: Artmed, 2006.

LENT, R. Cem bilhões de neurônios, São Paulo: Editora Atheneu, 2001.

KANDEL, E.R.; SCHWARTZ, J.H.; JESSEL, T.M. Principles of neuroscience, 3rd ed., Elsevier

Science Publishing, 1991.

Page 92: Tópicos em Fisiologia Comparativa

91

Memória

Carolina de Souza Goulart [email protected]

O conceito de memória pode ser definido como um processo que abrange aquisição,

formação, conservação e evocação de informações, ou ainda como a capacidade de um

indivíduo de modificar seu comportamento com base em experiências anteriores

(XAVIER, 1993). Logo, do ponto de vista evolutivo, o aparecimento dessa capacidade

permitiu que os seres vivos se beneficiassem das experiências passadas para resolver

problemas no presente, tornando-os mais adaptáveis as situações, contribuindo para a sua

sobrevivência.

A lembrança de quando passamos no vestibular, primeira apresentação em público,

ou até mesmo habilidades motoras como andar de bicicleta, são alguns exemplos de como

o conjunto de memórias de cada um determina aquilo que nos torna indivíduos, modelando

nossa personalidade, permitindo inclusive, que façamos previsões sobre o futuro

(IZQUIERDO, 2011).

Todo esse acervo é composto por diferentes tipos memórias que variam conforme a

natureza da informação e o tempo de duração de cada uma delas. Estudos com animais e

humanos contribuíram para o entendimento desse comportamento. Gold e colaboradores

(1970) expuseram ratos a tarefa de esquiva1, e depois aplicaram choques eletroconvulsivos

em diferentes intervalos de tempos após o treinamento com o choque. No dia do teste

observaram que quanto menor o intervalo de tempo entre o treinamento e choque, menor é

o aprendizado, indicando que existe um processo dependente de tempo para a consolidação

da memória. Shoushoa (1985), através de um experimento elegante envolvendo peixes,

demonstrou que eles eram capazes de aprender a voltar para posição normal depois que

flutuadores eram colocados em suas nadadeiras (mantinha-os de ponta cabeça), e que esse

aprendizado era depende da produção de proteínas, atualmente conhecidas como moléculas

de adesão celular. Dentre os estudos com humanos, o mais marcante foi o do paciente

H.M, que sofria de epilepsia intratável, e foi submetido a uma cirurgia de retirada do lobo

temporal. De fato, a epilepsia foi curada, porém o paciente não conseguia formar memórias

1 A tarefa de esquiva consiste em colocar o animal em uma câmara clara, conectada a um lado

escuro através de uma porta de guilhotina, assim que o animal atravessar para o lado escuro, ele

leva um pequeno choque nas patas. 24 horas depois, os animais são submetidos a mesma situação,

só que nessa ocasião, só que sem o choque. O tempo que os animais demoram para passar para o

lado escuro indica o aprendizado.

Page 93: Tópicos em Fisiologia Comparativa

92

sobre os acontecimentos da sua vida (amnésia anterógrada), mas a capacidade de adquirir e

reter diversos tipos de informação, aprender habilidades motoras e cognitivas estavam

preservadas. Todos esses estudos sugeriram a existência de uma dupla dissociação no

sistema de memória.

Assim, a memória vem sendo classificada entre memória de curta duração (dura

segundos/minutos), de longa duração (duração de horas/meses/anos). Dentre as memória

de longa duração, temos as seguintes subdivisões:

1. Declarativas: Memórias que podem ser expressas verbalmente, envolvendo

principalmente regiões do lobo temporal.

i. Memórias semânticas: relacionadas a fatos de conhecimento geral, como

por exemplo a história do brasil.

ii. Memórias episódicas: envolvem eventos autobiográficos, como por

exemplo a lembrança de uma festa de aniversário.

2. Implícitas: Aquelas que não podem ser descritas verbalmente, isto é, são memórias

de “saber como” realizar determinada tarefa e necessitam principalmente da

ativação de estriado, cerebelo e amígdala.

i. Memórias de Procedimento: hábitos e habilidades

ii. Memórias associativas: quando existe a associação de dois estímulos ou

quando um estímulo é associado a uma resposta

iii. Memórias não associativas: quando existe uma exacerbação ou atenuação

de uma resposta, em decorrência a repetição de um estímulo

Existe ainda outro tipo de memória (antigamente enquadrada nas memórias de curta

duração), que é a memória operacional. Essa memória envolve o armazenamento e

manipulação temporária de informação(ões) com o objetivo de resolver tarefas cognitivas

complexas (BADDELEY, 1992).

A formação dessas memórias depende de um mecanismo sofisticado que envolve

desde as informações que chegam receptores sensoriais, que são transduzidas em sinais

elétricos e enviadas ao sistema nervoso central até a seleção e associação dos mesmos para

a formação da memória.

O hipocampo é uma estrutura do lobo temporal que recebe projeções de diversas vias

sensoriais através de vias secundárias, sendo então, responsável por fazer essa seleção,

Page 94: Tópicos em Fisiologia Comparativa

93

sendo capaz de distinguir e fazer combinações de estímulos além de compará-los com

memórias preexistentes, armazenadas no cérebro.

O processo de consolidação é modulável, isto é, depende do estado de alerta e da

carga emocional no momento da aquisição, ou da repetição da informação. Para esse

processo ocorrer, o estímulo deve ser capaz de induzir mudanças estruturais nas sinapses.

O potencial de longa duração ou LTP (do inglês long term potential) envolve uma cascata

bioquímica que proporciona um aumento de locais onde as vesículas sinápticas liberam

seus neurotransmissores, aumento da quantidade de vesículas, o brotamento de espinhos

dendríticos, e por fim a necessidade de nova síntese de mRNA e proteínas. O LTP parece

ser grande responsável no processo de formação de memórias, por várias razões: 1) ocorre

justamente nas vias hipocampais; 2) pode ser induzido rapidamente; 3) uma vez induzida, é

estável por horas ou dias.

Depois de formadas, essas memórias podem ser evocadas a qualquer momento, e até

mesmo esquecidas, de acordo com a necessidade.

Referências:

BADDELEY, A. Working Memory. Science, v. 255, n. ii, 1992.

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XAVIER, G. F. A Modularidade da Memória e o Sistema Nervoso.pdf. Psicologia USP, v. 4(1/2),

p. 61-115, 1993.

Page 95: Tópicos em Fisiologia Comparativa

94

Atenção

Diego de Carvalho [email protected]

Leopoldo Barletta [email protected]

“Todos sabem o que é atenção. É tomar posse da mente, de forma clara e vívida,

de um dos muitos que parecem ser os objetos e linhas de pensamento simultaneamente

possíveis...”. Essa interessante citação de William James de 1890 em sua obra

“Principles of Psychology” carrega uma boa definição do que é atenção. Na verdade,

James observou características do fenômeno da atenção que só foram colocadas sob

investigação mais recentemente. Com esta citação ele coloca que o sistema nervoso

humano possui capacidade limitada em processar todos os estímulos sensoriais

apresentados no ambiente e através de um mecanismo atencional pode-se filtrar os

estímulos julgados mais relevantes. Além disso, a frase de James evoca ao

direcionamento da atenção que pode ser voluntária.

Em outras palavras, atenção pode ser definida como a atividade neural que facilita

o processamento de determinada informação selecionada e inibe o processamento de

informações concorrentes. Tais informações não são necessariamente estímulos

sensoriais. Pode-se focar a atenção em alguma memória ou linha de pensamento. Não é

incomum fatos em que, em uma conversa, não “ouvimos” o interlocutor, pois estamos

imersos em nossos próprios pensamentos. É indubitável que a voz do interlocutor chegou

às vias auditivas, no entanto, como se tratava de informação concorrente, foi filtrada por

um mecanismo atencional. Apesar de existir toda uma gama de possibilidade e

modalidades atencionais, os estudos sobre a neurobiologia da atenção têm se focado

principalmente em mecanismos de atenção visual.

Outro aspecto importante a se ressaltar sobre a seletividade do processamento da

informação pelo sistema nervoso versa sobre a sua orientação da atenção ao estímulo.

Imagine-se novamente em uma palestra interessante com sua atenção totalmente focada

no palestrante. Sem aviso uma janela da sala se fecha pela ação do vento causando

grande barulho. É quase inevitável que sua atenção não seja capturada por este evento

inesperado. Quando o estímulo ambiental é surpreendente ou é muito diferente do

padrão ao qual está inserido a atenção do sujeito é captada automaticamente em

direção ao estímulo, portanto, diz-se que sua orientação da atenção é automática ou

exógena. Neste caso não há esforço para atender ao estímulo, a atenção do sujeito é

captada antes mesmo de se ter consciência do direcionamento atencional.

Page 96: Tópicos em Fisiologia Comparativa

95

Entretanto, não é apenas o estímulo que define a orientação da atenção. O

direcionamento atencional pode ser realizado por vontade do sujeito. Isto é,

conscientemente direciona-se o foco atencional baseado na expectativa do estímulo que

está por vir. Neste caso a orientação da atenção é voluntária ou endógena.

Diferentemente dos processos automáticos, que não requerem controle ativo do sujeito,

os processos voluntários requerem recursos de processamento ativos; esse é um dos

motivos que torna difícil a realização de duas tarefas ao mesmo tempo. O direcionamento

da atenção pode vir acompanhado ainda de atividade motora em direção ao estímulo

(movimentação dos olhos, flexão do corpo, movimento de cabeça, etc.), ou seja,

orientação manifesta da atenção. Quando não há esse componente motor a orientação

da atenção ocorre de maneira encoberta.

Posner (1980) propôs uma tarefa visual para humanos em que o voluntário tinha

sua cabeça imobilizada e era instruído a manter o olhar fixado em um ponto na tela de

um computador a sua frente. Era então solicitado ao sujeito pressionar um botão o mais

rápido possível quando surgisse determinado estímulo na tela, denominado alvo. Os

voluntários eram também instruídos que a localização mais provável do alvo é indicada

por uma pista antecedente. A pista pode indicar verdadeiramente o local do aparecimento

do alvo, sendo, portanto, uma pista válida. Quando a pista não sinaliza qualquer

probabilidade de aparecimento do lado correto do alvo é denominada pista neutra e

quando a pista sinaliza a posição incorreta do surgimento do alvo é chamada pista

inválida. O experimento pode variar as condições de validade da pista ao longo do teste.

Quando a pista sinaliza a maioria das vezes corretamente o surgimento do alvo (por

exemplo, 80% das vezes), então, o voluntário aprende a utilizar a pista para responder à

localização do alvo. Com efeito, o desempenho do voluntário é melhor. Em casos que a

pista indica apenas 50% das vezes a localização correta, portanto, pista neutra; o

voluntário não utiliza a informação da pista e responde mais lentamente ao alvo do que

quando a pista é válida. Em outra situação, a pista mais comum é inválida. Neste caso o

voluntário tem desempenho prejudicado em relação às outras duas condições. Este efeito

de melhora em decorrência da confiabilidade da pista é chamado de efeito de validade.

O grande valor da tarefa de Posner está na tentativa de dissociar os elementos motores

da resposta atencional, uma vez que os olhos e cabeça dos voluntários permanecem

parados o que força o sujeito a utilizar a orientação encoberta da atenção.

Os testes psicofísicos em laboratório são ferramentas importantes para elucidar os

mecanismos da fenomenologia da atenção. Entretanto, eles não são capazes sozinhos

de informar sobre os substratos neurais envolvidos neste fenômeno. Muito do que se

sabe da neurobiologia da atenção advém de testes com pacientes com lesões em

regiões específicas do encéfalo, uso de técnicas de imageamento e uso de animais de

experimento. Entretanto, testes de atenção utilizando animais são técnicas mais recentes

Page 97: Tópicos em Fisiologia Comparativa

96

e esbarram em algumas dificuldades e limitações, como a linguagem (não se consegue

dar ordens verbais aos animais) e possíveis diferenças nos mecanismos de atenção

entre as diferentes espécies.

Na atenção para estímulos visuais admite-se a participação de pelo menos 3

regiões neurais distintas: o córtex parietal posterior, o mesencéfalo (colículos superiores)

e o tálamo (núcleo pulvinar). Essas diferentes estruturas apresentariam funções

diferentes ao longo da dinâmica atencional.

Pacientes acometidos de lesão unilateral no córtex parietal apresentam

frequentemente síndrome de negligência, em que o sujeito possui falhas na percepção de

objetos ou estímulos na região contralateral à lesão. É importante ressaltar que a visão

do paciente é normal, porém, há uma falha de processamento daquele hemicampo

visual. Ademais, pacientes com este tipo de síndrome podem ser instruídos a prestar

atenção ao lado negligenciado. Em teste com pistas e alvos do paradigma de Posner, os

pacientes respondiam rapidamente quando a pista era válida, porém, apresentada do

lado negligenciado. Entretanto, se a pista apontava para o lado não-negligenciado e o

alvo, por sua vez, aparecia no lado negligenciado, estes sujeitos exibiam um prejuízo

severo no tempo de reação.

As informações obtidas com os experimentos realizados no campo de estudo da

fenomenologia da atenção tem mostrado que este processo não é um evento único.

Certamente envolve o funcionamento concomitante de múltiplos eventos neurais que

permitem ao sujeito interagir de forma bem sucedida com o ambiente.

Portanto, a atenção pode ser considerada um processo cognitivo complexo e de

suma importância adaptativa, o qual exerce e sofre influência de outros processos

cognitivos básicos, por exemplo, a formação de um percepto é extremamente

dependente do ponto em que foca-se a atenção (ver sessão de percepção deste

capítulo). Ademais, no modelo teórico de memória operacional proposto por Baddeley, tal

processo teria uma central executiva que é coordenada pelo sistema atencional

supervisor, portanto, a relação entre memória operacional e atenção seria extremamente

íntima (ver Helene e Xavier, 2003). Estes exemplos demonstram que é tarefa difícil

dissociar os processos cognitivos entre eles e avaliá-los isoladamente. De fato, é difícil

imaginar uma tarefa que permita o isolamento completo e total de um ou outro processo.

Talvez por isso a definição dos substratos neurais da atenção ainda não é clara e

inconteste. Porém, estudos de imageamento e aprimoramento de estudos com animais

têm caminhado nesse sentido.

Page 98: Tópicos em Fisiologia Comparativa

97

Neurogênese adulta

Lívia Clemente Motta Teixeira

[email protected]

A neurogênese no sistema nervoso de mamíferos foi, durante muitos anos,

considerada um fenômeno restrito ao início do desenvolvimento encefálico. Entretanto,

contrariamente a esse dogma, pesquisas realizadas nas últimas décadas estabeleceram que

o encéfalo adulto possui células progenitoras indiferenciadas capazes de gerar novos

neurônios.

O termo neurogênese pós-natal refere-se ao processo que envolve a proliferação,

sobrevivência, migração e diferenciação de células progenitoras ou tronco-neurais (Figura

1) sendo cada uma dessas etapas passíveis de identificação por marcadores específicos e

características de desenvolvimento (CHRISTIE; CAMERON, 2006; KEMPERMANN et

al., 2004; PIATTI et al., 2006; SERI et al., 2004; VON BOHLEN; HALBACH, 2007).

Em mamíferos adultos, a neurogênese ocorre primariamente em pelo menos duas

regiões do cérebro, no sistema olfativo e no hipocampo. Embora existam evidências de

produção de novos neurônios em outras áreas do encéfalo adulto, incluindo o neocortéx

(GOULD et al., 1999; DAYER et al., 2005), estriado, amígdala e hipotálamo (FOWLER et

al., 2002), há controvérsias sobre sua real existência (EHNINGER; KEMPERMANN,

2003). No sistema olfativo, as células precursoras localizam-se na porção anterior da zona

subventricular na parede dos ventrículos laterais (ZSV), de onde migram através da via de

migração rostral (do inglês- rostral migratory stream ou RMS) até o bulbo olfatório onde

são incorporadas (RAMIREZ-AMAYA et al., 2006). Na região hipocampal, as células

progenitoras encontram-se na zona subgranular do giro denteado (ZSG), local em que

iniciam sua diferenciação e de onde, ao longo da primeira semana, migram para a camada

granular onde passam pelo processo de maturação dando origem as células granulares

propriamente ditas, com sinapses funcionais (GAGE, 2002; KEMPERMANN et al., 2004;

SERI et al., 2004; DUAN et al., 2008; DENG et al., 2010).

Imagens

São gerados cerca de 9000 novos neurônios por dia no giro denteado de roedores, o

que contribuiria para a adição de aproximadamente 3,3% neurônios por mês na população

de células granulares (CAMERON et al., 2001). Entretanto, esse número parece declinar

com a idade (CAMERON; MCKAY, 1999).

Page 99: Tópicos em Fisiologia Comparativa

98

A frequência com que as células progenitoras originam novos neurônios, bem como

os processos de proliferação, diferenciação, maturação e sobrevivência são modulados por

uma imensa gama de fatores, tais como exercício voluntário (VAN PRAAG et al., 1999;

VAN PRAAG et al., 2005), enriquecimento ambiental (KEMPERMANN et al., 1997;),

idade (KUHN et al., 1996), fatores de crescimento como BDNF (Brain-derived neurotropic

fator) (ZIGOVA et al., 1998) e IGF-1 (insulin growth factor 1) (ABERG at al., 2000),

níveis de certos neurotransmissores como serotonina (MALBERG et al., 2000), e agentes

farmacológicos como antidepressivos (DUMAN, 2004; DAVID et al., 2009).

A função desses novos neurônios no encéfalo adulto é um tópico em intensa

investigação e discussão. É frequentemente assumido que esses novos neurônios exercem

apoio às funções das regiões nervosas em que se desenvolvem. Acredita-se, portanto, que

quando produzidos no hipocampo adulto esse novos neurônios teriam um papel central na

regulação da função cognitiva e emocional, sendo sua integridade necessária para o

aprendizado e processamento de memória. Modificações permanentes na expressão de

genes codificam memórias de longo prazo, de tal forma que a aquisição destas memórias

seria uma etapa final e irreversível da diferenciação celular. Se assim for, então o neurônio

inteiro, não apenas a sinapse, é a unidade de aprendizagem e o número de neurônios

disponível para o armazenamento de novas memórias de longo prazo seria inversamente

relacionado com o número de memórias previamente adquiridas. Nesse contexto, a

incorporação de novos neurônios corresponderia a um mecanismo de expansão da

capacidade de armazenamento de informações no encéfalo adulto.

A restrição ao desenvolvimento de novos neurônios tem um impacto negativo sobre

aspectos distintos da função hipocampal. Por exemplo, redução ou bloqueio da

neurogênese prejudica o desempenho de várias formas de aprendizado e memória

dependentes do hipocampo (CLELLAND et al., 2009; DUPRET et al., 2008; GARTHE et

al., 2009; HERNANDEZ-RABAZA et al., 2009; JESSEBERG et al., 2009 ; IMAYOSHI et

al., 2008; SAXE et al., 2006; SHORS et al., 2001). Entretanto, há relatos de que o bloqueio

da neurogênese não tem qualquer impacto sobre a aprendizagem (MESHI et al., 2006;

SHORS et al., 2002; LEUNER et al., 2006; SAXE et al., 2007; JAHOLKOWSKI et al.,

2009).

Por outro lado, condições que aumentam a neurogênese, como enriquecimento

ambiental e atividade física, tendem a melhorar o desempenho em tarefas dependentes do

hipocampo, como o labirinto aquático de Morris e a tarefa de medo condicionado ao

contexto (KEMPERMANN et al., 1997; GOBBO; O´MARA, 2004; VAN PRAAG et al.,

1999, 2005; RHODES et al., 2008). O aprendizado de tarefas dependentes do hipocampo

Page 100: Tópicos em Fisiologia Comparativa

99

também parece contribuir para o aumento da neurogênese e da sobrevivência desses novos

neurônios (AMBROGINI et al., 2000; DÖBRÖSSY et al., 2003; DUPRET et al., 2007;

GOULD et al., 1999; HAIRSTON et al., 2005; LEMAIRE et al., 2000; LEUNER et al.,

2006; OLARIU et al., 2005), enquanto aprendizagem de tarefas independentes do

hipocampo não alterariam o número de novos neurônios (GOULD et al.,1999; VAN DER

BORGHT et al., 2005).

A neurogênese adulta foi sugerida pela primeira vez para a comunidade científica a

40 anos, desde que foi devidamente reconhecida, muito progresso tem sido feito no

entendimento de sua regulação e suas funções. Esses estudos são necessários para que

possamos buscar o próximo estágio de pesquisa: o manejo terapêutico desse fenômeno.

Há um grande interesse na possibilidade de uma terapia de reposição neuronal em

casos de danos cerebrais ou doenças neurogenerativas como Alzheimer, no entanto, muito

ainda deve ser estudado para que possamos algum dia usar esse conhecimento em nosso

benefício.

Page 101: Tópicos em Fisiologia Comparativa

100

Referências:

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Page 103: Tópicos em Fisiologia Comparativa

102

Neurobiologia das emoções

Antonio Jaeger

Emoções consistem em estados mentais associados a estados fisiológicos e comportamentais

gerados por eventos significativos para o indivíduo. Desta forma, raiva, medo, ódio, alegria e

tristeza são exemplos de estados emocionais. Embora a experiência de emoções seja um aspecto

inerente a todas experiências vivenciadas por seres humanos, é um fenômeno que começou a ser

estudado sistematicamente há pouco tempo.

Um pioneiro no estudo das emoções foi o filósofo William James, que em 1884 publicou o

artigo intitulado O que é emoção? Para este autor, emoções são fruto da experiência fisiológica

eliciada por situações específicas. Por exemplo, ao nos defrontarmos com uma serpente numa mata

apresentamos uma resposta de fuga, que é acompanhada por diversas alterações fisiológicas tal

como aumento da pressão sanguínea e dos batimentos cardíacos, contração de diferentes músculos,

aumento da sudorese, etc. Para James, essas sensações são as emoções. Se essas sensações

pudessem ser eliminadas, as emoções não ocorreriam. Isto é, segundo James, sentimos medo

porque fugimos e não fugimos porque sentimos medo. A teoria de James ganhou destaque até

meados de 1920, quando foi questionada pelos estudos do fisiologista Walter Cannon. Cannon

sugeriu que as reações fisiológicas resultantes de emoções distintas podiam ser as mesmas. Por

exemplo, alterações fisiológicas como aumento dos batimentos cardíacos e da sudorese e inibição

da digestão estão presentes tanto num estado de medo quanto num estado de raiva. Portanto, se a

teoria de James estivesse correta, duas emoções diferentes não poderiam estar associadas às

mesmas reações fisiológicas.

Com o surgimento do pensamento behaviorista, por volta de 1910, o estudo da mente e, por

conseguinte, o estudo das emoções, começou a ser considerado como não científico. Segundo

autores desta corrente teórica, emoção é um tópico obscuro que deveria ser rejeitado pela

comunidade científica. Por volta de 1950, entretanto, a revolução cognitivista retomou a concepção

de mente e surgiu assim a ciência da cognição. Estudos sobre os mecanismos das emoções foram

então retomados. Pesquisadores como Magda Arnold, Caroll Izard, Jaak Panksepp, Paul Ekman,

Jeffrey Gray, Antonio Damasio, Richard Davidson, Edmund Rolls, entre outros contribuíram e têm

contribuído com formulações teóricas sobre os mecanismos das emoções, embora a questão central

levantada por William James, o que é a emoção?, ainda não possua uma resposta consensual.

Embora o behaviorismo não tenha se dedicado intencionalmente ao estudo das emoções,

abordagens experimentais importantíssimas para o estudo deste fenômeno foram desenvolvidas

dentro desta tradição de pesquisa, como por exemplo, o condicionamento reflexo (também

conhecido como condicionamento clássico ou pavloviano). Este tipo de condicionamento ocorre

quando um estímulo neutro (e.g., o toque de uma campainha) precede um estímulo que gera

Page 104: Tópicos em Fisiologia Comparativa

103

determinadas reações fisiológicas (e.g., porção de carne elicia salivação em cães). Uma vez que

esta associação ocorre algumas vezes, em ocasiões posteriores, a apresentação isolada do estímulo

neutro, o qual passa a ser chamado de estímulo condicionado, irá eliciar as reações fisiológicas em

questão (e.g., o toque da campainha irá eliciar salivação nos cães).

Este tipo de abordagem experimental tem sido amplamente utilizada pela neurociência até os

dias de hoje. Sua investigação se faz comumente através do procedimento de condicionamento

aversivo. Nesta situação, a apresentação de um estímulo inicialmente neutro, como por exemplo

um estímulo sonoro, é pareado algumas vezes a um evento aversivo, geralmente um choque nas

patas do animal. O som passa a eliciar respostas que tipicamente ocorrem na presença de perigo,

como comportamentos defensivos (e.g., respostas de congelamento), respostas autonômicas (e.g.,

mudança de pressão arterial e batimentos cardíacos), respostas neuroendócrinas (e.g., liberação de

hormônios das glândulas adrenais e da pituitária), entre outras. Em geral, toma-se a resposta de

congelamento (ou “freezing”) como medida de medo condicionado em roedores.

No que se refere mais especificamente as estruturas neurais envolvidas no processamento

das emoções, em 1878 o neurologista Paul Broca cunhou o termo “lobo límbico” para um conjunto

de estruturas nervosas localizadas ao redor do corpo caloso, incluindo o córtex cingulado, o córtex

na superfície medial do lobo temporal e o hipocampo. No século seguinte, em 1937, o neurologista

James Papez propôs que as emoções seriam processadas por uma rede de circuitos neurais no

cérebro que incluía o hipotálamo, o tálamo anterior, o córtex cingulado e o hipocampo (Papez,

1995). Para Papez, a experiência emocional seria determinada pela atividade do córtex cingulado, e

a expressão emocional pelo hipotálamo. Papez propôs que o córtex cingulado e o hipotálamo

manteriam conexões bidirecionais indiretas entre si através do hipocampo e do tálamo anterior, de

modo que a experiência emocional e a expressão emocional se relacionariam.

No início da década de 1950, o fisiologista Paul MacLean referiu-se ao circuito proposto por

Papez como “circuito de Papez” e adicionou a ele a amígdala, o córtex orbitofrontal e parte dos

núcleos da base propondo um sistema mais ampliado responsável pelas emoções no cérebro, que

denominou “sistema límbico”, valendo-se do termo inicialmente empregado por Broca. O conceito

de sistema límbico como a parte emocional do cérebro foi amplamente difundido e apesar da sua

inconsistência, não é difícil nos depararmos com esse termo até os dias atuais. Fortes evidências

mostram o envolvimento de algumas estruturas do sistema límbico em processamentos de ordem

emocional, como a amígdala e o hipotálamo. Por outro lado, pesquisas atuais têm mostrado que

outras estruturas do sistema límbico não desempenham papel importante neste tipo de

processamento, como por exemplo, o hipocampo. Ademais, a ideia de um sistema único

responsável pelas emoções no cérebro tem se mostrado inconsistente. Diferentemente, parece que

diferentes circuitos neurais amplamente distribuídos no sistema nervoso estão envolvidos com

diferentes situações emocionais ou aspectos do processamento emocional.

Historicamente, entretanto, algumas estruturas do sistema nervoso têm sido fortemente

relacionadas às emoções. A amígdala, por exemplo, foi sugerida como tendo um envolvimento na

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produção de comportamentos emocionais a partir das observações de Klüver e Bucy. Estes autores

mostraram que a ablação bilateral das porções anteriores do lobo temporal de macacos produziu um

conjunto de comportamentos, denominado síndrome de Klüver-Bucy, cuja característica principal

era o que os pesquisadores chamaram de cegueira psíquica, que compreendia a aparente perda da

reação emocional a estímulos sensoriais, principalmente os visuais. Isto é, os animais podiam ver

perfeitamente, mas os objetos pareciam ter perdido o seu significado “psicológico”; por exemplo,

os macacos lesados levavam à boca objetos não comestíveis, tentavam copular com indivíduos de

outras espécies, e perdiam o medo por cobras e pessoas.

Mais tarde, outros estudos tentaram determinar quais regiões específicas do lobo temporal

tinham maior relevância na síndrome, e nesse sentido, o trabalho de Weiskrantz (1956) foi

marcante por demonstrar que a ablação bilateral da amígdala em macacos levou a uma série de

mudanças comportamentais que incluía mansidão, perda de responsividade emocional, exame

excessivo de objetos, consumo de itens alimentares previamente rejeitados e aproximação de

objetos previamente relacionados ao medo, que em muito se assemelhavam aos comportamentos

observados por Klüver e Bucy. Weiskrantz também reportou que a ablação bilateral da amígdala

em macacos resultou em prejuízo na aprendizagem da tarefa de esquiva ativa, em que o animal

deve produzir uma resposta operante (de esquiva) na presença de um estímulo que sinaliza a

pendência de um choque.

Baseado nessas e em outras observações, Weiskrantz foi um dos primeiros a sugerir que a

amígdala seria fundamental para que as representações de estímulos preditivos fossem associadas

às propriedades afetivas de estímulos biologicamente significativos – ideia que é sustentada até

hoje por numerosas evidências. Mais tarde, Jones e Mishkin sugeriram que muitos dos sintomas da

síndrome de Klüver-Bucy seriam decorrentes do prejuízo neste tipo de aprendizagem (ver Rolls,

2005).

Consistentes com esses achados e com essa interpretação estão os relatos do envolvimento

da amígdala no medo condicionado (descrito acima), onde um estímulo (e.g., um som) prediz a

ocorrência de um estímulo aversivo (e.g. um choque). Humanos e animais não-humanos com danos

na amígdala não aprendem a apresentar medo diante do estímulo condicionado, diferente de

indivíduos sem danos na amígdala (ver Phelps 2004). Do ponto de vista hodológico, a amígdala

encontra-se em condições de associar representações sensoriais de um dado estímulo com as

propriedades afetivas de um estímulo significativo. Depois de processadas e associadas na

amígdala, essas informações podem modificar respostas autonômicas, endócrinas, somáticas e

comportamentais por meio das diferentes áreas de projeção da amígdala.

Em suma, o estudo das emoções e das bases neurais subjacentes as mesmas é um tema de

grande relevância pra a neurociência atual. Tanto no que se refere a interação das emoções com

outros processos cognitivos, como memória e atenção, como para que indivíduos acometidos por

enfermidades de ordem emocional possam ser tratados de modo mais eficiente. Estes e outros

aspectos referentes ao estudo das emoções serão discutidos na presente aula.

Page 106: Tópicos em Fisiologia Comparativa

105

Referências:

PAPEZ, J.W. A proposed mechanism of emotion. 1937. Journal of Neuropsychiatry clinical

neuroscience, v. 7, p. 103-112, 1995.

PHELPS, E.A. Human emotion and memory: interactions of the amygdala and hippocampal

complex. Current Opinion in Neurobiology, v. 14, p. 198-202, 2004.

ROLLS, E.T. Emotion Explained. Oxford University Press: Oxford, UK, 2005.

WEIZKRANTZ, L. . Behavioral changes associated with ablation of the amygdaloid complex in

monkeys. Journal of Comparative Physiology and Psychology, v. 49, p. 381-391, 1956.

Page 107: Tópicos em Fisiologia Comparativa

106

Linguagem e gesto

Charles Desena Pereira [email protected]

A fala e a escrita são exclusivas ao homem. Modelos dos mecanismos cerebrais da

linguagem foram propostos sobretudo a partir de dados de pacientes com distúrbios da fala

e da compreensão por lesões de áreas cerebrais. A reunião dessas áreas comporia o sistema

linguístico.

Assim como outras funções cerebrais, a linguagem também é lateralizada. Na

maioria dos seres humanos, as áreas cerebrais recrutadas para o processamento da

linguagem encontram-se majoritariamente no hemisféiro esquerdo. Foi o neurologista

Pierre-Paul Broca (1824-1880) quem surpreendeu a comunidade científica ao afirmar

acertadamente a lateralização da função da fala e ao localizar sua articulação no hemisfério

esquerdo. Os dois hemisférios, entretanto, se comunicam por fibras nervosas, as

comissuras, que unem e coordenam as funções cerebrais lateralizadas.

Além de ser a função mais lateralizada no cérebro humano, a linguagem possui

característica rara se comparada a oturas formas de comunicação animal: pode sofrer

adaptação e mudança dentro de um período crítico do desenvolvimento. Além do homem,

essa capacidade de aprendizagem por influência do ambiente é verificada em cetáceos,

talvez morcegos e três ordens de aves (pássaros canoros, papagaios e beija-flores).

Na tentativa de se saber o quanto dessa capacidade de aprendizagem é determinada

por genes e o quanto seria modificada pelo ambiente, pesquisas levaram à descoberta de

um gene (foxP2) existente em animais e em seres humanos, cuja inativação ou mutação

traria prejuízo para a aprendizagem do canto em pássaros canoros e para a linguagem em

seres humanos.

Com técnicas modernas de imageamento funcional do sistema nervoso,

neurocientistas avançaram muito no mapeamento da linguagem no cérebro. Hoje é possível

falar em redes neurais localizadas no cérebro responsáveis pelo reconhecimento e

nomeação de animais, pessoas, cores, plantas, instrumentos etc. Os psiconlinguístas têm

realizado trabalho complementar ao dos neurolinguistas, estudando o desempenho

linguístico e a lógica interna da linguagem e os mecanismos psicológicos subjacentes.

Sabe-se hoje também sobre fases e suas respectivas áreas do processamento

linguístico: a conceitualização, ou macroplanejamento da mensagem (busca ao léxicon); a

formulação, ou microplanejamento dos fonemas e regras gramaticais; a articulação,

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planejamento da sequência de movimentos necessários à emissão da voz e o o envio de

comandos para núcleos motores do tronco encefálico.

Para além do hemisfério esquerdo, há atividades neurais que compõem o sistema

linguístico com conteúdo emocional, nuances capazes de modular e mesmo modificar o

sentido de frases. A esse conjunto de componentes de conteúdo emocional chamamos

prosódia. Dele participam a voz, a mímica facial, a gesticulação corporal. Apesar de não

totalmente localizada, sabe-se, por pacientes com lesões cerebrais que apresentam

aprosódia (pacientes incapazes de expressar e/ou compreender as modulações de conteúdo

emocional), que áreas ativas da prosódia pertencem, na maioria dos humanos, ao

hemisfério direito.

Os distúrbios da fala ficaram conhecidos na literatura médica como afasia, termo

criado por Sigmund Freud (1856-1939) que remete a distúrbios da linguagem devidos a

lesões nas regiões realmente envolvidas com o processmento linguístico.

No que diz respeito à língua escrita, o registro da movimentação ocular durante as

fixações e sacadas na varredura da leitura tem fornecido dados importantes sobre o

processamento da linguagem. Associando métodos de imageamento funcional com

técnicas eletrofisiológicas ao estudar realizações linguísticas simples, o grupo de pesquisa

do neurofisiologista Michael Posner chegou a estabelecer uma sequência temporal para o

processamento linguístico realizado nas diversas áreas cerebrais. De acordo com os

resultados obtidos, menos de 100 ms após a fixação ocular da palavra ocorre a ativação de

V1; entre 100 e 200 ms ocorre a identificação da forma dos grafemas e das palavras no

córtex associativo visual, bem como a focalização da atenção para as computações

subsequentes (córtex cingulado anterior). A ativação da porção anterior da área de Broca

implica em análise sintática da leitura, e subsequentemente o início da elaboração do

programa motor para vocalização da palavra lida (porção posterior da área de Broca). Entre

200 e 300 ms após fixação ocorreria a interpretação semantica e fonológica da palavra

(área de Wernicke), e logo a seguir os olhos se movem em nova sacada para a palavra

seguinte. A interpretação do sentido das frases ocorreria bem mais tarde. Distúrbios

relacionados à incapacidade de ler são chamados alexia; distúrbios relacionados à perda da

capacidade de associar grafemas com fonemas, dislexia.

Estudos recentes em neurociências que adotam uma abordagem incorporada da

cognição humana enfatizam a capacidade do corpo em moldar a percepção, a cognição e a

própria consciência. Nessa perspectiva os mescanismos cognitivos extrapolariam os limites

do sistema nervoso, e a cognição seria compreendida como um processo distribuído entre o

cérebro, o corpo e o mundo exterior. Dentro dessa abordagem, muitos pesquisadores têm

Page 109: Tópicos em Fisiologia Comparativa

108

se dedicado ao estudo dos gestos como acesso direto aos mecanismos cognitivos da

linguagem. Há evidências de que os gestos, muito mais do que expresssão de intenções

comunicativas, são recursos do mecanismo cognitivo mobilizados na elaboração do

pensamento. Enquanto que a fala é linear e consciente, os gestos podem transmitir várias

informações de uma só vez e, sendo boa parte espontânea e inconsciente, dão acesso a

formulações não necessariamente consistentes com as crenças e relações lógicas dos

mecanismos conscientes do individúo. Por meio do estudo da gesticulação é possível, por

exemplo, flagrar momentos de transição entre estados de conhecimento no processo de

ensino-aprendizagem de crianças. Esses momentos críticos, em que as crianças produzem

incompatibilidades entre gesto e fala ao manifestarem a articulação de duas ideias acerca

de um mesmo problema, predizem instabilidade cognitiva, com risco de aprendizagem ou

regresso em função de receberem ou não instrução.

Outros estudos sugerem que a gesticulação diminui a carga cognitiva; ao mobilizar

recursos cognitivos por gesticulação, o sujeito estaria economizando esforço cognitivo que

poderia então ser utilizado de outra forma, assim como o uso de projetores para uma aula

expositiva ou papel e lápis para a resolução de uma equação matemática. Ao gesticular, o

falante estaria transferindo recursos de armazenamento verbal para um armazenamento

visuo-espacial. Gesto e fala colaborariam assim para o mesmo sistema integrado de

significação.

Estudos sobre a gesticulação no ensino-aprendizagem de língua estrangeira

demonstram que o uso de recursos sensório-motores enriquecem e fortalecem o traço

mnemônico na aquisição de vocabulário, facilitando sua codificação e evocação.

Referências:

LENT, R. Cem bilhões de neurônios. Editora Atheneu. 2004.

CLARK, A. Supersizing the Mind: Embodiment, Action, and Cognitive Extension. Oxford University Press. 2008.

GOLDIN-MEADOW, S. How our hands help us learn. Trends in Cognitive Science. 2005.

MCNEILl, D. Gesture and Thought. University of Chicago Press. 2005.

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109

Neurociência e Educação

Diego de Carvalho

[email protected]

Leopoldo Barletta

[email protected]

James Heckman, ganhador do prêmio Nobel de economia em 2000, recebeu o

prêmio por trabalhos relacionados à quantificação e avaliação precisa de projetos sociais e

educacionais. Heckman postula que, para o novo modelo de profissional exigido para o

mercado de trabalho, a escola deve trabalhar com as habilidades dos alunos, as quais ele

chama de “Soft Skills”. Estas habilidades devem ser trabalhadas desde os primeiros anos

de vida, para gerar economia de até 60% de recursos financeiros e, sobretudo, potencializar

a aprendizagem destas habilidades.

Para o Nobel a escola deveria trabalhar dois tipos de habilidades básicas: as

cognitivas e não-cognitivas. O conhecimento padrão se enquadraria nas habilidades, ditas

por ele, cognitivas enquanto o auto-controle, motivação e comportamento social seriam

“não-cognitivas”.

Mas Heckman, neste caso, comete uma imprecisão conceitual. Não seriam estas

habilidades as quais ele chama de não-cognitivas meramente cognitivas?

Esses tipos de imprecisões são recorrentes no meio da ciência educacional. Sir Ken

Robinson, um reconhecido autor e pesquisador da área educacional, cita que as escolas,

como pensadas hoje, destroem a criatividade humana que seria inata. A escola deveria

desenvolver esse lado, ao qual ele também chama de “não-cognitivo”, para adaptar o

indivíduo a nova realidade de trabalho do mundo. Pois bem, fatores como: criatividade,

musicalidade, inovação, liderança, pró-atividade e outras características que

frequentemente não são atribuídas ao funcionamento do cérebro e carecem de “emoção”,

“feeling” e coisas do gênero, são sim, fruto do funcionamento de nossas células neurais se

comunicando entre elas e realizando uma atividade que gerará uma ação qualquer. Isto é,

todos os nossos comportamentos são fruto de atividades neurais. Claro, aqui não queremos

dessensibilizar a emoção ou menosprezar aquele momento que antecede uma grande ideia

e o individuo que a teve. Somente pretendemos, a fim de tornar claro (e didático) nossos

objetivos, demonstrar que somos o que somos pelo fruto de um sistema biológico que é o

sistema nervoso.

Page 111: Tópicos em Fisiologia Comparativa

110

Mas voltemos, brevemente, às mudanças do método educacional propostas por

Heckman, por Robinson e diversos outros estudiosos da educação.

Quando se pensa em funções cognitivas que influenciam diretamente os processos

educacionais, os processos mais lembrados, certamente, são os de memória e

aprendizagem. No entanto, diferentes aspectos da cognição influenciam diretamente todo o

processo educacional. Então, a proposta desses estudiosos, mesmo que ainda criando

dualidades já recorrentes como, mente e cérebro, é que sejam trabalhadas em um contexto

educacional outras facetas e funções cognitivas além dos processos de aprendizagem

comuns.

E faz sentido pensar dessa forma, pois, apesar de conseguirmos separar, para fins

didáticos, diferentes aspectos dentro da neurociência cognitiva (atenção, memória, tomada

de decisão, emoção... etc.), todos esses processos influenciam e são influenciados pelos

demais. Portanto, enaltecer, por exemplo, aspectos criativos dentro de sala de aula, pode

criar um aspecto motivacional aos alunos e, indo além, criar contextos, associações e

representações perceptuais, que são tão importantes e facilitam a aprendizagem.

Sabemos que o sistema nervoso armazena informações de maneira associativa e

categorizada. Isto é, facilmente aprendemos que não devemos enfiar o dedo em uma

tomada, pois associamos a tomada a um evento aversivo de choque elétrico. Isso ocorre,

claro que de forma não tão óbvia, em diferentes processos de aprendizagem. Nosso sistema

nervoso associa as múltiplas relações presentes no ambiente e estoca essas informações

juntamente com as representações e associações criadas. É por isso que macetes para

lembrar-se de alguma informação funcionam tão bem, por exemplo, para lembrar os metais

alcalinos terrosos das aulas de química (Be, Mg, Ca, Sr, Ba, Ra) é construída a frase “Bela

Magrela, casou-se com senhor Barão Ratão.

A questão motivacional é extremamente importante para a retenção de informação.

Alguns autores tratam a motivação como um componente da emoção e outros tratam como

um processo superior à emoção, que rege diversos processos e funções neurais. Seja lá

como for, fato é que sem motivação não há atenção, memória e aprendizagem. Portanto,

mudanças de estratégias em prol de geração de motivação em ambientes de ensino são

muito vantajosas. E isso depende, obviamente, do público, da cultura e do contexto

temporal que se insere esse processo educacional, pois, o que funciona para um grupo de

pessoas não necessariamente funciona para outro. E, indo além, o que funciona para uma

geração, pode não funcionar para outra.

Portanto, a educação depende invariavelmente do funcionamento do sistema nervoso

e dos processos cognitivos. É importante entender que a dinâmica dos diferentes aspectos

Page 112: Tópicos em Fisiologia Comparativa

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da cognição influencia largamente os processos de aprendizagem. Além disso, é preciso

entender que um indivíduo em qualquer ambiente depende do funcionamento do sistema

nervoso e de processos cognitivos. Assim como para respirar precisamos dos pulmões e

para o sangue circular precisamos do coração e dos vasos sanguíneos, para ensinar e

aprender é necessário, além de tudo isso, o funcionamento do sistema nervoso. Nesse

contexto, o entendimento de aspectos de fisiologia do sistema nervoso e de processos

cognitivos que influenciam o ensino e aprendizagem é essencial para se trabalhar e

desenvolver novas habilidades com alunos. Além disso, é essencial para que todo o

processo de ensino e aprendizagem seja construído tendo como apoio as bases biológicas

da educação em favor de todo processo educacional.

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Emoções e a tomada de decisão

Fabio Moraes Gois

[email protected]

Esta aula tem por objetivo trazer aos alunos um pouco da discussão filosófica e

fisiológica sobre os mecanismos de tomada de decisão e os possíveis papéis da razão e da

emoção nesse processo.

Inicialmente, trataremos a abordagem clássica da tomada de decisão articulada pelo

filósofo francês René Descartes. Na obra “O Discurso do Método”, ele apresenta uma

metodologia de pensamento baseada exclusivamente na razão, a qual seria capaz de

conduzir à verdade. Descartes propõe um pensamento livre de paixões e emoções na busca

pela compreensão da natureza. O filósofo trata o pensamento racional como algo externo

ao corpo, sendo, portanto, distinto e livre da matéria constituinte do organismo –

excluindo, assim, qualquer possibilidade de reações emocionais (essencialmente corpóreas)

participarem do pensamento racional.

Contrariamente ao modo cartesiano de pensar, no final do século XIX, o filósofo e

psicólogo americano Willian James e o médico dinamarquês Carl Lange, propõem –

independentemente – uma teoria que defende que as emoções seriam fruto da interpretação

cerebral de estados fisiológicos do corpo. Em outras palavras, uma resposta fisiológica de

medo ocorreria primeiramente nas vísceras em decorrência do reconhecimento de um

estímulo determinado, para depois ser percebida como a experiência do medo pelo cérebro.

Na década de 1990, essa teoria foi retomada pelo médico e neurocientista português

António Damásio, que trouxe à tona o famoso caso de Phineas Gage, capataz da

construção civil norte americana que sofreu um acidente e teve seu cérebro transpassado

por uma barra de ferro. Gage não apenas sobreviveu, como continuou capaz de realizar

atividades físicas quase normalmente, bem como atividades de cunho racional, como

cálculos, escrita, leitura, dentre outras. Contudo ele passou apresentar dificuldades em sua

vida social e prática, além de uma insensibilidade a estímulos de teor emocional que não

lhe era característica antes do acidente.

Lançando mão do caso Phineas Gage e de casos atuais nos quais indivíduos sofreram

lesões semelhantes à de Gage (lesões no córtex pré-frontal, mais especificamente em sua

porção ventro-medial), Damásio apresenta uma série de características comuns entre esses

pacientes, dentre as quais se destacam a dificuldade de tomada de decisão e a

insensibilidade a estímulos de teor emocional. Com isso, Damásio defende que a ausência

Page 114: Tópicos em Fisiologia Comparativa

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de respostas emocionais e a dificuldade na tomada de decisão dos pacientes estão

intimamente ligadas e propõe que as respostas emocionais estão relacionadas aos processos

racionais de tomada de decisão. Ele acredita ser muito improvável que o desenvolvimento

de estratégias racionais ocorra, tanto evolutivamente quanto ontogeneticamente, de forma

separada dos mecanismos de regulação biológicas, defendendo, assim, que um processo de

tomada de decisão envolve tanto processos racionais como emocionais. Com base nessa

linha de pensamento, Damásio cunha o termo “marcadores somáticos” e o adiciona à teoria

de James e Lange.

Os marcadores somáticos, segundo Damásio, seriam respostas fisiológicas viscerais

desencadeadas por mecanismos autonômicos em resposta a determinadas situações

auxiliando na marcação dessas situações como positivas ou negativas em diversos graus de

intensidade. Durante um processo de tomada de decisão, esses marcadores atuariam

anteriormente aos mecanismos conscientes e racionais, eliminando alternativas que

estivessem marcadas como negativas – por remeterem a quadros de resposta emocional

marcados negativamente na história de cada indivíduo. Dessa forma, o número de

alternativas a serem analisadas racionalmente seria muito menor do que o número de

alternativas existentes, uma vez que muitas nem chegariam a níveis conscientes.

Para ilustrar a abordagem dos marcadores somáticos, será feita uma análise dos

dados obtidos por Damásio em seu experimento denominado “Iowa Gambling Task”, que

simula uma situação real de tomada de decisão ao mesmo tempo em que monitora algumas

condições fisiológicas do indivíduo (como batimentos cardíacos, condutância galvânica da

pele e dilatação da pupila), e as pareia com um questionário sobre as sensações individuais

sobre a tarefa executada. Esse experimento constitui o pilar principal da hipótese dos

marcadores somáticos de Damásio, e foi replicado diversas vezes e em situações distintas.

Contudo, a hipótese dos marcadores somáticos está longe de ser unanimidade entre a

comunidade científica, não sendo difícil encontrar artigos questionando o “Iowa Gambling

Task” como um método seguro que possa sustentar essa hipótese. Os principais

argumentos contrários à hipótese dos marcadores somáticos serão apresentados no

momento final da aula, junto a outras abordagens sobre a influência das emoções na

tomada de decisão e nos processos racionais a fim de levantar uma discussão com a

participação dos alunos sobre o tema.

Referências

BEAR, M. Neuroscience: exploring the brain. 3° Ed. Editora Lippincott USA, 2006.

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114

BECHARA et al. The Iowa Gambling Task and the somatic marker hypothesis: Some questions

and answers. Trends in Cognitive Sciences, v. 9, p. 159-162, 2005.

DAMÁSIO, A. The feeling of what happens: body and emotion in the making of consciousness.

Harcourt Brace, New York, 1999.

DAMÁSIO, A. O erro de Descartes. 2° Ed. Companhia das Letras, 1996.

DAMÁSIO et al. The somatic marker hypothesis and the possible functions of the prefrontal

cortex. Philosophical Transactions of the Royal Society B, v. 351, p. 1413-1420, 1996.

LENT, R. Cem Bilhões de Neurônios? 2° Ed. Editora Atheneu, 2010.

TIERNEY, A. J, Egas Moniz and the Origins of Psychosurgery: A Review Commemorating the

50th Anniversary of Moniz’s Nobel Prize. Journal of the History of the Neurosciences. v.

9, n. 1, p. 22–36, 2000.

Page 116: Tópicos em Fisiologia Comparativa

115

Decisão

Marcelo Arruda [email protected]

As decisões são determinantes sobre os comportamentos subsequentes, e uma vez

que as consequências das ações adotadas envolvem a concretização ou não dos eventos

previstos, as decisões assumem um papel crucial no desempenho final objetivado pelo

comportamento. Dessa forma, a importância das decisões vem a reboque da relevância dos

comportamentos desempenhados. Como consequência, nossos mecanismos de tomada de

decisão são, assim como nosso comportamento, produto da evolução por seleção natural

(WATSON; PLATT, 2008; SMITH, 1993).

Há muito tempo tenta-se compreender as formas segundo as quais tomamos

decisões. Este assunto já foi o interesse de diversas áreas, desde a matemática à

neurociência cognitiva. Em razão desse fato, o estudo do comportamento voltado para a

tomada de decisões apresenta um aspecto interdisciplinar (WARD, 1954), contando com

contribuições de cada uma das áreas que se dedicou em algum momento ao seu estudo,

como por exemplo a psicologia, a economia, e a sociologia.

No século XVIII, enquanto alguns matemáticos se propunham tratar de jogos de

azar, Daniel Bernoulli propôs que para entender o comportamento dos jogadores deveria se

levar em conta não somente os valores financeiros envolvidos num jogo, mas sim uma

medida de quanto aquele valor em questão representava para um sujeito mais ou menos

afortunado (BERNOULLI, 1738 tradução inglesa em SOMMER, 1954). Para tal, ele

formulou uma teoria baseada em valores que representassem a utilidade daquela quantia

para o sujeito em questão, chamada teoria da utilidade. Posteriormente, já no século XX,

dois matemáticos (Von Neumann; MORGENSTERN, 2007) generalizaram a teoria para

qualquer tipo de decisão (financeira ou não), que possa ser baseada, ou representada por

valores.

De acordo com a teoria da decisão segundo a maximização da utilidade esperada

(PARMIGIANI; INOUE, 2009; RESNIK, 2000), existe para cada resultado possível de um

evento probabilístico além de uma probabilidade associada à sua ocorrência um valor

subjetivo do agente decisor, representável por uma função do seu valor objetivo. Dessa

forma, as decisões seriam tomadas não em função das expectativas em relação aos valores

esperados (o produto da probabilidade de um resultado e o valor objetivo consequente ao

Page 117: Tópicos em Fisiologia Comparativa

116

resultado), mas em relação a utilidade esperada (o produto entre a probabilidade de um

resultado e a utilidade do valor consequente).

Paralelamente, a neurociência cognitiva e a etologia também fizeram ao longo desse

tempo importantes contribuições para a compreensão do comportamento animal, e ao se

debruçarem sobre a tomada de decisões partiram do arcabouço teórico fornecido pela

teoria da decisão (PLATT; HUETTEL, 2008). A associação entre as sofisticadas práticas

experimentais das áreas biológicas com as estruturas formais dos conhecimentos

matemáticos produziram o que hoje se revela como uma ciência da decisão (BAYER,

2008). Embora cada vez mais diversa das suas bases fundadoras, os estudos amadurecem

pouco a pouco, tornando-se a tomada de decisão uma grande área contribuinte para a

compreensão do funcionamento do sistema nervoso em suas atividades mais sofisticadas,

capaz de produzir os mais complexos comportamentos.

Atualmente, a tomada de decisões é entendida como um processo, e compreende

desde a etapa de representação do problema sobre o qual se decide até a avaliação das

consequências da ação desempenhada em função da decisão adotada (RANGEL;

CAMERER; MONTAGUE, 2008). Nesse contexto, vários estudos consistem na

formulação problemas de decisão a serem propostos aos sujeitos experimentais, e diante da

estrutura formal matemática característica do problema em questão busca-se encontrar

correlatos anátomo-funcionais entre a ativação de áreas e circuitos específicos e medidas

de incerteza ou recompensas referentes ao problema em questão (PLATT; HUETTEL,

2008).

Em vários desses estudos tem se constatado o papel de atribuição de valores

esperados às alternativas desempenhados por áreas dos núcleos da base, como o estriado

(LEE; SEO; JUNG, 2012; YIN; KNOWLTON, 2006),(especialmente considerando relação

entre uma dada ação e o resultado, e em situações habituais), e a amígdala (mais

fortemente associada à atribuição de valência positiva ou negativa)(RANGEL;

CAMERER; MONTAGUE, 2008) e áreas do córtex pré-frontal, como o córtex

orbitofrontal, (especialmente em decisões dirigidas à objetivos, em que o foco é não mais a

ação, mas a meta em si) (LEE; SEO; JUNG, 2012). Além disso há uma forte interação com

o sistema de recompensa, o que inclui a a área tegmentar ventral, e o nucleus

accumbens(FRANK; CLAUS, 2006). Enquanto as vias basais estão mais relacionadas a

um controle do tipo estímulo-resposta (BALLEINE; O’DOHERTY, 2010), as áreas pré-

frontais parecem assumir um papel de modulador “top-down” (FRANK; CLAUS, 2006),

capaz de garantir maior flexibilidade ao sistema. Recentemente, tem ganhado bastante

destaque a interpretação de que essas duas vias funcionariam como dois sistemas, e que o

Page 118: Tópicos em Fisiologia Comparativa

117

comportamento ocorre em função da interação e cooperação entre esses dois sistemas

(KAHNEMAN).

Vale destacar que as decisões estão presentes numa variedade muito grande de

situações da vida de um organismo. Tanto no caso de um comportamento em que a

necessidade de decisão por uma das alternativas disponíveis é bastante clara como em

situações em que aparentemente só há uma possível reação a um estímulo externo, alguma

etapa do processo de tomada de decisão se faz presente. Desde um comportamento muito

simples, como o controle de um reflexo (RANGEL; CAMERER; MONTAGUE, 2008), até

contextos muito elaborados como a escolha de um parceiro para reprodução, ou ainda, a

escolha de por um alimento em detrimento de outros (WATSON; PLATT, 2008), em razão

de uma preferência individual qualquer (NORTH, 1968). Sendo assim, as decisões

determinam ações que podem ser de grande importância para a sobrevivência e reprodução

de um indivíduo, ou mesmo ações que pouco afetam um indivíduo senão em sua satisfação

momentânea.

O objetivo da aula é apresentar a formulação de um problema de decisão baseada em

valores, e posteriormente apresentar alguns mecanismos neurais que atuam em etapas

específicas do processo decisório, na perspectiva de integrar esses conhecimentos em

discussões sobre diversos aspectos comportamentais.

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Page 120: Tópicos em Fisiologia Comparativa

REPRODUÇÃO OU NÃO:

EIS A QUESTÃO

Page 121: Tópicos em Fisiologia Comparativa

120

REPRODUÇÃO OU NÃO: EIS A QUESTÃO

Endocrinologia Reprodutiva e os desruptores endócrinos

Gabriela Brambila de Souza [email protected]

O sistema endócrino é composto por glândulas que secretam substâncias com ação

no organismo estas são chamadas de hormônios. Todas as funções fisiológicas e

comportamentais são reguladas diretamente por hormônios ou modificadas por sua ação

(Norris e Lopez, 2011). Há ainda uma interação entre o sistema nervoso (S.N.) e o sistema

endócrino (S.E.), em que o S.N. transduz sinais, que podem ser externos ou internos, para

posterior ação e liberação de hormônios pelo S.E. (Migaud et al., 2010). Os constituintes

principais do S.E. são: glândula tireoide e paratireoide, glândula pineal, glândulas adrenais,

hipófise, ovários, testículos e placenta.

A reprodução é um processo de perpetuação das espécies, transmitindo as alterações

ocorridas no seu genoma para as gerações descendentes (Vazzoler, 1996). Este processo é

totalmente dependente dos sistemas nervoso e endócrino e é controlado por estímulos

ambientais com maior ou menor intensidade de acordo com a espécie em questão. Tais

estímulos como, por exemplo, fotoperíodo, temperatura, sazonalidade, qualidade da água,

pluviosidade são perceptíveis através de órgãos sensoriais e transduzidas pelo sistema

nervoso, que ativa o sistema endócrino (Migaud et al., 2010).

Uma maior garantia de sobrevivência da prole ocorre quando existe uma

sincronização entre as variáveis ambientais adequadas para cada espécie, o

desenvolvimento gonadal e a ovulação (Baldisserotto, 2002; Zaniboni-Filho).

Apesar de a reprodução poder ser modulada por estímulos externos, endogenamente

é controlada pelo sistema neuro-endócrino, mediado pelo eixo hipotálamo-hipófise-

gônadas. Os estímulos ambientais, transduzidos pelo sistema nervoso, estimulam o

hipotálamo a sintetizar e liberar um neuro-hormônio chamado hormônio liberador das

gonadotropinas (GnRH), que por sua vez estimula as células gonadotrópicas da adeno-

hipófise a sintetizar e liberar as gonadotropinas, chamadas de hormônio folículo

estimulante (FSH) e hormônio luteinizante (LH). Via corrente sanguínea o FSH e o LH

atingem às gônadas e estimulam a produção dos hormônios esteróides gonadais

(Bombardelli et al., 2006).

Em fêmeas, o FSH age nas células da teca do folículo ovariano, estimulando as

mesmas a captar o colesterol e convertê-lo em testosterona. Este andrógeno é transportado

Page 122: Tópicos em Fisiologia Comparativa

121

até as células foliculares onde atua a enzima aromatase que converte a testosterona em

estradiol (Baldisserotto, 2002). O estradiol, por sua vez age na maturação e crescimento do

oócito (processo também mediado pelo FSH) (Lowe-Mcconnel, 1999), com o aumento nos

níveis plasmáticos de estradiol e testosterona, há uma inibição da síntese de FSH, pelo

processo conhecido como feedback negativo, e um estimulo junto com a ação do GnRH

para secreção de LH nas fases finais do crescimento (Swanson et al., 2003). O LH em

animais ovíparos estimula as células da teca a produzir progestágenos, responsável pela

maturação final do oócito e ovulação (Melamed et al., 1998; Swanson, et al., 2003). Já em

mamíferos o pico de LH induz a ovulação e depois do oócito ser liberado há a formação do

corpo lúteo que é o responsável pela produção de progesterona que vai manter a gestação

ou vai baixar caso não haja fecundação (Genuth, 2000).

Nos machos o hipotálamo também é modulado exogenamente por fatores ambientais

(Korf, 2006). Este então passa a sintetizar e secretar o GnRH que estimula a adenohipófise

a sintetizar as gonadotropinas FSH e LH (Rocha e Rocha, 2006). O FSH é o primeiro

hormônio gonadotrópico a ser liberado no ciclo reprodutivo, ocorrendo nos primeiros

estágios da maturação gonadal, e estimula a produção de 17β-estradiol pelas células de

Leydig nos testículos que posteriormente serão convertidos em andrógenos pela

estimulação de LH estes andrógenos participam do processo de maturação final e liberação

de gametas (Banerjee e Khan, 2008).

Disruptores endócrinos são agentes químicos que tem ações agonistas ou

antagonistas dos hormônios naturais (Datson et al., 1997; Witorsch, 2002), ou seja, podem

mimetizar ou bloquear o efeito de um hormônio ou ainda alterar sua secreção, seus

mecanismos de ação ou seus níveis metabólicos ( Norris and Lopez, 2011). Muitas destas

substâncias podem estar presentes no meio ambiente, ou por serem naturais do solo se

expondo por meio das erosões ou por contaminações e podem se acumular no solo e nos

sedimentos de rios s (Meyer et al, 1999).

O DDT (Dicloro-Difenil-Tricloroetano) é um dos disruptores endócrinos mais bem

estudados, sua ação estrogênica tem sido atribuída à capacidade de um dos seus isômeros

se ligar aos receptores estrogênicos (Soto et ai., 1994). Com isso podem causar

feminização de pássaros machos (Fry, 1995), inversão sexual com ovários funcionais e

capacidade de se reproduzir em machos de Medaka após micro injeção do componente nos

ovos e produção de vitelogenina em machos de truta arco-íris (Edmunds et al., 2000).

As consequências de interromper os processos reprodutivos podem se estender para

além do indivíduo, com efeitos adversos emergentes dentro de hierarquias sociais,

crescimento populacional, estrutura da comunidade e funcionamento do ecossistema (

Page 123: Tópicos em Fisiologia Comparativa

122

Norris and Lopez, 2011).

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123

Page 125: Tópicos em Fisiologia Comparativa

124

Custos e Benefícios Metabólicos da Reprodução

Raisa Pereira Abdalla [email protected]

Nos seres vivos ocorrem, a todo instante, conjunto de reações químicas, mediadas

por enzimas nas células vivas, que transformam as moléculas orgânicas, definido como

metabolismo; a soma do anabolismo e catabolismo. As diversas reações químicas

catalisadas por enzimas nas células são organizadas funcionalmente em muitas sequências

de reações, na qual o produto da primeira reação se torna o reagente da próxima (Nelson e

Cox, 2005).

Os animais obtêm energia principalmente por meio da oxidação dos alimentos. As

reações químicas degradam estes nutrientes orgânicos em produtos finais simples,

extraindo energia química e a convertendo em uma forma útil para a célula; juntas essas

reações degradativas, produtoras de energia livre, são designadas como catabolismo.

Outras vias começam com moléculas precursoras pequenas e são convertidas em

moléculas mais complexas e maiores, incluindo as proteínas e os ácidos nucleicos. Tais

vias biossintetizadoras, que invariavelmente requerem a adição de energia, são

coletivamente designadas de anabolismo (Nelson e Cox, 2005).

O organismo deve manter um equilíbrio energético através da relação entre a entrada

de alimento e sua utilização e armazenamento. Os sistemas fisiológicos, o comportamento

e o sistema nervoso atuam de forma que este equilíbrio seja mantido. Apesar deste

controle, existem situações como, presença de estressores metabólicos no ambiente, que

impedem o consumo de alimento suficiente para atender a demanda energética (Krasnow e

Steiner, 2006). Nestas situações, os animais passam a mobilizar energia de suas reservas

internas (tecido adiposo) e externas (estoque de alimentos) para fornecer substratos para o

metabolismo. Durante a evolução dos animais, a habilidade de armazenar quantidades

significativas de energia no organismo e mecanismos que inibem o comportamento de

ingestão devem ter permitido aos animais a realização de outras atividades que garantissem

o sucesso de sobrevivência e reprodução (Scheneider, 2004).

A reprodução é um processo que requer muita energia, sendo que a capacidade

reprodutiva é sustentada pela nutricional. Assim, o metabolismo energético e a reprodução

estão intimamente ligados. A habilidade para controlar esta disponibilidade de energia

permite que os animais priorizem suas opções comportamentais de acordo com as

flutuações nas condições energéticas e reprodutivas (Scheneider, 2004).

Page 126: Tópicos em Fisiologia Comparativa

125

Sendo assim, quando o alimento é abundante e o requerimento energético é baixo, a

energia é disponível para todos os processos necessários para sobrevivência do indivíduo e

da população, incluindo crescimento, manutenção, termorregulação e reprodução. Desta

forma, os comportamentos relacionados à defesa territorial, corte, cópula e cuidado

parental recebem uma alta prioridade, e a energia excedente é armazenada (Scheneider,

2004).

Por outro lado, quando a energia é escassa, os mecanismos fisiológicos tendem a

favorecer aqueles processos que garantem apenas a sobrevivência do indivíduo. Assim, os

processos fisiológicos que promovem os comportamentos de forrageamento,

armazenamento e ingestão recebem prioridade, pois a reprodução é muito custosa

energeticamente e pode ser retardada quando a sobrevivência do indivíduo está em risco

(Scheneider, 2004).

Os processos envolvidos na reprodução que contribuem para o aumento da demanda

energética incluem: esteroidogênese; desenvolvimento gonadal (vitelogênese e

espermatogênese/espermiogênese); comportamentos reprodutivos (defesa de território,

corte, acasalamento, migração) e cuidado parental. Deste modo, para que haja um sucesso

reprodutivo, os animais precisam estar preparados fisiologicamente, e para isso é

necessário que acumulem grande quantidade de reservas energéticas (Krasnow e Steiner,

2006).

A reprodução é energeticamente custosa para ambos os sexos, mas a magnitude do

gasto e sua relação com o sucesso reprodutivo diferem entre machos e fêmeas. Os machos

alocam relativamente pouca energia para a produção de gametas e, então podem se

reproduzir com sucesso com um investimento de energia menor, que é direcionado para

corte e cópula. Em contraste, as fêmeas de muitas espécies apresentam altos custos na

atividade reprodutiva independente da fecundidade (como migração, cuidado parental), e

necessitam de uma reserva energética substancial antes de iniciar a atividade reprodutiva

(Aubret e cols., 2002).

Diferentes padrões da relação entre a captação de reservas energéticas e a reprodução

podem ser observados entre os vertebrados. Os peixes, principalmente migratórios como o

salmão, não se alimentam durante a migração reprodutiva, assim toda a energia necessária

para o desenvolvimento gonadal e para atividade de natação são provenientes da reserva

energética obtida anteriormente ao período reprodutivo (Lucas e Baras, 2001).

Em espécies de anfíbios de zona temperada que apresentam reprodução explosiva

durante o verão, os animais devem acumular energia suficiente para sobreviver durante a

dormência no inverno e ainda suportar as atividades reprodutivas ao despertar, como

Page 127: Tópicos em Fisiologia Comparativa

126

vocalização, defesa de território, corte e cópula (Wells, 2007). Os machos de Rana

temporaria e Bufo bufo, geralmente não se alimentam ao longo de todo esse período

reprodutivo (Jorgensen, 1992). Contudo, em espécies com períodos reprodutivos

prolongados e relativamente baixa taxa de vocalização, pode ocorrer apenas uma

diminuição da ingestão de alimentos, sendo o gasto energético suplementado através da

alimentação (Wells, 2007). Adicionalmente, machos do gênero Scinax mantêm a

alimentação durante toda a estação reprodutiva, sugerindo o aumento do suporte energético

para a vocalização (Carvalho e cols., 2008).

Algumas espécies aumentam a ingestão de alimentos durante o período de intenso

cuidado parental, considerando que outras aumentam tanto a captação quanto o

armazenamento em antecipação ao nascimento da prole (Wade e Schneider, 1992). Em

muitas espécies de aves, a necessidade energética da nova prole requer aumento do

forrageamento e da alimentação por ambos os pais em ordem deles produzirem um

fornecimento suficiente do leite do papo (Schneider, 2004). Em mamíferos, a lactação e o

comportamento termorregulatório do cuidado parental são energeticamente custosos às

fêmeas. Assim, anteriormente ao nascimento da prole, as fêmeas de alguns mamíferos se

alimentam muito e armazenam o excesso de nutrientes, que são posteriormente

direcionados a alta demanda energética da lactação. Contrariamente a isso, algumas

espécies apresentam uma pequena ingestão de alimentos ao longo da gravidez, enquanto os

estoques de alimentos aumentam durante esta fase, para serem consumidos durante a

lactação (Bronson, 1989). Há ainda espécies nas quais a ingestão de alimento e o

armazenamento precedem a estação reprodutiva: elefantes marinhos e pinguins imperador

apresentam um período de massiva alimentação que ocorre 3 meses antes do período de

jejum, competição pela corte e reprodução (Anderson e Fedak, 1987).

Dentro do cenário global das mudanças ambientais ocasionadas por ações antrópicas,

é fundamental que estudos de conservação sejam feitos, envolvendo o funcionamento do

sistema reprodutivo e a influência do balanço energético, para garantir a sobrevivência das

espécies. A estreita relação entre o balanço energético dos animais e a reprodução garante a

perpetuação da espécie. Contudo, alterações do habitat podem resultar em diminuição ou

eliminação de muitos recursos alimentares para os animais, alterando assim, toda a

composição dos substratos energéticos, o que pode resultar no déficit da reprodução.

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Page 129: Tópicos em Fisiologia Comparativa

128

Comportamento reprodutivo – uma perspectiva endocrinológica

Walquiria Pedra [email protected]

A reprodução é um processo fundamental no ciclo de vida dos seres vivos, pois é por meio

desta que as espécies garantem a sua sobrevivência, bem como sua variabilidade genética. Dentre

estes processos, também recebe destaque devido ao seu alto custo energético e intensa preparação

por parte dos sistemas endócrino e metabólico e a interação sincronizada entre o ambiente e esses

sistemas. Ao longo do ano, animais que alcançaram tamanho e peso adequados, iniciam o processo

de preparação para o evento reprodutivo, que pode vir a ser parte do seu ciclo anual, como no caso

de aves migradoras, ou único na vida, como em algumas espécies de peixes, como o caso do

salmão.

Mas como esse gatilho é iniciado? Como fatores externos podem produzir alterações

hormonais e estas produzirem efeitos no comportamento?

A essas perguntas ainda restam mais questionamentos do que respostas, contudo, o que se é

bem documentado a respeito do assunto reprodução, pode ser descrito resumidamente como um

processo neuroendócrino controlado por estímulos ambientais, como as variações sazonais, onde,

em um exemplo, o fotoperíodo, pode indiretamente modificar a excitabilidade de neurônios

produtores de GnrH,(hormônio liberador de gonadotropinas), que é desencadeado via ação de

neurhormônios como a Melatonina e a Kisspeptina. O GnrH dentre outras funções, é responsável

por comandar o controle da fisiologia reprodutiva e comportamento em todos os vertebrados.

(Moenter et. al., 2003). O GnrH, um decapeptídeo, presente no hipotálamo e algumas regiões do

cérebro, via corrente sanguínea, estimula as células gonadotrópicas na hipófise a iniciar a síntese e

liberação do FSH (hormônio folículo estimulante) iniciando o processo que levará a conversão do

colesterol em testosterona. A testosterona é transportada à camada granulosa, e aromatizada a 17β-

estradiol (E2). O estradiol exerce um feedback negativo no hipotálamo e na pituitária, diminuindo a

freqüência dos pulsos de GnRH. Quando o estradiol ultrapassa um certo nível, o hipotálamo

responde com um pico de GnRH que, por sua vez, induz um pico de LH que inicia a ovulação.

Assim, o FSH estimula o crescimento dos folículos ovarianos, enquanto o LH estimula sua

maturação final e desova, produção de estradiol e ovulação (Lubzens et al.,2010)

. O LH dá suporte à formação e à função inicial do corpo lúteo. (Comp. de rep. nos

mamíferos,2006 ). Vale lembrar que o ciclo de hormônios relacionados com esse processo varia

entre as espécies, bem como hormônios similares podem ter variadas funções, citando como

exemplo, a ação do FSH sobre o ciclo em peixes, onde o E2 age no fígado (via corrente sanguínea),

estimulando a síntese de vitelogenina (glicolipofosfoproteína) que também, via corrente sanguínea,

é “sequestrada” pelo ovócito por meio de micropinocitose, promovendo assim o crescimento do

ovócito e a incorporação do vitelo.

Page 130: Tópicos em Fisiologia Comparativa

129

Todo o processo resumidamente exposto acima é normalmente descrito para fêmeas em

vertebrados, com algumas variações entre as espécies. No caso de machos, há diferenciação por

parte dos hormônios responsáveis pela maturação gonadal, em relação às fêmeas, contudo, o

gatilho também é orquestrado pelo GnrH. Tendo a testosterona como hormônio de destaque para o

desenvolvimento do ciclo e com ele as mudanças de comportamento, salvo para as espécies de

peixes em que são registrados altos níveis de outros hormônios androgênicos, tal como a 11 Keto-

testosterona em animais dominantes, citando como exemplo os machos de Cichlasoma dimerus.

Em meio a esses estímulos internos, alterações morfológicas e comportamentais tem sido

intensamente estudados durante o decorrer do ciclo de amadurecimento, tais como a mudança nos

níveis de corticosteroides ou o desempenho de funções diferenciadas das prostaglandinas, como o

caso da Prolactina (PRL), um hormônio hipofisário associado a mudanças na coloração de penas

em aves e as respostas neuroendócrinas primárias e secundárias ( Galef & White, 2000; Balthazart

et al., 2003; Johnson, 2006; Ball & Balthazart, 2010). A alteração desses hormônios tem sido

estudada a fim de poder-se estabelecer sua relação direta com a reprodução e os estímulos sociais

associados a animais como peixes, em suas relações de dominância ou em um outro por exemplo, a

postura de proteção dos ninhos (Baldisserotto, 2002; Vazzoler, 1996) e até mesmo a competição ou

agressividade em mamíferos.

Devido a complexidade do assunto e a abrangência do estudo endócrino correlacionado, nem

todos os grupos serão abordados, utilizando como modelos os que demonstram características

comportamentais reprodutivas visualmente mais aparentes.

Analisaremos um pouco mais como ocorre à relação hormônios X comportamento, partindo

do grupo peixes. Como em outros vertebrados, sua reprodução e comportamento estão intimamente

ligados. Nesses animais a ação dos hormônios tem sido classificada em três categorias. A primeira

é um gatilho fisiológico, que afeta o comportamento sexual em período relativamente curto de

tempo quando outras condições fisiológicas e ambientais estão apropriadas. Por exemplo, em

fêmeas de goldfish o hormônio prostaglandina (PG) resulta em oviposição dentro de alguns

minutos após a aplicação. Prostaglandinas são produzidas no ovário depois da ovulação e atuam no

cérebro das fêmeas, induzindo o comportamento sexual específico durante a desova natural

(Baldisserotto,2002). A segunda categoria de ação hormonal é como um requisito ou primer; o

hormônio não é um gatilho para o comportamento sexual por sí próprio, mas sua presença é

essencial para a ocorrência do comportamento. A terceira categoria de ação hormonal é classificada

como um "potenciador"; não sendo o gatilho do comportamento e por vezes nem sequer é essencial

para a ocorrência do comportamento. Contudo, a presença deste hormônio em particular melhora

ou aumenta o efeito sobre o comportamento sexual dos peixes; um exemplo é o efeito potenciador

do GnrH também descrito em fêmeas de goldfish. Assim como nas fêmeas, animais machos

também são afetados, podendo-se como exemplo, a ação dos androgênicos como facilitadores da

Page 131: Tópicos em Fisiologia Comparativa

130

iniciação do comportamento sexual, estimulando a sensibilidade olfativa em ciprinídeos ((Moenter

et. al., 2003).

Passando para o próximo alvo de estudo, no grupo das aves, os estímulos reprodutivos

podem ser divididos em três estágios fisiológicos distintos: sensibilidade, estimulação e

refratariedade levando a um colapso gonadal e um declínio do comportamento reprodutivo,

entrando em um estado de quiescência reprodutiva (Goodson et al., 2005).

As mudanças sazonais na reprodução das aves são resultado de uma liberação fotoinduzida

alternada de hormônios sexuais, principalmente, LH e a PRL, os quais funcionam como

reguladores da atividade reprodutiva nesses animais, proporcionando as alterações

morfofisiológicas necessárias em ovários e testículos. (Sharp et al., 1998; Sharp, 2005).

Um exemplo dessa ação está na concentração plasmática sazonal de PRL, associadas à

regressão gonadal induzida pelo desenvolvimento de fotorefratariedade, o que está diretamente

ligado com o comportamento de incubação e posteriormente alinhamento, estando relacionado com

queda nos níveis séricos de LH e altos níveis de PRL, até o período de eclosão dos ovos (Sharp et

al., 1998).

No caso dos machos, um exemplo de como os hormônios esteroides está correlacionado com

a fase reprodutiva se dá através da relação da testosterona, que age sobre a fisiologia testicular e

sobre a função cerebral, sendo essencial para a manifestação de comportamentos sexuais

masculinos, como interesse sexual e comportamento de cópula (Balthazart et al., 2003; Goodson et

al., 2005).

Por fim, abordaremos generalizadamente o comportamento dos mamíferos, onde o

comportamento geralmente é caracterizado por duelos entre os machos como forma de estimulação

do interesse sexual por parte das fêmeas. Podemos utilizar como exemplo, o caso dos primatas não

humanos, como o sagui comum. Como as fêmeas não apresentam alterações externas que indiquem

o estádio reprodutivo, as modificações hormonais são captadas pelos machos através da mudança

no comportamento e na estimulação por meio dos ferormônios, sentidas por meio de estímulo

olfativo, estabelecendo o período de interesse, competição e cópula. Como no caso das aves,

ocorre intensa estimulação por parte do FSH, LH e por fim da Prolactina, que de acordo com os

estudos pode estar ligada ao cuidado parental (Mota & Sousa,2000) . Em todo esse ciclo, também

há forte influência dos corticosteroides, como por exemplo, o caso do Cortisol, cujos níveis variam

em escala parecida aos de Prolactina no período pós-parto.

No caso dos machos, os elevados níveis de Testosterona e variações nos corticosteroides são

a chave para a agressividade no período de cópula. Embora a testosterona seja fundamental no

comportamento nesse período, especula-se sobre a correlação entre a Prolactina e Estradiol no

comportamento parental dos machos, bem como o da função dos corticosteroides na relação de

dominância dos machos sobre as parceiras do grupo perante a presença de outros machos (Ziegler

et.al., 2000).

Page 132: Tópicos em Fisiologia Comparativa

131

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Page 133: Tópicos em Fisiologia Comparativa

132

Estresse e suas causas na reprodução

Carlos Eduardo Tolussi [email protected]

A definição de estresse foi proposta primeiramente por Selye (1950), como uma

resposta inespecífica do corpo sobre algum agente estressor. Desde então, uma variedade

de definições foram apresentadas, demonstrando que o estresse é uma resposta fisiológica

a uma demanda, o estressor, e conceitos mais específicos sobre o tema, tendem a envolver

uma cascata endócrina como parte desta resposta inespecífica (Schreck, 2010).

Schreck (2000) argumenta que a visão do conceito de estresse deve ser mais ampla,

sendo, um conjunto de respostas que consistem em cascatas fisiológicas, que ocorrem

quando o organismo está tentando resistir à morte ou restabelecer a homeostase frente a

uma injúria. Mais recentemente Schreck (2010) menciona que a resposta ao estresse

consiste em uma cascata de eventos fisiológicos, que são iniciados pela percepção do

estressor e uma comunicação para o corpo, realizada via sistema nervoso central, agindo

tanto via neural quanto hormonal. Primeiramente, os hormônios presentes envolvidos são

as catecolaminas (adrenalina e noradrenalina) e aqueles liberados pelo eixo hipotálamo-

hipófise- adrenal, que são respectivamente o hormônio liberador de corticotrofina (CRH),

que estimula o hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) e este por sua vez estimula a

produção de cortisol (Schreck, 2010).

As catecolaminas atuam diretamente no fígado, estimulando a glicogenólise, que

eleva a concentração de glicose plasmática para atender a demanda energética. O cortisol

apresenta diversas funções, sendo que em peixes, ele age primeiramente nas células

branquiais, intestinais e hepáticas, nas quais foram identificadas até o momento funções

adaptativas relacionadas à osmorregulação e a manutenção e balanceamento do

metabolismo energético, devido ao catabolismo de carboidratos, lipídios e proteínas em

diferentes tecidos (Mazeaud e Mazeaud, 1981). Estas ações em longo prazo podem causar

alterações no crescimento, sucesso reprodutivo e diminuição de resistência às doenças

(Barton, 2002).

Ainda no metabolismo energético, o cortisol desempenha um importante papel na

mobilização de substratos energéticos tais como a glicose e os ácidos graxos livres para a

manutenção da homeostase. Isto acarreta em efeitos diretos e indiretos no metabolismo

intermediário, que participam da resposta ao estresse (van der Boon e col.,1991). Desta

forma, é comum relacionar os processos envolvidos ao estresse, de algum modo, com a

Page 134: Tópicos em Fisiologia Comparativa

133

eficiência energética (Emlen e col., 1998).

O cortisol é um importante hormônio no processo de resposta ao estresse, e por este

motivo, o seu estudo foi muito utilizado como um indicador de estresse nos animais.

Outro ponto que facilita o estudo do cortisol é a sua estrutura molecular, que é bem

conservada em todas as espécies de vertebrados já estudados (van der Boon e col., 1991).

O cortisol ainda hoje é utilizado como um importante indicador de estresse, contudo,

muitos estudos já observaram uma falta de relação da concentração de cortisol plasmático

com o estresse. Com isso, há inconsistências e confusões na literatura sobre a ação do

cortisol durante o estresse em peixes (Mommsen, 1999). Muitas destas confusões

provavelmente aumentam devido as diferenças entre as espécies (Vijayan e Moon, 1994),

métodos empregados para observar a concentração do cortisol (Gamperl e col., 1994),

procedimento de amostragens (Laidley e Leatherland, 1998; Iwama e col. ,1989), variações

diárias e sazonais, fotoperíodo, condições nutricionais (Vijayan e col., 1993) e maturidade

sexual do peixe (Pickering e col., 1987). Um dos pressupostos subjacentes nos diferentes

estudos é que a concentração de cortisol elevada no plasma durante o estresse é deletéria

para os peixes, embora a relação causa-efeito atribuída ao cortisol ainda tem que ser

estabelecida (Barton e Iwama, 1991). Evidências sugerem que o cortisol diretamente e/ou

indiretamente desempenha um importante papel no metabolismo intermediário (Vijayan e

col.,1996), regulação iônica e osmótica (McCormick, 1995) e na função imune (revisado

pro Wendelaar Bonga, 1997). Todos estes autores defendem que o cortisol tem um papel

adaptativo durante o estresse em peixes (Mommsen, e col., 1999).

Na reprodução o estresse pode agir, antecipando, atrasando, impedindo ou

estimulando a reprodução, ou seja, do dependendo do e ciclo de vida, modo, tempo e

intensidade que o organismo é submetido ao agente estressor (Gowaty e col., 2007).

Diversos trabalhos mostram essa influência, principalmente do cortisol na reprodução, e

estes exemplos, serão apresentados em aula e discutidos se a interferência da elevação do

cortisol é ou não deletéria na reprodução.

Outro ponto interessante a ser discutido, é a relação do estresse sob as diferentes

espécies de uma comunidade. Serão apresentados diferentes exemplos e consequências que

o estresse pode acarretar. Este tipo de análise se faz necessária, por vários motivos, como

por exemplo, é necessário avaliar as possíveis alterações ecologicamente relevantes, já que

a relações ecológicas, como competição, predação e etc, podem ser alteradas. Segundo, é

que as investigações em “níveis menores” (ex., nível celular ou de indivíduo), são focadas

em uma resposta única, não abrangendo das diferentes espécies. Por ultimo, as mudanças

na estrutura da comunidade refletem nas condições integradas por um período de tempo

Page 135: Tópicos em Fisiologia Comparativa

134

longo, como por exemplo, em resposta a eventos catastróficos, ou a inserção de poluentes

nos ecossistemas que podem alterar toda a estrutura do ambiente, possibilitando modificar

durante muito tempo a dinâmica do ecossistema (Attrrill, e col. 1997).

Como mencionado acima, a definição, a avaliação que um animal está ou não

estressado, a sua influência na reprodução (em outros processos também) e por fim, definir

uma padronização e qual são de fato o agente estressor é muito complicado, por isso, o seu

estudo e aplicação deve ser feito com muito cuidado.

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Page 137: Tópicos em Fisiologia Comparativa

136

Introdução à Ecotoxicologia Aquática

Bianca Maymi Kida

[email protected]

Essa aula abordará, de forma geral, os conceitos básicos que embasam o

entendimento dessa ciência e como esta tem contribuído para sociedade, visto que cada vez

mais os ambientes são impactados e consequentemente a vida dos organismos também é

afetada. Além disso, será um fechamento das aulas, mostrando a aplicação da fisiologia

sobre esse estudo.

Existem vários conceitos novos envolvidos nessa ciência, que devem ser

compreendidos. A Ecotoxicologia é uma ciência que estuda os efeitos de substâncias

naturais ou sintéticas sobre os organismos vivos, populações e comunidades terrestres ou

aquáticos, que constituem a biosfera, incluindo a interação das substâncias com o meio nos

quais os organismos vivem (Zagatto e Bertoletti, 2006). Esses organismos, quando são

indicativos de algum tipo de alteração no ambiente são chamados de biondicadores, ou

seja, fornecem informações sobre as condições ambientais a partir de sua presença ou

ausência, ou pelo seu comportamento que reflita os efeitos de um determinado fator

antrópico ou natural com um potencial impactante no ecossistema (Oost et al., 2003).

A partir do momento em que esses organismos podem sofrer algum efeito decorrente

de uma exposição a um contaminante, estes podem apresentar diferentes formas de

resposta, denominadas biomarcadores, que são medições e respostas em fluidos corpóreos,

células e tecidos indicando modificações bioquímicas ou celulares devido à presença de

poluentes (NRC, 1987). Em um contexto ambiental, os biomarcadores atuam como

indicadores sensíveis, identificando a entrada de agentes tóxicos e quais os efeitos

causados ao organismo.

Portanto, esses efeitos podem ser causados por diversas fontes de origem antrópica,

mas principalmente por poluentes. Estes então são substâncias, compostos ou elementos

causadores de poluição e podem existir diversos poluentes, sendo os principais os

poluentes orgânicos persistentes (POP´s), que são compostos altamente estáveis e capazes

de persistirem no ambiente, resistindo à degradação química, fotolítica e biológica e os

metais pesados, que são altamente reativos e bioacumuláveis, sendo alguns essenciais para

o funcionamento do organismo, como o zinco e o manganês, mas que em altas

concentrações podem ser altamente tóxicos.

Ao entrar em contato com o organismo, podem ocorrer diferentes processos de

interação do poluente com o sistema biológico. Pode então, ocorrer uma bioacumulação,

Page 138: Tópicos em Fisiologia Comparativa

137

na qual é a razão do resíduo químico no tecido do animal pela concentração do mesmo

numa fase ambiental externa, como água, sedimentos ou alimentos, e é medido em

condições de estado estacionário, em que organismos e alimentos são expostos. Quando a

interação ocorre através da água, ocorre um processo chamado bioconcentração, no qual é

a razão entre a concentração de um resíduo químico no tecido animal e na água. O fator,

neste caso, não está associado à exposição da cadeia alimentar. E por fim, quando há um

aumento na concentração de resíduos químicos em organismos na parte mais alta da cadeia

alimentar, primariamente como o resultado de acumulação a partir da dieta, ocorre o que

chamamos de biomagnificação (Zagatto e Bertoletti, 2006).

Para se estudar tais processos, a Ecotoxicologia busca conhecer o efeitos letais e sub-

letais sobre os organismos através de testes que permitem avaliar a contaminação

ambiental por diversas fontes poluidoras, assim como avaliar a resultante dessa exposição.

Portanto, estes utilizam os organismos bioindicadores, que podem apresentar alguma

alteração, seja ela fisiológica, morfológica ou comportamental, quando expostos a

determinados poluentes. Estes testes podem ser do tipo agudo, quando objetivam avaliar

uma resposta severa e rápida dos organismos aquáticos a um estímulo que se manifesta, em

geral, num intervalo de 0 a 96 horas, ou teste crônico, que avalia a ação dos poluentes em

concentrações sub-letais, no qual o estímulo continua por longo tempo, a fim de verificar

efeitos nas funções biológicas como na reprodução, crescimento, entre outros (Magalhães e

Ferrão Filho, 2008).

Dessa forma, a Ecotoxicologia Aquática utiliza o Biomonitoramento como uma

forma de avaliar a integridade de ecossistemas aquáticos e, consequentemente, a qualidade

de suas águas, através do uso sistemático de respostas biológicas para avaliar mudanças

ambientais com o objetivo de utilizar esta informação em um programa de controle de

qualidade.

Para que esse biomonitoramento ocorra, existem normas e leis estabelecidas por

órgãos estaduais e federais que devem ser cumpridas. Como exemplo, existe a resolução

CONAMA 357 de 17 de março de 2005, que dispõe sobre a classificação dos corpos de

água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento, a partir da necessidade de se criar

instrumentos para avaliar a evolução da qualidade das águas, em relação às classes

estabelecidas no enquadramento, de forma a facilitar a fixação e controle de metas visando

atingir gradativamente os objetivos propostos, como o controle da poluição, a proteção da

saúde, garantia do meio ambiente ecologicamente equilibrado e a melhoria da qualidade de

vida (Brasil, 2005).

Page 139: Tópicos em Fisiologia Comparativa

138

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