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  • Edio:

  • POR

    FRANCISCO MANUEL ALVES, ABADE DE BAAL

    BRAGANAMEMRIAS ARQUEOLGICO-HISTRICAS DO DISTRITO DE BRAGANA

    ouRepositrio amplo de notcias corogrficas, hidro-orogrficas,geolgicas, mineralgicas, hidrolgicas, biobibliogrficas, herl-dicas, etimolgicas, industriais e estatsticas interessantes tanto histria profana como eclesistica do distrito de Bragana

    TOMO V

    OS JUDEUSNO DISTRITO DE BRAGANA

  • TTULO: MEMRIAS ARQUEOLGICO-HISTRICAS DO DISTRITO DE BRAGANA

    TOMO V - OS JUDEUS NO DISTRITO DE BRAGANA

    AUTOR: FRANCISCO MANUEL ALVES, ABADE DE BAAL

    COORDENAO GERAL DA EDIO: GASPAR MARTINS PEREIRA

    REVISO DESTE VOLUME: ELVIRA CUNHA DE AZEVEDO MEA

    UNIFORMIZAO BIBLIOGRFICA: MARIA SARMENTO DE CASTRO

    EDIO: CMARA MUNICIPAL DE BRAGANA/INSTITUTO PORTUGUS DE MUSEUS MUSEU

    DO ABADE DE BAAL

    EXECUO GRFICA: RAINHO & NEVES, LDA./SANTA MARIA DA FEIRA

    ISBN: 972-95125-6-6

    DEPSITO LEGAL: 152080/00

    OBRA CO-FINANCIADA PELO PRONORTE, SUBPROGRAMA C

    JUNHO DE 2000

  • iTOMO V

    M E M R I A S A R Q U E O L G I C O - H I S T R I C A S D O D I S T R I T O D E B R A G A N A

    INTRODUO

    ELVIRA DE AZEVEDO MEA

    O Abade de Baal, ao introduzir nas suas Memrias Arqueolgico-His-tricas do Distrito de Bragana um volume dedicado aos JUDEUS, o V,demonstrou de imediato a sua considerao por este elemento populacional,j que ele que encabea a Histria especfica das gentes do distrito bragan-ano, seguida pelos volumes referentes aos FIDALGOS e aos NOTVEIS.Este apreo era tanto maior quanto esta minoria estava novamente a serposta em causa quer na Europa quer mesmo em Portugal, como se verificanas esparsas citaes que, em momentos oportunos, o autor faz do entorecentssimo livro de Mrio Saa.

    curioso verificar que o Padre Francisco Manuel Alves, ao tratar desteassunto, fez parte da trade que, praticamente em simultneo e desconhe-cendo-se entre si, descobriu a existncia em Portugal dos chamados mar-ranos 1, com Samuel Schwarz e o capito Barros Basto.

    1 Antes de mais, urgente dar ao termo marrano o seu significado neste contexto e assimjustificar a sua escolha, em vez do termo judeu novo que por vezes tem sido usado ultima-mente.Com efeito, enquanto o termo foi usado ao longo da poca moderna com uma conotaoextremamente injuriosa e ofensiva, pois era sinnimo daquele que embora baptizado conti-nuava amarrado sua lei e a seus rabinos, marrando (dando marradas, cornadas) na leinova, j no sculo XX e merc do renascimento judaico portugus, passou a ter uma conota-o bem positiva, pois que designa quem luta desesperadamente contra o opressor, o que,apesar de tudo e todos (incluindo a actuao inquisitorial ao longo de trs sculos), perma-neceu fiel sua lei oculta no mais ntimo do seu corao.

  • TOMO V

    ii

    M E M R I A S A R Q U E O L G I C O - H I S T R I C A S D O D I S T R I T O D E B R A G A N A

    INTRODUO

    Com efeito, aps a extino do tribunal do Santo Ofcio, em 1823, con-siderou-se o criptojudasmo acabado, como se deduz, inclusivamente,atravs de investigadores consagrados, como Kayserling 2, em 1867, emesmo Lcio de Azevedo 3, em 1921, mesmo se a Jewish Encyclopediainformava da existncia de marranos na Covilh, provavelmente medi-ante notcias de judeus ingleses e americanos que, vivendo esporadica-mente em Portugal, testemunharam a presena rara de marranos portu-gueses nalgumas cerimnias realizadas em sinagogas de Lisboa 4.

    O certo que em 1925 um judeu polaco h poucos anos residente emPortugal, Samuel Schwarz, publica Os Cristos-Novos em Portugal noSculo XX, obra contempornea das primeiras iniciativas levadas a cabopor um outro judeu recente, descendente de marranos, Arthur Carlos deBarros Basto, que j ento como fundador e dirigente da novssima comu-nidade judaica do Porto, tentava cumprir um dos seus objectivos priorit-rios: conhecer e resgatar esses marranos, de modo a torn-los judeus livresdo medo e do preconceito, usufruindo do direito que a Constituio lhesconsignava.

    Por seu turno, o Abade de Baal, que como disse Afrnio Peixoto 5 eraum santo e um sbio, com a inefvel vantagem de o ignorar, conhecedorprofundo da alma transmontana, no regateou elogios minoria judaica,dando-lhe o lugar competente na Histria, como fonte dinmica geradora

    Perante esta situao, bvio que o termo judeu novo, alm de desfasado da realidade, chegaa ser por seu turno pejorativo, visto que ao considerar o marrano judeu novo est a negar-se--lhe a sua condio intrnseca e essencial de judeu autntico desde o seu nascimento; a designa-o de marrano provm precisamente da sua resistncia quase sobre-humana a todo o tipo derepresso. neste contexto que ainda hoje no interior portugus se ouve, s vezes ainda nummurmrio, a identidade de algum que se afirma marrano seguidor da religio marrana.Acerca desta problemtica ver MEA, Elvira Azevedo O Renascimento do Judasmo em Portu-gal. O Movimento Marrano no Sculo XX. In Histria dos Judeus em Portugal Sculos XIX--XX, Romania Judaica. Tbingen: Ed. Max Niemeyer, no prelo.2 KAYSERLING Geschichte der Juden in Portugal. Berlin: Istar Leiner; trad. port., Histria dosJudeus em Portugal. S. Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1971.3 AZEVEDO, J. Lcio de Histria dos Cristos Novos Portugueses. Lisboa: Livraria Clssica Edi-tora, 1922.4 Com efeito, desde meados do sculo XIX (1813) que existiram algumas sinagogas em Lis-boa, todas modestas, funcionando em andares alugados, como as duas Hes-Haim (rvoreda Vida), do Beco das Linheiras e do Beco dos Apstolos, as mais duradouras, pois outras,como a da Rua do Ferregial de Baixo e a do Largo do Corpo Santo, fecharam com a morte dosseus fundadores, respectivamente Salomo Mor Jos e Judah Dray.Apesar de vrias tentativas, s em 1904 que Lisboa tem uma sinagoga de raiz, a ShaarTikv (As Portas da Esperana).Ver AMZALAK, Moses Bensabat A Sinagoga Portuguesa Shaar Tikv, As Portas da Espe-rana. Comemorao dos seus cinquenta anos de existncia. Lisboa, 1954.5 Na sua visita a Bragana em 1950.

  • iiiTOMO V

    M E M R I A S A R Q U E O L G I C O - H I S T R I C A S D O D I S T R I T O D E B R A G A N A

    INTRODUO

    de progresso da regio, o que chocou profundamente, entre outros, um pro-fessor recm colocado no liceu de Bragana, o Dr. Francisco Sena Esteves.Este, catlico, pediu ao Padre para alterar ou retirar alguns pargrafos,pelo que o santo Abade de Baal mudou o prembulo, atrasando um poucoa publicao do volume, que saiu j em 1926.

    De notar que, aquando da elaborao do volume, o Abade pediu a opi-nio de amigos chegados, como o senhor Jos Furtado Montanha, um mar-rano que, em breve, mediante o conhecimento com o capito Barros Basto,se viria a tornar num dos judeus fundadores da comunidade israelita deBragana (1927), uma das primeiras realizaes da Obra do Resgate docapito.

    Jos Montanha, um dos amigos a quem a obra dedicada, apoiou sem-pre e incondicionalmente o Abade, que inclusivamente condicionou a suapublicao ao parecer do amigo judeu, como se verifica desta missiva(25/7/1921), essencial para a compreenso deste volume:

    Quanto impresso do V volume das Memrias eis as minhas dvi-das. O volume est pronto, apenas faltaro duas lrias no Prlogo, lriasque j tenho engatilhadas. H porm o seguinte:

    O volume consagrado colmeia israelita que abundante no nossodistrito e eu tratando do estudo do mesmo no podia de forma algumaomitir esta parte que, de resto, j prometera tratar no 4 vol., p. 682.

    Para este estudo vali-me de vrios documentos que encontrei nos nos-sos arquivos e principalmente das Listas dos indivduos processados naInquisio por judasmo, uns 1705 indivduos, entre homens e mulheres,pertencentes ao nosso distrito, processados durante os 254 anos que abran-gem as Listas que eu vi e creio que h mais, divididas por 46 povoaes(cidades, vilas e aldeias do distrito).

    Os documentos e estudos que tenho neste sentido, so importantssimospara fixar a vida entre ns nos sculos 16, 17 e 18 no que toca a indstriashoje desaparecidas sedas, curtumes, etc., etc. e contm notas palpitants-simas de etnografia, etc., etc. Mas, aqui est o buslis, pelas Listas, vem-sedar nos ascendentes de muitas famlias actuais processadas por jehovismo, certo que as Listas l esto e que mais cedo ou mais tarde algum explo-rar este filo, mas repito, gostaro essas famlias que fale no caso, se bemque, em boa verdade, deviam at orgulhar-se pela coragem herica queesses ascendentes mostraram na confirmao das suas doutrinas. No tmeles direito a dar-se como mrtires do jehovismo ou moisesmo como os docristianismo da doutrina de Cristo?

    Demais, eu padre, a falar nestas cousas embora se saiba bem que sprocuro trazer luz a histria do nosso querido distrito, no serei acoi-

  • INTRODUOTOMO V

    iv

    M E M R I A S A R Q U E O L G I C O - H I S T R I C A S D O D I S T R I T O D E B R A G A N A

    mado da facciosismo, embora no prlogo no possa deixar de confessar aminha admirao pelo israelita triunfante sempre atravs das persegui-es de todos os sculos, povo nico, produto nico da civilizao e da lite-ratura mais grandiosa que conta a humanidade? Oh! Jos, o estudo destaquesto tem-me posto de tal ordem que... quase tenho pena em no serjudeu.

    Mais ainda, ao falar na inquisio tenho fatalmente de azorragar, noa Igreja, porque a inquisio da Igreja de Roma era benigna e razovelpara essa poca em que as leis da humanidade se no moldavam em maissuavidade, mas uns tantos bispos que foram os inquisidores, homens fan-ticos e perversos que com um falso zelo comprometeram tudo. Esses, essesmalandros que foram os da culpa. Informo que seguramente fico a malcom alguns fanticos actuais e com alguns parvos bispos; provavelmentefico a mal com alguns israelitas de quem aponto os ascendentes e fico amal com alguns historiadores e economistas que na questo semita guia-dos pelo facciosismo pr ou contra, segundo as suas ideias e no segundoos factos apontam, tm dito asneira.

    Posso arrostar com tantas malquerenas? O amor que tenho s nossascousas, o plano que formara de publicar tudo, merecer que me exponhaaos desgostos que isso me pode trazer? (E no posso passar adiante sempublicar este volume, de maneira que ou se publica ou dou por terminadaa obra).

    Eu arrostava com tudo e ia por diante; mas a oferta do clix, da pena,do tinteiro, foi um mal terrvel para mim, porque sem isso eu publicava eningum tinha nada que dizer; agora sendo um distrito inteiro a subs-crever no haver entre tantos, descendentes de israelitas que me acoi-maro de ingrato por pagar tanta generosidade com a publicao de fac-tos que, a meu ver, s os honram e muito interessam (?) mesmo histori-camente para saberem da sua geneologia, mas que eles avaliaro doutraforma?

    Enfim, Jos, vista falaremos, hei-de mostrar-vos o volume, ler-vostudo e se ao vosso bom senso parecer que no deve ser publicado, queima--se e est tudo acabado... 6.

    Curiosamente foi o senhor Jos Montanha a dar conhecimento do livroao capito Barros Basto:

    Aproveito a oportunidade para pedir licena para lhe oferecer umlivro publicado por um padre e grande arquelogo e que no esconde a

    6 FERNANDES, Hirondino Cartas do Abade de Baal a Jos Montanha. Presena, Boletim daEscola Industrial e Comercial de Bragana. 4 srie, ano 14 (Jun. 1972), p. 83-84.

  • vINTRODUOTOMO V

    M E M R I A S A R Q U E O L G I C O - H I S T R I C A S D O D I S T R I T O D E B R A G A N A

    sua admirao pela nossa raa. Sob confidncia vo juntas umas folhasque foram substitudas pelo prembulo que d incio ao livro, em virtudedos catlicos tentarem desvi-lo das suas afirmaes, o que conseguiriamse no fosse o meu esforo e de outras pessoas 7.

    Realmente o primitivo prembulo sofreu modificaes considerveis,como se verifica nos dois textos aqui inseridos.

    evidente que numa poca em que novamente emergia o esteretipodo judeu esperto, intriguista, arranjista, cobarde, explorador, vido debens e poder, lugar comum que discreta, subtil mas eficazmente o Abadede Baal destri, no era certamente uma questo fcil de aceitar vistapelo prisma do sbio e santo Padre Francisco Manuel Alves, sbio sufici-ente para se no deixar arrastar pelo vulgo, santo que baste para apresen-tar uma viso ecumnica do catolicismo, preconizando um Conclio Vati-cano II que ainda havia de vir e causar tambm tantos engulhos aos fari-seus do tempo, que, alis, so de todos os tempos.

    Odiar os judeus? Mataram a Cristo, diro. Nada vejo de extraordin-rio. Estava escrito que assim tinha de ser e s temos a agradecer porque seo no matam no se completava a Redeno. caso de parafrasear ogrande Santo feliz morte que nos trouxe um tal Redentor. Demais, mata-ram-no em virtude de um processo legal, um tanto tumulturio, certo,mas processo em suma. Pregava contra o existente; contra as sinecurasproventosas dos alapardados sombra da Lei; revolucionava o povo; pre-gava contra os ricos e poderosos e a favor dos proletrios; pregava um soci-alismo como o dos Gracos ou o de nossos dias, o socialismo que surge emtodas as nacionalidades quando corrompidas pelas prepotncias dos gran-des aambarcadores, dos locupletados custa da misria alheia; pregavauma melhor compreenso dos deveres sociais e humanitrios; pregavacontra o alto sacerdcio que engendrava uns cnones, uma teologia, ditaCabala, a seu modo, para melhor governar e governar-se e estes, princi-palmente, porque lhes bolia nos interesses que o mataram. Se voltasse denovo ao mundo e azorragasse uns tantos mandes fariseus que lhe merca-dejam e deturpam a doutrina, infalivelmente seria mandado fuzilar pelasegunda vez.8.

    E a sabedoria do Abade de Baal implicava naturalmente e sempre acrtica de fontes, no se coibindo de encarar o tribunal do Santo Ofcio emfuno da Justia da poca, no deixando de salientar, porm, a falta de

    7 Carta de 2/11/1926. In MEA, Elvira de Azevedo; STEINHARDT, Incio Ben-Rosh. Biografia doCapito Barros Basto, o Apstolo dos Marranos. Porto: Ed. Afrontamento, 1997, p. 75.8 Ver o Primeiro Prembulo, p. IV.

  • INTRODUOTOMO V

    vi

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    sentimento evanglico de prelados envolvidos. No deixou tambm de,apesar do estado em que se encontrava ento a pesquisa histrica, consi-derar Alexandre Herculano faccioso na sua Histria da Origem e Esta-belecimento da Inquisio em Portugal, no que estava certo, j que noque concerne ao funcionamento e aco do tribunal da Inquisio, Hercu-lano utilizou apenas um tipo de fontes, os relatrios de contestao doscristos-novos para a Cria Pontifcia.

    No obstante os constrangimentos que tocaram essencialmente o santo, bvio que o Abade de Baal no podia extrair de si a abertura mentalque fazia parte da sua essncia de sbio, pelo que, custasse a quem cus-tasse, no deixa de afirmar com naturalidade no prembulo revisto:

    Para mim, um protestante, judeu, maometano, bramanista, confuci-onista, zoroastrista ou outro de qualquer religio que seja, quando de boa-f, merece-me todo o respeito e venerao 9.

    esse respeito que o leva a tentar proporcionar aos seus leitores umconhecimento genrico da religio judaica, comparando-a sempre quepossvel com as usanas israelitas dos marranos bragananos, utilizandocomo fontes a traduo francesa da Storia dei riti Ebraici de Leon(Yehuda Arieh) de Modena (Paris, 1631), feita pelo padre RichardSimon, Crmonies et coutumes qui sobservent aujourdhui parmi lesjuifs, e os testemunhos pessoais do Abade de Carviais, Jos Augusto Tava-res, e outros investigadores locais.

    No tendo certamente ao seu dispor fontes actualizadas da poca, oPadre Francisco Manuel Alves provavelmente considerou segura a tradu-o dum padre que estudara hebraico na Sorbonne e que considerava serimpossvel compreender a religio crist sem alguma instruo na dosjudeus, que lhe serviu de modelo. Todavia nas tradues do sculo XVIIa fidelidade ao texto no era essencial, pelo que certamente Richard Simonnalguns pontos deve ter trado a ideia original do autor; por outro ladofez a traduo francesa de muitos vocbulos hebraicos a que Modena derauma grafia italiana, pelo que, desconhecendo-os na origem, os tornouininteligveis, o que sucedeu depois tambm com o tipgrafo portugusque transcreveu essas grafias a partir do manuscrito do Abade de Baal,tornando a terminologia completamente invlida.

    Da que tenhamos refeito essa terminologia, sem, no entanto, corrigiro texto do Abade de Baal, sobretudo no que diz respeito a doutrina bsicae usos particulares, tradies locais e temporais e at controvrsias rabni-

    9 Ver o Segundo Prembulo, p. III.

  • viiINTRODUOTOMO V

    M E M R I A S A R Q U E O L G I C O - H I S T R I C A S D O D I S T R I T O D E B R A G A N A

    cas, pois isso implicaria refazer o captulo, o que atraioaria a obra. Attulo de exemplo, o que se escreve sobre o Comeo do Ano e o Dia da Expi-ao (e no propriamente Dia do Perdo) no exacto, pois no ver-dade que os talmudistas no estejam de acordo sobre o tempo em que omundo comeou.

    O Talmud refere que o primeiro ms o de Nissan, que correspondesensivelmente a Maro/Abril. Acrescenta, no entanto, que existem quatrocomeos do ano, o dos Reis e dos Pees, ou seja, ano civil, que comeavaem Nissan, o do conto religioso, em Tishri, o stimo ms e ainda o dassementeiras e o das rvores. Em relao a estes dois ltimos que as opini-es dos rabinos variam.

    As chicotadas eram uma forma de penitncia, para quem reconheciapecados de que pretendia penitenciar-se, mas, geralmente, tinham apenasum cunho simblico e a cerimnia caiu em desuso, com uma ou outraexcepo de fanticos.

    A capar um costume ainda hoje seguido entre os judeus religiososde todo o mundo, em que se sacrifica um animal macho ou fmea, con-forme o sexo dos sacrificadores. Actualmente usa-se geralmente um galoou galinha, que se rodeiam trs vezes por cima da cabea da pessoa cujospecados so expiados pelo dito sacrifcio. Ningum bate com o galo nacabea!

    Ainda hoje difcil encontrar-se fontes em Portugal para esclareci-mento destas matrias, com excepo do vasto e valioso trabalho publi-cado pelo capito Barros Basto, pouco depois da publicao desta obra 10,no cumprimento do seu objectivo de resgatar os marranos, tornando-osjudeus quer no corao, como j o eram, quer nos rituais, de acordo comas leis moisaicas.

    Em todo o caso a verdade que ainda hoje esta obra um bom reposi-trio de conhecimentos sobre os judeus bragananos, sobretudo pela aber-tura mental com que so encarados, infelizmente uma atitude que aindano se tornou norma.

    10 Entre outros, A Noite de Shabbath. (Segundo o Rito Portugus). Porto: Ed. da ComunidadeIsraelita do Porto, 1927. Hagadah Shel Pessah. (Ritual da Ceia Pascal). Porto: Ed. da Comuni-dade Israelita do Porto, 1928. Nehilah ou Encerramento de Kipur. (Segundo o Rito Por-tugus). Porto: Ed. da Comunidade Israelita do Porto, 1929. A Noite de Kipur. (Segundo o RitoPortugus). Porto: Ed. da Comunidade Israelita do Porto, 1929. Sada de Shabbath. (Segundo oRito Portugus). Porto: Ed. da Comunidade Israelita do Porto, 1929. A Noite de Ros Ha-Sha-nah. (Ano Novo). (Segundo o Rito Portugus). Porto: Ed. da Comunidade Israelita do Porto,1930. Memorial de Preceitos Israelitas. Porto: Ed. do Instituto Teolgico Israelita, 1931-1932,tomos 1 e 2. Orao Matinal de Shabbath. (Segundo o Rito Portugus). Porto: Ed. do InstitutoTeolgico Israelita, 1939.

  • ixTOMO V

    M E M R I A S A R Q U E O L G I C O - H I S T R I C A S D O D I S T R I T O D E B R A G A N A

    Primeiro Prembulo

    qSe estas Memrias Arqueolgico-Histricas pudessem ficar completas

    por forma a corresponder ao subttulo que lhe pusemos, ou seja, aenglobar quanto o nosso distrito possa interessar cincia em todas assuas manifestaes, sem este volume, jamais o publicaramos.

    Em verdade, a sua elaborao tem-nos sido vasto alfobre de mortifi-caes. No tomo 4, p. 397, em nota, e p. 679, dissemos alguma coisasobre o caso, mas no tudo. Das noitadas de frio siberiano e vendavaldesfeito apanhadas, em 10 de Dezembro de 1907, numa excurso aoMogadouro; em 9 de Maio de 1909, noutra a Chaves por Valpaos paraexaminar a lpide do Deus Larocu em Curral-de-Vacas; em 23 de Junhode 1910, noutra a Miranda do Douro, e em outras mais, resultou-nosuma bronquite crnica e este reumatismo que nos serra os ossos.

    Em 4 de Julho de 1909, quando procurvamos determinar a tra-jectria do exrcito invasor francs pelo norte do distrito de Bragana,quiseram prender-me e ao meu companheiro P.e Jos Miguel Machado,em Pedralva (Espanha), porque aquela gente no acreditava que fosseeste o motivo, mas sim o de colher informaes para mais a salvo assal-tar alguns moradores ricos.

    Em 28 de Janeiro de 1908 quiseram espancar-me em Malta, porentenderem que lhes queria levar, por artes mgicas, a lpide do deusAerno que tinha ido examinar.

    Em 20 de Novembro de 1918, fatigadssimo aps uma viagem de

  • PRIMEIRO PREMBULOTOMO V

    x

    M E M R I A S A R Q U E O L G I C O - H I S T R I C A S D O D I S T R I T O D E B R A G A N A

    seis lguas a p, perdido em parte, sem atinar com o caminho, quandoprocurava determinar a estrada militar romana de Braga a Astorga eestudar o milirio de San Vitero (Espanha), fui assediado e o meu com-panheiro, P.e Manuel Palmeira, pelo alcaide de San Vitero, sus hombresde justicia e vrio povilu, ao todo uns vinte e cinco hombres, porque,diziam eles: o marron (milirio), que ningum tinha sido capaz de ler,podia conter um segredo essencial para a segurana de Espanha, sendoportanto necessrio toda a cautela; que Cuba se perdera exactamentepor se no tomarem precaues talvez como as que eles projectavam;que quis seramos ns at alguns anarquistas que amos tramar con-tra a segurana de su reino.

    Enfim, aps algumas horas, passadas em ouvir argumentos desteteor, l nos deixaram ir dormir, na certeza de nos prender no diaseguinte.

    Se estas linhas passarem um dia sob os olhos da hoteleira AquilinaFerrero, alistana mais viva que um coral, saiba que sempre me lembra-rei com reconhecimento dos bons ofcios ento empregados em prol danossa inofensidade e misso pacfica.

    Em 1924 quiseram espancar-me e aos meus companheiros Drs. RaulManuel Teixeira, Juiz de Direito, e Pedro Vitorino, conservador doMuseu Municipal do Porto, em Marzago, quando procurava elemen-tos para um estudo sobre Carrazeda de Ansies e no achmos quempor dinheiro nos quisesse recolher em casa e vender gneros aliment-cios. E, fatigadssimos, aps um dia de jornada a p pelo concelho, mor-tos de fome, encharcados de gua, escuro como breu, sem saber cami-nho nem carreira, nem ver palmo de terra, tivemos de recolher a Car-razeda de Ansies, cinco quilmetros distante. Afinal tinham razo,segundo dizia o Dr. Raul: eu que tive a culpa porque aquela gente,olhando minha desleixada indumentria, tomou-me por gatuno oucoisa parecida e a eles por arrombadores dos bens das igrejas. Passadosdias, quando l voltmos, aquele povo deu-nos exuberantes provas daclssica hospitalidade trasmontana. possvel que assim fosse, quantoa mim, porque em 1923, quando ia aos Exerccios Espirituais a Vinhaisa p, como costumo, tomaram-me em Vila Verde por criado do meucompanheiro, P.e Joo Antnio Martins, proco de Meixedo.

    Em 19 quando me apresentei ao Amaral, secretrio da Cmara deAlfndega da F, com o meu velho casaco j muito delido e coberto dep da viagem e lhe disse que queria pedir-lhe um favor, meteu a moao bolso e s deixou cair nele os seis vintns que ia dar-me de esmola,como depois me contou o bom amigo Mendes Pereira, quando acres-

  • xiPRIMEIRO PREMBULOTOMO V

    M E M R I A S A R Q U E O L G I C O - H I S T R I C A S D O D I S T R I T O D E B R A G A N A

    centei que o pedido era para me facultar o estudo dos pergaminhos doarquivo a seu cargo. Faltava esta nota do caricato ao tragicmico refe-rido.

    Burlescas, para no dizer outra coisa, e bem, so as condies emque encontrei em 1892 na Rua Direita da Vila de Chaves, numa montu-reira de dejeces e concomitantes, a primeira Lista dos condenados naInquisio; por ela vim ao conhecimento que havia mais do mesmognero, coisa que ignorava e tal conhecimento forneceu-me a principalbase deste trabalho. Ainda conservo esta relquia venerada, que ostentao carimbo inconfundvel dos lugares por onde andou, resistente maissolcita lavagem.

    Devo tambm ter em linha de conta que por trs vezes me bateu afortuna porta por forma a poder contar hoje com o melhor de qui-nhentos contos, de que nenhum caso fiz para mais despreocupadamenteme consagrar ao meu torro, ao distrito de Bragana Os Meus Amo-res causa que tenho em vista.

    Pois, todas estas contrariedades, todas estas arrelias, todo este lucrocessante e dano emergente, nada em comparao ao pesar que sintoao publicar este volume, porque sei por experincia prpria e pelo quedizem outros investigadores (1) o mistrio que os israelitas fazem dosseus arquivos lamentvel e triste acanhamento de critrio j que hojetudo se patenteia investigao histrica e porque, na sequncia destesprecedentes, me lembra que algum querer ver neste trabalho dumsacerdote cristo intuitos reservados de dio sectrio.

    Em verdade devo declarar que nenhuma paixo destas me move.Quando escrevo olho aos factos e no s pessoas ou colectividades. Vas-tas passagens ficam nesta obra pouco agradveis ao clero e nem por issoas omito (2).

    Para mim, no me merece mais conceito um cristo do que um pro-testante, judeu, maometano, bramanista, confucionista, zoroastrista ououtro de qualquer religio que seja; respeito-os a todos igualmente eadmiro-os quando sinceros. Todos adoram a Deus e, se no modo daadorao divergem, resta-me lament-los como cristo e orar por eles,certo de que eles procedem da mesma forma para comigo. Quem noh-de respeitar a sinceridade do israelita Antnio Rodrigues de Mes-quita, adiante apontado sob o nmero 1626-A?

    (1) REMDIOS, Mendes dos Os Judeus Portugueses em Amesterdam, 1911, p. 3 e 4.(2) Tomo III destas Memrias Arqueolgico-Histricas, p. 9, 89, 92, 248, 221. Tomo IV p. 208,360 657 e seg. em vrios outros que seria longo enumerar.

  • PRIMEIRO PREMBULOTOMO V

    xii

    M E M R I A S A R Q U E O L G I C O - H I S T R I C A S D O D I S T R I T O D E B R A G A N A

    Odiar o jeovista? Pois no por um mero acaso que eu sou cristo,por nascer e ser educado nesta religio como seria protestante, judeuou maometano se nascesse noutra terra e at indiferentista se assim metivessem dirigido? Podia estudar e comparar, certo, as diversas reli-gies e escolher a melhor: mas so tantas, quase inumerveis; nem todasse conhecem e quem tem tempo e competncia para o fazer e depoisliberdade de escolha, sendo incontestvel que o que o bero d a tumbao leva e que a raa, o meio e o momento coarctam mais do que muitospensam a liberdade das nossas aces?

    Odiar os judeus?! Mataram Cristo, diro. Nada vejo de extraordi-nrio. Estava escrito que assim tinha de ser e s temos a agradecer por-que se o no matam no se completava a Redeno. caso de parafra-sear o grande Santo feliz morte que nos trouxe um tal Redentor.Demais, mataram-no em virtude de um processo legal, um tantotumulturio, certo, mas processo em suma. Pregava contra o exis-tente; contra as sinecuras proventosas dos alapardados sombra daLei; revolucionava o povo; pregava contra os ricos e poderosos e afavor dos proletrios; pregava um socialismo como o dos Gracos ou ode nossos dias, o socialismo que surge em todas as nacionalidadesquando corrompidas pelas prepotncias dos grandes aambarcadores,dos locupletados custa da misria alheia; pregava uma melhor com-preenso dos deveres sociais e humanitrios; pregava contra o altosacerdcio que engendrava uns cnones, uma teologia, dita Cabala, aseu modo, para melhor governar e governar-se e estes, principalmente,porque lhes bulia nos interesses que o mataram. Se voltasse de novoao mundo e azorragasse uns tantos mandes fariseus que lhe merca-dejam e deturpam a doutrina, infalivelmente seria mandado fuzilarpela segunda vez.

    Cacarejando igualdade, fraternidade e liberdade de pensamento,no fuzilam as nacionalidades quantos pregam contra as instituies,contra o existente, contra os poderosos em nossos dias? No foi sempreassim em todos os tempos?

    Que tem l que uma dzia de sacerdotes israelitas, seguidos pela cla-que de sacristes, familiares apaniguados e sopeiros e ainda alguns fan-ticos imbecis, como surgem em todas as religies a mando do alto clero,a mando do Sumo pontfice, dos prncipes dos sacerdotes, bispos comohoje diramos, a quem feria os interesses, a quem exprobava os requin-tes de uma piedade amaneirada, cheia de formalismos praxistas e pie-guices beatas; as longas oraes excogitadas pela teologia pura paramelhor explorar a crendice popular, para melhor sugar o sangue das

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    vivas a pretexto de actos piedosos e obras pias (3); as tendncias a esta-belecer a realeza social do moisesmo cabalstico; a mania da infalibili-dade que os dirigentes se arrogavam como depositrios da verdade tra-dicional confiada sua igreja, verdade que eles tinham alterado muito fora de subtilezas excogitadas pela sua escolstica teolgica que inti-tulavam filosofia. Sim, porque a verdade para eles no est no Penta-teuco ou seja na Bblia, mas sim na interpretao que eles lhe do. Comose eles fossem mais sbios que o dador da Lei. Que tem l, digo, queestes o matassem? Quando muito eles que foram os responsveis; oresto do povo, o verdadeiro, autntico povo isrealita, nenhuma culpateve, como se v de S. Mateus, 26-5, onde diz claramente que no que-ria prend-lo em dia de festa, no fosse amotinar-se o povo.

    Como que o cristo h-de aborrecer o judeu? No era Cristo judeue judeus S. Pedro, o fundador da Igreja, S. Paulo, o seu maior doutor, osapstolos, pregoeiros do cristianismo, alguns dos seus maiores e maispiedosos santos, papas e grandes homens? No tem a Igreja por regrafundamental a Bblia que o tambm, em parte, para os israelitas? Norecebeu da Sinagoga a Igreja as suas instrues fundamentais, a sualiturgia, os seus formulrios de preces, a sua exegese bblica? No rezamainda hoje os sacerdotes cristos o seu Brevirio pelo mesmo teor, nofundo, que o fazem os ministros da Sinagoga? No moisaico no fundoo nosso culto e sem originalidade muitas prticas da Igreja que sim-plesmente copiou e adoptou a orientao jeovista? No , em suma, ocristianismo filho do mosesmo? Como poderemos pois odiar os seussequazes a menos que no queiramos passar por parricidas e filhosamaldioados?

    Demais, como todos somos filhos, netos, bisnetos, terceiros e quar-tos netos de trinta e dois indivduos, para s falar dos graus de paren-tesco cannico, sendo que nossos sextos avs oram por 128, isto emmenos de dois sculos, quem garante que entre tantos promanados de256 troncos, no houvesse colaborao gensica semita, sabendo-se queno h gerao sem conde e ladro, segundo reza o provrbio popular.Adiante veremos o grito do povo nas cortes de vora em 1490 a dar--nos razo.

    Tenho observado que a extrema religiosidade, a exuberncia pie-dosa de muitas criaturas devotas, nem sempre marca a limpidez dumcristo-velho, como geralmente se pensa; mas sim qualquer influncia

    (3) Vae vobis Scribae et Pharizaei hypocritae: quia comeditis domos viduarum, orationes longasorantes. S. Mateus, 23-14.

  • PRIMEIRO PREMBULOTOMO V

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    de sangue israelita. O moisesmo a mais fecunda das religies em pr-ticas religiosas. E por outro lado tambm influir por atavismo a pressaque os renegados, adesivos, da ltima hora, ostentam para se arrogarsinceridade, tom de proslitos histricos.

    O corpo sacerdotal israelita pertencia principalmente ao partidopoltico-religioso chamado dos Fariseus que se tinha como sendo damelhor gente, embora pelo dos Escribas e dos Saduceus, se encontras-sem espalhados alguns; por isso que Jesus querendo fustigar os sacer-dotes os trata por Fariseus, Escribas e Saduceus.

    Jesus no perdia ocasio de censurar os sacerdotes, apontandomesmo estes no nmero de Fariseus e Escribas, que no seu conceitoeram: injustos (4); raa de vboras; homens maus (5); de m gerao eadlteros (6); hipcritas (7); ignorantes (8); cegos condutores (9); perversose adlteros (10); homens impedernidos no mal e duros de corao para obem (11); serpentes, raa de vboras infalivelmente condenados aoinferno (12); no tinham dvida em aconselhar ms aces em detri-mento da lei de Deus para arrebanhar donativos e esmolas sob pretextode actos de piedade (13); intrujes, pois pregavam uma religio em queno acreditavam e uns preceitos que eles no cumpriam (14); davamesmola, oravam e jejuavam por vaidade para que o mundo os louvassee no para agradar a Deus (15) e por isso quer que os seus discpulos seacautelem da doutrina dos Fariseus e dos Saduceus (16); pois aos sacer-dotes e aos ancios do povo levavam a dianteira as meretrizes e ospublicanos no reino dos Cus (17).

    Todo o captulo XXIII de S. Mateus a carga mais formidvel que sepode fazer a uma corporao ou aos homens que a compem. Nele se

    (4) S. Mateus, 5-20.(5) S. Mateus, 12-34.(6) Idem, 12-39.(7) Idem, 15; 23-13 e seg. Nem vale a pena fazer citaes pois sempre que se lhes dirige lheschama hipcritas.(8) Idem, 22-29, 42 e seg. Nscios e estultos aponta S. Lucas, 11-40.(9) Idem, 15-14.(10) Idem, 16-4.(11) Idem, 18-8.(12) Idem, 23-33.(13) Idem, 15-3. Deste mesmo texto se colhe que Fariseus e sacerdotes era tudo um bem comoos doutores da Lei ou seja telogos da Lei Moisaica. S. Mateus, 23-2.(14) Idem, 15-3; 23-4.(15) Idem, 6-2, 5, 16.(16) Idem, 16-12.(17) Idem, 21-31.

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    l que os Escribas, Fariseus e Doutores da Lei pregavam uma coisa efaziam outra; que impunham rigorosos preceitos aos outros enquantoeles andavam na pndega e na vida regalada, comendo e bebendo custa de intrujices; que se algum bem praticavam era por vaidade paradar nas vistas, para serem louvados do mundo; que queriam os primei-ros lugares nos banquetes, nas sinagogas e actos pblicos e o ttulo demestres, sendo portanto vaidosos e soberbos; que, para devorar as casasdas vivas e dos espritos fracos, a pretexto de rezas e sufrgios, prega-vam mil dificuldades para ganhar o cu; que punham todo o empenhoem ninharias e fteis prticas de actos religiosos como era a paga dodzimo da hortel, do endro, do cominho e de todas as outras ervas,esquecendo o essencial, isto , a justia, a misericrdia, a f, o amor deDeus; que lanavam fora um mosquito e engoliam um camelo, quepunham todo o cuidado em exterioridades parecendo mui lavados ebrancos por fora e por dentro eram sepulcros infectos, cheios de podri-do; que cooperavam moralmente com os seus pais nos sacrlegos mor-ticnios dos profetas.

    Mesmo nas parbolas e exemplos que apresentava no poupa asreferncias fulminantes. Assim no caso do homem roubado e espan-cado pelos ladres (S. Lucas, 10-30 e seg.), o levita e o sacerdote passamde largo, s o samaritano, gente desprezada pelos judeus, que tem acaridade de lhe prestar auxlio. Na do fariseu e do publicano queentram no templo a orar, Deus despreza a orao daquele e ouve a dopublicano, sendo que os publicanos eram tidos por aviltados e de mnota pelos fariseus. de ver que tantas injrias (treze vezes lhes cha-mou hipcritas, segundo S. Mateus), apreciaes to esmagadoras emactos solenes e pblicos, no de um homem, mas de uma corporaoque abrangia quanto havia de representao social no reino e que porisso ficava reduzida no s exautorao e aniquilamento, mas ainda execrao pblica, s podiam liquidar-se pelo extermnio de um doscontendores Jesus ou a Sinagoga.

    Demais Jesus tinha provocado contra si iras populares (18) que,embora no pesassem muito na balana do litgio, davam expanso atmosfera de m vontade criada por seus inimigos em volta do seunome.

    Na regio dos Gesarenos permitiu que os demnios por ele expul-sos de um possesso entrassem nos rebanhos de porcos e os exterminas-sem a todos, ficando assim os proprietrios privados do seu ganha-po,

    (18) S. Lucas, 4-28, 29.

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    qui reduzidos misria, pelo que mui respeitosamente lhe pediramque os deixasse em paz, retirando-se da sua cidade e regio e fosse pre-gar a sua doutrina e fazer os seus milagres e curas a outras terras (19).

    Tolerava que seus discpulos roubassem para comer, facto certa-mente mal visto pelo povo agrcola, embora a razo de necessidade ojustificasse em parte (20).

    A estes inconvenientes juntem-se mais os seguintes de ordem tc-nica e doutrinria. Pregava sem ter jurisdio dos Prncipes dos Sacer-dotes e dos Ancios do Povo (21). Convivia com m gente publicanos epecadores e por isso os fariseus seguindo o provrbio acompanhacom o mau sers pior do que ele o apontavam como tal e propala-vam que expulsava os demnios e fazia os mais milagres e curas emnome de Satans (22). No cumpria a Lei Moisaica, isto , os Mandamen-tos dados por Deus a Moiss no tocante ao jejum mandando e ensi-nando seus dicpulos a jejuar e por isso seus inimigos concluam queno podia vir de Deus quem no observava os seus preceitos (23). Damesma forma transgredia os Mandamentos respeitantes satisfao dosbado, isto , do dia do Senhor, que para os judeus era como odomingo para ns cristos e parece que acintosamente procurava aque-les dias para publicamente, em actos solenes, com manifesto desprezoda Lei Divina, exercer certas obras, como jornadear, curar enfermos (24).Foi em Sbado que curou o homem da mo ressicada, o hidrpico e ocego de nascena, tudo molstias crnicas (25) de largos anos que nadaperdiam com a demora de mais um dia, donde a fraqueza, no conceitodos judeus, das razes que apresentou para justificar tais actos. Violavaa Lei Moisaica no tocante comida de carnes impuras (26). Desprezavaas tradies dos antigos, isto , as verdades que a Sinagoga ensinava ede que se julgava depositria, que para os judeus mereciam tanto cr-dito como a prpria Lei Moisaica (27), facto nada estranhvel visto quens os cristos respeitamos da mesma forma os ensinamentos tradicio-nais mantidos e ensinados pela Igreja.

    (19) S. Mateus, 8-33, 34; S. Lucas, 8-37.(20) Idem, 11-1; S. Marcos, 2-23; S. Lucas, 6-1.(21) Idem, 21-23.(22) Idem, 9-11 e 34.(23) Idem, 9-14; S. Marcos, 22-18; S. Lucas, 5-33.(24) Idem, 12-1.(25) Idem, 12-10; S. Lucas, 14-2; S. Joo, 9-1, 16(26) Idem, 15-17 e seg.(27) S. Mateus, 15-2; S. Marcos, 7-3 e seg.

  • xviiPRIMEIRO PREMBULOTOMO V

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    Debalde Jesus dava a razo dos motivos demolidores que o levavama romper com certo nmero de pieguices e prticas religiosas ridculasintroduzidas na pureza da Lei Moisaica, que ele veio completar e nodestruir, pelo requinte de alguns parvos fanatizados e pelo abuso deraciocnios e dedues alegricas de telogos msticos sem critrio.Debalde proclamava que essas tradies foram excogitadas peloshomens; a Sinagoga, ocultando os motivos reais de dio atrs visiona-dos contra Jesus que vinha acabar-lhe com a farta e fcil papadeira queera a sua vida hipcrita, reuniu, assoprou e espalhou todos estes ele-mentos, que prepararam a atmosfera de indiferena no povo com quefoi possvel a tragdia do Calvrio.

    O Sumo Pontfice e os prncipes dos sacerdotes, isto , o alto sacer-dcio, ao instaurar o processo contra Jesus, nem por sombras aludiramaos nomes injuriosos que lhes tinha dirigido, nem s transgressesherticas de Lei Moisaica, razes de pouco peso no seu esprito cnico eateu; invocaram porm motivos mais fortes de ordem social, quais o deconspirador contra o domnio romano negando-lhe tributos e o defomentar a independncia nacional proclamando-se rei, e, aprovei-tando-se de circunstncia acidental de blasfemo, conseguiram v-locondenado morte (28).

    S. Joo (29) diz mesmo que foram os prncipes dos sacerdotes e os seusoficiais que pediram a crucificao de Jesus a Pilatos e portanto sobreeles a maldio da sua iniquidade sanguis ejus super nos, et super filiosnostros.

    De resto o seu proceder humanamente olhado no passa de acto tri-vial de vingana odienta sombra da Lei, como tantos outros memora-dos na histria das perseguies religiosas. Devemos ser razoveis, Jesushumanamente falando, aos olhos da Sinagoga no passava de umherege e como tal foi justiado. A Igreja Catlica no cristianismo omesmo que a Sinagoga no Moisesmo, teve a mesma organizao umpontfice, como aquela, bispos com honras de prncipes, l chamadosprncipes dos sacerdotes, santos padres, telogos e canonistas, naqueladitos doutores da Lei e rabinos. Herdou-lhe o formulrio litrgico e,como ela, diz possuir as verdades da tradio de que mestra e nicadepositria. Pois, se aparecesse um homem, o prprio Jesus que fosse,abstraindo claro da sua divindade, que achincalhasse os seus minis-tros pela forma referida; que tivesse em menos conta as trs verdades

    (28) S. Joo, 18-13; 19-7; S. Mateus, 26-64; S. Lucas, 23-2.(29) S. Joo, 19-6; S. Mateus, 27-25.

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    da tradio; que se risse dessa tradio; que desprezasse os seus cno-nes, por mais milagres que fizesse, por melhor doutrina que pregassecomprovada por exemplar vida, tiravam-lhe logo as jurisdies de pre-gar, excomungavam-no e, se houvesse Inquisio, era queimado semdvida nenhuma. Seriam at os mais piedosos, os mais zelosos da f, osprimeiros a clamar pela extirpao do herege. Quanto aos milagresexplicavam-nos por feitiaria ou por arte diablica, por nevroses esugestionismo, pois no podia ser homem de Deus quem desprezava asua Lei, como diziam os fariseus, embora esse desprezo incidisse sobreformalismos e ninharias; no podia ser homem de Deus, diriam os bea-tos da catlica, quem no dava a vida pela menor das cerimnias doculto, ou quem no punha toda a conscincia na observncia materialdos textos cannicos enfronhando-se em pieguices devocionriasmuito pautadinhas, muito regradinhas, em preciosismos requintadossobre a gordura ortodoxa dum caldo de pobre em dia de abstinncia,ou de andores, anjinhos, etc., etc., em procisses e festas, pretendendoantes atender ao esprito dos mesmos cnones. A caracterstica damediocridade cingir-se a tristes preceitos, regras ou cnones.

    O clero israelita bem tratadinho, gorducho e rolio de formas, cora-dinho, lustroso de faces, apenas atento a beber e comer bem chasqueandoda mesa frugal, de quem se no tratava bem; preocupado com a vida fcil,cheia de comodismos, de horror a quanto representasse trabalhar, buliruma palha, privar-se de um copo de gua, de uma pequena viagem acavalo por esprito de penitncia nem sequer compreendia que tais pri-vaes fossem penitncia, servissem para ganhar o Cu limitava-se acorrerias, montado em muares e jumentos, alheio a quanto fosse gravi-dade e compustura de modos, de povoao para povoao, de igreja paraigreja, ou sejam sinagogas, procura vida de funes religiosas onde,para armar ao efeito de melhor deglutir o sangue das vivas, dos rfos,das almas piedosas, das esmolas dos fiis, papava longas oraes sem fnem piedade, nem ateno, ignorando mesmo o sentido do texto queinconscientemente mastigava, rindo, cavaqueando, conversando nosintervalos das rezas sem respeito pelo lugar sagrado.

    De quando em vez ostentava na ctedra pruridos, eruditos, dotesconcionatrios, deturpando o claro sentido da Lei com explicaes ale-gricas, msticas, simblicas, fazendo dizer aos textos quanto lhes con-vinha fora de subtilezas argutas; pregando a outra vida, a vida mor-tificada para os crentes ganharem o Cu, enquanto ele tratava deganhar a terra e salvar na moleza sedentria o rico corpinho.

    Penitncia, vida de abstenes, de mortificaes, de trabalhos e can-

  • xixPRIMEIRO PREMBULOTOMO V

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    seiras; vida frugal em tudo a fim de pelo menos no contradizer os seusrostos pingues, com a sua moleza inoperosa, com seus estmagos pan-tagrulicos e barrigas proeminentes, as austeridades sermonadas emordem ao Cu, para os outros que sobrecarregavam de preceitos e man-damentos quer morais, quer sociais, sem se dignarem dar dois passos,lanar um copo de gua, estender uma mo, sujeitar-se ao mais leveincmodo para lhos saliviar. Para ele o sossego giboiano dos estmagossatisfeitos, no fossem perturbar-lhes as fartas digestes, as nefrites, osreumatismos e quejandos sofrimentos atreitos s farturas indolentes.

    Materializado, incapaz de ver quanto no fosse o gozo dos sentidos,cptico, falho de caridade, valia-se de todos os preceitos para aumentarpagas de funes, explorao dos fiis a ttulo de actos religiosos, ren-dimentos a que chamava direitos sacerdotais, sempre achados peque-nos, acobertados sob o eufemismo de esmola o cmulo do sarcasmo.

    Por isso Jesus o azorragou pela forma referida, por isso veio refor-mar e no destruir a Lei, por isso escarnecida da sua meticulosidadeem ninharias tais como: a observncia dos cnones e preceitos discipli-nares, a tal formao sacerdotal, as gorduras admissveis em dias deabstinncia, a tolerncia comestvel de certos alimentos por seremlquidos, com excluso de outros por slidos, o segredo que se punhaem graas que deviam aproveitar a todos e quejandas coisas por esteteor que, embora fossem divinas, se deviam interpretar, no pelo sen-tido material dos textos, mas sim pelo esprito e fins do legislador, noduvidando exemplificar a sua inobservncia quando a caridade ououtros motivos de ordem moral, social ou humanitria se impunham.

    Heresia, tubacinavam os prncipes dos sacerdotes, os beatos curtosde intelecto, patetas fanatizados, que se diziam zeladores e guardas daLei, porque no observava os domingos, os jejuns, os dzimos, as ceri-mnias do culto e portanto no podia ser homem de Deus quem des-respeitava a sua Lei: chochice rematada, parvajolas amoucos, limpospor fora e podres por dentro, volvia-lhes Jesus: os motivos supra estoacima de tudo quando o esprito da Lei assim o autoriza.

    Para que vos esforais em buscar nos cnones fora de argueiros, desubtilezas, de raciocnios requintados, quando no so capciosos e fun-dados em motivos inconfessveis, obrigaes, dificuldades, cargas pesa-das, que lanais sobre os ombros dos vossos semelhantes e vs nem comum dedo os ajudais a lev-las? (30) A Lei a caridade, o amor do prximo; para amparar o homem nesta vida e salv-lo na outra e no para o

    (30) Allignt (os Fariseus) enim onera gravia, et importablia, et imponunt in humeros

  • PRIMEIRO PREMBULOTOMO V

    xx

    M E M R I A S A R Q U E O L G I C O - H I S T R I C A S D O D I S T R I T O D E B R A G A N A

    desesperar aqui com preceitos anti-naturais e faz-lo descrer da outrapela altura em que lhe pondes a bitola. Imbecis e perversos conduto-res!! mais cotao do que vs tero no Cu as meretrizes e os ladres.

    Como se compreende que, num sculo de tanta liberdade como onosso, os hebreus ainda escondam os seus arquivos? Estamos longe desupor que encerrem documentos comprometedores, maquinaessinistras ou se envergonhem de pertencer a essa raa.

    Envergonhar?! No foi Israel o primeiro povo que, anticipando-sede sculos, se elevou concepo da ideia monotesta; ao dogma daigualdade humana, quando a diviso das castas e o politesmo continu-aram por muitos sculos a aviltar a humanidade: concepes por talforma grandiosas que s por si bastam para lhe dar relevo mximo nacivilizao mundial?

    No foi Israel o primeiro e nico povo que soube imprimir talcarcter ao seu critrio cvico que, ainda desaparecido o reino, o seuideal de nao jamais se apaga, perpetuando inconfundvel atravs detodos os tempos este povo nico, produto nico da mais completalegislao humana quanto fixao do tipo tnico, ao passo que outrospovos egpcios, assrios, persas, gregos, romanos, etc. desaparece-ram aps certo perodo de brilhante preponderncia? No foi Israel onico povo que identificou a religio e suas festas com seus feitos naci-onais por forma to slida que a ideia de ptria h-de ser sempre umarealidade ou uma aspirao enquanto houver um judeu sobre a terra?As festas das outras religies, da Igreja Catlica, por exemplo, nadadizem ao sentimento nacional, representam simplesmente comemora-es religiosas; as do judeu, no; donde a superioridade da sua concep-o de ptria e dos motivos para lhes conservar a coeso tica. Veja-seadiante a confirmao ao tratar das Festas.

    No produziu Israel a mais bela e completa literatura, marca incon-fundvel da sua pujante civilizao, de quantas memrias com assom-bro admirativo a antiguidade incluindo a grega e a romana? A Bblia dizia o ilustre orientalista Jones contm .......................

    Aqui termina o primeiro caderno, reprovado por vrios motivos, e queo autor refundiu para a edio definitiva do livro, cuja leitura seguimosnesta reedio, apensando-lhe na ntegra esta primeira redaco.

    hominum: digito antem suo nolunt ea movere. S. Mateus, 23-4. Ou ento como diz S. Lucas 11--46: Ai de vs Doutores da Lei, que carregais os homens de obrigaes que eles no podem desem-penhar e vs nem com um dedo vosso lhes aliviais a carga.

  • ITOMO V

    M E M R I A S A R Q U E O L G I C O - H I S T R I C A S D O D I S T R I T O D E B R A G A N A

    Segundo Prembulo

    q

    Se estas Memrias Arqueolgico-Histricas pudessem ficar completaspor forma a corresponder ao subttulo que lhe pusemos, ou seja, aenglobar quanto o nosso distrito possa interessar cincia em todas assuas manifestaes, sem este volume, jamais o publicaramos.

    Em verdade, a sua elaborao tem-nos sido vasto alfobre de mortifi-caes. No tomo 4, p. 397, em nota, e p. 679, dissemos alguma coisasobre o caso, mas no tudo. Das noitadas de frio siberiano e vendavaldesfeito apanhadas, em 10 de Dezembro de 1907, numa excurso aoMogadouro; em 9 de Maio de 1909, noutra a Chaves por Valpaos paraexaminar a lpide do Deus Larocu em Curral-de-Vacas; em 23 de Junhode 1910, noutra a Miranda do Douro, e em outras mais, resultou-nosuma bronquite crnica e este reumatismo que nos serra os ossos.

    Em 4 de Julho de 1909, quando procurvamos determinar a trajec-tria do exrcito invasor francs pelo norte do distrito de Bragana,quiseram prender-me e ao meu companheiro P.e Jos Miguel Machado,em Pedralva (Espanha), porque aquela gente no acreditava que fosseeste o motivo, mas sim o de colher informaes para mais a salvo assal-tar alguns moradores ricos.

    Em 28 de Janeiro de 1908 quiseram espancar-me em Malta, porentenderem que lhes queria levar, por artes mgicas, a lpide do deusAerno que tinha ido examinar.

  • SEGUNDO PREMBULOTOMO V

    II

    M E M R I A S A R Q U E O L G I C O - H I S T R I C A S D O D I S T R I T O D E B R A G A N A

    Em 20 de Novembro de 1918, fatigadssimo aps uma viagem deseis lguas a p, perdido em parte, sem atinar com o caminho, quandoprocurava determinar a estrada militar romana de Braga a Astorga eestudar o milirio de San Vitero (Espanha), fui assediado e o meu com-panheiro, P.e Manuel Palmeira, pelo alcaide de San Vitero, sus hombresde justicia e vrio povileu, ao todo uns vinte e cinco hombres, porque,diziam eles: o marron (milirio), que ningum tinha sido capaz de ler,podia conter um segredo essencial para a segurana de Espanha, sendoportanto necessrio toda a cautela; que Cuba se perdera exactamentepor se no tomarem precaues talvez como as que eles projectavam;que quis seramos ns at alguns anarquistas que amos tramar con-tra a segurana de su reino.

    Enfim, aps algumas horas, passadas em ouvir argumentos desteteor, l nos deixaram ir dormir, na certeza de nos prender no diaseguinte.

    Se estas linhas passarem um dia sob os olhos da hoteleira AquilinaFerrero, alistana mais viva que um coral, saiba que sempre me lembra-rei com reconhecimento dos bons ofcios ento empregados em prol danossa inofensidade e misso pacfica.

    Em 1924 quiseram espancar-me e aos meus companheiros Drs. RalManuel Teixeira, Juiz de Direito, e Pedro Vitorino, conservador doMuseu Municipal do Porto, em Marzago, quando procurava elemen-tos para um estudo sobre Carrazeda de Ansies e no achmos quempor dinheiro nos quisesse recolher em casa e vender gneros aliment-cios. E, fatigadssimos, aps um dia de jornada a p pelo concelho, mor-tos de fome, encharcados de gua, escuro como breu, sem saber cami-nho nem carreira, nem ver palmo de terra, tivemos de recolher a Car-razeda de Ansies, cinco quilmetros distante. Afinal tinham razo,segundo dizia o Dr. Ral: eu que tive a culpa porque aquela gente,olhando minha desleixada indumentria, tomou-me por gatuno oucoisa parecida e a eles por arrombadores dos bens das igrejas. Passadosdias, quando l voltmos, aquele povo deu-nos exuberantes provas daclssica hospitalidade trasmontana. possvel que assim fosse, quantoa mim, porque em 1923, quando ia aos Exerccios Espirituais a Vinhaisa p, como costumo, tomaram-me em Vila Verde por criado do meucompanheiro, P.e Joo Antnio Martins, proco de Meixedo.

    Em 19 quando me apresentei ao Amaral, secretrio da Cmara deAlfndega da F, com o meu velho casaco j muito delido e coberto dep da viagem e lhe disse que queria pedir-lhe um favor, meteu a moao bolso e s deixou cair nele os seis vintns que ia dar-me de esmola,

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    como depois me contou o bom amigo Mendes Pereira, quando acres-centei que o pedido era para me facultar o estudo dos pergaminhos doarquivo a seu cargo. Faltava esta nota do caricato ao tragicmico refe-rido.

    Burlescas, para no dizer outra coisa, e bem, so as condies emque encontrei em 1892 na Rua Direita da Vila de Chaves, numa montu-reira de dejeces e concomitantes, a primeira Lista dos condenados naInquisio; por ela vim ao conhecimento que havia mais do mesmognero, coisa que ignorava e tal conhecimento forneceu-me a principalbase deste trabalho. Ainda conservo esta relquia venerada, que ostentao carimbo inconfundvel dos lugares por onde andou, resistente maissolcita lavagem.

    Devo tambm ter em linha de conta que por trs vezes me bateu afortuna porta por forma a poder contar hoje com o melhor de qui-nhentos contos, de que nenhum caso fiz para mais despreocupadamenteme consagrar ao meu torro, ao distrito de Bragana Os Meus Amo-res causa que tenho em vista.

    Pois, todas estas contrariedades, todas estas arrelias, todo este lucrocessante e dano emergente, nada em comparao ao pesar que sintoao publicar este volume, porque sei por experincia prpria e pelo quedizem outros investigadores (1) o mistrio que os israelitas fazem dosseus arquivos lamentvel e triste acanhamento de critrio j que hojetudo se patenteia investigao histrica e porque, na sequncia destesprecedentes, me lembra que algum querer ver neste trabalho dumsacerdote cristo intuitos reservados de dio sectrio.

    Em verdade devo declarar que nenhuma paixo destas me move.Quando escrevo olho aos factos e no s pessoas ou colectividades. Vas-tas passagens ficam nesta obra pouco agradveis ao clero e nem por issoas omito (2).

    Para mim, um protestante, judeu, maometano, bramanista, confuci-anista, zoroastrista ou outro de qualquer religio que seja, de boa-f,merece-me todo o respeito e venerao. Todos adoram a Deus e, se nomodo da adorao divergem, resta-me lament-los como cristo e orarpor eles. Quem no h-de respeitar a sinceridade do israelita AntnioRodrigues de Mesquita, adiante apontado sob o nmero 1626-A?

    (1) REMDIOS, Mendes dos Os Judeus Portugueses em Amesterdam, 1911, p. 3 e 4.(2) Tomo III destas Memrias Arqueolgico-Histricas, p. 9, 89, 92, 248, 221. Tomo IV p. 208,360 657 e seg. em vrios outros que seria longo enumerar.

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    IV

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    Odiar o jeovista? Pois no pela graa de Deus que eu sou cristo,por nascer e ser educado nesta religio como seria protestante, judeuou maometano se nascesse noutra terra e at indiferentista se assim metivessem dirigido? Podia estudar e comparar, certo, as diversas reli-gies e escolher a melhor: mas so tantas, quase inumerveis; nem todasse conhecem e quem tem tempo e competncia para o fazer e depoisliberdade de escolha, sendo incontestvel que o que o bero d a tumbao leva e que a raa, o meio e o momento coarctaram mais do que mui-tos pensam a liberdade das nossas aces?

    Odiar os judeus?! Mataram Cristo, diro. caso de parafrasear ogrande Santo feliz morte que nos trouxe um tal Redentor. Mataram--no porque pregava contra o existente; contra as sinecuras proventosasdos alapardados sombra da Lei; revolucionava o povo; pregava contraos ricos e poderosos e a favor dos proletrios; pregava um socialismo,chamemos-lhe assim, o socialismo que surge em todas as nacionalida-des quando corrompidas pelas prepotncias dos grandes aambarcado-res, dos locupletados custa da misria alheia; pregava uma melhorcompreenso dos deveres sociais e humanitrios; pregava contra o altosacerdcio que engendrava uns cnones, uma teologia, dita Cabala, aseu modo, para melhor governar e governar-se e estes, principalmente,porque lhes mexia nos interesses que o mataram. Pois se voltasse denovo ao mundo e azorragasse uns tantos mandes fariseus que lhe mer-cadejam e deturpam a doutrina, infalivelmente seria mandado fuzilarpela segunda vez.

    Cacarejando igualdade, fraternidade e liberdade de pensamento,no fuzilam as nacionalidades quantos pregam contra as instituies,contra o existente, contra os poderosos em nossos dias? No foi sempreassim em todos os tempos?

    Que admira que uma dzia de sacerdotes israelitas, seguidos pelaclaque de sacristos imbecis, como surgem em todas as religies amando do alto clero, a mando do Sumo pontfice, dos prncipes dossacerdotes, a quem feria os interesses, a quem exprobava os requintesde uma piedade amaneirada, cheia de formalismos praxistas e piegui-ces beatas; as longas oraes excogitadas pela teologia pura para melhorexplorar a pretexto de actos piedosos e obras pias (3); as tendncias aestabelecer a realeza social do moisesmo cabalstico; a mania da infalibi-lidade que os dirigentes se arrogavam como depositrios da verdade

    (3) Vae vobis Scrivae et Pharizaei hypocritae: quia comoditis demos viduarum, orationes longasorantes. S. Mateus, 23-14.

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    tradicional confiada sua igreja, verdade que eles tinham alteradomuito fora de subtilezas excogitadas pela sua escolstica teolgicaque intitulavam filosofia. Sim, porque a verdade para eles no estava noPentateuco ou seja na Bblia, mas sim na interpretao que eles lhedavam. Como se eles fossem mais sbios que o dador da Lei. Queadmira, digo, que estes o matassem? Eles que foram os responsveis;o resto do povo, o verdadeiro, autntico povo israelita, nenhuma culpateve, como se v de S. Mateus, 26-5, onde diz claramente que no que-ria prend-lo em dia de festa, no fosse amotinar-se o povo.

    Como que o cristo h-de aborrecer o judeu? No era Cristo judeue judeus S. Pedro, o fundador da Igreja, S. Paulo, o seu maior doutor, osapstolos, pregoeiros do cristianismo, alguns dos seus maiores piedo-sos santos, papas e grandes homens? No tem a Igreja por regra funda-mental a Bblia que o tambm, em parte, para os israelitas? No rece-beu da Sinagoga a Igreja as suas instrues fundamentais, a sua liturgiaos seus formulrios de preces, a sua exegese bblica? No rezam aindahoje os sacerdotes cristos o seu Brevirio pelo mesmo teor, no fundo,que o fazem os ministros da Sinagoga? No mosaico no fundo o nossoculto e sem originalidade muitas prticas da Igreja que simplesmentecopiou e adoptou a orientao jeovista? No , em suma, o cristianismofilho do mosesmo? Como poderemos pois odiar os seus sequazes?

    Demais, como todos somos filhos, netos, bisnetos, terceiros e quartosnetos de trinta e dois indivduos, para s falar dos graus de parentescocannico, sendo que nossos sextos avs oram por 128, isto em menosde dois sculos, quem garante que entre tantos promanados de 256 tron-cos, no houvesse colaborao gensica semita, sabendo-se que no hgerao sem conde e ladro, segundo reza o provrbio popular. Adianteveremos o grito do povo nas cortes de vora em 1490 a dar-nos razo.

    Tenho observado que a extrema religiosidade, a exuberncia pie-dosa de muitas criaturas devotas, nem sempre marca a limpidez dumcristo-velho, como geralmente se pensa; mas sim qualquer influnciade sangue israelita. O moisesmo a mais fecunda das religies em pr-ticas religiosas. E por outro lado tambm influir por atavismo a pressaque os renegados, adesivos, da ltima hora, ostentam para se arrogarsinceridade, tom de proslitos histricos.

    O corpo sacerdotal israelita pertencia principalmente ao partidopoltico-religioso chamado dos Fariseus que se tinha como sendo damelhor gente, embora pelo dos Escribas e dos Saduceus, alguns seencontrassem espalhados; por isso que Jesus querendo fustigar ossacerdotes os trata por Fariseus, Escribas e Saduceus.

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    VI

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    Todo o captulo XXIII de S. Mateus a carga mais formidvel que sepode fazer a uma corporao ou aos homens que a compem. Nele sel que os Escribas, Fariseus e Doutores da Lei pregavam uma coisa efaziam outra; que impunham rigorosamente preceitos aos outrosenquanto eles andavam na pndega e na vida regalada, comendo ebebendo custa de intrujices; que se algum bem praticavam era porvaidade para dar nas vistas, para serem louvados do mundo; que que-riam os primeiros lugares nos banquetes, nas sinagogas e actos pbli-cos e o ttulo de mestres, sendo portanto vaidosos e soberbos; que, paradevorar as casas das vivas e dos espritos fracos, a pretexto de rezas esufrgios, pregavam mil dificuldades para ganhar o cu; que punhamtodo o empenho em ninharias e fteis prticas de actos religiosos comoera a paga do dzimo da hortel, do endro, do cominho e de todas asoutras ervas, esquecendo o essencial, isto , a justia, a misericrdia, af, o amor de Deus; que lanavam fora um mosquito e engoliam umcamelo, que punham todo o cuidado em exterioridades parecendomuito lavados e brancos por fora e por dentro eram sepulcros infectos,cheios de podrido; que cooperavam moralmente com os seus pais nossacrlegos morticnios dos profetas.

    Mesmo nas parbolas e exemplos que apresentava no poupa asreferncias fulminantes. Assim no caso do homem roubado e espan-cado pelos ladres S. Lucas, X-30 e seg., o levita e o sacerdote passamde largo, s o samaritano, gente desprezada pelos judeus, que tem acaridade de lhe prestar auxlio. No do fariseu e do publicano queentram no templo a orar, Deus despreza a orao daquele e ouve a dopublicano, sendo que os publicanos eram tidos por aviltados e de mnota pelos fariseus. de ver que tantas invectivas (treze vezes lhes cha-mou hipcritas, segundo S. Mateus), apreciaes to esmagadoras emactos solenes e pblicos, no de um homem, mas de uma corporaoque abrangia quanto havia de representao social no reino e que porisso ficava reduzida no s exautorao e aniquilamento, mas ainda execrao pblica, s podiam liquidar-se pelo extermnio de um doscontendores Jesus ou a Sinagoga.

    Debalde Jesus dava a razo dos motivos demolidores que o levavama romper com certo nmero de pieguices e prticas religiosas ridculasintroduzidas na pureza da Lei Moisaica, que ele veio completar e nodestruir, pelo requinte de alguns parvos fanatizados e pelo abuso deraciocnios e dedues alegricas de telogos msticos sem critrio.Debalde proclamava que essas tradies foram excogitadas peloshomens; a Sinagoga, ocultando os motivos reais de dio atrs visiona-

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    dos contra Jesus que vinha acabar-lhe com a farta e fcil papadeira queera a sua vida hipcrita, reuniu, assoprou e espalhou todos estes ele-mentos, que prepararam a atmosfera de indiferena no povo com quefoi possvel a tragdia do Calvrio.

    O Sumo Pontfice e os prncipes dos sacerdotes, isto , o alto sacer-dcio, ao instaurar o processo contra Jesus, nem por sombras aludirams invectivas que lhes tinha dirigido, razes de pouco peso no seu esp-rito cnico e ateu; invocaram porm motivos mais fortes de ordemsocial, quais o de conspirador contra o domnio romano negando-lhetributos e o de fomentar a independncia nacional proclamando-se rei,e, acusando-o de blasfemo, conseguiram v-lo condenado morte (4).

    S. Joo (5) diz mesmo que foram os prncipes dos sacerdotes e os seusoficiais que pediram a crucificao de Jesus a Pilatos e portanto sobreeles a maldio da sua iniquidade sanguis ejus super nos, et super filiosnostros.

    De resto o seu proceder humanamente olhado no passa de acto tri-vial de vingana odienta sombra da Lei, como tantos outros memora-dos na histria das perseguies religiosas.

    A Sinagoga, no Moisesmo, teve uma organizao anloga da igrejaCatlica: um pontfice, bispos com honras de prncipes, l chamadosprncipes dos sacerdotes, santos padres, telogos e canonistas, naqueladitos doutores da Lei e rabinos. Tinha o formulrio litrgico e diziapossuir as verdades da tradio de que mestra e nica depositria.Pois, se aparecesse um homem, o prprio Jesus que fosse, abstraindo claro da sua divindade, que tratasse hoje os seus ministros pela formareferida, por mais milagres que fizesse, por melhor doutrina que pre-gasse comprovada por exemplar vida, tiravam-lhe logo as jurisdiesde pregar, excomungavam-no e, se houvesse Inquisio, era queimadosem dvida nenhuma. Quanto aos milagres explicavam-nos por feiti-aria ou por arte diablica, por nevroses e sugestionismo, pois nopodia ser homem de Deus quem desprezava a sua Lei, como diziam osfariseus, embora esse desprezo incidisse sobre formalismos e ninharias;no podia ser homem de Deus, diriam certos beatos de hoje, quem nodava a vida pela menor das cerimnias do culto, ou quem no punhatoda a conscincia na observncia material dos textos cannicos enfro-nhando-se em pieguices devocionrias muito pautadinhas, muito

    (4) S. Joo, 18-13; 19-7 S. Mateus, 26-64; S. Lucas, 23-2.(5) S. Joo, 19-6; S. Mateus, 27-25.

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    VIII

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    regradinhas, em preciosismos requintados sobre a gordura ortodoxadum caldo de pobre em dia de abstinncia, ou de andores, anjinhos,etc., etc., em procisses e festas, pretendendo antes atender ao espritodos mesmos cnones. A caracterstica da mediocridade cingir-se atristes preceitos, regras ou cnones.

    O clero israelita bem tratadinho, gorducho e rolio de formas, cora-dinho, lustroso de faces, apenas atento a beber e comer bem chas-queando a mesa frugal, de quem se no tratava bem; preocupado coma vida fcil, cheia de comodismos, de horror a quanto representassetrabalhar, bulir uma palha, privar-se de um copo de gua, de umapequena viagem a cavalo por esprito de penitncia nem sequer com-preendia que tais privaes fossem penitncia, servissem para ganhar oCu limitava-se a correrias, montado em muares e jumentos, alheio aquanto fosse gravidade e compustura de modas, de povoao parapovoao, de igreja para igreja, ou sejam sinagogas, procura vida defunes religiosas onde, para armar ao efeito de melhor digerir o san-gue das vivas, dos rfos, das almas piedosas, das esmolas dos fiis,comia longas oraes sem f nem piedade nem ateno, ignorandomesmo o sentido do texto que inconscientemente mastigava, rindo,cavaqueando, conversando nos intervalos das rezas sem respeito pelolugar sagrado.

    De quando em vez ostentava na ctedra pruridos, eruditos, dotesconcionatrios, deturpando o claro sentido da Lei com explicaes ale-gricas, msticas, simblicas, fazendo dizer aos textos quanto lhes con-vinha fora de subtilezas argutas; pregando a outra vida, a vida mor-tificada para os crentes ganharem o Cu, enquanto ele tratava deganhar a terra e salvar na moleza sedentria o rico corpinho.

    Penitncia, vida de abstenes, de mortificaes, de trabalhos e can-seiras; vida frugal em tudo a fim de pelo menos no contradizer os seusrostos pingues, com a sua moleza inoperosa, com seus estmagos pan-tagrulicos e barrigas proeminentes, as austeridades sermonadas emordem ao Cu, para os outros que sobrecarregavam de preceitos e man-damentos quer morais, quer sociais, sem se dignarem dar dois passos,lanar um copo de gua, estender uma mo, sujeitar-se ao mais leveincmodo para lho saliviar. Para ele o sossego giboiano dos estmagossatisfeitos, no fossem perturbar-lhes as fartas digestes, as nefrites, osreumatismos e quejandos sofrimentos atreitos s farturas indolentes.

    Materializado, incapaz de ver quanto no fosse o gozo dos sentidos,cptico, falho de caridade, valia-se de todos os preceitos para aumentarpagas de funes, explorao dos fiis a ttulo de actos religiosos, ren-

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    dimentos a que chamava direitos sacerdotais, sempre achados peque-nos, acobertados sob o eufemismo de esmola o cmulo do sarcasmo.

    Por isso Jesus o azorragou pela forma referida, por isso veio refor-mar e no destruir a Lei, por isso escarnecida da sua meticulosidadeem ninharias tais como: a observncia dos cnones e preceitos discipli-nares, a tal formao sacerdotal, as gorduras admissveis em dias deabstinncia, a tolerncia comestvel de certos alimentos por seremlquidos, com excluso de outros por slidos, o segredo que se punhaem graas que deviam aproveitar a todos e quejandas coisas por esteteor que, embora fossem divinas, se deviam interpretar, no pelo sen-tido material dos textos, mas sim pelo esprito e fins do legislador, noduvidando exemplificar a sua inobservncia quando a caridade ououtros motivos de ordem moral, social ou humanitria se impunham.

    Heresia, tubacinavam os prncipes dos sacerdotes, os beatos curtosde intelecto, patetas fanatizados, que se diziam zeladores e guardas daLei, porque no observava os domingos, os jejuns, os dzimos, as ceri-mnias do culto e portanto no podia ser homem de Deus quem des-respeitava a sua Lei: chochice rematada, parvajolas amoucos limpospor fora e podres por dentro, volvia-lhes Jesus: os motivos supra estoacima de tudo quando o esprito da Lei assim o autoriza.

    Para que vos esforais em buscar nos cnones fora de argueiros,de subtilezas, de raciocnios requintados, quando no so capciosos efundados em motivos inconfessveis, obrigaes, dificuldades, cargaspesadas, que lanais sobre os ombros dos vossos semelhantes e vs nemcom um dedo os ajudais a lev-las? (6) A Lei a caridade, o amor do pr-ximo; para amparar o homem nesta vida e salv-lo na outra e nopara o desesperar aqui com preceitos anti-naturais e faz-lo descrer daoutra pela altura em que lhe pondes a bitola. Imbecis e perversos con-dutores!!

    Como se compreende que, num sculo de tanta liberdade como onosso, os hebreus ainda escondam os seus arquivos? Estamos longe desupor que encerrem documentos comprometedores, maquinaessinistras ou se envergonhem de pertencer a essa raa.

    Envergonhar?! No foi Israel o primeiro povo que, antecipando-sede sculos, se elevou concepo da ideia monotesta; ao dogma da

    (6) Allignt (os Fariseus) enim onera gravia, et importablia, et imponunt iu humeros homi-num: digito antem suo nolunt ea movere. S. Mateus, 23-4. Ou ento como diz S. Lucas 11-46:Ai de vs Doutores da Lei, que carregais os homens de obrigaes que eles no podem desempe-nhar e vs nem com um dedo vosso lhes aliviais a carga.

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    X

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    igualdade humana, quando a diviso das castas e o politesmo continu-aram por muitos sculos a aviltar a humanidade: concepes por talforma grandiosas que s por si bastam para lhe dar relevo mximo nacivilizao mundial?

    No foi Israel o primeiro e nico povo que soube imprimir tal carc-ter ao seu critrio cvico que, ainda desaparecido o reino, o seu ideal denao jamais se apaga, perpetuando inconfundvel atravs de todos ostempos este povo nico, produto nico da mais completa legislaohumana quanto fixao do tipo tnico, ao passo que outros povos egpcios, assrios, persas, gregos, romanos, etc. desapareceram apscerto perodo de brilhante preponderncia? No foi Israel o nico povoque identificou a religio e suas festas com seus feitos nacionais porforma to slida que a ideia de ptria h-de ser sempre uma realidadeou uma aspirao enquanto houver um judeu sobre a terra? As festasdas outras religies nada dizem ao sentimento nacional, representamsimplesmente comemoraes religiosas; as do judeu, no; donde a supe-rioridade da sua concepo de ptria e dos motivos para lhes conservara coeso tica. Veja-se adiante a confirmao ao tratar das Festas.

    No produziu Israel a mais bela e completa literatura, marca incon-fundvel da sua pujante civilizao, de quantas memrias com assom-bro admirativo a antiguidade inclundo a grega e a romana? A Bblia dizia o ilustre orientalista Jones contm mais eloquncia, mais verda-des histricas, mais moralidade, mais riquezas poticas e, numa pala-vra, mais belezas em todos os gneros, do que se poderiam encontrarem todos os outros livros reunidos em qualquer sculo e em qualquerlngua que tenham sido compostos (7).

    No produziu Israel a Moiss, o maior homem que a Histriaconhece, que foi conjuntamente poeta e profeta insigne, o primeiro doshistoriadores, legislador profundo, poltico e libertador? (8). No pro-duziu Israel o Declogo, o cdigo mais perfeito e singelo que existe,bastante, s por si, para fazer a felicidade humana?

    No criou Israel um estilo arquitectnico este o sinete das civili-zaes fortemente mentalizadas to largamente aproveitado em nos-sos templos nos fustes das colunas ditas salomnicas e na renascenado sculo XVII?

    No foi Israel o nico povo que elevou a dogma de f a circunciso,extraordinria medida de profundo alcance higinico e social? No foi

    (7) CANTU, Csar Histria Universal, traduo de Bernardes Branco, liv. II, cap. X.(8) Idem, livro II, cap. V.

  • XISEGUNDO PREMBULOTOMO V

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    Israel o nico que teve uma viso ntida da questo proletria que hojepreocupa os estadistas de todo o mundo e a resolveu por forma aceit-vel?

    No marcha Israel na vanguarda da ideia social preparando nasmonarquias o advento da repblica; nestas o do socialismo, comu-nismo, nihilismo, sovietismo, etc., assim sucessivamente em todas essasfrmulas de governo, frmulas que ho-de ter uma realidade, vista atendncia do existente para abusar, donde a necessidade de o corrigir?Os retardatrios que no querem nem sabem andar, os conservadores,porque no compreendem, cem anos atrasados como andam, ou por-que esto bem e no querem que lhes perturbem as digestes, gritam eficam-se a levar pancada s ingressando no novo regmen quando jest com o p no estribo para nova etapa e, mal o assente, repetir apancadaria por se ficarem a suspirar pelo anterior. O clero neste pontoexemplo clssico; o judeu, porm, anda.

    No Israel quem leva a palma na concepo do complicadssimoproblema financeiro em que tm aparecido solues assombrosas detalento por ser o que afinal domina o mundo, o qual por sucessivas evo-lues chegou a esta maravilhosa tcnica que o capitalismo internaci-onal dos nossos dias? Neste ponto a Igreja Catlica desarma seus filhospara a luta pela vida com as noes de desterro transitrio nestemundo, de justo preo nas transaces e de repulso pelos juros quevigoraram durante sculos, hoje porm modificadas desde que a pro-funda intuio do judeu imps a sua realidade. Mas as outras raas,embora estranhas a estes motivos de crena, nem por isso trouxeramao problema solues apreciveis.

    No representa o israelita a raa triunfante, a raa vencedora, a quedomina o mundo pelo negcio, pelo comrcio, pelo dinheiro, pelafinana, pelo capitalismo, dando leis nas chancelarias, nos gabinetes,nos senados, nas cmaras, nos ministrios, na diplomacia, manobrandoenfim na sombra ou s claras os cordelinhos que dirigem a polticamundial, os interesses vitais das naes e das colectividades? No pre-pondera, ao menos pelo nmero, o israelita no professorado, na magis-tratura, no exrcito, na burocracia, no emprego pblico com postocerto mesa do oramento, na medicina, na advocacia e no mais ondese pode governar a vida tripa forra ou quase, sem grande dispndiode energias fsicas? Aqui neste ponto, nesta influncia de hebreu, queest a razo da m vontade que alguns lhe mostram, que no na diver-sidade de crenas religiosas. No divergncia de credos; inveja dosincapazes s faculdades superiores de trepao e videirismo do semita,

  • SEGUNDO PREMBULOTOMO V

    XII

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    s suas facilidades de furar pelo mar da vida, de vento em popa, emba-lado pela fortuna.

    de ver que este furor de arranjar fortuna arraste processos menosdecorosos, donde o grito de alarme soltado pela sabedoria das naesna frmula concisa dita provrbio popular no te fintes em judeu, nemem parente seu , que provavelmente algum da raa, para lhe atenuar osefeitos, distribuindo por outros a dose, glozou:

    No te fintes em judeu nem em parente seu,Nem em homem de Viseu;Porm o bragus pior que todos trs,E o do Porto com o seu contrato pior que todos quatro.

    Defendem-se ainda alegando que judeu quer dizer ajudado de Deuse, na verdade, parecem em contnua realizao atravs dos sculos aspromessas do Salmista onde Jehov, seu Deus, garante aos israelitas queconservar os seus crentes in ternum dando-lhes a posse de toda aterra por todos os sculos dos sculos ipsi hereditabunt terram insculum sculi e, pelo contrrio, sobre os no israelitas lanara o esp-rito das tormentas, as insdias e dolos at acabar com eles (9).

    Desejando contribuir para o exacto conhecimento do povo bragan-ano em todas as suas manifestaes tnicas pareceu-me convenienteresenhar o elemento semita que nele entra como factor aprecivel. AsListas inquisitoriais forneceram-me a base principal desse elemento.Com isto no defendo nem condeno aquele tribunal; lamento a estrei-teza de vistas, o acanhado ambiente intelectual relativo liberdade deconscincia e dignidade humana que o produziu. No devemos aindaassim julg-lo pelo critrio da nossa poca vasado em moldes demelhor compreenso dos sentimentos humanitrios e de tolerncia,pois a boa crtica manda avaliar as instituies pela craveira mentaldominante ao tempo e no pelo critrio do sculo XX que se devemaferir as do XVI.

    Os horrores do Santo Ofcio, a denncia, a tortura, a pol, afogueira, so frases bombsticas de efeito teatral, sntese da combativi-dade que ainda electrizam papalvos ignaros e tanto mais quanto menoslhes compreendem a significao; a Histria imparcial, porm, mostraque esse tribunal nada excede em severidade os cdigos penais domi-nantes ao tempo ainda mais brbaros e mais selvagens haja vista o

    (9) Salmos 10-7; 36-9, 28 e 29.

  • XIIISEGUNDO PREMBULOTOMO V

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    quinto livro das nossas Ordenaes onde a cada passo se l: o que fizeristo, aquilo, etc., morra por ele; seja queimado; morra de morte naturalcruelmente, sendo-lhe tambm aplicada a tortura, os tratos de pol paralhe extorquir a verdade. De resto no vemos ainda hoje, que tantas ver-rinas se empregam contra a tortura, recorrer a outra no menos ferozda fome, privao de ar, de toda a higiene; aos espancamentos nas pri-ses com morte violenta muitas vezes; aos interrogatrios a altas horasda noite para aterrar, a mil infmias por este teor?

    por isso que um nosso escritor contemporneo, liberal convicto,diz: convm ter presente que os castigos, ou mais latamente falando,os tormentos aplicados pelo tribunal da Inquisio eram, em geral, osque se achavam consignados na legislao comum daqueles tempos,como se pode ver manuseando as nossas Ordenaes, e que por issocontinuaram a figurar no Regimento do Santo Ofcio referendado peloMarqus de Pombal em 1774, e em que se no acabou em absoluto coma fogueira e com os autos de f (10). Ainda sobre o mesmo assunto, dizoutro: quanto s torturas sofridas nos crceres e s sentenas infligi-das, a Inquisio procedia com menos severidade que a justia secularquer em Portugal, quer em outros pases, e os seus oficiais procuravamque o ru confessasse as suas culpas, assim livrando-se da pena ltima (11).Pelo contrrio, a justia secular no costumava fazer o mnimo esforopara poupar as vidas; segundo Ston, nos 38 anos do reinado de Henri-que VIII, nada menos de 72.000 pessoas foram mortas pela justia (emInglaterra). A Inquisio fica bem colocada se se comparam os porme-nores dos processos no livro do Snr. Baio (Episdios dramticos daInquisio portuguesa, por Antnio Baio, 1919) com a dos Tvoras empleno sculo XVIII, no consulado do Pombal, e sobretudo com os supl-cios dos mrtires catlicos e das bruxas em Inglaterra. Calcula-se que30.000 pessoas acusadas de bruxaria sofreram a pena ltima na Gr--Bretanha, nmero quase dez vezes maior que o dos mortos pela Inqui-sio em Portugal nos duzentos anos da sua existncia O perigo dojudasmo no era para desprezar, e quem sabe mais deste assunto emPortugal assegurou-me recentemente que, na sua opinio, se no fossea Inquisio, o pas seria quase todo dos judeus. Isto tem de serdemonstrado, mas, a ser verdade, seria uma cabal justificao do SantoOfcio. Contudo j sabemos bastante para no estranhar que tanto aIgreja como o Estado tenham lutado com todas as suas foras contra o

    (10) FREITAS, Jordo de, Dirio de Notcias (Maro de 1914).(11) PRESTAGE, Edgar, Revista de Histria (1920), p. 157

  • SEGUNDO PREMBULOTOMO V

    XIV

    M E M R I A S A R Q U E O L G I C O - H I S T R I C A S D O D I S T R I T O D E B R A G A N A

    corpo estranho e anti-nacional que era a gente de nao. A Igrejatinha a obrigao de defender a religio crist ameaada por clrigosmpios como Antnio Homem, enquanto a hostilidade do Estado foifundada em motivos econmicos, os que em todos os tempos e todosos pases excitavam os povos contra a raa proscrita. Convm lembrarque a Inquisio portuguesa era simptica a todas as classes que odia-vam os judeus por sua inteligncia superior e esprito ganancioso, aindamais que por motivos religiosos. Por isso erro grave pensar que o tri-bunal existia pelo apoio que lhe dava o fanatismo dos ministros daIgreja. certo que o catolicismo aqui e em Espanha era mais intole-rante que em outros pases e em matria de f os portugueses erammais papistas que o papa Antnio Vieira apontava inutilmente paraRoma, onde os judeus tinham Sinagoga e praticavam livremente a suareligio (12).

    Segundo as Ordenaes que, como sabido, foram lei do reinodurante muitos sculos at meados do XIX, a pena de morte era, pura esimplesmente, dita ento natural, ou morte natural cruelmente, mortepelo fogo at reduzir a p a vtima, ou morte precedida do decepa-mento das mos. pena de confisco de bens e antecedente andciamuitas vezes juntava-se a de infmia que incapacitava para toda a vidasocial civil, estendendo-se a filhos e netos e os inibia da herana debens, tanto de parentes como de estranhos, inclusive de possuir coisaque lhes fosse dada.

    A tortura era variada, pelo geral abrangia: aoites 40 para os escra-vos e 30 para os outros, dados com vara ou chicote , corte ou decepa-mento das mos, etc. seja atazanado e lhe sejam decepadas as mos emorra de morte natural na forca. Os tormentos da tortura podiamrepetir-se sempre que o juiz estava convencido da criminalidade do ruat lhe extorquir a verdade. Em alguns casos at os nomes dos denunci-antes e das testemunhas ficavam ocultos e no confisco de bens o denun-ciante tinha uma parte, metade pelo geral. Pela seguinte lista melhor sefar ideia da crueldade ento dominante.

    (12) Adiante veremos a confirmao no n 1430 em que o delinquente evita a fogueira.

  • XVSEGUNDO PREMBULOTOMO V

    M E M R I A S A R Q U E O L G I C O - H I S T R I C A S D O D I S T R I T O D E B R A G A N A

    Prticas de feitiaria..........................................................................

    Lesa majestade ..................................................................................

    Dizer mal do rei ................................................................................

    Abrir cartas do rei, rainha ou de outras pessoas conjuntas em

    representao social......................................................................

    Conselheiros do rei e desembargadores que descobrem o segredo

    profissional ..................................................................................

    Moedeiros falsos ..............................................................................

    Sodomia, bestialidade ......................................................................

    Cpula de cristo com infiel (judeu ou mouro)..............................

    Violadores da clusula monstica feminina com fins lbricos ......

    Incesto ..............................................................................................

    Violadores, bgamos, adlteros ........................................................

    Fornicar com pessoas da casa onde se viva por soldada ou por

    outro motivo, sem consentimento do chefe de famlia ..............

    Alcoviteiros ......................................................................................

    Assassinos..........................................................................................

    Ferimentos na corte, no pao ou na presena do rei ......................

    Assalto casa do vizinho para o ferir ..............................................

    Tirar presos justia ou da cadeia ..................................................

    Resistir, desobedecer ou injuriar magistrados judiciais ou promo-

    ver arrudo contra as suas ordens ................................................

    Falsificadores de documentos reais ou de selo real..........................

    Tabelies, escrives que fazem ou usam escrituras falsas e pessoas

    que nelas intervm ......................................................................

    Juramento falso ou intervir nele ......................................................

    Ourives que falsifica as jias em quantia superior a um marco de

    prata (10$000 ris plus minus) ....................................................

    Falsificadores de mercadorias em quantia supeior a um marco de

    prata ..............................................................................................

    Prejuzo em medida ou peso no valor superior a um marco de

    prata ..............................................................................................

    Ladres, cooperadores e empregados pblicos que roubam ou dei-

    xam roubar em quantia superior a um marco de prata. Mas

    assaltando casa bastava meio marco e menos sendo o roubo

    sacrilgio ......................................................................................

    CRIMES

    PENAS

    Mor

    te

    Con

    fisc

    o d

    e be

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    M A

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  • SEGUNDO PREMBULOTOMO V

    XVI

    M E M R I A S A R Q U E O L G I C O - H I S T R I C A S D O D I S T R I T O D E B R A G A N A

    Tomar no povoado contra a vontade de seu dono coisa que va-

    lha mais de mil ris e de cem ris, sendo em caminho ou no

    campo ..........................................................................................

    O que faz arrendamento de prdios que lhe no pertencem de

    valor superior a vinte mil ris ......................................................

    Vender a mesma coisa a duas pessoas diferentes ............................

    Negociantes que quebram fraudulentamente. Depositrios e ban-

    queiros que se levantam com os dinheiros depositados..............

    Os que iam s colnias tratar certos negcios sem licena rgia ....

    Mandar para fora do reino prata, ouro, e seus cooperadores..........

    CRIMES

    PENAS

    Mor

    te

    Con