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O universo todo numa página, ou a celebração da tabela periódica

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Page 1: todo numa da tabela - ULisboa · zar os elementos químicos. Com isso, abriu definitivamente a porta à ciência moderna. Foi o próprio Mendeleiev que contou essa história mais

O universo todonuma página,ou acelebração databela periódica

Page 2: todo numa da tabela - ULisboa · zar os elementos químicos. Com isso, abriu definitivamente a porta à ciência moderna. Foi o próprio Mendeleiev que contou essa história mais

Ano Internacional da Tabela Periódica assinalaos 150 anos deste ícone da ciência, que abriu a

porta à química moderna, e lembra que a ciênciae o conhecimento são a base da cidadania informada.

TABELA DASUSTENTABILIDADE

Risco deescassez nos

próximos 100anos

Possibilidadede escassezdevido a usoexcessivo

Disponibilidade limitada -reservas emrisco

f"\ Reservas'w-' abundantes

\^J Sintético

• Extraídos de"minerais deconflito"

? Elementosutilizados emsmartphones

Inspirado em WF SheeharTs'A Periodic Tablewith Emphasis' publicadoem in Chemistry, 1976, 49,17-18

Fonte: EuropeanChemestry Societty

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Mendeleiev publicouem 1869 a sua visionáriatabela, deixando

espaços em brancopara elementos

que não estavam aindadescobertos. A tabelafoi sendo completadae evoluiu graficamente,como se vê nas imagens.

FILOMENA NAVES

Não

há grande descoberta que não te-nha o seu quê de acaso, ou um epi-sódio mais ou menos fortuito asso-ciado. O da tabela periódica, publi-cada em 1869 pelo químico russoDmitri Mendeleiev, quando tinhaapenas de 35 anos, foi um sonho.Sim, foi enquanto dormia que Men-

deleiev, então professor da Universidade deSão Petersburgo, "viu" com grande clareza o

esquema que há muito buscava para organi-zar os elementos químicos. Com isso, abriudefinitivamente a porta à ciência moderna.

Foi o próprio Mendeleiev que contou essahistória mais tarde, explicando que, ao acor-dar, numa certa tarde fevereiro de 1869, se

apressou a pôr no papel o que tinha acabadode ver em sonhos - adormecera a tentar dis-

por na ordem certa as cartas que ele mesmotinhafeito com os elementos químicos. Poucosdias depois, a 6 de março desse ano - faltamenos de um mês para se cumprir século emeio sobre essa data histórica-, Mendeleievapresentou pela primeira vez a sua visioná-ria tabela periódica aos seus pares, na Socie-dade Química da Rússia, divulgando-a emseguida numa publicação científica na sualíngua nativa, o que não impediu a sua rápi-da divulgação ao resto da Europa.

Com essa criação-descoberta, "um monu-mento da genialidade humana", como dizAdelino Galvão, professor e investigador emquímica estrutural do Instituto Superior Téc-

nico (IST), e secretário-geral da SociedadePortuguesa de Química, entidade que coor-dena em Portugal as celebrações do Ano In-ternacional da Tabela Periódica, Mendeleievabriu a porta a um mundo novo. O da químicamoderna, com tudo o que ela significou derevolução no conhecimento sobre o mundoe o universo, bem como de novas possibili-dades de criação de compostos inovadoresfeitos à medida, nas mais diversas áreas, dafarmacologia à produção de novos mate-riais. Tudo boas razões para celebrar, comodecidiu aONU, ao designar 2019 o Ano Inter-nacional da Tabela Periódica, que será re-cheado de atividades e eventos para celebrara química e a tabela imaginada há 150 anospelo químico russo.

Na próxima terça-feira, dia 12, com um pe-queno-almoço e debate que celebra a quí-mica e as mulheres na ciência, que acontecea nível global e que, em Portugal, tem lugarnas universidades de Lisboa, Nova de Lisboa,Beira Interior, Porto e Madeira, entre outras.E haverá muitas outras iniciativas ao longodo ano.O golpe de asa de MendeleievPode ter sido em sonhos que Mendeleievconseguiu juntar os pontos todos para o es-

quema que lhe faltava, mas a tabela perió-dica não lhe caiu do céu. O químico russo jábuscava há alguns anos uma forma de siste-matizar os elementos químicos conhecidos,e não estava sequer sozinho nessa demanda.Antes dele, outros tinham-no tentado, comoo químico e físico inglês John Dalton (1766-

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-1844), que publicou, em 1803, uma pri-meira ordenação dos elementos então co-nhecidos, por ordem crescente de massaatómica.

Um quarto de século depois, o alemão Jo-hannDobereiner (1780- 1849) lembrou-se de

agrupá-los três a três, considerando as suasmassas atómicas, mas tendo sobretudo emconta a semelhança entre eles, mas foi umquímico industrial inglês chamado JohnNewlands (1837-1898) quem primeiro per-cebeu que havia ali periodicidade. Compa-rando-a à dos sons na música, que se repe-tem a cada oitava, Newlands chamou-lhe, napublicação que fez em 1865, a Lei das Oita-vas, mas, talvez por isso, a sua ideia foi rece-bida com um coro de gargalhadas.

Outro nome nesta história resumida é odo alemão Lothar Meyer, contemporâneo deMendeleiev, que também criou uma tabela,mais uma vez ordenando os elementos en-tão conhecidos, em número de 62, por or-dem crescente de massa atómica. Só que o

químico russo, já então famoso pelos seus li-vros, nos quais fazia o apanhado do conhe-cimento atualizado, à época, daquela disci-plina, deu o salto conceptual que faltava, eincluiu na tabela elementos que eram aindadesconhecidos, mas que, pelas suas contas,teriam forçosamente de existir para preen-cherem a sua periodicidade. No tal esquemasonhado, Mendeleiev deixou os espaços cor-respondentes aos elementos em falta e pre-viu que seriam descobertos- como de factoforam. Foi o seu golpe de asa. Não chegou avaler-lhe um Nobel, por causa de uma rivali-dade com o químico sueco Svante Arrhe-nius, mas um elemento metálico radioativo,descoberto muito mais tarde, o 101, celebraasuagenialidade: é o mendelevium.

Festa da tabela periódica é a da ciênciaDepois de estabelecida na sua essência peloquímico russo, a tabela periódica foi sendoacrescentada, à medida que os novos ele-mentos, estando já ali previstos, iam sendodescobertos. Já no século XX, a sua disposi-ção foi atualizada, transformando-se na ima-

gem colorida, feita de pequenos quadradi-nhos em filas horizontais e verticais quemostram as relações entre os elementos.Hoje a tabela é um ícone da ciência e da cul-tura científica, e referência obrigatória para

estudantes, do secundário à universidade, e

para quem trabalha em ciência e tecnologia.Nesta história há ainda um nome portu-

guês obrigatório, o do luso-brasileiro JoséBonifácio de Andrada e Silva, que em 1800descobriu o mineral petalita, numa mina naSuécia, que em 1817 serviu de base ao quí-mico sueco Johann August Arfvedson paraidentificar o lítio, como conta o físico CarlosFiolhais na sua Breve História da Ciência emPortugal, de 20 10, em coautoria com DécioMartins.

São 90, ao todo, os elementos naturais.Forjados na vida e namorte das estrelas e das

galáxias, eles são como peças de lego de múl-tiplos formatos que, em diferentes arranjos,constituem tudo quanto se conhece: pedrase mesas, montanhas, árvores, insetos e sereshumanos, planetas, sóis e o universo inteiro.Para as celebrações dos 150 anos, a Socieda-de Europeia de Química lembrou- se de fazeruma tabela periódica da sustentabilidade,que põe em evidência como estamos a so-breutilizar alguns deles {ver em cima).

O último elemento que ocorre na naturezaa ser descoberto foi o rénio, em 1925. Desdeentão, os novos elementos que entrarampara a tabela periódica- são 118 atualmente,mas já há cientistas à procura do 1 1 9 - foramproduzidos pelos cientistas em aceleradoresde partículas, através da fusão de diferentesátomos, a altas energias.

Os últimos ajuntarem-se à tabela, com-pletando assim a sétima fila horizontal, fo-ram o 1 13, 1 15, 1 17 e 1 18, o que significa quetêm,respetivamente, 113, 115, 117 e118pr-otões no núcleo atómico. Em 2016, ganharamos seus nomes oficiais - nihonium, mosco-vium, tenessine e organesson, respetiva-mente-, atribuídos pela União Internacio-nal da Química Pura e Aplicada (lUPAC), aentidade internacional que tem essa compe-tência, e que está a coordenar as celebraçõesdo Ano Internacional da Tabela Periódica.

Depois da abertura oficial em janeiro, asfestividades vão seguir- se ao longo do ano,com eventos por todo o mundo, incluindoem Portugal. A ideia é também "captar maisjovens para as áreas científicas e passar amensagem de que o conhecimento é a baseda cidadania informada e ativa", diz AdelinoGalvão.