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L •ARDE — DOMINGO, 12 DE DEZEMBRO DE 1982 CADERNO 2 r M. arginal, independente, alter- i nativa, maldita — a literatura pode ser '; : rCiiulada? O que significa, efelivamente, •! jma "literatura marginal"? Existe um ; consenso, entre aqueles que transam ,| eg5e tipo de alividade, quanlo à definição !i dos termos que hoje pairam sobre uma .1 (orma de expressão cultural anterior- I menle diferenciada, apenas e ainda assim ; iniprecisamente, com relação às suas ca- ri racteríslicas ditas populares ou erudi- tas? j para Gilberto Cosia, integrante dos •[ 'poelas da Praça", grupo "indepen- 3 denle" mais atuante em Salvador, "mar- ; ginal" não é um termo correto, principal- • mente no que se refere ao Irabalho do seu grupo, "A nossa, diz ele, é uma lileralura livre, que não tem vínculo olicial com as ediloras, É um trabalho sollo que não se apega a regras traçadas. As pessoas ro- ; lularam: marginal. Eu acho que isso, pro '• povo, não soa bem", E conlinua: "Eu me 1 considero um poeta solto que não se apega a regras^traçadas por pessoas, pela , sociedade. Daí nasce a palavra marginal, . Você mesmo escreve, edita, publica, dis- ' (ribui seus trabalhos sem depender de i editores",- Anlônio Shorl, também integrante do movimento, acrescenta: "As origens do termo vêm do underground. De repente, o underground desenvolve uma nova pos- sibilidade de produção subterrânea, in- ' dependente, e a partir daí, quando essa I produção não é veiculada pelos meios de comunicaçào convencionais, não é dis- ; iribuida pelas editoras, pelas gravadoras de discos, fica sendo uma produção in- dependenle, à margem desses esquemas, 1 Assim o próprio sislema rotulou de mar- ginal. Isso lá pelos anos 60, nos Estados Unidos. Daí essa ídéia foi ganhando corpo e ganhou o mundo". MARGINAL E SOCÍEDADE Originado nas Ciências Sociais, onde era aplicado para especificar um indiví- duo que, localizado entre duas culturas em conflilo, perde suas raizes numa sem. , enlretanto, integrar-se compielamente em oulra, o termo "marginal" passou ao linguajar comum designando ludo aquilo , que não se encontra integrado nos pa- drões sociais, aceitos e consagrados pelo Sistema e pela sociedade. Assim passou a ser conhecido como •marginal" todo aquele (e tudo aquilo) que se encontre à margem do conjunto de • hábitos, costumes e praticas desse Sis- tema e sociedade. Isso inclui dos indi- gentes e delinquenles comuns aos repre- senlantes e contracultura, os vagabundos hippies e todos os elementos compo- nentes dessa forma de vida rebelde das novas gerações, abrangendo, porlanto, lambem, as formas de expressão artística com as suas variações ideológicas, cullu- rais e filosóficas, vislo que não se pode considerar esse fenómeno como sendo uno, integrado, dirigido por normas e princípios comuns. E é precisamenle como um "saco de galos" que se'pode avaliar d conjunto dos escrilores ditos alternativos. Independentes ou margi- , nais, no Brasil, atualmenie. Um exemplo disso são os enconlros realizados com o A literatura alternativa, ou marginal, terti adquirido uma Importância considerável, atualmente, no Brasil. O desenvolvimento de novas íormas de produção, edição, distribuição é úm recurso a mais entre os empregados por escritores que não se alustam às vias normais das editoras. Já existe, Inclusive; hoje, uma propalada "mentalidade alternativa" nascida da con- tracultura, noá anos 60: Na Bahia, o movimento téride a crescer. Poetas marginais já conseguem viver (sobreviver),dos seus trabalhos, ultrapas- sando mesmo aos autores publicados pelas editoras em número de livros que são vendidos de mão, p!elo correio e lançamentos em tournéss por capitais e interior do pais. Mas em qué consiste esse movimento? Que razões levamos escritores ã esse caminho? O que é o "pensamento margi- nal"— se é que existe—• e o que pretende, como surgiu, quais as suas toases? Uteratura marginal: realidade ou ficção? Texto ilu Carlos Ribeiro JC Ilustração de Menandro Ramos Cláudio Feldman, jornal da Taturana, Sào Paulo. Quando o lermo marginal surgiu, na dòcada de 70, íoi unãnimimenle aceito, mas agora começa a ser questionado marginal em relação a quê 7 Os poetas da década ou do século anterior lambem nãn eram marginalizados pela sociedade se- ria? Os lexlos de diversos poelas margi- nais exprimem atiludes que parecem ma- caqueadas de Oswaid de Andrade, ja que uma boa parte dos poetas marginais são filhos do tropicalismo. Não generalizo, porém: em diversos autores podemos surpreender uma anárquica conleslacáo ao estado de espirito que o Al-5 deflagiou no país, Nesie sentido a poesia marginal estaria exprimindo um povo que licou a margem do poder" Riia Gonçalves langa lande Salv;i dor; "Não, O caráler alternativo prende-se apenas ao fato do não engajamento aos meios oficiais de produção, Ouanlo a es- tética, essa vem do experimentalismo de outras épocas, como o cubismo, por exemplo, A queslão altemaliva hoje prende-se somenle às formas de veicula- ção pois até mesmo a impressão e feita na maioria airaves de instrumentos sofisti- cados que ja quebram o caratet de margi- nalidade da (orma inluilo de forlaiecer o movimento e dos quais asdiferenles concepções de prática literária, envolvendo não apenas o ato criativo como também as formas de di- vulgação, publicação e até o público ao qua! se deve (!) dirigir os trabalhos, são, não raras vezes, motivo para desentendi- mentos e rompimentos. Não se entenda com isso que os es- crilores alternativos [para usar uma ex- pressão simpática à maioria) não sejam solidários enlre si. Seria falso afirmar tal coisa, A solidariedade está patente nas inúmeras publicações, nos quatro canlos do país, nas quais, quase sempre encon- lram-se referências a grupos ou pessoas, promovendo-se uns aos outros, O íorlale- cimento lem se dado de forma segura e pacífica, não pelos encontros e sim pela politica do "amigo sim. cada um em sua casa". Talvez não seja essa a maneira mais eficiente de se dar força ao movi- mento, mas, em se tratando de suscetibl- lidades artísticas, torna-se difícil preci- sar-se qual a postura política, estratégica e tática mais correia e eficienle, SALADA DE FRUTAS No Brasil, a prática de se publicar li- vros por conta própria, as chamadas "edições de aulor", nào é nova. Muitos escritores hoje consagrados usaram esse artifício e muito longe estavam do conhe- cido estereótipo do escritor •'maldito", marginal", "sórdido", o poeta barbudo a gritar poemas ferozes nas portas dos te- atros, nos bares, nas praças, com a inten- ção de ferir os valores burgueses, prepa- rando o lerreno para a verdadeira revolu- ção que, acredila-se, vírã, via Marx ou Crislo ou Buda ou Bakunin ou extraterre- nos, a depender das convicções de cada Entretanto, algo difei práticas, algo mais que o vestuário e a mise-en-scène, que a simples distinção entre o recitar e o bradar, É sobre isso que fala o poeta Glauco MattoSo, no seu Muro O Oue é Poesia Marginal, publicado pela Edilora Brasíliense na Coleção Primeiros ••Historicamente nào se ouve falar de poesia marginal anles do Tropicalismo, no final da década de 60, Claro que sem- pre se falou da marginalização do aulor novo e anónimo face à crítica e ao mer- cado editorial e sabe-se que muitos po- etas hoje canonizados tiveram que im- primir e distribuir por conta própria seus primeiros livros (o que na prática signifi- cava quase sempre satisfazer um capri- cho e presentear amigos)", "Com o Tropicalismo, aconteceu que todas as tendências musi cais entraram na, salada de frutas, caíram as fronteiras que separavam a contracultura da MPB, e esla conquistou ao mesmo tempo o público rockeiro e o intelectualizado, Ampliou-se assim o ínleresaedafaixa mais jovem pela poesia ou por tudo aquilo que pudesse ser poesia — justamente na ocasião em que o endurecimento do regime posterior ao Al-5 desviava para a área artística Ioda a conlestação política, cujos canais de manifestação se fechavam à juventude universitária", "Foi o bastante para que se caracteri- zasse lodo um surto de produção poética mais ou menos clandestina, que os teóri- cos classificam ou nào de marginal em função de falores diversos: culturais (os aulores assumem postura conlestàtória ou temalizam a contracultura); comer- ciais (sâo desconhecidos do grande pú- blico e produzem e veiculam suas obras por conta própria, com recursos ora pre- cários, ora artesanais, ora lécnicos, mas sempre fora do mercado editorial): estéli- cos (praticam estilos de linguagem pouco "literários" ou dedicam-se ao experi- mentalismo de vanguarda); ou puramente políticos (abordam temática francamenle engajada e adolam linguagem panfletá- ria)". Dentre esses fatores, pelo menos um, o estético, ressalta como objeto de polé- mica e raros sâo os poelas ditos margi- nais que se posicionam coerentemente dianle dessa queslão, Alinal, existe ou náo uma literatura marginal, ou seja. uma nova literatura, estruturada com for- ma/conteúdo, própria, distinla das coor- denadas traçadas pelo movimento mo- dernista? Vejamos o que dizem alguns escritores que. de uma maneira ou de ou- lra, enconlram-se à "margem" do es- quema editorial oficial do país. António Short, Poetas da Praça, Sai- vador: "Sim. É o novo, o revolucionário, a nivel de um comportamento do ponto de vista, estético, existencial e até mesmo político, A genle quando lenta subverter a palavra, cria uma atitude de choque, O novo está no choque, A gente trabalha com conteúdos marginais, temas vazados no cotidíano. Nós tivemos a preocupação de recuperar Gregório de Matlos", Jaécio de Oliveira, Grupo Raiz, Ara- caju: "Sim, existe uma literatura alterna- tiva, È fácil a deteclação alravés da sua forma gráfica, visual e de expressão. Dife- rencia-se da literatura dita tradicional pois é completamente ausente de acade- mismos. É escrita como se fala e exposta como se sente, sem nhén-nhén-nhén. Eslas sào, basicamenle, as suas caracte- risticas". SER OU NÁO SER. EIS A QUESTÃO Ruy Espinheira Filho, baiano 5 livros publicados por ediloras do Sul do pais — um escrilor náo-independente ? Para ele, esse rólulo não tem nenhum signili- cado. So existe o escritor indepen- dente", diz. e acrescenta' Mas não no sentido em que e aplicado o lermo A in- dependência esla no ato da cnacão, E claro que quando se lança um hvro se tem obrigações contratuais, mas isso. me pa- rece, nào cria dependência nenhuma Participanle da revista Sena! de Feira de Santana, que e editada às custas dos seus colaboradores, e lendo finan- ciado a edição do seu primeiro livro . Ruy Espinheira considera-se um escritor marginal "Todo escritor é marginal na medida em que se coloca numa posição crllica diante do Sistema' , explica —mas não aceila a designação literatura margi- nal. Eu hão aceilo o termo marginal aplicado à literatura Na imprensa o lermo surgiu porque não havia formas Oe se pu- blicar determinadas informações airaves da grande imprensa, mas esse nào é o caso da lileralura. Veja o caso de Dalton Trevisan que editou trabalhos no inicio da sua carreira alé quando leve possibilida- des de publicar por uma edilora, Hà gru- pos que começam assim, edilando seus próprios livros (e nâo e sõ aqui mas nos Estados Unidos também) e continuam as- sim a vida toda, não por condiçóes mate- riais mas pela qualidade dos seus traba- lhos, Hà escrilores alternativos no Rio de Janeiro que eslão assim há cerca de 20 anos porque os editores não estão inte- ressadas devido à péssima qualidade dos seus Irabalhos, Por outro lado muitos escritores • malditos" já estào sendo puolicados Ser ou nâo ser publicado, eis a ques- lào. Uma queslão, como as demais, con- trovertida. Seria o escritor marginal por opção ou por falia de opção? Para os Po- elas da Praça a grande jogada não é pu- blicar por ediloras mas formar eles mes- mos uma. ou seja. ter o malenal gráfico necessário para imprimir lodos os traba- lhos que surgirem, do grupo ou de quai- quer pessoa" (no que seria, no caso, msis correto designar-se como gráfica e não como editora vislo que para esta torna-se necessário um sistema bem mais com- plexo de seieção, produção dislribuiçao marketing ele). Ser editado por uma editora, da Short, é ser roubado, porque a gente só tem 10 o o de preço da capa e, como se sabe, as distribuidoras não lém inleresse em vender poesia, a não ser as dos grandes nomes Para Rila Gonçalves, isso é muito relativo, pois pode ser uma faca de dois gumes"; para Jaecio "intimamente o au- tor gosta e é o seu sonho ser edilado. se bem que muitos nâo o admitam, pelo me- nos publicamente ; para Cláudio Feld- man "isso é um problema editorial, O importante é ser independente, termo muito mais apropriado a muifás produções de jovens (na idade e no espi- rito) que estào constantemente reno- vando a nossa tão sumarenta literatura, e, finalizando, Ruy Espinheira: Eu nao acredilo que um escritor náo queira ser publicado por editoras, O escritor quer ser lido, Ouando um escritof diz não quero' desconfie: ou é doido de pedra ou ealà mentindo. Se a genle não livesse ne- cessidade de ser lido nào escrevia " De volla ao ponlo de partida. As interrogações continuam, e as opiniões, diversificadas, contraditórias, inflamadas àsvezes, não clareiam o suficiente para que se possa ler uma compreensáo obje- tiva do fenómeno. Um fenómeno que. en- volvendo todas as suas propostas técni- cas, estéticas, etíiloriais. na sua complexa relação com as ediloras, com o publico e o poder politico, nâo se sabe se licará. ocupando um lugar de deslaque no pro- cesso literário, se lerá apenas algumas de suas propostas assimiladas, ou se pas- sará, como um modismo a mais.

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L •ARDE — DOMINGO, 12 DE DEZEMBRO DE 1982 CADERNO 2

r M. arginal, independente, alter-

i nativa, maldita — a literatura pode ser ';: rCiiulada? O que significa, efelivamente, •! jma "l i teratura marginal"? Existe um ; consenso, entre aqueles que t ransam ,| eg 5 e tipo de alividade, quanlo à definição !i dos termos que hoje pairam sobre uma .1 (orma de expressão cultural anterior-I menle diferenciada, apenas e ainda assim ; iniprecisamente, com relação às suas ca­

ri racteríslicas ditas populares ou erudi ­t a s ? j para Gi lberto Cosia, integrante dos •[ 'poelas da Praça", grupo " indepen-3 denle" mais atuante em Salvador, "mar-; ginal" não é um termo correto, principal-• mente no que se refere ao Irabalho do seu

grupo, "A nossa, diz ele, é uma l i leralura livre, que não tem vínculo olicial com as ediloras, É um trabalho sollo que não se apega a regras traçadas. As pessoas ro-

; lularam: marginal. Eu acho que isso, pro '• povo, não soa bem", E conlinua: "Eu me 1 considero um poeta solto que não se

apega a regras^traçadas por pessoas, pela , sociedade. Daí nasce a palavra marginal, . Você mesmo escreve, edita, publica, dis-' (ribui seus trabalhos sem depender de i editores",-

Anlônio Shor l , também integrante do movimento, acrescenta: "As origens do termo vêm do underground. De repente, o underground desenvolve uma nova pos­sibilidade de produção subterrânea, in-

' dependente, e a partir daí, quando essa I produção não é veiculada pelos meios de

comunicaçào convencionais, não é dis-; iribuida pelas editoras, pelas gravadoras de discos, f ica sendo uma produção in­dependenle, à margem desses esquemas,

1 Assim o próprio sislema rotulou de mar­ginal. Isso lá pelos anos 60, nos Estados Unidos. Daí essa ídéia foi ganhando corpo e ganhou o mundo" .

MARGINAL E SOCÍEDADE

Originado nas Ciências Sociais, onde era aplicado para especificar um indiví­duo que, localizado entre duas culturas em conf l i lo, perde suas raizes numa sem.

, enlretanto, integrar-se compielamente em oulra, o termo "marginal" passou ao linguajar comum designando ludo aquilo , que não se encontra integrado nos pa­drões sociais, aceitos e consagrados pelo Sistema e pela sociedade.

Assim passou a ser conhecido como •marginal" todo aquele (e tudo aquilo) que se encontre à margem do conjunto de

• hábitos, costumes e praticas desse Sis­tema e sociedade. Isso inclui dos indi­gentes e del inquenles comuns aos repre­senlantes e contracultura, os vagabundos hippies e todos os elementos compo­nentes dessa forma de vida rebelde das novas gerações, abrangendo, por lanto, lambem, as formas de expressão artística com as suas variações ideológicas, cul lu­rais e fi losóficas, vislo que não se pode considerar esse fenómeno como sendo uno, integrado, dirigido por normas e princípios comuns. E é precisamenle como um "saco de galos" que se 'pode avaliar d conjunto dos escrilores ditos alternativos. Independentes ou margi-

, nais, no Brasil, atualmenie. Um exemplo disso são os enconlros realizados com o

A literatura alternativa, ou marginal, terti adquirido uma Importância considerável, atualmente, no Brasil. O desenvolvimento de novas íormas de produção, edição, distribuição é úm recurso a mais entre os empregados por escritores que não se alustam às vias normais das editoras. Já existe, Inclusive; hoje, uma propalada "mentalidade alternativa" nascida da con­tracultura, noá anos 60: Na Bahia, o movimento téride a crescer. Poetas marginais já conseguem viver (sobreviver),dos seus trabalhos, ultrapas­sando mesmo aos autores publicados pelas editoras em número de livros que são vendidos de mão, p!elo correio e lançamentos em tournéss por capitais e interior do pais. Mas em qué consiste esse movimento? Que razões levamos escritores ã esse caminho? O que é o "pensamento margi­n a l " — se é que existe—• e o que pretende, como surgiu, quais as suas toases?

Uteratura marginal: realidade ou ficção?

Texto ilu Carlos Ribe i ro JC I l us t ração de Menandro Ramos

Cláudio Feldman, jornal da Taturana, Sào Paulo.

Quando o lermo marginal surgiu, na dòcada de 70, íoi unãnimimenle aceito, mas agora começa a ser questionado marginal em relação a q u ê 7 Os poetas da década ou do século anterior lambem nãn eram marginalizados pela sociedade se­r i a ? Os lexlos de diversos poelas margi­nais exprimem ati ludes que parecem ma-caqueadas de Oswaid de Andrade, ja que uma boa parte dos poetas marginais são filhos do tropical ismo. Não generalizo, porém: em diversos autores podemos surpreender uma anárquica conleslacáo ao estado de espirito que o Al-5 deflagiou no país, Nesie sentido a poesia marginal estaria exprimindo um povo que licou a margem do poder"

Riia Gonçalves langa lande Salv;i dor;

"Não, O caráler alternativo prende-se apenas ao fato do não engajamento aos meios oficiais de produção, Ouanlo a es­tética, essa vem do experimentalismo de outras épocas, como o cubismo, por exemplo, A queslão altemaliva hoje prende-se somenle às formas de veicula­ção pois até mesmo a impressão e feita na maioria airaves de instrumentos sofisti­cados que ja quebram o caratet de margi­nalidade da (orma

inlui lo de forlaiecer o movimento e dos quais asdiferenles concepções de prática literária, envolvendo não apenas o ato criativo como também as formas de di­vulgação, publicação e até o público ao qua! se deve (!) dirigir os trabalhos, são, não raras vezes, motivo para desentendi­mentos e rompimentos.

Não se entenda com isso que os es­crilores alternativos [para usar uma ex­pressão simpática à maioria) não sejam solidários enlre si. Seria falso afirmar tal coisa, A solidariedade está patente nas inúmeras publicações, nos quatro canlos do país, nas quais, quase sempre encon­lram-se referências a grupos ou pessoas, promovendo-se uns aos outros, O íorlale-cimento lem se dado de forma segura e pacífica, não pelos encontros e sim pela politica do "amigo sim. cada um em sua casa". Talvez não seja essa a maneira mais eficiente de se dar força ao movi­mento, mas, em se tratando de suscetibl-lidades artísticas, torna-se difícil preci-sar-se qual a postura política, estratégica e tática mais correia e eficienle,

SALADA DE FRUTAS

No Brasil, a prática de se publicar li­vros por conta própria, as chamadas "edições de aulor" , nào é nova. Muitos escritores hoje consagrados usaram esse artifício e muito longe estavam do conhe­cido estereótipo do escritor • 'maldito",

marginal", "sórd ido" , o poeta barbudo a gritar poemas ferozes nas portas dos te­atros, nos bares, nas praças, com a inten­ção de ferir os valores burgueses, prepa­rando o lerreno para a verdadeira revolu­ção que, acredila-se, vírã, via Marx ou Crislo ou Buda ou Bakunin ou extraterre-nos, a depender das convicções de cada

Entretanto, algo difei práticas, algo mais que o vestuário e a mise-en-scène, que a simples distinção entre o recitar e o bradar, É sobre isso que fala o poeta Glauco MattoSo, no seu Muro O Oue é Poesia Marginal, publicado pela Edilora Brasíliense na Coleção Primeiros

••Historicamente nào se ouve falar de poesia marginal anles do Tropicalismo, no final da década de 60, Claro que sem­pre se falou da marginalização do aulor novo e anónimo face à crítica e ao mer­cado editorial e sabe-se que muitos po­etas hoje canonizados tiveram que im­primir e distr ibuir por conta própria seus primeiros livros (o que na prática signif i­cava quase sempre satisfazer um capri­cho e presentear amigos)",

"Com o Tropicalismo, aconteceu que todas as tendências musi cais entraram na, salada de frutas, caíram as fronteiras que separavam a contracultura da MPB, e esla conquistou ao mesmo tempo o público rockeiro e o intelectualizado, Ampliou-se assim o ínleresaedafaixa mais jovem pela poesia ou por tudo aquilo que pudesse ser poesia — justamente na ocasião em que o endurecimento do regime posterior ao Al-5 desviava para a área artística Ioda a conlestação política, cujos canais de manifestação se fechavam à juventude universitária",

"Foi o bastante para que se caracteri­zasse lodo um surto de produção poética mais ou menos clandestina, que os teóri­cos classificam ou nào de marginal em função de falores diversos: culturais (os aulores assumem postura conlestàtória ou temalizam a contracultura); comer­ciais (sâo desconhecidos do grande pú­blico e produzem e veiculam suas obras

por conta própria, com recursos ora pre­cários, ora artesanais, ora lécnicos, mas sempre fora do mercado editorial): estéli­cos (praticam estilos de l inguagem pouco "l i terários" ou dedicam-se ao experi­mentalismo de vanguarda); ou puramente políticos (abordam temática francamenle engajada e adolam l inguagem panfletá­ria)".

Dentre esses fatores, pelo menos um, o estético, ressalta como objeto de polé­mica e raros sâo os poelas ditos margi­nais que se posicionam coerentemente dianle dessa queslão, Alinal, existe ou náo uma l iteratura marginal , ou seja. uma nova literatura, estruturada com for­ma/conteúdo, própria, distinla das coor­denadas traçadas pelo movimento mo­dernista? Vejamos o que dizem alguns escritores que. de uma maneira ou de ou­lra, enconlram-se à "margem" do es­quema editorial oficial do país.

António Short, Poetas da Praça, Sai­vador:

"S im. É o novo, o revolucionário, a nivel de um comportamento do ponto de vista, estético, existencial e até mesmo político, A genle quando lenta subverter a palavra, cria uma atitude de choque, O novo está no choque, A gente trabalha com conteúdos marginais, temas vazados no cotidíano. Nós t ivemos a preocupação de recuperar Gregório de Mat los",

Jaécio de Oliveira, Grupo Raiz, Ara­caju:

"S im, existe uma literatura alterna­tiva, È fácil a deteclação alravés da sua forma gráfica, visual e de expressão. Dife-rencia-se da literatura dita tradicional pois é completamente ausente de acade-mismos. É escrita como se fala e exposta como se sente, sem nhén-nhén-nhén. Eslas sào, basicamenle, as suas caracte­risticas".

SER OU NÁO SER. EIS A QUESTÃO

Ruy Espinheira Filho, baiano 5 livros publicados por ediloras do Sul do pais — um escrilor náo-independente ? Para ele, esse rólulo não tem nenhum signili­cado. So existe o escritor indepen­dente", diz. e acrescenta' Mas não no sentido em que e aplicado o lermo A in­dependência esla no ato da cnacão, E claro que quando se lança um hvro se tem obrigações contratuais, mas isso. me pa­rece, nào cria dependência nenhuma

Participanle da revista Sena! de Feira de Santana, que e editada às custas dos seus colaboradores, e lendo finan­ciado a edição do seu primeiro livro . Ruy Espinheira considera-se um escritor marginal "Todo escritor é marginal na medida em que se coloca numa posição crllica diante do Sistema' , explica — m a s não aceila a designação literatura margi ­nal. Eu hão aceilo o termo marginal aplicado à literatura Na imprensa o lermo surgiu porque não havia formas Oe se pu­blicar determinadas informações airaves da grande imprensa, mas esse nào é o caso da l i leralura. Veja o caso de Dalton Trevisan que editou trabalhos no inicio da sua carreira alé quando leve possibilida­des de publicar por uma edilora, Hà gru­pos que começam assim, edilando seus próprios livros (e nâo e sõ aqui mas nos Estados Unidos também) e continuam as­sim a vida toda, não por condiçóes mate­riais mas pela qualidade dos seus traba­lhos, Hà escrilores alternativos no Rio de Janeiro que eslão assim há cerca de 20 anos porque os editores não estão inte­ressadas devido à péssima qualidade dos seus Irabalhos,

Por outro lado muitos escritores • malditos" já estào sendo puolicados

Ser ou nâo ser publicado, eis a ques­lào. Uma queslão, como as demais, con­trovertida. Seria o escritor marginal por opção ou por fal ia de opção? Para os Po­elas da Praça a grande jogada não é pu­blicar por edi loras mas formar eles mes­mos uma. ou seja. ter o malenal gráfico necessário para imprimir lodos os traba­lhos que surgirem, do grupo ou de quai­quer pessoa" (no que seria, no caso, msis correto designar-se como gráfica e não como editora vislo que para esta torna-se necessário um sistema bem mais com­plexo de seieção, produção dislr ibuiçao marketing e le ) . Ser editado por uma editora, d a Short, é ser roubado, porque a gente só tem 10o

o de preço da capa e, como se sabe, as distribuidoras não lém inleresse em vender poesia, a não ser as dos grandes nomes

Para Rila Gonçalves, isso é muito relativo, pois pode ser uma faca de dois gumes"; para Jaecio "intimamente o au­tor gosta e é o seu sonho ser edilado. se bem que muitos nâo o admitam, pelo me­nos publ icamente ; para Cláudio Feld­man "isso é um problema editorial,

O importante é ser independente, termo muito mais apropriado a muifás produções de jovens (na idade e no espi­rito) que estào constantemente reno­vando a nossa tão sumarenta literatura, e, finalizando, Ruy Espinheira: Eu nao acredilo que um escritor náo queira ser publicado por editoras, O escritor quer ser lido, Ouando um escritof diz não quero' desconfie: ou é doido de pedra ou ealà mentindo. Se a genle não livesse ne­cessidade de ser lido nào escrevia "

De volla ao ponlo de partida. As interrogações continuam, e as opiniões, diversificadas, contraditórias, inflamadas àsvezes, não clareiam o suficiente para que se possa ler uma compreensáo obje­tiva do fenómeno. Um fenómeno que. en­volvendo todas as suas propostas técni­cas, estéticas, etíi loriais. na sua complexa relação com as ediloras, com o publ ico e o poder pol i t ico, nâo se sabe se l icará. ocupando um lugar de deslaque no pro­cesso literário, se lerá apenas algumas de suas propostas assimiladas, ou se pas­sará, como um modismo a mais.