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Cidadão Consumidor ou Consumidor Cidadão - 1 ENCONTRO INTERNACIONAL PARTICIPAÇÃO, DEMOCRACIA, POLÍTICAS PÚBLICAS: APROXIMANDO AGENDAS E AGENTES. UNESP, Araraquara, SP. 23 a 25 de abril de 2013. Título do artigo: Cidadão x Consumidor ou Cidadão e Consumidor: dilemas da efetividade da participação em cenário de Estado fomentador de consumo de massas no Brasil (2003-2013). Autores: ANTONIO PAULO BARÊA COUTINHO Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, MPOG. Doutor em Ciências Sociais, Unicamp, 2005; Mestre em Ciência Ambiental, USP, 1998; Graduado em Economia, USP, 1988. JOSÉ CARLOS DOS SANTOS Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, MPOG. Universidade de Brasília, UnB. Especialista em Estado, Governo e Política Pública, UnB, 2012; Graduado e Licenciado em Ciências Sociais, PUC/SP, 2008. Palavras Chave: consumo de massa, efetividade da participação, qualidade da democracia; políticas públicas.

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Page 1: Título do artigo - fclar.unesp.br · analíticos da Teoria Democrática. Cada qual com seu conjunto de “tijolos teóricos”, veremos a seguir, em brevíssimos recortes, os esforços

Cidadão Consumidor ou Consumidor Cidadão - 1

ENCONTRO INTERNACIONAL PARTICIPAÇÃO, DEMOCRACIA, POLÍTICAS

PÚBLICAS: APROXIMANDO AGENDAS E AGENTES.

UNESP, Araraquara, SP.

23 a 25 de abril de 2013.

Título do artigo:

Cidadão x Consumidor ou Cidadão e Consumidor: dilemas da efetividade

da participação em cenário de Estado fomentador de consumo de massas

no Brasil (2003-2013).

Autores:

ANTONIO PAULO BARÊA COUTINHO

Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, MPOG.

Doutor em Ciências Sociais, Unicamp, 2005; Mestre em Ciência Ambiental, USP,

1998; Graduado em Economia, USP, 1988.

JOSÉ CARLOS DOS SANTOS

Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, MPOG.

Universidade de Brasília, UnB.

Especialista em Estado, Governo e Política Pública, UnB, 2012; Graduado e

Licenciado em Ciências Sociais, PUC/SP, 2008.

Palavras Chave: consumo de massa, efetividade da participação, qualidade da

democracia; políticas públicas.

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Cidadão Consumidor ou Consumidor Cidadão - 2

Cidadão x Consumidor ou Cidadão e Consumidor: dilemas da efetividade

da participação em cenário de Estado fomentador de consumo de massas

no Brasil (2003-2013).

Antonio Paulo Barêa Coutinho & José Carlos dos Santos

“A gente não quer só comida,

A gente quer comida, diversão e arte. A gente não quer só dinheiro,

A gente quer dinheiro e felicidade. A gente não quer só dinheiro,

A gente quer inteiro e não pela metade.”

Comida. Arnaldo Antunes, Sérgio Brito, Marcelo Fromer. Titãs: Jesus não tem dentes no

país dos banguelas, 1987, WEA.

Introdução

Este artigo é um extrato da parte inicial de um projeto de longo prazo com

vistas à publicação destinada a interpretações mais densas sobre as

estratégias que dão sustentação a um Projeto Nacional de Desenvolvimento,

ora em curso, tal como preconizado como o primeiro dos onze macrodesafios

do Plano Plurianual, PPA, 2012-2015, (BRASIL, 2011).

O artigo está estruturado em duas partes, a primeira delas dedicada a uma

brevíssima revisita à Teoria Democrática para fins de identificação das

passagens que transformaram não cidadãos em cidadãos e estes em

consumidores.

A segunda parte está dedicada às primeiras análises de um conjunto recente

de estatísticas sociais consolidadas que sinalizam mudanças estruturais no

mapa social brasileiro, notadamente na década que nos antecede, e que

prenunciam algumas externalidades negativas oriundas dessas mesmas

consolidações.

O argumento central do artigo considera que essas mudanças estruturais

recentes do mercado de trabalho, do mercado de consumo e da participação

social ampliada colocam o Estado diante de novos desafios de coordenação e

de responsividade para os quais ainda não está preparado.

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PRECEDÊNCIAS PARA BREVE DEBATE DEMOCRÁTICO

Peguemos as noções que herdamos das leituras impostas pela História

que atravessa o nosso projeto de civilização ocidental. Boa parte da

conceituação que conhecíamos, até então reverberada pelo senso comum

sobre Política, Democracia, Participação do cidadão na gestão dos destinos

dos indivíduos e da coisa pública está bem próxima da Mitologia, não se

encontrava com a realidade, não se sustentava, era etérea.

Entre o passado clássico sobre o qual se assentaram séculos de

produção teórico-analítica ensaiada a partir de interpretações mais ou menos

semânticas – além de seus inevitáveis vieses de tradução – e a mudança de

registro que a Ciência Política imporá às criaturas do século XXI, há um Grand

Canyon, espera-se, já atravessado: as transições democráticas sinalizam e

pedem, cada vez mais, mecanismos de implantação e de validação da

qualidade da democracia.

Não se trata mais de discutir, dentro do portfólio de formas desejáveis de

sociedade – pensando-se em um formato menos apaixonado e mais

desencantado da Política no mundo -, se a Democracia é ou não uma boa

forma de governo capaz de fazer coexistir indivíduos plurais e,

simultaneamente, a pluralidade de interesses que sustentam o gestor, não

mais suserano, em um cenário de tecidos sociais cada vez mais complexos

onde se operam incontáveis cruzamentos sob múltiplas clivagens e múltiplos

conflitos.

Fruto dessa superação, a trajetória sinuosa, recortada e cheia de sendas

que carregou-nos, indivíduos e sociedades, ao longo do doloroso processo

civilizador, deságua em um novo mar de horizontes que parecem apontar para

um entendimento global – com nuances de amplo espectro - de que a

democracia vale a pena ser defendida, traz ganhos, apesar de seus custos e

exige interpretações e profissionais cada vez mais especializados em

agentes/indivíduos cada vez mais protagônicos em sua relação com as

diversas faces do Estado e do Mercado.

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Na década compreendida pelo período 2001-2011 um conjunto de

decisões do governo federal engendrou um cenário de mudanças estruturais

que podem ser resumidas como a anunciação de um largo período inclusivo,

sem paralelos. Com essas mudanças na distribuição da pirâmide de renda, os

10% mais pobres do país tiveram um crescimento de renda acumulado de

91,2%, enquanto a parcela mais rica da população obteve, nesse mesmo

período, um incremento de 16,6% da renda acumulada.

Isso significa que a variação do aumento de ganhos reais foi 5,5 vezes

(550%) mais rápida para o primeiro decil, na base da pirâmide, a parte mais

vulnerável dos brasileiros. Em um recorte estritamente estatístico, é possível

afirmar com segurança que nos últimos dois anos o Brasil atingiu o nível de

desigualdade mais baixo de sua história, de acordo com estudo recente a partir

de sistematização de séries históricas da Pesquisa Nacional por Amostra

Domiciliar, PNAD (IPEA, 2012).

Além disso, ainda nesse mesmo registro, um arranjo que já vem sendo

chamado de “sistema brasileiro de participação social”1 – composto por uma

diversidade de “interfaces socioestatais” (PIRES & VAZ, 2012) pelos conselhos

de gestores de políticas e pelas conferências nacionais/estaduais/municipais

de políticas, além de comissões, fóruns regionais ou locais, audiências públicas

– tem ganhado projeção em um contexto amplo de revisão de reformas:

agenda de política econômica estável e de política social duradoura, ajuste

fiscal e metas de superávit de ciclo longo, maior exigência de transparência e

intolerância com a corrupção praticada por agentes públicos.

O avanço e a consolidação dessa agenda – de país em desenvolvimento

- têm trazido desafios ao Estado brasileiro, notadamente quanto às novas

perguntas derivadas da ação de planejar. A reinvenção da função

“planejamento governamental”, além da urgente necessidade de retomada de

uma ação coordenativa pelo Estado orientando os investimentos necessários a

uma reorganização das capacidades estatais para o desenvolvimento, estão

4 Até 2015, o salário mínimo será reajustado com base na Lei n° 12.382, de 25 de fevereiro de 2011. Pela regra, a cada ano, o aumento do salário mínimo corresponderá à variação do Produto Interno Bruto (PIB) do ano retrasado mais a inflação do ano anterior medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).

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bem estruturados nos textos de CARDOSO Jr (2011) e CARDOSO Jr. &

GIMENEZ (2012). Esses problemas não são novos (ARRETCHE, 2000), mas

as formas de olhar para o conjunto de determinantes, no caso brasileiro, está

em reperspectiva por força de mudanças significativas do período recente.

Cada uma dessas partições está subdividida em outras três, configurando-se

em uma estrutura de seis seções, a última delas dedicada a proposições sobre

possíveis desenlaces para este conjunto de dilemas.

Como suporte teórico à primeira parte do debate, este texto seleciona textos

que analisaram de maneiras distintas essa passagem, suas zonas de

sombreamento e de intersecção e a diversidade de variáveis implicadas. Em

contributos são especialmente sólidos para compreensão essa demolição e/ou

soerguimento dos alicerces sobre os quais se erigem os novos caminhos

analíticos da Teoria Democrática. Cada qual com seu conjunto de “tijolos

teóricos”, veremos a seguir, em brevíssimos recortes, os esforços de Anthony

Downs (1930-), Robert Alan Dahl (1915-) e Boaventura de Souza Santos

(1940-).

Downs e um Modelo Analítico para a Teoria Democrática

Para Anthony Downs, lidamos com as noções de consumidor médio, político

médio ou cidadão médio preocupados com o benefício possível advindo de

nossas ações de escolha política. A partir daí é possível suportar um modelo

ancorado no pressuposto de que toda ação política governamental está, antes

e a priori, visando maximização de apoio político.

Porém, esse cenário só seria possível em ambientes democráticos com

partidos de oposição, amplo espectro para variabilidade e uma massa de

eleitores tomando decisões racionais; mas até onde é possível afirmar que

esse mundo existe já que o governo “é um agente social específico e singular e

tem uma função especializada na divisão do trabalho”. (p. 45).

Vejamos se esse cenário se sustenta sob outros pressupostos: governo

democrático é aquele escolhido periodicamente onde pelo menos dois partidos

competem; nos partidos políticos, indivíduos exercem sua função social

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motivados pela ânsia de poder e de ganhos, o que é uma das facetas dessa

característica inerente à condição humana: o interesse pessoal.

Assim, partidos visam a ganhar eleições; para os partidos, então, as políticas

públicas e os programas partidários são desenhados em função do objetivo de

alcançar o poder, não como um fim em si. Essa afirmação é bastante original,

já que postula uma relação inversa entre projetos políticos e preferência do

eleitor pelo cardápio de alternativas. Para Downs, os projetos se antecipam às

preferências médias e são desenhados em função delas.

ROBERT DAHL e O modelo Poliárquico de Democracia

Numa das grandes contribuições para a superação dos muitos nós ainda por

desatar no debate da teoria democrática, Robert Dahl (DAHL, 1997) concebeu

em O modelo poliárquico da democracia (1990) um excelente quadro teórico

que examina, em contraponto, teóricos clássicos de grande influência na teoria

democrática: por um lado os madisonianos, de tradição liberal; noutro, os

populistas, consagrando a soberania, a vontade popular. A partir dessas

análises comparatórias, Dahl constrói com bastante consistência a ideia de que

o processo normal do sistema americano é híbrido, e batiza-o de Poliarquia.

Nesse debate, os grandes interlocutores de Dahl são: 1) a teoria

madisoniana, predominante nos EUA, e sobre a qual se assenta o grande

medo dos federalistas americanos: conjurar o risco de tirania. A teoria

madisoniana é preconizadora da constituição como antídoto às tiranias tanto

das minorias como da maioria por meio de mecanismos de controle das

facções; 2) a teoria populista, nesse sentido em que o povo participa, em

semelhança com esse tipo híbrido brasileiro não tinha tanta importância para

os federalistas que não se preocupavam tanto com participação já que

estariam escudados em nas noções de “freios e contrapesos” dos

constitucionalistas.

Dahl avança nas críticas às duas teorias. Se, por um lado, não se pode

impedir o direito à livre associação, por outro é possível estimular o aumento da

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franquia eleitoral de tal forma que se amplie o número de coligações e

preferências.

Naturalmente isso gera ônus, custos e riscos. Resumidamente, Dahl

considera dois critérios necessários para que um regime seja considerado

próximo dos ideais democráticos: 1) os direitos civis e políticos não devem ser

restringidos para nenhuma parcela da população, excetuada idade mínima

para o direito de voto; 2) a competição política não deve sofrer não deve haver

limitações. Sem esses critérios, o regime não é democrático. Dahl lista ainda

três condições necessárias e oito garantias institucionais para a caracterização

de um regime quanto à democracia; as condições são as seguintes: a) formular

preferências; b) exprimir preferências; c) ter preferências igualmente

consideradas na conduta do governo.

Por fim, elenca o mesmo autor, oito garantias institucionais com o

mesmo objetivo: 1) liberdade cidadãs para formar e aderir a organizações; 2)

liberdade ampla de expressão; 3) direito amplo de voto; 4) elegibilidade para

cargos públicos; 5) direito de líderes políticos disputarem apoio e direito de

líderes políticos disputarem votos; 6) acesso a fontes alternativas de

informação; 7) regularidade de eleições livres e limpas; 8) instituições capazes

de engendrar políticas governamentais dependentes de eleições e de outras

manifestações de preferência do eleitorado.

Para Dahl, aqueles que contam são a maioria, mas a maioria dos

politicamente ativos, aquela maioria que consegue estabelecer os consensos

básicos que, na maioria das vezes, não são os consensos do cidadão médio.

Com isso põe-se outra grande questão: se os consensos não são fixos, o

que fazer para que incluam a pluralidade de conflitos e a diversidade de

posições individuais?

Note-se que, ainda que vigorosos, os estudos de Dahl, produzidos há

mais de 30 anos, geram uma compreensão datada, basicamente convencional,

para compreensão da pluralidade atual vigente. È preciso, igualmente, um

olhar mais próximo das críticas aos primórdios do pluralismo e aos defeitos da

Democracia Pluralista elaboradas por John F. Manley – notadamente a

estabilização das igualdades; os problemas de cooperação e de formação das

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consciências; as eventuais distorções da agenda pública; a alienação do

controle final por meio das mediações não controladas pelos políticos. Para fins

desse trabalho, serão vistos apenas superficialmente.

Críticas ao Pluralismo Democrático

Em Gilles Lipovetzky (LIPOVETZKY, 1998) temos o autor atentando

para a aparente falta de limites do individualismo contemporâneo que leva

Homem, Indivíduo e Cidadão a empurrar as fronteiras da personalização e da

individuação de tal forma que já parece legítimo utilizar princípios

absolutamente pessoais para comprar, votar ou fazer escolhas plebiscitárias

em uma sociedade hipercomplexa. Disso deriva que, para o Mercado ou para

os agentes políticos, cabe realizar uma “sedução contínua” de tal forma que os

seus “produtos” estejam sempre se diferenciando, ainda que isso custe muito e

possa redundar em um processo de anulação.

O indivíduo contemporâneo tem novíssimas identidades (identidades

intermédias, micro-identidades) que saem de um esquadro servo, camponês ou

operário e transita cada vez mais pelos espaços urbanos em permanente

construção, integrando arranjos familiares também cada vez mais complexos,

construindo uma sociedade cada vez mais plural e vivendo em um planeta

onde não há mais consensos óbvios sobre coisa alguma e os limites são

transfronteiriços.

Para novos tempos, novos indivíduos – inerente aos tempos e aos

costumes também está uma nova ordem para a participação e a deliberação;

como conciliar os ideais republicanos e a participação coletiva do indivíduo

cada vez mais empoderado e demandante com a consequente ampliação da

ideia de que democracia é (não só) participação? É nesse cenário denso que

as noções de controle social sobre ações dos gestores também emergem.

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O panorama global contemporâneo sinaliza pelo menos dois pontos de

observação importantes; por um lado a Democracia Deliberativa, tributária da

escola americana que estimula o controle social, por outro, a Democracia

Participativa com a proposta de novas tessituras do tecido social em

comunicação com o Estado, sustentada, entre outros, por Boaventura de

Sousa Santos e Jurgen Habermas

Habermas e as mudanças na esfera pública

Já Jürgen Habermas, (HABERMAS, 1998) desenvolve ao extremo a noção de

Democracia Deliberativa de Guttman, e acrescenta consideráveis novas

propostas ao modelo. De início, Habermas cria uma divisão do que ele chama

de mundo sistêmico e mundo da vida.

O mundo sistêmico opera em uma lógica própria e amoral, dele fazem parte o

Estado e Mercado, ambos possuidores de linguagens universais: poder e

dinheiro, respectivamente. Já o mundo da vida é o local onde são produzidos

os sentidos, onde os diferentes indivíduos se relacionam e onde novas ideias e

consensos nascem de forma espontânea.

O mundo sistêmico é incapaz de produzir sentido por si só, apenas o mundo

da vida o faz. A vantagem da democracia, para Habermas, é justamente essa

constante necessidade de legitimação do Estado pelo Mundo da Vida, a tensão

entre a vontade de controle e a vontade de domesticação do poder. O artifício

usado pelo Mundo Sistêmico para legitimação é o discurso.

Boaventura e a democratização da Democracia

Boaventura de Sousa Santos (SANTOS, 2000) concentra sua crítica nas

fronteiras do debate contemporâneo sobre a democracia. Os caminhos que

consolidaram o debate parecem aceitar a democracia como o sistema mais

viável frente às outras alternativas contemporâneas de governo.

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Essa percepção se acentua tendo em vista o fracasso da alternativa soviética,

as transições dos países do leste europeu e o fim da guerra fria, ao mesmo

tempo em que contingentes maiores de analistas reconhecem a crise do

Wellfare State. A questão central, no presente momento, se concentra na

procura do tipo mais adequado de democracia, para cada povo e para cada

situação. É antes de tudo uma questão de “qualidade” dessa democracia

entendida como um complexo novo jogo para comunicação, em permanente

reconstrução, entre o cidadão e as diversas formas de Estado.

Assim sendo, Boaventura sugere formas de “democratizar a

democracia”, de aumentar a participação, mas de forma qualitativa. O problema

óbvio com o que se depara, é a tendência de diminuição da participação e

aumento da deliberação em Estados cada vez mais complexos. Também cita

exemplos, como o da Colômbia, em que grupos que defendem uma maior

participação no poder, quando o alcançam, mudam o discurso completamente

e passam a exaltar a deliberação. O autor também critica a concepção

hegemônica de oposição entre forma e substância, já que seu objetivo é juntar

as duas coisas. Boaventura compara a democracia com a gramática, ou seja,

um conjunto de regras básicas para se dizer algo, porém, com possibilidades

infinitas sobre o que dizer. Dessa forma, reconhece a necessidade de criação

de novas gramáticas, novas inovações institucionais.

A constituição brasileira de 1988 possui uma infinidade dessas

inovações – e os vinte e cinco anos em breve comemorados colocam-nas cada

vez mais em bastante evidência - e pode ser vista como um exemplo. Mas

Boaventura vai além: agrega a esse pensamento a possibilidade de novas

relações de propriedade e infinitas formas de intervenção do Estado no

Mercado: a China é um exemplo dessas duas últimas propostas. Santos busca

exemplos empíricos e efetivos, no sentido de qualidade, de inovações

institucionais que aumentariam a participação. Os exemplos citados por Santos

são a Índia, onde a população realiza audiências públicas e tribunais populares

que frequentemente acabam como manifestações contra políticas do governo,

e o Brasil, com o orçamento participativo.

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Sobre o Brasil, Boaventura salienta ainda que não são em todos os

lugares que o orçamento participativo funciona ou sequer é adotado, existem,

para ele, quatro elementos essenciais para o seu funcionamento, a seguir: i.

tradição associativa; ii. vontade política, já que o orçamento participativo é

opcional; iii. orçamento não comprometido, de forma que não congele a

capacidade de iniciativa; e, iv. regras das instituições compatíveis.

Apesar de Santos considerar a participação necessária, sua teoria de

democracia participativa não é um principio normativo. Isso porque ele exalta o

experimentalismo ao invés de propor uma teoria normativa geral. O modelo de

democracia defendido por Boaventura conecta a participação (micro) à

representação (macro) de uma forma totalmente diferente da democracia

procedimentalista. Mais que isso, esse modelo une a vertente plebeísta com a

vertente republicana, une a inclusão com a virtude. As pessoas não participam

o tempo todo sobre tudo, mas as suas decisões são escaladas através da

representação. Este é justamente o problema central para esta publicação:

entender processos de decisões governamentais (políticas públicas) dentro de

um novo cenário de cidadania estendida e de instituições a se reinventarem

para dar conta padrões de responsividade dos governantes e dos gestores

públicos.

Os quase vinte e cinco anos de democracia recente, pós-ditadura militar

e pós Constituição de 1988, colocaram em cena, igualmente, novíssimos

atores em contato e em fricção no tocante à transparência na gestão de

recursos públicos e tem exigido novas combinações e novos arranjos cada vez

mais complexos para compreensão dessas interações. A maturação, a

robustez e a qualidade das democracias seguramente passam por estruturas

que possam garantir regras do jogo e políticas claras e onde a intervenção do

cidadão, no controle do fluxo dos recursos, também deva ser assegurada,

fortalecida e estimulada.

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Patologias de Privação2

Esta seção trará um panorama geral das conquistas democráticas recentes

dando conta de um território de convergência para a prática de políticas

públicas integradas – com ampla participação de gigantescos contingentes de

ativistas - naquilo que para fins deste artigo os autores chamarão de “década

consolidadora”.

No período entre 1941 e 2011 foram realizadas 127 conferências nacionais.

Desses encontros, 86 deles aconteceram entre 2003 e 2012 abrangendo mais

de 40 áreas setoriais nas esferas municipal, regional, estadual e nacional.

Estima-se que pelo menos sete milhões de pessoas participaram dos debates

sobre propostas para as políticas públicas.

Entre 2013 e 2014 estão previstas mais 19 conferências nacionais, com

expectativa de participação de milhões de pessoas, desde as etapas

municipais, livres, regionais, estaduais até a etapa nacional.

A seção seguinte tratará de uma seleção de políticas em torno do trinômio

trabalho-emprego-renda, rapidamente exemplificadas aqui:

i. PP associadas ao incremento no valor do salário mínimo;

ii. desoneração fiscal dos eletrodomésticos da linha branca/marrom;

iii. desoneração fiscal para automóveis e motocicletas;

iv. devolução dos valores de Planos Econômicos que geraram, por um

lado, “o maior confisco salarial da história”, e por outro, “o maior

acordo trabalhista do mundo;

v. políticas de criação de empresas e incentivo à formalização de

pequenas e médias empresas, além do estímulo ao

Microempreendedorismo Individual, por conta da legislação da MEI.

2 Ou “superação de patologias de privação”, tais quais os autores entendem a longa jornada de exclusão

de gigantescos contingentes de brasileiros mantidos à margem de padrões mínimos de cidadania, consumo ou participação social no ciclo de políticas públicas.

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Cidadão Consumidor ou Consumidor Cidadão - 13

A terceira parte do artigo trará algumas considerações sobre as PP federais de

crédito - postas em marcha pelo ex-presidente Lula e aceleradas pela

presidência Rousseff - e suas interações com os dois cenários acima expostos.

Esta seção também anunciará um macrocenário de danos derivados de uma

movimentação em que grupos de base da pirâmide ascendem como

consumidores em uma institucionalidade marcada por padrões de exclusão,

estigmatização e fortes clivagens de classe.

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Cidadão Consumidor ou Consumidor Cidadão - 14

Patologias do Excesso3

A quarta seção tratará do uso do automóvel e da mobilidade urbana nos

grandes centros urbanos. Por conta do maior número de veículos trafegando

pelos grandes conglomerados urbanos, as demandas por gasolina e etanol

aumentam.

Desse consumo, derivam decisões de governo para expansão da monocultura

de cana-de-açúcar e inevitáveis questões são postas sobre o controle de

poluentes e o controle de carbono na atmosfera.

Também por conta do aumento do consumo de combustíveis fósseis em

utilização para motores de automóveis e motocicletas ainda são não

declinantes os indicadores de mortes violentas no trânsito, ou mortes violentas

causadas por motivos torpes, com a recorrente internação de cidadãos –

notadamente jovens e não brancos - com politraumatismos e seus impactos

sobre o Sistema Único de Saúde e sobre uma inexplicável ausência de um

Sistema Único de Segurança Pública no país.

A quinta seção versará sobre os mais recentes aumentos do consumo de

alimentos industrializados, inclusive de crianças e adolescentes, –

aceleradamente ampliado justamente pela prática de refeições fora de casa e

pelo aumento da oferta de emprego - notadamente quanto ao volume de

gorduras, carboidratos, sódio, conservantes e seus impactos sobre o Sistema

Único de Saúde.

Por fim, a sexta parte apresentará um conjunto de proposições para sugerir

reperspectiva de ações ora em curso no âmbito das relações Estado

Sociedade Civil a fim de reduzir os danos das combinações de cenários

sustentados durante os capítulos anteriores.

3 Ou “superação de patologias do excesso”, tais quais os autores entendem a longa jornada de exclusão

de gigantescos contingentes de brasileiros mantidos à margem de padrões mínimos de cidadania, consumo ou participação social no ciclo de políticas públicas. Aqui, trata-se do outro lado da moeda: consumo de massa em escala jamais vista.

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(Superação de) PATOLOGIAS DA PRIVAÇÃO

Os dois períodos de governos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva

(2003/2006 e 2007/2010) estimularam fortemente dois movimentos: 1)

ampliação de diversas instâncias de participação social, em aproximação ao

Estado, para intervenções em diferentes etapas do ciclo de políticas públicas e

2) valorização do salário mínimo como parcela indissociável da aposta no

crescimento do mercado interno.

O avanço da presença dessas instituições (de amplo espectro, mas aqui

exemplificadas pelas conferências nacionais de políticas, audiências públicas,

ouvidorias) em um Estado mais poroso e auscultador tem estimulado a

produção de documentos4, nos dois primeiros anos da presidência Dilma

Rousseff, que tratam dessas interrelações e de novas fricções derivadas da

montagem de um “Sistema Brasileiro de Participação Social” no qual essas

interações ou “interfaces socioestatais” estariam a serviço de um método de

governo. Dessa profícua – e desejada - interação derivam indagações acerca

da efetiva utilização das manifestações populares no Planejamento

governamental e no dia-a-dia da gestão pública.

Em outra face potencializadora do mesmo fenômeno - claramente

multifacetado e multivariado - outras decisões, igualmente tomadas pelos

governos Lula I e II, giraram em torno de políticas de incremento do valor do

salário mínimo, renovadas pelo governo Dilma Rousseff até o ano de 2015.

Essas decisões carregam uma particularidade, notadamente por terem sido

pactuadas em um arranjo Capital-Trabalho bastante criativo no âmbito do

Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, CDES5, o Conselhão, e

aprovadas no Congresso Nacional a despeito de correntes outrora

hegemônicas asseverarem riscos amplos às economias municipais, por

3 Discurso da presidente Dilma Rousseff em 17/04/2012, na abertura da 1ª Conferência de Alto Nível da Parceria para Governo Aberto (Open Government Partnership, OGP) - Brasília/DF. 5 Para um estudo detalhado sobre a atuação do CDES ver a publicação A experiência do Conselho de

Desenvolvimento Econômico e Social sob o governo Lula. CARDOSO JR, SANTOS e ALENCAR (orgs.). Série Diálogos para o Desenvolvimento, Volume 2. IPEA, 2010.

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exemplo, e ao país como um todo. O salário mínimo vigente desde 1° de

janeiro de 2013, R$ 678,00, é equivalente a pouco mais de US$ 340,00.

As decisões de manutenção incremental do aumento do salário mínimo,

consorciadas a um amplo leque de políticas para ampliação e manutenção de

oportunidades de trabalho/emprego/renda, além de desonerações diversas às

cadeias industriais, engendraram significativos aumentos da massa salarial e

de aumento do poder de compra de milhões de cidadãos.

Concentrado em uma década, esse aumento significativo do padrão de compra

e dos padrões de consumo carregam significados importantes e colocam novas

tensões e novos dilemas para os cenários nos quais se desenrolam as

relações Cidadão-Estado e Sociedade-Estado.

Este artigo organiza e consolida algumas estatísticas recentes sobre

crescimento econômico, distribuição de renda, acesso a bens de consumo ou

serviços, educação e saúde para fins de problematizar externalidades

derivadas justamente desse cenário que proporciona condições para

identificar-se as nuances de atuação de um Estado de “bem estar” tipicamente

brasileiro, a grupos maiores de sua população, mas também com novíssimas e

– a nosso modo de ver – mal encaminhadas decisões de regulação e de

atenção ao consumo.

Para esta parte do artigo, estão selecionados três excertos da mesma

publicação recente de Zygmunt Bauman, Isto não é um diário (2012).

Na página 87, Bauman, comenta os efeitos da crise iniciada em 2008, e seus

efeitos sobre a juventude:

“Como ficou evidente agora, as garantias apregoadas com estrépito por

bancos, empresas de cartões de crédito, marqueteiros e filósofos

neoliberais, assim como por praticantes da política do neoliberalismo

que fluíam com abundância do otimismo oficial (autorizado!) para o

ânimo do público, eram enganosas e m grande parte desonestas.” [...]

“Os estudantes estão entre as vítimas mais frustradas e irritadas dessa

explosão. E, com relação à educação, que também se organiza como

mercado, em boa parte, deve ser feita uma avaliação sobre o consumo.”

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Ainda sobre a crise, Bauman, comenta os efeitos da crise iniciada em 2008, e

seus efeitos sobre a juventude:

Páginas 88-89: “ Um pensamento, porém, nos ocorre de imediato: todos

os mercados de consumo são conhecidos por ter o hábito de passar do

limite: os mercados têm o costume de contar com uma demanda muito

maior do que aquela que são capazes de encontrar ou invocar – mas

também têm o hábito de tentar persuadir e seduzir com seriedade muito

mais clientes que aqueles para os quais os produtos oferecidos são úteis

de verdade. Os mercados de consumo são altamente eficazes, mas

também pródigos demais, como mecanismos de ‘satisfação de

necessidades’: sabe-se que produzem muito lixo. Para atingir um alvo,

precisam enchê-lo, inundá-lo de balas! Em nossa sociedade de

consumidores, o ‘mercado da educação’ não tem sido uma exceção à

regra. A maioria dos países tem experimentado nas últimas décadas um

crescimento sem precedentes em termos do número de instituições de

educação superior e do volume de seus alunos. Esse desenvolvimento

tende a resultar numa desvalorização da educação universitária e dos

diplomas de curso superior.”

Ainda Bauman, sobre social-democracia e seus derivados no Estado de Bem-

estar Social, nas páginas 140-141:

“... o que sobrou do ‘eleitorado natural’ da social-democracia foi quase

pulverizado num agregado de indivíduos autocentrados e preocupados

consigo mesmos, competindo por empregos e promoções, com pouca

ou nenhuma consciência de que existe uma comunidade de destino, e

menos inclinação ainda a cerrar fileiras e empreender uma ação

solidária. A ‘solidariedade’ foi um fenômeno endêmico à antiga

sociedade de produtores; na sociedade de consumidores, ela não passa

de uma fantasia alimentada pela nostalgia, embora os membros dessa

admirável sociedade nova sejam conhecidos por acorrer às mesmas

lojas nos mesmos dias e à mesma hora, agora governados pela ‘mão

invisível do mercado’, com a mesma eficiência de quando eram

arrebanhados para os pátios das fábricas e agrupados nas linhas de

montagem pelos chefes e seus supervisores contratados.

Reclassificados como consumidores em primeiro lugar, e

produtores num distante (e não necessário) segundo lugar, o antigo

eleitorado social-democrata se dissolveu no resto dos consumidores

solitários, os quais não conhecem ‘interesse comum’ a não ser o de

contribuintes.”

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Por fim, o mesmo Bauman, nas páginas 233 e 234.

‘O propósito crucial, talvez decisivo, do consumo (mesmo que raras

vezes explicitado com tantas palavras e menos ainda debatido em

público) na sociedade de consumidores não é a satisfação de

necessidades, desejos e vontades, mas a ‘comodificação’ ou

‘recomodificação’ do consumidor: elevar o status dos consumidores ao

de mercadorias vendáveis [itálico no original]. É por essa razão, em

última instância, que passar no teste do consumo é condição inegociável

para a admissão na sociedade que foi remodelada segundo o mercado.

Passar no teste é precondição não contratual (itálico no original) de

todas as relações contratuais (itálico no original) que se entrelaçam e

são tecidas na rede de relacionamentos chamada ‘sociedade de

consumidores’. [...] Os membros da sociedade de consumidores são eles

próprios mercadorias de consumo, (itálico no original) e é a condição de

mercadoria de consumo que os torna membros legítimos dessa

sociedade.”

“Ser membro da sociedade de consumidores é uma tarefa assustadora e

uma luta dolorosa e interminável. O medo de não conseguir se

conformar é superado pelo temor da inadequação, mas nem por isso é

menos apavorante. Os mercados de consumo são ávidos por lucrar com

esse medo, e as empresas que produzem bens de consumo competem

pelo status de guias e auxiliares mais confiáveis no interminável esforço

de seus clientes para enfrentar o desafio. Eles fornecem ‘as

ferramentas’, os instrumentos necessários ao trabalho individualmente

realizado de ‘autofabricação’.

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CAVEAT E INCONCLUSÕES

a) Há mais conflitos derivados de maior espaço à participação, maior

auscultação por parte do Estado, mas faltam mecanismos claros, diretos

e objetivos de devolutivas dessas demandas no formato de Políticas

Públicas;

b) Conflitos derivados da maior/menor participação social nas Políticas

Públicas ainda não dão conta das intervenções possíveis sobre o

Orçamento Geral da União e mesmo sobre o PPA;

c) Consumo de gorduras, sódio, alimentação fora de casa e direitos do

consumidor;

d) Poluentes e combustíveis fósseis;

e) Mortes no trânsito e impactos sobre o SUS;

f) Crédito e relação com instituições financeiras;

g) O debate sugere atender aos interesses manifestos pela presidente

Dilma Rousseff, que pretende transformar a defesa do consumidor em

uma das bandeiras da sua gestão com medidas anunciadas em março

de 2013. A adoção dessas medidas tem custo baixo para o governo e

reforçam o papel do Estado como regulador do mercado.

h) As reações dos Mercados.

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Gráficos:

1) Crescimento com Inclusão Social;

2) Renda Domiciliar Real, per capita;

3) Crescimento da Renda Domiciliar Real, per capita, por

quintil;

4) Índice de GINI por região;

5) Evolução do estoque de empregos formais;

6) Taxa de desocupação;

7) Esperança de vida ao nascer;

8) Taxa de mortalidade infantil;

9) Taxa de frequência na escola;

10) Estudantes por idade e anos de estudo;

11) Número médio de anos de estudo;

12) Universalização da energia elétrica;

13) Cobertura de água e esgotamento sanitário;

14) Acesso a bens duráveis (geladeira, máquina de

lavar)

15) Venda de automóveis;

16) Venda de motocicletas;

17) Km de congestionamentos, feriados de Páscoa, em

SP, na década.

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