titicut follies-som, violência e sentido no documentário proibido de frederick wiseman

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21/06/13 Revista Afuera | Estudios de crítica Cultural www.revistaafuera.com/print.php?id=266&nro=12 1/16 Titicut Follies: som, violência e sentido no documentário proibido de Frederick Wiseman Resumen: O objetivo deste artigo é discutir o papel central da Banda Sonora na construção de sentido e na compreensão da violência institucional retratada no documentário Titicut Follies (1967), de Frederick Wiseman. Primeiramente, discutiremos o contexto de produção do filme e sua exclusão do circuito cinematográfico por razões éticas e políticas. A seguir, analisaremos a banda sonora do filme tendo como referência as categorias sonoras e suas funções identificadas pelos teóricos Michel Chion e Johnny Wingstedt, focalizando o papel determinante da banda sonora sobre a montagem do filme e seu papel no delineamento da violência presente na Instituição Mental de Bridgewater. Após, discutiremos a poética e a ética da representação no Cinema Direto, observando como Titicut Follies desconstrói os princípios daquele cinema e delineia outra forma de construção de sentido e outra ética a través do uso de sua banda sonora. The aim of this article is to discuss the central role played by the soundtrack in the construction of meaning and in understanding the institutional violence depicted in the nonfiction film Titicut Follies (1967), from Frederick Wiseman. First we discuss the context of production of Wiseman’s film and its ban from cinemas for political and ethical reasons. Afterwards we analyze the soundtrack using Michel Chion and Johnny Wingstedt categories to identify sound functions in the film and focus on the determinant participation of the soundtrack over the image editing and in picturing the violence present at Bridgewater Mental Institution. Then we discuss the poetics and ethics of representation in the Direct Cinema films and observe how Titicut Follies undermine those principles and delineates another form of construction of meaning and ethics in Direct Cinema through its soundtrack.

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O objetivo deste artigo é discutir o papel central daBanda Sonora na construção de sentido e na compreensãoda violência institucional retratada no documentárioTiticut Follies (1967), de Frederick Wiseman.

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    Titicut Follies: som, violncia e sentido no documentrio proibido de

    Frederick Wiseman

    Resumen:

    O objetivo deste artigo discutir o papel central da

    Banda Sonora na construo de sentido e na compreenso

    da violncia institucional retratada no documentrio

    Titicut Follies (1967), de Frederick Wiseman.

    Primeiramente, discutiremos o contexto de produo do

    filme e sua excluso do circuito cinematogrfico por

    razes ticas e polticas. A seguir, analisaremos a banda

    sonora do filme tendo como referncia as categorias

    sonoras e suas funes identificadas pelos tericos

    Michel Chion e Johnny Wingstedt, focalizando o papel

    determinante da banda sonora sobre a montagem do

    filme e seu papel no delineamento da violncia presente

    na Instituio Mental de Bridgewater. Aps, discutiremos

    a potica e a tica da representao no Cinema Direto,

    observando como Titicut Follies desconstri os princpios

    daquele cinema e delineia outra forma de construo de

    sentido e outra tica a travs do uso de sua banda

    sonora.

    The aim of this article is to discuss the central role

    played by the soundtrack in the construction of meaning

    and in understanding the institutional violence depicted

    in the nonfiction film Titicut Follies (1967), from

    Frederick Wiseman. First we discuss the context of

    production of Wisemans film and its ban from cinemas

    for political and ethical reasons. Afterwards we analyze

    the soundtrack using Michel Chion and Johnny Wingstedt

    categories to identify sound functions in the film and

    focus on the determinant participation of the soundtrack

    over the image editing and in picturing the violence

    present at Bridgewater Mental Institution. Then we

    discuss the poetics and ethics of representation in the

    Direct Cinema films and observe how Titicut Follies

    undermine those principles and delineates another form

    of construction of meaning and ethics in Direct Cinema

    through its soundtrack.

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    O sentido no pode ser imposto ou negado. Apesar de cada filme

    ser em si mesmo ordenao e fechamento, cada fechamento desafia

    seus limites, abrindo-se para outros fechamentos, enfatizando,

    desta forma, o intervalo entre as aberturas e criando um espao no

    qual o sentido permanece fascinado pelo que a ele escapa e

    excede.

    (MINH-HA, 1993: 105).

    O filme documentrio surge com o incio do cinema, ainda no final do sculo XIX.

    Desde ento, em toda sua histria, filmes documentrios trouxeram baila

    questes que solicitam uma reflexo sobre tica e representao. Como nos diz

    Jean-Louis Comolli (2008:99), O que eu vejo me mostra de onde eu vejo e como eu

    vejo, ou seja, as representaes imagticas que compe o cinema so sempre re-

    presentaes da realidade constitudas por um determinado olhar que as registra,

    organiza e por um determinado olhar que as assiste. Os documentrios Tornam

    visvel e audvel, de maneira distinta, a matria de que feita a realidade social, de

    acordo com a seleo e a organizao realizadas pelo cineasta (NICHOLS, 2007:

    26). Sobrepem-se duas questes: uma com relao fidelidade da representao

    ao real e outra com relao interao entre o cineasta e o objeto de seu filme

    quando da construo da narrativa flmica.

    Nos anos 1960, o cinema v surgir novas tecnologias que pareciam trazer em si a

    possibilidade de uma maior fidelidade ao real representado pelas lentes

    cinematogrficas: as cmeras de 16 mm e os gravadores de fita magntica. Leves e

    portteis, esses aparelhos davam ao cineasta total liberdade de movimentos e

    permitiam que se registrasse o real em seu acontecer fluido e mvel, tanto

    imagtica quanto sonoramente. A corrente norte-americana de cinema denominada

    Cinema Direto, que surge nesse perodo, defendia que, uma vez que se dispunha de

    tecnologia suficiente (cmeras leves e gravao de som in loco), o compromisso do

    cineasta deveria ser com a realidade, registrando a vida em seu desenrolar, sem

    interferir ou interpretar o que fosse filmado.

    Frederick Wiseman considerado um dos principais representantes da corrente do

    Cinema Direto norte-americano. O diretor, hoje com 81 anos, j realizou cerca de

    quarenta ongasmetragens, como The Hospital (1970), Model (1980) ou Boxing Gym

    (2010), e iniciou sua carreira como diretor em Titicut Follies, de 1967

    (http://www.zipporah.com/films/22).

    Wiseman opta por fazer filmes sobre instituies (hospitais, escolas, presdios,

    shopping centers, etc.). Sua obra enfoca as relaes que se estabelecem entre as

    pessoas num determinado ambiente, o da instituio escolhida, que se torna seu

    espao geogrfico de registro e interpretao. O diretor diferencia-se de outros

    expoentes do Cinema Direto que em suas primeiras produes filmavam astros da

    msica pop ou figuras polticas de destaque, optando por eleger as instituies como

    estrelas (GRANT, 1998).

    Frederick Wiseman afirma em entrevistas que seus filmes so uma Histria natural

    sobre a maneira como vivemos (EAMES apud GRANT, 1998:238, nossa traduo),

    apostando na ointerveno durante as filmagens como a melhor forma de alcanar

    o resultado que procura: Minha experincia que 99% do tempo as pessoas que

    esto sendo filmadas no reagem cmera ou ao gravador, e quase nenhum tempo

    necessrio para aclimat-las (GEROW e TOSHIFUMI, 1997, nossa traduo). Alm

    disso, o diretor acredita que a presena da cmera no altera significativamente as

    relaes estabelecidas entre as pessoas nas instituies que filma: creio ser

    verdade que os eventos que voc v em meus filmes aconteceriam mesmo se o

    filme no fosse feito (PEARSON, 2003, nossa traduo).

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    Por outro lado, embora seja conectado ao Cinema Direto norte-americano, o diretor

    prefere ressaltar que seus filmes no so uma observao imparcial da realidade. No

    caso de Wiseman a no interveno na filmagem contraposta total manipulao

    na edio. Por isto, o diretor afirma que seus filmes so reality fictions, fices

    reais, denominao que utiliza com o intuito de:

    Invalidar qualquer responsabilidade de manter uma preciso e uma

    literalidade para com a realidade que ele registra com a cmera e com o

    gravador ou para afirmar que seus filmes devem ser vistos como arte e lidos

    com o mesmo nvel de complexidade interpretativa que uma fico sria.

    (BENSON e ANDERSON, 2002:2).

    Seus filmes no so editados em conformidade seqencial com os eventos

    retratados, como vrios diretores do Cinema Direto faziam. Pelo contrrio, o diretor

    utiliza diversas formas de manipulao e concatenao do material para estruturar

    uma viso da instituio que ele pretende nos mostrar: em todos os seus filmes,

    Wiseman combina a observao no participativa e a manipulao expressiva,

    mesclando a esttica do cinema observativo, do espectador no-envolvido com o

    uso expressivo da mise-en-scne e da montagem (GRANT, 1998:239, nossa

    traduo).

    Juridical Follies

    Titicut Follies retrata o dia-a-dia de um manicmio judicirio em Bridgewater,

    Massachusetts, nos Estados Unidos e revela as humilhaes a que os presos eram

    submetidos, o descaso com seus cuidados, os maus-tratos verbais que sofriam e as

    pssimas condies do local. Os problemas legais relativos ao documentrio

    comearam em uma de suas primeiras exibies, no New York Film Festival, ainda

    em 1967. O governo de Massachusetts tentou proibir a exibio do filme

    argumentando que Wiseman no tinha a autorizao de uso da imagem dos detentos

    retratados. O diretor havia obtido, somente, o consentimento de todos os

    funcionrios e do superintendente do manicmio judicirio (o guardio legal dos

    presos), mas no solicitara a autorizao de cada interno separadamente. Porm, a

    corte de justia de Nova York autorizou a exibio do filme. Fora do pas, Titicut

    Follies recebeu dois prmios em 1967: Mannheim Film Ducat no Mannheim-

    Heidelberg International Filmfestival, em Heidelberg, Alemanha, e Best Film Dealing

    with the Human Condition no Festival Dei Popoli em Florena, Itlia.

    Em sua curta temporada de exibio nos anos 1960, o filme mostrou sua fora,

    chocando muitos espectadores e causando reaes opostas: tanto o reconhecimento

    de seu carter poltico de grande importncia, ao revelar as mazelas institucionais a

    que eram submetidos os presos internados em Bridgewater, quanto o horror

    exposio da nudez e das humilhaes sofridas pelos detentos/pacientes, bem como

    a invaso de privacidade a que eran submetidos na instituio. Muitos

    argumentaram que um filme que expunha os maus-tratos sofridos pelos enfermos no

    manicmio judicirio, estaria, por sua vez, violentando a dignidade destes

    pacientes/detentos.

    Dois anos aps sua primeira veiculao, Titicut Follies teve sua exibio proibida

    por uma deciso judicial, que considerou que o diretor no respeitou o direito

    privacidade e dignidade dos presos ao realizar o filme. A deciso do juiz solicitava o

    recolhimento de todas as cpias e sua destruio. Wiseman apelou legalmente, e a

    Corte Suprema do Estado de Massachusetts decidiu que o filme no seria destrudo,

    mas s deveria ser exibido para advogados, juzes, mdicos, profissionais da sade

    e assistentes sociais, bem como para estudantes desses campos de conhecimento ou

    reas afins, mantendo a proibio de sua apresentao pblica. No satisfeito com a

    deciso, Wiseman recorreu Suprema Corte norte-americana, porm sem xito. O

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    filme ficou fora de circulao comercial nos Estados

    Unidos at o incio dos anos 1990, quando o diretor solicitou novamente sua

    liberao corte de Justia do Estado de Massachusetts e, finalmente, a obteve. Em

    todas as querelas e instncias que o filme enfrentou na justia, Wiseman

    argumentou pela liberdade de expresso garantida pela constituio norte-

    americana, repudiando a censura: A censura de Titicut Follies ou qualquer outro

    filme no permite que as pessoas numa democracia tenham acesso a informaes

    que elas talvez queiram ter para refletir e decidir em que tipo de sociedade elas

    gostariam de viver simples assim (WISEMAN apud GRANT, 1998:250, nossa

    traduo).

    Titicut Follies traz as marcas do que seria o cinema de Wiseman. A montagem no

    constri uma narrativa linear baseada no tempo real dos acontecimentos (forma

    advogada pelos primeiros realizadores do Cinema Direto), ao contrrio, o que

    observamos so fragmentos da vida dos internos, organizados em pequenos blocos

    de eventos que se concatenam de diversas maneiras, compartilhando o lugar

    geogrfico-institucional em que se do. Os encadeamentos no buscam organizar a

    histria cronologicamente, mas construir seu sentido atravs da oposio, da

    ilustrao de temas, da evidncia, do paralelismo ou da ironia, entre outras formas

    de articulao. Wiseman o prprio editor de seus filmes.

    Para cada filme ele leva de quatro a seis semanas filmando na locao, mas

    muitos meses na sala de montagem selecionando e dando forma ao material.

    no processo de montagem, este pensar atravs do material que Wiseman se

    envolve num olhar de segunda ordem [...] e admite prontamente a

    manipulao criativa em seus filmes. (GRANT, 1998:240, nossa traduo).

    Professor de direito que se tornou cineasta, a partir do incmodo que sentia ao

    visitar instituies manicomiais e presdios, Wiseman costuma afirmar no ter

    intimidade com a cmera, utilizando sempre um cameraman para realizar as

    filmagens, como John Marshall em Titicut Follies. Porm, o diretor o responsvel

    pelo controle do registro sonoro, empunhando um microfone e um gravador.

    Segundo Wiseman, ao manipular o microfone, possvel dirigir a cena, mostrar o

    que deve ser filmado, apontar o caminho para a cmera. Essa informao talvez nos

    ajude a compreender aspectos do mtodo de edio utilizado por Wiseman em

    Titicut Follies e a importncia da banda sonora nesse filme.

    A banda sonora

    Denominamos banda sonora a totalidade de sons utilizados em um filme, incluindo:

    a voz, os rudos, a msica e o silncio. Escolhemos utilizar o termo banda sonora e

    no trilha sonora, porque esse ltimo, na lngua portuguesa, nos remete msica

    utilizada em um filme. Nossa referncia terica principal para a anlise da banda

    sonora de Titicut Follies sero as pesquisas de Michel Chion e Johnny Wingstedt, as

    quais elaboram uma taxonomia dos elementos sonoros envolvidos nos filmes bem

    como suas funes na construo das narrativas cinematogrficas. Citaremos outros

    estudos que refletem sobre as funes da banda sonora no cinema para

    complementar o arcabouo conceitual da discusso.

    Primeiramente, devemos identificar trs conceitos fundamentais anlise sonora no

    cinema elaborados por Michel Chion: o valor agregado; a sncrese; e os trs modos

    de escuta: Causal, a Semntica e a Reduzida. O valor agregado :

    [Um] valor expressivo e informativo com o qual um som enriquece uma dada

    imagem criando uma impresso definida, na experincia imediata ou

    rememorada que se tem dessa imagem, de que essa informao ou expresso

    vem naturalmente do que vemos, e j est contida na prpria imagem. O

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    valor agregado o que d a impresso (na maioria dos casos errnea) de que

    o som desnecessrio, de que o som apenas duplica um sentido, o qual na

    realidade ele traz para a cena, por si s, ou ento pelas discrepncias entre

    ele e a imagem. (CHION, 1990:5, nossa traduo).

    A sncrese, aglutinao das palavras sincronia e sntese, define uma interao entre

    som e imagem postos em sincronia na qual se realiza uma sntese entre ambos,

    forjando uma relao imediata e necessria entre algo que se v e algo que se

    ouve (Ibid.: 5, nossa traduo). Para o autor, o fenmeno da sncrese o que

    permite que o som tenha uma ampla gama de funes na constituio de sentido

    num filme, a partir de sua combinao com as imagens.

    Dentre os trs modos de escuta, o primeiro, a escuta causal, seria a mais comum.

    Esse modo caracteriza-se pela escuta de sons buscando colher informaes sobre sua

    causa. Em nosso dia-a-dia esse o modo mais utilizado para que possamos agir no

    mundo e establecer identificaes de objetos, seres, lugares, etc. A escuta

    semntica um modo de escuta em que buscamos o significado dos sons ouvidos, e

    no sua causa. No caso da linguagem falada, por exemplo, os fonemas no so

    compreendidos por suas propriedades acsticas ou a partir de sua causa, mas por

    serem parte de um complexo sistema de oposies e diferenas que determinam o

    sentido do que dito. Por fim, a escuta reduzida diz respeito a uma escuta em que

    as qualidades do som, suas caractersticas acsticas e estticas, so o foco e no

    suas causas ou sentido. Como nos diz o autor os valores emocional, fsico e

    esttico de um som no esto conectados apenas explicao causal que atribumos

    a ele, mas tambm s suas prprias qualidades de timbre, textura, a sua prpria

    vibrao pessoal. (Ibid: 31, nossa traduo).

    A escuta reduzida estimulada pela acusmatizao de um som, ou seja, da

    separao entre o som e sua fonte de origem, o que nos faz prestar ateno em

    seus elementos caractersticos (timbre, altura, durao, etc.), independentemente

    de suas causas ou sentido. O conceito de escuta acusmtica veio do filsofo grego

    Pitgoras, em cujas aulas, por vezes, a voz do mestre era escutada sem que se

    pudesse v-lo, exigindo uma concentrao maior dos alunos naquilo que escutavam.

    O compositor francs Pierre Schaeffer foi quem retomou o termo para dar-lhe o

    significado de escuta de um som sem a observao de sua fonte.

    Chion elabora uma categorizao da voz em seu livro La Voz en El Cine (2004), que

    ser abordada ao analisarmos a presena da voz no filme de Wiseman. Da mesma

    forma, a taxonomia de Johnny Wingstedt sobre as funes da msica no cinema,

    objeto de sua tese de licenciamento na Lulea University of Technology, na Sucia,

    intitulada Narrative Music towards an understanding of musical narrative

    functions in multimedia (2005) (http://epubl.ltu.se/1402-1757/2005/59/LTU-LIC-0559-

    SE.pdf), ser referida ao nos depararmos com elementos da trilha musical de Titicut

    Follies.

    Sound Follies?

    A banda sonora de Titicut Follies tem como centro organizador a voz, atravs das

    articulaes discursivas diversas que presenciamos no decorrer da pelcula: dilogos

    entre mdicos e pacientes/detentos; entre pacientes/detentos; monlogos; voz-no-

    ar; e canes (inclusive em performances diretas para a cmera, numa verso

    meldica da fala direta). Os dilogos e monlogos so formas da voz comuns

    maioria dos filmes documentais ou de fico. A vozno- ar uma modalidade da voz

    identificada por Michel Chion (1990:76) que caracterizada por ua veiculao

    atravs de aparelhos como rdio, telefone, vitrola ou televiso, entre outros. Esse

    tipo de voz apresenta caractersticas tcnicas especficas, como a reduo de seu

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    espectro de frequncias devido ao meio de transmisso. Alm disso, no vemos o

    emissor, mas sua voz faz parte da diegese: a voz-no-ar nos remete a um espao

    virtual ao qual no temos acesso e de onde o emissor fala. A fala direta, embora no

    seja identificada pelo autor, uma categoria da voz extremamente comum no

    cinema documentrio. Um exemplo seria a entrevista em que no ouvimos a voz do

    diretor, mas somente as respostas do entrevistado proferidas diretamente para a

    cmera.

    As canes mesclam funes comuns msica (funo emotiva, informativa,

    descritiva, entre outras), mas amplificam as possibilidades de significao atravs

    de dois elementos particulares: a presena da letra, pois o texto cantado um

    elemento discursivo que pode estimular leituras das imagens que no so

    provocados pela instrumentao musical; e a referncia a um universo de prticas

    scio-culturais associadas ao estilo das canes que provocam leituras direcionadas

    da imagem. Ronald Rodman, observa a interao das praticas sociais com a leitura

    provocada pelos diferentes estilos de cano: O nvel do estilo musical tem um

    alcance para alm da narrativa flmica e interage com outras competncias,

    especialmente prticas sociais [...], uma vez que o estilo musical distingue aspectos

    de raa, gnero e outras caractersticas. (RODMAN, 2006:129, nossa traduo).

    Em Titicut Follies, no h narrao de qualquer natureza. As articulaes que

    Wiseman constri a partir da montagem calcada na voz, so complexas elaboraes

    de sentido que passam pela metfora, pela contradio, pela ilustrao, e por outras

    formas discursivas da linguagem. Alm da voz, o diretor usa outros elementos da

    banda sonora no filme para construir sentido e articular passagens: rudos, msica

    instrumental e silncio. Um aspecto que deve ser ressaltado o uso do som fora-de-

    campo e seu deslizamento para a imagem de forma provocadora, tanto de suspense,

    quanto de outras emoes ou significados, como veremos no correr da anlise.

    Utilizamos o conceito de fora-de-campo no sentido de um espao que no o da

    imagem na tela, mas o espao contguo, pertencente histria que vemos, e que

    pode tornar-se parte da imagem da tela a qualquer momento.

    A abertura do filme se d com uma cena escura de uma apresentao em um

    pequeo auditrio. Ao fundo, o ttulo da apresentao: Titicut Follies. Homens

    cantam a cano Strike up the Band, dos irmos Gershwin, enquanto realizam uma

    coreografia mal ensaiada e infantil: h, no ambiente, uma aparente alegria, mas

    contraposta a certa tenso expressa nos movimentos contidos, duros, pouco

    habituais para aqueles homens. O plano de conjunto se fecha e vemos um travelling

    em close pelos seus rostos. A luz, que os ilumina de baixo para cima, delineia suas

    faces de maneira estranha, sombria, bizarra. No sabemos quem so esses homens.

    A letra da cano diz O trompete chama/O povo grita/Que comece a banda!/Os

    cmbalos ressoam/Por um e por todos/O balano marcial/Que comece a

    banda!/Vamos comear o show/ um hip hip ho/Vamos garotos, vamos, vamos/

    simplesmente grandioso/Vamos pessoal/Vamos l/Ei lder, que comece a banda!.

    Ao final da cena, aquele que parece ser o mestre de cerimnias pede aplausos,

    anuncia as prximas atraes e faz uma piada.

    Titicut Follies uma festividade anual realizada pelos guardas, detentos e demais

    funcionrios de Bridgewater. A abertura, usando a cano na funo retrica,

    acompanhada pela mise-en-scne teatral, anuncia metaforicamente o comeo do

    espetculo que veremos na tela. A funo retrica da msica, identificada por

    Wingstedt (2005), cria relaes com a imagem de forma a modificar a interpretao

    de sentido que fazemos do que visto na tela, por vezes adicionando um

    comentrio imagem, como nessa passagem. Somos convidados a assistir ao

    show/filme que se descortina aos nossos olhos ns, espectadores privilegiados

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    atravs do olho da cmera e do ouvido do gravador no no teatro, ou no auditrio,

    mas no espao confortvel e seguro de nossas poltronas. Por outro lado, a

    grandiosidade da cano, expressa em sua letra, se contrape s imagens,

    comentando retoricamente a situao infantilizada na qual se encontram aquelas

    pessoas, transformadas em corpos. E como diz o mestre de cerimnias: Vai

    ficando melhor e melhor!. A ironia dessa fala s percebida a posteriori, com o

    correr da pelcula.

    A palavra Titicut tem sua origem em uma das lnguas de nativos norte-americanos e

    era utilizada para denominar a rea de Bridgewater (GRANT, 1998) antes da chegada

    do homem branco. Follies, quer dizer aes, prticas ou ideias sem sentido

    (Dictionary.com, 2012). Assim, Wiseman, ao escolher o termo para o ttulo, no s

    faz referncia festividade realizada anualmente pelos funcionrios e pacientes do

    manicmio judicirio, mas tambm nos faz antever o que encontraremos naquela

    instituio.

    A seguir, vemos o plano mdio de um homem que tira a camisa. Ao fundo, vemos

    outras pessoas tambm desnudas. Ouvimos sons diversos: vozes que no

    entendemos; pancadas e rudos; nomes no compreensveis, etc. Os sons que

    ouvimos no nos ajudam a saber o que se passa ou onde estamos, apenas nos fazem

    perceber que h todo um espao fora-de-campo onde as atividades esto a

    transcorrer e nos tensionam atravs do suspense. O mestre de cerimnias atravessa

    o quadro, agora de quepe e uniforme policial. A cmera faz um leve zoom em

    direo ao rapaz j sem camisa e de olhar inexpressivo. Outro corte, e um plano de

    conjunto, de um ponto diverso do ambiente, revela onde estamos: vrios policiais

    examinam roupas, objetos e corpos de pacientes/detentos que chegam

    instituio. Homens so desnudados e mostram seus pertences e seus corpos aos

    vigilantes. Aps alguns instantes, vemos, de perfil, o personagem que vimos na

    cena anterior, retirando a camiseta.

    Wiseman utiliza o fora-de-campo sonoro nesta cena de forma emotiva (Wingstedt,

    2005), para criar suspense em relao ao que se passa, aumentando o impacto da

    cena seguinte, quando som e imagem se juntam. H uma acusmatizao dos sons,

    quando no vemos o que os produzem, e uma posterior deacusmatizao dos sons

    quando estes, e as imagens do que os produzem, se juntam. Wiseman solicita do

    espectador, alternadamente, os trs modos de escuta identificados por Chion:

    escuta reduzida, causal e semntica. Parece, ao mesmo tempo, querer nos instruir

    sobre o discurso do filme, usando a articulao entre som e imagem de forma

    retrica/metafrica: acompanharemos o desnudamento paulatino da instituio

    de Bridgewater.

    A cena seguinte comea com um close de um dos pacientes/detentos enquanto

    ouvimos a voz de um mdico com sotaque alemo perguntando sobre seu

    relacionamento sexual com uma criana. O mdico faz uma srie de perguntas,

    revelando aes perversas do personagem que levaram a seu encarceramento em

    Bridgewater. Corte: voltamos ao ambiente onde os pacientes/detentos esto sendo

    desnudados e examinados pelos guardas. Corte: O mdico conversa com o

    paciente/detento investigando suas prticas, hbitos, preferncias e inclinaes

    sexuais. Desenvolve-se uma montagem paralela entre a conversa medico/paciente e

    as imagens de desnudamento, conectadas pelas frases ditas, que atribui o mesmo

    sentido para uma e outra ao: o paciente vai sendo desnudado para o

    gravador/cmera, at estar completamente exposto para os espectadores.

    Em determinado momento, o mdico diz: Voc nunca se sentiu culpado quando se

    masturbava?. Corte. Um paciente em close gagueja fortemente e diz: Eles iriam

    arrancar minhas bolas. Eu disse ao mdico... (gagueja) Antes de vir para c...

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    (gagueja novamente) Eu no queria que minhas bolas fossem tiradas de mim.

    Ento, ao invs disso, eles tiraram minhas roupas (nossa traduo). Mais uma vez

    observamos o uso da voz em articulaes retricas com as imagens. A pergunta pela

    culpa respondida pelo delrio do paciente: o pecado se transforma em terror

    punio. Ao mesmo tempo, a ao dos guardas em Bridgewater (o desnudamento)

    a forma de punio que substitui a castrao. Como nos diz Foucault, as instituies

    de abrigo dos loucos se modificaram.

    [Tornaram-se] uma instncia perptua de julgamento: o louco tinha que ser

    vigiado nos seus gestos, rebaixado nas suas pretenses, contradito no seu

    delrio, ridicularizado nos seus erros: a sano tinha que seguir

    imediatamente qualquer desvio em relao a uma conduta normal. E isto sob

    a direo do mdico que est encarregado mais de um controle tico que de

    uma interveno teraputica. Ele , no asilo, o agente das snteses morais.

    (FOUCAULT, 1975:57).

    Prximo ao fim da sequncia, o mdico diz ao paciente: H algum tempo voc me

    disse que precisava de ajuda. Ele responde: Eu preciso de ajuda, mas no sei

    onde consegui-la. O mdico prontamente replica: Voc pode consegui-la aqui, eu

    imagino. Corte. A cmera filma diversos pacientes com olhares perdidos, vazios,

    cabisbaixos, que circulam pelo ambiente, por vezes olham para a cmera, mas

    parecem desolados, sem esperana, sem rumo. Wiseman parece nos perguntar: ser

    ele capaz de encontrar alguma forma de ajuda neste lugar?

    De repente ouvimos uma voz rouca que profere uma enunciao prolixa e sem

    sentido, porm, enftica: Ka Pa, putitika, Charles Plymouth, putitiki, Benjamim

    Kaplan, putitika, Volpe, putitikou, putitika. O discurso, antes de fazer algum

    sentido, marcado por uma ritmicidade, por uma musicalidade, pelo seu timbre

    rouco e por sua modulao. Nesse momento, nossa escuta reduzida solicitada. A

    cmera encontra o homem. O vemos de perfil, indicador em riste, pronunciando sua

    fala com carter rtmico de pregao, um mantra que esse estranho profeta segue

    entoando em seu ritual, embora sem contedo compreensvel, pontuada pelas

    expresses putitiki, putitika e putitiko. Ouvimos referncias a John Kennedy,

    Volpe, Von Braun, Israel, negros, Mississipi, etc. O homem se denomina Borges e

    Cristo. A fala, aparentemente editada, uma vez que vemos cortes com mudanas

    de pontos de vista, dura cerca de dois minutos. A voz, na maioria dos filmes

    documentais ou ficcionais, tende a ser o centro organizador do sentido dos filmes e,

    em uma cena em que o discurso importante, nenhum outro som se sobrepuja a

    ele. Ao contrrio, todos os sons so mixados de forma a permitir a nfase na fala.

    Wiseman faz o mesmo aqui. Porm, o discurso nada tem a ver com o logocentrismo

    tradicional dos dilogos cinematogrficos. No h lgica na elocuo que ouvimos,

    tampouco conseguimos apreender seu sentido. Este s se desvela no contexto do

    delrio do paciente que o enuncia. Primeiramente escutamos a pura sonoridade da

    articulao vocal: o timbre, a variao meldica, sua pulsao e seu ritmo. Podemos

    apreciar esteticamente a fala de Borges/Cristo, explorando a sensorialidade de sua

    emisso sonora.

    De forma complementar, num nvel de escuta semntica, o que escutamos a voz

    da diferena extrema, do outro incompreensvel e irredutvel para ns: a voz do

    louco. As regras da linguagem que conhecemos so corrompidas, postas abaixo,

    subvertidas no discurso de Borges/Cristo. Isso nos faz perceber como todo o lenol

    do discurso [...] fixado por uma rede de regras, de constrangimentos, de

    opresses, de represses (BARTHES, 2010:31). No podemos nos esquivar:

    Wiseman traz, de forma literal neste caso, o discurso da loucura para o centro da

    tela. Reencontraremos Borges/Cristo em outros momentos do filme, proferindo um

    de seus discursos para sua audincia.

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    Seguem-se dois longos planos-sequncia em que acompanhamos o paciente que

    tivera sua vida sexual desvelada para a cmera sendo acompanhado sua cela.

    Ouvimos os diversos sons dos diferentes ambientes de Bridgewater: sales de

    convivncia, corredores de celas, passagens de segurana, rea de chuveiros,

    escadas. Nossos olhos e ouvidos acompanham a cmera pelos espaos que ela

    percorre, mergulhando-nos no manicmio judicirio. Todos esses sons descrevem o

    contexto de Bridgewater. O guarda e o paciente/detentos no falam, somente

    caminham lado a lado em silncio. A ausncia da voz, to presente at este

    momento, cria uma situao em que o silncio se torna expressivo, atuando

    emotivamente de forma a provocar certa angstia no espectador. A sequncia

    termina com o paciente sendo trancado na cela, despojado de suas roupas, e o

    guarda, gentilmente, abrindo a portinhola para permitir que o enxerguemos

    dentro da cela, de costas, em silncio, prximo janela.

    Ouvimos o som de uma televiso na rea externa. Inicia-se uma melodia de

    trompete, uma msica extra-diegtica, emotiva, que traz tristeza cena. A msica

    extra-diegtica (Chion, 1990:80), ou fora da tela, a msica que no faz parte da

    cena, no sentido de que no tem um objeto ou pessoa que a execute na imagem ou

    no espao contguo, o fora-de-campo. J a msica diegtica possui uma referncia

    direta na cena ou no espao fora-de-campo: algum que a executa ou um aparelho

    de onde provm.

    H um corte, e a cena seguinte, ainda acompanhada pelo trombone, mostra o ptio

    de Bridgewater, onde vrios pacientes/detentos passeiam sem objetivo, matam seu

    tempo. A msica continua emotiva, melanclica. Logo a cmera focaliza o

    trombonista, que toca sua melodia: My Blue Heaven, de Walter Donaldson. No

    ouvimos a letra da cano, mas ela diz: Voc ver um rosto sorridente, uma

    lareira, um quarto aconchegante/Pequeno ninho que aninha, onde as rosas

    florescem/Molly e eu, e o beb somos trs/Estamos felizes no meu Paraso Azul

    (Blue Heaven nossa traduo). A cmera passeia pelo ptio, mostrando corpos em

    espasmos regulares, percursos sem objetivo e sem fim, Borges/Cristo em seu

    delirio gesticulando fortemente. A funo retrica da cano, que comenta a cena

    atravs da ironia, clara: no podemos deixar de pensar no paraso azul em que

    vivem os pacientes de Bridgewater.

    A msica nessa passagem, afora as funes retrica e emotiva, tambm tem a

    funo de criar continuidade, ligando as cenas da sequncia, criando um bloco

    narrativo articulado. Alm disso, a trilha musical transita do espao extra-diegtico

    para o diegtico, primeiro como msica deacusmatizada e depois acusmatizada na

    imagem do trombonista executando a melodia. A msica fora da tela, ou extra-

    diegtica, tem maior liberdade de trnsito entre os vrios sentidos e funes que

    uma msica pode ter em um filme e Wiseman faz uso dessas possibilidades.

    Tambm poderamos dizer que a msica vem do espao fora-de-campo para o

    espao da tela. Porm, quando a escutamos sem vermos sua origem, no a

    interpretamos como fora-de-campo, mas como fora da tela, at que vejamos a

    acusmatizao de sua fonte. Vrias vezes veremos esse movimento durante Titicut

    Follies.

    Podemos tambm observar, nesse caso, uma manipulao sonora que desconstri o

    mito de fidelidade do Cinema Direto realidade registrada. Os sons que deveriam

    atrelar-se s imagens a que se referem, so desconectados delas e utilizados

    livremente para producir outros sentidos: adicionar carga emotiva s imagens;

    servir de ligao entre cenas; articular imagens ou som e imagem metaforicamente;

    opor temas; etc. Somos lembrados, pelo som, de que o filme Titicut Follies uma

    reality fiction. Ao mesmo tempo, Wiseman parece querer nos mostrar que

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    nenhum elemento sonoro foi acrescentado quela realidade, pois todo o material

    utilizado se origina do registro feito na gravao, como ele faz questo de deixar-

    nos ver ao deacusmatiz-los.

    Mais a frente, vemos um close de um dos pacientes que olha atentamente para a

    cmera e sorri. Atrs dele, a televiso est ligada. Na TV, aparece a cantora Nana

    Moskouri interpretando a cano Johnny de Bobby Scott, num exemplo de voz-no-ar

    com funo emotiva (o duplo carter da cano permite a sobreposio de funes e

    modos que se ligam voz e msica). Logo o paciente comea a cantar junto com

    ela, porm, uma cano diferente. Ele apresenta sua verso de Chinatown, my

    Chinatown, composta por Jerome e Schwartz, para a cmera e depois, um trecho de

    uma cano que no conseguimos reconhecer. O foco alternado da TV para o

    paciente e dele para a TV. H uma sobreposio das duas apresentaes, apesar do

    destaque maior para o interno. A cano de Nana Moskouri fala de amor, do amor

    no correspondido. A verso do paciente fala da Chinatown, de luzes amenas, onde

    os sonhos passeiam, onde a vida parece mais brilhante, nesta Chinatown

    imaginria. Ambas as canes criam uma atmosfera emotiva, de sofrimento, e so

    cantadas com paixo. Em alguns momentos, o personagem para e escuta o

    desempenho de Mouskouri, seus lbios se movem acompanhando trechos, mas ele

    retoma sua prpria performance, estimulada pela da cantora e, talvez, pela cmera

    que o filma em close. Assim como nesse trecho, durante o filme ouviremos outras

    canes que fazem referncia a um universo desejado, imaginrio, diverso do

    presente, onde a vida sempre melhor do que a vivida aqu e agora (como nos

    casos de Chicago Town, abaixo, e My Blue Heaven). Wiseman usa as msicas

    retoricamente para nos mostrar a oposio entre esses dois espaos, percebida e

    expressa pelos internos. O diretor no evita a mise-en-scne do detento/paciente,

    mas a acompanha at que termine e o personagem sorria para a cmera. O

    seguimos at que suba para sua cela e acabe seu pequeno espetculo.

    Eis aqui um momento que ilustra a dupla mise-en-scne que presenciamos. A

    primeira, continuada, dos detentos para seus vigilantes. Eles esto sempre sob a

    observao e a escuta de algum: mdico, enfermeiro, carcereiro, cmera de

    vigilncia. A segunda, dos detentos para o gravador/cmera de Wiseman. Podemos

    nos perguntar se essa realidade (o espetculo Chinatown do detento)

    aconteceria se o aparato no estivesse ali para egistrla.

    Titicut Follies explora o universo do manicmio judicirio revelando a realidade e

    suas mazelas, mas ao mesmo tempo pe em questo temas que dizem respeito

    representao cinematogrfica, ao lugar do gravador e da cmera, mise-en-scne

    dos personagens e do prprio cineasta e, com tudo isso, prpria tica de

    representao que se estabelece nessas relaes.

    Em outra cena, vemos um dos presos, Jim, sendo escoltado nu para uma visita ao

    barbeiro. Durante todo o trajeto o dilogo entre guardas e detento marcado por

    um jogo de violencia verbal disfarado de brincadeira. Os guardas perguntam

    repetidas vezes sobre o estado do quarto de Jim, se estar limpo e arrumado no dia

    seguinte, pois estava sujo e bagunado. A cada resposta, fingem no ouvir ou no

    entender, e perguntam novamente, irritando, paulatinamente, o preso. Na escada,

    Jim, irritado, responde a provocao altura. estapeado no rosto. Na volta sua

    cela, as perguntas so retomadas e o dilogo que se segue expresso da vilania

    dos guardas em relao ao preso. Toda a tenso crescente da sequncia est

    apoiada na construo sonora do dilogo violento. Em sua cela, vemos Jim nu,

    tenso, extenuado, batendo com fora os ps no cho e os braos nas janelas

    repetidamente.

    As pancadas ritmadas de seu corpo (ps e mos) se tornam expressivas na cena,

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    ganando uma carga emotiva em sua articulao com o contexto. Sentimos a

    angstia, a raiva e a expresso dos sentimentos de Jim atravs dos sons enrgicos

    e pulsantes de sua ao.

    A fora da punio alcana, mesmo que indiretamente, o corpo do condenado.

    Michel Foucault, em Vigiar e Punir (2008:25) observa que o corpo tambm est

    diretamente mergulhado num campo poltico; as relaes de poder tm alcance

    imediato sobre ele; elas o investem, o marcam, o dirigem, o supliciam, sujeitam-no

    a trabalhos, obrigam-no a cerimnias, exigem-lhe sinais. De vez em quando o

    interno para, olha para a cmera e devolve o nosso olhar: somos cmplices da

    barbrie por ele vivida? O lugar do espectador no parece mais to confortvel como

    parecia no incio do filme, como afirma Grant:

    Titicut Follies no nos permite desfrutar inocentemente desse razer se

    que essa a palavra correta, tendo em vista os eventos extremamente

    perturbadores que a cmera de Wiseman mostra pois nos leva a pensar

    sobre aquele lugar qualquer [ocupado pelo espectador] do qual estamos

    conscientes, mas preferimos no tomar conhecimento. (GRANT, 1998:251,

    nossa traduo).

    Mais frente, temos outra cena da apresentao Titicut Follies, relembrando mais

    uma vez que estamos assistindo ao espetculo que foi montado para nosso

    deleite. O guarda Eddie, estre de cerimnias, canta junto com um dos detentos a

    cano Chicago Town, cuja letra fala a alegria de ser um garoto em Chicago e como

    eles desejam estar de volta quela cidade e brincar no carrossel. Segue-se um corte

    e comea outra cena na qual um mdico conversa com um paciente. Ele explica ao

    paciente que ele s poder sair da instituio caso melhore eu estado mental. O

    interno diz que forado a tomar os medicamentos, que no quer ficar ali, que um

    prisioneiro e no um doente, que est bem e gostaria de ser enviado de volta

    priso comum. Seu sonho deixar a instituio de Bridgewater e voltar sua

    Chicago Town. O comentrio retrico irnico da concatenao das duas cenas

    claro. A cidade de Chicago torna-se metfora do sonho de libertao de Bridgewater

    que jamais ser alcanado, mesmo que seja para o retorno priso comum.

    Como dissemos acima, em Titicut Follies o lugar da voz deslizante: ora

    expressiva, ora sensorial, ora logocntrica e ora revelao da insensatez. Vemos

    uma cena onde mdico e paciente conversam. O detento fala sobre como sua

    permanncia em Bridgewater est lhe fazendo mal. A nica opo de ajuda que a

    instituio lhe apresenta so os medicamentos que obrigado a tomar,

    diariamente. Os remdios mais lhe fazem mal que bem, afirma. A cada argumento

    vemos o mdico ironiz-lo, desfazer de suas reclamaes, invocar absurdos como

    valor de verdade de suas asseres: Se eu estiver errado, voc pode cuspir em

    mim (nossa traduo). O prprio paciente no v lgica na afirmao e questiona o

    sentido de cuspir no mdico. Wiseman revela uma inverso dos papis: qual a voz

    da razo e qual a do nonsense?

    Segue-se uma cena na qual um paciente no ptio discorre sobre a guerra do Vietn e

    sobre o comunismo de forma eloquente. O argumento apresentado contesta a

    propaganda pr-guerra do governo norte-americano. O discurso bem construdo e

    conectado logicamente poderia ser o discurso de um jornalista de esquerda ou de um

    militante comunista. Ns (espectadores) nos questionamos: ser esse um discurso

    de insanidade?

    Uma das sequncias mais marcantes do filme se inicia quando vemos o mdico, ao

    telefone, conversando sobre um paciente que no se alimenta h cerca de trs dias,

    Jim Malinowsky. O mdico solicita que o paciente seja alimentado via sonda.

    Guardas acompanham o detento/paciente, que est nu, at o local que parece ser

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    uma enfermaria. O mdico lhe pergunta se ir ou no se alimentar. Se no o fizer,

    sero obrigados a aliment-lo fora, por um tubo. Malinowsky, o interno, no

    responde. Envolvem seus punhos com um pano, para segur-lo firmemente. Em

    silncio, o paciente colocado sobre uma maca e tem seus tornozelos envoltos por

    tecidos da mesma maneira que os punhos. Num lapso de dignidade, vemos o mdico

    cobrir suas partes ntimas que estavam expostas para a cmera. A seguir, vemos o

    mdico fumando enquanto prepara o tubo que ir introduzir na narina de

    Malinowsky. O mdico pergunta casualmente se h algo gorduroso que possa usar

    para untar o tubo: manteiga, graxa, leo, qualquer coisa parecida. Luvas de

    borracha? Assepsia? Cuidados com o paciente? Isto no parece fazer parte do modus

    operandi da instituio. O mdico inicia o procedimento e comenta: um

    veterano, pois o paciente no se ope, parecendo conhecer os passos do processo e

    subjugando-se, de modo a no obstruir o trabalho. A comida colocada no tubo. O

    mdico fuma. A cmera faz um travelling descendo pelo corpo esqueltico do

    detento at chegar a seus ps. Pela primeira vez no filme um dos guardas, que

    segura uma das pernas de Malinowsky, olha diretamente para a cmera. Seu olhar

    no expressa nenhum incmodo.

    Comea uma montagem paralela na qual observamos imagens do paciente sendo

    alimentado pelo tubo e imagens do mesmo paciente j morto, sendo preparado para

    seu enterro. No sabemos se a causa da morte a inanio, mas a montagem

    estabelece uma possvel conexo entre as duas cenas. Vemos as mos de algum lhe

    fazendo a barba, o silncio total. O impacto da montagem acentuado pela

    oposio da presena dos sons ambientes nas imagens de alimentao e o total

    silncio, o corte do som, de qualquer som, das imagens de

    Malinowsky morto. Mais uma vez vemos a importncia do valor emotivo agregado

    pelo som s imagens, neste caso pela oposio entre sua presena e sua ausncia, o

    silncio. Cria-se um paralelo pungente acentuado pela oposio sonora:

    Vivo/sonoro: O guarda limpa seu rosto sujo de comida.

    Morto/silncio: Outro guarda lava o rosto Malinowsky, preparando-o para

    ser barbeado.

    Vivo/sonoro: Malinowsky est nu.

    Morto/silncio: Malinowsky est de terno.

    Vivo/sonoro: Malinowsky erguido e conduzido sua cela, que se fecha

    atrs dele.

    Morto/silncio: Malinowsky colocado na gaveta morturia que se fecha.

    Logo aps esta cena, de grande densidade dramtica, o filme nos transporta para

    um momento de atmosfera oposta: uma festa de aniversrio de um dos detentos.

    Todos esto felizes, comem bolo, cantam juntos, sorriem. A cano diz: Alguma

    vez voc se sentiu s? Alguma vez voc se sentiu triste? Me aceite de volta em seu

    corao (nossa traduo). A cano tem a funo emotiva de introduzir a

    atmosfera terna que se segue, onde a solido preenchida momentaneamente pela

    convivncia e compartilhamento de afeto. Assim, colocanos no tom emocional

    adequado, aps o choque das sequncias anteriores, mostrando que essas duas

    realidades convivem no mesmo espao. Surgem imagens de enfermeiras e mulheres

    que parecem auxiliar os pacientes em Bridgewater. Conversam carinhosamente com

    eles, prope jogos e brincadeiras solicitando a participao de todos, num momento

    de ternura e humanidade. Essa a primeira imagem que demonstra cuidado com os

    detentos. Por outro lado, h uma infantilizao dos participantes, atravs dos jogos

    e brincadeiras propostos, o que reafirma a posio dos pacientes/detentos, sempre

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    merc dos profissionais de Bridgewater. Ora temos a violncia explicita, ora o

    discurso do saber e ora a infantilizao como instrumentos de controle.

    Em um dos pequenos pedaos desse mosaico, observamos um padre realizando o

    sacramento da Uno dos Enfermos em um dos pacientes. Ele olha para o padre sem

    prestar muita ateno, limpa o nariz com o dedo em uma imagem de afronta aos

    valores religiosos presentes na cena. Corte para Cristo/Borges que vimos no incio

    do filme, andando pelo ptio e dizendo: Indulgncia? Indulgncia o Padre Mulligan

    com seu confessionrio (nossa traduo). Ele continua sua enunciao discorrendo

    sobre a igreja, o esprito santo, papas, padres e bispos, sem ordem ou sentido que

    possamos compreender, mas com energia e raiva.

    Inicia-se, por baixo de sua fala, outra cano, uma glorificao ao Padre Mulligan,

    aos bispos e papas, comentando retoricamente, por oposio, a cena que vemos.

    Mais uma vez a msica percebida como extra-diegtica a princpio, revela-se como

    msica diegtica, quando a cmera focaliza o detento que canta, plantando

    bananeira, glria do Padre Mulligan. No h como no perceber a ironia em sua

    posio de ponta-cabea. Wiseman contrape os discursos de ambos os pacientes,

    ao mesmo tempo em que refora com imagens e com a posio do cantor o lugar da

    religio na instituio. As articulaes entre som e imagem nessa sequncia

    expressam um comentrio retrico funo esvaziada que a religio tem naquele

    espao.

    Prximo ao fim do filme, assistimos ao enterro de Malinowsky, ao qual alguns

    guardas e outros pacientes acompanham. O enterro uma cerimnia fria e

    impessoal. Em seguida, surge novamente na tela o calor da apresentao do

    espetculo Titicut Follies. O grupo canta uma cano de despedida: Tivemos nosso

    show/o melhor que podamos mostrar/para fazer seus coraes brilharem (nossa

    traduo). A cano aqui um comentrio retrico a tudo o que vimos durante o

    filme. Eddie, o mestre de cerimnias, reaparece em meio aos presos e enfermeiras.

    Ele pronuncia a ltima frase que ouvimos: Eles no estiveram terrveis?. Fim do

    espetculo. No podemos deixar de pensar na escolha de palavras do guarda e em

    seu duplo sentido.

    Assim, ao assistirmos a Titicut Follies, acompanhamos a elaborao do discurso de

    Wiseman a partir da concatenao metafrica das diversas formas de expresso da

    voz e dos demais elementos sonoros em seu filme. O diretor tece, tendo como base

    principalmente a voz, uma imagem complexa, contundente e terrvel de

    Bridgewater. O papel da banda sonora crucial para a construo de sentido do

    filme, que se d na montagem cuidadosa que Wiseman realiza. O fora-de-campo

    sonoro, a acusmatizao e a deacusmatizao, principalmente da msica, e o uso do

    silncio de forma expressiva, vm completar os recursos estilsticos sonoros do

    filme. Cada conexo entre imagens e sons pensada metodicamente para que

    possam cumprir a funo que Wiseman deseja. claro que as conexes no

    encerram o sentido em si, mas provocam a reflexo do espectador e sugerem um

    caminho de leitura.

    Cada experincia e cada escuta/olhar so diferentes e faro sua interpretao

    pessoal do material flmico. Embora haja no filme certo distanciamento aparente, a

    construo do documentrio de Wiseman estabelece uma topografia complexa, onde

    o espectador inicialmente se sente confortvel, em sua posio de olhar onisciente

    atravs da janela para a realidade. No entanto, a passividade provocada,

    invadida, pela fora das articulaes imagtico-sonoras e do significado por elas

    constitudo: O cinema de Wiseman , portanto, dialtico, sempre envolvendo o

    espectador em extrair o sentido mais do que documentando verdades absolutas

    (GRANT, 1998:241, nossa traduo). Somos convocados a deixar nosso lugar ideal e

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    tomar parte no que acontece em Bridgewater. Os deslizamentos do espao fora-de-

    campo, principalmente atravs do uso do som, chamam nossa ateno para a os

    limites do espao da tela e para o que deixado fora, alm de suas bordas. Desta

    forma, solicitam uma escuta ampliada, que envolve os trs modos classificados por

    Chion: causal, semntica e reduzida.

    Passamos a procurar, atravs de uma escuta atenta, elementos sonoros

    constitutivos de sentido para o que vemos, dentro e fora do espao da tela.

    Architectural Follies? (1)

    Frederick Wiseman realiza um documentrio que atravessa fronteiras entre estilos e

    formas. Embora compartilhe de uma tica da imparcialidade/recuo (RAMOS, 2008),

    caracterstica dos documentrios observativos, o diretor no se atm aos preceitos

    tradicionalmente asociados a documentrios desse modo. Wiseman utiliza somente

    sons que gravou no espao geogrfico da filmagem, porm toma a liberdade de

    construir sentido a partir da manipulao estticoargumentativa desses elementos.

    No h uma manipulao do diretor no registro de imagens e sons, mas, por outro

    lado, uma total atuao na montagem. Ele no esconde que sua montagem no

    linear, mas fragmentria, um mosaico que articula conjuntos de eventos e de

    sentidos.

    Os filmes de Wiseman so uma forma de levar o espectador a refletir sobre as

    condies das instituies reais no mundo que habita, de forma a torn-lo

    consciente de como aquelas funcionam e que elementos de poder, controle, emoo,

    constrio, etc. esto envolvidos nas relaes que se estabelecem naquele espao. O

    prprio diretor diz que est interessado em como instituies refletem as

    coloraes/sutilezas de uma cultura mais ampla, e que ele est tentando ver se

    voc consegue observar os reflexos de questes mais amplas da sociedade nas

    instituies (GRANT, 1998:245, nossa traduo). Essa preocupao com a

    formao de cidados conscientes sobre o seu mundo, que possam agir socialmente

    a partir dessa conscincia, poderia aproximar Wiseman de John Grierson e sua

    proposta de formao de cidados conscientes e responsveis atravs da pedagogia

    documental. No entanto Wiseman no navega nas guas dos documentrios

    expositivos, que direcionam fortemente a interpretao do que se v atravs da

    narrao over, mas abre espao para a participao ativa do espectador na

    construo de sentido do filme, distanciando-se do cinema Griersoniano. Na

    verdade, at certo ponto, poderamos dizer que h certa pedagogia em todo cinema

    documentrio, seja qual for o modo em que construdo.

    A repercusso imediata do filme Titicut Follies foi extremamente negativa para a

    instituio de Bridgewater. Pessoas que apenas leram os comentrios sobre o filme

    se manifestaram, em alguns casos por escrito, s autoridades responsveis

    questionando a autorizao de filmagem dada a Wiseman, pois apareciam na tela

    homens nus. Curiosamente, em alguns casos, o que chamou a ateno das pessoas

    no foram os maus-tratos aos presos, a violncia real e simblica, a humilhao ou

    o descaso institucional, mas a nudez masculina presente na tela.

    A construo cuidadosa realizada por Wiseman na montagem fez com que o material

    registrado in loco se transformasse num retrato (ou uma pintura) multifacetado e

    eloquente da instituio de Bridgewater. Um retrato esttico-poltico que no perde

    sua fora por mesclar esses dois universos. O filme de Wiseman explora a esttica

    da crueza, da brutalidade e mesmo da feiura, mas com a finalidade de atuar

    sensorialmente e politicamente: ambos os universos, esttico e poltico, esto

    atrelados na construo de sua obra. A fora que tinha h quarenta e cinco anos,

    quando foi lanado, permanece at os das de hoje. Bridgewater pode no ser mais

  • 21/06/13 Revista Afuera | Estudios de crtica Cultural

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    semelhante ao local que vemos nas imagens de Wiseman, mas ainda assim o

    impacto causado pela capacidade de seres humanos agirem de forma to vil em

    relao a outros seres humanos sempre nos chocar.

    Ainda hoje h muita controvrsia em relao ao filme. Trazido para o festival

    Tudo Verdade de 2001 em So Paulo, o filme foi exibido e ocorreram debates e

    mesas redondas com o diretor. As opinies sobre a obra e sobre as escolhas ticas e

    estticas de Wiseman foram bastante diversificadas. Embora seu distanciamento

    possa parecer antitico a princpio, Wiseman argumenta que no filma pessoas, no

    cria heris ou protagonistas, mas filma relaes em seu acontecimento. Estas

    relaes s podem acontecer nos encontros, fortuitos, ou parcialmente fortuitos,

    mas no repetveis, no previsveis, no controlveis. No acompanhamos a vida de

    Jim ou Malinowsky, mas acontecimentos entre pessoas, ou, se radicalizarmos, entre

    tipos: guardas e detentos.

    Wiseman o documentarista da desumanizao. Como disse um crtico, a

    sua obra fala das "maneiras como [nas instituies] o poder degenera e

    acaba se transformando num exerccio cotidiano de pequeas opresses, de

    pequenos atos de violncia arbitrria praticados por pequenos tiranos" Em

    poucas palavras: os filmes de Wiseman so sobre a corrupo da autoridade.

    (SALLES, 2001).

    Apesar das possveis questes que deixa em aberto e, ao mesmo tempo, devido s

    importantes questes que Wiseman suscita, muitos parecem considerar que as

    escolhas do diretor quanto aos princpios ticos e estticos de seus filmes resultam

    no cinema mais poltico que os Estados Unidos jamais produziram (Ibidem). Esta

    afirmao demonstra o quo relevante a obra do diretor para o cinema

    documentrio e para todo o cinema.

    Notas

    (1) O termo Architectural Follies se refere a projetos arquitetnicos extravagantes ou

    exagerados, que demostram a ao nonsense do construtor. Definio encontrada no dicionrio

    online Dictionary.com. Retorno.

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    Salles, Joo Moreira, 2001. O homem que no ensina. Disponvel na web.

    Por: Pessoa, Frederico para www.revistaafuera.com | Ao VII Nmero 12 | Junio 2012