tipologia regionalizada dos espaços rurais brasileiros ... 22.pdf · nalizada dos espaços rurais...

484
Tipologia Regionalizada dos Espaços Rurais Brasileiros: implicações no marco jurídico e nas políticas públicas 22 SÉRIE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL

Upload: phamdien

Post on 18-Jan-2019

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Tipologia Regionalizada dos Espaos Rurais Brasileiros: implicaes no marco jurdico e

nas polticas pblicas

22

SRIE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTVEL

Instituto Interamericano de Cooperao para a Agricultura (IICA), 2017.

Tipologia Regionalizada dos Espaos Rurais Brasileiros: implicaes no marcojurdico e nas polticas pblicas est publicado sob licena Creative Commons

Atribuio-Compartir Igual 3.0 IGO (CC-BY-SA 3.0 IGO)

(http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/igo/)Baseada numa obra em www.iica.int

O IICA promove o uso adequado deste material. Solicita-se que seja citado apropriadamente, quando for o caso.

Esta publicao tambm est disponvel em formato eletrnico (PDF) na pgina institucional: http://www.iica.int

Coordenao editorial: Carlos MirandaReviso: Ivanilson Guimares

Diagramao: Ellite Comrcio e Servios Grficos LTDA

Leiaute da capa: Ellite Comrcio e Servios Grficos LTDAImpresso: Ellite Comrcio e Servios Grficos LTDAFoto da Capa: Acervo do IICA

Tipologia Regionalizada dos Espaos Rurais Brasileiros: implicaes no marco jurdico e nas polticas pblicas/Carlos Miranda (Organizador da Srie). Brasilia. : IICA, 2017 (Srie Desenvolvimento Rural Sustentvel; v. 22).484 p.; 23x23 cm.

ISBN 978-92-9248-660-0

1. Desenvolvimento rural 2. Poltica de desenvolvimento 3. Cooperao internacional 4. Setor pblico 5. Setor agrcola 6. Regulamentao 7. Legislao 8. Reforma agrria 9. Brasil I. IICA II. UFPe. III. Fundao Joaquim Nabuco IV. UFCG V. CPDA VI. UNILA VII. UFPe. VIII. Ttulo IX. Srie

AGRIS E50

DEWEY338.1881

Braslia, BrasilFevereiro de 2017

EDITORIAL

Representante do IICA no Brasil Fotografia

Hernn Chiriboga Acervo do IICA

Coordenador Tcnico da Revisor

Representao do IICA no Brasil Ivanilson Guimares

Heithel Silva

Impresso da Publicao

Organizador da Srie DRS Ellite Comrcio e Servios Grficos LTDA

Carlos Miranda

Organizadores do Volume 22

Carlos Miranda e Ivanilson Guimares

Projeto Grfico e Editorao

Ellite Comrcio e Servios Grficos LTDA

APRESENTAO

O Instituto Interamericano de Cooperao para a Agricultura (IICA), por meio do Frum DRS, apresenta o 22 volume da srie Desenvolvimento Rural Sustentvel com o ttulo Tipologia Regionalizada dos Espaos Rurais Brasileiros: implicaes no marco jurdico e nas polticas pblicas.

Esta publicao d continuidade ao volume 21 da srie DRS intitulado Concepes da Ruralidade Contem-pornea: as singularidades brasileiras, os quais partem da premissa de que a concepo, a magnitude e as especificidades do mundo rural brasileiro contemporneo e sua incidncia sobre as polticas pblicas de de-senvolvimento vm sendo objeto de crescente preocupao de pensadores e gestores governamentais.

No propsito de contribuir para dar resposta a essa preocupao, o IICA, em parceria com o Ministrio do Desenvolvimento Agrrio (MDA), vem implementando, desde maro de 2012, o projeto intitulado Repensando o conceito de ruralidade no Brasil: implicaes para as polticas pblicas. O objetivo de construir uma tipologia atualizada dos espaos rurais no Brasil, tomando por base os avanos conceituais das temticas da ruralidade e territorialidade desenvolvidos no mbito da academia, de entidades governamentais gestoras de polticas agrrias e dos movimentos sociais , avaliando as implicaes dessa abordagem atualizada do rural brasileiro e das polticas pblicas de promoo do seu desenvolvimento.

Essa iniciativa o resultado de uma parceria entre o IICA, por meio do Frum DRS, e o MDA, a partir da Se-cretaria de Desenvolvimento Territorial, o Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto (MPOG), o Banco do Nordeste do Brasil (BNB), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social (BNDES), a Fundao Banco do Brasil (FBB) e os governos estaduais de Pernambuco, da Paraba e do Cear.

O ponto de partida deste Volume 22 uma Introduo, de autoria de Tnia Bacelar e Maria Lucila Bezerra, que fundamenta e sintetiza o objetivo maior do projeto em contribuir para ampliao do debate sobre o lugar e a importncia dos espaos rurais no mundo e, particularmente, no Brasil atual, e analisa as implicaes sobre as polticas pblicas de desenvolvimento do mundo rural.

O livro est dividido em trs captulos: o primeiro contm a metodologia e a proposta de tipologia regio-nalizada dos espaos rurais brasileiros, onde so apresentados os 26 territrios tipos que compem os bio-mas Amaznico e Pantanal, Cerrado, Linha de Costa, Mata Atlntica, Caatinga e Pampa. O segundo captulo sintetiza e consolida o trabalho de anlise dos marcos jurdicos que fundamentaram as definies de rural e de urbano no Brasil, de forma a apontar alguns de seus impactos nas polticas pblicas, com nfase a partir do sculo XX, momento em que se consolida a industrializao e se intensifica o processo de urbanizao. No terceiro captulo o texto busca explicitar algumas implicaes da releitura do meio rural brasileiro e, portanto, do reconhecimento de sua diversidade social, ambiental, cultural e econmica para as polticas pblicas de desenvolvimento rural, estabelecendo uma relao entre as diferentes concepes contemporneas de rura-lidade e seis polticas pblicas que incidem sobre o meio rural brasileiro.

Carlos Miranda e Ivanilson GuimaresOrganizadores do Volume 22 da Srie DRS

PREFCIO DA SECRETARIA DE DESENVOLVIMENTO AGRRIO DO ESTADO DO

CEAR SDA/CE

A Secretaria do Desenvolvimento Agrrio - SDA vem apoiando uma srie de pesquisas que permitem maior aproximao de seus programas com as realidades especficas do meio rural cearense e as caracters-ticas dos segmentos sociais que o habitam.

Com o intuito de divulgar um desses estudos, se edita esta publicao. Ela contm os resultados do proje-to Repensando o conceito de ruralidade no Brasil: implicaes para as polticas pblicas, coordenado em conjunto pelo MDA por meio do Ncleo de Estudos Agrrios e Desenvolvimento Rural (NEAD) e da Secretaria de De-senvolvimento Territorial (SDT) e pelo Instituto Interamericano de Cooperao para a Agricultura (IICA), com o apoio de parceiros como Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto (Mpog) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE).

Sob o ttulo Tipologia Regionalizada dos Espaos Rurais Brasileiros: implicaes no Marco Jurdico e nas Pol-ticas Pblicas, apresentada uma tipologia dos espaos rurais que d conta da rica diversidade do campo, ca-racterizada em 26 tipos, identificados a partir dos seis biomas brasileiros. A escolha da abordagem por biomas procura revelar que o mesmo espao natural comporta hoje padres de vida rural distintos, resultado do pro-cesso histrico de ocupao humana e econmica que prevaleceu em cada um dos tipos de rural identificados.

O campo brasileiro conserva, assim, expressiva heterogeneidade, a qual se manifesta em escalas diferen-tes dos grandes subespaos nacionais at a variedade nas diferentes formas predominantes de propriedade de terra e de organizao econmica e social. Como poder ser visto nesta publicao, o mtodo criado para a construo e validao de propostas de tipologias dos espaos rurais do pas levou em considerao a diversi-dade e singularidade regionais em suas dimenses poltica, econmica, social, cultural e ambiental.

Em um pas plural como o Brasil, um olhar diferenciado que considere os contextos territoriais e compre-enda sua complexidade contribui para a formulao e redimensionamento do conjunto de polticas pblicas adequadas s reas rurais e, em particular, colabora para o futuro da poltica de desenvolvimento territorial.

Com a certeza de que este um estudo de vanguarda, a SDA tem grande expectativa com relao apli-cao dos resultados obtidos com a tipologia elaborada. No somente quando da definio dos investimentos e aes estratgicas do governo voltadas ao campo, contribuindo de forma efetiva para a consolidao de um projeto de desenvolvimento nacional, como tambm a disponibilizao da metodologia utilizada no estudo para a realizao de iniciativas em outros pases da Amrica Latina.

Ded TeixeiraSecretrio de Desenvolvimento Agrrio do Estado do Cear

PREFCIO DO IICA BRASIL

O marco conceitual dentro do qual se insere o trabalho do Instituto Interamericano de Cooperao para a Agricultura (IICA) compreende a necessidade de se fortalecer a aliana campo-cidade e o reconhecimento mul-tidimensionalidade do setor com nfase nos aspectos da competitividade, sustentabilidade e incluso social , qualquer que seja a estratgia de desenvolvimento a seguir. Com mais de 50 anos de presena no Brasil, o IICA executa sua estratgia de cooperao tcnica com o propsito de fortalecer as instituies, tanto no mbito fede-ral, quanto estadual e municipal, e com a finalidade de promover a prosperidade rural das famlias que moram nesse espao. Sua misso se traduz, na prtica, num conjunto de parcerias destacando-se os temas de desen-volvimento rural com enfoque territorial e alianas estratgicas com o Ministrio do Desenvolvimento Agrrio, desde 1997, propondo novos marcos conceituais que contribuam para melhorar os instrumentos de poltica.

Com essa lgica, nasceu em 2012 o projeto Repensando o conceito de ruralidade no Brasil: implicaes para as polticas pblicas, concebido sob a filosofia da Academia Sociedade, reunindo o trabalho de renomados pesquisadores nacionais e internacionais, e tendo como objetivo fazer uma atualizao conceitual do tema da ruralidade no Brasil, em um conjunto de cinco pases latino-americanos e trs europeus. O trabalho tambm incluiu uma tipologia regionalizada dos territrios rurais para os seis biomas brasileiros, assim como uma anlise das implicaes no marco jurdico nacional entre as polticas pblicas para o desenvolvimento rural.

Esses objetivos esto condensados nesta nova publicao da Srie Desenvolvimento Rural Sustentvel (Srie DRS), sob o ttulo Tipologia Regionalizada dos Espaos Rurais Brasileiros: implicaes no marco jurdico e nas polticas pblicas, que hoje reflete o entendimento de tomadores de deciso, pesquisadores e especialistas na temtica do desenvolvimento rural.

O estudo demostra a necessidade de hierarquizar o conceito do rural, deixando para trs os adjetivos de atrasado e conservador, propondo assim identificar o rural como sinnimo de modernidade, avano e oportu-nidades de progresso.

Alcanar esta mudana significaria romper o paradoxo que se vive em pases em vias de desenvolvimento, como o caso do Brasil, que tm, em teoria, um passado, presente e um futuro associados ao meio rural. ne-cessrio que se desenvolva por parte da populao urbana um olhar diferente sobre a importncia estratgica do espao rural, alm de uma renovada aliana campo-cidade. Isso precisamente o que acontece nos pases desenvolvidos que, alm de adotarem modelos de desenvolvimento industrial, reconhecem a importncia do setor rural e a necessidade de equiparar a qualidade de vida dos setores rural e urbano.

Esta publicao reafirma o compromisso do IICA, por meio do Frum DRS, de contribuir com novos enfo-ques conceituais e operativos que contribuam para dignificar as condies de vida das famlias que moram no espao rural do Brasil e das Amricas.

Manuel Otero Representante do IICA no Brasil (2012 - 2015)

PREFCIO DO IICA BRASIL

O Instituto Interamericano de Cooperao para a Agricultura (IICA) reconhece como um dos seus com-promissos inalienveis o desenvolvimento sustentvel em suas diferentes dimenses e o bem-estar das po-pulaes rurais.

O habitante de nmero 7.400.000.000 nasceu em outubro de 2015 e, para o ano de 2050, a previso de que seremos aproximadamente 10 bilhes de habitantes em todo o planeta. A maioria ocupar os grandes centros urbanos, e deles partiro a demanda e a necessidade de uma maior quantidade de alimentos e energia todos estes provenientes das reas rurais onde se encontra sua produo.

Para alcanar um crescimento produtivo que atenda a essas necessidades, imperativo que o setor ru-ral se torne mais atrativo e que tenha condies adequadas para que a juventude se estabelea neste meio. Temos que pensar que a ruralidade vai alm do agrrio. O fato que existe uma nova ruralidade e difcil determinar onde termina o rural e se inicia o urbano.

Alm da adequao das polticas pblicas nova ruralidade, que est e sempre estar em transformao, preciso fazer do setor rural algo atraente e sexy para os jovens. O campo no deve ser visto como algo do passado, uma vez que est incorporando novas tecnologias que so de profundo interesse da juventude atual, como a agricultura de preciso, o uso de drones, smartphones, motocicletas, dentre outros avanos tecnolgi-cos e de mobilidade, tornando o urbano e o rural mais prximos.

H que se romper com o crculo vicioso da inverso de valores que coloca a maior parte dos recursos em grandes cidades, onde se concentram os mais numerosos colgios eleitorais, em detrimento aos investimen-tos destinados ao setor rural. Devemos reverter essa tendncia, pois consideramos que quando as pequenas agrocidades oferecem estrutura e servios pblicos de excelncia, a qualidade de vida nelas superior a dos grandes centros.

Esta 22 publicao da srie DRS apresenta a tipologia regionalizada dos espaos rurais brasileiros e suas implicaes no marco jurdico nacional e nas polticas pblicas de desenvolvimento rural. A identificao de 26 tipos de espaos rurais contextualizados nos seis macros biomas nacionais fundamenta a aplicao de polticas pblicas diferenciadas, apropriadas s potencialidades, caractersticas e especificidades desses es-paos heterogneos. A partir desses resultados, possvel estabelecer novas estratgias e instrumentos que elevem o patamar dos atuais nveis de desempenho da interveno pblica na busca de um desenvolvimento sustentvel e solidrio no campo brasileiro, com produo de alimentos no somente suficientes, mas de alimentos saudveis.

Esperamos que todos desfrutem da leitura deste livro tanto quanto seus autores desfrutaram, pesquisan-do e o escrevendo. E lembrem-se: A AGRICULTURA ESSENCIAL TRS VEZES AO DIA.

Hernn ChiribogaRepresentante do IICA no Brasil

RESUMO Volume 22

PORTUGUS

O Instituto Interamericano de Cooperao para a Agricultura (IICA), por meio do Frum DRS, apresenta o 22 volume da Srie Desenvolvimento Rural Sustentvel com o ttulo Tipologia Regionalizada dos Espaos Rurais Brasileiros: implicaes no marco jurdico e nas polticas pblicas. Esta publicao d continuidade ao volume 21 da srie DRS, Concepes da Ruralidade Contempornea: as singularidades brasileiras. O livro est dividido em trs captulos: o primeiro contm a metodologia e a tipologia regionalizada dos espaos rurais brasileiros, na qual so apresentados os 26 territrios tipos que compem os biomas Amaznico e Pantanal, Cerrado, Linha de Costa, Mata Atlntica, Caatinga e Pampa. O segundo sintetiza e consolida o trabalho de anlise dos marcos jurdicos que fundamentaram as definies de rural e de urbano no Brasil, de forma a apontar alguns de seus impactos nas polticas pblicas. No terceiro, o texto busca explicitar algumas implicaes da releitura do meio rural brasileiro e, portanto, do reconhecimento de sua magnitude e diversidade social, ambiental, cultural e econmica e os impactos nas polticas pblicas de desenvolvimento rural.

ESPAOL

El Instituto Interamericano de Cooperacin para la Agricultura (IICA), por medio del Frum DRS, presenta el 22 volumen de la serie Desenvolvimiento Rural Sostenible con el ttulo de Tipologa regionalizada de los espa-cios rurales en el Brasil y sus implicaciones en el marco jurdico y las polticas pblicas federales. Esta publicacin da continuidad al volumen 21 de la serie DRS, Concepciones de la Ruralidad Contempornea: las singularidades brasileas. El libro est dividido en tres partes: la primera contiene la metodologa y la propuesta de tipologa regionalizada de los espacios rurales brasileos, donde son mostrados los 26 territorios tipos que componen los biomas Amaznico y Pantanal, Cerrado, Lnea de la Costa, Mata Atlntica, Caatinga y Pampa. La segunda sintetiza y consolida el trabajo de anlisis de los marcos jurdicos que fundamentarn las definiciones de lo rural y de lo urbano en el Brasil, para registrar algunos de sus impactos en las polticas pblicas. En la Tercera parte, el texto busca explicitar algunas implicaciones de relectura del medio rural brasileo, y por lo tanto, de reconocimiento de su magnitud y diversidad social, ambiental, cultural y econmica y los impactos en las polticas pblicas de desarrollo rural.

English

Inter-American Institute for Cooperation on Agriculture (IICA), through the Forum SRD presents the 22nd volume of Sustainable Rural Development SRD series with the title Regionalized typology of rural areas in Brazil and its implications for the legal framework and federal public policy. This publication continues the volume 21st of the SRD would be, Conceptions of Contemporary Rurality: Brazilian singularities. The book is divided into three parts: the first contains the methodology and the proposed regionalized typology of rural areas Brazil, where they are shown the 26 territories types that make up the Amazon biome Pantanal, Cerrado, Coastline, Atlan-tic Forest , Caatinga and Pampa. The second synthesizes and consolidates the work of analysis of the legal frameworks that will base the definitions of rural and urban in Brazil, to record some of their impact on public policy. In the third part, the text seeks to explain some implications of rereading the Brazilian countryside, and therefore recognition of its magnitude and social, environmental, cultural and economic diversity and impacts on public policies for rural development.

Sumrio

Introduo ................................................................................................................................................ 29

Tania Bacelar de Araujo e Maria Lucila Bezerra

Captulo I Tipologia Regionalizada dos Espaos Rurais Brasileiros .............................................. 37

Jan Bitoun, Lvia Miranda, Fernando Soares, M Rejane Lyra

e Jeremias Cavalcanti

1 Introduo ..............................................................................................................................37

2 Aspectos metodolgicos .......................................................................................................42

2.1 Aspectos metodolgicos de natureza conceitual....................................................43

2.2 Procedimentos de seleo das variveis compondo o Banco de Dados

Geogrficos ...............................................................................................................56

2.3 Montagem de um Banco de Dados Geogrficos.........................................................58

2.4 Aspectos metodolgicos de natureza procedimental para a elaborao da

Tipologia Regionalizada ...........................................................................................68

2.5 Aspectos metodolgicos de natureza procedimental para a elaborao da

Proposta de redimensionamento do Brasil Rural..................................................77

3 Resultados: Proposta de Redimensionamento do Brasil Rural ........................................83

4 Resultados: Tipologia Regionalizada dos Espaos Rurais .................................................88

4.1 Viso geral em escala nacional ...............................................................................88

4.2 Caracterizao dos tipos por biomas ..................................................................... 151

4.2.1 Bioma Amaznia e bioma Pantanal ............................................................. 151

4.2.2 Bioma Cerrado .............................................................................................. 166

4.2.3 Bioma Linha de Costa .................................................................................. 180

4.2.4 Bioma Mata Atlntica ................................................................................... 192

4.2.5 Bioma Caatinga ............................................................................................208

4.2.6 Bioma Pampa ................................................................................................221

Bibliografia ...................................................................................................................................230

Captulo II Marcos jurdicos das noes de Rural e Urbano ........................................................... 237

Leonilde S. de Medeiros, Mariana Trotta D. Quintans e Silvia A. Zimmermann

1 Introduo ............................................................................................................................237

2 Os primeiros marcos da definio do rural no Brasil .......................................................242

2.1 O perodo colonial ...................................................................................................242

2.2 A independncia, a nova Constituio e desdobramentos jurdicos: formao da

propriedade fundiria e regulamentos das cidades ............................................243

2.3 A Repblica, a Constituio de 1891 e a nova organizao do Estado Brasileiro ..246

3 Industrializao, urbanizao e novos lugares para o rural ............................................249

3.1 O rural como atraso ...............................................................................................249

3.2 Redemocratizao: o lugar do rural nos projetos de desenvolvimento .............255

3.3 O golpe militar e os rumos das questes rurais e urbanas ................................ 261

4 Redemocratizao, conflitos sociais e novos parmetros do rural e do urbano ............266

4.1 Reforma urbana e reforma agrria em tempos de redemocratizao ..............266

4.2 A Constituinte, a reorganizao do Estado e os temas rurais e urbanos ...........270

5 Questo rural e urbana ps Constituio: regulamentaes ..........................................278

5.1 A reforma urbana e o Estatuto das Cidades .........................................................278

5.2 A reforma agrria e a regulamentao constitucional ........................................284

5.3 O rural e o urbano na tributao ...........................................................................285

5.4 Criao de novos municpios .................................................................................286

5.5 Legislaes especficas: saneamento e habitao ..............................................289

6 Novas concepes sobre o rural e seus efeitos legais nas polticas pblicas brasileiras ... 290

6.1 Crdito ..................................................................................................................... 291

6.2 Desenvolvimento Territorial...................................................................................293

6.3 Educao no campo ...............................................................................................295

6.4 Sade .......................................................................................................................296

6.5 Habitao ................................................................................................................298

6.6 Eletrificao ............................................................................................................300

6.7 Desenvolvimento do Brasil rural: projeto de Lei ..................................................300

7 Entre a legislao e a realidade: reflexes a partir de trs estudos de caso .................302

7.1 Os casos estudados ................................................................................................303

7.2 - Participao social..................................................................................................305

7.3 A delimitao do urbano e do rural e a expanso das reas urbanas ................308

7.4 Instrumentos de planejamento da cidade e polticas pblicas municipais ........ 316

8 Consideraes finais ...........................................................................................................324

Bibliografia ...................................................................................................................................332

Captulo III O rural nas polticas pblicas do Brasil contemporneo ........................................... 337

Katia Grisa, Karina Kato e Silvia A. Zimmermann

1 Introduo ............................................................................................................................337

2 As polticas pblicas no rural brasileiro ............................................................................348

2.1 O Programa Nacional de Alimentao Escolar e a ruralidade brasileira ................348

2.1.1 A construo do Programa Nacional de Alimentao Escolar e suas

Interfaces com a aquisio de alimentos locais e da agricultura familiar .349

2.1.2 O PNAE e suas interfaces com a ruralidade brasileira ...........................357

2.1.3 Desafios para o PNAE e o desenvolvimento rural brasileiro ................................363

2.2 A poltica de assentamentos de reforma agrria e o rural brasileiro................................ 364

2.2.1 A atualidade da poltica de criao de assentamentos e reforma Agrria ....... 364

2.2.2 Evoluo do marco legal: da reforma agrria em contraposio ao

desenvolvimento reforma agrria como vetor de desenvolvimento ..............366

2.2.3 Como o rural (ou no) incorporado aos objetivos do programa ........................375

2.3 - O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e o rural

brasileiro ......................................................................................................................................... 381

2.3.1 Emergncia e mudanas no Pronaf: aproximaes diversidade do rural ..... 383

2.3.2 Interpretando o rural do Pronaf: agricultores beneficirios, finalidades e cultivos

financiados ..................................................................................................................... 394

2.3.3 Alguns desafios na relao entre o Pronaf e o rural brasileiro ............................401

2.4 O Programa Minha Casa Minha Vida e o rural brasileiro ....................................404

2.4.1 Breve histrico sobre o problema habitacional no Brasil e construo de

polticas pblicas para o setor...................................................................405

2.4.2 Criao da Poltica Nacional de Habitao Programa Minha Casa Minha

Vida Urbano e Rural ..................................................................................407

2.5 O Programa Nacional de Banda Larga Brasil conectado e o rural brasileiro 416

2.5.1 Criao do Poltica Nacional de Banda Larga Brasil Conectado ......... 417

2.5.2 Como funciona o PNBL Brasil Conectado? ...........................................420

2.5.3 Relao do PNBL e demais polticas pblicas federais ..........................423

2.5.4 Resultados e avaliaes do PNBL ............................................................424

2.5.5 Desafios para PNBL: muito alm de um Brasil Conectado ....................426

2.6 O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Tcnico e Emprego(Pronatec)e o rural

brasileiro. ................................................................................................................428

2.6.1 Da educao no campo educao do campo: uma trajetria de lutas e

conquistas ................................................................................................428

2.6.2 A educao tcnica e profissional no Brasil ..............................................430

2.6.3 Pronatec e Pronatec Campo: a educao profissional e o meio rural ....433

2.6.4 O(s) rural (is) no Pronatec Campo ..............................................................436

3. Consideraes finais ...........................................................................................................439

3.1 A presena do rural nas polticas pblicas ...........................................................439

3.2 O(s) rural(is) que contemplado nas polticas pblicas ......................................447

3.3 Desafios: questes para pensar a ruralidade nas polticas pblicas .................455

3.3.1 - As polticas pblicas de infraestrutura .....................................................457

3.3.2 Intersetorialidade ........................................................................................458

3.3.3 O territrio na promoo da ruralidade ....................................................458

Bibliografia ...................................................................................................................................462

Siglas

BDG Banco de Dados Geogrficos

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

IDH ndice de Desenvolvimento Humano

MC Ministrio das Cidades

MDA Ministrio do Desenvolvimento Agrrio

MPOG Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto

PNDR - Poltica Nacional de Desenvolvimento Regional

PNRH Poltica Nacional de Recursos Hdricos

PPA Plano Plurianual

REGIC Regio de Influncia de Cidades

SINGREH Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hdricos

SRIE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTVEL

Tipologia Regionalizada dos Espaos Rurais Brasileiros: Implicaes no Marco Jurdico e nas Polticas Pblicas

29

INTRODUO

Tania Bacelar de Arajo1

Professora da Universidade Federal de Pernambuco

Maria Lucila Bezerra Pesquisadora da Fundao Joaquim Nabuco

Introduo

O ambiente mundial e nacional contemporneo, onde a maioria da populao j vive em cidades, est marcado por profundas mudanas e estimula novas reflexes sobre o desenvolvimento. Foram tais mudanas, e a necessi-dade de pensar o futuro, que iluminaram o projeto Repensando o conceito de ruralidade no Brasil: implicaes para as polticas pblicas patrocinado por diversas instituies federais, sob liderana do Ministrio do Desenvolvimento Agrrio, e realizado sob a firme coordenao do Instituto Interamericano de Cooperao para a Agricultura (IICA).

O objetivo maior do estudo o de contribuir para a ampliao do debate sobre o lugar e a importncia dos espaos rurais, no mundo e, particularmente, no Brasil atual. Para isso, envolveu estudiosos da temtica do desenvolvimento de vrias universidades do pas, gestores pblicos em especial os voltados s polticas agrrias e representantes de movimentos sociais envolvidos com a questo rural no Brasil. Esse conjunto de patrocinadores se organizou em uma Comisso de Acompanhamento que supervisionou o desenrolar dos estudos e influenciou em seus momentos decisivos.

A proposta de trabalho foi ampla e incluiu desde uma reviso conceitual da temtica da ruralidade des-tacando os avanos alcanados, uma leitura de sua aplicao em vrios pases, uma anlise retrospectiva do debate sobre o rural brasileiro, e a construo de uma tipologia regionalizada e atualizada dos espaos rurais do Brasil, que reafirma a magnfica diversidade do mundo rural do pas , como tambm uma reviso crtica da legislao nacional sobre o desenvolvimento rural e uma discusso sobre o modo como algumas polticas pblicas brasileiras selecionadas tratam ou influenciam a ruralidade.

Vale destacar que os trabalhos incluram ainda um esforo de redimensionamento do rural brasileiro atual de forma a dialogar com estudos internacionais (inclusive de pases mais industrializados que o Brasil)

1 Coordenao tcnica do Projeto Repensando o conceito de ruralidade no Brasil: implicaes para as polticas pblicas

SRIE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTVEL

Tipologia Regionalizada dos Espaos Rurais Brasileiros: Implicaes no Marco Jurdico e nas Polticas Pblicas

30

e com os dados do Censo Demogrfico de 2010 que informa serem urbanos 84% dos brasileiros, donde resulta que apenas 16% seriam habitantes do meio rural, o que equivaleria a cerca de 30 milhes de pessoas. A clas-sificao dos brasileiros residentes em espaos rurais proposta pelo presente estudo, identificando regies essencialmente rurais, relativamente rurais ou urbanas e essencialmente urbanas, como faz a Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE), quando associada populao recenseada em 2010, constata que o Brasil rural abriga 37% dos brasileiros, ou seja, mais do dobro da populao estimada pelo Censo Demogrfico. Fica, assim, claro, que o pas muito mais rural do que pensa a maioria dos brasileiros.

Este e outros resultados esto sendo publicados em dois livros. O primeiro, divulgado em 2013, contm as bases conceituais do debate mundial e nacional sobre o rural na contemporaneidade e uma reviso atualizada da aplicao do novo conceito de ruralidade em diversos pases com aplicaes feitas por organismos internacionais. Tais estudos mostram, com clareza, que com um conceito mais atual do que seja a vida rural, pases desenvolvidos e bastante industrializados, como os Estados Unidos e pases da OCDE, ainda guardariam parcelas significativas de suas populaes em ambientes rurais. O segundo, ora apresentado, divulga os demais componentes do estudo. Destacamos a apresentao de uma tipologia regionalizada do rural brasileiro suas bases conceituais e meto-dolgicas e seus resultados , a anlise do aparato legal brasileiro sobre o desenvolvimento rural e uma primeira investigao exploratria da forma como seis polticas pblicas selecionadas se relacionam e tratam o rural.

Para o exame do caso brasileiro, o estudo partiu do reconhecimento de uma percepo dominante e equivocada da sociedade sobre o rural apenas como resduo do urbano , viso que vem se firmando desde os anos 40 do sculo passado, quando o Estado brasileiro adotou essa definio sobre a delimitao dos es-paos rurais e urbanos. Nesse contexto, as reas rurais do Brasil foram definidas por oposio e por exclu-so s reas consideradas urbanas. assim que, todo espao de um municpio que no se circunscreve ao permetro urbano (definido em Lei Municipal) considerado como rural. Essa leitura simplista desconhece uma das principais marcas da urbanizao brasileira, que se fez intensa no sculo XX: ao mesmo tempo em que se construram grandes metrpoles e numerosas cidades importantes, cerca de 90% dos municpios do pas tinham menos de 50 mil habitantes, e 70% destes, menos de 20 mil residentes, em 2010. Logo, os brasileiros urbanos se nivelam nesta heterogeneidade de situaes: desde que habitem num permetro urbano, so considerados cidados urbanos se moram em So Paulo ou num pequeno municpio que nada tem de vida urbana.

Como se no bastasse esse vis conceitual, a estratgia de desenvolvimento adotada e executada no Brasil das dcadas finais do sculo XX priorizou a valorizao dos espaos urbanos, em especial, dos cen-tros metropolitanos, onde se concentrava a expanso das atividades industriais e tercirias. O Brasil rural era visto como coisa do passado, posto que o velho modelo primrio-exportador precisava ser superado por um projeto de pas urbano-industrial. Isto gerou uma forte concentrao de investimentos nas maiores cidades do pas e deixou abandonadas milhares de localidades Brasil a fora. No sem razo que a po-breza rural dialoga com falta de saneamento, escolas, servios de sade, energia eltrica, entre outros. O que no quer dizer que todas as grandes cidades so um paraso, visto que as periferias urbanas tambm abrigam muita pobreza e carncia de investimentos em servios fundamentais vida.

SRIE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTVEL

Tipologia Regionalizada dos Espaos Rurais Brasileiros: Implicaes no Marco Jurdico e nas Polticas Pblicas

31

Mesmo assim, o potencial do Brasil rural to grande que ao mesmo tempo em que se tornava uma das maio-res economias industriais do mundo, o pas estruturava uma importante base agropecuria e terminaria o sculo XX como um dos principais produtores agrcolas mundiais, exportando alimentos para muito outros pases. Ao lado de uma agropecuria de base patronal que se expandiu e modernizou, avanando na direo do centro-oeste , se desenvolveu uma agropecuria organizada em bases familiares, que predomina em trs pores distintas do amplo territrio nacional: a regio sul, o nordeste (com destaque para a regio semirida) e a regio amaznica. A primeira estrutura se destaca pelos seus nveis de produtividade elevados e tem o mercado mundial como destino de seus excedentes. A segunda, mais diversificada e voltada para o mercado interno, se diferencia pela sua capacidade de gerar ocupao para milhes de produtores e suas famlias. Ambas reafirmam as potencialidades do Brasil rural.

Alm da evidente fora dessas diversas formas que organizam a base agropecuria do pas, tambm ins-piraram o estudo contribuies anteriores, que abriram o debate sobre o rural contemporneo, realizadas por estudiosos do desenvolvimento rural no pas como Jos Eli da Veiga, Ricardo Abramovay, Arilson Favaretto, Maria Nazareth Wanderley, entre outros que tm se posicionado a favor da reviso do conceito que vem predo-minando nos organismos oficiais. Da mesma forma iluminaram as discusses iniciais pesquisas realizadas h alguns anos e coordenadas por organizaes sociais brasileiras, que j colocavam a demanda por uma nova tipologia das reas rurais, entendendo-as a partir de suas dinmicas regionais de desenvolvimento.

Por outro lado, o prprio IBGE, que tem que adotar o conceito oficial de rural como o que no urbano, lanou, em outubro de 2011, o Atlas do Espao Rural Brasileiro2 demonstrando sua capacidade de gerar um conjunto de informaes capazes de oferecer uma representao do espao rural articulando campos e cidades, ruralidade e meio ambiente, alm dos aspectos mais clssicos referentes ao rural produtivo e seus vetores de modernizao. Tal iniciativa do rgo oficial de informao do pas atuou como estmulo ao avano dos debates para o qual o presente estudo pretende contribuir.

O trabalho foi realizado em trs grandes etapas: uma preparatria, que se desdobrou em trs momentos a) anlise do alcance e limitaes das metodologias aplicadas no Brasil para caracterizao e tipificao dos espaos rurais; b) anlise de tipologias de caracterizao dos espaos rurais em pases selecionados da Amrica Latina e Europa, visando extrao de elementos que subsidiassem a construo de uma tipologia brasileira; e c) definio das bases conceituais e elaborao da metodologia para tipificao dos espaos rurais brasileiros, considerando a diversidade regional em suas mltiplas dimenses e as relaes do rural com o urbano. A segun-da etapa, dedicada montagem da proposta, contemplou: a) a tipologia dos espaos rurais do Brasil; b) a anlise da relao entre algumas polticas pblicas e a ruralidade brasileira; e c) a anlise do quadro institucional com estudo sobre legislao brasileira que define o rural no pas e seus fundamentos conceituais, com sugestes de mudanas. Por fim, a etapa de discusso, apresentao e divulgao compreendeu a apresentao do estudo no VII Frum Internacional de Desenvolvimento Territorial (novembro de 2012); apresentao e discusso, em oficinas de acompanhamento dos trabalhos; discusso no VIII Frum Internacional de Desenvolvimento Territo-rial (novembro de 2013); apresentaes no Senado Federal; apresentao e discusso em Oficinas Regionais da Tipologia (Recife, Braslia e Rio de Janeiro); e, por fim, a publicao dos resultados do estudo em livros.

2 BRASIL, IBGE. Atlas do Espao Rural Brasileiro. Rio de Janeiro: IBGE, 2011.

SRIE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTVEL

Tipologia Regionalizada dos Espaos Rurais Brasileiros: Implicaes no Marco Jurdico e nas Polticas Pblicas

32

Cabe lembrar nesta introduo que o projeto Repensando o Conceito de Ruralidade no Brasil: implicaes para as polticas pblicas foi iniciado em maro de 2012 e concludo em 2013. Em 2012 foram desenvolvidos trabalhos que resultaram em trs produtos: o produto 1 estudo de carter conceitual, contendo concep-o de ruralidade baseada no levantamento e na anlise do estado da arte do conhecimento sobre o rural no Brasil, numa viso contempornea; o produto 2 anlise comparativa sobre ruralidade e tipologias para caracterizao dos espaos rurais, a partir de estudos de caso em pases selecionados da Amrica Latina e Europa, com o propsito de aprofundar o debate e extrair experincias para a formulao de tipologias dos espaos rurais no Brasil; e o produto 3 formulao de bases conceituais e metodologia para a construo e validao de propostas de tipologias dos espaos rurais brasileiros, considerando a diversidade regional em suas dimenses poltica, econmica, social, cultural e ambiental. A verso final destes estudos integrou o vo-lume 21 desta srie, editada pelo IICA.

A tipologia regionalizada, ora apresentada neste volume 22, um dos resultados mais interessantes dos estudos realizados. Para constru-la se assumiu o conceito de rural desenvolvido por Nazar Wanderley e Arilson Favaretto, que se estrutura com base em trs ideias centrais, a saber:

a) O rural no pode ser visto como uma categoria a-histrica, independentemente do tempo e do lugar, pois guarda direta correspondncia com a trajetria da formao social brasileira. Trata--se de uma advertncia para a elaborao de tipologias territoriais ou de polticas pblicas. Isto , a sua formulao no somente um exerccio tcnico, mas demanda adequao de critrios tcnicos especificidade do rural brasileiro;

b) O rural brasileiro conserva uma expressiva heterogeneidade, a qual se manifesta em escalas diferentes dos grandes subespaos nacionais at a heterogeneidade que se apresenta nas dife-rentes formas predominantes de propriedade de terra e de organizao econmica e social. Aler-tam tambm os autores para as consequncias da viso colocada na construo de tipologias e polticas;

c) Espao vazio institucional que se observa nas formas de regulao territorial do rural brasileiro, e que se explica pelo carter perifrico e residual conferido a estes espaos na trajetria do desenvolvimen-to do Brasil. Antecipam, assim, os pesquisadores, a proposta de que se faz necessria uma referncia para o meio rural brasileiro como aquela que se tem para o urbano no Estatuto das Cidades.

A contribuio principal que advm do debate conceitual a que nega o rural como sinnimo apenas de espao da produo agropecuria. Contestando esta viso economicista, o estudo assumiu uma leitura de corte sociocultural do rural, a exemplo do que se faz em muitos pases e do que prevalece em vrios estudos recentes.

Seguindo esta orientao, a tipologia parte da viso de que: A ruralidade diz respeito a uma forma pela qual se organiza a vida social. Leva em conta, especialmente, o acesso aos recursos naturais e aos bens e servios da cidadania, a composio da sociedade rural em classes e categorias sociais, os valores culturais que sedimentam e particularizam os seus modos de vida.

SRIE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTVEL

Tipologia Regionalizada dos Espaos Rurais Brasileiros: Implicaes no Marco Jurdico e nas Polticas Pblicas

33

Vale ainda lembrar que muitos estudiosos do rural argumentam que, mais que uma separao, existe uma articulao entre o rural e o urbano, expressa nas relaes sociais, culturais e econmicas e numa gradao na configurao do habitat como afirma Valria Vila Verde (2004 www.ipardes.pr.gov.br/biblioteca/docs/territorios.pdf):

Observa-se que entre o meio rural e o meio urbano existe uma multiplicidade de si-tuaes: desde a habitao rural isolada at a grande cidade, existem inmeros escales intermedirios, que vo criando uma transio.

Ainda no que se refere tipologia regionalizada, cabe destacar alguns aspectos da metodologia adotada na sua construo. De sada optou-se por realizar anlise multivariada do que resultariam CLUSTERS e estes teriam que ser analisados e mapeados, gerando TIPOS REGIONALIZADOS.

Outras escolhas importantes merecem referncia:

a) A escolha do MUNICPIO como UNIDADE ESPACIAL de partida;

b) A definio das DIMENSES a partir das quais a realidade rural seria observada, ou seja: i) o Habitat, onde se inscrevem caractersticas demogrficas e fsicas dos municpios; ii) o Trabalho, centrada na insero produtivas dos territrios examinados; iii) as Condies de vida e sociocultu-rais; iv) a considerao de Dinmicas recentes demogrfica e econmica e, por fim, v) a iden-tificao de Polticas em Ao na qual se buscou examinar variveis ligadas s polticas pblicas;

c) A identificao dos ATRIBUTOS a serem utilizados para classificar os municpios em TIPOS, do que resultou a identificao das VARIVEIS a serem trabalhadas na anlise fatorial;

d) A escolha do mapa dos BIOMAS como mapa de partida (em lugar da tradicional abordagem pelas macrorregies do IBGE);

e) A definio de deixar fora do estudo o Brasil dominantemente urbano, que foi chamado de GRANDE URBANO (que constitudo por 376 municpios e abrigava cerca de 100 milhes de brasileiros, em 2010).

A escolha da abordagem por BIOMAS se revelou importante, inclusive para mostrar que o mesmo espao natural comporta hoje padres de vida rural distintos, resultado do processo histrico de ocupao humana e econmica que prevaleceu em cada um dos TIPOS de rural identificados. Por outro lado, o dilogo entre o rural e o urbano permaneceu como elemento estruturador das diversas realidades rurais do Brasil contemporneo.

O mapa-sntese, que expressa o resultado da Tipologia, apresenta 26 TIPOS REGIONALIZADOS por BIO-MA. Para uma leitura em escala nacional, este nmero foi considerado um bom resultado, uma vez que o Governo Federal tem prtica em lidar com nmero semelhante ao dialogar com as UNIDADES da FEDERAO (27 estados).

Convm no esquecer que o projeto, na sua concepo, considera a TIPOLOGIA REGIONALIZADA como uma ferramenta para subsidiar o aprimoramento de polticas territoriais de desenvolvimento, levando em conta a di-versidade regional brasileira. Ela explicitamente vista como intermediria, devendo ser validada por meio de pesquisas de campo e usada para produo de um estudo sobre as suas implicaes nas polticas pblicas.

SRIE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTVEL

Tipologia Regionalizada dos Espaos Rurais Brasileiros: Implicaes no Marco Jurdico e nas Polticas Pblicas

34

Em paralelo montagem da Tipologia, estudo especfico foi realizado por equipe da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) para examinar em textos legais importantes em especial nas diversas Cons-tituies Federais como a sociedade via e tratava seu meio rural no ambiente institucional do pas. A anlise realizada ressalta a pouca ateno dada pela legislao brasileira ao meio rural.

Os exemplos desse tratamento secundrio so inmeros, podendo-se destacar que:

Na era Vargas, a legislao trabalhista regulou as relaes de trabalho nas cidades, mas s che-gou ao campo dcadas depois;

As preocupaes com melhoria das condies de vida com polticas de sade e educao, por exemplo s comeam a aparecer na legislao na dcada de 1930, mas no saram das cartas de intenes, pois no se desdobraram em aes efetivas, a no ser num perodo mais recente;

Leis reguladoras da concentrao fundiria s foram criadas em 1964, num contexto de regime de exceo, e foram aplicadas de forma pouco intensa;

A massa de agricultores de base familiar s foi reconhecida por legislao previdenciria no final do sculo XX, com a Constituio Federal de 1988.

Um exame especial foi feito pelas pesquisadoras integrantes deste estudo sobre as leis que regulam a propriedade no pas, com olhar mais atento propriedade da terra, dada sua importncia para a vida social no meio rural e para as relaes de poder que da advm. Fica claro, desde logo, a importncia da Lei de Terras, de 1850, como o marco regulatrio bsico. Antes de extinguir a escravido, a propriedade do patrimnio terra regulada para proveito dos poderosos. O poder dos donos se reafirma num novo contexto. A Lei de Terras previa as condies de regularizao das terras voltadas para a produo agropecuria, mas tambm do solo das incipientes concentraes urbanas existentes.

Com base em diferentes autores, o estudo apresentado pelas pesquisadoras revela que ao longo do Imprio e do incio da Repblica vo se consolidando, tanto nas reas rurais como nas urbanas, processos complexos em que a propriedade devidamente registrada convive com uma ocupao espontnea. Nas reas rurais, a posse toma vrias formas: desde o controle de imensas quantidades de terras que se constituem na extenso das fazendas, at a ocupao de pequenos lotes por populaes livres e pobres que se estabelecem nas fmbrias das terras de fazendeiros, em reas de menor fertilidade, ou mesmo em reas isoladas, onde posseiros fazem a limpeza primeira da terra, cultivam-na por um perodo, para depois serem expulsos, em geral pela fora, pelos fazendeiros que querem delas se apossar (MEDEIROS et ali). A prtica da grilagem aparece no estudo como sendo constitutiva da formao da propriedade rural desde ento, e permanece marcando a vida social no campo brasileiro, muito frequentemente associada prtica da violncia contra os mais fracos. E o Brasil rural contemporneo no se livrou desta herana.

As autoras destacam ainda que, ao longo do tempo, a propriedade foi sofrendo limitaes legais, que inclusive contriburam para a diferenciao de tratamento entre rural e urbano: a funo social da propriedade

SRIE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTVEL

Tipologia Regionalizada dos Espaos Rurais Brasileiros: Implicaes no Marco Jurdico e nas Polticas Pblicas

35

urbana foi ligada moradia e ao bem-estar, e a funo social da propriedade rural foi relacionada produo. Os efeitos disso sobre as condies de vida das populaes rurais foram marcantes: s muito recentemente, pela presso dos movimentos sociais, a legislao comeou a contemplar o rural como um local de vida, ainda que de forma tmida. E o rural como local de vida que o estudo assume.

Por sua vez, embora o Estatuto da Terra e a Emenda Constitucional que o acompanhou tenham definido a funo social da propriedade, ela se confronta, no campo legal (e nos embates sociais e polticos) com outra noo: a do direito de propriedade tido como absoluto. Mesmo a incorporao da funo social da propriedade na Constituio de 1988 no foi capaz de produzir uma outra leitura.

A prpria Carta Magna define que terras produtivas no podem ser desapropriadas, criando uma tenso no prprio interior do marco legal a respeito dos limites do direito de propriedade. Ao mesmo tempo consagra mais uma vez a dimenso produtiva como central, em detrimento do respeito legislao trabalhista e ambiental.

O estudo conclui, assim, que as possibilidades de transformao da estrutura fundiria, uma condio importante para avanar na melhoria das condies de vida das populaes rurais, permanecem como um horizonte longnquo. O rural contemporneo apresenta melhoras resultantes de avanos de polticas pblicas, como a previdenciria, as polticas sociais, as polticas de apoio ao desenvolvimento da agricultura familiar, a educacional, entre outras. A poltica de reestruturao fundiria, no entanto, no avanou.

Por fim, o presente livro apresenta uma anlise do tratamento de algumas polticas pblicas (seis selecio-nadas) para o rural brasileiro. Este estudo busca explicitar algumas implicaes da releitura do meio rural bra-sileiro e, portanto, do reconhecimento de sua diversidade social, ambiental, cultural, poltica e econmica (logo, de sua heterogeneidade) para as polticas pblicas de promoo ao desenvolvimento rural selecionadas. De forma simplificada, procura-se evidenciar se o rural considerado pelas polticas pblicas, se h um tratamento diferenciado a estas reas considerando as suas especificidades e, neste caso, qual o rural tem sido objeto destas aes pblicas, e se este rural d conta da diversidade da ruralidade brasileira. As polticas pblicas ana-lisadas neste estudo foram selecionadas a partir de critrios como presena e importncia no Plano Plurianual 2012/2015, coordenado pelo Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto, e priorizao de polticas nacionais de carter universal, destinadas tanto s populaes urbanas quanto rurais. Ademais foram includas duas pol-ticas de desenvolvimento agrrio dada a importncia que assumem para a configurao do espao rural do pas.

Neste estudo observou-se que todas as polticas universais analisadas, ainda que pensadas prioritaria-mente para o urbano, foram conferindo ao longo do tempo um tratamento diferenciado para as reas rurais. O Programa Minha Casa, Minha Vida,o Programa Nacional de Banda Larga, o Programa Nacional de Alimen-tao Escolar e o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Tcnico e Emprego vm procurando construir me-canismos que possibilitem contemplar as especificidades das reas e populaes rurais. Esta diferenciao bem recente e resultou de um conjunto de mobilizaes e de reivindicaes explicitadas h vrios anos (em alguns casos, dcadas) principalmente por representantes da sociedade civil organizada. Esse movimento, portanto, acompanha as crescentes preocupaes contemporneas de redimensionar e revalorizar o meio rural, afastando-o de um recorte setorial (agrcola) e aproximando-se de uma leitura territorial e intersetorial,

SRIE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTVEL

Tipologia Regionalizada dos Espaos Rurais Brasileiros: Implicaes no Marco Jurdico e nas Polticas Pblicas

36

que o entende com um espao de vida (o lugar de onde se vive e se v o mundo). De um modo geral, isso culmi-na no rompimento da viso das polticas pblicas que normalmente associavam o rural ausncia de servios e infraestrutura. Neste sentido, o Programa Minha Casa Minha Vida Rural e o Programa Nacional de Banda Larga so exemplos de iniciativas que esto mudando a realidade do meio rural brasileiro, tradicionalmente conhecido como o lugar do atraso, de condies precrias e isolado de informaes.

Tambm observou-se que todas as polticas vm empregando esforos, principalmente em anos bem re-centes, para a ampliar o atendimento diversidade de categorias polticas e grupos sociais presentes no meio rural, das diversas formas de relacionamento com a terra e com os sistemas produtivos, dos distintos relaciona-mentos entre as reas urbanas e rurais e da distribuio regional territorial. A construo do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e as frequentes mudanas em seus normativos no sentido de contemplar grupos sociais especficos (pescadores, extrativistas, jovens, mulheres...) e atividades produtivas e econmicas (agroindustria, turismo, agroecologia, agrofloresta...) so simblicas neste sentido. O mesmo se manifesta nas polticas pblicas de criao de assentamentos rurais e de reforma agrria que, ao longo dos anos, vm procurando dar conta de diferentes formas de organizao social e produtiva, afastando-se de um modelo nico de assentamento e procurando dialogar com as diversidades regionais e com os contextos sociopolticos e econmicos no qual esto inseridas. No obstante os esforos, o estudo constatou a existncia de uma srie de dificuldades para que estes tratamentos normativos (no s do Pronaf, mas do conjunto das polticas analisadas) se manifestem na realidade social. Assim, nem sempre as mudanas nas legislaes das respectivas polticas pblicas se refletem diretamente na sua operacionalizao no territrio o que chama ateno para o processo de aprendizado implcito nas polticas pblicas e para o papel desempenhado pelo gestor e por alguns atores mediadores/tradutores que ocupam lugar estratgico na operacionalizao e articulao das polticas no plano territorial e local. Destaca-se nesse caso, o papel exercido pela sociedade civil organizada e pelos movimentos sociais que, por acompanharem as polticas pblicas na ponta, agem no sentido de alargar a noo de rurali-dade implcita nas polticas pblicas, impondo-lhes constantemente o desafio em lidar com as velozes dinmicas econmicas, sociais e polticas que atuam sobre a vida no espao rural.

O estudo destaca ainda a importncia da criao de novos mecanismos voltados para contemplar a di-versidade e a heterogeneidade do meio rural, mas ressalta, ao mesmo tempo que, mais do que criar novos dispositivos, deve-se avanar no aperfeioamento daqueles j existentes, adaptando-os e transformando-os de modo a operarem de forma mais ajustada diversidade do rural brasileiro contemporneo. Adicionalmente, as evidncias do estudo corroboram com aquelas vises que enfatizam a necessidade em se fortalecer espaos e atores que sejam capazes de articular as polticas pblicas no plano territorial, tendo em vista as necessidades mais urgentes e os caminhos definidos por aquele determinado territrio para o desenvolvimento rural. Tambm fundamental, diante das novas ruralidades, a ao intersetorial das polticas pblicas no nvel governamental.

O esforo realizado pela equipe mobilizada pelo IICA e pelos patrocinadores deste estudo ser plena-mente recompensado se os resultados aqui apresentados servirem de insumo para alimentar o debate sobre o rural atual do Brasil e estimularem a construo de uma nova viso da ruralidade brasileira, em sua real dimenso e magnfica diversidade. Boa leitura!

SRIE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTVEL

Tipologia Regionalizada dos Espaos Rurais Brasileiros: Implicaes no Marco Jurdico e nas Polticas Pblicas

37

CAPTULO I

TIPOLOGIA REGIONALIZADA DOS ESPAOS

RURAIS BRASILEIROS

Jan Bitoun Professor da UFPE - Coordenador1

Lvia Izabel Bezerra de Miranda Professora da UFCG - Coordenadora

Fernando Ramalho Gameleira Soares Bacharel em Geografia pela UFPE2

Maria Rejane Souza de Britto Lyra Doutora em Demografia pela UNICAMP3

Jeremias Silva Cavalcanti Licenciado em Histria pela UFPB4

Este texto assume um duplo carter, no mbito do projeto do IICA Repensando o conceito de ruralidade no Brasil: implicaes para as polticas pblicas. O primeiro, de adeso necessidade de reconceituao que en-volveu todas as equipes participantes do projeto; o segundo, mais especificamente dos autores, de elaborao de propostas que pudessem, metodolgica e tecnicamente, construir uma representao da diversidade do territrio do pas, pensada a partir do rural como territrio de vida de uma parte significativa dos brasileiros. Para esse fim, buscaram-se, no amplo aparelho estatstico e cartogrfico disponvel no Brasil, meios para construir as duas propostas apresentadas nos resultados.

1 Introduo: Para que uma Nova Tipologia dos Espaos Rurais Brasileiros?

A produo de uma Tipologia dos Espaos Rurais Brasileiros no mbito do projeto Repensando o conceito de ruralidade no Brasil: implicaes para as polticas pblicas subsidia dois eixos de aes. O primeiro consiste em dar respaldo ao debate da delimitao, resultado de uma classificao, entre espao rural e espao urbano no Brasil; o segundo considera a tipologia como uma ferramenta para subsidiar o aprimoramento de polticas territoriais de desenvolvimento, levando em conta a diversidade do territrio nacional.

1 Agradecemos o imprescindvel apoio dos pesquisadores de Iniciao Cientfica: Alberto Volban Burity de Oliveira, Jos Felinto de Oliveira Neto e Renata Carlos de Oliveira pelo apoio pesquisa no levantamento de informaes sobre os bancos de dados existentes em platafor-ma digital, tratamento das bases estatsticas e confeco de cartogramas temticos.

2 Responsvel pelo Banco de Dados Geogrficos e Cartografia3 Responsvel pelas anlises multivariadas e demogrficas 4 Responsvel pela Anlise da Enciclopdia dos Municpios Brasileiros 1957/1960

SRIE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTVEL

Tipologia Regionalizada dos Espaos Rurais Brasileiros: Implicaes no Marco Jurdico e nas Polticas Pblicas

38

O debate da classificao entre espao rural e espao urbano no Brasil

Este debate, na atualidade, envolve tanto acadmicos quanto movimentos e organizaes fincados nas atividades e na vida no campo. A observao das bases de informaes, sistematizada para a elaborao da Tipologia dos Espaos Rurais Brasileiros, revela que, de fato, h muito mais dados e representaes precisas sobre as condies de vida nas cidades (mesmo em se tratando de cidades muito pequenas), que sobre as mesmas nos campos. Essa dissimetria est relacionada ao modelo institucional brasileiro de identificao do urbano e do rural contemporneo e ao modelo urbano-industrial de desenvolvimento, delineado em meados do sculo passado e complementado desde os anos setenta pela modernizao conservadora do campo sob o comando do agronegcio patronal. (ARAUJO, 2010).

A atual delimitao entre espao rural e urbano e os dados disponveis para representar as condies de vida seguem a distribuio dos setores censitrios apresentados na Figura 1, havendo mais informaes sobre os espaos urbanos que sobre os espaos rurais. Sobre condies de habitabilidade em reas peridomicilia-res, h mais informaes sobre setores urbanos que sobre setores rurais, por meio das Variveis do Entorno, uma importante inovao promovida pelo IBGE no Censo de 2010.

Figura 1- Diviso Urbano/Rural - Situao dos Setores Censitrios (2010)

Este debate, na atualidade, envolve tanto acadmicos quanto movimentos e organizaes fincados nas atividades e na vida no campo. A observao das bases de informaes, sistematizada para a elaborao da Tipologia dos Espaos Rurais Brasileiros, revela que de fato h muito mais dados e representaes precisas sobre as condies de vida nas cidades (mesmo em se tratando de cidades pequenas), que sobre as mesmas nos campos. Essa dissimetria est relacionada ao modelo institucional brasileiro de identificao do urbano e do rural contemporneo e ao modelo urbano-industrial de desenvolvimento, delineado em meados do sculo passado e complementado desde os anos setenta pela modernizao conservadora do campo sob o comando do agronegcio patronal. (ARAUJO, 2010).

A atual delimitao entre espao rural e urbano e os dados disponveis para representar as condies de vida seguem a distribuio dos setores censitrios apresentados na Figura 1, havendo mais informaes sobre os espaos urbanos que sobre os espaos rurais. Sobre condies de habitabilidade em reas peridomiciliares, h mais informaes sobre setores urbanos que sobre setores rurais, por meio das Variveis do Entorno, uma importante inovao promovida pelo IBGE no Censo de 2010.

Figura 1- Diviso Urbano/Rural - Situao dos Setores Censitrios (2010)

Em 2010 (Censo IBGE): 316.574 setores censitrios 240.223 em permetros urbanos de 5.565 municpios

Em 2010 (Censo IBGE): 316.574 setores censitrios240.223 em permetros urbanos de 5.565 municpios76.351 fora dos permetros urbanos em situao ruralPopulao Urbana: 160.143.790Populao Rural: 29.646.421

SRIE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTVEL

Tipologia Regionalizada dos Espaos Rurais Brasileiros: Implicaes no Marco Jurdico e nas Polticas Pblicas

39

Ressalta-se que o IBGE, ao lanar, em outubro de 2011, o Atlas do Espao Rural Brasileiro (IBGE, 2011), de-monstrou sua capacidade em fornecer um conjunto de informaes, promovendo uma representao do espa-o rural articulando campos e cidades, ruralidade e meio ambiente, alm dos aspectos mais clssicos referentes ao rural produtivo e seus vetores de modernizao. Por outro lado, muitos estudiosos do rural argumentam que no existe uma separao mas uma articulao entre o rural e o urbano, expressa nas relaes sociais, culturais e econmicas e numa gradao na configurao do habitat, como afirma Valria Vila Verde (2004, p. 10-11):

Observa-se que entre o meio rural e o meio urbano existe uma multiplicidade de situaes: desde a habitao rural isolada at a grande cidade, existem inmeros esca-les intermedirios, que vo criando uma transio.

A mesma autora adverte que:

preciso trabalhar com o conceito de continuum de maneira cuidadosa, uma vez que, ainda hoje, existem espaos rurais no modernizados ou parcialmente moderniza-dos e com poucos contatos com as reas urbanas.

Apoiada em Wanderley (2001, p. 32) afirma ainda que:

As relaes entre o campo e a cidade no destroem as particularidades dos dois polos e, por conseguinte, no representam o fim do rural, mas ao contrrio, revalorizam as representaes sociais do rural e do urbano.

luz dessas consideraes, os produtores da Tipologia propem-se a subsidiar o debate examinando alterna-tivas de classificao, mais do que definir de partida quais seriam os limites do rural e do urbano no pas, adotando critrios uniformes que:

No seriam aderentes s diversidades das configuraes e das dinmicas de ambos os polos num pas de dimenso continental, e onde esto ainda em curso, diferentemente do quadro vi-gente na Europa, processos de ocupao do territrio.

No levariam em conta as dinmicas em curso na reconfigurao da rede urbana em escales intermedirios da hierarquia urbana, especialmente no Brasil Central e Ocidental (Regies Cen-tro-Oeste e Norte), conforme assinalado em Regies de Influncia das Cidades 2007 (IBGE, 2008). Essas alteraes recentes, significativamente acompanhadas pela expanso do agronegcio, sustentam a proposta de polticas urbano-regionais fundamentadas no policentrismo:

A multiplicidade de centralidades articuladas o policentrismo necessariamen-te define o paradigma central para a organizao do espao urbano-regional contem-porneo (BRASIL: 2008, p. 55).

Dificultariam a adoo de estratgias de Desenvolvimento Territorial, no mbito das quais cabe o diagns-tico das relaes entre cidade e campo, evitando um tratamento in separata dos dois polos dessa relao.

SRIE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTVEL

Tipologia Regionalizada dos Espaos Rurais Brasileiros: Implicaes no Marco Jurdico e nas Polticas Pblicas

40

Ignorariam as revises em curso dos conceitos de rural e urbano destacando-se, em particular no campo da geografia, a contribuio de MARANDOLA e ARRUDA (2005, p. 25):

... o urbano e o rural so mais do que um modo de produzir, eles so tambm um modo de consumir, pensar, sentir, enfim, so modos de vida. Mais que modos de vida, precisamos refletir sobre o que poderamos talvez denominar modos espaciais, que im-plica uma forma distinta de relao homem-homem, homem- sociedade, homem-meio e meio-meio.

E, no campo interdisciplinar, a contribuio do Projeto Urbis Amaznia (MONTEIRO, A. M. V. 2009) inseri-do, muito alm da sua dimenso regional, na reviso terica e prtica dos conceitos de urbano e rural, consi-derando o conceito de urbanizao extensiva contempornea exposto por MONTE MR (2006, p. 9-10):

O que , ento, o urbano no mundo contemporneo, esse tecido que nasce nas cida-des e se estende para alm delas, sobre o campo e as regies? O urbano, entendido desta forma, uma sntese da antiga dicotomia cidade-campo, um terceiro elemento na oposio dialtica cidade-campo, a manifestao material e scio espacial da sociedade urbano-in-dustrial contempornea estendida, virtualmente, por todo o espao social. (...) Tenho cha-mado de urbanizao extensiva a esta requalificao do espao social a partir do urbano.

A Tipologia como uma ferramenta para subsidiar o aprimoramento de polticas territoriais de desenvolvi-mento, levando em conta a diversidade do territrio nacional

Nesse sentido, pretende ser uma representao intermediria entre a representao instituda do rural, como o que no urbano, e as polticas pblicas em curso nas suas relaes com espaos de vida. O enfoque territorial ganhou peso em diversas reas do conhecimento. Segundo Bernardo Manano (2008: sp.):

Entre os vrios argumentos que podemos usar para dizer que o territrio ganhou sta-tus nas diversas reas do conhecimento, h um que se destaca. O territrio utilizado como conceito central na implantao de polticas pblicas e privadas, nos campos, nas cidades e nas florestas, promovidas pelas transnacionais, governos e movimentos socioterritoriais.

No que se refere ao desenvolvimento rural, a implantao na primeira dcada deste sculo das polticas p-blicas Territrios da Cidadania, Territrios Rurais e Territrios de Identidade foi cuidadosamente avaliada numa publicao do IICA (FAVARETO, A. 2010). Na sua contribuio, Tnia Bacelar de Arajo (2010, p. 216) conclui:

Como se v, os avanos so inegveis, mas um esforo adicional de reforo e algu-mas modificaes estratgicas ainda precisam ser implementadas nos prximos anos.

A produo de uma nova Tipologia vincula-se a este movimento e s lies ensinadas pela experincia recente. Cotejar Tipologia e polticas pode contribuir para pensar reforos, ajustes e modificaes estratgicas das mesmas. Na essncia, a produo de uma Tipologia consiste em fazer emergir uma representao, ou melhor, um territrio imaterial. Segundo Bernardo Manano (2010: sp.), no texto j citado:

SRIE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTVEL

Tipologia Regionalizada dos Espaos Rurais Brasileiros: Implicaes no Marco Jurdico e nas Polticas Pblicas

41

O territrio imaterial est relacionado com o controle, o domnio sobre o processo de construo do conhecimento e suas interpretaes. Portanto, inclui teoria, concei-to, mtodo, metodologia, ideologia etc. O processo de construo do conhecimento , tambm, uma disputa territorial que acontece no desenvolvimento dos paradigmas ou correntes tericas. Determinar uma interpretao ou outra, ou vrias, convencer, per-suadir, induzir, dirigir faz parte da intencionalidade na elaborao conceitual. Estou me referindo ao mundo das ideias em que forma, limite, referncia, convencimento, conte-do, rea, domnio, extenso, dimenso, entre outras diversas, so noes necessrias para compreendermos que o pensamento tambm produtor de relaes de poder.

Ferramenta imaterial ento, mas expressa em listagens pouco sedutoras, e mapas muito convincentes, ambos resultando das intencionalidades na elaborao conceitual. Quanto mais explcitas essas intencionalida-des e mais claros os procedimentos metodolgicos, menos ser possvel reificar a representao, cujo objetivo principal suscitar debates, visando o aprimoramento das polticas pblicas de desenvolvimento territorial, e uma contribuio ao mapeamento da diversidade dos espaos rurais. Essa diversidade, vista como uma varivel estratgica para o desenvolvimento da nao. Esse mapeamento, abrangendo o pas, portanto em pequena es-cala, no ambiciona expressar o real da diversidade dos espaos rurais, mas pretende ser uma representao intermediria, de natureza estratgica, destinada, num primeiro passo, a reduzir a distncia entre os formula-dores de polticas pblicas e os processos sociais em curso no rural brasileiro. Essa representao um ponto de partida para anlises mais finas, que podero ser elaboradas com base no Banco de Dados construdo pela equipe nas pesquisas em campo e no dilogo com os agentes pblicos e privados da produo de territrios.

A Tipologia poder subsidiar debate em diversos ambientes:

Ambientes governamentais, de modo a estabelecer um dilogo entre operadores de polticas pblicas de desenvolvimento territorial rural e outras polticas pblicas que interagem com as primeiras, e permitir o aprimoramento das polticas existentes e at propor novas polticas.

Ambientes da sociedade civil organizada, em particular dos movimentos sociais engajados no Programa de Territrios Rurais, de modo a avaliar at que ponto a tipologia foi aderente s expe-rincias do espao vivido com os conflitos e oportunidades que o caracterizam.

Ambientes acadmicos e de produo do conhecimento, de modo a suscitar linhas de pesquisa que possam surgir das problemticas identificadas, com maior ou menor intensidade, por meio da classificao tipolgica em diversas regies do pas.

Como j assinalado acima, reconfiguram-se e revalorizam-se as representaes sociais do rural e do urbano. A Tipologia dos espaos rurais pretende subsidiar, nas polticas pblicas, a revalorizao das re-presentaes sociais do rural, ressaltando sua diversidade no contexto da urbanizao extensiva do Brasil contemporneo e ressaltando, mais uma vez, o subdimensionamento do rural no aparelho estatstico nacional.

SRIE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTVEL

Tipologia Regionalizada dos Espaos Rurais Brasileiros: Implicaes no Marco Jurdico e nas Polticas Pblicas

42

Para elaborar as duas propostas, uma mais geral de redimensionamento quantitativo do Rural Brasileiro e outra, mais detalhada, de Tipificao Regionalizada dos Espaos Rurais do pas, foi necessrio construir um Banco de Dados Geogrficos, cuja organizao est detalhada no item 2.3, no centro da Metodologia.

Os procedimentos metodolgicos para elaborar a proposta de redimensionamento do rural so expostos nesse texto, na Metodologia, especificamente no item 2.5; os resultados, que no diferem de estudos que per-seguiram o mesmo objetivo, so apresentados no item 3.

Os aspectos conceituais e procedimentais da metodologia elaborada para construo da proposta de Ti-pificao Regionalizada dos Espaos Rurais Brasileiros constituem o essencial da Metodologia (itens 2.1, 2.3, 2.4). Os resultados so apresentados no item 4.

2 Aspectos Metodolgicos

A concepo metodolgica da Tipologia Regionalizada dos Espaos Rurais Brasileiros foi construda a partir de dois eixos: um de natureza conceitual e outro de natureza procedimental. Os aspectos de natureza conceitual consideraram as seguintes contribuies: i) mtodos de agrupamento e delimitao de espaos geogrficos (Tipificao e Regionalizao); ii) articulao entre a dimenso territorial e a dimenso das dife-rentes ruralidades brasileiras; iii) a seleo de entidades espaciais que fossem capazes de materializar a as-sociao das escalas de anlise (intermediria subnacional), e estivessem disponveis nas bases estatsticas nacionais; iv) a seleo de atributos que representassem as condies de ruralidade dos municpios e promo-vessem, quando possvel, a aproximao com experincias internacionais. A partir do conjunto de elementos conceituais foram organizados os procedimentos que incluem: i) seleo de variveis para construo de um Banco de Dados Geogrficos; ii) produo e organizao do Banco de Dados Geogrficos; iii) procedimentos para tipificao regionalizada e caracterizao dos Espaos Rurais Brasileiros, agrupados em macrogrupos, por biomas, por meio da anlise fatorial multivariada e de tcnicas de regionalizao; iv) procedimentos para classificao dos municpios brasileiros segundo classes rurais e urbanas.

A proposta de tipificao regionalizada teve como objetivo a construo de uma representao em escala in-termediria, capaz de ressaltar nessa escala a diversidade dos espaos rurais brasileiros. Optou-se por organizar uma diviso de partida: macrogrupos de municpios com base na diviso do pas em biomas (Amaznia, Pantanal, Cerrado, Mata Atlntica, Caatinga e Pampa), separando tambm os municpios situados na Linha de Costa), e por no incorporar nesta proposta as metrpoles e capitais regionais (IBGE, 2008), isoladas num outro macrogrupo denominado Grande Urbano. Para Tipificao, foi escolhida tcnica de anlise multivariada de variveis selecio-nadas para encontrar padres de agrupamentos dos municpios (clusters) no mbito de cada macrogrupo. Aps anlise interpretativa dos padres evidenciados em cartogramas de clusters, lanou-se mo de tcnicas de re-gionalizao para propor tipos regionalizados. A caracterizao dos tipos regionalizados foi realizada por meio de operao espacial de superposio de mapas e de algumas variveis do Banco de Dados Geogrficos.

A proposta de redimensionamento do Brasil rural teve como objetivo romper com uma viso dicotmica do urbano e do rural, instituda pelas leis municipais que delimitam os permetros urbanos. Optou-se pela

SRIE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTVEL

Tipologia Regionalizada dos Espaos Rurais Brasileiros: Implicaes no Marco Jurdico e nas Polticas Pblicas

43

classificao de municpios para identificar aqueles predominantemente e relativamente rurais isolados ou prximos de cidades. Para tanto, foram adotados os seguintes procedimentos: i) adoo de uma diviso de partida: classificao dos municpios na hierarquia urbana das centralidades (REGIC, 2008); ii) classificao dos municpios em classes a partir da varivel de percentual de populao residente em habitat rural, mo-dulada pela posio hierrquica dos centros; iii) Ajuste da classificao por meio do desvio padro mdia do percentual do Valor Agregado da Produo Agropecuria no total do Valor Agregado em 2010; iv) Ajuste da classificao dos municpios essencialmente e relativamente rurais, a distncia grfica (em linha reta) da sede para a sede mais prxima que apresentasse qualquer maior posio hierrquica.

2.1 Aspectos metodolgicos de natureza conceitual

Diferenas metodolgicas entre Regionalizao e Tipificao

Dois mtodos de agrupamento e delimitao de espaos geogrficos podem ser seguidos para chegar Tipologia: mtodos de Regionalizao e mtodos de Tipificao. Como no presente trabalho esses dois mto-dos so associados, importante explicitar as diferenas entre ambos, apresentadas no Quadro 1 abaixo:

Quadro 1 - Regionalizao x Tipificao

REGIONALIZAO TIPIFICAORegio Histrica Anlise univariada ou multivariada de relao entre

Entidades espaciais AtributosRegio Natural SimplesRegio Natural Complexa Definio de agrupamentos em classes (Clusters)Regio Geogrfica

Definio de tiposRegio PolarizadaRegio: Uma Entidade Espacial Contnua Tipos: no necessariamente contnuos

Os conceitos norteadores de metodologias de Regionalizao foram elaborados no mbito da Geografia e permitem distinguir, reconhecer e delimitar:

Regies Histricas - Trata-se do reconhecimento de entidades espaciais enraizadas na histria de um pas e resultantes da continuidade de divises decorrentes da sua histria poltica. No caso do Brasil, essa continuidade pode ser reconhecida no longo ciclo de transformao das Ca-pitanias Coloniais em Provncias do Imprio e em estados da Repblica. Na histria republicana, houve divises dos estados e transformao de territrios em estados, mudando o mapa das re-gies histricas do Brasil na sua forma, mas no na sua essncia. A ruptura essencial se deu no processo colonial com a eliminao dos territrios indgenas por meio de conquistas estudadas pelos arquelogos e historiadores brasileiros. Os estados e o seu papel no sistema federativo ex-pressam a continuidade de regies histricas estabelecidas no processo de apropriao do solo, das Sesmarias Lei de Terra de 1850 que atribuiu s Provncias competncias sobre a venda de

SRIE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTVEL

Tipologia Regionalizada dos Espaos Rurais Brasileiros: Implicaes no Marco Jurdico e nas Polticas Pblicas

44

terras devolutas. Os conflitos evidenciados na demarcao das terras indgenas, a morosidade das Justias estaduais na implementao da reforma agrria expressam no campo o vigor des-sas Regies Histricas enraizadas no passado colonial. Os municpios so, nesse contexto, subdi-vises dessas Regies Histricas estabelecidos com o adensamento do processo de povoamento ainda em curso em vrios estados do Brasil Central e Ocidental.

Regies Naturais Simples - Trata-se de delimitaes de entidades espaciais cuja homogenei-dade decorre de um nico fator natural que pode ser buscado na Geologia, Geomorfologia, Bio-geografia, Pedologia, Climatologia, Hidrologia e demais Cincias Naturais. Assim sendo, essa delimitao independe das Regies Histricas e das suas subdivises, e remete Natureza. En-tre as Regies Naturais Simples, destaca-se, na esfera do planejamento e das polticas pblicas, uma unidade geomorfolgica a bacia hidrogrfica delimitada pelas linhas divisrias de gua separando espaos drenados por um rio e seus tributrios, reconhecendo-se uma hierarquia de bacias e sub-bacias na qual operam dinmicas naturais de eroso, acumulao, bem como di-nmicas referentes ao uso, qualidade e conservao de recursos hdricos. A importncia dessas regies naturais simples foi crescendo medida que questes ambientais, em especial relacio-nadas a riscos naturais (deslizamentos e enchentes) e gesto dos recursos hdricos, ganharam peso nas polticas pblicas. No Brasil, o marco recente, sucedendo ao Cdigo das guas de 1934, a Lei das guas, n 9.433 de 1997, que estabeleceu a Poltica Nacional de Recursos Hdricos (PNRH) e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hdricos (SINGREH). Entre outras instncias, tais como os Conselhos Nacionais e Estaduais de Recursos Hdricos, desta-cam-se os Comits de Bacias, importantes agentes da vida no campo e nas cidades (Lei 9433/97). Compete Unio e aos estados legislarem sobre as guas e organizarem, a partir das bacias hidrogrficas, um sistema de administrao de recursos hdricos que atenda s necessidades regionais. O poder pblico, a sociedade civil organizada e os usurios da gua integram os Comi-ts e atuam, em conjunto, na busca de melhores solues para sua realidade. A Lei n 11.445 de 2007 trata do Saneamento Bsico e foi discutida no mbito do Conselho das Cidades, vinculado ao Ministrio das Cidades. No seu Artigo 19, 3 estipula:

Os planos de saneamento bsico devero ser compatveis com os planos das bacias hidrogrficas em que estiverem inseridos.

Assim a Unio, os estados e os municpios responsveis pelo planejamento e gesto , entes histricos, devem reconhecer a bacia hidrogrfica, uma regio natural simples, como entidade espacial imprescindvel operacionalizao do planejamento e da gesto. Ressalta-se que consrcios de municpios se estabeleceram com base no compartilhamento de bacia hidrogrfica.

Regies Naturais Complexas - Correspondem a entidades espaciais delimitadas por superposi-o de fatores naturais. importante lembrar que esse conceito e a metodologia dele decorrente foram adotados para delimitao das Grandes Regies Brasileiras no trabalho Diviso Regio-nal do Brasil, realizado por Fbio de Macedo Soares Guimares do IBGE, publicado na Revista

SRIE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTVEL

Tipologia Regionalizada dos Espaos Rurais Brasileiros: Implicaes no Marco Jurdico e nas Polticas Pblicas

45

Brasileira de Geografia, em 1941. O autor destaca que esse conceito, mais que o de regies hu-manas, garante a estabilidade necessria a uma diviso capaz de permanecer para organizar as estatsticas e as informaes a serem reunidas para o conhecimento e a administrao pela Unio do territrio brasileiro. No entanto, a delimitao dessas Grandes Regies no pretende romper com a organizao anterior por estados, j que os limites dessas Regies Naturais Com-plexas so ajustados ao limite de um conjunto de estados. O autor justifica esse procedimento, pouco compatvel com a realidade das transies naturais, pela necessidade de continuidade dos bancos de informaes organizados por estados. Esse trabalho insere-se no contexto poltico do Estado Novo, visando fortalecer uma representao do pas, ultrapassando a representao vi-gente por estados, sem, no entanto, romper de todo com as oligarquias estaduais, como pode ser verificado no artigo de FREITAS (1941). O autor, primeiro presidente do IBGE, critica os estados, pequenas ptrias egostas, mas reconhece que o propsito no de fazer uma revoluo, mas de dirigir uma evoluo. A representao por Grandes Regies, incorporada nos Censos, divulga-da nos programas de Ensino, servir de base ao Planejamento Regional por parte da Unio nas dcadas seguintes.

Regies Geogrficas ou Humanas - Trata-se de reconhecer entidades espaciais cujo conceito remonta tradio da escola regional francesa, associando quadro natural e sua transformao pelo trabalho humano, destacando-se nas suas manifestaes na formao de paisagens, na distribuio da populao, na natureza do habitat e nas prticas sociais, denominadas gneros de vida, estudando-se o conjunto das tcnicas referentes estrutura agrria e aos sistemas agrcolas. No Brasil, esse conceito de Regies Geogrficas norteou os trabalhos do IBGE que, na dcada de 50, identificaram, em cada estado, Mesorregies com nfase maior no quadro natural e Microrregies onde se procurava dar mais importncia aos fatores humanos. Es-sas delimitaes respeitavam os limites das Regies Histricas (os estados) e agrupavam suas subdivises (os municpios). A metodologia empregada, sendo um bom exemplo encontrado em artigo de Orlando Valverde (1958), oriunda da Europa, com ruralidades enraizadas e relativamente estveis, mal dava conta das dinmicas que caracterizavam pores do espao brasileiro, dire-tamente afetado pelas flutuaes das demandas externas, bem como pelos fluxos migratrios da populao rural com precrios laos com a posse da terra. No entanto, as Mesorregies e as Microrregies foram adotadas como unidades estatsticas e, s vezes, como unidades de plane-jamento sub-regional.

Regies Polarizadas - No final do artigo supracitado, o autor descreve um novo conceito de Re-gionalizao, fundamentado nas reas de influncia das atividades tercirias e secundrias, situ-adas nas cidades e gerando fluxos centrpetos e centrfugos a partir destas, que compem uma rede urbana de polos hierarquizados. Introduzida no Brasil por Michel Rochefort na virada dos anos 50/60, a identificao da hierarquia urbana e das reas de influncia das cidades ser reali-zada pelo IBGE por meio de estudos e publicaes sucessivas, sempre aprimoradas, como pode ser constatado na leitura do REGIC Regies de Influncia das Cidades, publicado em 2008 (IBGE,

SRIE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTVEL

Tipologia Regionalizada dos Espaos Rurais Brasileiros: Implicaes no Marco Jurdico e nas Polticas Pblicas

46

2008). Esses conceito e mtodo de Regionalizao foram e so bastante aderentes s teorias de polos de crescimento e difuso das inovaes e nortearam a institucionalizao das Regies Metropolitanas na dcada de 70 e o Programa de Cidades de Porte Mdio na dcada seguinte. A publicao em 2011, pelo IPEA, da obra Dinmica Urbano-Regional Rede Urbana e suas Inter-faces (PEREIRA, R.H.M.; FURTADO, B.A. 2011) deu continuidade a uma abordagem centrada nas dinmicas urbanas para promover o desenvolvimento regional do pas, destacando-se os estudos em escala estadual. Essa abordagem no criou novos espaos estatsticos, mas articulou as es-tatsticas disponveis em diversas escalas, com uma concepo de desenvolvimento na qual, de uma forma ou de outra, ressaltada a dinmica urbana, por meio da concentrao dos servios, conquanto os espaos rurais se mantm como simples bases estatsticas.

Regies histricas, naturais simples, naturais complexas, geogrficas e polarizadas tm em comum o fato de, por meio de institucionalizao ou de tcnicas, delimitar manchas contnuas no mapa do pas, extrapo-lando s vezes suas fronteiras, como no caso da Panamaznia, e de regies de influncia de cidades situadas nas fronteiras e com intensa vida de relao com cidades estrangeiras vizinhas.5

O conceito de tipo e os mtodos de tipificao no envolvem o compromisso com continuidade territorial das entidades espaciais objetos da tipificao.

Buscar tipificar consiste em classificar entidades espaciais que apresentam traos comuns que os dife-renciam de outras classes de entidades espaciais. Por exemplo, podem-se formar classes de cidades grandes, mdias e pequenas caracterizadas to somente pela quantidade de residentes; ou reunir numa mesma classe os municpios produtores de feijo e, numa outra, os municpios produtores de leite. Podemos definir classes de municpios com altas, mdias e baixas taxas de crescimento demogrfico, e municpios apresentando muito altos, altos e mdios ndices de Desenvolvimento Humano IDH. A possvel continuidade territorial de alguns deles ser somente um subproduto ocasional da tipificao.

Na sua essncia, a tipificao geogrfica consiste em relacionar atributos, expressos por variveis, e en-tidades espaciais. Nos exemplos citados, esses atributos so descritos por uma nica varivel. Mas possvel combinar diversas variveis para descrever um atributo. Lana-se mo, para esse fim, da analise funcional multivariada, uma tcnica estatstica que permite agrupar em classes, ou clusters, as entidades espaciais, apresentando uma mesma combinao de valores das variveis selecionadas, graficamente, formando uma nuvem, conquanto outras classes de entidades espaciais agrupam-se em outras nuvens. A tipificao ento uma construo que relaciona atributos cuja presena/ausncia ou grau de intensidade varia com entidades espaciais que so agrupadas em tipos por meio de um (anlise univariada) ou por uma combinao de vrios desses atributos (anlise multivariada).

Para elaborar a Tipologia dos Espaos Rurais Brasileiros, associam-se, conforme descrito na segunda parte deste trabalho, metodologias de Regionalizao e de Tipificao de modo a garantir, no que for possvel, uma Tipologia Regionalizada que permita reconhecer continuidades territoriais, considerando que o produto

5 Vide o captulo 4 da obra supracitada.

SRIE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTVEL

Tipologia Regionalizada dos Espaos Rurais Brasileiros: Implicaes no Marco Jurdico e nas Polticas