tilly, charles. coerção, capital e estados europeus

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ÇHARLES TILLY Os estados intermediários, como a Grã-Bretanha e a França, entraram no jogo im- perial relativamente tarde e se notabilizaram pela combinação da estratégia capi- tal ista e da coerciva. A estratégi a capitalista acrescentou um peso relativamente pequeno ao estado central, sobretudo quando foi aplicada através de organizações essencialmente privadas, como a Companhia Holandesa das Índias Orientais. Contudo, esses megálitos comerciais se transformaram em forças políticas a serem disputadas com seus próprios meios; assim, a privatização levou o estado a negociar com a sua população, ou pelo menos com a classe comercial dominante. A estratégia de conquista e povoamento, que exigiu inevitavelmente exércitos e marinhas perma- nentes, acrescentou ao estado central a burocracia, sem falar da cadeia mundial de funcionalismo que ela suscitou. Onde produziu riquezas - sobretudo na forma do ouro e prata em barras ibullion), como na Espanha - a conquista criou uma alter- nativa à tributação doméstica e, desse modo, protegeu os governantes de algumas "das negociações que definiram os direitos dos cidadãos e estabeleceram limites às prerrogativas do estado em outros locais. Tanto na frente doméstica quanto na ultramarina, a extensão com que o apa- relho estatal emergiu da interação entre a criação de urna máquina militar e o de- senvolvimento de mercados dependeu de diversos fatores: o tamanho da máquina em relação à população que a sustentava, a anterior comercialização da economia e o ponto até onde o estado contou com a mobilização em tempo de guerra dos detentores do poder que forneceram a sua própria força militar e conservaram a capacidade de convertê-Ia aos usos pacíficos depois da guerra. Poderíamos ima- ginar a existência de um continuuni desde a Rússia imperial, em que um aparelho estatal incômodo se desenvolveu para extorquir homens e recursos militares de uma economia muito grande e pouco comercializada, até a República Holandesa, que dependeu fortemente de suas marinhas, instituiu as suas forças militares so- bre concessões temporárias de suas províncias dominadas pela cidade, extraiu fa- cilmente receitas de taxas alfandegárias e impostos sobre o consumo e nunca criou uma burocracia central de vulto. No meio poderíamos colocar aqueles casos, como a França e a Prússia, em que os reis tinham acesso a importantes regiões de capi- talismo agrícola e comercial, mas eram obrigados a negociar com poderosos pro- prietários de terras para manutenção de sua atividade militar. No final das contas, as requisições de homens, dinheiro e provisões cresceram tanto que os governan- tes negociaram também com a massa da população. O capítulo seguinte focaliza essa negociação e suas variações de um tipo de estado para outro. 4 OS ESTADOS E SEUS CIDADÃOS DE VESPAS A LOCOMOTIVAS Nos últimos mil anos, os estados europeus experimentaram uma evolução peculiar: passaram de vespas a locomotivas. Por muito tempo se concentraram na guerra, deixando a maioria das atividades para outras organizações, somente enquanto essas organizações produzissem tributos em intervalos apropriados. Os estados extorqui dores de tributos continuaram belicosos, mas leves em peso quando comparados aos seus sucessores mais avultados; ferroaram, mas não esgotaram. Com o passar do tempo, os estados - mesmo as variedades de grande inversão de capital - assumiram as atividades, os poderes e os compromissos que foram obrigados a manter. Os dois trilhos em que essas locomotivas corriam eram oda sustentação por parte da população e o da manutenção por intermédio de um quadro de pessoal civil. Fora dos trilhos, as máquinas de guerra não funcionavam. O mínimo de atividades essenciais de um estado são três: criação do estado: atacando e controlando os competidores e desafiantes dentro do territóri'o reclamado pelo estado; prática da guerra: atacando os antagonistas fora do território já reclamado pelo estado; proteção: atacando e controlando os antagonistas dos principais aliados dos governantes, quer dentro quer fora do território reclamado do estado. Contudo, não dura muito um estado que negligencia uma quarta atividade crucial: 156 /57 ,

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  • HARLES TILLY

    Os estados intermedirios, como a Gr-Bretanha e a Frana, entraram no jogo im-

    perial relativamente tarde e se notabilizaram pela combinao da estratgia capi-tal ista e da coerciva.

    A estratgi a capitalista acrescentou um peso relativamente pequeno ao estadocentral, sobretudo quando foi aplicada atravs de organizaes essencialmenteprivadas, como a Companhia Holandesa das ndias Orientais. Contudo, essesmeglitos comerciais se transformaram em foras polticas a serem disputadas comseus prprios meios; assim, a privatizao levou o estado a negociar com a suapopulao, ou pelo menos com a classe comercial dominante. A estratgia deconquista e povoamento, que exigiu inevitavelmente exrcitos e marinhas perma-nentes, acrescentou ao estado central a burocracia, sem falar da cadeia mundial defuncionalismo que ela suscitou. Onde produziu riquezas - sobretudo na forma doouro e prata em barras ibullion), como na Espanha - a conquista criou uma alter-nativa tributao domstica e, desse modo, protegeu os governantes de algumas"das negociaes que definiram os direitos dos cidados e estabeleceram limites sprerrogativas do estado em outros locais.

    Tanto na frente domstica quanto na ultramarina, a extenso com que o apa-relho estatal emergiu da interao entre a criao de urna mquina militar e o de-senvolvimento de mercados dependeu de diversos fatores: o tamanho da mquinaem relao populao que a sustentava, a anterior comercializao da economiae o ponto at onde o estado contou com a mobilizao em tempo de guerra dosdetentores do poder que forneceram a sua prpria fora militar e conservaram acapacidade de convert-Ia aos usos pacficos depois da guerra. Poderamos ima-ginar a existncia de um continuuni desde a Rssia imperial, em que um aparelhoestatal incmodo se desenvolveu para extorquir homens e recursos militares deuma economia muito grande e pouco comercializada, at a Repblica Holandesa,que dependeu fortemente de suas marinhas, instituiu as suas foras militares so-bre concesses temporrias de suas provncias dominadas pela cidade, extraiu fa-cilmente receitas de taxas alfandegrias e impostos sobre o consumo e nunca criouuma burocracia central de vulto. No meio poderamos colocar aqueles casos, comoa Frana e a Prssia, em que os reis tinham acesso a importantes regies de capi-talismo agrcola e comercial, mas eram obrigados a negociar com poderosos pro-prietrios de terras para manuteno de sua atividade militar. No final das contas,as requisies de homens, dinheiro e provises cresceram tanto que os governan-tes negociaram tambm com a massa da populao. O captulo seguinte focalizaessa negociao e suas variaes de um tipo de estado para outro.

    4

    OS ESTADOS E SEUS CIDADOS

    DE VESPAS A LOCOMOTIVAS

    Nos ltimos mil anos, os estados europeus experimentaram uma evoluopeculiar: passaram de vespas a locomotivas. Por muito tempo se concentraram naguerra, deixando a maioria das atividades para outras organizaes, somenteenquanto essas organizaes produzissem tributos em intervalos apropriados. Osestados extorqui dores de tributos continuaram belicosos, mas leves em peso quandocomparados aos seus sucessores mais avultados; ferroaram, mas no esgotaram.Com o passar do tempo, os estados - mesmo as variedades de grande inverso decapital - assumiram as atividades, os poderes e os compromissos que foramobrigados a manter. Os dois trilhos em que essas locomotivas corriam eram odasustentao por parte da populao e o da manuteno por intermdio de um quadrode pessoal civil. Fora dos trilhos, as mquinas de guerra no funcionavam.

    O mnimo de atividades essenciais de um estado so trs:

    criao do estado: atacando e controlando os competidores e desafiantesdentro do territri'o reclamado pelo estado;

    prtica da guerra: atacando os antagonistas fora do territrio j reclamadopelo estado;

    proteo: atacando e controlando os antagonistas dos principais aliados dosgovernantes, quer dentro quer fora do territrio reclamado do estado.

    Contudo, no dura muito um estado que negligencia uma quarta atividade crucial:

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    ,

  • CHARLES TfLLY

    rxtroo: sacando de sua prpria populao os meios de criao do estado,ti ' prtica da iuerra e de proteo.

    Os estados extorquidores de tributos perm aneceram restritos no mnimo a esse.onjunto indispensvel de quatro atividades, intervindo nas vidas de seus sditos

    nominal s especialmente para impor o poder da classe dirigente e para extrair rendas.ntudo, alm de uma determinada escala, todos os estados acabam aventurando-

    se e m trs outros terrenos perigosos:

    aplicao de justia: soluo peremptria de disputas entre os membros dapopulao;

    distribuio: interveno na diviso dos bens entre os membros da populao;produo: controle da criao e transformao de bens e servios pelos

    membros da populao.

    As principais vinculaes entre essas atividades funcionam mais ou menoscomo est mostrado na figura 4.1. A prtica da guerra e a criao do estadoreforam-se entre si, na verdade perinanecem praticamente indistinguveis at queos estados comecem a constituir fronteiras seguras e reconhecidas em torno deextensos territrios adjacentes. Ambas as atividades induziram a extrao derecursos da populao local. O jogo de alianas e a tentativa de extrair recursos deatores relativamente poderosos ou mveis favoreceram o envolvimento do estadona proteo, controlando ~s competidores e inimigos de clientes escolhidos. Quandoa extrao e a proteo se expandiram, criaram a necessidade do acerto de disputasdentro da populao submetida, incluindo a regulamentao legal tanto da extrao

    quanto da proteo.

    Produo

    Criao do estudo

    ~~otJ.oAplicao ~ Ide justia ---..... t

    --------:-~ . Dis~ibuiuo

    l'rticn da guerra

  • :... CHARLES TILLY !. OS ESTADOS E SEUS CIDADOS""

    As atividades do estado, portanto, tinham profundas implicaes para osinteresses da populao em geral, para a ao coletiva e para os direitos doscidados. No momento de executar todas essas atividades - prtica da guerra,criao do estado, proteo, extrao, aplicao da justia, distribuio e produo-, os governantes e agentes do estado acabaram colidindo com os interesses defi-nidos das pessoas que viviam dentro de sua rea de controle; e esse impacto muitasvezes foi negativo, porque os estados repetidas vezes se apossaram, para uso pr-prio, de terras, capital, bens e servios que antes haviam servido a outras finalidades.A maior parte dos recursos que os reis e ministros usaram para construir a foraarmada proveio, em ltima anlise, do trabalho e da acumulao de pessoas comunse constituiu um desvio de meios valiosos dos objetivos aos quais as pessoas comunsatribuam uma prioridade muito maior. Mesmo que s vezes os capitalistas tenhaminvestido voluntariamente nas finanas do estado e na proteo que o poder doestado deu ao seu negcio, e mesmo que os magnatas regionais tenham algumasvezes se aliado aos reis com o intuito de controlar os seus prprios inimigos, amaioria das pessoas que haviam investido nos recursos de que os monarcas tentaramapoderar-se opuseram-se tenazmente s exigncias reais.

    O trabalho, os bens, o dinheiro e outros recursos que os estados exigiamestavam, afinal de contas, embutidos em redes de obrigao e eram destinados aobjetivos que as famlias e comunidades priorizavam. Entre as perspecti vas a curtoprazo do cidado comum, aquilo que em alegre retrospecto denominamos "forma-o do estado" comprendia a instigao de arrendatrios de impostos impiedososcontra os camponeses e artesos pobres; a venda forada, para pagar impostos, deanimais que poderiam servir para dotes; a priso de lderes locais como refns dopagamento, por parte da comunidade local, dos impostos devidos; o enforcamentode outros que ousavam protestar; a incitao de soldados brutais contra umapopulao civil desafortunada; o recrutamento de jovens que representavam aprincipal esperana de conforto na velhice de seus pais; a compra compulsria desal impuro; a elevao dos j arrogantes proprietrios locais a funcionrios doestado; e a imposio de unidade religiosa em nome da ordem pblica e da mo-ralidade. No de admirar que os europeus sem poderes tenham tantas vezes aceitoa lenda do "bom czar" que fora enganado, ou mesmo mantido prisioneiro, por mausconselheiros.

    O carter e o peso da atividade de estado variaram sistematicamente em fun-o da economia que predominava dentro das fronteiras de um estado. Nas regiesde aplicao intensade coero, era comum os governantes extrarem recursos paraa guerra e para outras atividades em espcie, atravs de requisio direta e de re-crutamento. Nas economias pouco cornercializadas as taxas alfandegrias e o

    ,"imposto sobre o consumo geravam retornos pequenos, mas a insti tuio de impostossobre o indivduo e sobre a terra criou pesadas mquirrs fiscais e"colocou extensopoder nas mos dos proprietrios rurais, dos chefes de aldeia e de outros que exer-ciam controle imediato sobre os recursos essenciais. Nas regies de grande inver-so de capital, a presena dos capitalistas, o intercmbio comercial e organizaesmunicipais avultadas estabeleciam srios limites ao exerccio direto, por parte doestado, de controle dos indivduos e das famlias, mas facilitavam a-aplicao detaxas relativamente eficientes e indolores sobre o comrcio que se tornaram outrasfontes de rendas do estado. Alm disso, a pronta disponibilidade de crdito fez comque os governantes, em lugar de extrair os recursos em ondas rpidas e calamitosas,distribussem os custos da atividade militar por perodos maiores. 0 resultado oique nessas regies' os estados geralmente tiveram de 'crihr aparelhos centrais dimi-nutos e segmentados. Nas regies de coero capitalizada, prevaleceu lima sitUIII

  • CHARLES TILLY

    funo da relevncia relativa da coero e do capital como base de formao doestado, Nas regies que empregaram intensa coero, como a PoJnia e a Rssia, ocontrole sobre a terra e o trabalho ligado terra foi durante muito tempo o objetocentral da luta, ao passo que, nas regies de grande aplicao de capital, como osPases-Baixos, o capital e as mercadorias vendveis ocuparam uma posio maisrelevante com respeito negociao, o que criou uma estrutura de estado ereivindicaes dos cidados aos estados. Alm disso, nas zonas de grande inversode capital, os estados atuaram mais cedo e com maior eficcia para estabelecer osdireitos burgueses de propriedade - reduzir as mltiplas reclamaes sobre a mesmapropriedade, reforar os contratos e fortalecer a capacidade do dono principal dedeterminar o uso da propriedade. No obstante, em toda a parte, a criao do podermilitar pelo estado envolveuos seus agentes na negociao com detentores do podere com grupos de cidados comuns. A estrutura de classe da populao, portanto,ajudou a determinar a organizao do estado: seu aparelho repressivo, suaadministrao fiscal, seus servios, suas .ormas de representao.

    A traduo da' estrutura d classe em organizao do estado ocorreu atravsde lutas. As rebelies de impostos que sacudiram grande parte da Europa Ocidentaldurante o sculo XVII originaram-se das pretenses concorrentes de reis, dedetentores regionais de poder, de comunidades locais e famlias individuais, terra,ao trabalho, s mercadorias, ao gado, s ferramentas, ao crdito e riqueza familiarque no podiam servir imediatamente a todas as finalidades. Quando congregou asreivindicaes dos grandes senhores e as das comunidades locais, como aconteceumuitas vezes na Frana no incio do sculo XVII, a oposio tributao ameaoua prpria viabilidade da coroa. No entanto, mesmo numa escala menor, a aocoletiva e individual do dia-a-dia contra os crescentes esforos de extrao do estadocausou srios desafios ao prprio-soberano.

    Na medida em que a populao do estado era segmentada e heterognea, aprobabilidade de uma rebelio em grande escala diminuiu, mas aumentou adificuldade de impor medidas administrativas uniformes. Numa populao homo-gnea e ligada, uma inovao administrativa criada e testada numa regio tinha umachance razovel de funcionar em outra, e os funcionrios podiam facilmente trans-l'erir o seu conhecimento de uma localidade para a outra. No perodo de mudanado tributo para o imposto, do governo indireto para o direto, da subordinao paraa assimilao, os estados geralmente se esforaram por homogeneizar as suas po-pulaes e eliminar a sua segmentao mediante a imposio de lnguas, religies,moedas e sistemas legais comuns, bem como por intermdio da construo de sis-temas ligados de comrcio, transporte e comunicaes. No entanto, quando amea-aram as prprias identidades nas quais as populaes subordinadas baseavam as

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    OS ESTADOS' E SEUS CIDADOS

    d . o pmvOC

  • I.-40 CHARLES T1LLY

    o que fizeram os gvernantes quando se defrontaram com uma resistncia,_, dispersa ou macia? Negociaram. Ora, algum pode fazer objees ao uso da

    alavra "negociao" para designar o envio de tropas com o objetivo de esmagarurna rebelio contra impostos ou prender um contribuinte relutante. No entanto, ouso freqente de punio exemplar- o enforcamento de alguns cabeas da rebelioem lugar de todos os rebeldes, a priso do contribuinte local mais rico em vez detodos os delinqentes - indica que as autoridades estavam negociando com a massada populao. gm' todo caso, a negociao assumiu muitas outras formas mais

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  • flAlI'LES TILLY OS EsTJOS 'E SEUS CIDADOS

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    vlll~ IIIIIH1111111(111,"', mns COI1lisso assumiu a obrigao de fornecer estipndios"111111'I1 11IlIdll ONIIlIdl~'s 'lu' adorassem a sua verso da Reforma.

    No ('~1111111111.ONI'II/ll'ioll rins cios estados que se desenvolveram em meio 11-111111,'I'lillllll\~ !I\(',' '1Inlls (PICS ~sl 'n lia da Itlia do Norte a Flandres e ao Bltico1\' l'III'II/l1111I111I1l't'IIO do primeiro extremo, negociando com as oligarquias mu-11I 11"N11" lildllllll 1SI/li 'sf't-ra de a ,sobreviveram e se tornaram os principais1'11111111111111111'do '~llId(): ns idades-imprio como Veneza so um exemplo do caso,'Xii 1110,() 1I/1I'1J1t!,qdos estudos-em-Formao que se constituram dentro da faixad~ (ldlldtlI\Nll1do11I\IiIIISv 'zos tiveram de negociar com os grandes proprietrios de11'1111r ~1I11('IIl'111'111, 'criaram durante o processo novas instituies represen-11111'.I' N ItI"! Ir. c,lado, maiores, os nobres muitas vezes obtiveram confirmaesti I'IIN!lllvlltl'los 'monoplio das patentes militares mais altas em troca de sua('olllllm I~' o ~Om tiS rcntutivns reais de instituir exrcitos nacionais. No entanto, ao101111do ('(IIIII"fllIlII., a negociao em torno das exigncias extrativas do estadopl'odmJII tllr ltos, privilgios e instituies de proteo que no existiam111111'111)1111/lI ,

    111111mudun I di f'lIS~1do g verno indireto para o direto ocorreu com a1l1l'11I11111111l~,nOdo p(l(ler militar, Isso fereceu ao cidado comum uma oportunidade~ tlliltlrll 111lIHcnru. pois de 1750, nas pocas da nacionalizao e da espe-l'illllwy li, O~ SlIlc!OScom ararn a mudar agressivamente de um sistema quaseI1I1IVlll'NIIIde floV 1'110indir 1'0 para um novo sistema de governo direto: uma1111111vt\1I1f11s m int .rmcdiri s nas vidas das comunidades locais, famlias ei'lIlpl't'~IIS produli VIIS. li Indo deixaram de alugar mercenrios e passaram a recrutarl'tIl'll li (I -ntr li sun prpria populao nacional, e quando aumentaram aIl'illlllll~ 111111mde 1ll1l111r nA grandes foras militares da guerra no sculo XVIII, osIllvt\IIIIIIII~N 1I(l~" 'i111'11111o uc S5 s comunidades, famlias e empresas, removendo1111"W '(,S (I os 11111111di6rios autnomos.

    I)""I/llr t ) 10 (l mil nio que estamos analisando, as cidades-estado, os bis-pl/tllI mil 111111111,(I prln ipados diminutos e outros micro-estados governaram de1111111111' Irllll VIIIIl 111 dircrn. s agentes, que eram os responsveis imediatos juntoh ('II1IUII ri VIIIIII110h l-prazer dos monarcas, cobravam impostos, administravam111IIIIIItI~,~t1II1"11I11Iwlll propriedade da coroa e mantinham contato dirio com as1'1111111111111111IO('l1iN'lu estavam sob a jurisdio da coroa. Contudo, os estados1111111111'1111111111111I1VIIIIIIV

  • 14' CHARLES TlLLY os ESTADOS E SEUS CID/lDOS

    161i

    i.queza de seus sditos. A natureza de sua intermediao diferiu: consideravelmente

    entre dOi.Stipos de regies: as qUedisPu. t' a~ de uma nobreza nti~a e as do~i~:daspelos aliengenas. Onde a nobreza com rtilhava com o campsinato a reugrao, aInuua e a tradio (como na ustria e Bomia), houve algu~a possibilidade de

    o ~uma solidariedade regional contra as exigncias da coroa. lJde os nobres eramestrangeiros (como na poro europia do Imprio Otomano ~m grande parte desua histria), os chefes de aldeia e os ancios tribais freqenjemente serviram de

    ligao entre os cidados locais e as autoridades nacionais'fm tais regies, ocolapso do irnprio manteve os camponeses, mercadores e profissionais em contatodireto com o estado (Berend & Rnki 1977: 29-36).

    Fossem nativos ou aliengenas, os intermedirios habitualmente agiram comotiranos em suas zonas prprias de controle. Quando o sistema chiftlyk substituiu ostimars no territrio otomano, at o recurso de apelar a tribunais e funcionrios mu-ulmanos desapareceu, os proprietrios de terra absentestas mf1itas vezes fizerampresses muito mais severas sobre seus camponeses do que seus antecessores rni-litares (Roider 1987: 134). Quando o poder central declinou - como ocorreu demodo geral no decurso do sculo XIX - os proprietrios de tetras adquiriram umcontrole crescente sobre as questes locais. Na Bsnia e na Srfvia, no sculo XIX,

    os senhores de terra muulmanos acabaram por transformar o, seus arrendatrioscristos em servos (Donia 1981: 4-5). Em tais circunstncias, o banditismo cresceudes'medidamente nos Blcs. Em conseqncia da explorao ptlos intermedirios,uma aliana com o rei distante ou com seusagentes pareceu muitas vezes uma alter-nativa atraente iminente explorao; os aldeos apeJaram, ento, aos agentes reais,apresentaram suas demandas contra os senhores de terra nos tribunais reais e sauda-ram com alegria a reduo dos privilgios urbanos. A curto prazo, muitas vezes ga-nharam com essas escolhas. Mas, a longo prazo, a destruio das barreiras inter-medirias tornou-os mais vulnerveis prxima etapa de exigncias do estadogeradas peja guerra.

    ., O estabelecimento de exrcitos permanentes recrutados, entre a populaonaonaJ propiciou um forte incentivo ao governo direto. Embora, durante todo osculo XVIII, continuassem a existir em alguns exrcitos os soldados alugados, osgovernantes de regies de coero capitalizada - sobretudo a Frana, a Prssia e aInglaterra-passaram a evitar, durante o sculo XVII, o engajamento indiscriminadode exrcitos mercenrios. Os mercenrios apresentavam muitas desvantagens: n80eram confiveis quando mal pagos, recorriam ao saque e pilhagem quando noeram vigiados de perto, causavam distrbios disseminados na hora da desmobiliza-o e custavam muito caro. O esforo de manuteno de exrcitos em massa empoca de paz, CO[)10 aconteceu com Frederico Guilherme da Prssia no sculo XVII,

    /69

    !.

    concesses asseguradas aos guerreiros enquanto continuassem servindo nas forasarmadas.ps,tiu!-prlis(deteniores da concesso) extraram da terra os seus prpriosrecursos, cobraram impostos para o sulto, dirigiram a administrao civil e.controlaram os servos cristos, mas no tiveram o direito de alienar a terra ou detr;n~'~iti-Ia aos filhos. Todavia, as guerras dos s~:ia"s XVI e XVII mat;ram muitos

    timarlis, e a exigncia de cobrar impostos em volume cada vez maior a fim deatender prtica cada vez mais cara da guerra tornou as concesses menos atraentesaos guerreiros. Os sultes voltaram as suas vistas para os arrendatrios de impostos,que usaram as vantagens obtidas para converter em sua propriedade as terras quetributavam. Diante desse fato, outros grupos pediram e receberam o.direito de ad-

    ----".q~i"rj~ e possuir terras que pagassem impostos; os chiftliks, terras privadas, subs-tituram os limares (Roider 1987: 133-34).

    Desse modo, os otornanos inadvertidamente instalaram um sistema clssicode revemo indiret .Esse sistema, mais t.arde, voltou-se contra os sditos e os go-v '1'11!1l1l'~, 111virtude 10.poder que colocou nas mos de guerreiros serni-indepen-ti '[IIUS,NIi Pnz (I Sisrova ntre imprio otornano e o austraco (J 791), por exemplo,

    O" 11I11(~,II[(lN~ 11 uuluncl S l1lilllur s irr'ij[,lnrc:s 111:1Srvinj se viram desempregados. Assim,111111'1111[[111'~lIqll'nl'lIll\ 11jlojlUlfl o. Jlfll1do~d sscs homens capturaram aldeias c suas terras c1\lIrIV~11'1111\I[ PIII,.," 'duelc '[11 Iicl'dlldcs prprins, urros SC juntaram a a vali." rebeldes ouIIljj[lIlir.[\\'l'\v11 hUl1uldtlSo pllhl\ruJ11lndistimamcnrc os muulmanos pacficos c os cristos.

    (Jclavich & Jclavich 1977: 27.)

    A autonomia e rapina closjanzaros acabou por obstruir de forma to sria ogoverno otornano que, em 1826, os soldados cio sulto, a seu comando, juntaram-se s multides de Constantinopla para assassinar os remanescentes desse corpo detropa. Os grandes riscos do governo indireto eram no s o saque feito pelosintermedirios, que suscitava a oposio a esses por parte da populao em geral,mas tambm a resistncia da parte dos intermedirios, que estimulava a recalci-trncia de regies inteiras ao papel nacional.

    No entanto, no mais das vezes, os dirigentes locais governaram de formarelativamente-estvel e compraram uma espcie de proteo para a populao localmediante o pagamento tempestivo de tributo ao estado otornano. Nesse nterim, naPrssia os Junkers foram ao mesmo tempo donos de suas grandes herdades, juzes,comandantes militares e porta-vozes da coroa, enquanto que na Inglaterra a pequenanobreza, a grande nobreza e o clero dividiram o trabalho de administrao civil forada capital. Em circunstncias favorveis, os intermedirios dotados assim de pode-res atenuaram os efeitos da expanso do estado sobre a organizao social e a ri-

  • ..

    " OS ESTADOS E SEUS CIDADOS

    . ~..CHARLES TlLLY

    sohr 'plljOll 11 .npucidade da maioria dos estados de tributar as rendas essenciais,sol I'Clllclo diante da concorrncia dos' detentores de poder regionais. Tais circuns-I, 11'ius '11.ornjarurn os governantes a instituir administraes militares domsticasp .rmnn nl 'S c em seguida a recrutar, cooptar e influenciar. Essas etapas deixaramti' 'Iiltlo' S inlern:;-edirios e abriram caminho passagem do governo indireto aodir '10,

    deroso sistema de crdito, e comunicao.a 'Ionga distnclgque Ihes permitiraminstituir, em vrios momentos dos sculos subseqentes.jquase-rnonoplios de

    . pedras preciosas, acar, especiarias e fudi;Qvon Greyerz }.~89).A Reforma Protestante propiciou aos governantes dos.estados menores uma

    esplndida oportunidade de definir a distino e homogeneidade da sua nao notocante aos grandes imprios, sem falar da chance de cooptar o clero e seu aparelho

    administrativo no servio dos objetivos reais. A Sucia d~*f primeiro exemplo,colocando 'grandes setores da administrao pblica rr'~,s.mos. dos pastoresluteranos. (Os historiadores suecos aindahoje tiram proveito da longa srie deregistros paroquianos, repletos de informao sobre educao e mudanas de..residncias, que a partir do sculo XVII esses pastores prepararam fielmente.) Almde qualquerinfluncia possvel sobre as crenas acerca da le~itimidade do estado,um clero.participante e unia f comum ligados ao soberano se transformaram num

    poderoso instru rnent de' ~overno.

    recrutamento domstico de grandes exrcitos permanentes reduziuI'IIndCIl1 nte o' custos. Enquanto os mercenrios desmobilizados tinham poucas

    I' .ivindicn es legtimas a fazer a alguns estados, os veteranos de uma fora nacionalli nhurn muitas, sobretudo na ocorrncia de qualquer tipo de incapacidade fsica a'servio da na~~ As famlias dos guerreiros mortos ou feridos, indistintamente,adquiriram alguns benefcios, como, por exemplo, a preferncia na venda de fumoC fsf I'OSadministrada pelo estado. O acantonamento de tropas dentro da regio(;11vai via l:ul1cionrios mil itares e seus congneres civis na proviso de ali mente, demoradia e na manuteno da ordem pblica. A sade e a educao de 'todos oshomens jovens, que poderiam afetar a sua eficincia' militar, acabaram tornando-sebrgncs governamentais. Assim, a reorganizao militar introduziu uma cunha,

    I' prcseruada pela expanso da atividade do estado, no que havia sido anteriormenteesferas locais e privadas.

    Numa das tentativas mais conscientes de construir um poder de estado, osgovcmantes, durante o processo de instalao do governo direto, procuraram muitasv zcs hornogeneizar as suas populaes. Do 'ponto de vista do governante, umapopulao lingstica, religiosa e ideologicamente homognea apresentava o riscod smbclecer uma frente comum contra as exigncias reais; mas a homogeneizaoencarecia a poltica de dividir para reinar. Todavia, a homogeneidade apresentavamuitas vantagens compensatrias: dentro de uma populao homognea, era maispluusfvel que os cidados comuns se identificassem com seusgovernantes, a.omunicao podia fazer-se com mais eficcia e uma inovao administrativa quefuncionava num segmento provavelmente funcionaria tambm em outros. Alm

    diss .cru maior a probabilidade de que aquelas pessoas que tinham conscincia depcrt ncerem a uma origem comum se unissem contraasameaas externas. Aspunha, a Frana e outros grandes estados praticaram periodicamente a homoge-

    ncizai 0, oferecendo s minorias religiosas - sobretudo muulmanos e judeus - apf entre converso e emigrao; em 1492, logo depois de completada a con-

    quistu ele Granada, por exemplo, Fernando e Isabel ofereceram aos judeus espa-nh iis essa escolha; Portugal seguiu-lhe exemplo em 1497. Diante desse fato, osjudeus exilados da Ibria, os sefaradim, estabeleceram uma dispora comercial emtodas :lS I' gics ela Europa, usando as suas conexes vigentes para criar um po-

    I

    Durante o sculo XVIII, os estados europeus comearam a forar a escolhaentre lealdades locais e nacionais. Embora iis "reformas" do Ilurninismo tenham

    tido muitas vezes o efeito de fortalecer o governo direto, o movimento maissensacional nessa direo foi, sem dvida, a obra da Revoluo e do ImprioFranceses. As aes francesas de 1789 a '1815 favoreceram a transio geral d~-::Europa do governo indireto para o direto de duas maneiras: oferecendo um model,?de governo centralizado que outros estados imitaram, e impondo variantes dessemodelo onde querque a Frana fez conquistas. Mesmo que muitas das inovaesda poca no governo francs tenham derivado de improvisaes desesperadas emresposta a ameaas de rebelio e de bancarrota, as suas formas testadas na luta

    persistiram muito alm da Revoluo e do Imprio.O que aconteceu ao sistema francs de governo durante os anos revo-

    lucionrios? Antes de 1789, o estado francs, a exemplo de quase todos os outrosestados, governava de forma indireta no plano local, confiando principalmente naintermediao dos padres e dos nobres. A partir do final da guerra americana, os,esforos do governo para arrecadar dinheiro que pudesse satisfazer as suas dvidasde guerra cristalizaram uma coalizo antigovernamental que inicialmente abrangeuos Parlamentos e outros detentores de poder, mas que mudou para uma composiomais popular medida que se acentuou o confronto entre o regime e seus opositores(Cornnincl 1987, Doyle 1986, Egret 1962, Frche 1974, Stone 1981). A evidente

    'A REVOLUO FRANCESA.jDO GOVERNO INDIRETO AO DIRETO

    170 17/

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    CHAIlLES TILLY OS ESTADOS E SEUS CIDADOS

    mesma poca, reformaram o mapa da Frana", transformando-o num sistema cheiode departamentos, distritos, cantes e comunas, ao mesmo tempo em que enviavamreprsentarus en missioti para promover a reorganizao revolucionria. Instalaramo governo direto. "

    Alm disso, dada a distribuio espacial desigual das cidades, dos comercian-tes e do capital, a imposio de uma rede geogrfica uniforme alterou as relaesentre o poder poltico e o econmico das cidades, pondo as insignificantes Mende eNiort no mesmo nvel administrativo que as poderosas Lyon e Bordeaux (LepetitJ 988: 200-37; Margadant J 988a, J 988b; Ozouf-Marignier J 986; Schulz J 982), Emconseqncia, o equilfbrio de foras nas capitais regionais alterou-se consideravel-mente: nos grandes centros comerciais, onde negociantes, advogados e profissi mllsj se agrupavam, os funcionrios de departamento (que muitas vezes pr vieram. tiqualquer modo, dos mesmos meios, no tiveram outra opo a no ser nc '0

  • r o" ~~ .' ~ ,":. CHIIRLES 71LLY OS ESTADOS E SEUS CJI)AJ)!iO~

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    dtl il Mold .xpundiu monnemente, e emergiu uma verdadeira burocracia hierrqui-1'11,No IH'O'('SSO, os I' v lucionrios i nstalaram um dos primeiros sistemas-de go-vrln ) dil'l'lo 'lu se r rmou num grande estado.

    I\SNIInlrcral caus u mudanas nos sistemas de tributao, justia, obras p-

    hllclIS i outros mais. Consideremos o policiamento. Fora da regio parisiense, o()SIIl~I()lrnncs

  • CflARLES TILLY OS ESTADOS E SEUS ClDADOS,

    chamou-o de volta em fevereiro de 1794. Durante esses seis meses, Javoaues contouintensarente com suas ligaes existentes, concentrou-se na represso aos inimigosda Revoluo, agiu em grande parte com base na teoria de que os padres, os nobrese os ricos senhores de terra eram os inimigos, negligenciou e estropiou questesadministrativas como a organizao do abastecimento de alimentos e deixou atrsde si uma reputao de arbitrariedade e crueldade.

    No obstante, Javogues e seus colaboradores reorganizaram, de fato, a vidalocal. Ao seguirmos a sua ao no Loire, encontramos clubes, comits de vigilncia,foras armadas revolucionrias, comissrios: tribunais e reprsentants eri mission.Percebemos uma tentativa quase incrvel de estender a ao administrativa diretado governo central vida quotidiana do indivduo, Reconhecemos a importnciada mobilizao popular contra os inimigos da Revoluo - verdadeiros ou imagi-nrios -, que se transformou numa fora que substituiu os antigos intermedirios.Portanto, conseguimos ter uma idia do conflito entre dois objetivos do Terror:extirpao dos opositores da Revoluo e forja dos instrumentos de trabalho daRevoluo. Descobrimos mais uma vez a grande importncia do controle dos alimenfos, que se converteu num desafio administrativo, num ponto de conteno p 1(tica e num incentivo ao popular,

    Ao contrrio da antiga imagem de um povo uniforme que acolhe com prazera chegada de uma reforma h muito aguardada, as histrias locais da Revoluodeixam claro que os revolucionrios da Frana estabeleceram o seu poder atravsde luta, e muitas vezes contra uma obstinada resistncia popular. verdade que amaior parte dessa resistncia assumiu a forma' muitas vezes da evaso, da trapaa eda sabotagem ,e no da rebelio aberta. Entretanto, onde as linhas de falha eramprofundas, a resistncia consolidou-se em contra-revoluo: a formao de eficien-tes autoridades em substituio quelas designadas pela Revoluo. A contra-revoluo aconteceu no onde todos se opunham Revoluo, mas onde diferenasirreconciliveis separavam blocos bem-definidos de partidrios e oponentes.

    O Sul e o Oeste da Frana, mediante processos semelhantes, produziram asmaiores zonas de contra-revoluo sustentada (Lebrun & Dupuy 1987, Nicolas1985, Lewis & Lucas 1983). A geografia das execues durante o Terror forneceum quadro racional da atividade contra-revolucionria. Entre os departamentos queapresentam mais de 200 execues contam-se: Loire Infrieure (3 548), Seine(2639), Maine-et-Loire (1 886), Rhne (1880), Vende (1616), IIIe-et-Vilaine(509), Mayenne (495), Vaucluse (442), Bouches-du-Rhne (409), Pas-de-Calais(392), Var (309), Gironde (299) e Sarthe (225). Esses departamentos soresponsveis por 89% de todas as execues durante o Terror (Greer 1935: 147).Com exceo do Seine e do Pas-de-Calais, concentraram-se no Sul, no Sudeste e,

    um tero de propriedade dos camponeses. De 60 a 80% de todas as fazendas tinham.menos de cinco hectares (o que significa que uma grande maioria desses proprie-trios de fazendas trabalhavam parte do tempo para outros) e um quarto dos chefesde famlia trabalhavam sobretudo como assalariados agrcolas. Taxas, dzimos,rendas e direitos feudais atingiam cerca de 30% da renda da terra arrendada noArtois, e um quinto da terra rural foi a leilo quando a Revoluo se apropriou daspropriedades da igreja e dos nobres. Em suma, o capitalismo agrcola estava bemadiantado por volta de 1770.

    Nessa regio, os grandes arrendatrios (jermiers) dominavam a poltica local,mas apenas dentro de limites estabelecidos pelos seus senhores nobres e eclesis-ticos. A Revoluo, ao extinguir os privilgios desses patres, ameaou o poder dosarrendatrios. Contudo, eles sobreviveram ao desafio enquanto classe, quando noenquanto conjunto particular de indivduos: muitos detentores de cargos perderams seus postos durante as lutas do comeo da Revoluo, sobretudo quando aco- '

    munidadej estava em pendncia com o seu senhor. No obstante, foramsubstitu-d s ele forma desigual pela mesma classe de arrendatrios abastados.Aluta dos assa-larindos e pequenos proprietrios contra os coqs de village* que Georges Lefebvred scobriu no Norte adjacente foi menos intensa, ou menos eficiente, no Ps-de-alais. Embora os grandes fazendeiros, vistos com suspeita pelas autoridades nacio-

    nais, tivessem perdido, durante o Terror e novamente na poca do Diretrio, partede seu domnio sobre os cargos pblicos, no entanto recobraram-no mais tarde econtinuaram a governar os seus poleiros at o meado do sculo XIX. Mais ou menosnessa poca, os nobres e eclesisticos haviam perdido grande parte de suacapacidade de conter os detentores de poder locais, mas os manufatureiros, oscomerciantes e outros capitalistas haviam tomado os seus lugares. A remoo dosantigos intermedirios abriu caminho para uma nova aliana entre os grandesfazendeiros e a burguesia.

    Sob a liderana de Paris, a transio para o governo direto se deu de maneirarelativamente suave no Artois. B'm outros lugares, a mudana foi seguida de uma

    luta intensa. A carreira de Claude Javogues, agente da Revoluo em seu depar-tamento nativo do Loire, demonstra essa luta e o processo poltico que a suscitou(Lucas 1973). J avogues era um enorme estivador, violento e beberro, cujos pa-rentes prximos eram advogados, tabelies e comerciantes em Forez, um regio nomuito distante a oeste de Lyon. A famlia estava em ascendncia no sculo XVIII, eem 1789 Claude era um avocat em Montbrison, com trinta anos e muitas ligaes.Em julho de 1793, a Conveno enviou esse touro burgus raivoso ao Loire e

    I

    * Em Francs no texto. "galos de aldeia". Pessoa importante num lugar determinado. (N. do T.)

    176 177

  • OS ESTADOS E SEUS CIDADOSCHARLES TiLLY -

    sobretudo, no Oeste. No Sul e no Sudeste, Languedoc, Provence, Gascony eLyonnais abrigaram insurreies militares contra a Revoluo, insurreies cujageografia correspondia estreitamente a apoio ao Federal ismo (Forrest 1975; Hood1971, 1979, Lewis 1978; Lyons 1980; Scott 1973). Os movimentos federalistascomearam ria primavera de 1793, quando a expanso jacobi na da guerraestrangeira - inclusive a declarao de guerra Espanha - provocou a resistncia tributao e conscrio, o que, por seu turno, conduziu a um maior rigor navigilncia e disciplina revolucionrias. O movimento autonomista alcanou o augenas cidades comerciais que haviam desfrutado de extensas liberdades no Antigo

    Regime, sobretudo Marseille, Bordeaux, Lyon e Caen. Nestas cidades e em seusinteriores, a Frana mergulhou numa guerra civil sangrenta.

    No Oeste.jisincurses de guerrilha contra as fortalezas e o pessoal republi-canos perturbaram a Bretanha, o Maine e a Normandia de 1791 a 1799, enquantouma aberta rebelio armada rebentava ao sul do Loire, em partes da Bretagne,deAnjou e de Poitou, comeando no outono de 1792 e prosseguindo da mesma ma-neira intermitente at que Napoleo pacificou a regio em 1799 (Bois 1981, Le Goff& Sutherland 1984, Martin 1987). A contra-revoluo do Oeste alcanou seu pontomais alto na primavera de 1793, quando o chamado de tropas pela Repblica preci-pitou a resistncia armada em grande parte do Oeste. Essa fase assistiu aos massa-cres de "patriotas" e "aristocratas" (como foram chamados ento os partidrios e"opositores da Revoluo), invaso e ocupao temporria de cidades importantescomo Angers e a batalhas regulares entre os exrcitos dos Azuis e dos Brancos(como eram conhecidos os elementos armados dos dois partidos).

    A contra-revoluo doOesfnasceu diretamente dos esforos dos fun-cionrios revolucionrios para instalar um tipo particular de governo direto naregio: um governo que praticamente eliminou os nobres e os padres de suasposies de intermedirios parcialmente autnomos, que levou as exigncias porparte do estado de impostos, fora humana e deferncia esfera das comunidadesde indivduos, bairros e famlias, que deu ao burgus da regio o poder poltico quenunca havia tido antes. Ao procurar estender o governo do estado a toda localidadee desalojar todos os inimigos desse governo, os revolucionrios franceses deraminfcio a um processo que no cessou por vinte e cinco anos. "Sob alguns aspectos,no cessou at hoje.

    Nes es aspectos, graas a toda a sua ferocidade contra-revolucionria, o Oesteajust u-se experincia geral da Frana, Na Frana inteira, os burgueses - no ostonos de grandes estabelecimentos industriais, em sua maioria, mas comerciantes,advogados, tabelies e outros que viviam da posse e manipulao de capital -ganharam fora durante o sculo XVIJI. Por toda a Frana, a mobilizao de 1789

    179

    conduziu ao poltica nmeros desiguais-de burgues 'S. unndo IiS It'VOIucionrios-de Paris e seus aliados das provncias despojaram os nobres' os plltl! ,'Sde suas posies cruciais de agentes do governo indireto, as redes cxist 'n~;d!:burgueses passaram a ser as conexes alter~ati~as" entre o estad c rni Ih'l~qti decomunidades por toda a regio. Por algum tempo, essas conexes assenlortJ\~~-s(;numa vasta mobilizao popular atravs de clubes, milcias e comits. Contud%~~aospoucos-os lderes revolucionrios contiveram ournesrno suprimiram os seusparceiros turbulentos. Com tentativas e erros, e lutas, a burguesia dirigente montouum si stem a de governo que se estendeu diretamente s comunidades locais e passou

    sobretudo por administradores que eram teis para o escrutnio e controle oramen-

    trio de seus superiores.Esse processo de expanso do estado se defrontou com trs enormes obs-

    tculos. Primeiro, muitas pessoas viram nele oportunidades de promover os seusprprios interesses e acertar velhas dvidas da crise de 1789. Nesse momento, outentaram capitalizar a oportunidade ou viram suas esperanasbloqueadas porcompetio com outros atores. Segundo, o imenso esforo da gerra contra amaioria das outras potncias europias ampliou a capacidade do estado pelo menosde maneira to grave quanto o fizeram as 'guerras dos reis do Antigo Regime.Terceiro, em algumas regies as bases polticas dos burgueses recm-investidoseram frgeis demais para que pudessem apoiar o trabalho de atrao, conteno,inspirao, comi nao, extrao e mobilizao desses agentes revolucionrioscolocados em toda a parte; na Frana ocorreu grande resistncia s solicitaes deimpostos, de conscritos e de submisso legislao moralizadora, mas, naqueleslocais em que as rivalidades preexistentes formaram um bloco bem-definido deoposio burguesia revolucionria, ocorreu freqentemente a guerra civil. Nessesaspectos, a transio revolucionria do governo indireto para o direto incorporouuma revoluo burguesa e engendrou uma srie de contra-revolues antiburguesas.

    Fora da Frana, finalmente, a imposio de hierarquias administrativas deestilo francs a quase todos os locais conquistados pelo exrcito revolucionrio eimperial conduziu a mais uma etapa da experincia, instalando o governo direto(mediado, verdade, por vice-reis e comandantes militares) na metade da Europa.Muitos estados alemes, quando se mobilizaram contra os franceses, empreenderamtambm extensos programas de centralizao, nacionalizao e penetrao (Walker1971: 185-216). Se no final os exrcitos de Napoleo foram derrotados e os estadosfantoches da Frana entraram em colapso, a reorganizao administrativa produziuum grande impacto sobre pretensos estados como a Blgica e a Itlia. Havia

    comeado a poca do governo direto.

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  • CHARLES TlLLY'

    EXPANSO DO ESTADO, GOVERNO DIRETO E NACIONALISMO

    A expanso mais dramtica da atividade no-militar do estado teve incio napoca da especializao militar, depois de mais ou menos 1850, Nesse perodo, quese estende at o passado recente, a organizao militar, que era um segmentodominante e parcialmente autnomo da estrutura do estado, adotou uma posiomais subordinada, transformando-se no maior dos diversos departamentos diferen-ciados controlados por uma administrao predominantemente civil. (Evidente-mente, essa subordinao era maior na paz que na guerra, era maior na Holandaque na Espanha.) A nacionalizao das foras militares no sculo anterior j haviaimpelido a maior parte dos estados europeus a negociar com as suas populaes ofornecimento de con scritos, de meios de 'guerra e de impostos; os i rnensos exrcitosde cidados, como os das Guerras Napolenicas, suscitaram uma invaso semprecedentes das relaessociaisdirias por parte do estado predatrio,

    No processo de instalao do governo direto, os estados europeus passaram-"ao que podemos chamar represso reativa para a proativa, sobretudo com relaoa s inimigos em potencial fora da elite nacional. At o sculo XVIII, os agentes dosestados europeus gastaram pouco tempo tentando antecipar as reivindicaespopulares ao estado, os movimentos rebeldes, a ao coletiva perigosa ou a disse-minao de novas organizaes; os seus espies, quando os tinham, concentravam-se nos ricos e poderosos, Quando ocorria uma rebelio ou "sedio", os governa-dores convocavam a fora armada o mais depressa que podiam e puniam de maneirato visvel e ameaadora quanto era possvel imaginar. Reagiam, mas no atravsde um monitorarnento permanente dos subversivos em potencial. Com a instituiodo governo direto ocorreu a criao de sistemas de fiscalizao e relatrios quetornaram os administradores locais e regionais responsveis pela previso e

    preveno de movi mentes que pudessem ameaar o poder do estado ou o bem-estarde seus principais clientes. As foras de polcia nacionais penetraram as comu-nidades locais (ver Thibon 1987). A polcia criminal e poltica generalizou o em-prego de dossis, postos de escuta, relatrios rotineiros e levantamentos peridicosde quaisquer pessoas, organizaes ou eventos que pudessem perturbar a "ordempblica". O amplo desarmamento da populao civil culminou no refreamentosevero dos militantes e descontentes.

    De forma anloga, os estados europeus comearam a monitorar o conflitoindustrial e as condies de trabalho, a instalar e regulamentar sistemas nacionaisde educao, a organizar a ajuda aos pobres e incapacitados, a construir e manterlinhas de comunicao, a impor tarifas em benefcio das indstrias domsticas edos milhares de outras atividades que no momento os europeus consideravam

    lRO

    OS ESTADOS E SEUS ClDADXS

    atributs do poder do estado. A esfera de ao do estado ampliou-se alm de seuncleo militar, e seus cidados passaram a exigir dele uma gama muito maior deproteo, aplicao de justia, produo e distribuio. Quando estenderam seusdomnios muito alm da mera aprovao de impostos.as legislaturas nacionais con-verteram-se nos alvos das reivindicaes por parte de grupos bem organizados cujosinteresses o estado afetou ou poderia afetar, O governo direto e a poltica nacionalde massa se desenvolveram juntos e se fortaleceram entre sifortemente. --".-.,~'

    medida queo governo direto se expandia por'toda a Europa, o bem-estar, acultura e as rotinas dirias dos europeus comuns passaram a depender como nuncado estado em que por acaso residiam, Internamente, os estados forcejaram por imporlnguas nacionais, sistemas educacionais nacionais, s~~vio militar nacional e muitasoutras coisas. Externamente, passaram a controlados movimentos atravs dasfronteiras, a usar as tarifas e taxas alfandegrias como instrumentos de polticaeconmica e a tratar os estrangeiros como espcies disti ntas de pessoas merecedorasde direitos limitados e de estrita vigilncia, Quando-os estados investiram tanto na

    " ..1

    guerra e nos servios pblicos quanto na infra-estrutura econmica, suas economiaspassaram a apresentar caractersticas distintivas, que mais uma vez diferenciavamas experincias de vida em estados adjacentes.

    Nesse aspecto, a vida hornogeneizou-se dentro dos estados e heterogeneizou-se entre os estados, Os smbolos nacionais se cristalizaram, as lnguas nacionai s sepadronizaram, os mercadosnacionais de trabalho se organizaram, A prpria guerratornou-se uma experincia homogeneizadora, medida que os soldados e marinhei-ros representavam toda a nao e a populao civil sofria privaes comuns e assu-mia responsabil idadescomuns. Entre outras conseqncias, as caractersticas de-mogrficas passaram a assemelhar-se dentro do mesmo estado e a diferir cada vezmais entre os estados (Watkins 1989).

    Os ltimos estgios de formao do estado europeu produziram ambos osfenmenos dspares que agrupamos sob o rtulo de "nacionalismo", O vocbulodiz respeito mobilizao de populaes que no tm estado prprio em torno deuma pretenso a independncia poltica; falamos assim de nacionalismo pales-tinense, arrnnio, gals ou franco-canadense. Infelizmente, tambm se refere mobilizao da populao de um estado j existente em torno de uma forte iden-tificao com esse estado; assim, na Guerra das Malvinas/Falkland de 1982, falamosdo conflito entre o nacionalismo argentino e o nacionalismo ingls, Nacionalismono primeiro sentido aparece em toda a histria europia, quando e onde quer quegovernames de uma determinada religio ou lngua conquistaram povos de outrareligio aLI lngua, O nacionalismo no sentido de um compromisso acentuado coma cstratgi a internacional de estado raramente apareceu antes do sculo XIX, e nessa

    lNI

  • CHARLES TILLY OS ESTADOS E SEUS CIDADOS

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    poca surgiu especialmente. no calor da guerra. Tanto a homogeneizao da.populao quanto a imposio do governo direto encorajaram essa segundavariedade de nacionalismo.

    Ambos os nacionalismos se multiplicaram durante o sculo XIX, de modo quetalvez fosse melhor inventar um termo diferente para designar os seus equivalentesanteriores a 1800. Quando as regies de soberania fragmentada, como aAlemanhae a Itlia, se consolidaram em estados nacionais de vulto e todo o mapa da Europase cristalizou em 25 ou 30 territrios separados entre si, os dois nacionalismosincitaram-se um ao outro. Os grandes movimentos de conquista caracteristicamentederam origem a ambos os nacionalismos, quando os cidados de estados j exis-tentes viram a sua independncia ameaada e membros de populaes sem estadomas ligadas sentiram as possibilidades de extino ou de nova autonomia. QuandoNapoleo e os franceses se estenderam por toda a Europa, o nacionalismo de estadonacional cresceu do lado francs e do lado dos estados que a Frana ameaava; maisou menos na poca em que Napoleo foi derrotado, contudo, as suas administraesimperiais haviam criado as bases de novos nacionalismos de ambos os tipos _evidentemente, russo, prussiano e ingls, mas tambm polons, alemo e italiano-em grande parte da Europa.

    Durante o sculo XX, os dois tipos de nacionalismo se haviam entrelaadoestreitamente, com um nacionalismo provocando o outro: a tentativa dos governan-tes de aliciar os seus sditos para a causa nacional gera resistncia da parte das mi-norias inassimiladas, e a reivindicao de autonomia poltica por parte das minoriasno-representadas favorece o compromisso com o estado j existente por parte da-queles que se beneficiam bastante de sua existncia. Aps a Segunda Guerra Mun-dial, quando os poderes descolonizadores comearam a mapear o resto do mundoem estados ci rcunscritos, recorihecidos e separados entre si, o vnculo entre os doisnacionalismos se estreitou mais ainda, porque o atendimento pretenso de umpovo relativamente distinto a seu prprio estado implicava a rejeio de pelo menosuma reivindicao de outro povo a esse estado; enquanto a porta se fecha, maispessoas tentam escapar por da. Ao mesmo tempo, atravs de um pacto internacionalimplcito, as fronteiras dos estados existentes setornaram menos sujeitas a alteraop r guerra Oll diplomacia. Mais e mais a nica maneira de os nacionalismos deminoria alcanarem os seus objetivos atravs da subdiviso.dos estados existentes,Em UI10s recentes, tais estados heterogneos, como o Lbano e a Unio Sovitica,~ ntirurn pungentemente a presso em favor da subdiviso. Sob essa presso, aUni () SoviticlI explodiu,

    ENCARGOSNQ-PLANEJADOS

    A luta pelos meios de guerra produziu estruturas de estado que ningum haviaplanejado criar, nem mesmo particularmente desejado. Como nenhum govcrnanteou coligao dirigente tinha poder absoluto e como as classes estranhas coligaodirigente sempre detinham controle dirio sobre uma parcela expressi va dos recursosque os governantes extraam para a guerra, nenhum, estado conseguiu fugir cria-o de alguns encargos organizacionais que os governantes teriam preferido evitar.Um segundo processo para]elo tambm gerou para o estado encargos no-planejados:enquanto criavam organizaes ou para fazer guerra' ou para extrair os recursos deguerra da sua populao - no apenas exrcitos e marinhas mas tambm escritriosde impostos, servios alfandegrios, tesouros, administraes regionais e forasarmadas para desenvolver o seu trabalho entre a populao civil - os governantesdescobri ram que' as prprias organizaes desenvolveram interesses, di reitos,emolumentos, necessidades e demandas que exigiam 'ateno por parte delesp~prios. Falando de Brandenburgo-Prssia, Hans Rosenberg diz que a burocracia

    adquiriu um esprit de corps e desenvolveu uma fora formidvel suficiente para remodelar osistema do governo sua prpria imagem. Restringiu a autoridade autocrtica do monarca.'Deixou de ser responsvel perante o interesse dinstico. Conseguiu o controle da administra-o central eda ao poltica pblica,

    (Rosenberg 1958: vii-vi ii.)

    Da mesma maneira, as burocracias desenvolveram por toda a Europa os seus pr-prios interesses e bases de poder,

    A reao aos novos interesses deu origem a mais organizao: lugares ade-quados para veteranos militares, ordens de nobreza para funcionrios do estado,escolas de treinamento, tribunais e advogados que julgam privilgios oficiais, fOI'-necedores de alimento, de moradi a e de outras necessidades para os agentes do es-tado. A partir do sculo XVI, muitos estados empreenderam a prpria produo da-queles materiais decisivos para a prtica da guerra ou para a arrecadao de receita;numa poca ou noutra, muitos estados fabricaram armas, plvora, sal, produtos defumo e fsforos para uma ou outra finalidade.

    Um terceiro processo tambm agregou novos encargos ao estado. As classesque estavam fora do governo acharam que podiam transformar aquelas instituiesque na origem tinham uma esfera pequena de atividades em solues de problemasque lhes interessavam seriamente, mesmo quando esses problemas tinham poucointeresse para os funcionrios do estado. No intuito de estabelecer as coligaes

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    CHARLES T1LLY OS ESTADOS E SEUS CIDADOS

    necessrias para o bom funcionamento de seu trabalho, os funcionrios tiveram deaceitar a ampliao das instituies. Os tribunais originalmente concordaram emfazer cumprir o mandado real segundo o qual as armas e os impostos deviam ser osveculos para o acerto de disputas privadas, que os regimentos do exrcito deviamconverter-se em locais adequados para abrigar os filhos incompetentes da nobreza,que os cartrios de registro criados para receber taxas em troca de certido dedocurnentos.deyiam.seros locais de negociao das questes de herana.

    A histria da interveno do estado no abastecimento de alimentos ilustra deque modo trs processos criaram encargos inesperados para o estado. De vez que oabastecimento urbano de alimentos continuou sendo um negcio arriscado durantesculos, os funcionrios municipais que tiveram a principal responsabilidade defiscalizar os mercados, de procurar ofertas extras em tempos de escassez e garantirque os pobres conseguissem o suficiente para mant-Ias vivos. As autoridades dePalermo, por exemplo, enfrentaram um problema particularmente srio porque osnobres nativos desdenharam o comrcio, que permaneceu em grande medida nasmos dos comerciantes estrangeiros. Durante as ameaas de fome do sculo XVII,

    .1

    exrcitos extensos, quadros administrativos e cidades capital, por isso mesmo,multiplicaram o nmero de pessoas que no produziam seu prprio alimento, eaumentaram a demanda de gros fora dos mercados regionais comuns. Assim, osfuncionrios regionais e nacionais do estado gastaram grande parte de seu tempoem assegurar e regulamentar o abastecimento de alimentos.

    Sendo devedores dos proprietrios de terras que no aceitavam com bonsolhos a interferncia do-estado em ..suas operaes, os estados europeus con-centraram os seus controles.jio na produo, mas na distribuio. Alguns estadoscomo a Prssia e a Rssia, que cederam poderes enormes aos proprietrios rurais e

    ratificaram a dominao dos camponeses por parte desses senhores de terras emtroca do fornecimento pelos nobres de servio militar e administrativo, com issoafetaram profundamente o carter da agricultura, mas apenas de forma indireta. Aredistribuio das terras da igreja por parte do estado, como na Frana, na Itlia ena Espanha, prejudicou consideravelmente a agricultura, mas no levou os estadosa supervi sionar a produo como tal. Somente no sculo XX, quando alguns regi rnessocialistas assumiram a produo agrcola e a maioria dos regimes capitalistasin'tervieram na produo atravs da manipulao do crdito, dos preos e dosmercados, os estados se envolveram intensamente nessa meta de abastecimento dealimentos. Com exceo dos racionamentos em tempo de guerra e das proibiesocasionais motivadas por programas fiscais ou polticos, os estados tambm semantiveram afastados do consumo. No entanto, no plano da distribuio, todos osestados europeus acabaram envolvendo-se seriamente com a alimentao.

    Seguindo decididamente etapas diferentes em partes diferentes da Europa, ossculos XVI a XIX assistiram expanso interdependente dos mercados inter-nacionais, ascenso do atacadista de alimentos e ao aumento do nmero deassalariados que dependiam do mercado de gneros alimentcios. Desse modo, osadministradores dos estados mantiveram ern equilbrio as demandas dos fazendei-ros, dos comerciantes de alimentos, dos funcionrios municipais, de seus prpriosdependentes e dos pobres urbanos - todos os quais causaram o infortnio do estadoquando este prejudicou os seus interesses particulares. O estado e os funcionriosmunicipais desenvolveram a teoria e a prtica da polcia, nas quais a deteno e apriso de criminosos tinham uma importncia menor. Antes da proliferao, no s-culo XIX, de foras de polcia profissionais como as conhecemos hoje, o termo Po-lcia referia-se administrao pblica, sobretudo no plano local; a regularizaodo abastecimento de alimentos era o seu componente mais importante. O grandetratado de Nicolas de Ia Mare, Trait de Ia Polia, publicado pela primeira vez em

    1705. engloba essa concepo dos poderes de polcia do estado ampla mas

    centralizada no alimento.

    os cidados de Palerma tinham de portar cartes de identidade a fim de excluir os estrangei-ros das filas de po. Aqueles que tinham processos judiciais em Palermo recebiam permissoespecial para entrar na cidade. mas somente se trouxessem o seu prprio alimento; lodososdemais estavam sujeitos a serem excludos mediante uma rgida vigilncia e fiscalizao noporto da cidade. A fabricao de massas doces algumas vezes era proibida sem exceo, ous era vendido po velho'para diminuir o consumo. Uma polcia especial devia descobrir osestoques de trigo escondidos no campo, e para esse ofcio eram preferidos os espanhis, poisos sicilianos tinham amigos demais a favorecer e inimigos a prejudicar.

    (Mack Smith 1968a: 22l.)

    Embora se aplicassem aos cidados, essas regulamentaes impunham sautoridades onerosos encargos com relao ao seu cumprimento. Quando no cum-priam as suas obrigaes, os funcionrios municipais enfrentavam a possibilidadede rebelies com base em coligaes de seus prprios inimigos com os pobresurbanos. No conjunto, as rebelies no ocorreram onde as pessoas sentiam maisfome, mas onde o povo via que os funcionrios deixavam de aplicar os controles-padro, toleravam os aproveitadores ou, o que era pior, autorizavam o envio a outraspraas do precioso gro local.

    As cidades da maior parte da Europa adotaram regras elaboradas que proibiamas compras de gro por atacado fora do mercado pblico, a recusa a vender nomercado o gro armazenado no local, e fixaram um preo para o po que estavatotalmente fora do preo corrente do comrcio de gros. Os estados que constituram

    J84 /85

  • ,. ------',

    CHARLES .TIUY OS ESTADOS E SEUS CIDADOS-J

    Na verdade, os tratamentos do abastecimento de alimento por parte do estadovariaram com a natureza do estado e de suas classes dominantes. Quando construiuum exrcito permanente que era muito maior em relao sua populao bsica, aPrssia tambm criou armazns e sistemas de abastecimento para o exrcito, bemcomo incenti vos para que os gros flussem para as provncias onde o exrcitoestava concentrado; esse sistema, como quase tudo o mais no estado prussiano,dependia da cooperao dos proprietrios de terra e da sujeio do campesinato.Apesar da legislao nacional intermitente sobre o assunto, a Inglaterra geralmentedeixou o controle prtico do abastecimento nas mos de seus magistrados locais e

    somente interveio ativamente no embarque de gros para fora ou para dentro dopas inteiro; a revogao das Leis do Milho em 1846 marcou o final do longoperodo em que o estado restringiu a importao de gros quando os preos noeram muito altos, portanto o perodo em que o estado protegeu os proprietrios deterra cultivadoresde gros e seus meeiros contra a concorrncia estrangeira. Na. Espanha, o esforo administrativo para alimentar Madrid toda cercada de terras

    c._,_dimjn.u.t'l. oferta de aI imentes em grande parte de Castela e provavelmente retardou

    o desenvolvimento de mercados de grande escala em toda a Pennsula Ibrica(Ringrose 1983).

    A crescente ao do estado suscitou uma grande expanso por parte doaparelho poltico nacional devotado regularizao da circulao de alimentos,mesmo quando o objetivo confessado dessa poltica era "libertar" o comrcio degros. Essa poltica, adotada crescentemente nos sculos XVIII e XIX, consistiaessencialmente em fazer valer o direito dos grandes comerciantes de embarcaralimentos para aqueles locais onde poderiam alcanar preos melhores. Asmunicipalidades, pressionadas pela legislao do estado, acabaram eliminando osantigos controles. A longo prazo, a produtividade agrcola cresceu e a distribuiomelhorou o suficiente para reduzir a vulnerabilidade das cidades, dos exrcitos e

    dos pobres escassez de alimentos. Mas, ao longo do processo, os estados criaramquadros de pessoal especializados em alimentos, no intuito de vigiar e intervir paragarantir' o fluxo de suprimento para aqueles cuja ao o estao apreciava ou temia.Indiretamente, a busca do poder militar levou interveno nos meios de subsis-tncia. Do mesmo modo, tentativas de adquirir homens, uniformes, armas, aloja-mento e, acima de tudo, dinheiro para sustentar a atividade militar impeliu os fun-cionrios do estado a criar estruturas administrativas que eram obrigados a fiscalizare conservar,

    A~ formas ele representao de massa que os governantes europeusI1C iociurum '0111 seus sditos-agora-cidados, durante o sculo XIX, envolveramos 'SllIt!OS '111 arcnus L talmcnte novas de atividade, sobretudo com referncia

    produo e distribuio. Tpicos programas polticos burgu 'S 'S elt-i~' (,N.parlamentos, amplo acesso aos cargos, direitos c),vis - tornaram-se rrulldudc,Quando os cidados adquiriram direitos legtimos sobre o estado S udndos por'eleies parlamentares e legislao parlamentar, os mais bem organizados ntrc ,I 'sexigiram que o estado agisse no campo do emprego, do comrcio exterior, daeducao e finalmente de muitas outras coisas. Nas relaes capital-trabalh osestados intervieram atravs da definio.das greyes e sindicatos trabalhistasadrnissveis, docontrole de ambos e da negociao ou imposio de acorelos nosconflitos. No conjunto, os estados que se industrializaram tarde dedicaram LI maparte maior de seu aparelho governamental - bancos.itribunais e administraespblicas - promoo da indstria do que aqueles que saram rente (Berend &Rnki 1982: 59-72).

    A Tabela 4.1 mostra o quanto mudaram os gastos militares. Durante todosesses anos, o quadro de pessoal do estado noruegus tambm se expandiu: em 1875,o governo central "empregava cerca de. doze mil civis, mais ou menos 2% da forade trabalho; em 1920,54 mil (5%); em 1970,157 mil (10% [Flora 1983: I, 228; vg.r..,

    tambm Gran 1988b: 185]). Na Noruega e outros pases da Europa, a administraocentral, a justia, a interveno econmica e, sobretudo, os servios sociais, todosaumentaram em conseqncia de negociao poltica em" torno da proteo, porparte do estado, de seus clientes e cidados.

    Total do Administrao, Economia, ServiosAno governo militar justia ambiente sociais

    1875 3,2 1,1 1,0 0,4 0,31900 5,7 1,6 1,2 1,0 1,21925 6,5 0,9 0,7 0,8 1,81950 16,8 3,3 1,4 3,9 7,41975 24,2 3,2 2,3 6,8 9,5

    Fonte: Flora 1983: I, 418, 19.

    Tabela 4.1 Gastos do estado em relao ao PNB na Noruega, 1875-1975 (%).

    186

    o aumento dos servios sociais aconteceu em toda a Europa. A Tabela 4.2cita como exemplos a ustria, a Frana, o Reino Unido, a Holanda e a Alemanha,"simplesmente porque Peter Flora reuniu sobre eles dados comparveis. Nos estadosque adotaram economias planejadas pelo poder central, como a Unio Sovitica, aproporo da renda nacional devotada aos servios sociais foi certamente muitomaior. Em todos os lugares, particularmente aps a Segunda Guerra Mundial, oestado passou a intervir na sade, na educao, na vida e nas finanas da famlia.

    187

  • CHARLES TrLLY

    Tabela4.2 Gastos do estado em servios sociais em relao ao PN8, 1900-1975 (o/Q).

    Ano* ustria Frana

    ~",-.,.- ...1900 _1920 2,0 2,81940 2,3 5,1.1960 7.3 8,91975 10,8 9,2

    Reino Unido Holanda Dinamarca "Alemanha"

    0,7: .. 1,04,1 3,2 2,7 7,55,3 4,4 4,8 11,19,6 8,7 7,6 14,915,0 17,2 24,6 20,8

    * Dados aproximados.Fonte: FIo," 1983: r,348-49.

    Como sugerem os prprios nmeros disponveis, todas essas intervenesgeraram tantos monitoramentos e relatrios que o perodo que vai de cerca de 1870at 1914 tornou-se a idade de ouro da estatstica, patrocinada pelo estado, sobregreves, emprego, produo econmica e muito mais. Assim, os administradores doestado tornaram-se responsveis pela economia nacional e pela condio dostrabalhadores num grau inimaginvel um sculo atrs. Conquanto a extenso e asincronizao dessas mudanas tenham variado violentamente de uma Rssiaresistente para uma Gr-Bretanha voltil, quase todos os estados no sculo XIXcaminharam na mesma direo.

    GOVERNO MILITAR = GOVERNO CIVIL

    Os processos de transformao do estado que estamos estudando produziramum resultado surpreendente: o controle civil do governo. O resultado surpreen-dente porque a expanso do poder militar impulsionou os processos de formaodo estado. Esquernaticamente, a transformao ocorreu nos quatro estgios dopatrirnonialisrno, corretagem, nacionalizao e especializao com que agoraestarnos familiarizados: primeiro, um perodo em que os principais detentores dopoder eram militares da ativa, os quais recrutavam e comandavam os seus prpriosexrcitos e marinhas; segundo, o apogeu dos empresrios militares e dos soldadosmercenrios que se alugavam aos detentores civis do poder; terceiro, a incorporaoda estrutura rni litar ao estado com a criao de exrcitos permanentes; e, finalmente,a mudana para o recrutamento em massa, as reservas organizadas e os exrcitosde voluntrios bem pagos recrutados essencialmente entre os prprios cidados doestado, o que por seu turno gerou sistemas de benefcios para veteranos, fiscalizaopelo legislativo e direitos dos soldados virtuais e antigos representao poltica.

    J8X

    .os ESTADOS E SEUS CIDADOS

    Percebemos a transio do patrimoni alisrno para a corretagem na ascensodos condottieri italianos. A mudana da corretagem para a nacionalizao comeacom a Guerra de Trinta Anos, que causou o apogeu e autodestruio de grandesempresrios militares como Wallenstein e Tilly - que, segundo eu sei, no temqualquer parentesco comigo. Um sinal dessa mudana aparece, em 1713-14, naeliminao dos coronis prussianos do negcio das roupas, do qual haviam tiradobelos lucros (Redlich 1965: Ir, 107). A leve en.masse* da Frana em 1793 e depoisdessa data assinala a mudana da nacionalizao para a especializao. Depois de

    1850, generalizou-se em outros lug~l~\;~uropa. Mais ou menos no final doprocesso, as burocracias e legislaturas civis contiveram os militares, as obrigaeslegais de servio militar estenderam-se com .relativa igualdade a "todas as classessociais, a ideologia do profissionalismo mili tar restri ngiu a participao de generaise almirantes na poltica civil, e declinou enormemente a possibilidade de umgoverno militar direto ou de um golpe de estado.

    Depois de 1850, durante a era da especializao, o controle civil do governoa~elerou. Em termos absolutos, a atividade militar continuou a crescer em gastos eem importncia, mas trs tendncias refrearam a sua importncia relativa. Primeiro,limitado pejas exigncias concorrentes da economia civil, o pessoal militar emtempo de paz estabilizou-se em proporo ao total da populao.ao passo que outrossetores do governo continuaram a expandir-se. Segundo; os gastos em atividadesno-mi litares aumentou mais depressa do que os gastos militares. Terceiro, aproduo civil acabou crescendo rapidamente o suficiente para superar a expansomilitar, resultando um declnio nos gastos militares em propororenda nacional.A ateno do governo voltou-se cada vez mais para as atividades e gastos no-

    militares.Nos mesmos estados cujos gastos sociais examinamos anteriormente, o

    pessoal militar flutuou em relao populao masculina de 20-44 anos de idade(ver tabela 4.3). Com variaes importantes devidas a mortes na guerra e amobilizaes de guerra, nos estados da Europa Ocidental, em 1970, a proporo desoldados geralmente girava em torno de 5% da populao masculina com idade de20-44. Em 1984, a porcentagem do total da populao no servio militar varioucomo segue (Sivard 1988: 43-44):

    menos de 0,5%: Islndia (0,0), Luxernburgo (0,2), Irlanda (0,4), Malta (0,3),Sua (0,3);

    ~:Em francs 110 texto, "recrutamento macio" o chamamento de todos os homens vlidos para a defe-sa do pas. (N. do T.)

    /89

  • ..-CHARLES TIUY

    -'

    Tabela 4.3 Pessoal militar em relao populao masculina de 20-44 anos deidade, 1850-1970*.

    Ano> ustrin Frana Reino Unido Holanda Dinamarca "Alemanha"

    1850 14,5 6,5 4,3 5,4 10,3 4,71875 8,4 7,4 4,5 6,4 6,4 5,91900 6,9 8.8 6,6 3,6 2,8 6,31925 2,5 6,7 4,3 . 1,2 2,3 1,0 '.c..,.:. :.:

    1950 ? 8,4 7,6 12,7 2,3 ?1970 4,2 5,8 4.2 5,3 5,3 4,5

    As fronteiras e ide!ltidilde~ desses estados variam consideravelmente de acordo com os azares da guerra.Fonte: Piora 1983: I, 251-53.

    o,~a 0,9%: Dinamarca (0,6), Alemanha Ocidental (0,8), Itlia (0,9), Holanda(0,7), Noruega (0,9), Espanha (0,9), Reino Unido (0,6), Polnia (0,9), Rornnia(0,8), ustria (0,7), Sucia (0,8);

    1,0 a 1,4%: Blgica (1,1), Frana (1,0), Portugal (1,0), Tchecoslovquia (1,3),Alemanha Oriental (1,0), Hungria (1,0), URSS (1 ,4),Albnia (1,4), Finlndia (U),Iugoslvia (1,0);

    1,5% ou mais: Grcia (2,0), Turquia (1,6), Bulgria (1,6):

    Alguns estados essencialmente desmilitarizados tm agora menos de 0,5% desua populao em armas, e alguns militarizados registram acima de 1,4%, mas amaioria dos estados europeus esto situados no meio. Todos esses nmeros - mesmoos das beligerantes Grcia e Turquia - esto muito abaixo dos 8% de sua populaoque .a Sucia tinha em armas em seu apogeu at 1710. Alm disso, com altaspropores de suas populaes fisicamente capazes j em atividade e baixaspropores na agricultura, os estados europeus enfrentam agora severas limitaesao nmero de soldados adicionais que podem mobilizar em tempo de guerra semnecessidade de grandes reorientaes em suas economias.

    Nesse meio tempo, as atividades no-militares se estavam expandindo todepressa que, apesar do grande crescimento dos oramentos da maioria dos estados,a parcela destinada aos gastos militares diminuiu. Tomando os mesmos pases denntcs, vamos encontrar tendncias decrescentes na parcela do oramento destinadanos gastos mi Iitares mostrada na tabela 4.4. Em todo estado, a tendncia a longoprazo ' nduziu a uma proporo decrescente dos gastos na atividade militar.

    Nn verdade, eventualmente a renda nacional aumentou mais depressa do queos UIlSI()Smilitares. Em 1984, a proporo do Produto Nacional Bruto destinada aosiusros mi litur 'S variou mais ou menos de acordo com o nmero de homens em1ll'IIIIIS(SivIIl'd 19R8: 43-44):

    190

    ".i ."OS ESTA Dos E SEUS CIDADOS

    ~. J

    l .

    Tabela 4.4 'Porcent,!ge~:do orament.do estado destinada aos gs is.militarcs,- l850-1~.'- ... t.'"

    - ,,;~ - . ,;c.: ,Ano= ustria Frana Rein~ Unido Holanda .Dinamarca "Alemnnhn"

    2~,423,2 37,8 34,037,7. '"':_." 7(1,2 26,4 28,9 22,927,8 '1'9,1 15, I 14,2 4,0

    . 20,7 24,0 18,3 15,6 13,517,9 1!4,7 /1,3 7,4 6,4

    .

    185018751900192519501975

    7,7

    4,9

    '"Os dados so muito aproximados.Fonte: Piam 1983: 1,355-449.

    menos de 2%: Islndi (0,0), Luxernburgo (0,8), Romnia (1,4), kifitria (1,2),Finlndia (1,5), Irlanda (1,8),.Malta (0,9); ..,.,.,,"

    de 2 a 3,9%: Blgica (3, 1), Dirlam~rca (2,4), Aleri1anha OcidentaQtS:,3), Itlia'. . ~ -._0. "''''_~'~

    (2,7), Holanda (3,2), Noruega (2,9); Portugal (3,5), Espanha (2,4), Hungria (2,2),Polnia (2,5), Sucia (3,1), Sua (2~2), Iugoslvia (3,7);

    de 4 a 5,9%: Frana (4,1), Turquia (4,5), Reino Unido (5,4), Bulgria (4,0),Tchecoslovquia (4,0), Alemanha Oriental (4:9), Albnia (4,4); .. --' - ...

    6% ou mais: Grcia (7,2), URSS (11,5).

    A igualdade de foras entre os Estados Unidos e a URSS ajudou a criar essadistribuio dos gastos. Em 1984, os Estados Unidos gastavam em atividade militar6,4% de seu enormePNB para equiparar-se aos 11,5% que a Unio Sovitica sacavade sua economia consideravelmente menor. No obstante, na Europa a tendnciageral era de decrscimo: propores menores da populao em armas, parcelasmenores dos oramentos do estado destinadas aos militares, porcentagens menoresda renda nacional gastas com soldados e armas. Essas mudanas foram umaconseqncia da conteno organizacional dos militares e no final acabaram porfortalec-Ia. Em cada passo dado do patrimonialismo corretagem, da corretagem

    nacionalizao e da nacionalizao especializao, ento, foram criadas novase significativas barreiras para limitar o poder autnomo dos militares.

    Alguns desvios da seqncia idealizada confirmam a sua lgica. A Espanha ePortugal fugiram do controle civil do governo mediante a drenagem de receitascoloniais para uma parcela maior dos gastos militares, continuando a recrutar osoficiais entre a aristocracia espanhola e os soldados entre as classes mais pobres emantendo os oficiais militares como representantes da coroa nas provncias ecolnias (Ballb 1983: 25-36; Sales 1974, 1986). Todos esses fatores minimizaramo tipo de negociao em torno dos meios de guerra com a populao que em outros

    19/

  • ..CHARLES TILLY

    locai s estabeleceu direitos e restries. A Espanh a e Portugal tambm podem tercado na "armadilha territorial.c.a conquista de to grande nmero de possesses,com relao aos seus meios de extrao, que os custos administrativos acabarampor absorver os lucros do domnio imperial (Thompson & Zuk 1986). Assim, sobalguns aspectos, a Espanha e Portugal anteciparam a situao de muitos estadoscontemporneos do Terceiro Mundo em que os militares detm o poder.

    Por trs da diferenciao entre a organizao civil e a militar, e da subordina-o do militar ao civil, existe um problrna geogrfico fundamental. Na maioria dascircunstncias, a distribuio espacial da atividade do estado que favorece osobjetivos militares difere enormemente da distribuio espacial que promove aproduo de rendas. Enquanto um estado estiver operando num territrio contguoatravs de conquista e tributao, a discrepncia-so deve ser grande; os soldadospodem ento servir de fiscais, administradores e cobradores de impostos. Contudo,alm desse ponto, quatro interesses impelem em direes diferentes: a colocaodas foras militares entre os locais provveis de sua atividade e as suas principaisfontes de suprimento; a distribuio dos funcionrios do estado especializados navigilncia e controle da populao civil de uma maneira que se coadune com aintegridade espacial e corresponda distribuio populacional; a diviso eqitativadas atividades de arrecadao de receitas segundo a geografia do comrcio, dariqueza e da renda; e, finalmente, uma distribuio das atividades resultantes denegociao em torno das receitas que se harmonize com as estruturas espaciais dosparceiros das negociaes.

    Obviamente, a geografia resultante da atividade do estado varia de acordo coma sua relao com todas essas quatro foras; as marinhas se concentram em guasprofundas dentro dos limites martimos de um estado, enquanto os servios decorreio se distribuem em estreita correspondncia com o conjunto da populao eos departamentos de administrao central mantm-se ligados entre si. Quantomaior for a instituio militar, quanto maior for a sua orientao para a guerra forado prprio territrio do estado e mais extenso for o aparelho de extrao e o controledesenvolvido para sustent-l o, maior ser a discrepncia entre as suas geografias emaior ser a distncia entre a geografia militar ideal e uma que d s foras armadasum controle dirio substancial sobre a populao civil.

    A discrepncia geogrfica estimula a criao de organizaes separadas paracada atividade, inclusive a diviso da fora armada em exrcitos e polcia. Adistribuio das foras policiais chega a aproximar-se da geografia da populaocivil, ao passo que a distribuio das tropas isola-as dos civis e coloca-as onde exigea estratgia internacional. Na verdade, o modelo francs divide as foras de terraem trs partes: os soldados agrupados em guarnies localizadas segundo a

    192

    1,

    os ESTAiJOS E SEUS CIDADOg

    convenincia administrativa e ttica; os gendarmes (que permanecem sob controlemilitar e podem ser mobilizados em tempo de guerra) se espalham ao longo daslinhas de comunicao e de setores pouco povoad~s do territrio; e a polciaestacionada nas maiores aglomeraes do pas. Assi;J;, os soldados patrulham asfronteiras, protegem os locais de poder naciona('~~ntervm no ultramar, masraramente tomam parte no controle do crime ou de conflitos civis.

    Com exceo das auto-estradas, os gendarmes se.ocupam sobretudo daquelessetores do territri o que so ocupados, .ern sua maior parte, pel a propriedade privadae, por isso, gastam a maior parte do tempo em patrulhar as linhas de comu nicao eatender a chamados dos civis. A polcia urbana, ao contrrio, ronda os territriosdominados pelo espao pblico e os locais de propriedade valiosa no mbito desseespao pblico; correspondentemente, gastam a maior parte do seu trabalho navigilncia e priso sem a necessidade de chamado dos civis. Em ltima anlise,alguma diviso geogrfica desse tipo separa o militarjdo poltico e torna-o depen-dente, em termos de sobrevivncia, dos civis cujas weocupaes compreendemsade fiscal, eficincia administrativa, ordem pblica e a observncia das negocia-es polticas bem como (talvez at em lugar de) eficincia militar. Essa lgica COm-plexa afetou fortemente a diferenciao espacial dos estados europeus.

    Na verdade, a discrepncia era mais do que geogrfica. Como vimos, aspessoas que administram a metade civil do estado tm poucas opes a no ser a eleestabelecer as relaes de trabalho com os capitalistas e negociar com o restante dapopulao a cesso ele recursos para expandir as atividades do estado. Na busca dereceitas e de aquiescncia, os funcionrios criaram organizaes que se distinguirambastante da instituio militar, e para a maioria das finalidades se tornaram mais emais independentes dela. Na Europa como um todo, esses processos no impediramo constante crescimento dos gastos militares ou mesmo que as guerras se tornassemmais destrutivas, mas refrearam o poder militar domstico numa extenso que teriaespantado um observador europeu de 990 d.e. a 1490.

    193

  • ; !

    I;= 7

    OS SOLDADOS E OS ESTADOS EM 19921

    -.: ..

    A IMPROPRIEDADE DO DESENVOLVIMENTO POLTICO

    Recentemente, cerca de vinte anos atrs, muitos estudiosos ainda achavamque, na formao do estado, o Terceiro Mundo iria repetir a experincia ocidental.A idia de "desenvolvimento poltico", ora totalmente abandonada, sintetizava aconcepo de um caminho-padro ao longo do qual o's ~stados se movem rumo auma plena participao e eficincia, cujo modelo seria, evidentemente, um ou outrodos estados existentes no mundo ocidental. No tratamento que as grandes potnciasdo aos estados do Terceiro Mundo e nas disputas' entre os prprios estudiososocidentais no tocante leitura correta da experincia do passado (ver Evans &Stephens 1989), a segurana dos desenvolvimentistas polticos, esfacelada diantedo aparecimento de modelos alternativos claros como a China, o Japo, a Coria eCuba, diante do fracasso embaraoso dos esquemas existentes de desenvolvimentoem antecipar as verdadeiras experincias dos estados tercero-mundistas, diante daresistncia oposta pelos lderes e intelectuais do Terceiro Mundo em condescendercom a opinio acadmica do Ocidente, se volta para a Realpolitik. Desenvolvimen-to poltico, juntamente com "modernizao", "desenvolvimento educacional" eoutros slogans expressivos mas ilusrios, est prestes a desaparecer do vocabulrioanaltico.

    Por mais equivocadas que paream agora as antigas anlises, no era de todoestpido supor que os estados no-ocidentais seriam submetidos a algumas dasmesmas experincias por que passaram os seus congneres ocidentais e terminariam

    273

  • ..CHARLES TlLLY OS SOLDADOS E OS ESTADOS EM'J992

    275

    variados de dogmatismo e perspiccia, os desenvolvimentistas polticos disseram

    ex atam ente isso.Mesmo os an aI istas h istoricamente sof sti cados como Cyri IB Iack di vulgaram

    modelos que caracterizam sucessivos estgios de desenvolvimento poltico. Blackdistingui u no menos que sete carni nhos concretos diferentes de modernizao, queforam ilustrados respectivamente pelo Reino Unido, Estados Unidos, Blgica, Uru-guai; Rssia, Arglia e Libria, nessa ordem (Black 1966: 90-94). Mas afirmou que

    ...lodos os seus vrios exemplos passavam por quatro estgios: um desafio de moder-nidade, uma consolidao de liderana modernizadora, uma transformao econ-mica e social e, depois, a integrao da sociedade. Em suas anlises, a histria prviaafetou a maneira exata como alguma sociedade particular enfrentou esses desafios.Mas todos os casos europeus que ele examinou acabaram atingindo essa integraoda sociedade, depois de cruzarem os trs limiares anteriores na mesma ordem.

    O raciocnio coletivo plausvel apresentava um grande defeito. Segundo a suapresuno, ex.istia um nico processo modelar de formao de estado, cada estadopassava pelo mesmo processo interno de maneira mais ou menos isolada, a expe-rincia ocidental exernplificava o processo, os estados ocidentais contemporneoshaviam atingido de modo geral o final do processo e oproblema era de engenhariasoei aI numa escala muito ampla. O esforo para testar essas hipteses na construode estados "modernos" na frica, na sia, na Amrica Latina ou no Oriente Mdiosuscitou imediatamente algumas dvidas. Os principais detentores de poder se opu-seram transformao da organizao governamen!al existente ou distorceram-na,os funcionrios pblicos.usaram o poder do estadopara satisfazer os seus prprios

    objetivos, os partidos polticos se tornaram veculos dos blocos tnicos ou dosvnculos patro-cliente, as empresas dirigi das pelo estado entraram em colapso, oslderes carismticos eliminaram a poltica eleitoral de estilo ocidental, e muitas outrascaractersticas dos estados de Terceiro Mundo contestaram os modelos ocidentais.

    Modelos ocidentais? Com efeito, as anlises padronizadas de "desenvolvi-mento poltico" tambm interpretaram de modo errado a experincia europia daqual provieram ostensivamente. No todo, apresentaram-no como um processoconsciente de soluo de problemas que passou por uma srie de estgios-padrogerados internamente e acabou produzindo estados maduros e estveis. Pra A. F.

    K. Organski (1965: 7), os estgios foram:

    i.-.por se lhes assemelharem muito mais. A exemplo de recentes colnias de vriaspotncias do Ocidente, uma grande maioria de estados recm-independentescomearam as suas trajetrias de vida com organizaes formais criadas a partirdos modelos ocidentais e incorporaram partes expressivas do aparelho colonial. Os

    lderes polticos formados no Ocidente procuraram, conscientemente, instalaradministraes, parlamentos, partidos, exrcitos e servios pblicos, todosinspirados nos modelos ocidentais. __ ... _. _

    E, o que mais digno de nota, eles o anunciaram; os lderes do Terceiro Mundodeclararam que modernizariam os seus pases, desenvolv-los-iam politicamente.As principais potncias do Ocidente ajudaram-nos ativamente, fornecendo-lhesperitos, modelos, programas de treinamento e recursos financeiros. Enquanto oJapo se recuperava de suas perdas na Segunda Guerra Mundial e a China eraconsurnida por suas lutas internas, no havia nenhum outro modelo disponvel. Asopes pareciam ser o socialismo tipo sovitico ou o capitalismo tipo americano,sem quaisquer outras trajetrias viveis de formao de estado fora desse.s doisextremos. A gama toda reproduzia uma ou outra verso da experincia americano-europia. Falando da sia do Sudeste em 1960, declarava Lucian Pye que

    'rf

    I

    o tema dominante da sia do Sudeste o esforo dos lderes desses novos pases para criarestados- nao modernos a partir de suas sociedades de transio. Esses lderes incumbiram sua populao a tarefa de estabelecer instituies representativas de governo e desenvolvermodos mais produtivos de vida econmica. Embora no falte entusiasmo por essas metas, difcil avaliar as suas possibilidades de realizao, pois ainda no fcil discernir as linhasgerais dos sistemas polticos e sociais que se esto desenvolvendo na sia do Sudeste. A pos-sibilidade de fracasso grande, e os lderes e cidados podem perturbar-se com as suas pr-

    -pria~ d_9.vidas.J a tendncia a prticas mais autoritrias est disseminada: por exemplo, osexrcitos esto comeando a desempenhar papis que originariamente estavam reservados aospolticos democratas.

    (Pye 1960: 65-66.)

    Observem a linguagem: fala da construo de algo cujas caractersticas somuito bem conhecidas numa situao que no compreendem muito bem, e deameaas ao empreendimento. O "algo" a construir era um estado nacional eficientea partir de um modelo ocidental. Na verdade, Pye percebeu a possibilidade de quealgo totalmente diferente poderia emergir na sia do Sudeste, mesmo que os seuslderes possam insistir em algo diferente. A maioria dos lderes dos estados recm-independentes realmente declararam que esto buscando um terceiro caminho, pelomenos vagamente socialista, em algum lugar entre o Cila americano e o Caribderusso. Mas os estados ocidentais existentes definiram a escala da opo. Com raus

    274

    J. a poltica ele unificao inicial;2. a poltica de industrializao;.'I. li poltica de bem-estar nacional;-/. li policn de [urturu.

  • CHARLES T!LLY

    o esquema caracterstico de Organski condensou em seu primei ro estgio umagrande poro da experincia terceiro-mundista, mas depois delineou um caminhoque conduziu nitidamente ao mundo europeu existente e suas extenses.

    De modo semelhante, 'um grande nmero de analistas paI ticos imaginaramque a transio para a modernidade passava de uma condio de equilbrio _sociedade tradicional, ou 'algo desse tipo - para outro equilbrio, moderno, superior.No meio, segundo essa linha de argumentao, fica a turbulncia da mudana socialrpida. Como a mudana social est acontecendo com uma rapidez muito maior ~osculo XX do que antes, os novos estados esto experimentando maiores tensesque seus antecessores europeus. Assim, os estados do Terceiro Mundo correm orisco de um conflito domstico e estrangeiro simultneo, um estimulando o outro(ver Wilkenfeld 1973). Contudo, acabariam aprendendo a conter o conflito e a rea-lizar um governo' estvel de tipo moderno. Assim , pelo menos, o que ensinavagrande parte _da literatura sobre desenvolvimento poltico,

    A partir da dcada de 1960, uma leit~r~ mais clara da experincia ocidentalevidenciou a inadequao dessas hipteses. Este livro apropriou-se sofregamentedo fundo subseqente de conhecimento e reinvestiu a acumulao nurnareinter-pretaoda histria dos estados ocidentais. Nos captulos anteriores, vimos comque amplitude as trajetrias de formao dos estados europeus variaram em funo"da geografia da coero e do capital, da organizao dos principais detentores depoder e da presso dos outros estados. Examinamos de que modo uma longa sriede lutas desiguais entre os governantes, os outros detentores de poder e os cidadoscomuns criou instituies estatais especficas e reivindicaes ao estado. J referi-mos o quanto a convergncia organizacional final dos estados europeus resultou daconcorrncia entre eles, tanto dentro da Europa quanto no resto do mundo. Teste-munhamos o profundo impacto da guerra, e dos preparativos da guerra, sobre. outrosaspectos da estrutura de estado. Todas essas observaes induziram as concluses- vagas mas teis - de que a formao dos estados terceiro-mundistas deveria serdistintivamente diferente e.de.que a mudana de relaes entre a coero e o capi taldeveria fornecer indicaes sobre a natureza dessa diferena.

    De que forma a experincia contempornea diferiria da do passado europeu?Depois de sculos de divergncias entre as diversas trajetrias de formao deestado - a de grande inverso de capital, a de intensa aplicao de coero e a decoero capitalizada -, os estados europeus comearam a convergir alguns sculosatrs; a guerra e a influncia mtua causaram essa convergncia. Contudo, emboraII experincia colonial compartilhada tenha imposto propriedades comuns a muitosestados do Terceiro Mundo, at agora no ocorreu qualquer homogeneizao entreeles. Ao contrrio. Todo estudioso da formao europia do estado dificilmente

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    '"

    OS SOLDADOS E OS ESTADOS EM 1992

    pode deixar de observar a atual diversidade dos estados do Terceiro Mil 11(10. fi di-versidade indica alguma categoria que abrange tanto a imensa e anu fi ,hinnquanto o diminuto e.novssimo Vanuatu, tanto a rica Cingapura quanto O puuprri-mo Chade; improvvel que possamos generalizar sobre um conjunto t hetero-gneo de experincias. Alm disso, nem todos os estados do Terceiro Mundo soestados "novos", qualquer que seja o esforo de imaginao. A China e o Japo'figuramentre osestados mais velhos do mundo que tiveram uma existncia con-tnua, o Sio/Tailndia tem sculos .de..vida e a maioria dos estados latino-ame-ricanos obtiveram a sua independncia formal durante as Guerras Napolenicas.Mantm boas relaes com estados formados a partir de 1945, princi palmente narecente participao como membros plenos no sistema de estados criado e definidopelas lutas europias.

    Observemos mais de perto, no entanto: exatamente o que heterogneo acercados estados de Tercei ro Mundo?No tanto as suas estruturas organizacionais quantoas relaes entre os cidados e os estados. Com efeito, as caractersticas de organi-zao formal dos estados do mundo convergiram viVidamente no decurso mais oumenos do ltimo sculo; a adoo de um ou outro.modelo ocidental passou a serum pr-requisito virtual para o reconhecimento por parte dos membros mais antigosdo sistema de estado. Os atuais 160 e tantos estados reconhecidos esto dentro deum espectro organizacional muito mais estreito do que os 200 e tantos estadoseuropeus de 1500, que compreendiam cidades-estado, cidades-imprios, federaes,reinos, imprios territoriais e outros. Com exceo das federaes relativamentecentralizadas e dos reinos bastante diludos, todas essas formas polticas outroraabundantes desapareceram. Aps 1500, tanto as presses da guerra de grande es-cala quanto as negociaes da paz em grande escala empurraram os estados parauma nova forma de organizao: o estado nacional. O deslocamento da formao"interna" do estado para a "externa", que predominou na Europa, persistiu at osdias de hoje e imps aos estados uma definio comum em partes muito diversasdo mundo. As estruturas de estado contemporneas, no sentido estrito, assemelham-se entre si na criao de tribunais, Jegislaturas, burocracias centrais, administraesde campo, exrcitos permanentes, foras de polcia especi aiizadas e uma srie deservios pblicos; mesmo as diferenas entre economias socialistas, capitalistas emistas no eliminam essas propriedades comuns.

    No entanto, tais organizaes formalmente semelhantes de modo nenhumfuncionam da mesma maneira. As diferenas residem tanto no funcionamentointerno dos tribunais, das legislaturas, das rep