tidir 1º 2013 - movimento estudantil nos anos 70

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Governo Geisel O Movimento Estudantil em Belo Horizonte entre 1974 e 1979 1 FERNANDES, João Vitor FRAGA, Marcelo MORAIS, Hemerson MORAIS, Paloma Rodrigues SCUTASU, Marina VITORINO, Ana Carolina 2 1. Introdução O período delimitado para a realização deste trabalho, o governo de Ernesto Geisel (1974 1979), trata de uma época conturbada, em que muitos dos diretos essenciais ao cidadão (hoje, comuns) não eram oferecidos de forma democrática. Além da grande censura que impedia jornalistas, músicos, roteiristas entre outros, de produzirem e/ou publicarem/exibirem seus trabalhos, estava ausente um direito essencial à população: o acesso à informação. O Ato Institucional número 5 (AI-5) que vigorou durante quase todo governo Geisel, entre 1968 e 1978, foi o ato mais duro e contestado. Decretado no governo de Artur da Costa e Silva, o AI-5 determinava que todo conteúdo produzido por emissoras de rádio e TV, jornais, além de livros, músicas, peças teatrais, deveria passar pelo crivo do governo. Outras medidas tornavam o então governo militar cada vez mais opressor e controlador, como a proibição de manifestações populares e a concessão ao presidente da república de ter ainda mais poder. 1.1 As Constituições Federais 1 Artigo produzido como critério de avaliação para o Trabalho Interdisciplinar Dirigido (TIDIR) III dos alunos do 3°/4° período (ciclo 2A) de Jornalismo com ênfase em Multimídia, do Centro Universitário UNA. Orientação da professora Cândida Emília Borges Lemos. 2 Alunos do 3°/4° período (ciclo 2A) do curso de Jornalismo com ênfase em Multimídia do Centro Universitário UNA.

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Page 1: TIDIR 1º 2013 - Movimento Estudantil nos anos 70

Governo Geisel – O Movimento Estudantil em Belo Horizonte entre 1974 e

19791

FERNANDES, João Vitor

FRAGA, Marcelo

MORAIS, Hemerson

MORAIS, Paloma Rodrigues

SCUTASU, Marina

VITORINO, Ana Carolina 2

1. Introdução

O período delimitado para a realização deste trabalho, o governo de Ernesto Geisel

(1974 – 1979), trata de uma época conturbada, em que muitos dos diretos

essenciais ao cidadão (hoje, comuns) não eram oferecidos de forma democrática.

Além da grande censura que impedia jornalistas, músicos, roteiristas entre outros,

de produzirem e/ou publicarem/exibirem seus trabalhos, estava ausente um direito

essencial à população: o acesso à informação.

O Ato Institucional número 5 (AI-5) que vigorou durante quase todo governo Geisel,

entre 1968 e 1978, foi o ato mais duro e contestado. Decretado no governo de Artur

da Costa e Silva, o AI-5 determinava que todo conteúdo produzido por emissoras de

rádio e TV, jornais, além de livros, músicas, peças teatrais, deveria passar pelo crivo

do governo. Outras medidas tornavam o então governo militar cada vez mais

opressor e controlador, como a proibição de manifestações populares e a concessão

ao presidente da república de ter ainda mais poder.

1.1 As Constituições Federais

1 Artigo produzido como critério de avaliação para o Trabalho Interdisciplinar Dirigido (TIDIR) III dos alunos do

3°/4° período (ciclo 2A) de Jornalismo com ênfase em Multimídia, do Centro Universitário UNA. Orientação da professora Cândida Emília Borges Lemos. 2 Alunos do 3°/4° período (ciclo 2A) do curso de Jornalismo com ênfase em Multimídia do Centro Universitário UNA.

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1967: A constituição 1967, promulgada no dia de 15 de março, garantia poderes

ilimitados ao Executivo, então representado pelos militares, o que diminuía a

importância sobre o Legislativo e Judiciário. A nova constituição foi uma manobra

para ratificar o regime, que ainda era tratado como golpista, praticamente quatro

anos após o golpe dado em 31 de março de 1964. Entre as principais características

dessa constituição estavam:

Maior parte do poder de decisão centralizado no Executivo.

Mandato de cinco anos e eleições indiretas para presidente.

Centralidade, apesar de discursar em favor da república federativa.

Morte aos criminosos que tentavam a contra a segurança e soberania

nacional.

Trabalhador sem direito de greve.

Justiça militar com maior alcance.

Leis de censura e banimento.

1988: O país vivia um momento de reabertura política começada nos dois últimos

governos militares, dos Generais Geisel (1974 a 1979) e Figueiredo (1980 a 1985), e

acelerada no governo Sarney (1995 a 1990), neste último o congresso se reuniu e

organizou a nova constituição federal. Esta constituição difere da constituição de

1967 pelas seguintes características:

Mudança de Nome: República Federativa do Brasil

Feita Legalmente: Carta Promulgada

Reforma Eleitoral

Combate ao racismo

Novos direitos trabalhistas

Fim da lei de censura e banimento

Percebemos que a principal mudança da redemocratização foi o direito ao voto

secreto e direto. Na constituição de 1967, os presidentes eram escolhidos por uma

junta militar ou pelo congresso e a constituição dizia que "Todo poder emana do

povo e em seu nome é exercido". Com a Carta Magna de 1988, ficou decretado no

parágrafo único do Artigo 1° que "Todo o poder emana do povo, que o exerce por

meio de representantes eleitos diretamente".

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Para estudantes de jornalismo uma diferença importante é o fim da censura. Na

constituição que vigorava durante o período da Ditadura Militar, havia restrição

quanto a conteúdos de rádios, TV‟s, jornais, filmes, músicas, livros e peças teatrais.

Na constituição de 1988, no Art. 5, inc. IX, em que diz: “é livre a expressão da

atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de

censura ou licença”, fica proibida a censura e conquista-se um direito importante

para a democracia.

Um direito essencial a vida foi “liberado” para toda a população do país somente

com a constituição de 1988. Antes, os que não contribuíam ao INSS recorriam a

Santa Casa, por exemplo, para conseguirem atendimento médico. A constituição de

1988 obriga o Estado a disponibilizar um sistema de saúde para toda sociedade,

dizendo no artigo 196: "a saúde é um direito de todos e um dever do Estado". A

partir daí cria-se o Sistema Único de Saúde, em que todo cidadão, teoricamente,

tem atendimento médico gratuito.

2. Objetivo

Espera-se com a produção deste artigo, analisar o contexto histórico e social da

cidade de Belo Horizonte, no período do governo Geisel (1974-1979), principalmente

os confrontos entre a Polícia Política e os Estudantes, durante a represália ao

Terceiro Encontro Nacional dos Estudantes (3º ENE). Pretendemos também, traçar

um panorama da repercussão, através da análise do discurso, que os jornais DE

FATO, ESTADO DE MINAS e o O COMETA ITABIRANO deram ao acontecimento.

3. Metodologia

Serão analisadas matérias publicadas pelo jornal DE FATO, ESTADO DE MINAS e

o O COMETA ITABIRANO, da época estudada, além de publicações de outros

veículos. Além da história da União Nacional dos Estudantes, que pode ser

resgatada em seu site oficial. E a edição de junho de 2007 do jornal O Cometa, que

a professora/orientadora Cândida nos cedeu. Nesse jornal há matérias sobre o

terceiro Encontro Nacional dos Estudantes (ENE), que ocorreu em 1977, e serve

como base para nossos estudos e ainda fonte de referencias.

Entende-se que o diálogo com pessoas que participaram do movimento e viram de

perto tudo aquilo que hoje aprendemos nos livros, é essencial para a produção e o

Page 4: TIDIR 1º 2013 - Movimento Estudantil nos anos 70

bom desenvolvimento do nosso trabalho. Portanto, através de indicações, já foram e

ainda serão entrevistadas fontes para a captação de relatos quanto à história do

movimento e suas manifestações.

A metodologia adotada pelo grupo, a pesquisa, ainda nos permite uma grande

variedade de documentos a serem analisados, através do acervo de documentos do

Departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais e outros órgãos

da UFMG, como centros acadêmicos dos cursos.

4. Dinâmica

Além de compreender toda a história envolvida no tema de nosso trabalho, coube a

nós, integrantes do grupo, realizar toda parte de investigação, para que ao final do

semestre, fossem aproveitadas todas as informações obtidas em nosso trabalho de

campo.

Até o momento, o grupo estudou artigos relacionados ao tema e fez entrevistas com

participantes do movimento. Conversamos com membros do Instituto Heleno Greco

e fizemos uma visita ao acervo da Biblioteca Pública Luiz de Bessa, onde

conseguimos os exemplares das edições dos dias 4 e 5 de Junho de 1977 do jornal

ESTADO DE MINAS. A edição nº 15 jornal DE FATO, de junho de 1977 e a edição

317 do jornal COMETA ITABIRANO serviu como base para o grupo.

5. Breve Histórico sobre o Movimento Estudantil

A primeira tentativa de organização de um movimento feita pelos estudantes é

datada do ano de 1928, no colégio Atheneu, escola mais antiga do Brasil. A

Associação Potiguar dos Estudantes (APE), chegou a lançar o periódico À voz do

Estudante, porém, com o decreto governamental de XXX, que criou o Centro

Estudantil Brasileiro (CEB) a APE foi desativa e só retomou suas atividades em

1949.

O I Congresso Nacional dos Estudantes aconteceu em 1937 na Casa do estudante

Brasileiro, na cidade do Rio de Janeiro. O encontro, que contou com o apoio da

Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), criou a

União Nacional dos Estudantes (UNE). No entanto, o lançamento Oficial da UNE só

se deu um ano depois, durante o II Congresso Nacional dos Estudantes, cujo

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patrono foi Getulio Vargas. Já no ano de 1939, a primeira diretoria da UNE,

representada pelo seu presidente Valdir Ramos Borges, passa a organizar as

atividades estudantis em todo o país, neste período é criada também a carteira única

dos estudantes.

Alguns anos depois, mais precisamente em 1949, é criada, também no Rio de

Janeiro, é criada a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES). Entre

outras atribuições, conta como conquistas da UBES o direito do voto aos 16 anos,

meia-entrada em atividades culturais, luta pelo passe estudantil e, claro, a luta

contra a repressão militar.

Estas duas instituições se tornariam, dentre de alguns anos o carro chefe do

movimento estudantil no país, participando ativamente da vida política do país. As

duas foram, entre outras intuições e classes, fundamentais no movimento das

diretas Já, o movimento fora Collor, e mesmo durante a Ditadura Militar, quando

sofreram represálias,e no caso da UBES que foi fechada em 1969, os estudantes

não deixaram de se manifestarem.

Acho que a gente foi parte de uma mudança muito geral. Não pelo o que fizemos como movimento estudantil, mas como pessoas [...] Nós começamos a amar de forma livre, quebramos preconceitos, quebramos a estrutura familiar, mudamos os horizontes culturais e, além disso, brigamos por um mundo diferente (PALMEIRA, 2005, p. 20).

Em Belo Horizonte o momento mais marcante da repressão foi no mês de junho de

1977. O Movimento Estudantil organizara o III Encontro Nacional dos Estudantes, na

Universidade Federal de Minas Gerais. No dia do evento ouve, por parte dos

militares, uma ama grande ação de repressão. Vários estudantes foram presos e o

encontro foi impedido de acontecer pelos militares.

6. Jornais mostram o que foi o III ENE

6.1 A visão de dentro do movimento

A presente edição do jornal traz em destaque na capa uma foto em que estão

representados estudantes e militares com a seguinte legenda: Os estudantes e o

governo, abaixo, uma manchete que diz: A batalha no Campus.

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A referida batalha trata-se III Encontro Nacional dos Estudantes (ENE), ocorrido na

Escola de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no dia 4 de

junho de 1977. O objetivo era de reorganizar a União Nacional dos

Estudantes(UNE). Porém, houve intervenção dos militares que invadiram o local e

prenderam muitos estudantes.

Analisando a reportagem da página 7 sobre o III ENE, feita com base em relatos de

um jornalista que assistiu ao acontecido, destaca-se a manchete que se lê em letras

garrafais: Se eles começarem a bater, cantem. A partir daí, o tema do discurso, a

repressão militar, começa a ser construído, tornando-se explícito já no primeiro

parágrafo, com a frase: Às 13h15min as sirenes soaram e as tropas começaram a

avançar em marche-marche vindas do portão da Escola de Medicina.

Palavras como invasão, atacar e força, presentes nos cinco primeiros parágrafos,

compõem o plano de leitura da repressão militar. As figuras tropas e armamento,

também confirmam o tema e permitem percepção da dimensão da cena

representada na reportagem.

A reportagem segue descrevendo o cerco ao Campus da UFMG, dando grande

ênfase aos momentos de tensão vividos pelos estudantes, descritos pelo De Fato

como bravos resistentes da pressão exercida pelos militares para que deixassem o

local.

O discurso também faz breve referência aos soldados, com intuito de humanizá-los,

como demonstrado claramente no décimo primeiro parágrafo quando é citado:

A fila de soldados começou a se desfazer, tornando se sinuosa, perdiam a postura, fumavam, conversavam, uns pareciam incomodados com as vestimentas medievais e as armas. Principalmente os capacetes com viseiras, pareciam martiriza-los. Alguns os retiravam por minutos, recolocando-os com a aproximação de um oficial.

Tons de ironia contra os militares também são destacados no trecho em que o

repórter descreve o diálogo entre o reitor e os estudantes:

“O reitor disse apenas que os presos já estavam sendo liberados e os que estavam no DA seriam conduzidos a Gameleira para uma triagem.

- Para serem fichados, não é? – Quis saber um estudante.

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A questão de semântica foi discutida um pouco. O reitor disse para saírem de cinco em cinco”. (Jornal De Fato, jun. 1977)

Uma grande afirmação do discurso de leitura da reportagem aparece, com mais

expressão no seguinte trecho:

Um oficial mandou-os colocar as mãos sobre a cabeça. Uma menina demorou-se a obedecer e, com certa violência o militar pegou-lhe as mãos e forçou-as sobre sua cabeça. Os estudantes começaram a gritar indignação, que não eram animais e que daquela forma não sairiam. (Jornal De Fato, jun. 1977)

Ao fim da matéria, o autor volta a enaltecer a resistência dos estudantes, em que

utiliza figuras para confirmar o foi vencido por eles como prisões, ameaças,

provocações, espancamentos e crise.

Demonstra ainda seu, já explícito, favorecimento ao movimento estudantil por meio

do parágrafo de fechamento do texto:

(...) mas para o ME e os vastos setores da sociedade brasileira, ficou a certeza de que um passo adiante foi dado, de que não foram derrotados e, principalmente, de que a história foi contada de modo errado: não foram 348 estudantes que ficaram sitiados pelo governo durante 22 horas. 348 estudantes é que sitiaram o governo por 22 horas. (Jornal De Fato, jun. 1977)

6.1 O Cometa Itabirano

6.2.2 A Visão Atual do III ENE

O Cometa Itabirano

O jornal em questão não cobriu o momento exato em que o fato ocorreu, mas traz

análises pessoais de um evento que marcou a história do Movimento Estudantil. A

edição número 317 de junho de 2007, dedicada inteiramente ao 3° Encontro

Nacional dos Estudantes (ENE), traz a história do evento contada por pessoas que

participaram do ocorrido que marcou os dias 3, 4 e 5 de junho de 1977 na cidade de

Belo Horizonte e em todo país, que sofria com as interferências do governo ditador.

As suas origens e seus desdobramentos também estão presentes nessa edição

especial do jornal. Nomes como Eduardo da Motta e Albuquerque, Marcelo

Dolabela, José Afonso Assis Cabral, Carlos Alenquer e Carlos Alberto Cândido

contribuíram para a produção deste periódico.

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Estampada na primeira página, utilizando todo o espaço da capa, está uma charge

de Nilson, em que há uma crítica a “Falta de educação” e faz referencia a

prepotência direitista, quando fala que “uma pessoa de esquerda nunca é infeliz, é

uma vítima do sistema”.

O fato de um jornal dedicar uma edição para tratar de um só tema e suas matérias

serem assinadas por figuras que participaram do Movimento Estudantil e do III ENE,

especificamente, mostra um posicionamento favorável ao evento. Já no editorial a

equipe enaltece a luta estudantil e fala sobre o 30° aniversário do evento que,

segundo eles, “Fizeram tal barulho que certamente acelerou a „rendição‟ dos

militares que tomaram o poder em 1964”. (p.3)

O primeiro artigo denominado: “A geração de 1977 trinta anos depois – A construção

da democracia é uma longa luta, muito mais complexa do que supúnhamos. A

criação de um partido socialista, tema presente em 1977, ainda é um tema atual”,

assinado por Eduardo da Motta e Albuquerque3, inicia-se com uma importante fala

que cabe a situação por completa:

Não é fácil redigir um artigo que trata de acontecimentos nos quais toda uma geração do movimento estudantil – minha geração – foi personagem e ator. Há sempre o risco de sobre-estimar a relevância desses acontecimentos, confundindo o peso desses dias tão marcantes nas nossas histórias pessoais com o seu peso real nos acontecimentos históricos. É difícil também precisar o que entendíamos dos acontecimentos então e o que viemos a compreender posteriormente. (ALBUQUERQUE, Eduardo da Motta e. 2007. p. 4.)

Neste trecho, Eduardo deixa clara a dificuldade de se manter imparcial, quando

relata um acontecimento vivido por ele. E em toda sua matéria, percebemos uma

visível defesa de seu posicionamento. Através da apresentação de dados e citações

de livros, mesmo acreditando que são números subestimados (p.4), ele engrandece

a situação, e elucida a condição de única, da geração de 1977. Segundo o autor, a

geração de 1977 é fornada na interdisciplinaridade (p.5), quando ele explica o

contexto em que estes jovens viviam e tenta justificar as ações realizadas por eles.

A escolha deste artigo como de abertura do jornal foi estratégica. Nele há a

contextualização e esclarecimentos necessários sobre o tema.

Na primeira página do artigo há uma fotografia, de tamanho mediano, na qual um

grupo de cinco, aparentemente estudantes, é seguido por três homens, e todos

3 Ex presidente do DA Medicina da UFMG (1977-1978), professor adjunto da FACE/Cedeplar – UFMG).

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cercados por vários policiais. A foto do acervo Projeto República/UFMG expõe

basicamente o que ocorreu no III ENE: prisões de estudantes. Já na segunda

página do artigo, a página cinco do jornal, traz mais uma charge de Nilton, dessa vez

com três personagens: um coronel em 1964, um revolucionário em 1969 e um

simples estudante hoje, seguidos das seguintes frases, respectivamente: “Estudante

deve é estudar!”; “Estudante deve é fazer a revolução!” e “Estudante deve!”. A leitura

que se faz desta charge é óbvia. O chargista critica nitidamente o comodismo do

atual estudante, quando comparado com a geração revolucionária da década de

60/70. Além disso, ele exibe a figura do comandante, ditador, que não permite as

revoluções do segundo desenho. O que nos faz acreditar ainda mais na aprovação

do movimento por parte do jornal e seus colaboradores.

Diferente do primeiro texto, o segundo artigo cujo título é “Presos do lado de fora” o

autor Marcelo Dolabela, faz referencia as manifestações culturais da época e sua

influencia no meio acadêmico/político.

A feijoada cultural era indigesta, mas traduzia bem a quebra da ordem unida que mídia, sob as botas da ditadura, produzia para o consumo imediato. (DOLABELA, Marcelo. 2007. p. 6)

Entende-se, a partir da matéria analisada, que os shows e todos outros eventos

realizados pelo DCE UFMG serviam como formas de protesto contra a fase em que

viviam e o autor, que sentiu na pele,

Se Sidney Magal era o campão de vendagem; nove horas da manhã, de uma segunda-feira, era natural chegar no DA e ouvir, no “talo”, Hermeto Paschoal e sua experimentação polifônica e em seguida, Mercedes Sosa cantando as dores dos povos latinos em tonalidades Stalin - populistas. Alex Polari, em um de seus poemas mais concisamente autobiográficos, disse que sua “geração começou pelo fim”. Revendo a dispersa demanda semeada pelas secretarias de culturas do movimento estudantil, ao longo das décadas de 1970 e 1980, podemos parafrasear e dizer que: “a população cultural, no ME, começou de dentro para fora”. Gestou seu território em uma explosão criativa que não fiou restrita intramuros das escolas, contaminou o que houve e o que há de melhor, de mais criativo, de mais inventivo e de mais experimental da cultura brasileira dos últimos quarenta anos. (DOLABELA, Marcelo. 2007. p. 6)

O que se percebe é que o autor, mesmo que utilizando outros assuntos, no caso a

cultura, expressa sua opinião sobre a época, reafirmando a importância de tal para a

atual condição política do Brasil (pensando que houve uma evolução, já que ocorreu

o fim da ditadura). O Diretório Acadêmico e todos os estudantes iam à contramão

dos ditadores.

Page 10: TIDIR 1º 2013 - Movimento Estudantil nos anos 70

O segundo texto de Marcelo (Punhal – de volta ao planeta da poesia), na sétima

página da publicação, ele apresenta a revista Punhal, que é dedicada à poesia

marginal (p.7) era utilizada, assim como nos shows, como forma de protesto e um

meio de expressão. Na página, como marca d‟água, há uma impressão digital, para

a demarcação do fator de identidade única que a revista possuía.

Em “Vai lá gente, ser gauche na vida”, escrito por José Afonso Assis Cabral, logo de

inicio já descreve seu posicionamento político. A utilização deste termo, usado no

Poema de Sete Faces de, Carlos Drummond de Andrade, cujo significado tem

ligação direta com o tema. Ser esquerdo na vida pode ser analisado como integrante

de um partido de esquerda, obviamente, ou também o que o governo da época

pretendia isolar os manifestantes, incapacita-los.

Naquela época – os anos 70 – a Universidade tinha uma importância muito maior do que a atual na conservação e desenvolvimento político, principalmente à esquerda (que fora varrida pela ditadura das instancias de exercício político convencional). Isso não quer dizer que a ditadura dava moleza ali. Nada disso. Submetera a Universidade a feroz repressão, limitando ainda mais sua autonomia e, paralelamente, explicitando ainda mais seu desprezo pela educação ao reduzir de vez sua participação no orçamento nacional e aplica-lhe severa diminuição de verbas (no interior da penúria comum, ainda assim com agravamento maior na área de humanas e médica do que na tecnológica.). Mas nem com toda a carga repressiva impossibilitaria à velha toupeira os exercícios de sedução nos subterrâneos daquele labirinto. (CABRAL, José Afonso Assis. 2007. p. 8.)

Fica clara que a “Ditadura nunca fez sucesso na UFMG” (p.8), e segundo o autor,

professores também eram contra.

A intitulada “Movimento estudantil. Mas pode me chamar de ME”, escrita por Carlos

Alenquer, acompanhada de mais uma charge de Nilson com a seguinte frase: “Ler

seus livros? Uai, achei que bastava vestir a camisa”, quando um estudante vestido

com uma camisa cuja estampa é o rosto de Che Guevara. Este que lhe oferece

livros, seguido de Karl Marx e Fidel Castro. Há uma crítica à postura de certos

estudantes que “apoiam” formas de governo ou governantes, por “moda” ou sem

conhecer a fundo a história deste segmento.

Essa pequena lembrança apenas para dizer, nesta edição cheia de retomadas do movimento estudantil neste período que aparentemente começou em 1964, que há lugar para se dizer dos porra-loucas que tentaram, a seu modo desvairado, fazer rodar o trem da História. (ALENQUER, Carlos. 2007. p. 11.)

Page 11: TIDIR 1º 2013 - Movimento Estudantil nos anos 70

O autor prefere cintar o que seria o início do que ocorreu em 1977. A história da

repressão de 1968 e o uso de palavras de baixo calão exalta o sentimento de

gratidão às pessoas que fizeram parte do movimento.

“Quer dizer: quando se lê, ouve e vê certos comentários em nossa grande imprensa (exemplo recente: a anistia a Lamarca), parece que foi ontem”. (ALENQUER, Carlos. 2007. p. 11)

O texto “O grito de uma geração – universitário dos ano 1970 comemoram os 30

anos do 3° Encontro Nacional dos Estudantes, por Carlos Alberto Cândido, diferente

dos demais contidos no impresso, é um texto jornalístico, noticioso, em que é

relatado o acontecimento em junho de 1977, mas principalmente, o 30° aniversário

desse fato, em junho de 2007. Destaca a atuação da imprensa na época,

principalmente o Estado de Minas (EM) e entrevista um dos repórteres que trabalhou

durante a tentativa do 3° ENE.

Olhados em retrospecto, o encontro estudantil frustrado e as prisões de centenas de jovens em 1977 valeram a pena. A repressão ao 3°ENE foi um canto de cisne da ditadura militar, em vez de demonstrar força, demonstrou fraqueza. A voz que saía das universidades não pôde mais ser calada. Dias mais tarde, os estudantes voltariam a se manifestar, em Belo Horizonte e em outras cidades brasileiras. Atos públicos e passeatas foram realizadas, com apoio crescente de outros setores populares, e o grito “Abaixo a ditadura!” foi ouvido em alto e bom som em todos os cantos do país. Em 1979, a UNE foi finalmente reorganizada. Um movimento sem volta pelas liberdades democráticas, pela anistia e pela constituinte pôs fim ao regime militar, oito anos mais tarde. A geração estudantil dos anos 70 teve participação importante nisso. (CITAÇÂO DIRETA)

O paragrafo acima realça a visão com bons olhos para a ação dos estudantes. Mais

uma vez o apoio do autor destaca a importância deste fato para a reconstrução da

UNE, e principalmente do fim da ditadura.

6.2 O Estado de Minas

6.3.3 Panorama Completo do III ENE

Na capa da edição de um sábado, dia 4 de junho de 1977, localiza-se uma nota em

destaque no meio da página, um tanto convidativa, informando aos leitores de forma

clara o terceiro Encontro Nacional dos Estudantes com o título “Encontro Estudantil

confirmado para 8h”. Além do encontro, a nota aborda a questão do bloqueio das

escolas superiores de Belo Horizonte.

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Segue o primeiro parágrafo:

“Apesar da decisão do governador Aureliano Chaves, que determinou o bloqueio de todas as escolas superiores de Belo Horizonte com finalidade de impedir a realização do III Encontro Nacional de Estudantes, o encontro foi confirmado para as 8h de hoje, na Escola de Medicina, em cujo Diretório Acadêmico cerca de 400 universitários iniciaram sua vigília desde as primeiras horas da tarde de ontem, dispostos a „avançar o movimento estudantil‟.”(Estado de Minas, 5 jun. 1977, p.1)

A expressão “avançar o movimento estudantil” reflete um desejo dos participantes

do movimento de ir a luta pela causa, demonstrando que os estudantes já

imaginavam todos os obstáculos que teriam que enfrentar e apesar disso estavam

prontos para lutar contra o regime autoritário.

O autor do texto usa palavras de fácil compreensão para o público alvo do jornal e

números como os da estimativa de pessoas na reunião são citados, como forma de

ilustrar a situação da época e chamar a atenção até mesmo para alcançar um

público maior.

No domingo, 5 de junho de 1977, é veiculada a matéria com o título “Policiais

impediram reunião estudantil.”

“O ostensivo aparato policial, montado desde as primeiras horas de ontem, bloqueando a entrada de todas as faculdades da cidade, e que permaneceu atuante até as primeiras horas da noite, culminando com a prisão de centenas de universitários, entre eles os 400 que aguardavam 24 horas de vigília no Diretório Acadêmico da Faculdade de Medicina, impediu a realização do III Encontro Nacional de estudantes, marcado para ontem, em Belo Horizonte.“ (Estado de Minas, 5 jun. 1977)

O autor da matéria compara o clima da cidade ao da ocasião da crise estudantil de

1968. Palavras como “ostensivo”, “atuante” e “ordem”, deixam claro o autoritarismo

da época, mas reforça que a operação aconteceu sem o uso de violência dos

militares envolvidos.

Também no dia 5 de junho de 1977, no primeiro caderno do jornal, foi publicada uma

noticia com o título “Operação de Ocupação no Campus”. Tratava-se do

desalojamento de mais de 300 estudantes de medicina da Universidade Federal de

Minas Gerais – UFMG. A mobilização foi realizada para impedir o acontecimento do

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3º Encontro Nacional de Estudantes que aconteceria do diretório acadêmico da

instituição. A censura foi relatada dentro de três tópicos, a matéria se constituiu a

partir do lead (Quem, quando, aonde, como e por que), seguindo de um

detalhamento rápido de como foi a ação dos policiais, seguindo de uma breve relato

dos jornalistas presentes na última lacuna. A matéria se torna uma narração com

detalhes dos acontecimentos, atos de covardia são expressos em frases como “A

um sinal convencional os veículos da Policia Militar e Civil fizeram soar a toda altura

as suas sirenes, criando um efeito psicológico com a finalidade de atemorizar os

estudantes”. É citado que 800 soldados da Policia Militar foram disponibilizados para

essa ação, junto a cães da raça pastor alemão, granadas de gás lacrimogêneo,

escudos de fibra e capacetes com visores fazendo com que fosse possível a

analogia que o autor produz aos filmes de guerra da época. Uma frase que chama a

atenção é “Os estudantes não esboçaram nenhum gesto de reação.” que remete ao

ato de covardia dos policiais mesmo diante do acato dos estudantes as autoridades

militares e civis.

“A reação começou na Carandaí” ocupa uma página inteira do jornal, com fotos

ilustrando cenas citadas durante o texto, mostra aos leitores como os estudantes

sendo cercados, imagens de violência, com policiais utilizando de força bruta para

deter os estudantes e as prisões que ocorreram. As fotos são em preto e branco

devido a falta de tecnologia da época, mas conseguem passar ao leitor a mensagem

de violência gratuita, reforçando o ato de covardia.

“No resto da cidade, a rotina de todos os sábados” – Apesar de todas as ações da

policia contra o movimento estudantil, o jornal tenta mostrar que grande parte da

população não se importa com o que acontece em volta. O texto é composto por

frases entre aspas de vendedores que negavam saber do movimento estudantil e

relatos de estudantes que eram a favor do movimento, mas não estavam lutando

pela causa. Esse texto pode ter sido publicado como uma forma de tentar mostrar

uma “imparcialidade” do jornal e reparar todo o destaque que eles deram a todos os

acontecimentos anteriores.

“Governador liberta todos estudantes” – A matéria é publicado no jornal após todos

os acontecimentos já citados acima, frisando que todos os estudantes haviam sido

alimentados, recebido agasalhos, não sofrendo nenhum tipo de violência. No corpo

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da matéria, um comunicado oficial do reitor da UFMG, Eduardo Osório Cisalpino

declarando um bom relacionamento com as autoridades de Minas Gerais.

O Jornal Estado de Minas tinha como foco uma cobertura rica em detalhes, com

relatos de pessoas que estavam presentes nas ações, preocupando-se com o

público que ele desejava atingir na época, e se policiando com a maneira que era

apresentada as notícias, por ser um período onde a censura estava em seu auge.

Conclusão

A repressão militar em vários momentos deu mostras de violência, principalmente

com os estudantes, que foram, junto com a classe artística, os que mais “criaram

problemas”, por combater veementemente o regime. A violenta forma como

impediram o III Encontro Nacional dos Estudantes, e os três jornais analisados

mostram claramente, os militares não mediam forças para conseguir seus objetivos.

As três publicações relataram a insatisfação da sociedade civil, mais expressamente

dos estudantes, que queriam se ver livre da censura e falta de liberdade que lhes

eram imposta.

A falta de confiança no governo, e por consequência no regime ditatorial, levaram a

muitos protestos. Percebemos que mesmo o jornal Estado de Minas, que, em suas

edições, não noticiavam o que acontecia nos porões da ditadura, fez uma grande

cobertura, mostrando, surpreendentemente, a realidade acontecida dentro do

campus da UFMG.

Concluímos que as violentas ações do governo, estava criando um clima de

insatisfação na grande maioria da população, por consequência, começava a ficar

insustentável a manutenção do regime ditatorial. Esta tendência é um sinal claro que

o regime começava a perder força e logo se abriria para uma redemocratização.

Rerencias

PALMEIRA, Vladimir. Projeto memória do movimento estudantil. Depoimentos. (entrevistado por Ana Paula Goulart e Angélica Muller). 2005. Disponível em: <http://www.memoriaestudantil.org.br/main.asp?View>. Acesso em: 11 jun. 2013.

Estado de Minas,4 a 6 de jun. 1977, acervo da Biblioteca pública Luiz de Bessa.

De Fato, p. 5 a 8 de jun. 1977, disponível < http://jornaldefato.plusinfo.com.br/edicoes/De-Fato-n15-Junho1977.pdf>, acesso em 12/06/2013.

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Cometa Itabirano, Ed. 317 de jun. 2007.