tiago alves pessoa - o pentateuco
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UNIFIEO CENTRO UNIVERSITRIO FIEO
PROGRAMA DE PS GRADUAO
MESTRADO EM DIREITO
TIAGO ALVES PESSOA
O PENTATEUCO COMO FONTE MATERIAL DE DIREITO PARA A
MATERIALIZAO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
OSASCO
2014
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TIAGO ALVES PESSOA
O PENTATEUCO COMO FONTE MATERIAL DE DIREITO PARA A
MATERIALIZAO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Dissertao apresentada Banca Examinadora do UNIFIEO Centro
Universitrio FIEO, como exigncia parcial, para a obteno do ttulo
de Mestre em Direito, tendo como rea de concentrao: Positivao
e Concretizao Jurdica dos Direitos Humanos inserido na linha de
pesquisa Direitos Fundamentais em sua Dimenso Material, sob a
orientao da Professora Dra. Margareth Anne Leister.
OSASCO
2014
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FICHA CATALOGRFICA
PESSOA, Tiago Alves, 2014.
O Pentateuco como fonte material de direito para a materializao da dignidade
da pessoa humana Osasco: s.n., 2014.
100 f. :30 cm
Dissertao (Mestrado) UNIFIEO Centro Universitrio FIEO.
rea de concentrao: Positivao e Concretizao Jurdica dos Direitos
Humanos inserido na linha de pesquisa Direitos Fundamentais em sua
Dimenso Material
Orientadora: Profa. Dra. Margareth Anne Leister.
1. Direito e Dignidade. 2. Direito Filosofia. 3. Dignidade da Pessoa Humana.
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TERMO DE APROVAO.
O Pentateuco como fonte material de direito para a materializao da dignidade
da pessoa humana
Dissertao apresentada para obteno do ttulo de Mestre em Direito do Mestrado em Direito do
Programa de Ps-Graduao do UNIFIEO Centro FIEO.
TIAGO ALVES PESSOA
BANCA EXAMINADORA:
Data da Apresentao 01/04/2014.
____________________________________________________
Professora Doutora Orientadora Margareth Anne Leister
UNIFIEO Centro Universitrio FIEO
____________________________________________________
Professor Doutor Luiz Rodolfo Ararigboia de Souza Dantas
UNIFIEO Centro Universitrio FIEO
____________________________________________________
Professor Doutor Ivan de Oliveira Silva
Universidade So Francisco
Conceito final: 9,5.
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DECLARAO DE TICA E RESPEITO AOS DIREITOS AUTORAIS.
Declaro, para os devidos fins, que a pesquisa foi por mim elaborada e que no h, nesta
dissertao, cpias de publicaes de trechos de ttulos de outros autores sem a respectiva
citao, nos moldes da NBR 10.520 de agosto/2002.
Tiago Alves Pessoa
RG. 34.712.947-x
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DEDICATRIA
A Deus Pai, Filho e Esprito Santo
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AGRADECIMENTOS
Meus agradecimentos iniciais seguem ao Deus Trino, por todo o
apoio, misericrdia e auxlio, nesta fase e tambm nas que viro.
Na sequncia, direciono o meu amor minha esposa e filhos
(Rosangela, Gentil Neto e Janete), por terem tido toda a pacincia
do mundo para conosco nestes dias. Sei que tiveram de lidar com
a ausncia, para que este humilde trabalho pudesse ficar pronto.
Da mesma forma, quero lembrar e gratificar aos meus pais (Gentil
e Janete), pois contriburam, em todos os sentidos, para a
realizao deste sonho. A vocs, o meu muito obrigado. Gratifico,
ainda, a todos da Sede Geral das Assembleias de Deus Jardim
Mriam A Igreja Plus, pelas oraes e auxlios. Pelas conversas,
orientaes e conselhos que contriburam para o nosso
crescimento agradeo aos Professores Doutores: Coordenadora
Anna Cndida da Cunha Ferraz, Antnio Cludio da Costa
Machado, Domingo Svio Zainaghi, Eduardo Carlos Bianca
Bittar, Mrcia Cristina de Souza Alvim, Paulo Salvador Frontini,
Fernando Pavan Baptista, Ivan Martins Motta e Luis Rodolfo A.
de Souza Dantas (que me confiou algumas de suas obras para
consulta). Em virtude do respeito, dedicao, orientaes,
cobranas e incentivos para estar sempre entre os melhores,
parabenizo a Prof.. Dra. Margareth Anne Leister e retribuo a
minha gratido e o eterno reconhecimento. Por toda pacincia
dispensada, obrigado. No posso me esquecer dos funcionrios
da UNIFEO, em especial as Senhoras Ndja Polezer (in
memoriam), Edlaine Amorim e Roberta Gomes. nossa revisora,
Prof. Margarida Moraes. Da mesma forma aos colegas de curso,
minha satisfao e o obrigado. Aos citados direta ou
indiretamente minha eterna gratido e que o Eterno nos ajude
sempre.
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RESUMO
O Pentateuco pode ser considerado como fonte material do direito. Desta forma, por meio
de doutrinas so demonstradas suas principais contribuies para a constituio dos
Direitos Humanos e a Dignidade da Pessoa Humana. Alm de possuir critrios histricos
e religiosos, abordado o jurdico em prol de serem reconhecidos direitos que esto e
outros que podem ser utilizados no ordenamento brasileiro. As ilaes alcanadas esto
conectadas com o tema das fontes do direito, materiais e formais e os elementos que so
produzidos a partir delas. Nesta inteno, so favorecidas uma srie de conceitos,
preocupaes e acepes jurdicas, tomando-se por base, inclusive, sociedades antigas
para compreender os impactos destas, na atualidade. Uma das sociedades estudadas a
israelita, suas fontes e culturas. Para o mesmo fim, abordam-se as concluses do
estoicismo, iluminismo e Kant e os principais efeitos que geram em todo o cenrio
humanista. Mediante a ponte que construda entre o passado e o presente, formata-se a
opinio que descrita no incio do pargrafo acima.
Palavras-chave: Dignidade Humana; Pentateuco; Conceito; Judasmo; Pessoa Humana;
Fonte de Direito.
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ABSTRACT
The Pentateuch can be considered as a material source of law. Thus, through doctrines
are stated his major contributions to the establishment of Human Rights and Dignity of
the Human Person . Besides having historical and religious criteria, is covered in favor of
the legal rights that are being recognized and others can be used in the Brazilian legal
system. The conclusions reached, are connected with the topic of sources of law, and
formal and material elements that are produced from them. This intention, are favored a
series of concepts, concerns and legal meanings, taking as basis even ancient societies to
understand the impacts of these, today. One of the studied companies is Israeli, their
sources and cultures. For the same purpose, discusses the findings of Stoicism, the
Enlightenment and Kant and the main effects that generate throughout the humanist
scenario. Upon the bridge is built between the past and present, formats the view that is
described earlier in the paragraph above.
Keywords: Human Dignity; Pentateuch; Concept; Judaism; Human Person; Source of
Law.
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SUMRIO.
Introduo..................................................................................................................... 11
1 Os Direitos Humanos e a Dignidade da Pessoa Humana...................................... 17
1.1 A Dignidade da Pessoa Humana........................................................................ 27
2 A Dignidade da Pessoa Humana na Grcia, em Roma e em Israel...................... 51
2.1 A Sociedade Israelita.......................................................................................... 72
2.2 Das Contribuies do Estoicismo, Iluminismo e de Kant............................... 91
3 Fontes do Direito..................................................................................................... 105
4 O Pentateuco........................................................................................................... 135
Concluses................................................................................................................. 154
Referncias Bibliogrficas.....................................................................................,. 167
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Introduo.
A atividade desenvolvida tem como fim o de demonstrar que o Pentateuco pode ser
considerado como fonte material de direito e que cooperou para a conceituao da Dignidade
da Pessoa Humana. Sabe-se da importncia desta para o ordenamento brasileiro e daquele para
o direito dos homens principalmente para os Direitos Humanos, que trabalham pela valorizao
dos indivduos. Deste modo, considera-se como objetivo primrio a busca na doutrina,
legislao brasileira, em citaes bblicas e fundamentos filosficos, tendo-se o cuidado e a
preocupao de indicar determinados pensadores, teorias e valores; da localizao de elementos
que podem assessorar na comprovao do posicionamento desejado, fugindo-se assim de
concepes comuns.
Ressalte-se que, nas hipteses que sero defendidas, no h a inteno e/ou a pretenso
de se esgotar o assunto. No mesmo sentido que a respectiva obra no se detm em desenvolver
um amplo contedo teolgico, embora traga de forma humilde, determinados pontos associados
ao Direito, no desejo de se asseverar que parte do reconhecimento que direcionado ao
cristianismo deva ser atribuda ao judasmo, visto que seus preceitos serviram de base quele
em relao disposio de normas, tratamentos, bens e benefcios, inclusive para a indicao
dos principais beneficirios do que se entende por dignidade humana.
To somente ao se mencionar o uso e a abordagem de normas est se especificando um
conjunto de princpios e de regras que disciplinam a conduta humana e que estabelecem sanes
s infraes cometidas. A importncia desta informao recai sobre o fato e/ou a possibilidade
de se acreditar que o trabalho indicar apenas normas morais que determinam a reprovao
social ou normas religiosas que classificam o desrespeito e o pecado possibilitando assim uma
pena subjetiva. Ao contrrio, o exposto estudar normas jurdicas e institutos que serviram no
passado e que hoje se encontram presentes em ordenamentos, tais como o brasileiro.
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Para auxiliar a investigao iniciada aplicaremos o mtodo dialtico, acontecendo na
sequncia a execuo do projeto de pesquisa atravs de mltiplas consultas a doutrinas
nacionais e especializadas, usando como parmetro as normas brasileiras de Direitos Humanos,
Constitucionais e Civis. A ttulo de referencial terico apoderar-se- da Moral e de
determinadas normas religiosas e seus principais desdobramentos nas sociedades antigas e
atuais.
Dessa forma, na primeira seo constaro os indicativos dos Direitos Humanos e os
principais institutos que contriburam para o abalizamento do tema em distintas pocas e as
contribuies que promoveram para o conceito de dignidade humana. H a preocupao quanto
s conceituaes e diferenciaes das palavras dignidade, pessoa e humana e o resultado destas
no ordenamento brasileiro. Nessa concepo, os Direitos Humanos sero ostentados como
instrumentos que cooperaram para a defesa e o brilho dos significados, funes, direitos e
garantias.
Feita ento a meno de seu carter histrico, dos interesses que resguardam e o que
enfrentou para que se pudesse falar de valores, direitos e dignidades humanas, em virtude de
sua relevncia, ser considerado como o termmetro das sociedades. Saiba-se, portanto, que
muitas so as teorias que os justificam. Um critrio que deve ser percebido como ponto de
partida que os Direitos Humanos, quando so efetivados, passam a ser chamados de Direitos
Fundamentais. No decorrer da exposio ento, para se conhecerem os direitos aferidos, ser
abordada a questo de poderem ser classificados em geraes ou dimenses de direitos. Nesta
parte inicial, o percurso da pesquisa passar tambm pelos principais documentos que devem
ser lembrados e que ajudaram para que os Direitos Humanos fossem estabelecidos.
Por todas as razes asseveradas, o atual significado de Dignidade da Pessoa Humana se
depara com uma srie de conceitos, preocupaes e acepes jurdicas, sociolgicas,
filosficas, histricas e religiosas que, em sntese, contriburam para a sua formao. Portanto,
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no basta simplesmente indic-lo como favorecedor de um apreo cultural, social, necessrio e
fundamental. preciso abordar determinados aspectos que nem sempre so lembrados e/ou
considerados, mas que auxiliaram para a sua materializao. De igual modo, insuficiente a
declarao de que os indivduos possuem uma posio no universo que lhes permite serem
detentores de um valor histrico, universal, essencial, imprescritvel, inquestionvel,
inalienvel, indivisvel, inviolvel, imutvel, efetivo e nico. Antes, faz-se decisiva a realizao
de um aperfeioado embasamento com olhos no passado, para que ento haja a assimilao de
seu contedo com a realidade que se pretende defender.
A ausncia de uma percepo mais precisa, amplificada e agregadora acerca do que a
dignidade humana contribui para o desconhecimento dos diversos aspectos e caractersticas que
lhe so pertinentes. Da mesma forma, a carncia de um alicerce seguro gera a dissoluo
daquela como um importante mecanismo para a concretizao dos Direitos Humanos e
Fundamentais e/ou a confuso de seus propsitos, razo pela qual, o contedo disponibilizado
enfrentar os mencionados problemas.
Na segunda seo descrever-se-o as trs sociedades antigas, ou seja, a grega, a romana
e a israelita, por estarem diretamente conectadas com o tema principal e suas particularidades,
algumas at esquecidas por estudiosos, na inteno de verificar de que forma contriburam
aquelas com o assunto em tela. Aprender romper com os preconceitos e vencida essa barreira
ingressa-se na histria. Tomadas as lies preliminares das sociedades escolhidas, algumas
surpreendero pelas transposies e os limites que criaram, principalmente por corresponderem
a grupos em formao e desenvolvimento.
Por estar mais dentro daquilo que se quer comentar, o presente trabalho se deteve um
pouco mais, na sociedade israelita que, desde seu perodo nmade at o monrquico, concebeu
fatos importantes, como por exemplo, a representao da famlia naqueles dias. Ressalte-se que
se est acessando uma sociedade patriarcal, que viveu no Oriente Prximo e que ali disps de
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muitas fontes e culturas at que se estabelecesse definitivamente em Cana. Desses dias, o
anncio do monotesmo produziu grandes efeitos. Portanto, o presente procurar demonstrar
que cabe ento aos seres humanos compreenderem que compartilham de um ancestral comum,
reconhecendo o valor singular da chamada dignidade que cada indivduo possui e tambm, que
suas escolhas devem proporcionar honras e no diferente. Nessa jornada, se adentrar no
estoicismo, iluminismo e nos ensinamentos de Kant e os assessoramentos que prestaram com
suas defesas.
Na terceira seo, feito um levantamento sobre o que so fontes materiais e formais e
como se diferenciam, ser explicada a validade da norma jurdica e quando satisfaz, passando
a fazer parte do sistema jurdico. Constata-se a incompletude do ordenamento brasileiro e os
cuidados que devem ser adotados para que no se incorra em erros e seja aceito todo tipo de
norma aliengena. Dessa forma, passados os conceitos de fontes, noticia-se que existem normas
de condutas e estruturais e atingem seus objetivos dentro dos grupos sociais. O Estado aparece
como organizador das aes humanas, verdade, porm recebe influncias de grupos que o
compem. Em virtude disto, o resistir dos indivduos no ataque s autoridades, entretanto,
em determinadas situaes, o enfrentamento de abusos. Demonstrados tambm os poderes
das fontes do direito, citar-se-o quais os elementos que as compem. Embora no haja uma
pacificidade doutrinria, fala-se de fontes formais estatais e no estatais e materiais, o que
colabora para a formao de cada uma delas.
No quarto item, atribuir-se-o Tor as devidas manifestaes. Alm de ser um smbolo
religioso, narrada como um instrumento que cooperou e ainda influencia as sociedades,
inclusive a israelita. Achada na forma escrita (xebbiktav) e no-escrita (xebbal-pel - Tor Oral
ou Talmude), traz a histria da humanidade e se confunde com o prprio tempo. Assim, em
sendo descrita com particularidades e caractersticas de um povo; do contato deste, com as
demais sociedades existentes poca; do tempo em que foi caligrafada e agrupada e o efeito
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que causou nos indivduos e sociedades, ter toda a ateno. Mensure-se que o contedo da
Tor mudou muitas crenas e convices no mundo antigo e ainda neste tempo gera muitas
alegrias e convices.
Diante disto, dividido em trs partes, ou seja, a da Lei (Pentateuco), a dos Profetas
(Nebiim) e dos Hagigrafos (Ketubim), mesmo que no seja o objetivo deste trabalho aclarar a
todas as partes de forma profunda e religiosa, exibiram-se alguns pontos que permitem a todos
a introduo no tema. Da segunda seo da Tor, ou seja, a dos Profetas (Nebiim), fala-se dos
Profetas como indivduos que revelaram uma paixo pela Humanidade, pela justia e pela
verdade. Para que se tenha uma melhor noo, realizada uma percepo do ambiente social
vivido. Na terceira parte da Tor, h a conferncia e a indicao dos Livros Hagigrafos
(Ketubim - adjetivo relativo hagiografia), ou seja, exemplares de sabedoria que incentivam o
conhecer do homem e o Universo.
Ao fazer referncia propriamente ao Pentateuco, a parte da Lei, complementa-se o que
j est sendo amplamente explicado ao longo da pesquisa. Segue-se a posio de que foi Moiss
o autor do Pentateuco, porm, orienta-se que existe a defesa de que essa categoria tambm
condensada por Tradies Orais que comentam valores, leis, perodos cronolgicos, dentre
outros assuntos que do corpo s 613 leis, mandamentos e determinaes. Sendo assim, como
Cdigo Filosfico ou a reunio de diversas tradies, segue como elemento fundamental que
auxilia na formao de normas, inclusive nas de Direitos Humanos que visam proteger a
Dignidade da Pessoa Humana.
Nesta ocasio aproveita-se a oportunidade para elucidar determinados pontos
tradicionais que so passados de forma errnea e que tende a causar dvidas nos comuns, ou
seja, nos que no so praticantes do judasmo. Ressalta-se novamente, no h a pretenso de se
esgotar o tema, mas ao final so postas algumas citaes correspondentes ao Pentateuco e que
j foram adotadas pelo ordenamento jurdico brasileiro em relao ao direito internacional, a
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preservao da vida (homicdio e homicdio culposo), paz, justia, dignidade humana,
igualdade, assistncia social, indenizao por lucros cessantes, danos, danos morais (lei de
proteo propriedade e de responsabilidade social), propriedade privada, bens impenhorveis,
divrcio, descanso semanal, assalariado, educao, cultura, normas processuais, assistncia
social, princpios constitucionais, prova testemunhal e penas.
Por fim, restaro as consideraes finais e na sequncia os apontamentos das referncias
bibliogrficas.
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1 Os Direitos Humanos e a Dignidade da Pessoa Humana.
Os Direitos Humanos so frutos do entrelaamento de vrios veios, como os costumes
de civilizaes antigas, a produo jusfilosfica e a disseminao do cristianismo.1. Trata-se
de uma matria complexa, cuja relevncia no mbito jurdico assinalada atravs de
documentos internacionais, normas constitucionais e outros diplomas que cooperam para a
defesa e o brilho dos significados, funes, direitos e garantias2 dos seres humanos. Acerca de
sua a origem institucional, defende-se que:
[...] encontrada pela primeira vez nas normas do Congresso de Viena (1815),
que proibiam o comrcio de escravos e se desenvolveram aps o trmino da
Primeira Guerra Mundial em 1918. Posteriormente, em 1864, se constituiu a
Conveno de Genebra, que inaugura a proteo dos mais elementares direitos
individuais, em casos de conflitos armados, visando minorar o sofrimento de
soldados doentes e feridos, bem como das populaes civis atingidas.3
De acordo com Vladimir Oliveira da Silveira e Maria Mendez Rocasolano, neste
instante que h o nascimento do direito humanitrio; a introduo dos direitos humanos na
esfera internacional4. Portanto, dentro desta compreenso e com mais de quatro sculos de
histria, asseguram necessidades e interesses para que haja o reconhecimento de valores,
direitos e dignidades que so prprias dos indivduos. Carlos Aurlio Mota de Souza5 comenta
que a violncia a maior inimiga do homem e no algo exterior, mas que dele brota para
atingir semelhantes, prximos ou no, de forma individual ou coletiva. Diz ainda o autor que a
mais grave de todas as violncias a praticada pelo prprio Estado contra os seres humanos.
1 PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Direitos Humanos. 3. ed. ver. atual. e ampl. So Paulo: Editora Mtodo,
2009, p. 15. 2 SILVEIRA, Vladmir Oliveira da. ROCASOLANO, Maria Mendez. Direitos Humanos : Conceitos,
Significados e Funes. So Paulo, 2010, p. 21. 3 SILVEIRA, Vladmir Oliveira da. ROCASOLANO, Maria Mendez. Direitos Humanos : Conceitos,
Significados e Funes. So Paulo, 2010, p. 85. 4 Ibid., mesma pgina. 5 SOUZA, Carlos Aurlio Mota de. Direitos Humanos, tica e justia : Ensaios. So Paulo: Letras Jurdicas,
2012, p. 89.
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Dispondo dessas palavras, percebem-se em partes quais foram as situaes enfrentadas, para
que se pude gozar de valores, dignidades, direitos e garantias. Sendo assim, possvel declarar
que se percorreu um longo caminho at que o poder e as agresses impostas fossem [...] se
perdendo nas batalhas sob a ordem da liberdade, igualdade e solidariedade (fraternidade) [...].6.
Quando se fala em poder, que seja diferenciado da autoridade que se encontra [...] prxima da
ideia do reconhecimento das caractersticas ou qualidades de algum.7. Enquanto a autoridade
pessoal e seus possuidores convivem harmoniosamente, o poder legitimado pela fora e
serve como meio de organizao social8 ou de dominao, caracterstica que foi questionada,
por estar sendo utilizada para subjugar os indivduos e suas dignidades.
Portanto, dadas as mltiplas reaes firmadas contra os abusos sofridos e/ou praticados,
empregaram-se inmeros expedientes para que ocorresse a afirmao de que os Direitos
Humanos so reaes e a promoo do retrocesso da desumanizao atravs do despertar da
conscincia positiva e, tambm, a certificao de que todos indivduos so iguais perante a lei
e a justia. O Estado no possuidor de um poder inquestionvel, mas sim de um governo
autorizado e criador de normas que deve visar organizao dos grupos e no a explorao
daqueles. como se encontra anotado, ou seja:
o poder poltico assim, uma forma nascida da vontade social preponderante,
que concede a titularidade do poder dos indivduos a seus representantes. Esse
poder destina-se a guiar a comunidade at uma ordem social que considera
adequada, impondo a seus integrantes o comportamento necessrio para
atingi-la, em cumprimento ao acordado no pacto social.9
Logo, as posturas adotadas ao longo dos anos tiveram por objetivos, no plano jurdico-
legal como no cultural-ideal, demonstrar que os Direitos Humanos podem ser classificados
6 SILVEIRA, Vladmir Oliveira da. ROCASOLANO, Maria Mendez. Direitos Humanos : Conceitos,
Significados e Funes. So Paulo, 2010, p. 23. 7 Ibid., mesma pgina. 8 Das relaes sociais. 9 SILVEIRA, Vladmir Oliveira da. ROCASOLANO, Maria Mendez. Direitos Humanos : Conceitos,
Significados e Funes. So Paulo, 2010, p. 47.
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como o [...] nico instrumento capaz de medir o nvel de civilidade alcanado por uma
sociedade e seu progressivo distanciamento da barbrie [...].10. Com toda certeza ainda h
crticas quanto s formataes constitudas por aqueles, porm ressalta-se que se firmaram nas
intenes de fazer prevalecer a igualdade e a universalidade, que na verdade no esto no apagar
das diferenas, mas sim no compreender e conviver das caractersticas, nacionalidades,
religies, orientaes sexuais, opes polticos partidrias, dentre outros elementos que tornam
as sociedades um ambiente vivo e cclico. A igualdade, no aspecto legal, uma necessidade11
e a universalidade, um predicado dos seres humanos12. Atravs das evolues dos grupos, alm
de confirmarmos os diversos fatores quanto s relaes sociais, entende-se o quanto eles esto
conectados e fazem bem pelo todo.
Em virtude disto, muitas so as teorias existentes para justificarem os Direitos Humanos.
Dentre as mais conhecidas esto a jusnaturalista, que os descrevem como sendo produtos de
uma ordem suprema, cuja criao no teve o auxlio humano. Para o mesmo fim, h a
positivista, que assevera que correspondem a criaes normativas e se submetem ao crivo da
soberania popular e, ainda, a moralista, que indica que as bases dos referidos direitos esto na
conscincia moral dos indivduos.
Nestor Sampaio Penteado Filho pontifica que, devido Declarao Universal dos
Direitos Humanos de 1948, conta-se tambm com trs princpios que condicionam queles13: o
da inviolabilidade da pessoa humana, que no permite o sacrifcio de um homem em proveito
de outro; o da autonomia da pessoa, que est no decidir sobre si sem produzir danos a
semelhantes e o da dignidade da pessoa humana, que o ncleo de todos os direitos. Nesse
contexto, cabe ento aos interpretes dos respectivos direitos a escolha pela corrente regionalista
10 MONDAINI, Marco. Direitos Humanos. So Paulo: Contexto, 2008, p. 12. 11 MONDAINI, Marco. Direitos Humanos. So Paulo: Contexto, 2008, p. 12. 12 MONDAINI, Marco. Direitos Humanos. So Paulo: Contexto, 2008, p. 13. 13 PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Direitos Humanos. 3. ed. ver. atual. e ampl. So Paulo: Editora Mtodo,
2009, p. 18.
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ou universalista para aplic-los. Em outras palavras, consideraro as culturas das sociedades e
suas principais caractersticas ou simplesmente, partiro do critrio de que todos os indivduos
so comuns e revelam uma nica igualdade.
Antes de avanar, deve-se mencionar que os Direitos dos Homens quando so efetivados
passam a ser chamados de Direitos Fundamentais, sendo confirmados nas Constituies dos
Estados. Explicada tal circunstncia, h tambm outra discusso jurdica acerca de qual a
melhor nomenclatura a ser utilizada para dar destaque s classificaes que marcam os
respectivos direitos que foram positivados ao longo dos anos: geraes ou dimenses.
A princpio informa-se que h crticas quanto ao uso do termo geraes, por dar a
falsa sensao de substituio gradual de uma pela outra, mesmo que isto no acontea.
Indiferente, esta a razo predominante que faz casual o uso da expresso dimenses de
direitos14. Vladimir Oliveira da Silveira e Maria Mendez Rocasolano propem que antes de
serem comentadas, deve ser feita a diviso histrica dos Direitos Humanos nas seguintes etapas:
1) a chamada pr-histria dos direitos humanos, que abarca declaraes de direito na Idade Antiga e na Idade Mdia e na qual surgiram princpios e
reinvindicaes considerados como razes do conceito atual; 2) As declaraes na Idade Moderna, nos sculos XVI, XVII e XVIII, a partir de
quando j possvel falar em histria dos direitos humanos e que fazem
referncia a modelos de evolues dos direitos: o ingls, o anglo-americano e
o francs; 3) As declaraes da Idade Contempornea, englobando os direitos
humanos nos sculos XIX e XX. Neste ltimo ocorreu uma ampla produo
de declaraes, em virtude da fundamental Declarao Universal dos Direitos
Humanos, proclamada pela ONU em Paris, a 10 de dezembro de 1948. Ao
percorrer estes trs perodos possvel observar o nascimento das sucessivas
geraes de direitos humanos, que evoluram conforme a sociedade se
transformava.15
14 MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 4. ed. So Paulo: Atlas, 2013, p. 56. 15 SILVEIRA, Vladmir Oliveira da. ROCASOLANO, Maria Mendez. Direitos Humanos : Conceitos,
Significados e Funes. So Paulo, 2010, p. 112.
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Dito isto, expe-se que os direitos de primeira dimenso so as liberdade pblicas, os
direitos polticos bsicos institucionalizados a partir da Magna Carta de 1.215 16. Acerca desta
Hlio Bicudo17 escreve que a contribuio dos Direitos Humanos para a realizao e a
efetivao da dignidade humana comeou na transio da Baixa Idade Mdia para a Moderna.
Momento este que os bares ingleses questionaram o rei Joo Sem Terra e lhes entregaram um
documento chamado de Magna Carta. Neste havia reclames de direitos (liberdade e igualdade),
sem falar do poder-dever para se fazer justia. Quanto ao que representou, diz Fbio Konder
Comparato que [...] pese a sua forma de promessa unilateral feita pelo rei; [...] constitui, na
verdade, uma conveno passada entre monarca e os bares feudais, pela qual se lhes
reconheciam certos foros, isto , privilgios especiais. 18. Frente a isto, a Magna Carta no
atendeu aos direitos de todos os indivduos, mas de uma pequena parcela de pessoas.
A respeito dos direitos de primeira dimenso h uma concordncia doutrinria que [...]
limitavam-se ao campo dos direitos civis e polticos de indivduos19. Daquela poca, alm da
Magna Carta, tambm constam registros de outros documentos20, a exemplo dos forais e das
cartas de franquias, que eram fornecidas pelos reis e senhores feudais para outorgarem direitos
a determinados indivduos. Na Inglaterra de 1679, consta tambm a Lei de Habeas Corpus Act
que tinha por objetivos a manuteno da liberdade e o impedimento de prises arbitrrias. No
mesmo grau de importncia, a Declarao de Direitos (Bill of Rights 1689), que foi
promulgada antes da Revoluo Francesa e que ps fim a um regime absolutista.
16 PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Direitos Humanos. 3. ed. ver. atual. e ampl. So Paulo: Editora Mtodo,
2009, p. 22. 17 BICUDO, Hlio Pereira. Direitos Humanos e sua Proteo. So Paulo: FTD, 1997, p. 30. 18 COMPARATO, Fbio Konder. A Afirmao dos Direitos Humanos. 7. ed. ver. e atual. So Paulo: Saraiva,
2010, p. 91. 19 MONDAINI, Marco. Direitos Humanos. So Paulo: Contexto, 2008, p. 13. 20 FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves. Direitos humanos : Edio especial. 6. ed. So Paulo: Saraiva, 2012,
p. 9.
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Nestor Sampaio Penteado Filho21 prossegue explicando que os de segunda dimenso
(igualdade) correspondem aos nascidos com a Revoluo Industrial (sculo XIX direitos
sociais, econmicos e culturais), que pleiteava direitos de uma coletividade. J os de terceira
dimenso (fraternidade) buscaram mudanas sociais no sistema internacional. Os direitos que
aqui se encaixam correspondem preservao da qualidade de vida, de um meio ambiente
sustentvel e autodeterminao dos povos. Os de quarta dimenso (gentica) agiram no
propsito de serem evitados riscos, em virtude de todos os avanos tecnolgicos e da prpria
gentica. Os de quinta dimenso proporcionaram a pregao da paz permanente.
Quanto s razes para as dimenses de direitos, verifica-se que suas pretenses eram as
de fortalecerem as sociedades e os seres humanos contra qualquer tipo de abuso ou agresso.
Tanto assim que:
nos sculos XVII e XVIII, tal sopro de vitalidade foi dado fundamentalmente
pelo pensamento liberal, sendo substitudo em grande medida, nos sculos
XIX e XX, pelo pensamento democrtico e socialista, num processo
ininterrupto, j que, desde a passagem dos anos 1960 aos 1970 do sculo
passado, se sente a presena renovadora de novos movimentos sociais trazendo para si a responsabilidade de insuflao da boda dos direitos
humanos, por meio de tripla luta: a) luta para que os velhos direitos no sejam retirados; b-) luta para que os velhos direitos cheguem at os sujeitos tradicionalmente excludos da histria; c) luta pela conquista de novos
direitos.22
As garantias e direitos conquistados, portanto, so respostas aos inmeros conflitos
sociais existentes e necessidade de estabilizao da sociedade para uma boa convivncia. A
este respeito devem ser considerados os argumentos de George Marmelstein, ou seja, de que a
concepo:
normativa dos direitos fundamentais surge junto com a consolidao das
vigas-mestras do Estado democrtico de direito, exatamente quando foram
21 PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Direitos Humanos. 3. ed. ver. atual. e ampl. So Paulo: Editora Mtodo,
2009, p. 22-24. 22 MONDAINI, Marco. Direitos Humanos. So Paulo: Contexto, 2008, p. 14.
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criados mecanismo jurdicos que possibilitassem a participao popular na
tomada das decises polticas, bem como foram desenvolvidos instrumentos
para o controle e a limitao do poder estatal. a partir da que os valores
liberais se transformam em verdadeiras normas jurdicas, capazes de serem
invocadas perante uma autoridade independente, inclusive contra o prprio
Estado.23
Ataliba Nogueira assente que [...] como o Estado no obra de arte, se no da natureza,
tambm o seu fim no pode ser arbitrrio, varivel, artificial, porm, natural e necessrio24.
Destarte, depois de examinar as teorias totalitrias, percebe e conclui que o Estado agia de modo
ilimitado, sem respeitar os indivduos, desconhecendo no todo ou em partes, os direitos naturais.
Sendo assim, em vez de denomin-lo de totalitarista, prefere declar-lo panestatista25,
justamente por subordinar todos os fins individuais e coletivos dos indivduos. De acordo com
Ataliba Nogueira, este o primeiro significado de totalitarismo, totalismo, integralismo ou
integrismo, assumindo o panestatismo, inmeras formas, visto que foi se adequando ao longo
dos anos, dado ao prprio aperfeioamento do conceito. Em relao Pessoa Jurdica Pblica
Maior e dignidade, reproduz o autor que so apresentadas nas varincias obtidas com o
panestatismo, ou seja, a poltica sendo fim do Estado, o bem pblico em si mesmo.
Em razo disto percebe que se o Estado fosse o fim total dos homens, como pretendia o
panestatismo, satisfaria todas as aspiraes dos seres humanos. Independentemente da forma
que assumisse, o Ente realmente se preocuparia em no perder de vista o critrio das bem-
aventuranas, tanto as imediatas como as mediatas, visto que os indivduos so seus sditos e
dispem de direitos e garantias. Se assim agisse, pessoas no teriam sido abandonadas e
desrespeitadas ao longo dos dias.
23 MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 4. ed. So Paulo: Atlas, 2013, p. 36. 24 NOGUEIRA, Ataliba. O Estado meio e No Fim. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 1955. 25 oriunda do prolongado predomnio das teorias individualistas que deixaram o homem sozinho, fraco, desamparado, desajudado. Da, a reao igual e contrria e da a primazia que passaram a ter as teorias da
preeminncia absoluta do grupo, da nao, da raa, da sociedade, da sociedade ou estado, ficando o homem
despojado de toda autonomia pessoal.. NOGUEIRA, Ataliba. O Estado meio e No Fim. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 1955, p. 62.
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24
Do momento anterior ao do Estado Moderno, por vezes as liberdades e os bens privados
foram sacrificados em nome dos supostos interesses pblicos, no subsistindo a mxima de
que: no existem os homens para o Estado, mas o Estado que existe para os homens26.
Portanto, da ausncia desta percepo, ocasionaram-se reformas institucionais e, dos resultados
destas, foi constitudo o Estado de Direito27. Fixe-se que, para caracterizar um Ente neste perfil,
deveria haver o estabelecimento de um poder poltico que est subordinado a um direito
objetivo que acredita, sem os excessos interpretativos, no ofertar do que justo.
ento neste momento que aparecem outras ferramentas que cooperaram para a
materializao dos Direitos Humanos, como a educao e considerao da geografia espacial.
Por meio da educao e das comprovaes das excluses que ela permite apurar, indivduos
trabalharam na inteno de demonstrarem que muitos dos homens, para o Estado no passavam
de indivduos ignorantes e carentes de informaes e que, diante disto, esta realidade precisava
ser mudada. Em relao geografia espacial, os mesmos homens que falaram pela educao,
asseveraram que existiam desigualdades em relao a uma e outra regio do mundo. bem
verdade que no foram todos os seres humanos que acataram ou deram crdito a estas verdades,
porm uma parcela considervel o fez.
Mediante isto explique-se que, Ataliba Nogueira no fala mal do Estado, mas salienta
que a Pessoa Jurdica Maior deve corresponder exigncia da natureza humana e a
consequncia da ordem moral. 28, onde a liberdade meio e no fim; e capital, importncia
desta verdade, porque o meio subordinado ao fim.29. O Estado no existe para promover a
prosperidade privada, pois este no o seu fim imediato, e sim a pblica. A prosperidade
pblica segundo o autor deve ento estar distribuda na forma de tutela de direitos, seguranas,
26 NOGUEIRA, Ataliba. O Estado meio e No Fim. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 1955, p. 67. 27 NOGUEIRA, Ataliba. O Estado meio e No Fim. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 1955, p. 68. 28 NOGUEIRA, Ataliba. O Estado meio e No Fim. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 1955, p. 86. 29 Ibid., mesma pgina.
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liberdades e tambm, na distribuio da justia. O Ente Pblico Maior deve servir como meio
para que a pessoa humana consiga seus objetivos. Em outras palavras:
no foi apenas para proteo do direito que se criou o Estado, pois no
somente disto que necessita o homem; muitas outras coisas, muitos outros
bens espirituais e materiais lhes so indispensveis e no pode o homem
encontrar ou se satisfazer mediante apenas os seus esforos individuais ou
familiares. Para isso que est ele associado a outros homens, grupos menores
e pela reunio destes aos maiores, at chegar sociedade quase perfeita, que
o Estado.30
Fbio Konder Comparato,31 em relao a tudo o que fora dito, acrescenta que o sentido
da evoluo dos direitos humanos para a defesa da dignidade humana contra a violncia e o
aviltamento, a explorao e a misria dos homens, recebeu tambm persuases de outros
campos, tais como os da religio, filosofia e cincia. No caso da primeira, descreve a pregao
de que Deus, por ser o arquiteto do universo, criou o homem e o colocou em posio de
excelncia diante de todas as demais criaes. Com o surgimento da racionalidade apoiada em
poetas e filsofos, deu-se a transio natural da religio para a filosofia e comeou-se a indagar
quem o homem, uma vez que ele carrega em si o dom de pensar. Por meio desse processo,
caminhou-se para a cincia, cuja preocupao foi direcionada para a comprovao do processo
evolutivo dos seres vivos. Acontece neste momento, o descarte da ideia de obra acabada e
passa-se a estudar o homem como fruto de um imenso processo evolutivo.
Ainda para o mencionado autor, tais disposies por serem to profundas serviram de
trip para a constituio das Declaraes de Direitos. A exemplo a do Homem e do Cidado,
de 26 de agosto de 1789, que reconheceu a dignidade da pessoa humana e tambm os elementos
e princpios (igualdade, legalidade, propriedade, segurana e liberdade de manifestao.)32.
30 NOGUEIRA, Ataliba. O Estado meio e No Fim. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 1955, p. 85-88. 31 COMPARATO, Fbio Konder. A Afirmao dos Direitos Humanos. 7. ed. ver. e atual. So Paulo: Saraiva,
2010, p. 13. 32 ALTAVILA, Jayme de. Origem dos Direitos dos Povos. 9. ed. So Paulo: cone, 2001, p. 291-292.
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Esta, em relao a outros documentos, sobressaiu-se por favorecer a emancipao dos
indivduos perante os grupos sociais (organizaes religiosas, famlia, Estados e associaes.).
Tecnicamente no a primeira a ser formada33, porm serviu de modelo para a Declarao
Universal dos Direitos da Pessoa Humana34 de 1948.
Seja esclarecido que essas poucas palavras sintetizam diversos perodos histricos, que
ser dividido em dois. No da pr-Revoluo Francesa, ou seja, no da conquista dos direitos
civis e polticos (sculo XVII e XVIII), h a mudana de uma sociedade agrcola e feudal, para
uma sociedade industrial. Em meio a muitas lutas e impasses, chamadas de revolues
burguesas, a monarquia atingida e caminha-se para a descentralizao do poder. nesse
instante que h a conquista da liberdade e igualdade entre os homens, como direitos
fundamentais. Os Estados no podem mais agir desrespeitando indivduos e ambos devem
trabalhar pela igualdade. Os documentos dessa poca so a Bill ol Rights Declarao de
Direito de 1689, que tratava o Estado a partir da separao dos poderes; a Declarao de Direitos
do Estado da Virgnia de 1776, que simbolizou o rompimento de laos com a Inglaterra em
virtude das cobranas exageradas de taxas e impostos. Inclusive, Marcos Mondaini dispe que
no se tratou de um simples rompimento de laos, mas da [...] transformao do status do
indivduo nascido no Novo Mundo de sdito a cidado.35; e, a Declarao de Independncia
dos Estados Unidos da Amrica de 1776, que representava o desfazimento de um grupo de
colnias e abordou direitos bsicos relativos vida, liberdade e felicidade que estavam sendo
violados pelo rei da Gr-Bretanha.
Quanto ao segundo perodo, chamado de ps-Revoluo Francesa, afirma-se que esse
teve a funo de complementar o primeiro. A Revoluo Francesa de 1789 promoveu um
divisor de guas, pois seu efeito foi percebido internacionalmente. Suas propostas so
33 Isso atribudo a Declarao da Virgnia de 12 de junho de 1.776. 34 ALTAVILA, Jayme de. Origem dos Direitos dos Povos. 9. ed. So Paulo: cone, 2001, p. 244. 35 MONDAINI, Marco. Direitos Humanos. So Paulo: Contexto, 2008, p. 48.
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consideradas e h avanos quanto aos direitos civis e polticos, aos econmicos, aos
democrticos, aos sociais e aos nacionalistas. Podem ser citadas tambm a Declarao dos
Direitos do Homem e do Cidado de 1789, que defendeu direitos dos homens que no podem
ser ignorados, esquecidos e/ou desprezados. Dado isto, reforou que os direitos naturais so
inalienveis e sagrados, uma vez que todos os seres humanos esto no corpo social; a Carta de
Direitos dos Estados Unidos da Amrica de 1789, que trouxe em seu bojo as dez primeiras
emendas Constituio Federal que haviam ficado de fora do documento produzido em 1787;
a Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado de 1793, que ocupou-se com o
aperfeioamento da Declarao de 1789; a Constituio Poltica dos Estados Unidos Mexicanos
de 1917, que permitiu aos operrios agrrios direitos sociais; a Declarao dos Direitos do Povo
Trabalhador e Explorado de 1918, que foi construda com base no lema po, paz e terra, ou
seja, no discurso de Lenin e do partido bolchevique; a Constituio De Weimar de 1919, que,
alm de indicar um distinto perodo vivido pela Alemanha, representou a congregao das
ideias comunistas e, por fim, a Declarao Universal dos Direitos Humanos de 1948, a qual,
frente s milhares de atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial, reconheceu
direitos humanos fundamentais da humanidade.
H a notcia de outros documentos anlogos em valor, porm, quanto aos mencionados
aqui, compreendemos que preenchem a misso desejada, ou seja, a de informar sem se esgotar,
atribuindo assim uma importncia inigualvel ao assunto em estudo e os principais envolvidos
e beneficiados.
1.1 A Dignidade da Pessoa Humana.
Por todas as razes asseveradas, o atual significado de Dignidade da Pessoa Humana se
depara com uma srie de conceitos, preocupaes e acepes jurdicas, sociolgicas,
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filosficas, histricas e religiosas que, em sntese, contriburam para a sua formao. No basta,
portanto, simplesmente indic-lo como favorecedor de um apreo cultural, social, necessrio e
fundamental. preciso abordar determinados aspectos que nem sempre so lembrados e/ou
considerados, mas que auxiliaram a sua materializao. De igual modo, insuficiente a
declarao de que os indivduos possuem uma posio no universo que lhes permite serem
detentores de um valor histrico, universal, essencial, imprescritvel, inquestionvel,
inalienvel, indivisvel, inviolvel, imutvel, efetivo e nico. Antes, faz-se decisiva a realizao
de um aperfeioado embasamento com olhos no passado, para que ento haja a assimilao de
seu contedo realidade que se pretende defender.
A ausncia de uma percepo mais precisa, amplificada e agregadora acerca do que a
dignidade humana contribui para o desconhecimento dos diversos aspectos e caractersticas que
lhe so pertinentes. Da mesma forma, a carncia de um alicerce seguro gera a dissoluo
daquela como um importante mecanismo para a concretizao dos Direitos Humanos e
Fundamentais bem como a confuso de seus propsitos. Como bem ressalta Eduardo Carlos
Bianca Bittar36, em nome de todo tipo de valor j se cometeram milhares de barbries, o que
verdade. Prova disto a produo por Nicolau Eymerich37, em 1376, da obra O Manual dos
Inquisidores38 (Directorium inquisitorum) que, alm de traduzir um perodo de 781 anos de
histria, cujo incio se deu em 1184 e foi at 196539 da Era Comum, notifica com propriedade
que, em 20 de abril de 1233, o Papa Gregrio IX editou duas bulas40 as quais marcaram o incio
36 BITTAR, Eduardo C.B. Os 60 anos da Declarao Universal dos Direitos Humanos: para comemorar e
rememorar. Osasco: Edifieo, 2008, p. 11. 37 Foi telogo e inquisitor. Nascido Girona na Espanha e pertencia a ordem dominicana. EYMERICH, Nicolau.
O Manual dos Inquisidores. Lisboa: Edies Afrodite, 1972. 38 BUENO, Manoel Carlos (coord.). Cdigo de Hamurabi, Manual dos Inquisidores, Lei das XII Tbuas, Leis
de Talio. 2 ed. Leme: CL EDIJUR, 2012, p. 53. 39 Tem seu incio no sul da Frana (Inquisio Medieval), passa pela Inquisio Estatal no reino de Arago (1.249);
Inquisio Espanhola (1478-1834): Inquisio Portuguesa (1.536-1821) e chega a Inquisio Romana (1.542-
1.965). 40 As palavras bula pontifcia no indicavam o contedo e solenidade de um documento pontifcio, mas sim
apresentao; a lacrao como uma pequena bola de cera, chumbo ou metal. No latim era chamada de bulla e dela se dispunha para validar os respectivos documentos. Lhe acompanhava um fio de seda. A bula Licet ad capiendos, marcou o incio da Inquisio. Manoel Carlos Bueno, Cdigo de Hamurabi, Manual dos Inquisidores, Lei das XII Tbuas, Leis de Talio, p. 51.
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da Inquisio Religiosa e, mais tarde, o Papa Inocncio IV, por meio da edio da bula Ad
Extirpanda, estruturou o famoso Tribunal da Inquisio.
Saibamos que, por meio deste ltimo documento, todo tipo de tortura foi autorizada
como modo de reafirmao de uma crena41 e valor religioso42. Conste ainda que no respectivo
manual h uma srie de conceitos, normas processuais, nomenclaturas e modelos de sentenas
que eram utilizadas para os desejados fins. Curiosamente, tudo isto se dava com o auxlio do
poder Estatal. Diante disto, tais circunstncias nos faz estar certos quanto gravidade dos
problemas que podem surgir com a banalizao e/ou a interpretao errnea do que seja a
dignidade humana, sem se dizer do que pode ocorrer com a ausncia de um fundamento slido
a respeito da matria.
Hlio Bicudo,43 ao avaliar os povos gregos e romanos, fazendo exceo a Atenas no que
se refere educao, escreve que: [...] os antigos no conheciam nem a liberdade da vida
privada, nem a da educao, nem a liberdade religiosa. A pessoa humana tinha muito pouco
valor perante essa autoridade [...], que se chamava ptria ou Estado.. Agregue-se a esta
informao que, por vezes e ao longo dos anos, foram verificadas diversas atitudes que
conspiraram contra os seres humanos. Hoje, porm, tais circunstncias no so mais aceitveis
e/ou tolerveis, devendo ento haver um trabalho intensivo e preventivo para que sejam
evitados os milhares de abusos e/ou ofensas que podem ser praticados contra a pessoa humana
e seus direitos.
Neste sentido, Ingo Wolfgang Sarlet44 parte da compreenso de que onde no h respeito
pela vida e pela integridade fsica e moral do indivduo, pelas conjunturas mnimas e necessrias
41 Manuel Carlos Bueno (coord.), Cdigo de Hamurabi, Manual dos Inquisidores, Lei das XII Tbuas, Leis
de Talio, p. 56. 42 MIZRAHI, Rachel. O Tribunal de Inquisio. Disponvel em:
Acesso em: 26-12-2013. 43 BICUDO, Hlio Pereira. Direitos Humanos e sua Proteo. So Paulo: FTD, 1997, p. 15. 44 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituio Federal
de 1988. 4. ed. rev. e atua. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 37.
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para a sua existncia, pela delimitao do poder para o exerccio da liberdade, igualdade e
autonomia, no h ambiente para a dignidade humana. Tais palavras esto corretas, porm
somente indicam os estados que podem ou foram experimentados pelos homens e, em razo
disto, no satisfazem quanto ao que realmente precisa ser dito e conhecido a respeito do
contedo do mencionado elemento e suas principais caractersticas. Adiantemos que esta
insistncia, em se requerer um esclarecimento maior e melhor do assunto, no nenhuma
novidade no universo acadmico e doutrinrio.
Gregorio Robles45 um dos ressaltam que os fundamentos dos direitos humanos se
constituem atualmente em um grave problema, cujos doutrinadores no devem deixar de
resolver. Para ele, as causas deste incmodo seguem a seguinte ordem: tica, lgica, terica e
pragmtica. Atravs da primeira, percebe-se que h a defesa de um valor/princpio, mas sem se
conhecer a verdadeira razo deste. Na sequncia, delimita-se o fato do mencionado porqu de
uma ou de outra posio, sem se permitir um meio termo. Por meio da questo terica, existem
diversas hipteses ligadas questo em anlise, todavia, sem a devida fundamentao a respeito
do que ela representa. No menos importante, pelo pragmatismo notada a indispensabilidade
de se ter ideias mais claras46 e realmente praticveis. Segundo o autor, s se pode fazer a defesa
dos Direitos Humanos, quando esto respondidas e compreendidas as convices e
importncias daqueles. Quando isto acontece, porque foram absorvidos os seus sentidos.
Este o motivo pelo qual se desassossega em explicar que antes de serem positivados,
os direitos humanos esto classificados como valores morais e ao tempo em que o so, passam
para a categoria de direitos fundamentais47, sendo, a partir deste momento, encontrados nas
Constituies dos Estados. Para Gregorio Robles, os direitos humanos so diferenciados no
45 ROBLES, Gregorio. Os Direitos Fundamentais e a tica na Sociedade Atual. Trad. Roberto Barbosa Alves.
So Paulo: Editora Manole Ltda., 2005. 46 Ibid., p. 2. 47 ROBLES, Gregorio. Os Direitos Fundamentais e a tica na Sociedade Atual. Trad. Roberto Barbosa Alves.
So Paulo: Editora Manole Ltda., 2005, p. 8.
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como direitos na acepo jurdica da palavra, mas como preceitos e/ou princpios morais,
justamente por fazerem referncias a perspectivas comuns, dignidades e liberdades dos homens.
Nestas, o fundamento moral analisado a partir de dois aspectos, o tico e o poltico. O tico
opera como base absoluta no que todos devem aceitar e, tambm, na ideia de que o plano dos
critrios morais, ou seja, do sistema de valores, detm-se em dizer o que bom ou justo. No
poltico, buscam-se os fundamentos legtimos dos direitos. O fato social tambm tem o seu
papel, age no ofertar de respostas possveis para uma convivncia calma e pacfica.
Entendamos a priori que os direitos fundamentais so, no todo, fiis aos direitos
subjetivos e a sua natureza se distingue da dos direitos humanos, mesmo que depois acabem se
encontrando na defesa daquilo que prprio aos indivduos, que, na viso de Gregorio Robles,
so interdependentes. A respeito das sociedades, argumenta o autor que elas esto dentro dos
seres humanos e estes cumprem o seu papel, j que nascem pertencendo a uma, ou seja, a da
famlia e, mais tarde, optam por novos e diferentes grupos.
Ao comentar as normas e os valores sociais, faz questo de destacar que so diferentes48.
As antecedentes possuem a funo de regularem as aes dos indivduos e dos grupos dentro
de um determinado contexto social, bastando ento compreender quando que surgem. A
despeito dos valores sociais, se manifestam com a repetio de uma determinada conduta e o
reflexo de um evento e no se assemelham em nada, a um hbito social, por no ser exigido
deles a obrigatoriedade como no caso da norma social49. Esta estabelece deveres constitudos
pela intensidade da reao contra o infrator e os valores sociais expressam deveres sociais, razo
pela qual, a sociedade, na viso de Gregorio Robles, encontra-se estruturada em valores, normas
e deveres.
48 ROBLES, Gregorio. Os Direitos Fundamentais e a tica na Sociedade Atual. Trad. Roberto Barbosa Alves.
So Paulo: Editora Manole Ltda., 2005, p. 39. 49 Hbito + fora obrigatria = norma social.
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Quanto obrigatoriedade no cumprimento das normas, surgiria na conscincia dos
homens sob a forma de um sentimento produzido por diversos elementos, a exemplo da
educao. claro que pode se originar de diversas fontes, inclusive do prprio medo dos
indivduos de serem castigados. Diante disto, declara o autor que a sociedade que queremos
deve combinar os dois elementos, equilibrando o sentimento do dever e o sentimento dos
direitos.50. Os direitos so naturais e inalienveis, mas os deveres correspondem a pactos de
convivncias resultantes das relaes.
Miguel Reale51 comenta que um dos maiores problemas da Filosofia Jurdica o da
diferenciao entre a Moral e o Direito. Explica que a teoria do mnimo tico52elucida que nem
todos cumprem ou aceitam as obrigaes morais. Por isso surge o Direito, visto que a Moral
exercida de forma espontnea. Mesmo que aparente, o Direito no diverso da Moral. Este
parte daquela53, ainda que nem tudo que acontea no mundo jurdico faa parte da Moral, a
exemplo da forma tcnica que utilizada na feitura da norma. A respeito do cumprimento das
regras sociais, h aquelas em que a prtica se d de forma natural ou, como diz o autor,
espontnea, mas existem tambm, as que se manifestam por coao.
O ato moral forado, de acordo com Miguel Reale, no concebvel, pois conta-se com
a adeso dos obrigados. A Moral contrria violncia e ao uso da coao. Portanto segue a
primeira diferena: Moral incoercvel e o Direito coercvel. [...] Coercibilidade uma
expresso tcnica que serve para mostrar a plena compatibilidade que existe entre o Direito e a
fora.54. Pontua tambm que embora seja dessa forma, isto no d o direito aos indivduos de
descumprirem as normas. Antes, devem agir de acordo com aquelas e isto independe da vontade
50 ROBLES, Gregorio. Os Direitos Fundamentais e a tica na Sociedade Atual. Trad. Roberto Barbosa Alves.
So Paulo: Editora Manole Ltda., 2005, p. 50. 51 REALE, Miguel. Lies Preliminares de Direito. 27. ed. So Paulo: Saraiva, 2011, p. 41. 52 Exposta por Jeremias Bentham e desenvolvida por vrios autores, inclusive Georg Jellinek. REALE, Miguel.
Lies Preliminares de Direito. 27. ed. So Paulo: Saraiva, 2011, p. 42. 53 Ibid., mesma pgina. 54 REALE, Miguel. Lies Preliminares de Direito. 27. ed. So Paulo: Saraiva, 2011, p. 47.
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visto que, no caso da norma jurdica, possui a objetividade e transpessoal, ou seja, est acima
das pretenses dos indivduos de uma relao55. Como bem lembra Miguel Reale, Direito
uma ordenao bilateral atributiva das relaes sociais, na medida do bem comum.56. Por essa
razo, defende que as normas jurdicas e as morais, como as convencionais e o trato social,
ordenam uma conduta. Logo, estudar o Direito como convivncia ordenada acessar a Histria,
a Sociologia, a Economia, a Antropologia e a Filosofia Jurdica, dentre outras matrias. Todas
so distintas verdade, mas se conectam em relao ao homem, situao que permite enfatizar
o porqu da existncia de tantos conceitos para o termo Direito. Desta feita, diz Miguel Reale:
uma anlise em profundidade dos diversos sentidos da palavra Direito veio
demonstrar que ele correspondem a trs aspectos bsicos, discernveis em todo
e qualquer momento da vida jurdica: um aspecto normativo (o Direito como
ordenamento e sua respectiva cincia); um aspecto ftico (o Direito como fato,
ou em sua efetividade social) e um aspecto axiolgico (o Direito como valor
de Justia).57
Aspectos que, segundo o autor, tm sido objeto de muitos estudos sistemticos e que se
desdobraram em uma teoria, por ele aperfeioada, passando a declarar que:
[...] a-) onde quer haja um fenmeno jurdico, h sempre e necessariamente,
um fato subjacente (fato econmico, geogrfico, de ordem tcnica etc.); um
valor, que confere determinada significao a esse, inclinando ou
determinando a ao dos homens no sentido de agir ou preservar certa
finalidade ou objetivo; e finalmente, uma regra ou norma, que representa a
relao ou medida que integra um daqueles elementos ao outro, o fato ao
valor; b-) tais elementos ou fatores (fato, valor e norma) no existem
separados, um dos outros, mas coexistem numa unidade concreta; c-) mais
ainda, esses elementos ou fatores no s exigem reciprocamente, mas atuam
como elos de um processo (j vimos que o Direito uma realidade histrico-
cultural) de tal modo que a vida do Direito resulta de interao dinmica e
dialtica dos trs elementos que a integram.58
55 REALE, Miguel. Lies Preliminares de Direito. 27. ed. So Paulo: Saraiva, 2011, p. 48. 56 REALE, Miguel. Lies Preliminares de Direito. 27. ed. So Paulo: Saraiva, 2011, p. 48. 57 REALE, Miguel. Lies Preliminares de Direito. 27. ed. So Paulo: Saraiva, 2011, p. 65. 58 Ibid., mesma pgina.
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A respeito da coao, Miguel Reale conclui que um termo tcnico, que se desdobra
em dois. Enquanto um significa a violncia fsica ou psquica e todos os atos praticados nesses
padres so anulveis, o outro possibilita o cumprimento obrigatrio de uma norma jurdica,
visto que no so todos os indivduos que aderem quela de modo espontneo. Esse segundo
tipo recebe, portanto, o nome de sano. Para o autor as regras morais ns a cumprimos por
motivao espontnea. Mas, quando as deixamos de cumprir, a desobedincia provoca
determinadas consequncias, que valem como sano.59.
A sano interna de ordem do indivduo, porm, a externa reflete na sociedade. A
sano social tambm tem o seu valor, em virtude disto necessrio que haja a organizao das
sanes. A sano, portanto, gnero de que a sano jurdica espcie60. Como h as
jurdicas e morais, tambm so encontradas as religiosas, que no so valores, mas possuem
interpretao de sano. De acordo com Miguel Reale, a existncia do [...] Poder Judicirio,
como um dos trs poderes fundamentais do Estado, d-se em razo da predeterminao da
sano jurdica.61. Compreendamos que podem haver sanes jurdicas benficas aos homens,
como uma espcie de recompensa por terem cumprido seus papis, no atendimento de alguma
caracterstica especial, como tambm, sanes jurdicas benficas apenas as sociedades, por ter
qualquer um de seus membros, infringido s respectivas normas jurdicas. Diferente da anterior,
nesta a sano, ser uma pena ao infrator.
Em sntese, Miguel Reale d o desfecho ao assunto do seguinte modo:
a bem ser, para que haja distino efetiva entre a Moral e o Direito e,
paralelamente, um Estado de Direito, que s pode ser de base democrtica, o
essencial que a sociedade civil e o Estado no se confundam, mas se
mantenham como valores distintos e complementares, correlacionados entre
si, mas cada um deles irredutvel ao outro.62
59 REALE, Miguel. Lies Preliminares de Direito. 27. ed. So Paulo: Saraiva, 2011, p. 72. 60 REALE, Miguel. Lies Preliminares de Direito. 27. ed. So Paulo: Saraiva, 2011, p. 74. 61 REALE, Miguel. Lies Preliminares de Direito. 27. ed. So Paulo: Saraiva, 2011, p. 75. 62 REALE, Miguel. Lies Preliminares de Direito. 27. ed. So Paulo: Saraiva, 2011, p. 79.
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Retomando a Gregorio Robles acerca do pluralismo nas sociedades modernas, este diz
que corresponde a uma virtude que diagnostica as diversidades de interesses dentro do corpo
social, o que lhe permite afirmar em relao dignidade da pessoa humana que existem dois
pontos que iro promov-la, o ad intra e o ad extra. O ad intra a pessoa em si mesma com
valor, que se traduz no respeito para consigo [...].63. Atravs deste os indivduos reconhecem
em si mesmos a ideia de universalidade. O ad extra [...] deriva do primeiro; consiste no
reconhecimento por parte dos outros, da dignidade que inerente ao homem como pessoa..
Antonio Carlos de Campos Pedroso64 aprova os comentrios de Gregorio Robles e
acrescenta queles as palavras de Francesco Carpintero Bentez, que compreende que os
direitos fundamentais possuem sim um valor histrico, mas isto no retira deles a necessidade
de serem bem fundamentados e explicados. Do contrrio, no passariam de meros produtos do
tempo, com o que temos de concordar. Frente a isto, George Marmelstein65 prope como
objetivo formular uma definio para os direitos fundamentais que atente s caractersticas
ticas e jurdicas.
Citado assim o seu propsito, escreve que hoje existem direitos fundamentais para todos
os gostos e isto se d em virtude de as pessoas colocarem seus direitos como se fossem nicos
e essenciais. Tal astcia, alm de cooperar para a banalizao da expresso, contribui para o
problema do uso de mltiplos vocbulos (direitos humanos, direitos dos homens, direitos da
pessoa humana etc.) referindo-se ao mesmo objeto, sem ser feita qualquer diferenciao.
George Marmelstein faz ento constar que, por existirem valores que no foram efetivados, o
63 ROBLES, Gregorio. Os Direitos Fundamentais e a tica na Sociedade Atual. Trad. Roberto Barbosa Alves.
So Paulo: Editora Manole Ltda., 2005, p. 124. 64 BENTEZ, Francesco Carpintero. Una Introduccin a la ciencia jurdica. Madrid: Civitas, 1998 apud Antonio
Carlos de Campos. A Justificao dos Direitos Fundamentais. Revista de Mestrado em Direito da UNIFIEO
Centro Universitrio Fieo. [UNIFIEO/SP]. Osasco: EDIFIEO, n7: 35-70, 2007. 65 MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 4. ed. So Paulo: Atlas, 2013, p. 14-26.
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correto cham-los de direitos dos homens e no de direitos fundamentais66, mesmo que
estejam alinhados no teor aos direitos naturais e se encontrem preenchidos com valores ticos
e polticos. Sua ateno tambm recai sob o uso da sentena direitos humanos, visto que esta
apenas indica valores que foram positivados na esfera do direito internacional67 e no
diferente. Por isso refora que a razo de descrever o direito fundamental no terica, mas
prtica, pois estes [...] direitos so dotados de caractersticas que facilitam a sua proteo e
efetivao judicial.68
Com relao ao contedo tico dos direitos fundamentais, explica que conservam
profundas caractersticas materiais. Em outras palavras, so valores comuns para uma vida
digna em sociedade e esto conectados ao conceito de dignidade da pessoa humana, que a
base axiolgica daqueles e limitao do poder. Em suma, o respeito ao outro [...] sintetiza
com perfeio todo o contedo do princpio da dignidade da pessoa humana.69. No caso do
contedo normativo, h a disposio do aspecto formal como pressuposto para que no sejam
considerados quaisquer tipos de valores. Juridicamente, s podem ser considerados como
direitos fundamentais os [...] valores que o povo (leia-se: o poder constituinte) formalmente
reconheceu como merecedores de uma proteo normativa especial, ainda que
implicitamente.70. Adriana Zawada Melo o complementa dizendo que os direitos fundamentais
esto [...] indissociavelmente ligados igualdade e dignidade da pessoa humana, que ao lado
da liberdade, do a eles substratos axiolgicos e informa a prtica de diversos institutos [...]71.
66 MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 4. ed. So Paulo: Atlas, 2013, p. 23. 67 MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 4. ed. So Paulo: Atlas, 2013, p. 24. 68 MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 4. ed. So Paulo: Atlas, 2013, p. 15. 69 MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 4. ed. So Paulo: Atlas, 2013, p. 17. 70 Ibid., mesma pgina. 71 MELO, Adriana Zawada. Informao e direitos fundamentais : a eficcia horizontal das normas constitucionais
/ Dbora Gozzo (coord.). So Paulo: Saraiva, 2012, p. 15.
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Lus Roberto Barroso72 lembra que a dignidade humana por vezes foi associada ao status
pessoal de alguns indivduos ou proeminncia de determinadas instituies. Como status
pessoal indicava a posio poltica ou social a que o indivduo fazia jus, ao integr-la e por
caracterizao de instituies especficas (a da pessoa do rei, da coroa e do Estado), referia-se
aos poderes que estes detinham, sendo somente relacionada com os Direitos Humanos no final
do sculo XVIII. Portanto, das muitas caracterizaes ou sentidos que assumiu de Roma at o
sculo XVIII, traduzia um estado de superioridade; uma alta posio em sociedade e o mero
pertencer a uma determinada classe social.
Assim e destas constataes no h como associar, substituir ou achar que a dignidade
humana do presente a mesma singularizada na antiguidade. Vejamos que, em busca de dias
melhores, muitas tentativas e perspectivas foram criadas, principalmente, em relao ao Estado.
Atravs de propostas como as ofertadas pelo Estoicismo, pelo Iluminismo e por Kant, o
conceito que estava associado a uma classe ou posio social sofre um enorme revs e, desde
ento, seguindo a ordem anunciada acima, direcionado para a compreenso de um valor
intrnseco que j est no indivduo, que caminha para a singularizao universal e que reafirma
que o homem fim e no meio.
Consequentemente, ao longo dos dias, procurou-se viabilizar as diversas
personificaes dos Entes Pblicos Maiores, chamados de Estados. No modelo Liberal do
sculo XVIII, defendeu-se que todos os homens nasciam livres e, em razo disto, eram iguais
e independentes. Com essa ao, o Estado foi limitado, quanto s interferncias na autonomia
individual. Anna Cndida da Cunha Ferraz73 observa que das atitudes tomadas nasceram os
direitos de primeira dimenso que firmaram direitos e liberdades dos indivduos, direitos vida,
72 BARROSO, Lus Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporneo: A
Construo de um Conceito Jurdico Luz da Jurisprudncia Mundial. Trad. Humberto Laport de Mello. 2
reimpresso. Belo Horizonte: Frum, 2013, p. 13. 73 FERRAZ, Anna Candida da Cunha. Aspectos da positivao dos direitos fundamentais na Constituio de 1988.
In FERRAZ, Anna Candida da Cunha (coord.) Direitos Humanos Fundamentais : positivao e concretizao.
Osasco: Edifieo, 2006, p.160
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liberdade em geral, propriedade, participao e igualdade, dentre outros, frente ao Estado
(representado na forma da lei); e isto na inteno de serem evitadas prestaes negativas por
parte do Ente Maior.
Na sequncia, de uma organizao intervencionista, houve a evoluo para um Estado
rbitro, cuja misso era a de ser um garantidor do bem comum, como respeitador, guarda e
promotor dos direitos fundamentais. Neste modelo, o Estado Social de Direito encontrou-se
firmado na Constituio Mexicana de 1917 e na de Weimar 1919. nesta poca que comeam
a aparecer os direitos fundamentais de segunda dimenso, que so chamados de direitos sociais,
culturais e econmicos, tornando-se ento o Ente Pblico Maior um prestador de servios. Em
outras palavras, tem ele o dever de executar as aes positivas e construtivas, em relao aos
seres humanos.
No sculo XX, j se tem a notcia do aparecimento dos direitos de terceira dimenso,
cuja preocupao com a fraternidade ou solidariedade, por um meio de ambiente mais
equilibrado e saudvel para os indivduos, no tardando em ocorrer o avano para a quarta
gerao de direitos, em que so lembrados os ligados biogentica. Vm depois tambm os de
quinta dimenso, que projetaram a paz como elemento fundamental de todos. Todas essas
dimenses/geraes j foram citadas no incio deste trabalho, porm o que se quer reforar
que, nesta caminhada, para que houvesse um sentimento humanstico, lidou-se com muitas
rejeies em relao legitimidade da dignidade humana como um conceito e/ou elemento
jurdico. Principalmente porque, em determinados casos, ela no constava diretamente escrita
nas Constituies (a exemplo, a dos Estados Unidos e da Frana), chegando determinados
autores74, como bem fala Lus Roberto Barroso, a conclurem que a promoo daquela agia to
somente como um resgate das concepes jusnaturalistas; e isto, sem ser mencionada a
74 Ver Chalotte Girard e Stphanie Hennette-Vauchez (La dignit de la personne humanie: recherce sur um
processus de juridicisation, 2005.)
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existncia da defesa de uma graduao da prpria palavra que, para Augusto Mezzomo75,
encontra-se oscilante entre: indigno, pouco digno, bastante digno, muito digno, dignssimo.,
ficando ento na dependncia da interpretao do que seja a pessoa76.
Neste panorama e com muita insistncia, foi ento sendo projetada uma conscincia
mnima e positiva na inteno de reconhecer o tal elemento e lhe atribuir um conceito jurdico.
Desta forma, se a dignidade humana hoje estudada e encontra-se localizada nos principais
contedos normativos do mundo e tambm j pode ser reconhecida nos costumes das
sociedades, isto se deve ao trabalho rduo de vrias pessoas e instituies que contriburam para
o seu sucesso. Mesmo que no haja ainda uma unanimidade quanto sua afirmao, possvel
declarar que a Dignidade da Pessoa Humana est constituda a partir de caractersticas
fundamentais e insubstituveis que, alm de fazerem aluses aos indivduos, indicam a
exigncia de necessidades perptuas. Destarte, muito mais que uma mera propaganda
paternalista, psicolgica, filosofia e religiosa, o mencionado elemento est estruturado em uma
s Verdade, ou seja, a de que o homem um ser nico, tanto em sua excelncia, como na
essncia e que, por causa disto, deve sempre ser respeitado, devendo ele tambm considerar,
em contrapartida, como necessidade, o respeito por seus semelhantes, visto que a sociedade j
est dentro dele e s precisa ser aperfeioada.
Infelizmente h comunidades internacionais que so contra a defesa da dignidade
humana e as razes apresentadas so as mais diversas. Diante disto, atualmente convive-se com
outro problema. Em muitos casos, quando verificada a violao de direitos e/ou de garantias
dos seres humanos, isto no se d pela falta de fundamentos, normatizaes e/ou a ausncia de
75 MEZZOMO, Augusto A. Dignidade e Direitos da Pessoa Humana Pesquisa da viso antropolgica e teolgica no pensamento dos sbios ao longo da histria. Revista BIOTHIKOS Centro Universitrio So Camilo 2011; 5(2): 193-200. 76 A dignidade no sentido cristo, parte da natureza, da origem e do destino do homem. Essa, encontra-se,
contraposta na disposio dada pelo entendimento da sociedade secularizada, ou seja, aquele que ignora a origem
e a natureza ontolgica do homem como fontes de dignidade, revertendo os cuidados, para a igualdade do seres
humanos e tambm, a outras caractersticas que eles possuem. H quem escreva que, teria sido esta a que teria
contribudo para o estabelecimento dos Direitos Humanos (MEZZOMO, 2011, 193-200).
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costumes, e sim pela inexequibilidade por parte de sujeitos que no reconhecem aqueles77.
Neste momento, estendemos justificado o emprego de determinadas intervenes, para que no
acontea o mesmo que ocorreu com as geraes passadas, ou seja, as mltiplas violncias e
agresses aos direitos dos homens. Agir assim no desrespeitar culturas e sim, preservar os
seres humanos multiculturalizados em dignidades, inclusive quanto sua condio humana,
que, alm de estar conceituada, deve ser exigida sob todos os aspectos e em nvel internacional.
O inverso faz com que os Direitos Humanos se tornem uma matria terica.
Em relao ao Brasil, a Dignidade da Pessoa Humana encontra-se congnere ao sistema
constitucional brasileiro normativo aberto, abarcando princpios e regras. Sendo assim, com
caractersticas pertencentes a cada um e no havendo qualquer hierarquia entre regras e
princpios, estes ltimos no possuem s o valor, mas tambm so reconhecidos como normas
jurdicas providas de eficcia, o que nos permite testemunhar um ambiente apto e habilidoso
para conquistar e assimilar as constantes alteraes oriunda das realidades. Ainda que no
determinem quais so as aes permissivas ou proibitivas que so prprias das regras, trabalham
para a caracterizao de direitos e a materializao da dignidade humana, na pretenso de
alcanarem o bem coletivo, atravs do individual, vindo a funcionar como paradigma em
relao aos demais, dentro e fora dos ordenamentos jurdicos.
No toa que o princpio da Dignidade da Pessoa Humana, acolhe outras duas
atribuies. Serve tanto como elemento de proteo de direitos contra medidas restritivas, ou
seja, contra o uso imoderado dos direitos, como tambm de justificativa para a imposio de
restries a direitos fundamentais, atuando, portanto, como limitador. Nos termos da
Constituio Brasileira de 1988, artigo 1, inciso III, no h diferenciao entre os seres
humanos. Todos so passivos de proteo contra os excessos cometidos pelo Estado e os
promovidos pelos indivduos. Lembrar-se da dignidade humana como um princpio reafirm-
77 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 10. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 23.
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la como alicerce de todo sistema constitucional e mais, infraconstitucional. fazer dela um
refgio para os direitos individuais e coletivos.
Antonio Junqueira de Azevedo78 escreve que o fato de haver uma combinao sobre as
palavras dignidade da pessoa humana no esconde o grande desacordo de seu contedo, a
comear pelas concepes de pessoa humana. Pela interpretao insular, que chamada por ele
de dominante, diz que essa erra por no analisar o indivduo como um todo. A falta de
conhecimento da natureza do homem tambm uma de suas deficincias. Por ser fechada a
respeito do que conceitua, torna-se ainda mais complicada a possibilidade de o ser humano
reconhecer em seu prximo a capacidade de dialogar e a sua vocao espiritual. Ao
individualizar o ser humano em sua prpria inteligncia e vontade, obsta sua compreenso
acerca do que a dignidade humana. Explica o autor que h os que a descrevem como
autoconscincia e outros, como a concepo que coopera para o fim, uma vez que torna o
homem insuficiente.
Em quadro posterior, ensinado que h a espcie ontolgica que se refere a uma
percepo que pode ser dualista ou monista. Na primeira, o homem e a natureza no se
encontram, vez que se acham em categorias distintas; aquele prevalece como sujeito por ver e
pensar e a natureza, como mero objeto (fator bruto). Em seu oposto, na monista, h a concepo
prpria de uma nova tica, fundamentada no homem como parte integrante da natureza, cuja
principal diferena no est na razo e na vontade, pois at os animais as possuem, mas na
capacidade do ser humano de sair de si e reconhecer o outro como igual no uso da linguagem,
dilogo e amor.
Joseph Nuttin,79 a respeito da natureza humana escreve que esta se encontra fracionada
em trs nveis: a-) psicobiolgico, que dividido na autopreservao e no sexual; b-)
78 AZEVEDO, Antonio Junqueira. Caracterizao Jurdica da Dignidade da Pessoa Humana. Revista USP,
So Paulo, n.53, p. 90-101, maro/maio 2002, p. 91. 79 NUTTIN, Joseph. Psicanlise e personalidade. Trad. Geraldo Servo. So Paulo: Agir, 1972.
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psicossocial, que fragmentado na sociabilidade e na autoafirmao e; c-) psicoespiritual, que
a cogitao do sentido da vida e autotranscedncia. Sustenta que a anlise fenomenolgica
dos indivduos revela notas que os caracterizam e por isto, antes de ser promovido um conceito
a respeito do que seja a dignidade humana, devem ser fixados os elementos constitutivos
daqueles. Neste caso, a racionalidade, a liberdade, a sociabilidade, a historicidade e a
espiritualidade.
A racionalidade sinnimo de cognio. Demonstra que o ser dotado de aptides e
em virtude disto, consegue chegar ao conhecimento sensvel e intelectual. Tal elemento est
alicerado sobre um trip: a capacidade de abstrao e elaborao de conceitos universais; a
capacidade de formar juzos afirmando ou negando um pensamento do outro; e, por ltimo, a
capacidade de inferir um juzo de outro, que equivaleria a um raciocnio. Assim e como
resultado, o ser humano reconhece a cincia como o conhecimento das coisas pelas causas. A
razo coloca o homem em situaes de privilgios em relao a outros seres, mas com fins
harmnicos entre os seus. Logo, o conhecimento intelectual, por permitir a captao de valores,
demonstra a dignidade da pessoa humana contrabalanceando-a com o espiritual. Quanto
liberdade, por serem os indivduos dotados desta, conseguem se autodeterminar. Da
possibilidade de conhecerem, tm no esprito a capacidade de eleger e decidir. Em relao ao
elemento da sociabilidade, os seres humanos dependem da convivncia com outros. A
sociabilidade gera nas pessoas humanas a solidariedade, a cooperao e a autorrealizao. No
elemento histrico, os indivduos contam com realizaes e evolues. Por ltimo, a
espiritualidade atua para efetivar a dignidade humana.
Feitos estes esclarecimentos, para De Plcido e Silva,80 a palavra dignidade tem a sua
origem no latim dignitas, correspondendo assim a uma virtude ou considerao. Ocupa-se ele
em informar que o tal vocbulo refere-se a uma qualidade moral; a um respeito que prprio
80 SILVA, De Plcido. Vocabulrio Jurdico. 7. ed. 4v. Rio de Janeiro, Forense, 1982.
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da pessoa humana, sendo possvel se conseguir mais uma descrio, ou seja, a jurdica,
representando esta uma indicao ou honra, que entendemos ser um ttulo natural, que prprio
dos homens.
Neste ponto apenas sugerimos cuidado, visto que, por intermdio de diversas ilaes,
h uma grande diferena da expresso dignidade para a da palavra carter, que aparece
como sendo o gnero e a representao de todas as qualidades nos seres humanos. Dignidade
a espcie, o referencial, o dom, a marca, a ddiva que alm de emitir o confessado, tem tambm
associada a ela milhares de outros sinnimos e adjetivos que favorecem na avaliao de
inmeros predicados (honestidade, integridade, respeitabilidade, capacidade etc.) que podem,
ou no, estar presentes nos indivduos.
Ela tambm assume uma dupla dimenso (interna e externa). A interna corresponde
expresso de um valor intrnseco que cada indivduo dispe. Alm de ser inviolvel81, equivale
s caractersticas que so inerentes a todos os homens, fazendo-os diferentes e especiais, em
relao aos seres de outras espcies82. J a externa representa direitos, anseios e
responsabilidades e, inclusive quanto a terceiros, pode sofrer ofensas ou violaes. A mais,
declara Lus Roberto Barroso que a dignidade humana possui um conceito multifacetrio que
se serve de diversos ramos, cincias e fatos histricos e que tende a aparecer em muitos moldes.
Pode ser tanto um valor absoluto; fundamental, ou seja, aquele que no deve ser tomado como
81 BARROSO, Lus Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporneo: A
Construo de um Conceito Jurdico Luz da Jurisprudncia Mundial. Trad. Humberto Laport de Mello. 2
reimpresso. Belo Horizonte: Frum, 2013, p. 72 revela que: nenhum documento jurdico nacional ou internacional tentou oferecer uma definio para o termo, deixando o significado intrnseco da dignidade da pessoa
humana para o entendimento intuitivo.. 82 A grosso modo, esta a minha concepo minimalista: a dignidade humana identifica 1. O valor intrnseco de
todos os seres humanos; assim como 2. A autonomia de cada indivduo; e 3. Limitada por algumas restries
legtimas impostas a ela em nome de valores sociais ou interesses estatais (valor comunitrio). No plano jurdico,
o valor intrnseco est na origem de conjunto de direitos fundamentais. Lus Roberto Barroso, A Dignidade da
Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporneo: A Construo de um Conceito Jurdico Luz
da Jurisprudncia Mundial. Trad. Humberto Laport de Mello. 2 reimpresso. Belo Horizonte: Frum, 2013, p.
72-77.
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absoluto, mas, que funciona como justificativa moral para o fundamento normativo dos direitos
constitucionais; como at, um princpio jurdico constitucional83.
Ingo Wolfgang Sarlet, 84 embora no tenha deixado claro, em palavras anteriores, o que
a dignidade humana, em outro instante traz a seguinte colaborao para o universo jurdico.
Diz referir-se a uma:
qualidade intrnseca e distinta reconhecida em cada ser humano que o faz
merecedor do mesmo respeito e considerao por parte do Estado e da
comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres
fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de
cunho degradante e desumano, como venha a lhe garantir as condies
existenciais mnimas para uma vida saudvel, alm de propiciar e promover
sua participao ativa e corresponsvel nos destinos da prpria existncia e da
vida em comunho com os demais seres humanos.
Por reconhec-la como qualidade intrnseca, dispe que est ligada aos direitos
fundamentais e inseparvel da pessoa humana, encontrando-se essa dividida em outras duas
dimenses: a natural ou individual, que aquela que no pode ser tocada e a social que a
denominada de valor moral, pois deriva do mundo externo e agrega valores sociais aos homens.
Estas duas seriam frutos das sociedades. A natural igualmente reconhecida por Alexandre de
Moraes85, porm recebe dele o nome de espiritual e a social, de valor moral. Assim se comporta
e nomeia, por considerar que a leitura daquelas deve ser feita de forma individual, pois tendem
a indicar caractersticas prprias e individuais de cada homem. Quanto ao aspecto extrnseco
da dignidade, Ingo Wolfgang Sarlet entende que se encontra relacionado s condies materiais
83 BARROSO, Lus Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporneo: A
Construo de um Conceito Jurdico Luz da Jurisprudncia Mundial. Trad. Humberto Laport de Mello. 2
reimpresso. Belo Horizonte: Frum, 2013, p. 62-64. 84 SARLET, Ingo Wolfgang. As Dimenses da dignidade da pessoa humana : construindo uma compreenso
jurdico constitucional necessria e possvel. In: SALET, Ingo Wolfgang (org.). Dimenses da Dignidade. Ensaios
de Filosofia do Direito e Direito Constitucional. Trad. Ingo Wolfgang Sarlet, Pedro Scherer de Mello Aleixo,
Rita Dostal Zanini. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 37. 85 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais : Teoria Geral, Comentrios aos artigos 1 ao
5 da Constituio da Repblica Federativa do Brasil, Doutrina e Jurisprudncia. 4 ed. So Paulo: Atlas,
2002, p. 60.
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que cooperam para se ter uma vida digna86 e aponta o mnimo necessrio para que os homens
possam viver com dignidade.
Alexandre de Moraes87 o complementa do seguinte modo:
[...] valor espiritual e moral inerente pessoa que se manifesta singularmente
na autodeterminao consciente e responsvel da prpria vida e que traz
consigo a pretenso ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se
um mnimo invulnervel que todo estatuto jurdico deve assegurar, de modo
que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitaes ao exerccio dos
direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessria estima que
merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.
Dado a isso, precisamos ento verificar qual o perodo da aplicao jurdica do
mencionado conceito, uma vez que a temporalidade da dignidade humana reconhecida
conforme se ver no ordenamento brasileiro, com o nascimento com vida e se estende at a
morte. Pode-se dizer que cada pas define o modo de apresentao daquela em seu ordenamento,
mas a regra que ela sirva como um princpio que est intimamente entrelaado e indissocivel
a todo o regramento jurdico; principalmente, por ser o ncleo de direitos fundamentais (a
igualdade e a liberdade). No caso do