Thor e a Serpente das Profundezas

Desde muito pequeno, Thor sentia um ódio muito feroz por todos

os monstros, principalmente pela enorme serpente que se escondia

no fundo dos oceanos. O corpo desse réptil gigantesco rodeava a

Terra, e seus ataques de raiva provocavam muitos naufrágios.

Raramente era vista durante o dia, mas qualquer movimento seu

nas águas profundas, por menos que fosse, resultava em

tempestades terríveis.

Ainda na adolescência, Thor resolveu que iria eliminar aquele ser

maligno, responsável pela morte de milhares de marinheiros. Com

esse objetivo, foi até os confins do mundo, uma região pouco

acessível aos homens e deuses. Lá vivia um povo de gigantes

pescadores, que conheciam muito bem os hábitos da serpente.

Depois de muita conversa, um deles - chamado Hymir – aceitou

levar Thor num barco. É verdade que o gigante não estava muito

convencido e ficou o tempo desconfiando daquele rapaz que

parecia tão pretensioso!

Thor não se deixou impressionar e perguntou que tipode isca devia levar para aquela estranha pescaria. ComoHymir não quis responder, Thor não discutiu: pegou umboi do gigante, cortou a cabeça do animal e a levou nobarco.

Hymir, mesmo assustado com a perspectiva de encontraro monstro e pouco seguro quanto às qualidades depescador do rapaz, acabou lhe indicando um lugar ondea água borbulhava com frequência, sinal de que aSerpente das Profundezas gostava de passear por ali.Remando com muita habilidade, Thor chegou ao localsem nenhum esforço. Depois colocou um enormegancho de metal preso na ponta de um cabo fortíssimo eenfiou ali a cabeça do boi. Jogou tudo dentro da água eesperou pacientemente... como se aquela fosse umapescaria comum!

O gigante estava apavorado com o que podia acontecer e pediupara voltar logo ao porto, mas Thor nem quis saber disso. Ocabo se esticou de repente, e ondas enormes se formaram emvolta do barco, que parecia uma rolha dançando sobre elas. Emvez de se preocupar, Thor puxou a linha com força, e umacabeça horrível emergiu da água! Era tão horripilante que ogigante nem tinha coragem de olhar direito para ela. Feliz comaquela bela presa, o jovem Thor retesava todos os músculos.Ainda não era adulto, mas já tinha uma energia considerável, ea serpente compreendeu o perigo que a ameaçava. Enrolou ocorpo em volta de uns rochedos marinhos e começou a puxartambém. Em pé no barco, Thor viu que seus braços acabariamarrancados. Seus punhos, dolorosamente enrolados pela corda,já tocavam a beirada do barco... E então se ouviu um e se ouviuum estalo sinistro: as pernas de Thor, curvadas ao máximo,tinham furado as tábuas do casco!

Apesar de tudo, ele estava conseguindo manter a cabeçado monstro fora da água. Aos poucos, a serpente iaperdendo as forças, mas sua boca cuspia jatos de veneno eseus olhos injetados de sangue lançavam olharesaterradores. Era tudo tão terrível que Hymir, encolhidonum canto do barco, ficou em pânico. Pensando apenas naprópria pele, o gigante agarrou um machado e partiu ocabo com um único golpe. Thor imediatamente caiu depernas para o ar. Furioso, viu a serpente desaparecer tãorápido que ele nem teve tempo de lançar seu martelo.

Thor ficou num estado de cólera terrível e decidiu vingar-se do covarde que o fizera fracassar em sua primeirafaçanha. O deus tinha pouca altura, mas mesmo assim deuum soco no gigante e o largou dentro do barco, que faziaágua. A fim de se acalmar, voltou para casa a pé...caminhando pelo fundo do mar!

Durante muitas luas, a Serpente das Profundezas teve de

ficar cuidando das feridas numa caverna secreta, lá no

ponto mais profundo dos oceanos. Sentira o maior

medo de sua vida e resolvera então tomar muito

cuidado, para nunca mais ser apanhada numa armadilha

tão boba. E, infelizmente para os vikings, o monstro

ainda iria assombrar os oceanos por muito tempo e

provocar inúmeros naufrágios.

GILLES RAGACHE; MARCEL LAVERDET. Os vikings:

mitos e lendas.

Tradução de Ana Maria Machado. São Paulo: Ática,

1997. P. 22-23.