textos introdutórios da política econômica de jango

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O Plano Trienal e a política econômica no presidencialismo Diante de um cenário econômico que apresentava perceptíveis dificuldades no gerenciamento das contas públicas e dos contratos externos, foi anunciada, em 30 de dezembro de 1962, a adoção de um novo modelo geral de orientação da política econômica do governo. Elaborado pela equipe chefiada pelo ministro extraordinário do Planejamento, o economista Celso Furtado, o Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social procurou estabelecer regras e instrumentos rígidos para o controle do déficit público e refreamento do crescimento inflacionário. No diagnóstico apresentado e na terapêutica proposta, as linhas-mestras do plano estão muito mais próximas do receituário ortodoxo acerca do controle inflacionário do que das interpretações alternativas da escola cepalina, da qual Furtado era um dos mais notáveis representantes. Para muitos analistas, este aparente paradoxo pode ser entendido a partir da compreensão dos nexos conjunturais que associam a formulação do Plano Trienal ao cenário político do fim do período parlamentarista. Segundo estas interpretações, com a divulgação de um detalhado e ambicioso plano econômico a menos de uma semana da realização do plebiscito sobre o sistema de governo,Goulart estaria tanto contornando resistências (ao evidenciar que suas propostas não correspondiam a uma radical alteração no padrão de condução da política econômica brasileira) como também reivindicando condições políticas ideais para a implementação destas propostas. A premissa central do plano propunha o combate à inflação a partir do controle do déficit público e das emissões, assumindo, para tal, uma estratégia gradualista. Fixando como objetivo a ser buscado a taxa inflacionária de 10% ao ano em 1965 (com meta parcial de 25% para o ano de 1963), o plano não negligenciava a perspectiva desenvolvimentista. Nesse sentido, tratava-se de um instrumento de saneamento econômico cujo objetivo era garantir o financiamento para as iniciativas governamentais em nome do desenvolvimento nacional (dentre as prioridades no planejamento de investimentos públicos estavam muitos dos itens constantes da agenda básica das polêmicas reformas de base). A garantia do financiamento deveria vir de investimentos externos, do aumento das exportações e da implementação de novas medidas tributárias, com a proposta de impostos específicos para os contribuintes com altas rendas. Completando o conjunto geral de ações haveria uma re-equiparação dos preços e tarifas e um corte sistemático nos subsídios. Coube a San Tiago Dantas, empossado em janeiro de 1963 na pasta da Fazenda do primeiro ministério presidencialista de Jango, a tarefa de administrar as linhas básicas do Plano Trienal em face às necessidades políticas e orçamentárias do governo. Seguindo o ritual de busca de aval internacional às novas medidas, Dantas seguiu para Washington visando a captação de novos recursos. Diante dos resultados não muito favoráveis das negociações com investidores e credores norte-americanos, o governo decidiu adotar medidas rígidas de controle das despesas SARMENTO, Carlos Eduardo. A trajetória política de João Goulart: O Plano Trienal e a política econômica no presidencialismo. Disponível em: <https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/artigos/NaPresidenciaRepublica/ O_plano_trienal_e_a_politica_economica >. Acesso em: 30 ago. 2015.

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Política econômica de Jango

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Page 1: Textos Introdutórios Da Política Econômica de Jango

O Plano Trienal e a política econômica no presidencialismo

 Diante de um cenário econômico que apresentava perceptíveis dificuldades no

gerenciamento das contas públicas e dos contratos externos, foi anunciada, em 30 de

dezembro de 1962, a adoção de um novo modelo geral de orientação da política

econômica do governo. Elaborado pela equipe chefiada pelo ministro extraordinário do

Planejamento, o economista Celso Furtado, o Plano Trienal de Desenvolvimento

Econômico e Social procurou estabelecer regras e instrumentos rígidos para o controle

do déficit público e refreamento do crescimento inflacionário. No diagnóstico

apresentado e na terapêutica proposta, as linhas-mestras do plano estão muito mais

próximas do receituário ortodoxo acerca do controle inflacionário do que das interpretações alternativas da escola cepalina, da

qual Furtado era um dos mais notáveis representantes.

Para muitos analistas, este aparente paradoxo pode ser entendido a partir da compreensão dos nexos conjunturais que

associam a formulação do Plano Trienal ao cenário político do fim do período parlamentarista. Segundo estas interpretações,

com a divulgação de um detalhado e ambicioso plano econômico a menos de uma semana da realização do plebiscito sobre o

sistema de governo,Goulart estaria tanto contornando resistências (ao evidenciar que suas propostas não correspondiam a

uma radical alteração no padrão de condução da política econômica brasileira) como também reivindicando condições políticas

ideais para a implementação destas propostas.

A premissa central do plano propunha o combate à inflação a partir do controle do

déficit público e das emissões, assumindo, para tal, uma estratégia gradualista. Fixando

como objetivo a ser buscado a taxa inflacionária de 10% ao ano em 1965 (com meta

parcial de 25% para o ano de 1963), o plano não negligenciava a perspectiva

desenvolvimentista. Nesse sentido, tratava-se de um instrumento de saneamento

econômico cujo objetivo era garantir o financiamento para as iniciativas governamentais

em nome do desenvolvimento nacional (dentre as prioridades no planejamento de

investimentos públicos estavam muitos dos itens constantes da agenda básica das

polêmicas reformas de base). A garantia do financiamento deveria vir de investimentos externos, do aumento das exportações

e da implementação de novas medidas tributárias, com a proposta de impostos específicos para os contribuintes com altas

rendas. Completando o conjunto geral de ações haveria uma re-equiparação dos preços e tarifas e um corte sistemático nos

subsídios.

Coube a San Tiago Dantas, empossado em janeiro de 1963 na pasta da Fazenda do primeiro ministério presidencialista de

Jango, a tarefa de administrar as linhas básicas do Plano Trienal em face às necessidades políticas e orçamentárias do

governo. Seguindo o ritual de busca de aval internacional às novas medidas, Dantas seguiu para Washington visando a

captação de novos recursos. Diante dos resultados não muito favoráveis das negociações com investidores e credores norte-

americanos, o governo decidiu adotar medidas rígidas de controle das despesas e de acesso ao crédito, sendo verificado, nos

primeiros seis meses de 1963, um decréscimo de 30% no volume de créditos bancários obtidos pelo setor privado.

Premido pelas pressões políticas de sua base trabalhista e constatando os pífios resultados efetivos do programa de

contenção inflacionária, Goulart autorizou, no mês de abril, que fossem retomados os programas de subsídios às importações

e deu início ao processo de renegociação salarial de diversas categorias. Com isto, o presidente praticamente abandonava os

rigorosos mecanismos de controle de emissão e do déficit público, preconizados no Plano Trienal, para buscar, através de uma

política econômica mais flexível e permissiva, a consolidação de uma sólida base política.

SARMENTO, Carlos Eduardo. A trajetória política de João Goulart: O Plano Trienal e a política econômica no presidencialismo. Disponível em: <https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/artigos/NaPresidenciaRepublica/O_plano_trienal_e_a_politica_economica >. Acesso em: 30 ago. 2015.

Page 2: Textos Introdutórios Da Política Econômica de Jango

Descumprindo a meta fixada com o FMI de 40% de ajuste para as categorias

funcionais, o governo concedeu aumento de 56,25% para o salário mínimo e concordou

com aumentos salariais para o funcionalismo público que oscilavam em torno de 60%.

O impacto destas medidas foi praticamente imediato, e no primeiro semestre do ano as

contas públicas apresentavam um déficit de 30% nas despesas governamentais. Em

pouco mais de quatro meses o crescimento do PIB sofreu uma radical desaceleração,

passando da média de 6,6%, verificada em 1962, para valores abaixo de 0,5%. Claros

sinais de recessão econômica foram verificados em junho pela comissão de técnicos do

FMI. Preocupados com os rumos da política econômica brasileira, eles destacam em seu relatório a elevação dos índices de

inflação (25% nos cinco primeiros meses do ano) e as dificuldades do país em honrar compromissos internacionais.

Diante de um impasse político e econômico, João Goulart promoveu uma nova reforma ministerial, procurando atrair apoios de

setores conservadores e empresariais. A escolha de Carvalho Pintopara a Fazenda era um dos exemplos de mais uma

tentativa de arranjo político. No entanto, o ex-governador paulista não dispunha de instrumentos técnicos nem de estabilidade

política para empreender uma efetiva mudança de curso na gestão da política econômica do governo. Para alguns analistas, a

grande contribuição de Carvalho Pinto teria ter descartado a possibilidade de moratória da dívida (que então montava a US$ 3

bilhões) aventada por políticos ligados ao presidente.

Em termos propositivos, o novo ministro buscou, através da edição da Instrução nº 255 da Superintendência da Moeda e do

Crédito (SUMOC), um novo mecanismo de estabilização da inflação e de financiamento do governo. No entanto, a emissão de

letras destinadas à captação de recursos sofreu forte oposição dos bancos privados e não surtiu os efeitos almejados. A

radicalização política atingiria diretamente o Ministério da Fazenda nos últimos meses de 1963. Pressionado pelos entusiastas

da adoção de medidas nacionalizantes extremas e pelos críticos radicais do receituário dos credores externos, Carvalho Pinto

passou a ser alvo dos inflamados pronunciamentos de Leonel Brizola, que reivindicava para si a pasta.

Em dezembro, Carvalho Pinto afastou-se do cargo que, ao contrário do que era cogitado, não foi entregue a Brizola, mas sim a

outro gaúcho, o moderado pessedista Nei Galvão. Sob a sua gestão foi finalmente regulamentada a Lei de Remessa de

Lucros, que tramitara longamente no Congresso. Os termos da lei, que considerava como capital nacional os lucros obtidos em

atividades no Brasil e estabelecia o limite de remessas para o estrangeiro em 10% do total do capital registrado das empresas,

apenas corroboravam o clima de radicalização política e de insolvência econômica que marcaria o final do governo João

Goulart. No último ano de seu mandato, a taxa de crescimento da economia se deteve em níveis pouco acima de 1%, a

expansão monetária alcançou o índice de 64,3% de crescimento e as projeções das taxas de inflação indicavam um patamar

superior a 80%. A explosiva combinação de irresponsabilidade fiscal, descontrole dos mecanismos de emissão, fragilidade

política e falta de apoio do capital internacional havia contribuído para a economia brasileira evidenciar um grave cenário

recessivo.