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Apesar de todas as diferenças com que democraticamente convivemos, é sabido que há sempre uns mais diferentes do que outros. Que se distinguem naturalmente, pelas mais variadas razões (e circunstâncias) que fazem deles pessoas distintas TEXTO DE SARAH ADAMOPOULOS FOTOGRAFIAS DE TIAGO MIRANDA Arrojo de ser di f er e nt e CORAGEM SOCIEDADE 40 REVISTA ÚNICA · 31/01/2009

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Page 1: TEXTODE SARAH ADAMOPOULOS TIAGO MIRANDA difnte · dava logo tudo. Em Portugal, antes da cirur-gia dita de redesignação sexual, nada feito. “No trabalho é inultrapassável”,

Apesar de todas as diferençascom que democraticamente

convivemos, é sabidoque há sempre uns mais

diferentes do que outros. Quese distinguem naturalmente,

pelas mais variadas razões(e circunstâncias) que fazem

deles pessoas distintasTEXTO DE SARAH ADAMOPOULOS

FOTOGRAFIAS DE TIAGO MIRANDA

Arrojode ser

diferente

CORAGEMSOCIEDADE

40 REVISTA ÚNICA · 31/01/2009

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NATACHA FONTAINHAMARCOU A VIDA NAPELE. CADA UMA DASSUAS TATUAGENSCONTA UMA HISTÓRIADE CORAGEM

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AS TRANSEXUAIS LARACRESPO E EDUARDASANTOS FOTOGRAFA-DAS JUNTO A UM IMPO-NENTE RETRATO DADESASSOMBRADA DONAMARIA PIA, A BENEMÉRI-TA, TAMBÉM ELA UMAMULHER MUITO DIFEREN-TE PARA A ÉPOCAN

atacha Fontinha escre-veu na nuca a palavraHonra. Não diz a idade,porque a informação ro-tula. “Cada um tem aidade que quer ter.” Mu-lher diferente, sim, emuito, apesar de todas

as nova-iorques, berlins e amesterdões destemundo, em que Portugal é ainda outro —avesso à diferença. Mãe do Átila, nove anos,nome legalmente negociado, porque à dataomisso na lista de nomes admitidos, a mu-lher tatuada é uma filha única nascida numafamília tradicional, que os novos piercings etatuagens de Natacha foram comprometen-do com a modernidade. Que sim, que se vêcomo uma pessoa fora do baralho, emborasobretudo como alguém diferente por den-tro. Alguém que prefere “levar a vida a brin-car”, tendo a coragem de parecer, diz, quemrealmente é — um outro debate ainda assim.“Ser diferente não é só estar tatuado, é sê-lomesmo perante a vida.” Ter, também, a cora-gem de enfrentar os outros, com os seus pre-conceitos apensos. “Às vezes as pessoas abor-dam-me para me perguntarem se eu nãoacho que exagero um bocado. Eu respondoque são pontos de vista! A tatuagem ainda évista como uma coisa de margem.”

Natacha trocou os trapos da moda “porum novo amor, algo que não saía mais, queficava na pele”. Cada tatuagem conta umahistória de coragem, “tal como o faziam asdos braços dos ex-combatentes” do ex-Ultra-mar. “É uma maneira de marcar o que é mui-to forte. Já os primitivos o faziam!” — ador-nar-se de símbolos significantes. “Isso é mile-nar. As sociedades modernas deram a voltaao texto, mas é a mesma coisa.” Para ela, atatuagem é a técnica de ilustração mais per-feita que existe, porque, ao contrário do mu-ral ou do papel, que o tempo sempre rasga,apaga, suprime velozmente, a pele tem aindaoutras qualidades. “Há textura, opacidade,envelhecimento, não há nada como a pele.”Nas costas, Natacha tatuou a Vida, porque éo que carrega — di-lo, rindo-se da vida quecada um de nós leva às costas. Nos dedos,

tatuou umas estrelas que substituem osanéis que deixaram de apetecer. Há uma ta-tuagem que lhe falta, em homenagem a Por-tugal, que ama incondicionalmente: “Uma ca-ravela portuguesa com a frase dos ‘Lusíadas’‘Por mares nunca dantes navegados’.”

“Há vinte anos era mais complicado. Eu iana rua e diziam-me que parecia um boi, coma minha argola no nariz. Mas hoje em dia, eunão posso ir trabalhar para um banco de ar-gola no nariz, e no entanto, em que é que issome impediria de fazer o meu trabalho?”

Boa pergunta, que se impõe também nocaso das transexuais (male-to-female) LaraCrespo, 37 anos, e Eduarda Santos, 50, que omercado de trabalho discrimina em razão domesmo princípio. “Sofro uma dupla discrimi-nação”, diz Eduarda. “Por ser transexual epor ter 50 anos.” Vivem as duas com o subsí-dio social de desemprego de Eduarda — 300euros. “Quando deixar de ter direito nãosei... mas se calhar vou assaltar bancos oupessoas na rua.” Não admira que uma per-centagem esmagadora dos transexuais portu-gueses (acima dos 90%) se prostitua para so-breviver. Mas se vivessem em Espanha, ondejá existe uma lei de identidade de género quereconhece as disforias da Natureza, Lara eEduarda teriam já novos nomes — o que mu-dava logo tudo. Em Portugal, antes da cirur-gia dita de redesignação sexual, nada feito.“No trabalho é inultrapassável”, explicaEduarda — porque os empregadores se recu-sam a celebrar contratos de trabalho compessoas cujo género definido pelo nome pró-prio não corresponde ao do género aparente.Mas não só: quando um transexual vai reno-var o bilhete de identidade ou recorre a umserviço de urgência hospitalar, é inevitável asituação caricata de ouvir um nome cujo gé-nero não corresponde ao visível perceptível.“Chamam alguém com um nome de homeme aparece uma mulher.”

Lara assumiu-se como transexual há noveanos (sete dos quais com acompanhamentoclínico psiquiátrico), Eduarda há cinco. Paraelas não se trata de uma questão de cora-gem, porque isso é para quem pode escolher.“A nossa parte psicossexual, que define a

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TERESA RICOU, APRIMEIRA MULHER-PA-LHAÇO PORTUGUESA,ACREDITA QUE, SEESTIVESSE EM AMESTER-DÃO, SERIA IGUAL AMUITA GENTE. “AQUELACIDADE NÃO SÓ RECO-NHECE COMO PROMOVEA DIFERENÇA”

identidade de género [feminina ou masculi-na] está ao contrário do nosso corpo. É umadualidade terrível, que provoca enorme so-frimento”, explica Lara. Amigas há oitoanos, Lara e Eduarda vivem juntas há três —querendo isto significar que partilham umacasa, e não que vivem amorosamente. Laraé heterossexual, Eduarda lésbica, orienta-ções sexuais — falamos aqui do sentido dodesejo — que assumem também com inegá-vel coragem, numa sociedade em que os este-reótipos comandam. “Estou com umas ma-minhas 36 muito bonitas”, diz Lara, cuja últi-ma intervenção foi um implante mamárioque a enche de orgulho feminino. Conquistaque não pode partilhar com a família, queinsiste em chamar-lhe Zé Carlos e em tra-tá-la como um homem, apesar de todas astransformações visíveis que o tratamentohormonal evidencia. “Há uma tensão enor-me quando estou com eles, retrocessos cons-tantes. Não me aceitam como mulher.” ParaEduarda, “a generalidade dos médicos trataisto como uma doença mental. A única van-tagem da psiquiatrização da transexualida-de em Portugal é o facto de as cirurgias deredesignação serem pagas pelo Estado”.Vantagem que em absoluto é parca, nummundo que se obstina em olhar para a tran-sexualidade como uma doença demasiadorara. Mas em cada 25.000 pessoas nasce umtransexual male-to-female.

Pioneira Rara é também Teresa Ricou, ou Te-té, a mulher-palhaço, como é mais conheci-da. “Sou um bocado maluca e vou um bocadomais à frente. No fundo, sou igual a mim pró-pria!”, relativiza. “Se eu estivesse em Ames-terdão era igual a uma data de gente, porqueé uma cidade que não só reconhece, comopromove a diferença.” Mas é em Lisboa quevive a nossa primeira mulher-palhaço (nemninguém se lembra de mais nenhuma), esco-lha ousada para esses outros tempos em quese afirmou. E concede: “Tenho uma respira-ção da vida diferente. E nunca desisto.” Qua-lidades que explicam também a longevidadee as conquistas da Escola de Artes Circensese Ofícios do Espectáculo Chapitô — um pro-

jecto cultural, educativo e social que faz adiferença. “Mas as pessoas nem sempre a re-conhecem, e por isso não a valorizam.” Dizque nunca aceitou pertencer à “massa disfor-me e mole, sem músculo e sem convicções”que define o rebanho.

Por vezes sente-se cansada de ter de estarconstantemente a afirmar as mesmas coisas.“Vale a pena usar a arte contra a exclusão.Vale a pena ousar na vida e não desistir, etalvez seja aí que reside de facto a minha dife-rença: na determinação. Claro que tudo isto

tem um preço. Se me sinto sozinha? Isso écomum às pessoas do espectáculo, e não memete medo. Fui suficientemente vadia a vidatoda para não precisar que tomem conta demim.” Para ela, o 25 de Abril foi uma tempes-tade depressa demais substituída por uma bo-nança torpe. “A tempestade acalmou logo, eficaram as folhas, que ninguém limpou. Estáa começar a cheirar um bocadinho a mofo...Eu fiz essa revolução”, diz, falando da tempes-tade que tudo parecia varrer. “Mas, e as ou-tras pessoas, o que é que estiveram a fazer?

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Isto [a inércia, o deixa-andar] não é só em Por-tugal. Por que é que os franceses elegeram oSarkozy? É esquisito, não é? O Chapitô eufi-lo, e ele está aí, a dar cartas. Por isso possofalar do que é lutar, construir, pensar, procu-rar as pessoas certas, correr riscos. E aprendimuitas coisas. Sei hoje, por exemplo, que épossível reinserir socialmente as pessoas.”

Aventura poética A “chafarica, ou estaminé”de Vítor Silva Tavares existe hoje “como há36 anos”, assegura rápido no gatilho a alma

da &etc — a editora conhecida por fazer, demaneira completamente diferente, livros di-ferentes de todos os outros. “Uma aventurapoética que foi desde logo lateral a todo ocomércio e indústria cultural, não se deixan-do nunca contaminar por coisa nenhuma(modas, circunstâncias políticas, crises).Uma aventura poética que começou por serum magazine de humor subversivo de umjornal e acabou a ser uma editora de livrosfundamentais para a história da edição li-terária em Portugal — com um catálogo

Teresa diz quenunca aceitoupertencer à“massa disformee mole, semmúsculo e semconvicções”

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impressionante de autores que vão de Pa-blo Picasso (entre muitos outros inespera-dos, como Gauguin, Berlioz, Malevitch ouSatie) a Louis Aragon ou Henry Miller, pas-sando por Sade, Rimbaud, Alfred Jarry, Ar-taud, Lorca, Michaux, Cendrars, Cocteau,Breton, Unamuno, Alberto Pimenta, Fia-ma, e muitos, muitos outros. Uma casa to-talmente independente — “dimensão funda-mental da própria acção poética. Porque setrata de poesia — e só dela”.

Diz que só fala de improviso, na linha de

risco de quem anda “no arame e sem rede”.Coragem? Só pode falar dela, diz, quem co-nhece bem o medo, e está habituado aolhá-lo de frente. Alguém como ele, que aomedo trata-o por tu. Convém, lembra, nãoesquecer as circunstâncias que fazem comque a pessoa se revele corajosa, e que deter-minam certas escolhas, como a sua de aca-bar com os empregos desta vida. “Sim, man-dei à merda os patrões. Quem não estábem, muda-se.” Não olha para trás, e vaipedindo desculpa pela “linguagem um boca-

Faz livros não--normalizados,cosidos à mãopor artesãs.Escapam a toda alógica comercial

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VICTOR SILVA TAVARESNÃO TEME ARRISCAR NASUA AVENTURA POÉTICAQUASE MARGINAL. EDITAE PUBLICA O QUE LHEAPETECE. DEFINE-SECOMO UM SER CULTU-RAL INDISCIPLINADO

do salgada”, que diz não poder evitar, mas averdade é que não olha “a vida pelo olho docu”. Habituado (afeiçoado) a salvar-se peloriso, moldado pelo “espírito novo funda-mental que foi o surrealismo”, considera-seum “ser cultural indisciplinado e pouco da-do a proselitismos”. Sem qualquer preocu-pação de fazer diferente. Ou de ser diferen-te. “Sou um tipo normalíssimo da vida. Naminha Madragoa [onde nasceu e vive] pou-ca gente sabe que faço livros.”

Livros que também eles são diferentes,

porque são quadrados ou, aliás, “rectângulosachatados”, com um quadrado lá dentro — odesafio em forma de cânone que Silva Tava-res coloca aos autores das capas da &etc (pin-tores e ilustradores criteriosamente escolhi-dos) desde o primeiro livro. Formato inspira-do numa conversa tida com Almada Negrei-ros, em que, a propósito dos intermináveisestudos geométricos sobre os painéis de Nu-no Gonçalves, o Mestre lhe explicou que ha-via chegado ao estudo geométrico certo semcálculo. “Uma boutade, pensei. Como era

possível chegar àquela complexidade semcálculo?” E no entanto, também o seu qua-drado, feito de estudos sem cálculo, viria ater as qualidades harmónicas do cânone. Li-vros não-normalizados, estrangeiros às impo-sições da indústria do papel, analógicos, cozi-dos à mão com linha por umas senhoras arte-sãs. Livros que são “uma entidade espiri-tual”. Cujos processos de comercialização es-capam às lógicas da cadeia de intermediáriosdo livro. Feitos por alguém um bocado dife-rente, que os faz não para comprar casas ecarros, mas por razões de outras elevações.Originalidade que lhe permitirá, espera, che-gar ao fim da vida verificando ter sido “à bra-va parecido” consigo próprio.

Lutar por uma existência digna Há buracosde balas nos vidros das marquises do bairrode habitação social de Chelas onde vive Lobé-lia Morais (Bela), 45 anos, mãe de Rúben, de18, atingido há 14 por uma doença rara e inca-pacitante que mudou a vida toda. Na escadado prédio, um pesado mecanismo que assegu-ra a mobilidade da cadeira de rodas do filho,evidencia a disparidade — de uma vida trans-formada numa dura cadeia de tarefas, queapenas a força moral desta mãe torna possí-vel. No quarto de Rúben, uma quantidade im-pressionante de espanta-espíritos pende dotecto como uma metáfora ao desafio constan-te que é manter na dignidade e na esperançauma vida humana marcada por níveis de ad-versidade inconcebíveis. No dia 11 de Abril de1995, Bela foi buscar o filho (então com qua-tro anos) ao jardim infantil para o levar aohospital porque lhe doía a perna esquerda.Mera dor de crescimento, e também de umbocadinho de ansiedade, disseram-lhe. “U-ma palmada e passava. Voltei para casa comuma receita de Maxilase.”

O menino foi internado e submetido a todoo tipo de exames de diagnóstico. “Ao terceirodia de internamento deixou de andar, depoisde engolir, perdeu a visão, deixou de falar (alíngua enrolava-se e os sons saíam todos mis-turados), de conseguir beber água, escorriatudo. Foi rápido e brutal.” Bela sentiu-seenlouquecer mas em vez de se despenhar,

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LOBÉLIA MORAIS NÃOSE DEIXOU DERROTARPELA DOENÇA DE RÚBEN.“ELE ESTÁ A FAZER O 9.ºANO E É UM CIDADÃO ESER HUMANO COMOQUALQUER OUTRO”, DIZCOM FORÇA INABALÁVEL

programou para si própria um plano de salva-ção, enquanto caminhava pelas ruas de Lis-boa, palmilhando todos os dias os quilóme-tros que distavam da casa onde então moravaao hospital, e deste àquela. “O Rúben voltoupara casa sem cadeira de rodas, e eu passei ater de ir todos os dias com ele ao hospital du-rante três meses. Pegava nele ao colo, apanha-va o eléctrico, depois o autocarro.” Bela dei-xou então os outros filhos (na altura com deze doze anos) em casa, e foi com o mais novo aParis. Voltou de lá de rastos. “Disseram-meque o Rúben tinha o Síndrome de Leigh, umadistonia [contracção muscular] dispersa mui-to grave, e que eu me fosse adaptando à ideiade o ver perder rapidamente mais capacida-des. É uma doença degenerativa e progressi-va. Deram-lhe um ano de vida, se tanto, e dis-seram que quando ele falecesse adoravam fa-zer a autópsia.”

Para esta mãe, a tarefa de dar uma exis-tência digna ao filho ocupa-lhe todas as ho-ras de todos os dias, desde que a vida mudou.Dignidade que os médicos e a generalidadedas pessoas não reconhecem, como se a vidanão devesse continuar para além da igualda-de aparente, como se a diferença de Rúbenfosse inaceitável. “A vida não está feita parauma realidade assim, há barreiras por todo olado.” Barreiras humanas, sobretudo. “Masninguém o trata como um coitadinho, por-que eu não deixo. Ele tem BI e número decontribuinte, está a fazer o 9º ano, é um cida-dão e um ser humano como qualquer outro.”Rúben tem enormes dificuldades respirató-rias “porque a parte torácica não cresceu, aocontrário dos membros. Ele sabe que a qual-quer momento pode ter uma paragem cár-dio-respiratória. Hoje, a vontade dele é denão ser reanimado”. Bela, que antigamentenão podia ver sangue ou sequer seringas,acompanha agora o filho em absolutamentetudo. Tudo é tudo: “Sou eu que o aspiro [aspi-ração das secreções das vias respiratórias] eque estou ao lado dele nas biopsias.” Lava-o,veste-o, alimenta-o, ouve-o. “Não tenho me-do de nada.” É do marido o único ordenadoque passou a entrar em casa. Vivem “no fioda navalha”. n A

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