texto eu sei mas nao devia (interpretação)

Upload: ana-cristina-henrique-silva

Post on 07-Jul-2015

3.712 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Texto: Eu sei, mas no devia

Queridos amigos, Conforme combinado, seguem as questes para interpretao do texto para serem respondidas at 03/05/2008 s 19h30m.

1. A crnica apresenta uma questo relacionada ao cotidiano do homem urbano na atualidade.

a) Qual essa questo? b) Que situaes, acontecimentos e atitudes apontados no texto, no seu entender, a maioria das pessoas se habitua a ver sem refletir sobre elas? c) Na sua opinio, por quer a maioria das pessoas acostuma -se a agir assim?^

2. No texto, a cronista no se limita a descrever imparcialmente o cotidiano do homem urbano moderno; ela narra expondo suas idias e sua emoo a respeito dele.

a) Que frase evidencia a conscincia da cronista sobre o assunto? b) Como ela se mostra diante das situaes relatadas na crnica?

3. Nesse texto, a cronista apresenta seu ponto de vista sobre o fator de o ser humano acostumar-se a morar em apartamentos com janelas que tm vista para muros e paredes.

a) Qual a conseqncia dessa situao? b) Na sua opinio, que outras situaes do cotidiano podem ter essa mesma conseqncia para as pessoas?

4. No quinto pargrafo, refere-se a comportamentos que fazem parte da rotina das pessoas.

a) Que fatores justificam esses comportamentos, segundo ela? b) Que frase nete pargrafo resume (sintetiza) a vida dee quem age assim?

5. No sexto pargrafo, a cronista revela o que pensa sobre a publicidade.

a) Qual a tese (idia) dela? b) Voc concorda ou discorda do ponto de vista apresentado? P or qu?

6. O stimo pargrafo dedicado poluio.

a) Que recurso, na construo do texto, a cronista emprega para sensibilizar o leitor? b) Das situaes apresentadas, qual mais o (a) sensibilizou? Por qu?

Eu sei, mas no deviaMarina ColasantiEu sei que a gente se acostuma. Mas no devia. A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a no ter outra vista que no as janelas ao redor. E, porque no tem vista, logo se acostuma a no olhar para fora. E, porque no olha para fora, logo se acostuma a no abrir de todo as cortinas. E, porque no abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplido. A gente se acostuma a acordar de manh sobressaltado porque est na hora. A

tomar o caf correndo porque est atrasado. A ler o jornal no nibus porque no pode perder o tempo da viagem. A comer sanduche porque no d para almoar. A sair do trabalho porque j noite. A cochilar no nibus porque est cansado . A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia. A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja nmeros para os mortos. E, aceitando os nmeros, aceita no acreditar nas negociaes de paz. E, no acreditando nas negociaes de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos nmeros, da longa durao. A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje no posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto. A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra. A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anncios. A ligar a televiso e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lanado na infindvel catarata dos produtos. A gente se acostuma poluio. s salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. s bactrias da gua potvel. contaminao da gua do mar. lenta morte dos rios. Se acostuma a no ouvir passarinho, a no ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos ces, a no colher fruta no p, a no ter sequer uma planta. A gente se acostuma a coisas demais, para no sofrer. Em doses pequenas, tentando no perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acol. Se o cinema est cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoo. Se a praia est contaminada, a gente molha s os ps e sua no resto do corpo. Se o trabalho est duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana no h muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado. A gente se acostuma para no se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.(1972)

Marina Colasanti nasceu em Asmara, Etipia, morou 11 anos na Itlia e desde ento vive no Brasil. Publicou vrios livros de contos, crnicas, poemas e histrias infantis. Recebeu o Prmio Jabuti com Eu sei mas no devia e tambm por Rota de Coliso. Dentre outros escreveu E por falar em Amor; Contos de Amor Rasgados; Aqui entre ns, Intimidade Pblica, Eu Sozinha, Zooilgico, A Morada do Ser, A nova Mulher, Mulher daqui pra Frente e O leopardo um animal delicado. Escreve, tambm, para revistas femininas e constantemente convidada para cursos e palestras em todo o Brasil. casada com o escritor e poeta Affonso Romano de Sant'Anna.