texto 3 -educação intercultural

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1 EDUCAÇÃO INTERCULTURAL: A CULTURA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS NO CONTEXTO ENTRE IGUALDADE E DIFERENÇA 1 EDIVANIA RIBEIRO DE AMORIM 2 Aos olhos dos recém-chegados, aquela indiada louçã, de encher os olhos só pelo prazer de vê-los, aos homens e às mulheres, com seus corpos em flor, tinha um defeito capital: eram vadios, vivendo uma vida inútil e sem prestança. Que é que produziam? Nada. Que é que amealhavam? Nada. Viviam suas fúteis vidas fartas, como se neste mundo só lhes coubesse viver. Aos olhos dos índios, os oriundos do mar oceano pareciam aflitos demais. Por que se afanavam tanto em seus fazimentos? Por que acumulavam tudo, gostando mais de tomar e reter do que de dar, intercambiar? Sua sofreguidão seria inverossímel se não fosse tão visível no empenho de juntar toras de pau vermelho, como se estivessem condenados, para sobreviver, a alcançá-las e embarcá-las incansavelmente? Temeriam eles, acaso, que as florestas fossem acabar e, com elas, as aves e as caças? Que os rios e o mar fossem secar, matando os peixes todos? (RIBEIRO, 2006, p. 41) O choque cultural causado quando o grupo do “eu” de repente se depara com o “outro”, o grupo do diferente que faz as coisas de uma forma que é impossível reconhecer como normal. É difícil entender como esse “outro” consegue existir e sobreviver de uma maneira diferente. Essa constatação da diferença ameaça a identidade cultural conhecida. O grupo do “eu” sempre entende que sua visão é a única possível e que a do “outro” é absurda ou anormal. O “eu” é sempre melhor e superior ao “outro” que é atrasado e inferior. (ROCHA, 2008) Essa aproximação cultural intensificada pela globalização da economia e da comunicação trouxe também a necessidade de uma convivência democrática e de respeito entre esses diversos grupos e não só uma convivência de tolerância dessas diferenças. Essa convivência configura uma proposta de educação com uma perspectiva que contemple as diversas culturas existentes. Abordaremos neste tópico uma reflexão sobre Educação Intercultural, o papel da cultura no cotidiano das escolas considerando o patamar da igualdade e da diferença. Discutiremos as diferenças conceituais entre a abordagem Multicultural e Intercultural, a relação entre a escola e a Interculturalidade, a proposta de como a Educação Intercultural pode se construir dentro da 1 Fragmento do texto: Concepções e práticas docentes de interculturalidade no município de Ji- Paraná/Ro. Monografia apresentada ao Departamento de Ciências Humanas e Sociais da Fundação Universidade Federal de Rondônia UNIR, Campus de Ji-Paraná/RO, como requisito avaliativo de conclusão do Curso de Licenciatura em Pedagogia, sob a orientação da Professora Doutora Josélia Gomes Neves, defendida em julho de 2014 2 Graduada em Pedagogia pela UNIR Campus de Ji-Paraná-RO.

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Texto que discute a cultura no contexto das escolas públicas numa perspectiva da educação intercultural

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Page 1: Texto 3 -Educação intercultural

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EDUCAÇÃO INTERCULTURAL: A CULTURA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS NO

CONTEXTO ENTRE IGUALDADE E DIFERENÇA1

EDIVANIA RIBEIRO DE AMORIM2

Aos olhos dos recém-chegados, aquela indiada louçã, de encher os olhos só pelo

prazer de vê-los, aos homens e às mulheres, com seus corpos em flor, tinha um

defeito capital: eram vadios, vivendo uma vida inútil e sem prestança. Que é que

produziam? Nada. Que é que amealhavam? Nada. Viviam suas fúteis vidas fartas,

como se neste mundo só lhes coubesse viver. Aos olhos dos índios, os oriundos do

mar oceano pareciam aflitos demais. Por que se afanavam tanto em seus

fazimentos? Por que acumulavam tudo, gostando mais de tomar e reter do que de

dar, intercambiar? Sua sofreguidão seria inverossímel se não fosse tão visível no

empenho de juntar toras de pau vermelho, como se estivessem condenados, para

sobreviver, a alcançá-las e embarcá-las incansavelmente? Temeriam eles, acaso,

que as florestas fossem acabar e, com elas, as aves e as caças? Que os rios e o mar

fossem secar, matando os peixes todos? (RIBEIRO, 2006, p. 41)

O choque cultural causado quando o grupo do “eu” de repente se depara com o “outro”, o

grupo do diferente que faz as coisas de uma forma que é impossível reconhecer como normal. É

difícil entender como esse “outro” consegue existir e sobreviver de uma maneira diferente. Essa

constatação da diferença ameaça a identidade cultural conhecida. O grupo do “eu” sempre entende

que sua visão é a única possível e que a do “outro” é absurda ou anormal. O “eu” é sempre melhor e

superior ao “outro” que é atrasado e inferior. (ROCHA, 2008)

Essa aproximação cultural intensificada pela globalização da economia e da comunicação

trouxe também a necessidade de uma convivência democrática e de respeito entre esses diversos

grupos e não só uma convivência de tolerância dessas diferenças. Essa convivência configura uma

proposta de educação com uma perspectiva que contemple as diversas culturas existentes.

Abordaremos neste tópico uma reflexão sobre Educação Intercultural, o papel da cultura no

cotidiano das escolas considerando o patamar da igualdade e da diferença. Discutiremos as

diferenças conceituais entre a abordagem Multicultural e Intercultural, a relação entre a escola e a

Interculturalidade, a proposta de como a Educação Intercultural pode se construir dentro da

1 Fragmento do texto: Concepções e práticas docentes de interculturalidade no município de Ji-

Paraná/Ro. Monografia apresentada ao Departamento de Ciências Humanas e Sociais da Fundação

Universidade Federal de Rondônia – UNIR, Campus de Ji-Paraná/RO, como requisito avaliativo de

conclusão do Curso de Licenciatura em Pedagogia, sob a orientação da Professora Doutora Josélia

Gomes Neves, defendida em julho de 2014 2 Graduada em Pedagogia pela UNIR – Campus de Ji-Paraná-RO.

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identidade no contexto escolar considerando as orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais -

Pluralidade Cultural e as razões de termos adotado a concepção de Interculturalidade.

Apresentaremos as perspectivas de Educação Intercultural dos autores que pautaram esse estudo, e

as práticas pedagógicas que favorecem a aprendizagem numa perspectiva de Interculturalidade.

1.1 Multicultural e Intercultural: da constatação da multiplicidade ao diálogo entre as

culturas

No âmbito da globalização surgiram movimentos contestatórios a esta lógica de exclusão do

capitalismo, dentre eles citamos o que mobilizou maior visibilidade que foi a abordagem

Multicultural e Intercultural. O primeiro tem sido interpretado para indicar uma realidade de

convivência entre diferentes grupos culturais que se encontram num mesmo contexto social, de

forma descritiva, analítica e sociológica. O segundo para indicar realidades e perspectivas

contraditórias entre si. Há ainda a redução do seu significado como a relação entre grupos

“folclóricos” ou “mestiçagem”, ou a sua ampliação ao modo de compreensão do “diferente” e a

singularidade do ser humano. Contudo o trabalho Intercultural contribui para a superação da atitude

do medo e da tolerância do “outro”, a fim de construir uma visão positiva da pluralidade social e

cultural, baseada no respeito à diferença concretizada no reconhecimento da igualdade de direitos

(FLEURI, 2003).

Neste trabalho, adotaremos a concepção da Interculturalidade, porque vai além da concepção

Multiculturalista, que limita-se à constatação das múltiplas culturas. Já a Interculturalidade supõe o

diálogo entre as culturas sem considerar a questão hierárquica de que um é melhor que o outro, e

busca valorizar e respeitar as diferenças buscando articulações de forma que não sejam anuladas

A relação entre diferentes culturas é uma constante nas discussões em todas as sociedades. O

Brasil é um exemplo de sociedade constituída a partir de uma grande diversidade cultural. Em cada

região, em cada estado há uma grande mistura das diversas culturas que influenciaram o seu

desenvolvimento cultural. E em Rondônia não foi diferente, pois o estado teve sua formação dentro

desse contexto de diversidade, recebendo influências de todas as regiões do país, e por isso é de

fundamental relevância o estudo sobre as concepções docentes que englobam a Educação

Intercultural. De acordo com Candau (2003, p. 01):

[...] na América Latina e, particularmente no Brasil, a questão multicultural

apresenta uma configuração própria, uma especificidade. Nosso continente é um

continente construído com uma base multicultural muito forte, onde as relações

interétnicas têm sido uma constante através de toda sua história, uma história

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dolorosa e trágica principalmente no que diz respeito aos grupos indígenas e afro-

descendentes.

Essa população constituída a partir dos diversos grupos culturais que migraram de outros

lugares para colonizar a região geraram diversos conflitos entre os indígenas que aqui habitavam e

os colonos que receberam terras do governo para plantar e entre estes e os grandes latifundiários

que começaram a tomar posse das terras dos menos favorecidos. (RIBEIRO, 2012)

Essa relação de conflitos entre grupos socioculturais diferentes inevitavelmente requer

providências para que esse relacionamento conflituoso seja solucionado de maneira pacífica e

respeitosa para todas as partes, sem que ninguém seja prejudicado e possibilitando que todos

possam conviver de maneira harmoniosa mantendo a igualdade nos direitos e a diferença de

hábitos. E de que maneira essa convivência de respeito pode ser alcançada? Uma das maneiras mais

eficazes é através de um processo educacional democrático e dialógico.

Sendo a escola um local onde as crianças passam grande parte do seu tempo, evidenciando

esse encontro e os seus conflitos, torna-se de extrema relevância que a educação recebida por essas

crianças contemple todo esse contexto Intercultural em que ela vive. Portanto é na escola onde

devem começar esse aprendizado de respeito ao “outro”. E assim ser capaz de formar sua própria

identidade valorizando todas as experiências de aprendizagem geradas por esse encontro. Segundo

Scaramuzza (2010, p. 77)

A construção da educação escolar na Amazônia, especificamente em Rondônia,

confrontou-se coma ampla diversidade cultural constituinte do espaço. A partir da

década de oitenta do século XX, foi intenso o contato entre grupos historicamente

distintos, isso efetivou a necessidade de se discutir a melhor forma de contato entre

concepções e práticas aparentemente tão diferentes. Desta forma, o lugar

privilegiado em que as relações sociais se confrontaram foi na escola que, como

lugar de transmissão, ressignificação e produção de conhecimento que é, incorpora

certas linguagens, roupagens e concepções muitas vezes embutidas nas políticas

escolares do conhecimento oficial. [...] (p. 77)

A Interculturalidade se apresenta como um diálogo possível entre grupos de origens

culturais e históricas diferentes, que no caso de Rondônia, como destaca o autor por ser um estado

formado a partir de múltiplos contatos entre povos locais e continentais, podem ser promovidas

mudanças significativas a partir do conceito de Interculturalidade, como vem ocorrendo nas

comunidades indígenas: “isso vem ocorrendo no âmbito dos processos educativos de populações

minoritárias como os grupos indígenas, que, com a incorporação da educação escolar em suas

comunidades, utilizam práticas interculturais no sentido de conhecer o outro sem perder suas

origens e identidades.” (SCARAMUZZA, 2010, p. 78-79)

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Portanto, a Interculturalidade visa a articulação dos grupos sociais diversos que convivem no

mesmo espaço se opondo a supremacia de culturas sobre outras, baseada no respeito ao “outro”,

valorizando a construção da identidade através do diálogo para que se tenha uma educação

democrática.

1.2 Escola e Interculturalidade: a cultura no cotidiano escolar

Quando pensamos em escola já imaginamos um prédio cercado por muros dividido em salas

de aula, áreas administrativas, onde temos que frequentar desde a infância, durante muitos anos.

Essa imagem ameaçadora passada por algumas pessoas pode às vezes afastar aqueles que se sintam

intimidados diante dessa imagem dominadora e carrasca da escola.

No entanto, não podemos ver a escola apenas como uma construção física, a escola é muito

mais que isso, ela se constrói através das pessoas, sem elas a escola é só um monte de tijolos sobre o

outro, não tem razão de existir. A escola é formada pelas pessoas que lá trabalham, sejam como

educadores, ou como apoio técnico administrativo, na limpeza ou na cozinha. Assim como os

estudantes que são a razão de sua existência. Todos fazem parte desse universo de convivência

diária, entretanto essas pessoas não são iguais, cada uma traz consigo uma bagagem de

conhecimentos e vivências, e o que acontece quando se juntam no mesmo espaço? Geram situações

tensas e conflitantes pautadas por suas diferenças culturais.

Então surge o questionamento: como a escola deve lidar com essas situações? Como

administrar esses conflitos provocados por esse encontro cultural? A escola deve trabalhar para que

esses conflitos se transformem em coisas positivas para a convivência de todos e não na violência

que essas situações tensas costumam provocar.

Diante das tensões e conflitos gerados por esse encontro de culturas diversas a escola tem

buscado através da Interculturalidade soluções para contemplar a educação de todos e para todos,

“[...] é importante que em qualquer sociedade haja um projeto de educação intercultural tentando

valorizar o status do outro”. (SOUZA, 2004, p. 3)

Portanto, a escola é um espaço de reprodução ideológica, mas também é onde acontece a

contestação e a subversão dessa ideologia. Por isso a escola é considerada um local privilegiado

para formação das crianças e jovens. Paulo Freire (1996) fala que é indispensável que exista ética

no exercício da docência. Mas não da ética restrita que obedece aos interesses do lucro, mas sim da

ética universal do ser humano que afronta todo tipo de discriminação, principalmente na prática

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educativa que é uma prática humana.

Contudo, Freire afirma que não há ensino sem aprendizagem, então valorizar o conhecimento

que o estudante traz para a escola faz com que o professor também aprenda. “[…] Porque não

estabelecer uma “intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais aos estudantes e a

experiência social que eles têm como indivíduos? […]” (p. 30) Então, ao valorizar esses saberes

diversos existentes a escola aproxima o cotidiano dos estudantes do conteúdo escolar e mostra que

respeitar é importante e favorece a aprendizagem, cumprindo assim o seu dever para com todos:

[…] à escola, o dever de não só respeitar os saberes com que os educandos,

sobretudo os das classes populares, chegam a escola – saberes socialmente

construídos, na prática comunitária – mas também, […] discutir com os alunos a

razão de ser de alguns desses saberes em relação com o ensino dos conteúdos. […]

(FREIRE, 1996, p. 30)

Essa aproximação de saberes diversos favorece a aprendizagem e confirmando o que diz

Paulo Freire, de que não há docência sem discência, pois quem ensina aprende ao ensinar e quem

aprende ensina ao aprender. As possibilidades de aprendizagem geradas por essa aproximação

fortalecem os processos de produção e construção do conhecimento ao invés da simples

transferência de saberes, que em nada favorece o desenvolvimento humano.

A Interculturalidade tem sido visibilizada a partir da aproximação cultural ocasionada pela

globalização. No Brasil, a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação em 1996 (LDB,

1996) trouxe o termo Educação Interrcultural a tona pela primeira vez. Segundo Fleuri (2003) o

lançamento dos Parâmetros Curriculares Nacionais para a Pluralidade Cultural (BRASIL, 1997)

trouxe relevância social e educacional para a multiculturalidade na perspectiva Intercultural,

juntamente com o desenvolvimento do Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas,

políticas afirmativas das minorias étnicas, inclusão de pessoas com deficiência na escola regular,

valorização das culturas infantis, movimentos de pessoas da terceira idade e ampliação e

reconhecimento dos movimentos de gênero. Diante disso, vem sendo desenvolvidas propostas de

educação para valorizar os direitos humanos e as relações interculturais.

1.3 Educação Intercultural e a construção da identidade no contexto escolar

A busca por uma educação que promova a construção de identidades e o reconhecimento das

diferenças, e que valorize as especificidades de cada um, levou ao surgimento de uma educação de

caráter Intercultural. Há diversos estudos sobre Educação Intercultural, no entanto, neste trabalho

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serão utilizados como aportes teóricos os seguintes autores: Fleuri (2006, 2003, 2001), Candau

(2009) e Walsh (2009a, 2009b).

Para Fleuri (2001) a educação intercultural, surgiu no Brasil a partir da luta contra os

processos de exclusão social, uma vez que a realidade brasileira se formou a partir de processos de

aculturação violentos que levaram a perda da identidade cultural:

[...] Esta emerge no contexto das lutas contra os processos crescentes de exclusão

social. Reconhece-se o sentido e a identidade cultural de cada grupo social. Mas, ao

mesmo tempo, valoriza-se o potencial educativo dos conflitos. E busca-se

desenvolver a interação e reciprocidade entre grupos diferentes, como fator de

crescimento cultural e de grupos diferentes, como fator de crescimento cultural e

de enriquecimento mútuo. Assim, em nível das práticas educacionais, a perspectiva

intercultural propõe novas estratégias de relação entre sujeitos e entre grupos

diferentes. Busca promover a construção de identidades particulares e o

reconhecimento das diferenças culturais. Mas, ao mesmo tempo, procura sustentar

a relação critica e solidária entre elas. (FLEURI, 2001, p. 69-70)

O reconhecimento dessas diferenças culturais e a valorização dos conflitos gerados pela

convivência entre várias culturas mostra que a prática pedagógica deixa de ser apenas uma

transmissão de cultura homogênea, e passa a elaborar modelos culturais que interagem na formação

dos educandos como seres humanos capazes de respeitar o outro na sua diferença. Para isso,

segundo Fleuri (2001) “[...] Foi necessário esclarecer como se dão os processos de formação da

identidade pessoal e coletiva. [...] entender o significado e o valor das diferenças, pelas quais se

identificam os grupos sociais. [...]” (p. 72)

Esse modelo de Educação Intercultural reconhece o valor de cada cultura e defende o

respeito entre os diferentes grupos existentes no contexto escolar. Nessa perspectiva a educação

deixa de ser entendida como um processo de transmissão de conhecimentos de um indivíduo para o

outro, confirmando o que diz Paulo Freire (1996, p. 22) “[...] ensinar não é transferir conhecimento,

mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção”. Então a escola deve

proporcionar aos estudantes um diálogo crítico sobre as diferenças, para que possam construir sua

identidade cultural respeitando a identidade do outro, desenvolvendo relações de reciprocidade.

“[...] A educação intercultural não se reduz a uma simples relação de conhecimento: trata-se da

interação entre sujeitos. [...]” (FLEURI, 2001, p. 77).

Nessa perspectiva a Educação Intercultural se preocupa com as relações entres os seres

humanos culturalmente diferentes:

A educação passa a ser entendida como o processo construído pela relação tensa e

intensa entre diferentes sujeitos, criando contextos interativos que, justamente por

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se conectar dinamicamente com os diferentes contextos culturais em relação aos

quais os diferentes sujeitos desenvolvem suas respectivas identidades, torna-se um

ambiente criativo e propriamente formativo, ou seja, estruturante de movimentos de

identificação subjetivos e socioculturais. (FLEURI. 2003, p. 31-32).

Essas relações sociais interculturais são complexas e requerem novas formas de elaborar o

conhecimento. Por isso, para Fleuri (2003) a aprendizagem não se desenvolve apenas com

informações, conceitos e valores, mas, sobretudo com os significados adquiridos através desses

elementos. Essa concepção de educação faz com seja repensado e ressignificado a concepção de

educador, pois:

[...] se o processo educativo consiste na criação e desenvolvimento de contextos

educativos, e não simplesmente na transmissão e assimilação disciplinar de

informações especializadas, ao educador compete a tarefa de propor estímulos

(energia colateral) que ativem as diferenças entre os sujeitos e entre seus contextos

(histórias, culturas, organizações sociais...) para desencadear a elaboração e

circulação de informações (versões codificadas das diferenças e das

transformações) que se articulem em diferentes níveis de organização (seja em

âmbito subjetivo, intersubjetivo, coletivo, seja em níveis lógicos diferentes).

Educador, nesse sentido, é propriamente um sujeito que se insere num processo

educativo e interage com outros sujeitos, dedicando particular atenção às relações e

aos contextos que vão se criando, de modo a contribuir para a explicitação e

elaboração dos sentidos (percepção, significado e direção) que os sujeitos em

relação constroem e reconstroem. (FLEURI, 2003, p. 32)

De modo que, a interação do educador no processo educativo nesse contexto de

Interculturalidade é indispensável para a construção da relação entre todos os sujeitos envolvidos.

Assumindo o desafio de construir condições para a compreensão das diferentes dimensões entre as

relações humanas através de diferentes pontos de vista. As relações humanas entre os diferentes

grupos sociais e culturais devem promover um diálogo de reconhecimento do “outro” na

perspectiva Intercultural Candau (2009) defende que:

Uma educação para a negociação cultural, que enfrenta os conflitos provocados

pela assimetria de poder entre os diferentes grupos sócio-culturais nas nossas

sociedades e é capaz de favorecer a construção de um projeto comum, pelo qual as

diferenças sejam dialeticamente integradas. A perspectiva intercultural está

orientada à construção de uma sociedade democrática, plural, humana, que articule

políticas de igualdade com políticas de identidade. (p. 166).

O encontro que ocorre no espaço pedagógico gera conflitos, e evidencia a necessidade de

aprendizado sobre a condição do outro e a sua própria. E o objetivo é possibilitar instrumentos para

que os confrontos aconteçam de forma menos destrutiva explorando as diferenças de forma

produtiva na construção da identidade dos indivíduos. Para Candau (2012, p.01) “[...] a educação

escolar deve colaborar na promoção da igualdade de oportunidades, construção da cidadania,

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formação da consciência critica e o desenvolvimento de práticas democráticas”. Mas não deve

acontecer apenas em alguns momentos, como em datas comemorativas pelo Dia do Índio em 19 de

Abril ou Dia da Consciência Negra em 20 de Novembro. Pelo contrário deve contemplar todos os

grupos existentes na escola, pois só há Interculturalidade se acontecer de forma global e se atingir a

todos os indivíduos. Diante dessa dinâmica escolar, Candau (2009) afirma que:

[...] A educação intercultural não pode ser reduzida a algumas situações e/ou

atividades realizadas em momentos específicos, nem focalizar sua atenção

exclusivamente em determinados grupos sociais. Trata-se de um enfoque global

que deve afetar todos os atores e a todas as dimensões do processo educativo,

assim como os diferentes âmbitos em que ele se desenvolve. No que diz respeito à

escola, afeta a seleção curricular, a organização escolar, as linguagens, as práticas

didáticas, as atividades extraclasse, o papel do/a professor/a, a relação com a

comunidade, etc. (p, 170)

É claro que o desenvolvimento dessa perspectiva de Educação Intercultural apresentada pela

autora é uma questão bastante complexa e que gera muitas tensões e desafios. É por isso que exige a

problematização de como é concebida as práticas educativas, e formação docente para que o

professor possa ser capaz de lidar com as situações que ocorrem na sala de aula causada pela

convivência da diferença. Repensar as relações entre Direitos Humanos e as diferenças culturais no

contexto educacional. Como contemplar a dignidade humana num mundo que parece ter se

esquecido dela. No sentido de uma nova construção social, política educacional,

A perspectiva intercultural quer promover uma educação para o reconhecimento do

outro, o diálogo entre os diferentes grupos sócio-culturais. [...] A perspectiva

intercultural está orientada a construção de uma sociedade democrática, plural,

humana, que articule políticas de igualdade com políticas de identidade.

(CANDAU, 2009, p. 171-172)

Nessa perspectiva como conviver com o “outro” que é diferente? Basta apenas tolerá-lo na

convivência diária? Como trabalhar a igualdade na diferença? As tensões entre igualdade e a

diferença tem sido amplamente discutidas no contexto da Interculturalidade, pois, esta tensão está

presente na sociedade em geral assim como na escola, onde se revela de modo especialmente

agudo, de modo que alguns termos como denegrir, judiar, tolerância, passam a ser questionados:

No campo da educação, a tolerância pode nos instalar no pensamento débil, evitar

que examinemos e tomemos posição em relação aos valores que dominam a cultura

contemporânea, fazer-nos evitar polemizar, assumir a conciliação como valor

último e evitar questionar a ‘ordem’ como comportamentos a serem cultivados. (p.

75)

Muitas vezes afirmar que há igualdade entre pessoas e grupos pode parecer uma negação das

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diferenças ou até mesmo uma tentativa de silenciá-las. Em outra situação reconhecer essas

diferenças também pode ser visto como uma legitimação dessas desigualdades o que causa o

enfraquecimento da tentativa de superá-las. A dialética entre igualdade e diferença busca superar a

desigualdade ao mesmo tempo que reconhece as diferenças culturais existentes. Diferenças que

estão presentes em toda a sociedade e reivindica reconhecimento e valorização. É necessário que

haja políticas de valorização e não apenas o reconhecimento.

Contudo como afirma Candau (2012), é impossível trabalhar a igualdade sem incluir a

diferença, uma não pode ser dissociada da outra. As diferenças devem ser reconhecidas como

elemento de construção da igualdade. A articulação entre igualdade e diferença deve ser uma

questão presente na construção de processos educativos que tenham como objetivo o

reconhecimento das diferentes culturas existentes na sociedade. Trabalhar questões de igualdade

dissociada da questão da diferença é uma prática impossível. O diálogo entre os diferentes é

indispensável para a construção da identidade do ser humano.

Catherine Walsh (2009b) traz uma compreensão de Interculturalidade a partir de três

perspectivas distintas: Relacional, Funcional e Crítica. A primeira é a Interculturalidade Relacional

que:

[...] faz referência da forma mais básica e geral ao contato e intercâmbio entre

culturas, isto é, entre pessoas, práticas, saberes, valores e tradições culturais

distintas, as quais poderiam dar-se em condições de igualdade ou desigualdade.

Desta maneira, se assume que a interculturalidade é algo que sempre existiu na

América Latina pois sempre existiu aqui o contato e arelação entre os povos

indígenas e afrodescendentes, por exemplo, e a sociedade branco-mestiça crioula,

do que poderia ser conhecida a evidência na própria mestiçagem, nos sincretismos

e nas transculturações que são parte central da historia e “natureza” latino-

americana-caribenha. (p. 02)

O problema é que esta perspectiva oculta ou minimiza os conflitos nos contextos de poder e

dominação e limita a Interculturalidade ao contato e a relação, muitas vezes individual, deixando de

lado as estruturas da sociedade, que situam as diferenças em termos de superioridade e

inferioridade. Fazendo com que seja necessário problematizar a perspectiva relacional, ampliando e

evidenciando seus significados e implicações sociais e políticas.

A segunda perspectiva citada pela autora é a Interculturalidade Funcional, que se apresenta

na perspectiva do reconhecimento da diversidade e das diferenças culturais que visam sua inclusão

no interior da estrutura social. Perspectiva essa que busca a promoção do diálogo, convivência e

tolerância, a Interculturalidade é funcional ao sistema, não questiona as desigualdades sociais e

culturais, de forma que é totalmente compatível com o modelo neoliberal existente. A

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Interculturalidade funcional é exercida a partir de cima em contraste com a Interculturalidade critica

que é entendida como uma ferramenta, um processo construído a partir das gentes e demandado da

subalternidade. (WALSH, 2009b)

O interculturalismo funcional responde a parte dos interesses e necessidades das

instituições sociais; a interculturalidade crítica,por sua vez é uma chamada de e

desde o povo que tem sofrido uma histórica submissão e subalternização, de seus

aliados, e dos setores que lutam, junto com eles, pela re-fundaçãosocial e

descolonização, pela construção de um mundo melhor. (WALSH, 2009c, p. 07)

Assumir as diferenças existentes faz com que novas relações sejam construídas entre grupos

socioculturais diferentes. É exatamente esse o foco da terceira perspectiva de Interculturalidade, a

Interculturalidade Crítica, questionar essas relações construídas ao longo da história entre as

diversas culturas. Para Walsch (2009a, p. 22) “[...] a Interculturalidade crítica [...] é uma construção

de e a partir das pessoas que sofreram uma histórica submissão e subalternização”. Esse processo de

dominação e subalternidade pode ser transformado a partir de “iniciativas e perspectivas éticas que

fazem questionar, transformar, sacudir, rearticular e construir” (idem, p. 25).

A proposta de Interculturalidade critica como ferramenta pedagógica de Catherine Walsh

(2009b) é justamente a que questiona a subalternização e inferiorização dos padrões de poder,

aquela que visibiliza maneiras diferentes de ser, viver e saber. Buscando o desenvolvimento e a

criação de condições que fazem com que as diferenças dialoguem num marco que traz legitimidade,

dignidade, igualdade, equidade e respeito. Mas que ao mesmo tempo criam “outros” modos: de

pensar, ser, estar, aprender, ensinar, sonhar e viver. Para Walsh a Interculturalidade critica exige uma

pedagogia e prática pedagógica que:

[...] retomam a diferença em termos relacionais, com seu vínculo histórico-político-

social e de poder, para construir e e afirmar processos, práticas e condições

diferentes. Dessa maneira, a pedagogia é entendida além do sistema educativo, do

ensino e transmissão do saber, e como processo e prática sociopolíticos produtivos

e transformadores assentados nas realidades, subjetividades, histórias e lutas das

pessoas, vividas num mundo regido pela estrutura colonial. (WALSH, 2009a, p. 26)

Catherine Walsh também reflete os processos educacionais através da pedagogia decolonial,

que representa uma estratégia que vai além da transformação, supondo também criação e

transformação. A decolonialidade parte da consideração das lutas dos povos subalternizados

historicamente que a partir da desumanização busca construir outros modos de viver e saber. É dar

visibilidade as lutas partindo das práticas sociais das pessoas.

Entretanto na perspectiva de Interculturalidade dos autores e autoras estudados no âmbito da

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educação, uma mera incorporação de alguns temas no calendário e no currículo da escola não é

suficiente para que os estudantes desenvolvam o pensamento crítico sobre as relações interculturais

e possam desenvolver sua identidade baseada no respeito e dignidade consigo e com o outro. A

Interculturalidade deve ser uma ferramenta de ação constante e contínua no processo de

decolonialidade dentro da escola e da sociedade, o que exige preparação docente.

1.4 Proposta Oficial para Educação Intercultural

As questões culturais e de identidades são presença constante nos debates políticos, científicos

e filosóficos. Portanto, não é estranha sua presença também no discurso pedagógico, precisamente

nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Os PCNs fazem parte de uma série de compromissos

assumidos internacionalmente para satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem para todos,

oportunizando essa aprendizagem para crianças, jovens e adultos.

Os PCNs são os referenciais importantes que podem orientar a educação em todo o País, tem

como função garantir a coerência dos investimentos no sistema educacional, funcional como um

elemento que seleciona ações na busca por melhorias da qualidade na educação. Como já foi dito as

questões envolvendo as diversas culturas existentes na escola que são tão importantes para a

construção da identidade do indivíduo traz a tona a formalização desses conteúdos em um

referencial nacional para direcionar a abordagem de temas como a pluralidade e a diversidade

cultural na escola. Estabelecendo uma determinada ordem na distribuição dos conteúdos.

O PCN de Pluralidade Cultural ressalta a imensa diversidade sócio-cultural que forma a

sociedade brasileira, como essa diversidade é caracterizada pelas diferenças de tradições culturais e

religiosas dos povos que habitam o território brasileiro. “[...] além de uma imensa população

formada pelos descendentes dos povos africanos e um grupo igualmente numeroso de imigrantes e

descendentes de povos originários de diferentes continentes, de diferentes tradições culturais e de

diferentes religiões. [...]” (BRASIL, 1998, p. 29). E o que se pretende fazer para a essas culturas

uma convivência pacifica e respeitosa diante de tantos conflitos gerados pelo fato de não

enxergarmos no “outro” qualidades pelo simples fato de ele ser diferente.

[...] O que se almeja, portanto, ao tratar de Pluralidade Cultural, não é a divisão ou

o esquadrinhamento da sociedade em grupos culturais fechados, mas o

enriquecimento propiciado a cada um e a todos pela pluralidade de formas de vida,

pelo convívio e pelas opções pessoais, assim como o compromisso ético de

contribuir com as transformações necessárias à construção de uma sociedade mais

justa. (BRASIL, 198, p. 21)

Page 12: Texto 3 -Educação intercultural

12

A desigualdade social, a discriminação e o preconceito são empecilhos para a construção de

uma sociedade justa que não só respeita as diferenças como aprende com elas e se torna um ser

humano consciente de suas responsabilidades consigo e na convivência com o outro. Mudar a

mentalidade e combater o preconceito é algo que precisa ser iniciado desde cedo nas crianças, para

que cresçam respeitando as diferenças e não olhem para os outros procurando um reflexo de si.

Mudar mentalidades, superar o preconceito e combater atitudes discriminatórias

são finalidades que envolvem lidar com valores de reconhecimento e respeito

mútuo, o que é tarefa para a sociedade como um todo. A escola tem um papel

crucial a desempenhar nesse processo. Em primeiro lugar, porque é o espaço em

que pode se dar a convivência entre crianças de origens e nível socioeconômico

diferentes, com costumes e dogmas religiosos diferentes daqueles que cada uma

conhece, com visões de mundo diversas daquela que compartilha em família. Em

segundo, porque é um dos lugares onde são ensinadas as regras do espaço publico

para o convívio democrático com a diferença. Em terceiro lugar, porque a escola

apresenta à criança conhecimentos sistematizados sobre o País e o mundo, e aí a

realidade plural de um país como o Brasil fornece subsídios para debates e

discussões em torno de questões sociais. A criança na escola convive com a

diversidade e poderá aprender com ela. (BRASIL, 1998, p. 23-24)

Segundo o PCN - Pluralidade Cultural, a escola contribui para a construção da democracia e

promove os princípios éticos de liberdade, dignidade, respeito mútuo, justiça e equidade,

solidariedade, diálogo no cotidiano. Contribui também para encontrar formas de fazer cumprir o

princípio constitucional de igualdade, onde é indispensável que haja sensibilidade para lidar com a

questão da diversidade cultural. “[...] Por isso, fortalecer a cultura própria de cada grupo social,

cultural e étnico que compõe a sociedade brasileira, promover reconhecimento, valorização e

conhecimento mútuo, é fortalecer a igualdade, a justiça, a liberdade, o diálogo e, portanto, a

democracia”. (BRASIL, 1998, p.44)

Este documento informa que a heterogeneidade apresentada na composição da população

brasileira, evidencia dificuldade para lidar com o preconceito e a discriminação racial/étnica,

inclusive na escola, onde muitas vezes acontecem manifestações de racismo, discriminação social e

étnica, por parte de todos os envolvidos no seu contexto, professores, alunos e equipe escolar,

mesmo que de maneira inconsciente ou involuntária. Somos resultado de uma sociedade que por

muitos anos, viveu o preconceito e a discriminação como algo normalizado no comportamento das

pessoas.

No entanto, no contexto dos movimentos sociais vinculados a diferentes comunidades étnicas

foi desenvolvida uma história de resistência aos padrões culturais que estabeleciam e sedimentavam

injustiças, que culminou na conquista gradativa de uma legislação que estabeleceu a discriminação

Page 13: Texto 3 -Educação intercultural

13

racial como crime.

Contudo não basta só criminalizar, é preciso educar os cidadãos para que não desenvolvam no

seu cotidiano atitudes de discriminação e preconceito. Portanto, “[...] a criança na escola convive

com a diversidade e poderá aprender com ela.” (BRASIL, 1998, p. 123) Mas esse aprendizado

precisa ser sistematizado de maneira correta para que alcance os objetivos a que se propõe, de

acordo com o PCN:

Reconhecer essa complexidade que envolve a problemática social, cultural e étnica

é o primeiro passo. A escola tem um papel fundamental a desempenhar nesse

processo. Em primeiro lugar, porque é um espaço em que pode se dar a

convivência entre estudantes de diferentes origens, com costumes e dogmas

religiosos diferentes daqueles que cada um conhece, com visões de mundo diversas

daquela que compartilha em família. Nesse contexto, ao analisar os fatos e as

relações entre eles, a presença do passado no presente, no que se refere às diversas

fontes de que se alimenta a identidade — ou as identidades, seria melhor dizer — é

imprescindível esse recurso ao Outro, a valorização da alteridade como elemento

constitutivo do Eu, com a qual experimentamos melhor quem somos e quem

podemos ser. Em segundo, porque é um dos lugares onde são ensinadas as regras

do espaço público para o convívio democrático com a diferença. Em terceiro lugar,

porque a escola apresenta à criança conhecimentos sistematizados sobre o país e o

mundo, e aí a realidade plural de um país como o Brasil fornece subsídios para

debates e discussões em torno de questões sociais. (BRASIL, 1998, p. 123)

Contudo, constata-se que houve um avanço na formalização do PCN - Pluralidade Cultural,

no que tange a educação voltada para educação das diversas culturas existentes no país, e na

valorização das diferentes identidades que contribuem para o crescimento consciente de cidadãos.

Mas cabe saber como tem sido feito esse trabalho dentro das escolas pelos professores, é

imprescindível o retorno a problemática desse trabalho que pretende investigar as concepções e as

práticas pedagógicas dos docentes sobre a Educação Intercultural nas escolas do município de Ji-

Paraná/RO.

1.5 Práticas Pedagógicas na Perspectiva Intercultural

O processo de ensino-aprendizagem na escola contemporânea depende totalmente da prática

pedagógica desenvolvida pelos agentes educacionais. É preciso priorizar uma prática formadora

para o desenvolvimento real, e não uma obrigação a ser cumprida pelo estudante. Motivar sua

participação nesse processo para que não se torne um mero receptor de informações, mas que possa

participar ativamente de todo o seu processo de aprendizagem.

Page 14: Texto 3 -Educação intercultural

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O professor como agente de ensino nesse processo deve contextualizar a sua prática de

acordo com as necessidades reais de sua clientela. Não se pode mais utilizar um modelo

conservador, pois,

[...] diante de uma sociedade dinâmica, complexa e em constante evolução, é

evidente que não se permite mais utilizar uma prática pedagógica conservadora. É

essencial uma crescente conscientização por parte dos professores em desenvolver

uma nova postura, inserida numa prática inovadora, visando a formar cidadãos com

autonomia, conscientes, reflexivos e construtores de sua própria vida, por meio de

uma ruptura definitiva com o paradigma conservador. (DONATO, p. 165)

Portanto de acordo com este autor, a perspectiva de encontrar novos processos

metodológicos e novas abordagens é um desafio à ação docente contemporânea, o que propicia um

novo significado à docência. Conduzir suas ações de forma reflexiva visando atender as

necessidades de conhecimento propiciando formação de cidadão críticos e questionadores.

A convivência diária do professor com os educandos proporciona a ele a oportunidade de

construir a sua identidade e prática pedagógica através da interação entre a diversidade de

experiências e saberes, por isso que para:

[...] O professor, dadas as circunstâncias e contextos de e para o seu exercício

profissional, interage constantemente com os elementos ou atores principais e

contextos envolvidos no processo ensino-aprendizagem. Essas experiências

possibilitam-lhes construir conjuntos de saberes sobre cada um, os quais orientam

suas práticas. [...] (VAGULA, 2005, p. 105)

Diante da realidade das diversas culturas que compõem a sociedade brasileira, pensar a

prática pedagógica a partir da perspectiva da Interculturalidade tem se constituído como um desafio

no cotidiano escolar. Promover as relações entre os diferentes grupos que convivem diariamente no

mesmo espaço social das escolas possibilita diálogo e reflexão sobre a realidade, permitindo

autonomia para o docente na elaboração de novas formas de fazer educação.

Essas novas formas de fazer educação vão de encontro com as práticas homogeneizadoras

comumente encontradas nas escolas tradicionais. Tornando necessário a flexibilização e a adaptação

do currículo, rompendo com a estrutura atual, permitindo maior mobilidade e autonomia ao

docente. Possibilitando assim, responder de forma criativa as necessidades apresentadas pela

comunidade escolar. É importante valorizar as manifestações culturais dos grupos existentes e

reconhecer suas particularidades.

Dessa forma, assumindo uma perspectiva não homogeneizadora será possível favorecer a

Page 15: Texto 3 -Educação intercultural

15

construção da identidade dos sujeitos envolvidos nesse processo educacional. E não apenas

promover uma tolerância pacífica entre os ocupantes do mesmo espaço social.

Após as discussões apresentadas, vimos que a concepção de Interculturalidade que supõe o

diálogo entre as culturas é mais ampla e se enquadra no contexto brasileiro, ao contrário da

concepção de Multiculturalismo que apenas constata a existência da multiplicidade de culturas. E

essa multiplicidade de culturas necessita que sejam desenvolvidas propostas educacionais que

valorizem as relações Interculturais, promovendo a construção da identidade dos indivíduos, na

perspectiva de Educação Intercultural apresentada no decorrer do texto. Neste sentido, indagamos: a

proposta oficial do PCN, e as práticas pedagógicas dentro dessa perspectiva de Interculturalidade

que visa combater a tendência homogeneizadora, favorecendo a construção da identidade do

indivíduo.

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