teu É o reino = abraÃo de almeida

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Estudo devocional e explicativo de um dos mais importantes temas do Novo Testamento — o Reino de Deus

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Page 1: TEU É O REINO = ABRAÃO DE ALMEIDA

Estudo devocional e explicativo de um dos mais importantes temas do Novo Testamento

— o Reino de Deus

Page 2: TEU É O REINO = ABRAÃO DE ALMEIDA

REIS BOOK’S DIGITAL

Page 3: TEU É O REINO = ABRAÃO DE ALMEIDA

Abraão de Almeida

Page 4: TEU É O REINO = ABRAÃO DE ALMEIDA

ISBN 85-85589-14-0

Categoria: Vida Cristã

© 1 997 Editora Betei

1 ■' impressão 1 997Impresso na Gráfica Editora Serrana Ltda

Todos os direitos reservados e/n língua portuguesa por Editora Betei,R. João Vicente, 7, Madureira 21340-020 Rio de Janeiro, RJ

Salvo quando mencionada outra fonte, as citações bíblicas foram extraídas da Edição Contemporânea de Almeida.

Capa: Anderson Rocha

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Dedicatória

vA Lucinha, minha esposa.

Aos alunos e mestres do Seminário Betei.

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índice

Prefácio.................................................. 9

1. A abrangência do reino.............11

2. A invasão do reino..................... 19

3. O governo do reino.................... 27

4. O acesso ao reino....................... 39

5. Os súditos do reino................... 61

6. A prioridade do reino................77

7. O bem do reino............................85

8. A harmonia do reino..................93

9. A perenidade do reino.............. 99

10. A plenitude do reino................111

11. O aconchego do reino..............117

Page 7: TEU É O REINO = ABRAÃO DE ALMEIDA

Prefácio/ / enho a imensa satisfação de apresentar ao

/ público Teu é o Reino, da erudita pena do pastor Abraão de Almeida.

O autor, em suas quase três dezenas de obras em português e espanhol, têm enriquecido o povo de Deus com cultura, teologia, filosofia, história e literatura, transmitindo experiência e prática numa linguagem simples, didática e acessível a todos. Teu é o Reino é mais uma dessas valorosas obras do escritor Abraão de Almeida que vem suprir, por certo, uma verificada carência nos púlpitos, nas cátedras teológicas, nas igrejas e no meio do povo em geral.

O autor se dirige, nesta obra, tanto a crentes como a descrentes, ao expor, com clareza, como o absoluto reino de Deus invade a nossa ordem relativa, trazendo às vezes perturbação emocional e espiritual, mas produzindo, por outro lado, entrega, renúncia, e uma profunda harmo­nia com a natureza, com o próximo, com Deus e com o universo.

Em seu primeiro capítulo, Teu é o Reino faz uma exposição clara do significado de expressões que ainda têm sido alvo de polêmicas entre os estudiosos da Palavra de Deus, como reino de Deus e reino dos céus, além de outras frases em que aparece a palavra reino. Mas a obra é muito mais devocional do que explicativa, e nos dez capítulo restantes o autor desafia seus leitores a viverem a vida cristã em toda a plenitude do reino, que é totalitário, harmônico, prioritário e aconchegante. Creio que ao finalizar a leitura deste livro o leitor sentirá o impulso de agradecer a Deus o inefável dom de seu reino, pois

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descobrirá que tal reino é, de fato, o nosso verdadeiro lar.A Editora Betei lança Teu é o Reino com a certeza de

que a sua leitura, meditação e prática enriquecerão a vida cristã de todos os seus leitores.

PastorDoutor Manoel Ferreira Presidente da Convenção Nacional das Assembléias

de Deus no Brasil - Ministério de Madureira Presidente do Conselho Nacional de Pastores do Brasil

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1A abrangência do reino

Ç * OBRESSAI NOS EVANGELHOS a ênfase que1 Jesus Cristo deu ao reino de Deus, pois a ele se

^— referiu nada menos que 70 vezes, enquanto apenas duas vezes à Igreja. Por isso o evangelho é também conhecido como o evangelho do reino, expressão presente em quase todas as parábolas contadas pelo Sal­vador.

Para um perfeito entendimento do reino no Novo Tes­tamento é primordial que se considere a expressão que contenha “reino” à luz do seu respectivo contexto. Em outras palavras, é preciso que se maneje bem a palavra da verdade, pois às vezes o contexto pode ser mais abrangente do que o próprio capítulo ou o livro em que uma passagem está inserida; pode tratar-se de uma dispensação. A propósito, o verbo “manejar” , que aparece em 2 Timóteo 2:15, tem sido traduzido por “distribuir” (Monges de Meredsous), “ensinar” (Versão Inglesa de Hoje), “dispensar” (Bíblia de Jerusalém), “dividir” (Versão Autorizada de 1611, em inglês), etc..

Especialmente quando a Escritura Sagrada se refere a “reino” temos de examinar em que contexto esse “reino” se insere. Por exemplo, os discípulos de Jesus, ao perguntarem a este se a vinda do Espírito Santo

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significaria a restauração do reino a Israel, tiveram como resposta que não lhes pertencia “saber os tempos ou as épocas que o Pai estabeleceu pelo seu próprio poder” (Atos 1:7).

Não é difícil perceber em que contexto os discípulos estavam usando a palavra “reino” . Como afirma Will­iams, eles ainda estavam “acorrentados à noção popu­lar de um reino de Deus eminentemente político, que sua vinda traria a reunião de todas as tribos, a restauração da independência de Israel e o seu triunfo sobre todos os inimigos. Neste campo eles não haviam feito muito progresso, e ainda se prendiam à esperança primitiva de vir a ocupar lugares de proeminência num reino material” .0)

E claro, nas Escrituras, que o reino será restaurado a Israel, mas num sentido escatológico e em condições espirituais, políticas e sociais profundamente alteradas. Na linguagem de Jesus, o “reino de Deus” de Atos 1:3, a ser pregado pelos discípulos em todo o mundo, seria um reino do âmbito do Espírito Santo, não deste mundo (João 18:36), no qual se entra mediante o arrependimento dos pecados e a fé na pessoa do Salvador e na obra por ele realizada na cruz.

Há, pelo menos, sete expressões para “reino” no Novo Testamento:

1. Reino dos Céus. Esta expressão, sempre com a palavra “céus” no plural, ocorre 32 vezes no Novo Tes­tamento, e todas elas no Evangelho de Mateus, tendo em vista o propósito daquele evangelho. E evidente que algumas vezes o “reino dos céus” de Mateus aparece em passagens paralelas de outros evangelhos como “reino de Deus” (por exemplo: Mateus 11:11 com Lucas 7:28), o que, entretanto, não altera o propósito que teve Mateus

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A abrangência do reino

ao escrever o seu evangelho.“Reino dos Céus” , como um termo dispensacional, é

às vezes usado para o reino do Messias, e às vezes para indicar a soberania celestial sobre a terra. A soberania vem dos céus porque o Rei vem de lá (João 18:36). Foi para esse fim que o Messias nasceu, e este foi o primeiro objetivo de seu ministério. De acordo com a parábola profética de Jesus em Mateus 22:2-7, aquele reino foi rejeitado pelos judeus, tanto durante o ministério de Jesus como na proclamação apostólica (Atos 3:19-23).

Por causa dessa rejeição do reino, a sua realização terrena foi adiada até que o Rei seja enviado dos céus, conforme disse Pedro: “E envie ele a Jesus Cristo, que já dantes vos foi pregado. Convém que o céu o contenha até os tempos da restauração de tudo, dos quais Deus falou pela boca de todos os seus santos profetas, desde o princípio” (Atos 3:20-21). Os segredos desse reino já fo­ram revelados aos discípulos, mas, no que diz respeito aos judeus, só serão revelados no futuro (Mateus 13:11).

Em resumo, o reino dos céus:1. Tem o Messias como o seu Rei2. E dos céus, sob os céus e sobre a terra3. E limitado em seu escopo4. E político em sua esfera5. E judaico e exclusivo em seu caráter6. É nacional em seu aspecto7. E o propósito especial das profecias doAntigo Testamento8. E dispensacional em sua duração

Scofield também não considera a expressão reino dos céus como sinônima de reino de Deus. Ele afirma que o “reino dos céus é messiânico, mediador e davídico, e tem por objetivo o estabelecimento do reino de Deus sobre a

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terra” . Em defesa de seu posicionamento, ele cita Mateus 3:2 e 1 Coríntios 15:24-25. Este último texto afirma: “Então virá o fim, quanto tiver entregado o reino a Deus, ao Pai, e quando houver destruído todo o domínio, e toda a autoridade e todo o poder. Pois convém que ele reine até que haja posto a todos os inimigos debaixo dos seus pés” .(2)

Isaías referia-se a esse reino dos céus na terra quando profetizou que ele haveria de crescer sempre (Isaías 9:7). Quando Jesus disse a Pilatos: “Mas agora o meu reino não é daqui” (João 18:36), ele fazia referência ao seu reinado milenial, que terá início com o seu retorno para Israel, e que finalmente atingirá a sua plenitude quando todos os seus inimigos lhe estiverem sujeitos, ao final do milênio. Essa vitória final de Cristo porá fim definitivo ao indigno “poder” e à indigna “glória” que o próprio Jesus rejeitou no deserto da Judéia, quando ali derrotou o diabo.

A fim de evitar qualquer mal-entendido, usaremos de preferência, neste livro, a expressão “reino de Deus” , por não deixar dúvida quanto à sua plena abrangência.

2. O Reino do Pai. “Então os justos resplandecerão como o Sol, no reino de seu Pai. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça” (Mateus 13:43). Esta expressão, aqui, não tem sentido universal, e se refere à esfera do reino de Deus no seu aspecto celestial em relação à terra. E equivalente à expressão “participantes da vocação ce­lestial” , de Hebreus 3:1. Alude, portanto, ao íntimo relacionamento entre Deus e o seu povo, e a única maneira de se entrar nesse reino é através do novo nascimento (João 3:3).

3. O Reino do Filho do Homem. Esta expressão está em Mateus 16:28: “Em verdade vos digo, alguns dos que

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A abrangência do reino

aqui estão não provarão a morte até que vejam vir o Filho do homem no seu reino” . Trata-se do reino dos céus no que diz respeito unicamente a Israel sobre a terra (Daniel 7:13,14,18, 21, 22), sem incluir os “participantes da vocação celestial” . Embora partes de um mesmo reino, as esferas terrena e celestial são distintas, como aliás o Senhor prometeu a Abraão: “Grandemente multiplicarei a tua descendência, como as estrelas do céu e como a areia que está na praia do mar... e em tua descendência serão benditas todas as nações da terra” (Gênesis 22:17- 18). Israel corresponde, nesse reino do Filho do Homem, à areia que está na praia do mar, como povo terreno, ao passo que a igreja corresponde às estrelas do céu, como povo celestial.

4. O Reino do Filho do seu amor. O contexto desta expressão em Colossenses diz: “Dando graças ao Pai que nos fez idôneos para participar da herança dos santos na luz, e que nos tirou do poder das trevas, e nos transportou para o reino do Filho do seu amor, em quem temos a redenção pelo seu sangue, a saber, a remissão dos pecados” (1:12-14). Refere-se, esta passagem, à soberania do amado Filho de Deus naquela esfera que está acima de todos os céus, em que o Pai “sujeitou todas as coisas debaixo dos seus pés, e sobre todas as coisas o constituiu como cabeça da igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que enche tudo em todos” (Efésios 1:22-23).

Esta supremacia do Filho, como um “mistério que desde tempos eternos esteve oculto” (Romanos. 16:25) “em Deus” (Efésios 3:9), “durante séculos e gerações” (Colossenses 1:26), foi revelada na proclamação do reino de Deus, feita por Jesus, e “depois confirmada pelos que a ouviram” (Hebreus 2:3). Os propósitos dessa suprema

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autoridade do Filho estão selados para ulterior cumprimento na vida dos que, pela sua fé em Cristo, se tornaram herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo (Efésios 2:13-14).

5. O reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Registrada em 2 Pedro 1:11, esta expressão refere-se ao reino milenial, quando “a terra se encherá do conhecimento do Senhor, como as águas cobrem o mar” (Isaías 11:9).

6. O reino de nosso Senhor e do seu Cristo. O texto completo está em Apocalipse 11:15: “Os reinos do mundo vieram a ser de nosso Senhor e do seu Cristo [ou Messias]” . Trata-se de mais uma referência ao período milenial. Essa expressão é mais abrangente do que “Reino do Pai” e “Reino do Filho do Homem” , pois inclui tanto o poder como a glória do reino, como ensinou Jesus em Mateus 6:13: “Porque teu é o reino e o poder, e a glória, para sempre” . O poder é o poder do reino, e a glória é a glória do reino.

Ao final do milênio, todas as esferas particulares ou secundárias do reino serão absorvidas no reino de Deus.

7. O reino de Deus. Esta expressão indica a suprema autoridade de Deus, que é moral e universal. Ela existe desde o começo, e jamais terá fim. Essa autoridade está sobre todas as coisas e abrange a tudo.

Em resumo, esse reino:1. Tem Deus o Pai como seu Governo2. Ele está no céu, sobre a terra3. E ilimitado em seu escopo4. E moral e espiritual em sua esfera5. E inclusivo em seu caráter, abrangendo as

sementes natural e espiritual de Abraão, a “vocação celestial” e a igreja

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A abrangência do reino

6. É universal em seu aspecto7. E, em seu aspecto mais amplo, o objetivo da

revelação do Novo Testamento

O Reino de Deus e a Igreja

De tudo o que já vimos depreende-se que o termo “reino” , mesmo aparecendo em distintos contextos, com distintas conotações, não pode ser aplicado à igreja. Eis algumas das razões dessa impossibilidade:

1. A Bíblia fala de herdeiros do reino, mas em nenhum lugar da Escritura lemos acerca de herdeiros da igreja.

2. Lemos acerca da possibilidade de se receber o reino, mas nada lemos na Bíblia acerca da possibilidade de se receber a igreja.

3. Lemos acerca de anciãos de igrejas, de mensageiros ou servos da igreja, mas nada há na Bíblia acerca de anciãos do reino.

4. A palavra “basileia” , traduzida por “reino” , ocorre 162 vezes no Novo Testamento, sendo 158 vezes no sin­gular, e apenas quatro vezes no plural, ao se referir a reinos deste mundo (Mateus 4:8, Lucas 4:5, Hebreus 11:33, Apocalipse 11:15). Por outro lado, a palavra “ekklesia” ocorre 115 vezes, e destas, 36 estão no plural e 79 no singular, todas elas significando “igreja” ou “igrejas” . Somente em Atos 19:32, 39, 41 ela aparece como “assembléia” ou “ajuntamento” .

5. Lemos acerca de “ filhos do reino” , mas nada encontramos como “filhos da igreja” .

6. Termos como “corpo” , que aparece em Efésios 1:23; 4:4, 16; 5:30, e Colossenses 1:24; “edifício” , Efésios 2:21; e “coluna e esteio da verdade”, em 1 Timóteo 3:15, nunca são aplicáveis a “reino” .

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7. O grande privilégio dos membros da igreja, como participantes “da vocação celestial” (Hebreus 3:1; Apocalipse 20:4-6), é o de reinar com Cristosoòre a terra- ou acima da terra - enquanto que aquele reino será sobre todos os “reinos debaixo de todo o céu” (Daniel 7:27).

8. A igreja das cartas da prisão de Paulo (Efésios, Filipenses e Colossenses), está aqui e agora no mundo, esperando pelo “prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus” (Filipenses 3:14), ao passo que o reino, no sentido de reino de Cristo, não está aqui, porque o Rei não está aqui, e “ainda não vemos todas as coisas sujeitas a ele” (Hebreus 2:8).

9. O reino é o grande objetivo das profecias, enquanto que a igreja, especialmente das chamadas cartas que Paulo escreveu na prisão, não é o objetivo da profecia. Pelo contrário, foi ela mantida em segredo até que chegasse o tempo da sua revelação.

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2A invasão do reino

S OMO VIMOS NO capítulo anterior, os judeus í \ dos dias de Jesus, pelo fato de estarem vivendo

sob o opressivo e repressivo império romano, acabaram por ver as profecias messiânicas de um ponto de vista muito particular. Eles acreditavam que o Messias, como um poderoso guerreiro, conquistaria esses indesejáveis invasores e estabeleceria definitivamente o reino de Davi, inaugurando assim uma nova era de paz, prosperidade e grandeza. Como outros israelitas que viveram em épocas anteriores sob outros dominadores, os judeus dos dias de Jesus também tinham o seu entendimento do reino de Deus muito limitado pelas circunstâncias adversas em que viviam.

O profeta Isaías falou da vinda do Messias em diversas ocasiões, numa das quais afirmou que este viria como um menino: “Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; o principado está sobre os seus ombros” (Isaías 9:6). Mencionou que essa vinda seria como uma pedra assentada em Sião “uma pedra já provada, pedra preciosa de esquina, que está bem firme e fundada” (28:16).

Mais adiante, no capítulo 53, o mesmo profeta falaria de Cristo como o servo sofredor, que daria a sua vida na

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cruz como resgate de nossa alma. Setecentos anos depois, quando as esperanças do povo já se desvaneciam em virtude de tantas guerras opressoras, João Batista, como uma “Voz do que clama no deserto” (Mateus 3:3), se apresentou com as notícias de que as promessas de Deus estavam prestes a cumprir-se. Exortava ele: “Arrependei- vos, pois está próximo o reino dos céus” (Mateus 3:2).

Os evangelhos nos mostram como Jesus foi, aos poucos, mudando a idéia do reino, transferindo-a do seu aspecto material para o espiritual. O Novo Testamento nos mostra, também, como Jesus, pela sua vida, ensinos, morte e ressurreição, estabeleceu a base sobre a qual esse reino de Deus, tanto no seu sentido espiritual como escatológico, poderia tornar-se realidade aqui na terra.

Na concepção de Jesus, o reino de Deus é, em substância, “uma grande sociedade espiritual que transcende todas as distinções terrenas, e que está por sobre todas as organizações políticas — uma sociedade cujos membros têm a sua cidadania nos céus, porém cuja esfera presente de atividade é o mundo atual, e cujos membros estão unidos no elevado propósito de realizar a vontade do Altíssimo ”.(3)

Pelo fato de Jesus encarar o reino de Deus de um modo muito diferente do povo de seus dias, às vezes ele se servia de paradoxos para ilustrar como o reino nos invade. Ele dizia que o reino de Deus está dentro dos discípulos (Lucas 17:21), que esse reino poderia ser possuído pelos pobres de espírito (Mateus 5:3), e que deveria ser buscado antes de qualquer outra coisa (Mateus 6:33).

Jesus também falou do reino como algo em que se

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A invasão do reino

pode entrar, como se estivesse cruzando a fronteira de um país, sendo o passaporte o espírito semelhante ao de uma criancinha (Marcos 10:15); e afirmou ainda que, mediante o novo nascimento, se pode ver o reino de Deus (João 3:3). E como se a conversão nos abrisse os olhos para as belezas espirituais da nova vida em Cristo.

A proclamação desse reino foi a prioridade tanto de João Batista como de Jesus. O ministério de João durou pouco em virtude de sua prisão e martírio, mas assim que Herodes o tetrarca silenciou a “Voz do que clama no deserto” (Isaías 40:3), Jesus começou, imediatamente, a proclamar, na Galiléia, a mesma eloqüente mensagem da chegada do reino.

Sem exercer domínio político sobre nenhuma província, e sem a menor intenção de vir a exercê-la em seu ministério terreno, a pregação de Jesus estava voltada primeiramente para o arrependimento e a conversão, como condição única para que o governo de Deus seja exercido na vida das pessoas.

O reino no passado

Embora o reino de Deus seja ainda futuro em sua realização plena, em certo sentido elé esteve presente em Israel, que experimentou em inúmeras ocasiões o seu poder sobrenatural, como nos sinais realizados por Moisés no Egito, na travessia do mar Vermelho, na provisão do maná, nas guerras de conquista sob o comando de Josué, nos livramentos do povo de Deus das ameaças de potências inimigas, e nos milagres realizados pelos profetas, especialmente Elias e Eliseu.

Nos muitos períodos de apostasia de Israel desapareciam da nação os sinais visíveis da presença do

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reino de Deus entre eles, até que profetas, sacerdotes e reis fiéis ao Senhor se levantavam e promoviam reformas, levando o povo de volta às leis de Deus . Mais tarde, no chamado período interbíblico, de Malaquias a João Batista, durante cerca de quatrocentos anos a nação viveu sob o silêncio da Deus, em que nenhum profeta surgiu entre eles.

Mas, com a vinda e o ministério do Messias, na época denominada nas Escrituras de “a plenitude dos tempos” (Gálatas 4:4), o reino de Deus foi proclamado como presente aqui na terra de um modo muito mais abrangente do que nos tempos do Antigo Testamento. O precursor João Batista, com arrebatadora eloqüência, introduziu o Messias, e este, ungido por Deus com o Espírito Santo e com poder, “andou fazendo o bem e curando a todos os oprimidos do diabo, porque Deus era com ele” (Atos 10:38).

O reino no presente

Já no final de seu ministério, ainda restrito às ovelhas perdidas da casa de Israel, Jesus afirmou aos líderes israelitas que o reino de Deus lhes seria tirado, e seria dado a uma nação que daria os frutos desse reino (Mateus 21:43). Embora alguns teólogos, equivocadamente, tenham interpretado essa nação como sendo a Inglaterra ou os Estados Unidos da América, a Bíblia afirma com clareza que tal nação é a igreja. Pedro afirmou: “Mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as grandezas daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1 Pedro 2:9).

A igreja, portanto, denominada de “a igreja dos

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primogênitos arrolada nos céus” (Hebreus 12:23), constituída de “homens de toda tribo; e língua, e povo e nação” , comprados com o precioso sangue do Cordeiro de Deus (Apocalipse 5:9), constitui hoje o reino de Deus na terra. Nela, na igreja, o poder do reino de Deus está presente e operante no milagre maior de transformação de vidas, na expulsão de demônios e na libertação dos oprimidos do diabo.

Portanto, a cada dia devemos nós, como cristãos, demonstrar pelo nosso modo de vida que o reino de Deus está em vigor agora mesmo. O modo de fazer isso é deixar que o Senhor Jesus governe soberanamente em nossa vida, guiando o nosso comportamento em tudo o que fazemos.

Billy Graham afirmou muito bem que “o reino de Deus não é apenas uma esperança futura, mas uma realidade presente” . De fato, onde quer que homens e mulheres se voltem para Deus em arrependimento e fé, procurando fazer a vontade dele aqui na terra como ela é feita no céu, ali está o reino de Deus.

O reino no futuro

Daniel profetizou com muita clareza a vinda do reino messiânico de Deus a este mundo. Suas visões proféticas se estendem desde a sua época até o tempo final dos acontecimentos do mundo. O Senhor mostrou ao rei de Babilônia a imagem de um homem que representava os quatro grandes impérios do mundo: o babilônico, o medo- persa, o grego e o romano.

Segundo essa profecia, no final dos tempos uma pedra atingirá a estátua e a reduzirá a pó. O vento se encarregará de fazer que esse pó desapareça, mas a pedra

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se converterá em uma enorme montanha que encherá toda a terra. De acordo com a interpretação divina que Deus deu a Daniel, a vinda da pedra indica o retorno de Cristo para pôr um fim aos reinos da terra e estabelecer aqui o seu próprio reino de paz e justiça.

Jesus, ao voltar à terra, cumprirá as promessas do reino feitas a Davi (2 Samuel 7:16; Salmo 89:37-38). Tais promessas foram confirmadas pelo anjo a Maria, por ocasião do anúncio do nascimento de Jesus: “Disse-lhe então o anjo: Maria, não temas, achaste graça diante de Deus. Conceberás e darás à luz um filho, e pôr-lhe-ás o nome de Jesus. Este será grande, e será chamado Filho do Altíssimo. O Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, seu pai. Ele reinará eternamente sobre a casa de Jacó, e o seu reinado não terá fim” (Lucas 1:30-33).

A Bíblia ensina que o dia virá em que as nações do mundo, especialmente aquelas que têm oprimido a Is­rael, se submeterão às leis e à justiça divinas. Nesse tempo, o governo de Deus será como uma forte luz a dissipar as trevas que têm sobrevindo a este mundo. Esse tempo será o milênio, quando todo o povo de Israel estará reunido na terra que Deus lhe prometeu, e Jerusalém será a capital do mundo. O trono de Cristo estará ali na Cidade Santa, pois a partir de Jerusalém Jesus proclamará suas leis para toda a humanidade.

O advento de Cristo marcará o fim definitivo do governo humano sobre a terra. Cristo reinará sobre todas as nações do mundo. De acordo com o livro de Apocalipse, os quatro seres viventes e os vinte e quatro anciãos que João viu no céu já proclamaram, em cântico, essa gloriosa verdade (Apocalipse 5:9-10), que se cumprirá quando soar a sétima trombeta e as vozes celestiais proclamarem: “Os reinos do mundo vieram a ser de nosso Senhor e do

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A invasão do reino

seu Cristo, e ele reinará para todo o sempre” (Apocalipse 11:15). Os crentes que forem transformados no rapto, ou ressuscitados na primeira ressurreição, “reinarão com ele durante os mil anos” (Apocalipse 20:6).

A principal característica do reinado de Cristo será a justiça e a paz, pois naquele reino jamais haverá lugar para a opressão ou a guerra. O profeta registrou: “Vêm dias, diz o Senhor, em que levantarei a Davi um Renovo justo, um rei que reinará e prosperará, e praticará o juízo e a justiça na terra. Nos seus dias Judá será salvo, e Israel habitará seguro. Este será o seu nome, com que o nomearão: O Senhor, Nossa Justiça” (Jeremias 23:5-6).

Embora não nos tenha sido dada nenhuma data para a vinda de Cristo, a partir da perspectiva de Deus podemos perceber que esse evento ocorrerá muito breve. O fato de a igreja primitiva ter enfatizado tanto essa segunda vinda deve dar-nos um sentido de urgência, uma vez que estamos vivendo vinte séculos mais próximos desse glorioso acontecimento do que os nossos irmãos do primeiro século. Por isso devemos levar a sério as advertências bíblicas e permanecer vigilantes, pois o Rei virá a qualquer momento.

Apesar de às vezes vermos o aparente triunfo do mal ao nosso redor, devemos estar certos de que os propósitos de Deus continuam a avançar com firmeza para o dia em que toda a terra será cheia de sua glória, e em que todas as nações o adorarão. Primeiramente no milênio, quando Jesus Cristo estabelecerá seu reino terreno, e depois, para todo o sempre, na eternidade.

E quanto mais nos aproximamos do final dos tempos, mais firmemente devemos nos apegar às verdades acerca do reino de Deus agora e no futuro. Devemos proclamar as novas do poder de Cristo que transforma vidas, para

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que os que não lhe conheçam tenham a oportunidade de preparar-se para a sua vinda. O evangelista Richard Vinyard, numa mensagem baseada em Colossenses 1:13: “Que nos tirou do poder das trevas, e nos transportou para o reino do Filho do seu amor” , afirmou:

Fomos tirados do reino das trevas. Os poderes do reino do inferno foram quebrantados. Fom,os trasladados para o reino do seu amado Filho. Hoje somos filhos do reino dos céus. Temos o céu dentro de nossos corações hoje à noite. Estamos vivendo no poder daquele reino. Então ele deve ter chegado ou não o sentiríamos. O reino deve ser disponível ou não poderíam os ser transportados para dentro dele. E desde que somos transportados para dentro dele, sabemos que o poder do reino dos céus tem chegado. (4)

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3O governo do reino

yEVIDENTE QUE UM reino só pode existir

g J se tiver como seu cabeça um rei. Não existe reino ^ ^ sem rei. E no caso do reino de Deus, o seu rei é

Deus Pai.Não sendo nosso propósito fazer aqui uma

apresentação ampla desse rei, mostraremos apenas alguns aspectos de seu caráter mediante seus atributos e sua soberania.

A Bíblia Sagrada afirma que o Deus que reina sobre todo o universo é Espírito (João 4:24), é vida (João 5:26), existe por si mesmo (Ex 3:14), é infinito (Salmo 145:3), é imutável, jamais muda (Salmo 102:27; Malaquias 3:6; Tiago 1:17), é a verdade (Deuteronômio 32:4; João 17:3), é amor (1 João 4:8), é eterno (Salmo 90:2; Jeremias 23:23-24), é onisciente (Salmo 147:4-5), e é onipotente (Mateus 19:26).

Esses atributos divinos atestam a sua soberania sobre toda a criação. Nada escapa ao seu infinito poder, autoridade e glória. Sendo ele perfeito em grau infinito, Deus Pai não pode jamais ser surpreendido, ou enganado ou derrotado. Sem comprometer a sua autoridade e seu propósito de consumar ao final de tudo a sua boa, agradável e perfeita vontade (Romanos 12:2), aprouve a

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I

TEU É O REINO

Deus dar ao homem o livre arbítrio, pelo qual é este responsável perante o seu Criador.

Ribeiro do Vale escreveu um lindo soneto em que tenta expressar alguns dos atributos de Deus:(5)

Os Nomes de Deus

Querendo Deus gravar seus Nomes na opulênciaDo universo, estampou no espaço — Imensidade;E sobre a curva azul dos mares — Majestade;

Sobre as flores — Beleza; no ar—- Resplandecência;

Na multidão dos astros — Glória e Onipotência; No manto que recobre a terra — Variedade;Na semente das árvores — Fecundidade;

Na fronte do homem estampou — Inteligência;

E nas leis sábias que governam todo o mundo Deixou gravado claro seu — Saber Profundo.

Mas, na sua obra-prima, o coração humano,

Que a um tempo é o menor dos mundos e o maior, Soube, com traço fino e misterioso arcano,

Esculpir de seus Nomes o mais belo — Amor!

O reinado do Pai

O reinado do Pai sobre a terra é eterno, como afirmou Moisés: “O Senhor reinará eterna e perpetuamente” (Êxodo 15:18). Os salmistas, quando falam desse reinado de Deus usam o verbo no presente: “Pois o reino é do Senhor, e ele domina entre as nações... Deus reina sobre

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O governo do reino

as nações; Deus se assenta no seu santo trono” (Salmo 22:28; 47:8). O profeta Isaías, falando dos mensageiros de boas novas, afirma que eles dizem a Sião: “O teu Deus reina!” (Isaías 52:7). E Jeremias registrou: “Tu, ó Senhor, reinas eternamente, e o teu trono subsiste de geração em geração” (Lamentações 5:19).

Mas o reinado do Pai vai muito além deste planeta em que vivemos. Quando Paulo afirma em Efésios 3:14- 15: “Por causa disto me ponho de joelhos perante o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, do qual toda a família nos céus e na terra toma o nome”, ele não está falando apenas de seres humanos, mas também de seres angelicais, que são criaturas de Deus. A mesma verdade aparece em Hebreus 12:9, em que o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo é chamado de “Pai dos espíritos” , expressão que parece incluir todos os seres morais criados por Deus, quer sejam homens, quer sejam anjos.

O rei Nabucodonosor, de Babilônia, depois de humilhado por causa de seu orgulho, reconheceu a grandeza do reino de Deus, quando disse: “Eu bendisse o Altíssimo, e louvei, e glorifiquei ao que vive para sempre, cujo domínio é um domínio sempiterno, e cujo reino é de geração em geração. Todos os moradores da terra são reputados como nada; segundo a sua vontade ele opera no exército do céu e nos moradores da terra. Não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes?” (Daniel 4:34-35)

As passagens bíblicas que acabamos de citar indicam que a Primeira Pessoa da Trindade, na qualidade de Criador de todas as coisas, reina soberanamente sobre toda a sua criação. Todavia, no que se refere a este mundo, o seu reino ainda não está de todo manifestado. Virá, porém, o dia em que esse reino se manifestará e se

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estenderá ao mundo inteiro na pessoa do Filho.

Salomão e a sulamita

Segundo alguns estudiosos da Bíblia, entre eles N. W. Hutchings, o livro de Cantares, ou Cântico dos Cânticos, descreve tipologicamente o reinado de Cristo com a sua igreja.

Considerando que o cântico narra um dos primeiros namoros de Salomão como rei de Israel, o pano de fundo desse cântico seria uma vinha que o rei possuía em Baal- Hamon, ao Norte do país, na qual, por falta de cuidado dos trabalhadores, pássaros e animais selvagens comiam as uvas. O rei, então, disfarçado de pastor, foi a Baal- Hamon inspecionar a vinha, e ali encontrou a linda camponesa sulamita. Ambos se apaixonaram um pelo outro.

Como Salomão tivesse que retornar a Jerusalém a negócios, antes de partir prometeu à sulamita que voltaria e se casaria com ela. O rei cumpriu a sua promessa, levando a jovem para o seu palácio e casando- se com ela. Mas, apesar de todo o esplendor da corte, a sulamita sentia saudades da sua terra natal, e por isso Salomão voltou com ela a Baal-Hamon.

Esse lindo cântico — o único que chegou até nós dos 1005 que ele escreveu (1 Reis 4:32) — possui uma preciosa lição tipológica acerca de Jesus como rei. No Cântico, Salomão é um tipo do Senhor Jesus, e a empregada sulamita um tipo da igreja. O amor que nutrem um pelo outro ilustra bem o amor de Jesus pela igreja: “Vós, maridos, amai as vossas mulheres, como também Cristo amou a igreja, e a si mesmo se entregou por ela” (Efésios 5:25).

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O esplendor de Salomão, descrito em 1 Reis 10:14-29, aponta para o Senhor Jesus Cristo como o Criador do Universo. E assim como o mais rico dos homens vai a Baal-Hamon disfarçado de simples pastor, assim veio Jesus à terra em pobreza, sem ter sequer onde repousar a cabeça. Diz a Bíblia: “A vinha do Senhor dos Exércitos é a casa de Israel” (Isaías 5:7), a quem Jesus foi enviado: “Eu não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mateus 15:24).

Do mesmo modo como Salomão, disfarçado de pastor, não foi reconhecido pelos empregados da vinha, que o expulsaram, assim também Israel não reconheceu a Jesus Cristo como o Messias, o Rei da glória. Lemos em João 1:11-12: “Veio para o que era seu, mas os seus não o receberam. Mas a todos os que o receberam, àqueles que crêem no seu nome, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus” .

Embora fosse Salomão rejeitado por seus próprios empregados em Baal-Hamon, a empregada sulamita não o rejeitara. Salomão significa paz em hebraico, e, portanto, como rei, era ele príncipe da paz. Sulamita é a forma feminina de Salomão, e significa filha da paz.

Comparando os tipos de Cantares com os seus correspondentes antítipos do Novo Testamento, temos algumas lições importantes. Por exemplo, à pergunta da Sulamita em 1:7: “Diz-me, ó tu, a quem ama a minha alma: Onde apascentas o teu rebanho, onde o recolhes pelo meio-dia. Por que razão seria eu como a que anda errante pelos rebanhos dos teus companheiros?” ; Jesus responde: “Eu sou o bom pastor; eu conheço as minhas ovelhas, e as minhas ovelhas me conhecem” (João 10:14).

Por ser estrangeira, a sulamita representa todos os

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povos gentílicos pelos quais Jesus morreu, João 3:16; Marcos 16:15. E assim como a jovem apresenta Salomão à sua mãe, que tipifica as nações; os crentes de cada nação apresentam Jesus ao seu povo, 3:4; Mateus 28:19-20.

Salomão deseja entrar no lar da sulamita (2:9), e Jesus deseja entrar na igreja e em nosso coração (Apocalipse 3:20). Quando a sulamita abre a porta, Salomão a saúda (2:10-12), dizendo que o tempo de cantar chegou, que as flores estão florescendo, e que já se ouve a voz das rolas. Jesus, ao entrar em nossa vida, dá-nos uma nova vida e o gozo do Espírito Santo, simbolizado pela rola (Mateus 3:16. Veja também Lucas 12:27-31).

O noivo chama a sulamita de jardim fechado, irmã minha, noiva minha, manancial fechado, fonte selada (4:12), e a igreja é uma virgem pura, santificada, separada do mundo (2 Coríntios 11:2).

O Cântico dos Cânticos menciona um banquete associado com a mirra e a especiaria (5:1), o que aponta para a última ceia, realizada na noite em que Jesus foi traído por Judas. Mirra e especiarias estão associadas também com a preparação de um corpo para a sepultura, e por isso a sulamita tem um conturbado pesadelo (5:2- 5). Nesse pesadelo temos uma cena noturna (o orvalho) no Getsêmani, e uma figura de Cristo suando sangue (gotas da noite), despido da sua túnica (sobre a qual os soldados lançaram sortes), e tendo os pés lavados (ungidos para o sepultamento (Mateus 26:12). Uma cena típica da crucificação.

Mais adiante, a descida de Salomão ao seu jardim para colher os lírios (6:2) pode significar a ida de Jesus ao paraíso (Lucas 23:43), onde colheria os seus lírios, isto é, levaria “cativo o cativeiro” (Efésios 4:8). E quando a sulamita abre a porta, o noivo já não estava mais lá (5:6-

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7), o que indica a ascensão de Jesus ao céu (Lucas 24:51).Ao ser perguntada acerca de seu noivo, a sulamita faz

dele uma descrição (5:10-16) que corresponde à de Jesus glorificado (Lucas 9:28-36; Apocalipse 1:12-16). Depois, ao despertar de seu sono, a sulamita vê que seu noivo volta para ela, não há como um pobre pastor, mas em poder e glória (3:6-8), o que indica a volta de Cristo (Mateus 24:30). Jesus, ao retornar no final do período da Tribulação a fim de salvar Israel, ele virá como Rei dos reis e Senhor dos senhores (Apocalipse 19:12-13), com aquela glória que a empregada sulamita viu em Salomão.

Depois a sulamita sobe do deserto encostada ao seu amado (8:5), o que corresponde ao rapto da igreja (1 Tessalonicenses 4:16:17).

Finalmente, a transformação da humilde camponesa em rainha ilustra a transformação que experi­mentaremos na volta do Senhor (1 Coríntios 15:51-52), quando receberemos um corpo perfeito.(6)

O Cântico dos Cânticos, portanto, traz lições tipológicas importantíssimas para todos nós hoje. E como afirma Paulo em 1 Coríntios 10:11: “Tudo isto lhes aconteceu como exemplos, e estas coisas estão escritas para aviso nosso, para quem já são chegados os fins dos séculos” .

A realeza de Jesus

Alguns fariseus, ao interrogarem a Jesus acerca da época em que ele estabeleceria na terra o seu reino, tiveram como resposta: “O reino de Deus está dentro em vós” (Lucas 17:21). Aqueles religiosos devem ter ficado decepcionados com a resposta de Cristo, pois não

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viam com seus próprios olhos tal reino, nem o podiam compreender ou sentir.

De maneira geral, os judeus esperavam da parte do Messias um domínio político e ditatorial, que rápida e heroicamente libertasse Israel de seus poderosos opressores. Suas mentes e atenções estavam de tal maneira voltadas para as dificuldades econômicas, religiosas e morais da nação, que só podiam esperar da parte de Deus um Cristo revolucionário, talvez como um dos Macabeus, que suplantasse pela força das armas o Império Romano e reinasse em Jerusalém “com vara de ferro” , conforme anunciava o Salmo 2, versículos 6, 8 e 9: “Eu ungi o meu Rei sobre o meu santo monte Sião... Pede-me, e eu te darei as nações por herança, e os fins da terra por tua possessão. Tu os regerás com vara de ferro; tu os despedaçarás como a um vaso de oleiro” .

Um teólogo brasileiro descreve que esse anseio popu­lar dos judeus pelo reino do Messias só concebiam esse reino como um poder político com as...

acenadoras glórias da era dos Macabeus, cuja linhagem e cuja influência ainda coloriam os horizontes de Israel, a que se aliava a natural inclinação das mentes empolgadas por visões de grandeza terrena, esperava um Rei, na acepção consuetudinária do termo, a assentar-se num trono esplêndido, cercado de fâmulos e vassalos, poderosos contingentes armados e portentosos arraiais fortalecidos, soberbo e imperioso, magnífico e pomposo como nenhum outro na tradição de Israel.C)

Tal interpretação de escrituras isoladas não poderia

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apoiar-se no conjunto das claras profecias, pois estas falavam de um Messias desprezado, perseguido e aparentemente fraco, que seria levado à cruz como se leva um cordeiro ao matadouro (Isaías 53). Isso a maioria dos judeus não percebeu, como também não percebeu as profecias acerca da sua ressurreição e do estabelecimento por ele de seu reino eterno, porém inicialmente caracterizado por seus aspectos espiritual e moral.

O mesmo teólogo atrás citado assinala, mais adiante que o evangelista Mateus, começando pela genealogia de Cristo, revela a sua intenção de destacar a realeza de Cristo.

“Não rei nos moldes terrenos, segundo as prerrogativas políticas e o serviço de interesse materiais. Ao contrário, rei, rei grandioso e soberano, cumprimento real dos arrojados e constantes vaticínios dos profetas, vida plenamente em harmonia com a vontade divina, senhor augusto do presente e do além. Varão de Dores, tão majestoso na humilhação a que se condicionou, supremo na exaltação de que se aureolara, cumprida a missão redentora a que viera, restaurado ã glória celeste de onde procedera”. (8)

Embora rejeitado pelo povo e incompreendido até mesmo por muitos de seus próprios discípulos, Jesus cumpriu fielmente a missão que lhe havia sido confiada pelo Pai, de resgatar com seu precioso sangue os que nele cressem. E depois de vencer o diabo e a morte, ele entregou aos seus primeiros súditos as boas novas de

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salvação, e os mandou proclamá-las a todos os povos..Os súditos do reino de Deus, sobre os quais Jesus reina

soberano, é chamado nas Escrituras de “raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus” (1 Pedro 2:9). Estes são alguns dos títulos da verdadeira Igreja. Esta fiel assembléia dos santos, enquanto estiver na terra como igreja militante, tem de lutar contra o reino das trevas, despoticamente governado por Satanás e seus agentes, e onde estão presos e escravizados todos os que ainda não nasceram de novo.

O reinado de Jesus

As Escrituras tratam também do aspecto escatológico do reino, a ser estabelecido aqui na terra com a vinda de Jesus para o Milênio. As referências bíblicas são abundantes:

Deus prometeu a Abraão que da sua descendência sairiam reis (Gênesis 17:6). Jacó profetizou que o cetro não se apartaria de Judá, e que viria Silo, o Messias (Gênesis 49:8). Os profetas falaram de Cristo como rei (Isaías 9:6; Zacarias 9:9; Jeremias 23:5). De fato, Jesus nasceu como rei (Mateus 2:2,11,16-18), foi aclamado rei pelos judeus (João 12:12-16; Mateus 21:8-11), testificou da sua realeza diante de Pilatos (João 18:33-37), como rei foi coroado e crucificado (Mateus 27:29, 37), e como rei foi recebido em cima nos céus (Salmo 24:7-10).

Não foi por acaso que Pilatos ordenou que fosse afixada no cimo da cruz um anúncio de que Jesus era rei, escrito em grego, a língua da ciência; em hebraico, a língua da religião, e em latim, a língua do governo.

Como Rei dos reis e Senhor dos senhores Jesus é hoje

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O governo do reino

glorificado (1 Timóteo 1:17; 6:15; Apocalipse 1:5; 15:3; 19:6). Como rei ele voltará com poder e grande glória (Mateus 16:27, 28; 25:34; Apocalipse 17:14;19:16), e reinará na terra durante mil anos (Ezequiel 37:22,24,25; Apocalipse 20:1-6; Daniel 2:44; 7:27; Mateus 19:28; Atos 2:30). Finalmente, como rei ele entregará o Reino ao Pai, no final do Milênio, quando toda a rebelião estiver para sempre aniquilada (1 Coríntios 15:24-28; Filipenses 2:9- 11).

Segundo a aliança estabelecida entre Deus e Davi, através do profeta Natã (2 Samuel 7:1-17), a casa de Davi (sua linhagem), o trono de Davi e o reino de Israel durariam para sempre. Quando o anjo Gabriel anunciou a Maria o nascimento de Jesus, disse que ele seria grande, e o Senhor Deus lhe daria o trono de Davi seu pai, e que ele reinaria sobre a casa de Jacó para sempre, e seu reino não teria fim (Lucas 1:32, 33). Aqui estão as mesmas três palavras-chave da aliança davídica: trono, casa e reino.

As nações não querem que Cristo reine sobre elas. Israel não quis e ainda não quer que Cristo reine sobre ele, mas Deus é fiel e executará a sua vontade. Jesus reinará! (9)

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4O acesso ao reino

/ ^ ) VISLUMBRE QUE O livro do Apocalipse í J nos mostra, com respeito a nossa eterna y—S recompensa, escapa à compreensão humana. Mas essas indicações do cumprimento do Reino foram dadas para animar-nos. Embora talvez não possamos compreender mentalmente o completo significado de nossa futura glória com Deus, podemos contar com essa realidade tão certos como aceitamos a verdadeira presença de Cristo em nós hoje. O Reino não nos foi revelado em etapas, como se fosse um acidente no plano de Deus. Cada parte deste eterno mosaico está sendo colocada no seu devido lugar, de acordo com a perfeita vontade divina.

Ao longo da história e em nossos dias não tem faltado tentativas de construir o reino de Deus aqui na terra. Até mesmo a Igreja Católica Romana se considerou, durante os longos séculos do cesaropapismo, a recipiente e mantenedora desse reino.

Podemos construir o reino ?

Não há, nas Escrituras, nenhuma indicação de que seja possível aos homens construir aqui na terra o reino

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de Deus. É claro que se pode melhorar as condições espirituais, morais e sociais do mundo mediante a aplicação dos princípios do reino. Um bom exemplo dessa possibilidade é a aldeia de Shimabuko, no Japão:

Durante a Segunda Guerra Mundial, Clarence W. Hall, correspondente de guerra dos Estados Unidos, ao visitar a aldeia de Shimabuko, em Okinawa, escreveu: Durante anos a aldeia não tivera cadeia, nem bordel, nem embriaguez, nem divórcio. Havia ali um alto nível de saúde e felicidade... Criaram uma democracia cristã na sua forma mais pura”.

E que os mil habitantes de Shimabuko haviam recebido a, visita de um missionário que foi para o Japão, uns trinta anos antes, o qual deixara ali um exemplar da, Bíblia em poder de dois shimabukanos convertidos, Mejun Nakamura e Shasei Kina, respectivamente chefe e professor da aldeia. Ao partir, disse o missionário aos dois crentes: “Estudem este Livro, pois ele dará a vocês uma fé robusta. Quando a féé forte, tudo é forte”.

Sem noção de culto ou templo cristão, os mil habitantes criaram o seu próprio sistema de adoração. O professor Kina fazia a leitura da Bíblia e todos repetiam em forma de cântico. Entoavam hinos e faziam orações voluntárias. Em seguida passavam a tratar dos problemas da aldeia, e, para cada questão, Kina procurava na Bíblia uma resposta.

Após tomar parte num desses cultos, o motorista de Hall disse-lhe com ares de mofa: “Veja, tudo isso é resultado de uma, só Bíblia, e

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O acesso ao reino

de dois fanáticos que querem viver como Jesus”. Impressionado com o que viu, o motorista acrescentou: “Talvez estejamos usando as armas erradas para tornar o mundo melhor”. Ele fazia referência às armas de guerra.

Alguns anos depois de terminada a guerra, Clarence Hall voltou a Okinawa para ver o efeito da civilização que os norte-americanos tinham introduzido. Okinawa estava irreconhecível. Em lugar de pequenas aldeias havia agora ruas, lojas, armazéns, clubes, cinemas, teatros, campos de golfe, piscinas, estação de rádio e televisão. Havia bares e prostíbulos. Hall procurou Shimabuko e a encontrou “cercada”pelo “progresso”. Entretanto, toda aquela confusão e aflição do “progresso” não a tinham atingido. Permanecia espiritualmente separada de tudo aquilo, baseando sua vida nos ensinos da Bíblia. E Clarence Hall não pôde esquecer do que lhe dissera seu motorista anos passados: “Talvez estejamos usando as armas erradas para tornar o mundo melhor!”(m)

Alguns “construtores ” do reino

O exemplo de Shimabuko difere de diversos outros, como a pretensão do catolicismo romano de ter-se constituído, na Idade Média, o reino de Deus na terra mediante o exercício, pelo papa, dos poderes espiritual e secular, a que se convenciou chamar de cesaropapismo. Mas a história está aí para atestar o quanto tal pretensão esteve longe de se cumprir.

Após a Segunda Grande Guerra surgiu um movimento que também pretendia construir aqui o reino de Deus.

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Foi a Teologia do Evangelho Social. O conhecido livro Em seus passos que faria Jesus ?,. por sinal em si mesmo um bom livro, tem sido considerado um produto dessa tentativa, que também ficou conhecida como evangelho do caminho de Jericó, em virtude da sua ênfase nas melhorias das condições sociais do mundo.

Mais recentemente, teólogos católicos e protestantes intentaram construir o reino de Deus através do movimento conhecido como Teologia da Libertação. Gustavo Gutierrez, os irmãos Boff e Ruben Alves são alguns dos mais conhecidos propagadores desse movimento que analiso em meu livro O Deus dos Pobres, traduzido e editado na língua espanhola com o título El Senor de los Pobres.

Em virtude da poderosa influência do evangelho em nações como Inglaterra e Estados Unidos da América, alguns estudiosos da Bíblia chegaram a propor que esses países se tornaram os sucessores de Israel como representantes do reino de Deus na terra. Todavia, à luz de passagens claríssimas das Escrituras, como a de 1 Pedro 2:7-10, o reino de Deus não foi entregue a nenhuma nação em particular, mas à igreja. Por isso não há como negar a responsabilidade da igreja, e de cada cristão em particular, de ser o “sal da terra” e a “luz do m undo” , contribuindo de modo decisivo para as melhorias das condições de vida da sua comunidade. A luz de Mateus 25:34-40, Jesus continua faminto em cada pessoa faminta, continua com sede em cada sedento, continua preso em cada prisioneiro.

Os perigos do conformismo

O fato de ser a salvação um dom de Deus, e não o

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O acesso ao reino

produto do nosso bom desempenho pessoal, não significa que temos o direito de cruzar os braços e nos tornarmos indiferentes à miséria humana. Justamente quando a Bíblia afirma que somos salvos pela graça de Deus, mediante a fé, ela conclui que “somos criação de Deus realizada em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou de antemão para que nós as praticássemos” (Efésios 2:10, NVI). As vezes enfatizamos tanto a salvação pela graça que acabamos nos esquecendo de que as obras são o fruto da salvação, e de que “a fé, se não tiver obras, é morta em si mesma” (Tiago 2:17).

Não há a menor dúvida, portanto, de que devem os cristãos contribuir para que haja, no mundo, os sinais benditos da presença do reino. Muitas coisas boas hoje presentes na sociedade são frutos diretos ou indiretos do cristianismo, como hospitais, orfanatos, lar de idosos, o fim da escravatura, e até mesmo o preço fixo no comércio, que aboliu no ocidente o injusto e corrupto sistema de regateio. Neste último caso, os cristãos se inspiraram nas palavras de Jesus: “Seja o vosso ‘Sim’ , sim; e o vosso ‘Não’, não” (Mateus 5:37).

A respeito da verdadeira missão da igreja, escrevi, em 1989:

Seguindo o exemplo de Cristo, a evangelização inclui o serviço. Disse Jesus: “Eu para isso nasci e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade” (João 18:37), e: “Pois o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (Marcos 10:45). Comentando o pedido dos filhos de Zebedeu, de se assentarem um à direita e o outro à esquerda de Jesus, John Stott

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afirmou que “o símbolo de uma liderança autenticamente cristã não é a veste de púrpura de um imperador, mas o avental batido de um escravo; não um trono de marfim e ouro, mas uma bacia de água para a lavagem dos pés”.

Meu amigo, pastor Ricardo Gondim Rodrigues, que realiza em Fortaleza, no Nordeste brasileiro, notável obra espiritual e social, disse, num dos boletins semanais da sua grande e atuante congregação, que a igreja evangélica, omissa em muitas de suas áreas, deve voltar às suas origens, ao primeiro amor de uma fé simples sem ser simplista. Eis suas palavras: “A Igreja não é lugar de posições, títulos, e fama. Aqui se aprende a servir. Aprendemos a arte de amar, a Deus e ao semelhante. Organização, comissões, atas e plenárias devem ficar sempre na perspectiva de servir à visão maior que é levar as pessoas a amarem e servirem o Deus vivo. Evangelizar, cuidar e orar deveriam ser conjugados em todos os tempos com todos os pronomes ”.(u)

Stott insiste na necessidade de a igreja se dispor a seguir o exemplo de Cristo:

Onde está o espírito de aventura, o senso de desinteresseira solidariedade com os menos privilegiados? Onde estão os cristãos dispostos a colocar o serviço acima da segurança, a compaixão acima do conforto, a dureza acima da vida fá cil? Milhares de tarefas cristãs pioneiras, que desafiam a nossa complacência e

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demandam risco, aguardam para serem feitas.A insistência na segurança é incompatível com

o caminho da cruz. Que aventuras ousadas fo­ram a encarnação e a expiação! Que quebra de convenções e decoro ter o Deus Todo-poderoso renunciado a seus privilégios a fim de se vestir de carne e levar o pecado do homem! Jesus não tinha segurança nenhuma a não ser em seu Pai.De modo que seguir a Jesus é sempre aceitar pelo menos certa medida de incerteza, perigo e rejeição por amor a ele. (12)

O que diz a Bíblia

Através das páginas do Novo Testamento, e em espe­cial nos evangelhos e no livro de Atos, nos deparamos constantemente com apelos à salvação que indicam “como” somos introduzidos no seio do reino de Deus. “Arrependei-vos, pois está próximo o reino dos céus” (3:2). “Arrependei-vos e crede no evangelho” (Marcos 1:15). “Então, saindo eles [os doze), pregavam ao povo que se arrependesse” (Marcos 6:12). “Antes, se não vos arrependerdes, todos de igual modo perecereis” (Lucas 13:3). Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado...” (Atos 2:38). “Arrependei-vos, pois, e convertei-vos, para que sejam apagados os vossos pecados...” (Atos 3:19). “Crê no Senhor Jesus Cristo, e serás salvo, tu e a tua casa” (Atos 16:31).

No evangelho de João são bem conhecidos os versículos que indicam a necessidade da fé em Cristo e da posse dele para a salvação. Vejamos: “Mas a todos os que o receberam, àqueles que crêem no seu nome, deu- lhes o poder de serem feitos filhos de Deus” (3:12). “Para

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que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (3:16). “Todo aquele que crê no Filho tem a vida eterna” (3:36).

São fortes, na Bíblia, as palavras que indicam fé, arrependimento, conversão e posse. Mas essas palavras indicam apenas o lado humano, aquilo que temos de fazer. Embora a salvação seja um dom gratuito de Deus, cabe a nós aceitá-la ou não mediante escolha nossa. Deus, pelo Espírito Santo, apela à nossa vontade. “Quem quiser, tome de graça da água da vida” (Apocalipse 22:17).

Devemos receber o reino

Se construir o reino revela o ego insubmisso pretendendo o impossível pelo esforço próprio, receber o reino revela, por outro lado, o ego submisso e receptivo, de mãos vazias, aceitando alegremente o dom da graça de Deus.

Recebemos o reino pela fé, em humildade. A expressão “pobres de espírito” , de Mateus 5:3, quer dizer também suficientemente humilde e receptivo para receber das mãos de Deus o seu dom inefável. Como Deus mesmo estabeleceu o princípio de que o orgulho fecha a porta da graça, somente os que possuem um espírito renunciado, esvaziado de qualquer vaidade, estão aptos a estender a mão e tomar posse da salvação.

O esforço humano em estabelecer o reino pode ser comparado à tentativa da vespa que tenta escapar através da vidraça. Em seu desespero ela se joga repetidamente contra o obstáculo, em vão. Por fim, exausta, ela cai no peitoril da janela, e então escapa livre através de pequena abertura, pois a janela não estava

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totalmente abaixada. Assim deve o crente cessar de lutar e deixar-se cair nas mãos onipotentes de Deus, de onde, livre, pode finalmente alçar vôo às maiores alturas. Frida Vingrem expressou essa verdade ao escrever, num lindo hino, que “às alturas santas ninguém voa, sem as asas da humilhação” .

Como recebemos o reino

O ato em si de recebimento do reino possui alguns passos, como no início de um relacionamento de amizade entre duas pessoas. Conhecido evangelista internacional sugere estes cinco passos:

(a) A etapa da aproximação. Esta é a etapa experimental. Você não tem certeza se quer entregar-se inteiramente a outra pessoa. E a fase do sim e não. (b) A etapa na qual há a decisão interior de se dar a alguém — a fase da decisão.(c) Você leva a cabo a decisão — você realmente faz a entrega interior a outra pessoa, (d) Tendo- se dado à outra pessoa, você está agora livre para receber daquela pessoa. Há um intercâmbio de si mesmos — você pertence àquela pessoa, e aquela pessoa pertence a você. Vocês são um. (e) Há um ajuste contínuo e mútuo de mente à mente, vontade à vontade, e de ser a ser através dos anos.A amizade se desdobra. (13)

Desejo destacar três desses passos, a saber: a aproximação, a decisão e a entrega. Esses passos poderiam também ser chamados deconflito mental, crise emocional e resolução do conflito.

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TEU É O REINO

A aproximação, ou conflito mental. Esta etapa pode durar muito tempo, anos até, ou pode ser vencida em apenas alguns minutos. Como pastor, conheço pessoas que ainda não venceram essa etapa em dez anos, e sei de outras que o fizeram rapidamente, em um culto. A razão por que em alguns casos tal aproximação é lenta se deve à hesitação.

No caso de uma amizade humana, a hesitação pode estar em ambos os lados, mas nunca em se tratando de amizade com Deus, pois da parte dele não há nenhuma hesitação. Tudo foi feito e tudo está perfeitamente arranjado. E como disse Jesus: “Vinde, pois tudo já está preparado” (Lucas 14:17). Jesus, ao exclamar na cruz: “Está consumado” , colocava um ponto final na obra redentora que viera realizar. Da parte dele, do Pai e do Espírito Santo não há nada mais a fazer. Agora, tudo depende de nós.

Infelizmente, como todas as religiões ensinam a busca de Deus pelo homem, algumas pessoas acham que o mesmo ocorre no cristianismo bíblico. Um amigo meu mostrou-me um original sob o título: “A trajetória do homem em busca de Deus” , e eu sugeri-lhe que mudasse o título para: “A trajetória de Deus em busca do homem”, pois é exatamente isso que ensinam as Escrituras. O pecador não pode encontrar a Deus pelo fato de estar sempre correndo para longe dele, mas pode colocar-se no caminho de Deus para que seja achado por ele.

Há um exemplo clássico de como podemos nos colocar, mesmo involuntariamente, na condição de sermos achados por Deus.

Quando findou a Segunda Grande Guerra, a família alemã Schuricht substituiu o “deus” Hitler pelo “deus” Stalin. Rodolfo, filho dessa família, tornou-se comunista

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O acesso ao reino

fanático e fundou o primeiro clube comunista para jovens em 1947. Um ano depois a organização contava 4.500 membros, e, na qualidade de dirigente, Rodolfo odiava tanto os não comunistas e era tão odiado por eles que sequer podia andar livremente.

Cerca de dois anos e meio mais tarde, um jovem procurou Rodolfo e pediu demissão do clube. Tinha começado a ler a Bíblia e desejava seguir a Cristo. O dirigente perguntou-lhe que estupidez o tinha levado a ler um livro tão cheio de mentiras e contradições, e então o jovem pediu-lhe que lhe mostrasse essas mentiras e contradições da Bíblia.

Poucos dias depois o vice-presidente, com enorme brilho na face, também procurou Rodolfo pela mesma razão: tinha-se convertido. Replicando às mesmas agressões verbais, o demissionário pediu a Rodolfo que lhe mostrasse as mentiras da Bíblia.

Duplamente desafiado, o líder comunista decidiu estudar a Bíblia e anotar suas contradições. Em seis meses leu-a de capa a capa sem encontrar uma só das muitas contradições que esperava achar. Então, numa manhã, ao levantar-se da cama, ajoelhou-se e, pela primeira vez em sua vida, orou: “O Deus, se tu és o verdadeiro Deus, o Deus vivo, e se Jesus Cristo é o teu Filho, então liberta-me, salva-me e dá a tua paz ao meu coração” . Esta foi a sua primeira oração, e Deus respondeu imediatamente, enchendo seu coração de alegria e paz.

Rodolfo buscou então o seu camarada e confessou- lhe sua fé em Cristo, dizendo: “Agora sigo contigo no mesmo caminho, e vou abandonar imediatamente o partido comunista. Andava nas trevas, ignorante da Palavra de Deus. Comprei uma Bíblia com o propósito

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de descobrir mentiras para te libertar, mas nesse santo livro encontrei a salvação. Agora, ambos iremos confessar a nossa fé e procurar servir o nosso Mestre e Senhor” .(14)

O colocar-se em contato com a Bíblia foi a maneira de Rodolfo ser achado por Deus.

Para ilustrar quanto tempo podemos resistir ao apelo de Deus e permanecer na fase de aproximação, transcrevo aqui, de outro livro meu, um testemunho bem antigo:

Há mais de um século, quando ainda não existia o túnel de São Gotardo, os que se dirigiam à Suíça procedentes da Itália, ou vice-versa, tinham de transpor o desfiladeiro do mesmo nome a pé, o que exigia muito tempo. Como era comum naquele tempo viajar-se em grupos, alguns pedreiros de Lugano se dirigiam à Suíça em busca de melhores salários. Entre estes estava Antônio, um jovem que depois de evangelizado por uma senhora, ganhara desta uma Bíblia de luxo, encadernada a couro. Embora a recebesse, não se interessou em lê-la, pois não queria saber nada do Cristianismo.

Já em seu posto de trabalho em Glarus, Antônio, enquanto ajudava na construção de um edifício, zombava e praguejava com os colegas de tudo que fosse sagrado. De repente, ao rebocar uma parede, deparou com um vão que devia ser preenchido com um tijolo. Subitamente lembrou- se da Bíblia em sua bagagem e disse aos colegas:

— Camaradas, ocorre-me uma boa brincadeira. Vou colocar esta Bíblia neste vão.

Em virtude do tamanho, a Bíblia foi

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O acesso ao reino

espremida, danificando a encadernação.— Vejam! — disse Antônio. — Agora reboco à

frente e quero ver se o diabo consegue tirá-la daqui!

Semanas mais tarde ele voltou à sua pátria.No dia 10 de maio de 1851, irrompeu em

Glarus um grande incêndio que destruiu 490 edifícios. Embora a cidade toda estivesse em ruínas, decidiu-se reconstruí-la.

Um pedreiro perito do norte da Itália, de nome João, foi incumbido de examinar uma residência ainda nova, porém parcialmente destruída. Batendo com seu martelo em diversos pontos de uma parede intacta, a certa altura deslocou-se uma parte do reboco e surgiu um livro embutido na parede. Bastante admirado ele o puxou. Era uma Bíblia... Como teria ido parar ali? Era-lhe inexplicável, especialmente porque já possuíra uma, mas tinham-na tomado. “Esta eles não me tomarão”, cogitou.

João tornou-se um leitor da Bíblia em todas as suas horas livres. Embora entendesse apenas algumas partes dos Evangelhos e dos Salmos, aprendeu e compreendeu que era um pecador. Descobriu também que Deus o amava e que poderia obter o perdão dos seus pecados pela fé no Senhor Jesus. Quando, no outono, regressou ã sua pátria e à sua família, anunciou por toda a parte a sua salvação em Cristo.

Munido de uma mala de Bíblias, João aproveitava suas horas livres para divulgar o evangelho. Assim, chegou ele à região onde residia Antônio e armou sua estante de Bíblias

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numa feira. Quando Antônio, perambulando pela feira, parou diante da estante de João, disse:

— Ora, Bíblias! Disso não preciso. Basta-me ir a Glarus, pois lá tenho uma bem escondida na parede. Gostaria de saber se o diabo consegue tirá-la dali.

João fitou o homem seriamente e disse:— Tome cuidado, jovem! Zombar é fácil. O

que você diria se eu lhe mostrasse a tal Bíblia ?— Você não me enganaria — replicou

Antônio. -— Reconhecê-la-ia imediatamente, pois ela está marcada. — E asseverou: — Nem o diabo consegue tirá-la da parede!

João buscou a Bíblia e perguntou:— Amigo, reconhece esta marca?

Ao ver a Bíblia danificada, Antônio calou-se, perplexo.

— Você está vendo ? No entanto não foi o diabo quem a retirou da parede, mas Deus, para que você pudesse reconhecer que ele vive. Ele quer salvá-lo também.

Nesse instante, embora com sua consciência o acusando, Antônio extravasou todo o ódio acumulado contra Deus. Chamou os amigos:

— Ei, colegas! O que este sujeito, com sua estante religiosa, procura aqui ?

Em poucos segundos a estante de João estava arrasada e ele mesmo violentamente agredido. Os agressores rapidamente desapareceram en­tre o povo.

Desde então Antônio revoltava-se cada vez mais contra Deus. Certo dia, depois de beber em demasia, caiu do andaime a dezessete metros de

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O acesso no reino

altura e foi hospitalizado em estado grave. João, ao saber do acidente, foi visitá-lo no hospital. Embora impressionado com a atitude de João, o coração de Antônio continuava empedernido. João o visitou cada semana. Decorrido algum tempo, o acidentado começou a ler a Bíblia, inicialmente como passatempo, e mais tarde com interesse. Certa ocasião leu em Hebreus 12:5: “Filho meu, não menosprezes a correção que vem do Senhor”.

Ora, isso se ajustava bem a seu caso. Antônio prosseguiu a leitura, e a Palavra de Deus, capaz de esmiuçar a penha, passou a operar em sua vida. Reconheceu sua culpa e confessou-a a Deus. Creu verdadeiramente na obra de Cristo consumada na cruz. Sua alma convalescera, porém seu quadril, paralisado, o incapacitava para a sua antiga profissão. Encontrou um serviço condizente com suas aptidões, e, mais tarde, casou-se com a filha de João, agora seu sogro, amigo e pai na fé.

Antônio já está, há muito, na pátria celestial, mas a Bíblia por ele emparedada permanece como uma valiosa herança de seus descendentes. (15)

A decisão. O segundo passo é o da decisão, ou crise emocional. Nessa etapa você sabe que já não pode resistir ao apelo do amor de Deus, que o conflito íntimo em que você vive exige providências da sua parte.

Nesse estágio da decisão você pode experimentar grande perturbação. Toda a sua vida poderá ser confrontada com as exigências do evangelho. Assim

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como quando Jesus chegou o rei Herodes “alarmou- se e com ele toda Jerusalém” , assim também ocorre com você quando Jesus bate à porta de sua vida. O evangelho nos desarranja antes de nos consertar. Seus pais poderão opor-se à sua decisão; o futuro cônjuge ou o cônjuge poderá ameaçá-lo com o término do relacionamento; suas amizades poderão abandoná-lo. Todas estas coisas, e muitas outras mais, poderão pressionar você a dizer “não” a Cristo, mas o profundo anseio de sua alma poderá clamar mais alto e realmente levá-lo a decidir pelo “sim” .

Recordo-me de quando estive nessa fase. Eu havia sido comunista e ateu. Havia passado anos lendo literatura marxista que considerava enorme tolice a Bíblia e a vida cristã. Agora prestava o serviço militar, e no quartel havia conhecido o evangelho não apenas pregado, mas vivido de fato por alguns soldados crentes. Era muito forte o meu anseio por uma mudança radical em toda a minha vida, mas o que diriam os meus antigos amigos de ideologia? O que diriam os meus novos colegas de farda, aos quais eu já havia impressionado com os meus conhecimentos ideológicos?

Mas, graças a Deus, prevaleceu o irresistível apelo do amor de Deus. Numa quarta-feira à noite, no templo da Igreja Metodista de Resende, estado do Rio de Janeiro, fui de tal modo envolvido por ondas do amor de Deus que não contive as lágrimas. Semanas mais tarde, no templo da Assembléia de Deus da mesma cidade, ergui meu braço cansado em sinal de que estava decidido a seguir a Cristo, custasse o que custasse. Era o dia 17 de setembro de 1959, e passou-me pela mente que eu deveria aguardar o domingo seguinte para tomar aquela decisão, pois seria então no dia do meu vigésimo

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aniversário. Resolutamente afastei aquele pensamento, e assim, publicamente, entreguei a minha vida a Cristo naquela noite memorável. No dia 8 do seguinte mês de novembro, eu e mais alguns jovens descemos às águas do batismo.

A entrega, ou a resolução do conflito. E esta a fase de consumação de todo um processo de aproximação, conflito e decisão. Finalmente você se entregou a ele, e pertence a ele.

Em muitos casos a pessoa que entrega verdadeiramente a sua vida a Cristo enfrenta tremendas batalhas espirituais. Poderá ver o seu lar transformado num inferno, ser deserdado pelos pais, perder o namorado (ou a namorada) etc. Há países em que tal decisão pode significar até a morte. Na China, por exemplo, é comum os ministros perguntarem aos novos crentes, antes do batismo, se eles estão dispostos a morrer pela sua fé, e muitas vezes é este o preço que se paga pela entrega da vida a Cristo.

Há uma linda figura nas palavras de Jesus: “Em verdade, em verdade vos digo que se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica só. Mas se morrer, produz muito fruto” (João 12:24). A Vida desceu a este mundo perdido na pessoa de Jesus, a fim de elevar-nos do reino das trevas ao reino da sua maravilhosa luz. Mas como é que a vida sobe de um nível para o outro?

Somente através da entrega. Ilustremos com os reinos da natureza. Começando com o mais inferior deles, o mineral, temos depois o reino vegetal, depois o reino animal, e acima deste o reino do homem. O reino de Deus é o quinto e o último, o mais elevado. A única chance que tem a vida de elevar-se é apegar-se ao reino

O acesso ao reino

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TEU É O REINO

imediatamente superior. Como isso ocorre?Olhemos para uma linda flor, alva e perfumada,

medrando em feio lodaçal. A flor lança a sua semente, que é totalmente imersa no charco. A vida inferior do charco, para elevar-se ao nível superior do reino da flor tem de se apegar àquela semente e entregar-se por completo a ela. A partir daí, todo o processo de transformação se inicia, e assim a vida do inferior reino mineral se eleva para o superior reino vegetal.

O reino do homem, por sua vez, tornou-se um charco de lodo por causa do pecado. Davi, ao ser salvo, percebeu em que triste condição havia estado: “Tirou-me de um lago horrível, de um charco de lodo” (Salmo 40:2). O pecado trouxe trevas e morte a esse reino humano, que perdeu a sua beleza e a imagem e semelhança com a divindade. O ser humano desceu tanto que foi além do inferior reino animal, tornando-se pior do que as bestas feras; pior do que a criação bruta.

Mas foi precisamente a esse degradado reino humano, alienado de Deus, que Jesus veio. Como aquela árvore que Moisés lançou nas águas de Mara a fim de sará-las (Êxodo 15:23-25), assim foi Jesus lançado às profundezas da morte. “O Verbo se fez carne, e habitou entre nós” (João 1:14). Henry Barraclough descreve esta verdade nos versos de um lindo hino:

A sua vida gastou aqui perdidos pra salvar;Na cruz sangrenta se deu a si, a fim de os resgatar.

O povo com apatia viu a prova desse amor;E sua graça jam ais mediu um mundo pecador... (16)

Eis aí a chance de nos elevarmos do reino humano ao

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reino divino! Da mesma maneira como a vida no reino mineral, para elevar-se, tem de se entregar à vida do reino vegetal que desceu até ela, assim também devemos nós entregar sem reservas a nossa vida humana à semente do reino de Deus, Jesus, e deixar que os processos vitais do reino superior operem livremente em nós. Somente assim a nossa vida inferior entra na nova dimensão da Vida superior do reino de Deus.

Arrependimento e conversão

Mas precisamos ainda analisar dois importantes termos bíblicos: o arrependimento e a conversão. Eles aparecem separados, como fases seqüentes, no apelo de Pedro: “Arrependei-vos, pois, e convertei-vos” (Atos 3:19). O arrependimento precede a entrega, e esta marca o início da conversão.

Arrepender-se, portanto, significa entristecer-se por causa do modo de vida errado que a pessoa vive, e desejar mudar completamente esse modo de vida. A palavra tem também o significado de voltar-se, de reverter completamente a direção da vida da pessoa.

O arrependimento bíblico é tão urgente quanto apropriado, pois o reino há tanto tempo aguardado está agora presente e bem junto de cada um de nós. “O reino de Deus está dentro de vós” (Lucas 17:20).

Tanto na mensagem pregada por João Batista como na que pregaram Jesus e os apóstolos, é forte a ênfase nos resultados do arrependimento. “Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento” , bradava o Batista. “Quem não negar-se a si mesmo não pode ser meu discípulo” , ensinava Jesus. “Portanto, se alguém está em Cristo, é nova criação. As coisas antigas já passaram; eis que coisas

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novas surgiram!” (2 Coríntios 5:17, NVI), é a tônica de Paulo. E mais: “Agora, porém, despojai-vos também de tudo: da ira, da cólera, da malícia, da maledicência, das palavras torpes da vossa boca. Não mintais uns aos outros, pois já vos despistes do velho homem com os seus feitos, e vos vestistes do novo, que se renova para o conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou” (Colossenses 3:8-10).

O passo que se segue ao arrependimento é o da conversão, que por sua vez produz no arrependido um sentimento de pobreza espiritual, de pequenez e de humildade, que são os frutos do verdadeiro arrependimento e da fé.

O apóstolo Paulo descreve a experiência cristã em três estágios distintos, sendo o primeiro deles a vivificação, relacionada com o arrependimento, e o segundo, a ressurreição, nesse caso uma ressurreição moral, um novo tipo de vida, não mais centralizado em si próprio, mas em Cristo.

A conversão implica no abandono, por parte do convertido, do senhorio e da justiça próprios. O convertido passa a centralizar-se em seu Salvador, e a valer-se daquela justiça superior, adquirida por Jesus no Calvário.

O terceiro resultado da conversão é o que Paulo chama de “assentado nas regiões celestiais em Cristo Jesus” (Efésios 2:5-6), o que corresponde ao novo nascimento.

O papel do Espírito Santo

E decisivo o papel do Espírito Santo em nossa salvação. E ele quem convence o mundo do pecado, da justiça e do juízo (João 16:8-11). E ele quem nos leva à fé e ao

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arrependimento, e é ele quem nos regenera. Diz a Bíblia: “Não por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo a sua misericórdia ele nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo” (Tito 3:5).

O Espírito Santo, portanto, faz que o convertido viva um novo tipo de vida, ou “em novidade de vida” , usando uma expressão paulina. Essa vida nova tem como marcas: a justiça, que diz respeito ao relacionamento fraterno com todas as pessoas; a santidade (Efésios 5:24), que diz respeito ao nosso relacionamento com Deus; a pureza, que diz respeito ao nosso afastamento de todas as obras da carne, conforme relacionadas em Gálatas 5:16-21; e, a verdade, que significa o nosso apego a Jesus e à sua Palavra (1 Coríntios 5:7).

O alvo final do Espírito Santo é a produção no crente da colheita do Espírito (Gálatas 5:22-23), que quer dizer, em outras palavras, trazer à vida do crente a imagem de Deus em Cristo (Colossenses 3:10). Falando desse maravilhoso processo, diz Paulo que “ somos transformados de glória em glória na mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor” (2 Coríntios 3:18).

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5Os súditos do reino

SERMÃO DE JESUS registrado por Mateus,especialmente no quinto capítulo de seuEvangelho, tem sido considerado por muitos

estudiosos da Bíblia como a ética do reino. Esse sermão não consiste de uma nova lista de mandamentos, como o decálogo, mas sim de uma descrição clara e simples de como devem viver as pessoas que entram no reino de

Não há dúvida de que as exigências éticas desse sermão de Jesus são incomparavelmente maiores do que qualquer outro mandamento contido nas Escrituras. A superioridade do sermão do monte em relação aos dez mandamentos, por exemplo, é equivalente à luz do sol em relação à luz da lua.

Mas as exigências de Jesus não têm por objetivo levar seus ouvintes ao desespero, mas conduzi-las, mediante o arrependimento e o novo nascimento, a um novo padrão de vida, vivido não no poder do nosso desempenho pessoal, mas pela poderosa ação do Espírito Santo em nosso coração.

Mesmo estando as exigências de Jesus definidas em termos absolutos, como: “Sede vós, pois, perfeitos, como perfeito é o vosso Pai que está nos céus” (Mateus 5:48),

Deus.

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ainda assim não devemos encará-las como inatingíveis, mas como um constante desafio em nosso aperfeiçoamento espiritual. Se não podemos alcançar as estrelas, devemos, pelo menos, nos orientar por elas enquanto navegamos no tempestuoso mar desta vida presente.

Em nossa sucinta análise do sermão do monte nos restringirem os às bem-aventuranças. Convém, entretanto, que apresentemos aqui uma definição do termo “bem-aventurado” , que aparece repetidas vezes nas páginas da Bíblia, tanto do Antigo como do Novo Testamento.

De acordo com Mounce, “bem-aventurado descreve uma alegria cujo segredo está dentro da própria pessoa” .(17) Diferentemente dos pagãos, que chamavam seus deuses de “os bem-aventurados” , como seres privilegiados que desfrutam uma felicidade digna de ser atingida pelos seus adoradores, os israelitas jamais atribuíram esse título ao seu Deus.

Na Bíblia, “bem-aventurados” são aqueles que se aproximam de Deus, em humildade e reverência, reconhecendo a soberania dele sobre todas as coisas, como Criador e Redentor. Eis alguns exemplos, tirados dos Salmos: “Bem-aventurados todos aqueles que nele se refugiam” (Salmo 2:12); “Bem-aventurado aquele cuja transgressão é perdoada” (Salmo 32:1); “ Bem- aventurada é a nação cujo Deus é o Senhor” (Salmo 33:12); “Bem-aventurado aquele a quem tu escolhes, e fazes chegar a ti” (Salmo 65:4); “Bem-aventurados os que habitam em tua casa” (Salmo 84:4); “ Bem- aventurados os que observam a justiça, que praticam o que é correto em todos os tempos” (Salmo 106:3); “Bem- aventurados os que trilham caminhos retos, e andam na

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Os súditos do reino

lei do Senhor. Bem-aventurados os que guardam os seus estatutos...” (Salmo 119:1-2), etc.

Os pobres

Jesus inicia seu discurso exclamando que não são os ricos e poderosos que são bem-aventurados, mas os pobres e humildes, os de espírito renunciado. “Pobre” , aqui, não quer dizer apenas alguém destituído de bens, mas qualquer pessoa que, em sua necessidade, busca a ajuda de Deus, como Davi, que disse: “Eu sou pobre e necessitado, mas tu, ó Senhor, cuidas de mim” (Salmo 40:17). E mais adiante: “Os pobres verão isto, e se agradarão; vós, que buscais a Deus, reviva o vosso coração” (Salmo 69:32).

A palavra grega parapobres tem o sentido de “extrema pobreza” , por derivar-se de “um verbo que significa ‘rastejar’ ou ‘agachar-se’ (a forma substantiva é usada para designar o mendigo, alguém em pobreza abjeta)” (18). Ser pobre de espírito significa, portanto, depender totalmente de outrem para ajuda, especialmente de Deus. E como lemos no Salmo 34:6: “Clamou este pobre, e o Senhor o ouviu; salvou-o de todas as suas angústias” .

O fato de Mateus acrescentar à palavra “pobre” o qualificativo de espírito fez que Calvino sugerisse aqui um tipo de pobreza especial: a pobreza evangélica. “São Mateus ajuntando este epíteto restringe a bem-aventurança a somente aqueles que, disciplinados pela cruz, aprenderam a ser humildes”.(19)

Seja como for, a gloriosa verdade é que o reino pertence aos que assumem a posição de absoluta dependência de Deus, e nesse reino entram triunfantes mediante a obra redentora de Cristo.

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Os que choram

A expressão “os que chorara” refere-se aos servos de Deus que sofrem na terra por causa do curso deste mundo tenebroso, que vive o seu dia a dia como se Deus nunca existisse. Esse curso do mundo, por ser totalmente oposto ao reino de Deus, faz que os filhos de Deus nadem contra a correnteza, sofrendo todo o tipo de oposição por parte dos pecadores.

Phillips traduz essa expressão por “os que sabem o que significa a tristeza” . Os que choram, portanto, choram de tristeza pela condição pecaminosa do mundo. Mas os tristes serão consolados, conforme proclamou Isaías: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque o Senhor me ungiu para pregar as boas- novas aos pobres... a consolar todos os tristes, e ordenar acerca dos tristes de Sião que se lhes dê ornamento por cinza, óleo de alegria por tristeza, veste de louvor por espírito angustiado...” (Isaías 61:1-3).

Os mansos

A terceira bem-aventurança destina-se aos mansos. Entre os Evangelhos sinópticos, apenas Mateus usa a palavra grega para “mansos” , e isso em três ocasiões distintas. A segunda vez que encontramos essa palavra, em Mateus 11:28-30, Jesus convida a todos os cansados e sobrecarregados deste mundo para que vão a ele, tomem sobre si o seu jugo, e aprendam que o Senhor é “manso e humilde de coração” .

A ultima referencia a “manso” ocorre no final do ministério terreno de Jesus, quando ele entra em Jerusalém montado num jumento, em cumprimento

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àprofecia de Zacarias: “O teu rei vira a ti, justo e salvador, humilde, montado em jumento, num jumentinho, filho de jumenta” (Mateus 21:5; Zacarias 9:9).

Jesus exemplificou aqui na terra o tipo de mansidão que requer de todos os que ingressam no seu reino. Longe de tentar estabelecer um reino político através da força, como tantos outros o fizeram antes dele, Jesus viveu entre nós uma vida de serviço sacrificial e humilde, tanto para Deus como para todos os seres humanos.

Um dos maiores mestres da Bíblia escreveu acerca da humildade:

O ensino do Novo Testamento é que devemos ser suplicantes e não auto-suficientes. Este fato é um grande choque para a vaidade contemporânea. Exatamente por esta razão é que eu me convenço de sua veracidade. Pode uma profunda, consciência de Deus surgir ou ser imposta a conceitos auto-suficientes ? A essência do divino é a humildade. O primeiro passo para encontrar a Deus é destruir nosso orgulho, dar- lhe um tiro mortal para que, humilhados até o pó, sejamos exaltados até às alturas; tão tocados que rompamos num cântico; tão submissos que sejamos cônscios de nós mesmos. A fonte de nossa vida, espiritual será, daí por diante, gratidão, exaltada gratidão porque, não tendo nada, possuímos tudo”.{w)

A humildade, ou mansidão, é, portanto, a característica dos que vão herdar a terra e ter, aqui, abundância de paz (Salmo 37:11). Todas as coisas que

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realmente dão satisfação genuína e duradoura estão destinadas aos mansos, os únicos que de fato podem gozar a vida.

Os que têm fome e sede de justiça

Milhões de pessoas que hoje vivem no mundo jamais sofreram a amarga experiência da fome e da sede. Por isso não lhes é fácil entender o verdadeiro significado das palavras de Jesus. Mas no mundo antigo, em virtude de guerras e secas prolongadas, uma parcela muito grande da população vivia contentemente à beira dessas tragédias, às vezes fugindo de perseguição ou atravessando longos desertos sem a devida provisão do precioso líquido.

Jesus sabia que, mediante tais figuras vividas, seus ouvintes avaliariam corretamente o anseio pela justiça que todo filho do reino deve ter, pois ele fala, não da fome e sede físicas, mas da espiritual. Os filhos de Coré, no Salmo 42:1-2, usam a sede como figura de seu profundo anseio espiritual: “Como o cervo anseia pelas correntes das águas, assim suspira a minha alma por ti, ó Deus. A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo.”

Mas o que é a justiça? Frei Heitor Pinto escreveu um interessante poema à justiça, que diz:

O Justiça, guia da nossa vida, que seria do mundo sem ti?! Tu és inventora das leis; mestra dos bons costumes; tu alevantas as virtudes e abates os vícios. Tu és a inimiga da azeda discórdia e conservadora da doce paz. Tu espantas os maus e asseguras os bons. Sem ti, a ordem é desordem, a vida é morte, o descanso é

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trabalho, a glória é infâmia, o bem é mal. Tu destruíste a confusão egeraste a boa governança.Tu livras os inocentes e condenas os culpados.Tu alegras os justos tristes e entristeces os justos alegres, para que deixadas as suas vãs e temporais alegrias, alcancem os verdadeiros e eternos contentamentos. Finalmente, tu és aquela gloriosa escada de Jacó, que com uma ponta estava na terra e com a outra tocava no céu, pela qual subiam uns e outros desciam: porque tu alevantas os justos e santos até os altos céus, e derribas os ímpios e danados até os profundos dos abismos. (21)

Que bom seria se a justiça cumprisse com rigor o seu importante papel na sociedade! Entretanto, quantas pessoas não têm sido vítimas da corrupção justamente da parte daqueles que têm o dever de fazer justiça! Um brasileiro no exterior, ao ser perguntado como ia o Brasil, respondeu ironicamente que ia muito bem, pois “cinco por cento da população não tinha de que se queixar, e noventa e cinco por cento não tinha a quem se queixar” . Ele falava da impunidade dos poucos que se enriquecem à custa do desamparo de muitos.

No presente contexto do sermão do monte j ustiça vem a ser aquelas condições sociais e espirituais que prevalecerão em nosso mundo por ocasião do reino milenial de Cristo, quando a vontade de Deus será feita na terra como agora é ela feita no céu. A promessa de Cristo é que Deus satisfará plenamente a todos aqueles que, como os filhos de Coré, todos os dias suspiram pela oportunidade de viver em plena harmonia com a vontade divina.

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TEU É O REINO

Jesus se serve, aqui, da figura de um banquete espiritual em que famintos e sedentos encontram farta satisfação para as suas mais profundas necessidades. “O Senhor dos Exércitos preparará neste monte a todos os povos uma festa com animais gordos, uma festa com vinhos puros, com coisas gordurosas, e vinhos velhos, bem purificados” (Isaías 25:6). No último livro da Bíblia, afirma Jesus: “ Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas. Ao que vencer darei do maná escondido, e lhe darei uma pedra branca, e na pedra um novo nome escrito, o qual ninguém conhece senão aquele que o receb e” (Apocalipse 2:17).

Um grande homem de Deus observou que “nunca conseguimos obter o suficiente daquilo que na verdade não queremos. Fomos criados para Deus e nada, exceto sua presença, nos satisfaz” .(22)

Portanto, a justiça pela qual os servos de Deus suspiram é muito superior a todo o tipo de justiça terrena, e inclui a consumação final da obra redentora de Jesus no Calvário, o que se dará por ocasião de sua volta em triunfo para reinar aqui na terra.

Os súditos do reino de Deus, vivendo ainda na carne, anseiam pelo momento ainda futuro da ressurreição dos que dormiram em Cristo, ou da transformação dos cristãos vivos, por ocasião do arrebatamento. Somente então se cumprirá o que Paulo escreveu: “Pelo que Deus o exaltou soberanamente, e lhe deu um nome que é sobre todo o nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho dos que estão nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Cristo Jesus é o Senhor, para glória de Deus Pai” (Filipenses 2 : 10- 11).

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Os misericordiosos

A misericórdia é outra característica dos súditos do reino de Deus (Mateus 5:7-8). A palavra significa compaixão despertada pela miséria alheia, e perdão.

No Novo Testamento o termo significa “bondade” , e a ele estão associadas expressões como “ amor persistente” e “cheios de compaixão” , evidentemente compaixão pelos que estão perdidos, e sofrem. Dentro do contexto bíblico, a misericórdia praticada pelos súditos do reino não é simplesmente o fruto de emoções passageiras ou de uma filantropia interesseira, tão comuns nas religiões de mercado, baseadas na salvação pelas obras. Os bem-aventurados misericordiosos são aquelas pessoas fiéis a um relacionamento de aliança, que praticam a m isericórdia com uma bondade intencional.

A vida humana de milhões, nos dias de Jesus, não passava de verdadeira tragédia, tanto na Palestina como na maioria das outras nações. Eram espantosas a crueldade e a brutalidade infligidas pelas pessoas livres às multidões escravizadas. Em Roma, por exemplo, os escravos viviam à mercê do capricho de seus senhores, na maioria das vezes cruéis, que tinham pleno direito de tirar-lhes a vida quando bem o quisessem. “De um tal Pólio, cavaleiro do tempo de Augusto, consta que foi censurado por atirar os escravos vivos ao seu lago para sustentar lampreias, que depois se aprazia em saborear na sua mesa!” (23) Atribui-se a Aristóteles a expressão: “O escravo é um utensílio com vida, e um utensílio é um escravo sem vida” .

Foi nesse contexto que Jesus veio ao mundo, como bem escreveu Rui na sua célebre Prece de Natal:

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“Enquanto César cuidava do império, e Roma do mundo, assomavas Tu ao canto de uma província e na vileza de um estábulo, sem que Roma, nem o império, nem César Te percebessem, para ficar à posteridade a lição indelével de que a política ignora sempre os seus mais formidáveis interesses” .

Jesus exemplificou essa compaixão em seu ministério. Mateus afirma, para citarmos apenas esse evangelista: “Vendo ele as multidões, tinha grande compaixão delas, porque andavam cansadas e abatidas, como ovelhas que não têm pastor” (9:36). “Saindo Jesus, viu uma grande multidão, e, possuído de grande compaixão para com ela, curou os seus enfermos” (14:14). E mais adiante: “Jesus chamou os discípulos e lhes disse: Tenho compaixão da multidão... Movido de compaixão, Jesus tocou-lhes os olhos. Imediatamente recuperaram a vista, e o seguiram” (15:32; 20:34).

Os misericordiosos, portanto, são aqueles que, como Jesus, mostram misericórdia aos fracos, aos desamparados, aos pequeninos, possuindo assim “o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus” (Filipenses 2:5).

Mas misericórdia é palavra sinônima de perdão. Os cavaleiros da antiguidade davam o nome de “Misericórdia” ao punhal que traziam à sua direita, com o qual matavam o adversário derribado, se este não pedisse misericórdia.

A Bíblia afirma que aos misericordiosos Deus mostrará misericórdia. Essa reciprocidade está presente na oração do Pai Nosso, em que Jesus enfatiza a necessidade de perdoar para ser perdoado: “Perdoa as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores” (Mateus 6:12). O verdadeiro súdito do reino

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Os súditos do reino

de Deus, portanto, é aquela pessoa incapaz de guardar mágoas ou ressentimentos contra quem quer que seja. Ele mantém sempre uma atitude perdoadora. Um experiente conselheiro sugere diversos passos para quem deseja de fato perdoar, sendo este um deles:

Mesmo quando cheio do poder do Espírito Santo, a pessoa deve tomar uma decisão consciente de perdoar aquele que pecou contra ela. Veja, mesmo depois de nos tornarmos crentes, Deus nunca remove nosso livre arbítrio. Nós sempre temos a oportunidade e responsabilidade de escolher o que faremos. Deus não nos fará perdoar, mas ele nos ajudará a perdoar, se nossa escolha for obedecê-lo. Davi escreveu: “Venha a tua mão socorrer-me, pois escolhi os teus preceitos ” (Salmo 119:173). Quando tomamos a decisão consciente de perdoar aos outros, Deus nos ajuda. (24)

Apiano, no primeiro volume do seu livro Maravilhas do Egito, narra surpreendente caso testemunhado por ele próprio na cidade de Roma, nos dias de Caio César.

No grande circo exibia-se ao povo um combate em grande escala com as feras. Foi introduzido o escravo de um cruel ex-cônsul da África do Norte. O nome do escravo era Androcles. Ao vê- lo à distância, diz Apiano, o leão estacou como que surpreendido, depois aproximou-se vagarosamente do homem, e, tranqüilamente começou a lamber-lhe os pés e as mãos. Androcles, ao passo que se submetia às carícias

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de um animal tão feroz, readquiriu a perdida coragem e, aos poucos, volveu os olhos para o leão. Então, diz Apiano, ainda o homem e o leão trocaram efusivas saudações, como quem se reconhecia um ao outro. Sendo isso deveras pasmoso, o povo rompeu em altos gritos de aclamações. Caio César chamou Androcles a si, e indagou a razão daquela cena.

Foi então que Androcles relatou a estranha e surpreendente história. Disse ele que, havendo fugido de seu cruel Senhor, escondera-se numa caverna em deserto solitário. Nessa caverna entrou, depois de algum tempo, um leão com uma pata ferida, a sangrar, dando a conhecer por seus gemidos, a torturante dor que sentia. A princípio, Androcles ficou atemorizado, mas o leão ergueu a pata para ele, que viu uma enorme lasca de madeira enterrada na sola de seu pé. Com cuidado, removeu-a, então, tratando a ferida o melhor que pôde. O leão deitou-se para repousar. Anos depois é que os dois se encontraram novamente nesse famoso dia no circo. Como Androcles fora misericordioso para com o leão, alcançou agora misericórdia também”.(25)

Ninguém perdoou mais do que Deus e do que Jesus. A Bíblia está cheia de expressões que falam do amor perdoador de Deus, e o Salmo 136 é bom exemplo, ao afirmar vinte e seis vezes que “o seu amor dura para sempre” . Noutro Salmo, lemos que “Quanto está longe o oriente do ocidente, assim [o Senhor] afasta de nós as nossas transgressões” (Salmo 103:12). Note que não se trata da distância entre o norte e o sul, que é finita, mas

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entre o oriente e o ocidente, que é infinita. Se pudéssemos tomar um avião rumo ao norte, em dado momento alcançaríamos o nosso alvo; mas se esse alvo é o oriente ou o ocidente, então nunca o alcançaríamos.

E assim que devemos perdoar. Gamaliel de Jabné, famoso rabino do primeiro século, dizia: “Enquanto você for m isericordioso, o M isericordioso lhe será misericordioso” .(26) O perdão de Deus está condicionado ao perdão com que perdoamos aos outros. Jesus deixou essa verdade bem clara quando disse: “Pois se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celestial vos perdoará a vós. Porém se não perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celestial não perdoará as vossas” (Mateus 6:14-15).

Kay Arthur afirma que “deixar de perdoar vai con­tra todo o evangelho da salvação, que lhe traz o perdão dos pecados, das suas dívidas, outorgado por um Deus santo. Recusar-se a perdoar é negar ou esquecer o conteúdo da salvação. E o mesmo que dizer: ‘Deus o perdoará, mas eu não. O seu pecado, companheiro, é grande demais!’ ” (27)

Portanto, todos os que verdadeiramente foram perdoados por Deus, não fazem outra coisa senão perdoar.

Os puros de coração

Embora a pureza sexual esteja presente aqui, a expressão puros de coração é mais abrangente e inclui a retidão e a inteireza ou sobriedade. Trata-se portanto, de pessoas que não têm o eu dividido, mas unido e harmônico.

Tiago considera sinônimas as expressões duplo ânimo

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e coração impuro, quando afirma: “Vós, de duplo ânimo, purificai os corações” (Tiago 4:8).

A bem-aventurança dos puros de coração é que verão a Deus. A Bíblia diz que essa será a maior bênção que um ser humano possa receber, uma vez que ninguém jamais viu a Deus (João 1:18), pelo fato de Deus habitar na luz inacessível (1 Timóteo 6:16).

A promessa de Apocalipse 22:4, de que os salvos verão a Deus, terá o seu cumprimento pleno quando recebermos o nosso novo corpo, pela ressurreição ou pela transformação, por ocasião do regresso do Senhor Jesus. Enquanto esse glorioso dia não chega, podemos ter uma visão mais profunda de Deus mesmo neste tempo presente, através de uma comunhão mais íntima com ele.

Os pacificadores

A virtude da pacificação torna os que a possuem em filhos de Deus. Sendo Deus um Deus de paz, que pelo sangue de seu próprio Filho fez a paz entre nós e ele, quando reconciliamos as pessoas umas com as outras, fazendo isso de todo o coração, então herdamos de nosso Pai celestial essa virtude dele. Um pastor evangélico de gênio extremamente agressivo tentava justificar as suas atitudes belicosas junto a outro pastor, dizendo que herdara de seu pai aquele temperamento. O colega retrucou que, como cristãos, todos nós temos um novo pai, o Pai Celestial, de quem nos tornamos herdeiros.

Davi nos diz que devemos procurar a paz e segui-la (Salmo 34:14), e o autor de Hebreus nos manda seguir a paz com todos (Hebreus 12:14). Lincoln, o presidente dos Estados Unidos da América ao tempo em que aquela

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Os súditos do reino

nação viveu a sua maior crise social — a guerra civil — agiu como perfeito pacificador, jamais tomando partido entre os estados do Norte e os do Sul, e essa atitude foi decisiva para a pacificação do pós-guerra e o fortalecimento de toda a nação.

Em seu propósito de sempre buscar a paz com todos, Lincoln conseguiu tornar-se amigo de um forte adversário político, provocando críticas de alguns amigos. Sua resposta foi: “Não é nosso dever acabar com os nossos inimigos? Eu acabei com um deles, fazendo dele um amigo” . Não é sem motivo que os norte-americanos, e tantos outros povos, não conseguem esquecer-se de Lincoln, o Pacificador.

Os que sofrem perseguição

Esta bem-aventurança destina-se somente àqueles que são perseguidos “por causa da justiça” , ou seja, que sofrem pelo fato de perseverarem na prática da fé cristã, afastando-se do pecado e de todo o tipo de corrupção.

Especialmente quando um fiel servo de Deus assume um cargo de influência em uma empresa ou um mandato público, onde a corrupção existe, e esse crente rejeita participar de manobras ou negociatas desonestas, é certo que a perseguição virá de muitas formas.

A sociedade em geral tem a tendência de perseguir e afastar de seu meio tanto os que descem abaixo do nível moral dela quanto aos que se elevam acima dela. Por isso estão nos presídios os criminosos comuns, que matam, estupram, assaltam e roubam. Mas também são banidos do meio social os que se elevam acima da média, como tem acontecido com tantos, dentre eles João Bunyan, que passou 20 anos encarcerado sem nunca ter

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sido julgado, somente porque desejava viver o evangelho como Jesus viveu. É como o próprio Jesus afirmou: “Quem pratica o mal odeia a luz e não se aproxima da luz, temendo que as suas obras sejam manifestas” (João 3:20, NVI).

Um cristão verdadeiramente honesto incomoda muito os que vivem na prática da desonestidade, que tudo fazem para se livrar dele. “Todos os que desejam viver piamente em Cristo padecerão perseguições” (2 Timóteo 3:12), afirma o apóstolo Paulo. Sei de crentes que perderam bom emprego público por se recusarem a participar de negócios escusos que envolviam até mesmo os seus coniventes superiores.

Jesus diz que o reino dos céus pertence a essas pessoas perseguidas. Não somente estão elas dentro do reino; este lhes pertence, é delas.

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6A prioridade do reino

(^ 7 7 BÍBLIA COMEÇA COM Deus. “No princípio y^^Deus...” lemos no primeiro versículo de Gênesis,

S jC que é o livro dos começos. A mesma verdade encontramos no primeiro versículo do Evangelho

de João: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus” .

Ao longo das páginas da Escritura Sagrada encontramos muitos conceitos de Deus, mas eu gostaria de destacar a apresentação que Jeremias faz do Deus de Israel, quando o compara aos ídolos: “Mas o Senhor Deus é o verdadeiro Deus; ele mesmo é o Deus vivo, o Rei eterno” (10:10a). Vejamos o que significam essas expressões:

Senhor Deus, que é a tradução de Jeová, é o título por excelência que a Bíblia atribui ao Criador. Deus mesmo adotou esse nome e o deu a Israel a fim de exprimir o mistério de seu ser. Jeová, ou Iavé, significa existência eterna. Os israelitas, por reverência, evitavam pronunciar esse nome.

Verdadeiro Deus indica a realidade essencial do Criador em contraste com a vaidade, ou a vacuidade dos ídolos. Esta expressão indica, também, a unidade de Deus, que vem a ser o primeiro de todos os seus atributos

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naturais. Deus é um. Não há respaldo bíblico, portanto, para o dualismo, que é a crença em duas divindades antagônicas e eternas, uma do bem e a outra do mal, e muito menos para o politeísmo, que é a crença na pluralidade de deuses.

Deus vivo, por sua vez, indica que o Senhor Deus é o único que possui vida própria, que existe por si mesmo, coisa que nenhuma criatura possui. Todas as coisas criadas vivem nele, como afirma o apóstolo Paulo: “Pois nele vivemos, e nos movemos, e existimos” (Atos 17:28a).

Rei eterno. Este último título que Jeremias dá ao Senhor Deus no versículo que vimos revela o contraste entre o verdadeiro Deus e todos os demais objetos de culto, que são por natureza temporais. Deus reina, e o seu reino é eterno, isto é, existiu no eterno passado, existe no presente, e existirá no futuro, sem fim.

As coisas de Deus são prioritárias

O Antigo Testamento mostra como Deus sempre exigiu para ele as primeiras coisas. “O primogênito de teus filhos me darás. Assim farás com os teus bois e com as tuas ovelhas” (Êxodo 22:29). “As primícias dos primeiros frutos da tua terra trarás à casa do Senhor teu Deus” (Êxodo 34:26). “A eles darás também as primícias do cereal, do vinho e do azeite, e as primícias da tosquia das ovelhas” (Deuteronômio 18:4).

A verdadeira razão por que tantos crentes não conseguem entregar ao Senhor o dízimo de suas rendas é porque eles não buscam em primeiro lugar o reino de Deus. Essa inversão de valores gera tremendos conflitos espirituais na vida do cristão, e tem sido a causa da maioria dos seus problemas financeiros, morais e

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espirituais. Como cristãos, devemos ter somente um problema: buscar em primeiro lugar o reino de Deus. Se esse não for o nosso único problema, então só teremos problemas.

O rei Davi, talvez uma das pessoas mais ocupadas de seu tempo, percebeu essa verdade quando escreveu: “Uma coisa pedi ao Senhor, e a buscarei: que possa morar na casa do Senhor todos os dias da minha vida, para contemplar a formosura do Senhor, e aprender no seu templo” (Salmo 27:4). Em meio a inúmeras necessidades, Davi sabia que a principal delas era buscar a presença de Deus e aprender dele. Tudo o mais era secundário.

No maravilhoso sermão do monte Jesus exortou aos seus ouvintes a que não se preocupassem com os aspectos secundários da nossa vida, como roupa, alimento e abrigo, e concluiu com a expressão: “Buscai antes o reino de Deus, e todas estas coisas vos serão acrescentadas” (Lucas 12:31). Mateus Hoepers traduz assim o texto paralelo de Mateus 6:33: “Buscai, pois, em primeiro lugar o reino de Deus e sua justiça e todas estas coisas vos serão dadas de quebra” . Foi precisamente isso o que Jesus quis dizer. O reino de Deus satisfaz tão plenamente que as coisas que nós consideramos de primeira necessidade na verdade são dispensáveis, mas Deus no- las dá de quebra.

O apóstolo Paulo viveu essa experiência de achar-se completo em Deus, ao dizer: “Posso todas as coisas naquele que me fortalece” (Filipenses 4:13). Ele podia viver tanto na abundância como na penúria; em tudo estava instruído. A graça de Deus lhe bastava (2 Coríntios 12:9). Outros homens de Deus também disseram o mesmo, como Davi, no Salmo 23: “O Senhor é o meu pastor; eu não desejo nada” (Tradução do Rei

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Tiago). Por que Davi não desejava nada? Porque o Senhor lhe bastava, sendo a porção dele e a verdadeira fonte de alegria e de todo o significado para a sua vida, como afirma também em outros salmos (Salmo 16:5; 142:5). Asafe e Jeremias também disseram a mesma coisa (Salmo 73:26; Lamentações 3:24).

No caso de Jeremias, suas palavras foram registradas em um tempo de calamidades para a sua nação: Jerusalém destruída, o templo queimado, o povo levado para o cativeiro babilônico, o sacerdócio e o sacrifício contínuo interrompidos. Para a maioria das pessoas acabara-se tudo, mas não para o profeta, que não dependia de nada de fora para a sua vida, pois o Senhor era a sua porção para sempre. Ele tinha um mundo es­pecial só para ele, o reino de Deus, bem dentro dele.

Conta-se que um novo convertido, depois de ouvir um sermão sobre o fim do mundo, procurou o pastor Emerson e perguntou-lhe se era verdade que o —mundo ia acabar. A resposta do homem de Deus foi: “E verdade, sim, mas não se preocupe; podemos viver sem ele” .

Jesus deixa claro em Lucas 12:29 que, quando não buscamos primeiro o reino, então temos inquietações, ou preocupações.

A vontade de Deus é prioritária

Jesus afirma em João 15:7: “Se permanecerdes em mim, e as minhas palavras permanecerem em vós, pedireis o que quiserdes e vos será feito” . E possível, portanto, a nossa vontade harmonizar-se com a vontade de Deus ao ponto de a nossa oração ir ao encontro de tudo o que Deus deseja, e de tudo o que lhe pedirmos, recebermos. A vontade de Deus, ao tomar posse plena

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da nossa vida mediante a sua Palavra, se tornará a nossa própria vontade.

O apóstolo São Paulo, ao referir-se à tentativa da nossa natureza pecaminosa de rebelar-se contra a vontade do Espírito Santo, afirma que isso ocorre para que não façamos o que queremos (Gálatas 5:16-17). Mas qual seria, então, o mais profundo desejo do crente?

O mais profundo anseio dos filhos de Deus não é outro senão o de fazer a vontade dele. A Bíblia insiste que devemos desejar que a vontade de Deus seja realizada em nós e por meio de nós. Por isso oramos: “Seja feita a tua vontade assim na terra como no céu” (Mateus 6:10).

Como é a vontade de Deus feita no céu? Ali não pode haver a menor resistência à soberana vontade divina. Ela impregna todas as atividades dos seres angelicais e está presente em todos os arranjos sociais do céu. Aqui na terra, entretanto, as coisas são bem diferentes. Por habitar em uma natureza pecaminosa, há no ser humano um constante foco de resistência à vontade de Deus representada pela paixão do Espírito Santo. O que fazer, então? Lutar? Não! Entregar-se a Deus? Sim!

A Bíblia diz que a vontade de Deus para nós e a frutificação do Espírito Santo são uma mesma coisa. Eu não posso viver a vida cristã, mas posso deixar que Cristo, pelo Espírito Santo, a viva em mim. A colheita do Espírito (Moffat traduz fruto por colheita) é de fato do Espírito, e não nossa. O que devemos então fazer?

Afirma Romanos 12:1-2: “Portanto, rogo-vos, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa,

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agradável e perfeita vontade de Deus.Toda a ênfase está na entrega. Havendo esta, haverá

então a não conformacão com o mundo, a transformação pela renovação do nosso entendimento e, ao final, a experimentação da vontade divina. Em outras palavras: entrega, santificação, transformação, serviço.

Quantas pessoas, que se dizem cristãs, ainda não experimentaram a vontade de Deus na vida delas! O conceito que muitos têm da vontade de Deus é o de que Deus quer tirar de nós tudo o que nos é mais caro, e depois nos mandar para uma terra à qual não queremos ir. Nada pode estar mais longe da verdade. Por mais estranha que possa parecer, a vontade de Deus é sempre “boa, agradável e perfeita” .

A pessoa que escreveu estas palavras, o apóstolo Paulo, havia experimentado em diversas ocasiões o seu real significado. Em uma dessas ocasiões ele e seu companheiro Silas haviam sido açoitados e lançados na prisão, mas ali eles oravam e cantavam hinos a Deus. E seus cânticos subiram tão alto que Deus teve de enviar uma nota grave, um terremoto. Os muitos sofrimentos dos apóstolos foram como que as dores de parto para o nascimento da igreja filipense.

Para os apóstolos e para todos os mártires cristãos a vontade de Deus é “boa, agradável e perfeita” . Caindo Estêvão sob o peso das pedradas, levantou logo adiante a Saulo de Tarso. João Hus, cantando na fogueira em que morria, levantou, um século depois, a Lutero, Calvino e outros reformadores. Para todos eles a vontade de Deus era “boa, agradável e perfeita” .

Donald C. Stamps, de saudosa memória, afirmou que a busca do reino é “um combate da fé, aliado a uma forte vontade de resistir a Satanás, ao pecado e à sociedade

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perversa em que vivemos. Não conhecem o Reino de Deus aqueles que raramente oram, que transigem com o mundo, que negligenciam a Palavra, e que têm pouca fome espiritual” .(2S)

Concluindo este capítulo, devo dizer que o reino de Deus é de fato o reinado de Deus, e não do homem. Há cristãos que reinam mais do que o próprio Deus, que estão mais interessados na sua parte do reino do que no reinado absoluto de Deus. Há até pastores que, em defesa de seu próprio reino, chegam ao ponto de praticar a simonia, negociando cargos eclesiásticos em defesa de seus próprios interesses. Não seguem o exemplo de Barnabé que, quando chegou em Antioquia e viu a obra de Deus, ele “se alegrou” (Atos 11:23).

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70 bem do reino

Z' ^ UANDO A BÍBLIA afirma que os heróis da fé___ / que viveram no passado buscavam uma pátria

- (Hebreus 11:14), é claro que está falando da pátria celestial. E essa pátria celestial não pode

ser outra coisa senão o reino de Deus em toda a sua pleni­tude, que incluirá o céu e a Nova Jerusalém.

Todavia, em nossa realidade presente, a busca do reino de Deus é a busca dessa pátria divinal, aqui mesmo, na terra, onde peregrinamos.

Um lar cósmico

As estatísticas nos informam que, em todo o mundo, a grande, maioria das crianças-problemas que lotam instituições correcionais ou perambulam pelas ruas provêm de lares desfeitos. A causa de muitos adolescentes, jovens e adultos se haverem enveredado pela senda do crime ou das drogas é a falta de um verdadeiro lar, alicerçado nos princípios cristãos.

E bem conhecida a história, considerada por muitos como verdadeira, de um jovem condenado à morte. Antes da execução perguntaram-lhe qual seria o seu último desejo, e ele disse que gostaria de beijar a face de sua mãe.

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Quando esta, trêmula e apavorada, aproximou-se do filho a fim de receber o beijo, o filho arrancou-lhe com os dentes parte do nariz, e disse: “Mãe desgraçada. Morro por sua culpa, porque, se desde que eu fiz o primeiro roubo a senhora me tivesse corrigido com uma surra, ao invés de me ter elogiado, eu não estaria aqui hoje nesse cadafalso. Esta marca no seu nariz é para que a senhora se lembre sempre de que morro por sua culpa” .

Os chineses têm razão quando afirmam que “no ninho desfeito não há ovos inteiros” . Nos lares desfeitos não há significado para a vida. Quando a estrutura familiar desaba, desaba com ela a sociedade de que faz parte a família. Por isso tantas pessoas vivem intimamente confusas, na orfandade, sem o amparo de um verdadeirc. lar.

Em um sentido mais amplo, o nosso ninho — o mundo que nossos pais criaram e nos legaram, e que estamos legando a nossos filhos — está desfeito. Nele já não há qualquer unidade central, e em nada se parece com um lar de verdade. Necessitamos, portanto, de uma estrutura cósmica, de uma aprovação cósmica, de um lar cósmico. E esse lar cósmico é o reino de Deus. Quando Jesus disse que buscássemos em primeiro lugar o reino de Deus e a sua justiça, ele fez sinônimo do reino o nosso bem, pois justiça pode também ser traduzido por bem, como o faz Moffat.

O reino de Deus é o nosso bem

Mas será mesmo o governo de Deus, ou o reinado dele, o nosso bem em todos os sentidos? Vejamos:

Um bem espiritual. O reino de Deus é, em primeiro lugar, o nosso bem espiritual. Quando recebemos o reino,

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O bem do reino

recebemos a nossa plena realização espiritual. O nosso espírito, antes morto, revive com aquela vida abundante que Cristo oferece aos que crêem nele.

Um bem emocional. Essa realização espiritual, por sua vez, resulta em nosso bem emocional. Nossas emoções, antes confusas, se harmonizam quando adentramos o reino. O ódio desaparece, dando lugar ao amor, e o amor tudo perdoa.

Escrevo estas linhas em pleno vôo Rio — Nova York, de volta do sepultamento, no Rio de Janeiro, de uma verdadeira mulher de Deus, que soube viver a vida cristã em toda a sua plenitude, sem guardar mágoas ou ressentimentos de quem quer que fosse. Ela soube perdoar e amar além de todas as limitações humanas, pois ela o fazia com os inesgotáveis recursos divinos.

Horas depois do sepultamento, seu filho, que é pas­tor, contou-me algo por ele mesmo presenciado cerca de vinte anos antes. Seus pais estavam em um jantar de empresários, ao qual compareceu também a amante de seu pai. Quando sua mãe viu a sósia à distância, levantou- se, foi até ela e lhe disse: “Fulana, quero que saiba que eu a perdôo, e que a amo, e que Deus também a ama” .

Que tremendo bem emocional nos faz perdoar assim, de coração, àqueles que nos odeiam e nos prejudicam!

Um bem físico. Quando nossa mente é assim purificada de quaisquer sentimentos de inimizade, de mágoas ou ressentimentos, nosso corpo desfruta saúde, pois o reino de Deus é também o nosso bem físico.

São inúmeros os casos de cura física através do perdão. Os médicos confirmam o que acabamos de dizer. A causa de muitas enfermidades está exatamente em nossa recusa de perdoar. Quando abrigamos no coração desejo de vingança, inimizades e invejas, abrigamos também

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distúrbios circulatórios, respiratórios, glandulares, etc. E quando sobre nós reina o Deus de amor, também reina a saúde.

Um bem intelectual. O bem físico produzido pelo reino de Deus em nossa vida resulta em nosso bem intelectual. Centralizados em Deus, os nossos conhecimentos têm amparo universal, cósmico. A própria Bíblia afirma que o temor do Senhor é o princípio da sabedoria. Isso eqüivale a dizer que fora do âmbito do temor do Senhor, ou seja, fora do reino, nossa intelectualidade se perde, fica sem propósito, e totalmente confusa. Deus considerou louca a sabedoria deste mundo, diz a Bíblia, que também afirma que aprouve a Deus salvar o homem pela loucura da pregação, pois a loucura de Deus é mais sábia do que os homens (1 Coríntios 1:25-27).

A Bíblia também afirma que “enganoso é o coração, mais do que todas coisas, e incorrigível. Quem o conhecerá?” (Jeremias 17:9). Confiar no próprio entendimento é muito perigoso, pois pode acarretar tremendos desastres.

O século vinte tem testemunhado a falência total de sistemas filosóficos e ideológicos, como os absolutismos de esquerda e de direita, embora verdadeiros gigantes intelectuais estejam por detrás desses bem elaborados sistemas. Mas quanto custou, por exemplo, a implantação dos princípios absolutistas de Hegel, Engel e Marx?

Os absolutismos filosóficos ou ideológicos custaram, literalmente, dezenas de milhões de vidas para que fossem implantados ou mantidos, como o fascismo, o nazismo e o comunismo. Não é difícil perceber que tais sistemas, embora pareçam possuir alguma lógica humana, vão de encontro às verdades eternas das

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O bem do reino

Escrituras Sagradas, e de fato não poderiam prevalecer. O nivelamento de todas as classes sociais em uma só, por exemplo, contraria o ensino claro da Bíblia, que afirma a individualidade da pessoa humana e a sua responsabilidade pessoal diante de Deus e das oportunidades que a vida lhe oferece; e a descrença na existência de Deus faz de cada comunista um néscio, pois afirma a Escritura: “Diz o néscio no seu coração: Não há Deus” (Salmo 14:1).

Um bem político. Por outro lado, uma intelectualidade iluminada pelo Espírito Santo e envolvida no reino de Deus produz, por sua vez, um bem político. Vota-se melhor, em melhores administradores, que por sua vez exercerão seus mandatos com lisura, sabendo que se não agirem dessa forma perderão para sempre as chances de fazer uma boa carreira política.

A propósito, ouvi recentemente de um político que se fingiu de crente para “pescar” alguns votos nas igrejas evangélicas do Distrito Federal. Munido de uma Bíblia, ele se dirigiu ao auditório de uma Assembléia de Deus com a estranha saudação: “Saúdo os irmãos com a Paz do Senhor e as irmãs com a Paz da Senhora” . Depois de afirmar que estava lendo a Bíblia do início ao fim, um irmão perguntou-lhe se já havia lido na Bíblia acerca da criação do mundo, ao que o pseudo crente respondeu: “Ainda não cheguei lá” . Nem é preciso dizer que tal enganador não teve a menor chance de se eleger.

Um bem social. E que dizer, então, de políticos e administradores públicos que buscam em primeiro lugar o reino de Deus? Esse reino, presente na vida de autoridades executivas, legislativas e judiciárias, produzirá o nosso bem social. Já não haverá a gritante injustiça social que deixa milhões de pessoas à margem

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TEU É O REINO

da educação profissional e dos bens produzidos pela nação. Diz a Bíblia que “quando os justos se engrandecem o povo se alegra...” , e que “o rei que julga os pobres conforme a verdade, firmará o seu trono para sempre” (Provérbios 29:2, 14). E ainda: “Como ribeiros de águas é o coração do rei na mão do Senhor; a tudo o que quer o inclina” (Provérbios 21:1).

Um bem econômico. O reino de Deus é também um bem econômico, e é imensa a transformação que ele op­era na área da economia. A graça divina, que é a força motriz do reino de Deus, nos ensina a sermos mordomos fiéis de tudo o que recebemos, ou pouco ou muito. O sinal da nossa submissão a Deus — de nós mesmos e de tudo o que possuímos — é o dízimo que entregamos com alegria, confessando assim que o Senhor tem o controle também sobre os nove décimos que conservamos. Há algo inspirador registrado na Bíblia acerca dos que repararam a Casa do Senhor nos dias de Joás: “Não pediam contas aos homens em cujas mãos entregavam aquele dinheiro, para o dar aos que faziam a obra, porque agiam com honestidade” (2 Reis 12:15).

E imensa a transformação que o reino de Deus opera na área econômica. Um novo convertido, entusiasmado com a sua nova fé, falava do poder transformador de Jesus, e citou o milagre de Caná da Galiléia, em que Jesus transformou a água em vinho. Quando um dos ouvintes disse que não acreditava naquele milagre, o novo crente levou esse amigo à sua própria casa, que antes da sua conversão era um atestado de miséria, e disse ao amigo: “Se você não acredita que Jesus transformou água em vinho, acredite pelo menos que ele transformou cachaça em móveis, e cigarros em comida” .

Um bem nacional. O reino de Deus é, também, um

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O bem do reino

bem nacional. A Bíblia afirma: “Bem-aventurada é a nação cujo Deus é o Senhor, e o povo que ele escolheu para sua herança” (Salmo 33:12). Homens que governam, legislam e administram justiça sob a égide do reino de Deus só podem trazer bênçãos a toda a sua nação.

Stanley Jones conta um testemunho interessante. Um engenheiro indiano, recém-convertido ao cristianismo, foi enviado pelo governo de seu país ao Japão a fim de realizar vultosa compra de material ferroviário. Os japoneses fizeram de tudo para suborná-lo com dinheiro e mulheres, e assim venderem material inferior pelo preço de material de primeira qualidade. Mas o engenheiro permaneceu insubornável, e isso poupou a índia de um prejuízo de dezenas de milhões de dólares.

Falando de corrupção no Brasil, um amigo meu, empresário bem informado, disse que a corrupção custa anualmente à nação brasileira cerca de cém bilhões de dólares. Quanto dinheiro, que deveria ser empregado na construção de escolas, de moradias, de hospitais, e de melhores estradas, não vem sendo criminosamente desviado! Por ocasião da construção da ferrovia do aço, tomei conhecimento de que muitos sub-empreiteiros se enriqueceram desonestamente, cobrando quatro ou cinco vezes mais o custo, por exemplo, de um caminhão de terra que retiravam das escavações.

A Bíblia e a história destacam a atuação de homens tementes a Deus, que foram uma verdadeira bênção nacional. José, Davi e Daniel são, talvez, os exemplos mais clássicos mencionados nas Escrituras. O primeiro deles foi provado pelo ódio e desprezo dos próprios irmãos, vendido como escravo, caluniado pela esposa de Potifar, e ao final lançado na prisão, de onde saiu

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TEU É O REINO

diretamente para governar a maior nação de seu tempo. Foi ele uma grande bênção para o Egito, para os povos vizinhos, e para a própria nação israelita ainda no seu nascedouro.

Oito séculos depois de José, surge Davi, o nosso segundo exemplo. Toda a nação israelita foi abençoada sob o governo daquele que foi chamado o homem segundo o coração de Deus.

Por último, Daniel, exilado na Babilônia, foi o instrumento de Deus para abençoar, com o seu poderoso testemunho, dois grandes impérios, o dos caldeus, e o dos medos e persas. Sendo uma bênção na posição de governador nesses impérios, ele foi também uma bênção pra os de sua própria nação, os judeus, e para todas as gerações futuras de crentes, graças às revelações proféticas que ele nos legou.

Um bem internacional. Finalmente, o reino de Deus é o nosso bem internacional. Diplomatas que buscam primeiro o reino de Deus acabam levando às nações onde servem como cônsules, embaixadores e às vezes como mediadores em conflitos ideológicos ou territoriais, as benesses do reino de Deus. Como pacificadores, eles afastam o fantasma da guerra e estabelecem um clima de paz e de harmonia entre os povos.

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8A harmonia do reino

OMENTE NO REINO de Deus uma pessoa \ pode desfrutar harmonia total com tudo e com

todos. A progressão dessa harmonia está em Tito 2:12, que afirma: “Ela [a graça] nos ensina a abandonar a impiedade e as paixões mundanas, para que vivamos neste presente século sóbria, justa e piedosamente” .

Harmonia íntima

A primeira coisa que ocorre a uma pessoa que entra no reino de Deus é a sobriedade, que vem a ser a sua harmonização íntima, que produz uma vida de temperança, de domínio próprio, de autocontrole. O recém-convertido deixa de lutar contra si mesmo, e depõe as armas.

A vida longe de Deus, ou fora do reino, é uma vida dissoluta. O filho perdido, ou pródigo, longe da casa do pai, ia “ vivendo dissolutamente” (Lucas 15:13). Literalmente, caía aos pedaços, se dissolvia espiritual, moral e fisicamente. A sua vida já não possuía nem alicerce nem cimento interior. Batido pelas tempestades da vida, a sua casa interior e exterior ruíram fragorosamente.

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TEU É O REINO

É tendência nossa contrapor ao irmão mais novo a figura do irmão mais velho, que permanecia em casa. Mas este também era pródigo num sentido talvez ainda mais profundo que seu irmão mais novo. Aquele pecava na carne, e este, no espírito.

Os pecados da carne parecem ser mais repugnantes que os do espírito, e mais depressa recebem a nossa condenação. Estamos sempre prontos a afastar de nosso relacionamento pessoal e da comunhão da igreja os que pecam na carne, como os adúlteros, os ladrões, os homicidas, mas não sabemos o que fazer com os invejosos, os mexeriqueiros, os maldizentes, os que não amam, os legalistas. Esses pecados são tolerados porque aparentemente — e só aparentemente — não degradam a pessoa. São pecados ditos respeitáveis. Mas foram pecados desse tipo que deixaram o irmão mais velho do lado de fora da festa. Diz a Bíblia: “Mas ele se indignou, e não queria entrar...” (Lucas 15:28-30).

Quando Jesus disse que prostitutas e outras classes de pecadores precederiam os religiosos israelitas no reino de Deus, ele estava afirmando que é mais fácil arrepender-se dos pecados da carne do que dos pecados do espírito. Zaqueus e Madalenas, tanto dos dias de Jesus como dos nossos, continuam chegando primeiro ao reino de Deus do que aqueles que se vestem de uma capa de religiosidade e de boas obras, e que acabam se tornando refratários ao apelo do arrependimento e à entrega to­tal de sua vida a Deus.

Harmonia com o próximo

A justiça, por sua vez, diz respeito ao nosso relacionamento com o próximo. Quem é o meu próximo?,

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A harmonia do reino

perguntou um fariseu a Jesus, e este, como resposta, contou a linda parábola do samaritano, que através dos séculos tem inspirado muitos à prática da filantropia e promoção social.

Na parábola, temos interessantes tipos das religiões judaica e pagãs. Estas, nas pessoas de seus representantes, ao verem o moribundo à beira da estrada, passaram “de largo”, não desejando, assim, sujar as mãos em socorro do pobre homem. Mas o samaritano, que representa Jesus, ao ver o homem ferido, enche-se de compaixão por ele, aproxima-se dele, faz-lhe os devidos curativos, o conduz com segurança a uma estalagem, e ali cuida dele.

E assim que Jesus nos dá o exemplo maior de praticar neste mundo a justiça social. Quando possuímos har­monia íntima, então podemos harmonizar-nos com o nosso próximo. Já não alimentamos nenhum sentimento de inimizade, de segregação racial, social ou cultural. Passamos a ver todas as pessoas como Deus as vê, e a amá-las como Deus as ama.

Harmonia com Deus

O resultado da sobriedade e da justiça é a piedade, que significa a nossa harmonia com Deus. O reino de Deus, em sua total abrangência, nos harmoniza primeiramente conosco, depois com as demais pessoas, e, ao final, com Deus.

Esse novo relacionamento com Deus, que Paulo coloca depois da sobriedade e da justiça, é na verdade o primeiro fruto da presença do reino de Deus em nós. Como na carta a Tito o apóstolo está tratando dos frutos do cristianismo em nós, já como cristãos, ele modifica essa

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TEU E O REINO

ordem. Unindo essas três virtudes em um círculo, teríamos que começar com a piedade em se tratando de descrentes, passando pela sobriedade e terminando na justiça; e, em se tratando de crentes, como está na carta a Tito, começamos com a sobriedade e terminamos com a piedade.

Esse novo relacionamento com Deus está expresso em Apocalipse 21:7: “Quem vencer herdará todas as coisas, e eu serei seu Deus, e ele será meu filho” . Quando recebemos o reino de Deus, passamos imediatamente do alheamento dele para a bendita condição de um filho dele.

Harmonia com a criacão.s

Lamentavelmente, o comportamento predador do homem tem causado profundas transform ações ecológicas em nosso planeta. Espécies valiosas de peixes estão sendo exterminadas pela poluição de rios e mares. Em conseqüência do uso indiscriminado de inseticidas, várias espécies de aves estão morrendo envenenadas nas lavouras de muitos países. Os zoólogos registram que as aves dodo, que habitavam as ilhas Maurício, foram dizimadas por marinheiros europeus no século dezoito. As moas, aves gigantes da Nova Zelândia, o boi auroque, da Europa, e numerosos outros animais foram exterminados pela ação nefasta do homem vivendo em desarmonia com a criação de Deus.

Em nossos dias estão ameaçados de extinção o rinoceronte de Java, o leopardo nebuloso, o orangotango, o búfalo anão da Indonésia, a ariranha e o cervo da pantanal, da América do Sul. A causa do desaparecimento de tantas espécies está na

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A harmonia do reino

transformação do habitat natural de plantas e animais, que sofre desnecessariamente a agressão humana. Apesar dos esforços de instituições internacionais, florestas, lagos e rios continuam a ser arrasados ou profundamente modificados, trazendo preocupações a muitos cientistas no que diz respeito ou futuro da vida neste nosso planeta.

A Bíblia, referindo-se às obras da criação, afirma que Deus, ao criar todas as coisas, viu “que tudo era bom” . Mas por causa do pecado a criação ficou sujeita à vaidade, “não voluntariamente, mas por causa daquele que a sujeitou, na esperança de que a própria criação será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus. Pelo que sabemos que toda a criação geme e está juntamente com dores de parto até agora” (Romanos 8:20-22). A palavra vaidade, além de ter a idéia de futilidade, pode ter o sentido de adorar deuses falsos, indicando que a natureza ficou sujeita às forças do maligno.

Segundo o conhecido teólogo inglês John Stott,

O homem pode comportar-se como Deus, em cuja imagem foi feito, e ao mesmo tempo como os animais referente aos quais está chamado a ser distinto. Em um momento pode elevar-se às alturas do heroísmo, e no momento seguinte submergir nas profundidades do egoísmo e da crueldade. E o inventor de templos e universidades, hospitais e orfanatos, monumentos e museus, mas é também o inven­tor de bombas de hidrogênio, câmaras de tortura e campos de concentração. Que estranho paradoxo !(29)

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TEU É O REINO

Enquanto o homem não harmonizar-se com Deus mediante a conversão e o novo nascimento, não se harmonizará com a criação. O reino de Deus, por abranger em seu sentido mais amplo todo o universo submisso à soberania divina, é o único estado em que o ser humano se sente de fato em sintonia harmoniosa consigo mesmo, com o próximo, com Deus, e com tudo o que Deus criou.

Tem sido a experiência de milhões de pessoas que, ao se reconciliarem com Deus, passaram a perceber belezas em todas as obras dele, ao ponto de exclamarem como Davi: “Os céus declaram as obras de Deus; o firmamento proclama a obra das suas mãos” (Salmo 19:1). A partir do momento em que pomos os pés dentro do reino, tudo aquilo que antes nos parecia comum e rotineiro, como sol, chuva, plantas, aves, enfim, tudo se reveste de graça e beleza nunca antes percebidas. Nossa harmonia com o reino nos coloca em harmonia com todo o universo, a passamos em tudo a ver a mão de Deus e a ver o próprio Deus, como alguém escreveu:

Vejo o meu Deus na terra que germina, no prado que floresce, no campo em que se doura a messe, nas árvores que frutificam, no vale onde rastejam ervas, no monte em que soberbos se levantam cedros... Vejo-o nos rios que impetuosos correm, lembrando as torrentes da divina ira; vejo-o nos mares que, ocultando-me o termo de suas praias, figuram a imensidade do Senhor; vejo-o no horizonte que se estende pelo infinito, envolvendo o espaço inteiro, e sugere-me a eternidade daquele que, existindo outrora, hoje epara sempre, abraça e compreende toda a criação. (30)

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9A perenidade do reino

ALANDO DE UM dos mais poderosos reinos do passado, o Babilônico, escreveu o profeta Jeremias: “Assim diz o Senhor dos Exércitos:

Os largos muros de Babilônia serão totalmente derrubados, e as suas altas portas serão abrasadas pelo fogo; trabalham os povos em vão, e o trabalho das nações é combustível para o fogo” (Jeremias 51:58).

Trabalham os povos em vão! Que extraordinária verdade, a atestar a falibilidade de tudo o que o homem realiza na terra em seu alheamento de Deus. O incrédulo Voltaire parece ter ecoado essa sentença divina ao afirmar que o papel que o homem realiza na terra é semelhante ao que realizaria um piolho no alto de uma grande montanha.

A Bíblia não apenas afirma que os reinos do mundo passam, mas que o próprio mundo vai passar. “Pela mesma palavra os céus e a terra que agora existem estão reservados para o fogo, guardados para o dia do juízo e destruição dos homens ímpios... Os céus desaparecerão com um grande estrondo, os elementos serão desfeitos pelo calor, e a terra, com todas as obras que nela há, será desnudada... Naquele dia os céus serão desfeitos pelo fogo, e os elementos se derreterão pelo calor” (2 Pedro 3:7, 10, 12, NVI).

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TEU É O REINO

Conta-se que um novo convertido, depois de ouvir uma mensagem acerca do fim do mundo, procurou o seu pas­tor e perguntou-lhe se de fato o mundo ia acabar. “O mundo vai acabar, sim ” , respondeu o pastor, e acrescentou: “Mas não se preocupe. Podemos viver sem ele” .

Poderosos que não governam...

Ensinando aos discípulos, Jesus afirmou que os governantes deste mundo em verdade não governam, ou governam só na aparência: “Vocês sabem que aqueles que são considerados governantes das nações as dominam, e os seus grandes exercem poder sobre elas. Não será assim entre vocês” (Marcos 10:42-43).

A Bíblia fala de “poderes destronados que governam” (1 Coríntios 2:6, Moffat). Outras versões trazem assim esta passagem: “Príncipes que hoje são poderosos e manhã deixarão de o ser” (Phillips); “poderosos que estão perdendo o seu poder” (Inglês de Hoje); “poderosos deste mundo que estão sendo reduzidos a nada” (Versão Brasileira); “príncipes deste mundo, votados à destruição” (Bíblia de Jerusalém); “poderosos desta terra, que se reduzem a nada” (NKJV [Nova Versão do Rei Tiago], ARA); “poderosos desta era, que estão sendo reduzidos a nada” (NVI).

E fato que os poderes deste mundo governam, mas o fazem sob a lei da decadência; a vida já os julgou. Imag­ine Jesus contrastando os titubeantes discípulos com os poderosos de Roma! E exatamente isso que ele faz quando afirma que o governo dos discípulos é diferente do governo dos “assim chamados” governadores dos gentios.

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A perenidade do reino

Em verdade, as décadas e os séculos têm falado contra os dias e os anos, confirmando as palavras de Jesus. Onde estão os grandes do passado? Onde está o governo deles? Mas os discípulos governaram de direito e de fato, alterando profundamente as civilizações do passado, e ainda governam no presente através da proclamação do evangelho. Um conhecido teólogo liberal europeu, que suportou as agruras das duas grandes guerras do século vinte, escreveu:

Precisamos ficar cientes de que o curso da natureza e do mundo em todas as épocas, e assim também a história da nossa época, com todas as suas complicações, seus antagonismos e enigmas, segundo as premissas do Novo Testamento, não é regido nem pelo acaso, nem por algum princípio imanente a ele, nem tampouco por algum “deus” indeterminado, mas sim pelo Filho assentado à direita de Deus Pai, Todo-Poderoso, nosso Senhor Jesus Cristo. Que presença, que atuação do novo ser humano!(31)

Só o cristão é verdadeiro governador, pelo fato de ser o instrumento de Deus que leva as pessoas a uma transformação de vida, e, em conseqüência dessa transformação, transformam igualmente povos e nações. Vejamos dois exemplos.

Um empurrão para a metade do mundo

O primeiro exemplo é o de Malla Moe. Desconhecida de muitos, ela serviu como missionária na Suazilândia, África do Sul, ao sul de Moçambique, desde fins do século

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dezenove até às primeiras décadas do século vinte. “Nkosazana Malla Moe”, como o povo a chamava, era amada e respeitada por todos. Sua vida era bem simples. Seguia a rotina da igreja, das escolas da missão, e de outras ocupações dos nativos, mas possuía ela muita ousadia para testificar, e foi grande ganhadora de almas.

A missionária herdara o seu ardor evangelístico do evangelista Frederico Franzon, de quem ela guardava fortes impressões. Ela era ainda jovem quando o ouviu pregar em Chicago, cerca de uma década antes de findar o século dezenove. Franzon, enquanto pregava, apelava aos ouvintes para que levassem o evangelho a outros países. De repente ele se voltou para Malla e perguntou- lhe:

— Por que não está trabalhando para o Senhor? Como pode ficar sem trabalhar, quando tantos morrem?

No seu zelo, ele desceu do estrado, agarrou a jovem pelo braço, puxou-a para o corredor e a empurrou pelas costas na direção da porta, dizendo:

— Vá embora e trabalhe para Jesus!A jovem havia acabado de chegar aos Estados

Unidos, vinda da Noruega, e trabalhava como lavadeira. Ela sempre disse que aquele empurrão a havia enviado “ ao redor de metade do mundo” .

Após preparar-se para a obra missionaria, Malla foi enviada para Suazilândia, onde depressa venceu a dificuldade com a língua e tornou-se uma testemunha ardente tanto para os negros como para os brancos. A sua habitação era muito simples, como as demais casas da “missão” , edificada com grandes pedras, unidas com cal, areia e cimento, e telhado de folha de flandres.

E nessa cena que entra um jovem oficial britânico, Edmundo Allemby. Este esteve na África juntamente

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com outro conhecido inglês, Winston Churchill, no raiar do século vinte. Era um tempo difícil para esses oficiais, e por isso eles buscavam refúgio na missão de Malla Moe. A missionária sentiu de orar especialmente por Allemby, que entregou sua vida ao Senhor. Mal poderia ela supor que “Sir” Edmundo Allemby se tornaria uma das figuras mais preeminentes da Primeira Grande Guerra pelo fato de haver tomado Jerusalém aos turcos sem disparar um só tiro, depois de derrotar o poderoso império otomano em diversas batalhas. Ele se tornaria mais tarde marechal e comissário supremo.

Era o ano de 1917, e o exército britânico marchava vitorioso contra Jerusalém. Mas o general Allemby, como cristão, não queria que a conquista daquela famosa cidade fosse feita com derramamento de sangue, e por isso ele orou a Deus. Ele pedia orientação acerca de como agir na batalha contra os inimigos entrincheirados na Cidade Santa. Sentiu, então, que deveria enviar aviões para que fizessem o reconhecimento da área.

Os defensores de Jerusalém nunca antes haviam visto um avião. Quando aquelas enormes aves metálicas começaram a rugir sobre as suas cabeças, eles ficaram tão apavorados que abandonaram as suas posições e fugiram, deixando a cidade totalmente desguarnecida. Cumpria-se, ali, a profecia de Isaías 31:5: “Como adejam as aves, assim o Senhor dos Exércitos amparará a Jerusalém; ele a amparará e a livrará e, passando, a salvará” .(32)

Ao aproximar-se de Jerusalém, Allemby apeou de seu animal, descobriu a cabeça e, conduzindo seu cavalo branco pelas rédeas, entrou na Cidade Santa a pé, em reverência ao seu Mestre, Jesus Cristo, que ali havia padecido.

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Na noite daquele mesmo dia memorável para judeus e cristãos, Allemby escreveu uma carta para Malla Moe, agradecendo-lhe o fato de ela o haver conduzido a Cristo, e contando acerca daquele evento tão importante da história mundial. Essa carta deve estar arquivada entre os tesouros da Missão.

Depois da guerra, o general Allemby foi o Diretor da Escola de Guerra do Império Britânico, onde testificava para os seus alunos. Foi ele um instrumento nas mãos de Deus para testificar para outro oficial, que também se tornaria um dos mais famosos soldados da Segunda Grande Guerra, o marechal Montgomery. Como comandante do Terceiro Exército no Norte da África, Montgomery enchia as páginas dos jornais com as notícias de seus feitos. Foram os seus soldados que mudaram o rumo da guerra a partir de 25 de outubro de 1942. Montgomery era um cristão nascido de novo, que lia a Bíblia e orava, e que influenciou poderosamente muitos de seus comandados. Mas os demais elos dessa cadeia somente serão conhecidos na eternidade.

A jovem norueguesa, ateando o fogo divino a homens que fizeram história nos tempos modernos, alterou de fato o destino de grandes nações, e produziu as necessárias condições para o cumprimento de diversas profecias bíblicas acerca de Israel e de outros povos. Ela continuou a viver numa região pouco conhecida do mundo, e, ao falecer, grandes multidões compareceram ao seu sepultamento. Choravam uma amiga, uma fiel missionária, e uma crente viva, que o Senhor havia usado para levar o evangelho tanto a grandes como a pequenos. Como uma agente do reino de Deus, essa humilde serva “governou” muito mais do que os poderosos deste mundo.

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A perenidade do reino

Napoleão versus Bíblia

Era o ano de 1804, e todo o mundo comentava acerca da ascensão de Napoleão Bonaparte ao Império da França. Previam-se grandes mudanças nos destinos do mundo, mudanças que em parte ocorreram, principalmente devidas a grandes batalhas e a centenas de milhares de mortos e feridos. Waterloo, que visitei em 1983, é uma boa amostragem de como foram as guerras napoleônicas. Cerca de 40 mil homens morreram naquela famosa batalha. Após a grande vitória do Duque de Wellington, os ingleses rasparam o solo encharcado de sangue e com aquela terra construíram o monumento que marcou o fim da expansão francesa.

Mas naquele mesmo ano de 1804 alguns evangélicos de Londres se associaram a fim de traduzir e imprimir a Bíblia Sagrada, nascendo assim a Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira. O mundo político e social não tomou conhecimento desse fato, nem sequer os meios de comunicação da época.

O fato é que o poderoso império de Napoleão durou muito pouco, enquanto que aquela sociedade bíblica existe até hoje, e já imprimiu a Bíblia em mais de mil e cem línguas! Quem pode avaliar a influência poderosa da Palavra de Deus em milhões de vidas de centenas de povos e nações de todo o mundo?

O próprio Napoleão, quando prisioneiro na ilha de Santa Helena, tornou-se assíduo leitor da Bíblia. Ele deixou marcadas, especialmente no Novo Testamento, as passagens que mais falaram ao seu coração. Nas palavras dele dirigidas ao general Bertrand podemos perceber a poderosa influência da Bíblia na vida do grande imperador:

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TEU É O REINO

Sim, nossa vida fulgiu uma vez, com toda a beleza, com todo o esplendor da coroa e do trono... Mas sobrevieram desastres... O ouro, pouco a pouco se obscureceu... O reino do infortúnio apagou todo o esplendor. Somos, agora, simples chumbo, General Bertrand, e em breve estarei no meu sepulcro. Tal é a sorte dos grandes homens...

Nossas proezas são tarefas dadas aos pupilos, pelo seu Tutor, que se assenta em juízo sobre nós, dispensado-nos censura ou louvor... Morro antes do tempo; o meu corpo morto deve voltar à terra para se tornar alimento dos vermes. Eis o próximo destino daquele que foi chamado o grande Napoleão. Que abismo entre a minha profunda miséria e o reino eterno de Cristo, proclamado, amado, adorado, e que se estende por toda a Terra.E isto morrer ? Não, é antes viver!(33)

O reino de Deus crescerá sempre

Segundo profetizou Isaías, o reino de Deus é o único que crescerá sempre: “O seu reino sempre crescerá e viverá em completa paz” (9:7, A Bíblia Viva). O profeta, evidentemente, fala do reinado milenial do Messias, mas já em nosso tempo presente o reino de Deus está sempre a crescer, segundo o que o próprio Senhor Jesus disse: E este evangelho do reino será pregado em todo o mundo, em testemunho a todas as nações. Então virá o fim” (Mateus 14:14).

A grande importância do reino de Deus está em que ele precede e sucede a era da igreja, e “inclui todos os seres morais e inteligentes que se sujeitam voluntariamente a Deus, sejam anjos, igreja, ou os santos

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A perenidade do rolno

de dispensações passadas e futuras (v. 27); e que Deus, o Pai, de um modo maravilhoso aos nossos olhos, inauguraria um novo dia” .(34)

Foi esse reino que João Batista, Jesus e seus discípulos anunciaram, e que chegou à terra através da igreja. Ele veio em sua forma progressiva, e assim tem avançado através dos séculos passados e continuará avançando até a sua consumação, que ocorrerá no final do milênio, quando Cristo terá posto todos os seus inimigos debaixo de seus pés, e então entregará o reino ao seu Pai.

Quando Jesus disse aos líderes religiosos israelitas que o reino de Deus seria tirado deles e entregue a uma nação que desse os seus frutos, ele se referia à igreja (1 Pedro 2:9). E interessante notar que Jesus usou o verbo no futuro, pois àquele tempo a era da igreja ainda estava no futuro. Essa era chegou com a rejeição final do Messias, que marcou o fim de uma dispensação e o início de outra. Pedro, ao falar da igreja como partícipe do reino de Deus, usou o verbo no presente: “Vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido...” (1 Pedro 2:9).

A profecia messiânica do Salmo 118, citada por Pedro em sua primeira carta, diz que o Salvador, como a pedra angular, seria rejeitado pelos edificadores, os judeus (v. 22); que Jesus, como a Luz do mundo, morreria como a vítima da festa, atada às pontas do altar, o que aponta para a cruz (v. 27), e finalmente, com a rejeição do Messias por parte de Israel, Deus Pai inauguraria o dia da graça, no qual nos regozijaríamos e alegraríamos (v. 24).

Mas a presença do reino de Deus hoje no mundo, através da igreja, não ocorre em sentido pleno, mas restrito. Por isso Jesus afirmou que “o reino de Deus

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não vem com aparência visível” (Lucas 17:20). Embora ainda restrito em sua abrangência, são bem visíveis os poderosos sinais desse reino na conversão e transformação de vidas, e nos milagres de cura dos enfermos, de libertação dos oprimidos do diabo, e na ressurreição dos mortos. E interessante observar que quando Filipe pregava o evangelho aos samaritanos, as multidões “ouviam e viam os sinais que ele fazia. Os espíritos imundos saíam de muitos que os tinham, clamando em alta voz, e muitos paralíticos e coxos eram curados. Havia grande alegria naquela cidade” (Atos 8:6- 8). O reino de Deus, portanto, está sempre acompanhado das manifestações do poder ativo de Deus no coração e no corpo do homem.

A perenidade do reino de Deus não poderia ser melhor expressa do que neste texto: “Ao único Deus, nosso Sal­vador, por Jesus Cristo nosso Senhor, glória, majestade, domínio e poder, antes de todos os séculos, agora e para todo o sempre. Amém “ (Judas 25). A glória, a majestade, o domínio e o poder do reino de Deus é “antes de todos os séculos, agora e para todo o sempre” . Comparando Mateus 6:13 com 1 Coríntios 15:25, percebemos que o poder e a glória são o poder e a glória do reino, e que não apenas o pai reina, mas também o Filho, “pois convém que ele reine até que...” , e não quando.

E claro que Deus reina hoje, como sempre reinou desde a eternidade passada, e seu reinado é pleno. Jesus não disse: “Teu será o reino” , mas: “Teu é o reino” (Mateus 6:13). Deus nunca abdicou. Ele reina hoje em todo o universo, e sua vontade é feita de um modo pleno por todos os seres que se submetem a ele, inclusive os que, pelo novo nascimento, entram nesse reino. O reino de Deus, portanto, está no coração do crente, e este tem

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A perenidade do reino

ciência disso pela presença nele do Espírito Santo, e pelo testemunho que este dá (Romanos 8:16; 1 João 5:10).

Concluo este capítulo com Apocalipse 1:9, que afirma: “Eu, João, irmão vosso e companheiro convosco na aflição, no reino e na perseverança em Jesus..Notem o “reino” estrategicamente colocado entre a “aflição” e a “perseverança” , como o fiel da balança a manter o perfeito equilíbrio da vida. Quando o reino de Deus está ocupando o seu lugar devido em nossa vida, ou seja, o centro, então podemos suportar as aflições deste tempo presente, e podemos perseverar em nossa caminhada de fé.

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10A plenitude do reino

INTERESSANTE OBSERVAR QUE Jesus fala do reino em Mateus 6:33 como uma ordem, e em João 14:6 a referência é à sua pessoa.

Lemos que, no início de seu ministério, “percorria Jesus toda a Galiléia, ensinando nas suas sinagogas, pregando o evangelho do reino e curando todos os tipos de doenças e enfermidades entre o povo” (Mateus 4:23), e mais adiante, no mesmo evangelho, vemos Jesus convidando: “Vinde a mim todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para as vossas almas. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” (11:28-39). Como conciliar estas passagens? Seria o reino de Deus a um só tempo uma ordem e uma pessoa? Ordem aqui tem o sentido de hierarquia, confraria, companhia, e classe de pessoas.

A resposta é sim. Jesus considerou o reino e a sua pessoa como coisas sinônimas.

O reino de Deus é, primeiramente, uma ordem. Quando Jesus disse aos judeus que o reino de Deus lhes seria tirado, e seria dado a uma nação que produzisse os necessários frutos, ele estava falando de uma ordem so-

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ciai. Embora Israel não fosse a plenitude do reino de Deus, era um agrupamento social que tinha a posse do reino. O reino estava em Israel, mas, pelo fato de essa nação haver rejeitado o seu rei, dizendo: “Não queremos que este reine sobre nós” (Lucas 19:14), esse mesmo reino lhes foi tirado e dado a outra nação, a igreja, que continua sendo uma ordem, ou agência do reino na terra. Veja Mateus 21:43 e Lucas 22:29.

Poucos expositores da Palavra de Deus entenderam tão bem essa verdade como Stanley Jones. Escreveu ele:

O Caminho, então, é impessoal — uma Ordem. E é pessoal -— uma Pessoa. Se fosse só impessoal, não nos satisfaria. Posso ser fiel a uma Ordem, mas não posso amá-la; só posso amar a uma Pessoa. Mas, se o Caminho fosse só Pessoa, daí a religião se reduziria a relações pessoais com essa Pessoa - coisa boa, mas não de todo suficiente. Daí, ã religião faltariam significados concretos e totais. Mas, sendo a um tempo Ordem e Pessoa, combinadas num todo vivo, satisfaz à necessidade que sentimos de intimidade — do Pessoal — ao remate — da Ordem. Isto faz com que a religião seja, por sua própria natureza, e a um só tempo, coisa individual e social; porque, relacionando-nos com a Pessoa, passamos a nos relacionar com a nova Ordem corporificada na Pessoa. E tal Ordem é inteiramente totalitária. (35)

Assim como um reino não está completo sem um rei, assim também um corpo não está completo sem a cabeça. “Pregar a Jesus Cristo crucificado e ressuscitado, e pregar o reino de Deus são uma só e a mesma coisa, uma

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A plenitude do reino

vez que é pela sua morte e ressurreição que Jesus veio a ser Senhor, sendo ademais a fé no seu nome a que merece o perdão dos pecados e a admissão no reino” .(36)

A igreja, portanto, sujeita ao reino de Cristo, confessa e proclama a realeza de seu cabeça, e anuncia o reino como a bem-aventurada esperança tanto dela própria como de todo o mundo, até ao tempo ainda futuro em que uma forte voz bradará do céu: “Agora é chegada a salvação, e a força, e o reino do nosso Deus, e o poder do seu Cristo” (Apocalipse 12:10).

Enquanto esse tempo vindouro não chega, é dever da igreja, hoje, envolver-se tanto no plano individual como coletivo, ou seja, tanto no sentido pessoal quanto social. Nossa comunhão é com Cristo e com o reino, o que implica um duplo relacionamento, com Jesus e com a igreja.

Mas a igreja não é um simples corpo no sentido so­cial, ou uma agência filantrópica voltada primordialmente para as necessidades materiais de seus membros ou da coletividade em que atua. A esse respeito bem adverte Senarclens, professor de Teologia Dogmática da Universidade de Genebra:

O conceito de corpo parece ter dado origem a certas interpretações lamentáveis. Quando usado em relação à Igreja, não pretende denotar sua estrutura sociológica, e sim o fato de sua existência na pessoa de Cristo, cuja realidade se expressa na igreja da mesma maneira como nosso corpo exprime os impulsos de nossa alma. Trata-se, pois, meramente de um epíteto ligado ao nome de Cristo, uma forma de sua existência, parte de sua essência. Não se deve concluir daí

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que a igreja não seja visível ou humana. Todavia, na sua humanidade a igreja é expressão da vida, obra e presença de Cristo. (37)

Esse reino não pode vir ao mundo a não ser através do indivíduo, pois somente quando as pessoas aceitam o reino de maneira pessoal é a sociedade aos poucos transformada para melhor, sem, contudo, tornar-se o reino de Deus. O reino não pode ser confundido com o progresso social.

Caminho, verdade e vida

O reino de Deus encontra outros sinônimos no Novo Testamento, como caminho (Atos 16:17; 18:26; 19:9; 22:4, etc.), verdade (João 8:32) e vida (Marcos 9:43-47), que correspondem ao que o próprio Jesus diz ser em João 14:6.

Ao apresentar-se como caminho, verdade e vida, Jesus afirmou ser ele o supremo padrão da vida para todos os povos e em todas as épocas.

Encontramos passagens nas Escrituras acerca do “ caminho que conduz para a vida” (Mateus 7:14); do “caminho para o Santo dos Santos” (Hebreus 9:8); do “novo e vivo caminho” (Hebreus 10:20); do “caminho da verdade” ; do “caminho direito” , e do “caminho da justiça” (2 Pedro 2:2, 15, 21), mas o Caminho, sem nenhum qualificativo, como apontando para Jesus, abrange e supera a todos os outros.

Ao proferir tais palavras acerca de si mesmo, Jesus reuniu em sua pessoa todo o plano de Deus para a salvação da criatura humana. Todas as promessas bíblicas, desde os livros de Moisés, onde o Messias é

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A plenitude do reino

apresentado como a semente da mulher e o cordeiro substituto de Isaque e dos sacrifícios pelo pecado, passando pelos Salmos e pelos profetas, em que o vemos como o servo sofredor, o Desejado de todas as nações ou o Sol da justiça, etc., Jesus Cristo encarnou em si mesmo todas as figuras do Antigo Testamento ao apresentar-se como o caminho, a verdade e a vida.

Como o caminho, no singular, Jesus exclui a possibilidade de existir qualquer outro meio do homem encontrar-se com Deus para ser salvo. Por melhores que pareçam ser os recursos de que dispõem as religiões do mundo, mesmo as que pregam o amor, a caridade e a fraternidade, elas não podem jamais conduzir uma só criatura humana à salvação, uma vez que só existe um caminho para Deus. Muitas religiões humanas, mesmo algumas que se dizem cristãs, não passam de escuros labirintos nos quais os homens se perdem. As penitenciárias e casas correcionais estão cheias de criminosos que sempre foram bons religiosos. Lampião, Antônio Silvino e outros cangaceiros, com os seus seguidores, se diziam religiosos e gozavam até da proteção de certos bispos.

As palavras de Jesus eliminam também da salvação eterna os que apenas aceitam teoricam ente o ensinamento da Bíblia. Estar no caminho é muito mais do que simplesmente ser religioso, pois implica em estar em Cristo, vivendo a vida dele e tendo os mesmos sentimentos dele, como afirma São Paulo: “Já estou crucificado com Cristo, e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim” (Gálatas 2:20).

A segunda experiência do crente, depois de achar-se no caminho, é possuir a bendita certeza de estar na verdade. Agora tem ele o testemunho do Espírito Santo,

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que testifica com o seu espírito de que é um filho de Deus (Romanos 8:16). Ele sabe que fora de Cristo só existem mentiras.

A revelação da verdade no coracão do crente enche-O -5lhe de profunda alegria, que o impulsiona a anunciar aos outros as verdades eternas do Evangelho.

Finalmente, o Filho de Deus diz ser a vida, a verdadeira fonte da vida eterna. Já antes ele havia dito: “E não quereis vir a mim para terdes vida... eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância” (João 5:40; 10:10). Sentindo-se no caminho e tendo a bendida certeza de que está na verdade, o crente descobre em Cristo um glorioso rio de vida abundante, que jamais se esgota. Percebe que pode abeberar-se à vontade nessa sanadora fonte, e que sua vida realmente adquire significado. Pode dizer, então, como disse um jovem recém-convertido do comunismo para a fé cristã: “O cristianismo é uma vida para se viver aqui na terra, e a única vida para a qual vale a pena viver” .

Mas, por outro lado, se caminho dá-nos a idéia de caminhada, de ação, a verdade apela para o nosso intelecto. E vida, por sua vez, é aquela plenitude que dá sentido tanto às nossas ações como ao nosso intelecto.

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11O aconchego do reino

Disse Gregório Maranón que, “para a mulher, a pátria é o lar, mas para o homem o lar é a pátria”. (38) Casimiro de Abreu, longe do Brasil, escreveu:

a nossa verdadeira pátria. Nesse reinoestamos todos irmanados sob os cuidados

paternais de um Deus que é amor, e que já nos abençoou com toda sorte de bênçãos espirituais em Cristo Jesus (Efésios 1:3).

Sendo Deus o nosso amoroso Pai, seu governo sobre nós é absoluto, e sua vontade é soberana. Mas a vontade do Pai é “boa, agradável e perfeita” (Romanos 12:2), e nós a cumprimos através do amor. “ O amor de Cristo nos constrange” (2 Coríntios 5:14), afirma o apóstolo Paulo. O Cântico dos Cânticos fala desse amor divino: “Levou-me à sala do banquete, e o seu estandarte sobre mim é o amor...

— Flor dos trópicos —Cá na E uropa fria

Eu definho, chorando noite e dia Saudades do meu lar (39)

REINO DE DEUS é o nosso verdadeiro lar;

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As muitas águas não poderiam apagar este amor, nem os rios afogá-lo” (2:4; 8:7).

Como filhos de Deus, somente o obedecemos de verdade quando o amamos. Deixe-me ilustrar. Eu e meu cunhado conversávamos na sala de visita da sua fazenda, quando ele levantou os olhos para o pasto e comentou que era tempo de trazer o gado para o curral. Meus sobrinhos, que estavam à distância, ao ouvirem o pai dizer aquilo, saíram sorrateiramente, e minutos depois estavam trazendo o gado ao curral. Meu cunhado não havia dado nenhuma ordem; apenas revelara uma necessidade, um desejo seu. E nesse sentido que o Pai celestial governa soberanamente. Seu reino é totalitário.

A palavra totalitarismo adquiriu conotação negativa em razão das ditaduras cruéis que trouxeram muito sofrimento a grandes parcelas da população do mundo— e ainda trazem — provocando mesmo conflitos de âmbito mundial, como foi a última grande guerra de 1939-1945. Mas a Bíblia, quando fala do governo de Deus, afirma com toda clareza que esse governo é total, é ordem absoluta entrando em nossa ordem relativa.

O totalitarismo do reino de Deus abrange o passado, o presente e o futuro. O reino dele é sempre total. Quando Jesus, falando de Abraão, disse que aquele patriarca havia visto o seu dia, isto é, o dia do Messias (João 8:56), os seus ouvintes não entenderam nada. De fato Abraão, na condição de amigo de Deus, teve a revelação de que o Messias viria, e pela fé viu esse dia, possivelmente na figura do cordeiro substituto de Isaque, lá no Monte Moriá.

Mas a Bíblia não menciona apenas Abraão como tendo o privilégio de “ver” os tempos futuros. O autor da carta

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O aconchego do reino

aos Hebreus diz que os heróis da fé do Antigo Testa­mento viram as promessas “de longe, e as saudaram. E confessaram que eram estrangeiros e peregrinos na terra” (Hebreus 11:13). Esses homens e mulheres de fé viveram na dimensão do reino de Deus. Dentro desse reino eles “viram” uma pátria melhor, e a desejaram e buscaram, vivendo como estrangeiros neste mundo.

“Eu não desejo nada”

A segunda parte de Mateus 6:33, “e todas estas coisas vos serão acrescentadas” , foi traduzida por Mateus Hopers como “e todas estas coisas vos serão dadas de quebra” . A idéia é de que tudo aquilo que consideramos essencial à vida, como roupa, alimento, calçado etc., na verdade não é assim tão essencial. O cristão pode viver sem essas coisas.

Davi, no conhecido Salmo 23, concorda com esse pensamento, quando afirma: “O Senhor é o meu pastor; eu não desejo nada” (Tradução do Rei Tiago). Outras traduções dão a mesma idéia: “eu tenho tudo o que necessito” , “nada me falta” ; “eu não necessito de nada” . Será realmente isso o que Davi afirma? Têm suas palávras respaldo em outras escrituras?

Vejamos estas passagens: “O Senhor é a porção da minha herança e do meu cálice; tu és o sustentáculo da minha sorte” (Salmo 16:5). “O Senhor é a força da minha vida” (Salmo 27:1b). Asafe diz a mesma coisa: “A quem tenho eu no céu senão a ti? E na terra não há quem eu deseje além de ti. A minha carne e o meu coração desfalecem, mas Deus é a fortaleza do meu coração, e a minha porção para sempre” (Salmo 73:25-26). Jeremias faz coro com os salmistas: “A minha porção é o Senhor,

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diz a minha alma; portanto esperarei nele” (Lamentações 3:24).

O que esses servos de Deus do passado nos querem dizer com O Senhor é a minha porção? Eles estão testificando que o Senhor é tudo o de que necessitam; que nele eles estão completados. David Livingstone registrou essa verdade em seu diário. Um pouco an­tes de ser encontrado morto de joelhos, no interior da África, um amigo dele havia insistido com ele para que voltasse para a Inglaterra, mas o missionário disse que ainda havia muitas aldeias a serem alcançadas com o Evangelho. E assim permaneceu na África. No diário dele encontraram estas palavras: “Meu Jesus, meu Rei, e meu tudo” .

Na experiência dos apóstolos e mártires temos a confirmação dessa tremenda verdade de que o reino é tão completo que onde ele opera é o céu, e onde ele não opera é o inferno. Esse reino divino pode trazer o céu a uma masmorra, como nos casos de Pedro, de Paulo, de Silas, de Bunyan, e de tantos outros, e até mesmo a uma fogueira. João Hus, ao ser queimado vivo, cantou enquanto pôde; depois, impedido de continuar cantando por causa da fumaça, orou até render o espírito.

Por outro lado, onde o reino não opera, aí é o inferno. Há crentes que vivem em um verdadeiro inferno porque desconhecem a plenitude do reino de Deus em sua vida. Às vezes têm tudo, e se sentem vazios. O reino pode trazer o céu a uma choupana, e a ausência do reino pode fazer que o inferno reine num palácio.

“Assim na terra como no céu ”

A plenitude do reino não é outra coisa senão a pleni­

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tude da vontade de Deus. Ou Deus reina, ou não reina. O melhor texto que vejo nas Escrituras para expressar esta verdade é o de Romanos 12:1-2: “Portanto, rogo- vos, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” .

Note o leitor que a vontade de Deus vem por último, significando que tudo o que vem antes é condição sine qua non para experimentá-la. Os passos são entrega e transformação. Vejamos esses passos:

1. A entrega. O “portanto” com que o apóstolo Paulo inicia essa exortação tem relação com o contexto imediatamente anterior, que é a glória de Deus. E desejo do apóstolo que a nossa vida seja oferecida a Deus como um sacrifício vivo, a fim de ser vivida unicamente para a glória dele. Jesus viveu com esse propósito, e nós devemos seguir-lhe o exemplo. Eis outros textos que indicam a verdadeira posição do cristão neste mundo: “Pois nenhum de nós vive para si, e nenhum morre para si. Se vivemos, para o Senhor vivemos; se morremos, para o Senhor morremos. De sorte que, quer vivamos quer morramos, somos do Senhor” (Romanos 14:7-8). “E tudo o que fizerdes, fazei-o de todo o coração, como ao Senhor, e não aos homens” (Colossenses 3:23).

Um experiente servo de Deus, comentando as palavras de Jesus em Lucas 9:24, recomenda:

Entregue sua vida em submissão e renúncia, e há de encontrá-la mais abundante. Ela não nos

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pertence enquanto não a damos. Eu ver­dadeiramente nunca tive minha alma enquanto não a entreguei a Cristo. Eu possuía um mundo de apreensões, desejos contraditórios, mas não realmente uma alma, até que, entregando-me submisso a Cristo, ele a purificou, harmonizou- a e ma entregou na devida forma. Há muitos moços hoje falando em autoexpressão, mas não têm uma personalidade para expressar. Têm no seu interior um caos e a isso chamam o eu. O caminho da auto consciência é o caminho da, renúncia. (40)

2. A transformação. Muitas pessoas fizeram um dia a entrega de sua vida a Deus, mas nunca conseguiram de fato renunciar ao mundo. Vivem com um pé na igreja e um pé no mundo, e por isso são pessoas miseráveis. Não podem desfrutar o gozo da vida cristã porque conservam no coração um pouco do mundo; e não podem desfrutar o gozo do mundo porque conservam no coração um pouco do evangelho. São pessoas dúbias, divididas e frustradas.

O tipo de transformação de que fala o apóstolo São Paulo não é mera conformidade exterior com a vontade de Deus, pois uma pessoa pode realizar muitas ações virtuosas e dignas de louvor sem estar intimamente submissa à vontade divina. Ao mencionar que essa mudança deve ocorrer mediante a renovação do nosso entendimento, o apóstolo Paulo se refere a uma transformação espiritual de profundidade tal que recrie por completo toda a nossa vida e a nossa maneira de viver. Essa vida transformada deve ser nova tanto em seus motivos como em seus fins.

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A vontade de Deus

O resultado da entrega e da transformação é a experimentação da vontade de Deus, infelizmente desconhecida de muitos cristãos. Soube de uma fazendeira, antiga membro da igreja, que ao ouvir um forte apelo para que se entregasse totalmente a Deus, confessou. “Temo que, se eu fizer isso, Deus vai me tirar todas as minhas vacas” .

Há muitos crentes que reagem do mesmo modo. Eles não conseguem compreender como poderia a vontade de Deus ser boa, agradável e perfeita. Para eles, uma vida inteiramente submissa a Deus seria insuportável. Alguns temem que Deus os enviem para nações muito pobres ou hostis ao evangelho. Essa foi a experiência de Paulo: “E o mandamento que era para a vida, achei eu que me era para a morte” (Romanos 7:10).

No entanto, a vontade de Deus é boa pelo fato de trazer ao nosso viver somente o que é essencialmente bom. Deus, sendo bom, nada pode fazer por nós e em nós que não seja bom. Paulo e Silas estavam bem no centro da vontade de Deus quando suportaram açoites, humilhações e prisão por causa do evangelho, por isso cantavam hinos e oravam. E o propósito de Deus em permitir que sofressem foi bom em todos os sentidos, pois assim nasceu a abençoada igreja de Filipos, que tanto ajudou os apóstolos na propagação do evangelho.

O segundo aspecto da vontade de Deus é que ela é agradável. Agradável porque rejeita tudo o que é arbitrário e escuso, e porque deseja somente o que goza da eterna complacência divina. Mas o “agradável” aqui não diz respeito apenas a Deus, pois os que se submetem à vontade dele percebem que tal vontade lhes é também

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agradável. Uma idosa senhora, que viveu vida abençoada de submissão à vontade de Deus, foi perguntada o que ela faria, se, chegando à porta do céu, lhe barrassem a entrada. Ela respondeu: “Eu ergueria os braços e rodearia o céu louvando a Deus pela vida maravilhosa que ele me permitiu viver aqui na terra” .

O terceiro aspecto da vontade divina é que ela é perfeita. Essa perfeição decorre do fato de que tudo o que Deus deseja reflete o perfeito caráter dele. Como ele jamais comete engano, podemos descansar em que, ao final, tudo dará certo. José, embora vendido como escravo, traído pela esposa de Potifar e lançado na prisão, viu finalmente todos os seus sonhos cumpridos; o suntuoso templo de Salomão, totalmente queimado a fogo, deu lugar a um santuário de glória muito maior; a sexta-feira da paixão, cheia de vergonha, de dor e de aparente derrota, terminou na radiante manhã da ressurreição! E “as aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada” (Romanos 8:18).

Hudson Taylor foi, sem dúvida alguma, um dos mais bem-sucedidos missionários enviados à China, no século dezenove. Foi pregando o evangelho aos chineses que ele experimentou profunda transformação em sua própria vida cristã. Numa longa carta à sua irmã Broomhall, ele narra as suas tremendas dificuldades em viver de acordo com a vontade de Deus, até que descobre que o segredo de uma vida cristã vitoriosa estava, não em tentar imitar a Cristo, mas em permitir que Cristo vivesse nele. Eis a sua experiência:

A parte mais cloce, se é que podemos dizer que uma parte seja mais doce que a outra, é o

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descanso que decorre da plena identificação com Cristo. Agora já não estou mais ansioso sobre coisa alguma, quando reconheço isso; pois ele, estou certo, é em tudo capaz de realizar a sua vontade, e sua vontade é a minha. Não importa onde ele coloque, nem como. Isto é antes para ele do que para mim considerar; pois no lugar mais fácil ele tem de dar-me sua graça, e no lugar mais difícil, sua graça, me basta... Não há o perigo de que os seus recursos sejam insuficientes para qualquer emergência! E os seus recursos são meus, pois ele é meu, está comigo, habita em mim.

E desde que Cristo tem assim habitado, pela fé, no meu coração, como me sinto feliz! Gostaria de poder falar-lhe, ao invés de estar escrevendo. Não é que eu seja melhor do que fui. Em certo sentido, não desejo ser, nem estou procurando isso. Mas eu estou morto e sepultado com Cristo — sim, e ressuscitado também! E agora Cristo vive em mim.i41)

A vinda do reino é total

A Bíblia fala de um tempo futuro em que todas as coisas estarão sujeitas ao domínio soberano de Deus, quando “a terra se encherá do conhecimento do Senhor, como as águas cobrem o mar” (Isaías 11:9). Mas esse aspecto escatológico do reino não altera o seu caráter pleno no presente. E verdade que no futuro milênio todos os povos estarão sujeitos ao cetro de Jesus, mas a igreja é distinta daqueles povos. Ela é hoje “a geração eleita, o

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sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido” (1 Pedro 2:9). A igreja desfruta privilégio especial, e para ela a plenitude do reino já chegou. Estamos almejando esse reino em toda a sua plenitude?

Demonstramos a nossa submissão a esse reino quando o buscamos de todo o coração e o manifestamos ao mundo, tanto em nossa vontade pessoal, como crentes, quanto em nossa vontade coletiva, como igreja e comunidade.

O reino é uma família

Alguém disse que a harmonia do som é a música; que a harmonia das linhas é a escultura ou a arquitetura; que a harmonia das cores é a arte; que a harmonia da bondade é a comunhão com Deus e os homens. Mas o cristão pode acrescentar a tudo isso que a harmonia da vida total é o reino de Deus.

Alguns teólogos questionam a letra de certos hinos que falam de saudade do céu, como; “Da linda pátria estou mui longe... Eu tenho de Jesus saudades” . Alegam tais teólogos que não se pode sentir saudades de um lugar onde nunca se esteve.

Mas a verdade é que a pessoa, ao se converter, passa a desfrutar um relacionamento tão real com os seus novos irmãos, com Jesus e com o Pai celestial que se torna um verdadeiro membro da grande família de Deus, que está presente no céu e na terra (Efésios 3:15). São fortes os vínculos que unem os membros dessa família: Todos têm os seus nomes escritos em um só livro da vida, e gravados no peitoral do único sumo sacerdote; todos falam uma mesma linguagem; o Espírito Santo, embora em medidas diferentes, habita

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no coração de todos; todos têm um mesmo Pai, de quem são filhos por adoção (Efésios 1:5; Gálatas 4:5); e Jesus, embora seja o Filho unigênito do Pai, não se envergonha de reconhecer esses filhos por adoção como sendo seus próprios irmãos (Hebreus 2:11).

A partir dessa experiência, portanto, a vida do crente muda completamente em relação ao mundo, e ele se sente tão peregrino e estrangeiro aqui que pode cantar: “Sou peregrino na terra, e longe estou do meu lar” . Como cristãos, estamos no mundo mas não somos do mundo, pois a nossa vida “está oculta com Cristo em Deus” (Colossenses 3:3).

Jacó, com o seu bordão de peregrino, tipifica o crente. Diz a Bíblia: “Pela fé Jacó, próximo da morte, abençoou a cada um dos filhos de José, e adorou, apoiado sobre a extrem idade do seu b ord ã o” (Hebreus 11:21). A pergunta de Faraó: “Quantos são os dias dos anos da tua vida?” , Jacó respondeu: “ Os anos das minhas peregrinações...” . Aquele patriarca, como também seu pai Isaque e seu avô Abraão, juntam ente com todos os santos do passado, “ confessaram que eram estrangeiros e peregrinos na terra” (Hebreus 11:13).

O reino é o nosso lar

Representados pelo Cristão da imorredoura alegoria de João Bunyan, O Peregrino, estamos também em busca da nossa pátria celestial, e nada pode desviar-nos desse alvo. Essa pátria transcende as fronteiras de nossa pátria terrena, de nosso lar terreno. Como no hino de Otto Nelson(42), o crente fiel almeja o dia em que estará para sempre com o Senhor, na casa do Pai:

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Quando unidos com os salvos, lá na Pátria do Senhor, contemplarmos a Jesus, o Salvador, sempre nos alegraremos onde há perfeito amor; na Jerusalém de Deus.

Era eu ainda bem jovem quando sonhei que havia sido arrebatado, e no sonho eu corria por lindos e floridos prados, ao som de cristalinos riachos e de uma música celestial tão sublime que jamais ouvi algo parecido nas mais belas cantatas e sinfonias de Beethoven, Mozart, Bach, Handel ou outros. Mas, ao acordar, vi-me tomado de profunda tristeza pelo fato de tudo aquilo ter sido apenas um sonho. Como eu gostaria que fosse a mais pura verdade! Depois daquela experiência, o mundo e tudo o que nele há me pareceram extremamente sem graça e estranho. Senti-me, na terra, como um pássaro fora do seu ninho. E como Jesus disse de seus discípulos, orando ao Pai: “Eles não fazem parte deste mundo mais do que eu” (João 17:16, A Bíblia Viva).

Quando recebemos o reino de Deus e nele nos movemos, então esse reino passa a ser o nosso verdadeiro lar, onde a nossa vida está “oculta com Cristo em Deus” (Colossenses 3:3). Somos estrangeiros para tudo o mais.

Florence Kinsley, missionária na África, dizia sempre que, ao morrer, queria que Susi, o pequeno menino de cor que tanto a serviu na África, e que estava com o Senhor, lhe abrisse a porta do céu quando ela lá chegasse. Ela partiu para a eternidade num hospital em Canton, Ohio, vítima de terrível câncer. A enfermeira tomou-lhe o pulso e disse que ela havia partido. Então o pastor se

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O aconchego do reino

inclinou e disse ao marido dela: “Irmão Kinsley, não a deixe partir sem um testemunho”. O marido se inclinou e cochichou ao ouvido daquele corpo sem vida. “Flo- rence... Florence... Florence...” De repente ela moveu os olhos, soergueu-se sobre o braço direito e olhou para cima. Não viu seu marido. Não viu seu pastor. Não viu a enfermeira. Mas com lábios fracos ela disse estas palavras: “Susi, abre a porta. Cheguei a casa. Graças a Deus, estou em casa” .

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Bibliografia

1. Davicl J. Williams, Atos, Novo Comentário Bíblico Contemporâneo, Editora Vida, São Paulo, 1996, pp. 36-37.

2. Notas a Mateus 6:33 de C. I. Scofield, Bíblia Anotada de Scofield, Editorial Publicaciones Espanolas, Dalton, 1976, p. 963..

3. J. C. Rodrigues, cit. por Charles W Turner in Nossa Herança Espiritual, Distribuição da Imprensa Metodista e Livraria Carlos Pereira, São Paulo, 1940, p. 77.

4. Donald Gee, Discursos Evangélicos, Livros Evangélicos, Rio de Janeiro, 1960, p. 98.

5. Frei Ângelo Maria do Bom Conselho, O Alfa Maravilhoso, Editora Ave Maria Ltda., São Paulo, 1955, p. 117.

6. Parte dessa interessante comparação foi extraída do livro de N. W Hutchings, Arrebatamento e Ressurreição, Editora Betei, Rio de Janeiro, 1996, pp. 77-86"

7. Odair Olivetti, Waldir Carvalho Luz e Wilson de Castro Ferreira, Estudos e Mensagens, Casa Editora Presbiteriana, São Paulo, 1971, p. 76.

8. Odiar Olivetti, etc., ob. cit., p. 76.9. Parte deste capítulo extraí de meu livro História,

Milagres e Profecias da Bíblia, Editora Vida, Mi- ami, 1987, pp. 52-54

10. Abraão de Almeida,História, Milagres e Profeciasda Bíblia, Editora Vida, Miami, 1987, pp. 36-37.

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TEU É O REINO

11. Abraão de Almeida, O Deus dos Pobres, Editora Vida, Deerfield Beach, 1989, pp. 87-88. As citações bibliográficas que cito são as de: John Stott, A Cruz de Cristo, Editora Vida, Miami, 1990, pp. 262-263; e Curtis Vaughan, Efésios, Comentário Bíblico, Miami, Editora Vida, 1986, pp. 65-66.

12. John Stott, A Cruz de Cristo, Editora Vida, Mi­ami, 1990, p. 263.)

13. E. Stanley Jones, C onversão , Im prensa Metodista, São Paulo, 1984, pp. 237-238.

14. Abraão de Almeida, História, Milagres..., p. 46.15. Abraão de Almeida, Idem, pp. 27-29.16. Hino n- 97 do hinário Cantor Cristão.17. R. H. Mounce, Mateus, Novo Comentário Bíblico

Contemporâneo, Editora Vida, São Paulo, 1996, p. 49.

18. R. H. Mounce, ob. cit., p. 49.19. João Calvino, cit. in Vocabulário Bíblico, ASTE

(Associação de Seminários Teológicos Evangélicos), São Paulo, 1963, p. 254.

20. E. Stanley Jones, O Cristo de todos os caminhos, Imprensa Metodista, São Paulo, 1993, p. 132.

21. Natanael de Barros Almeida, Tesouro de Ilustrações, Edições Vida Nova, São Paulo, 1979, p. 115.

22. Huston Smith, cit. por Roberto H. Mounce, ob. cit., p. 51.

23. Benjamin Scott, As Catacumbas de Roma, Casa Publicadora das Assembléias de Deus, Rio de Janeiro, 1957, p. 51.

24. Ecl Bulkley, Somente Deus pode restaurar o coração ferido, Editora Betei, Rio de Janeiro, 1997, p. 155.

25. Natanael de Barros Almeida, Idem, pp. 9-10.

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Bibliografia

26. Cit. por Roberto H. Mounce, ob. cit., p. 51.27. Kay Arthur, Libertos da Escravidão — Gaiatas e

Efésios, Editora Vida, São Paulo, 1997, p. 64.28. Notas a Mateus 6:33 da Bíblia de Estudo Pente-

costal, CPAD, Rio de Janeiro, 1995.29. Cit. In Abraão de Almeida, Evidências de um

Criador, Casa Publicadora das Assembléias de Deus, Rio de Janeiro, 1986, p. 117.

30. Frei Ângelo Maria do Bom Conselho, ob. cit., pp. 91-92.

31. Karl Barth, Dádiva e Louvor, Editora Sinodal, São Leopoldo, 1986, p. 373.

32. Chamo a atenção dos leitores para alguns importantes aspectos do contexto em que se insere esta profecia, (a) O Senhor mesmo guerreia contra a Assíria, que vem a ser a atual Turquia, (b) A guerra contra os “assírios” seria em Jerusalém, e esta cidade nunca antes havia estado sob domínio assírio. Nos tempos do Antigo Tes­tamento, Senaqueribe tentou dominar Judá e sua capital, mas foi derrotado pelo próprio Deus (2 Reis 19:35-36). (c) O Senhor guerrearia com rugido de leão e com o adejar de aves, uma figura perfeita do barulho dos motores dos aeroplanos sobrevoando Jerusalém, (d) A maneira como os inimigos fugiriam: “A sua rocha [ou o seu poderio] será desfeita pelo terror” , e os seus “príncipes apavorados” desertariam “ o estandarte” (abandonariam as suas posições e domínio), (e) Finalmente, os eventos que se seguem indicam um futuro muito distante de Isaías, pois anunciam a vinda de um rei justo (32:1) em um contexto de desolação (32:14), de restauração e de efusão do

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Espírito (32:15-20).33. Natanael de Barros Almeida, Idem, Primeiro Vol­

ume, p. 6834. R. Roux, in Vocabulário Bíblico, p. 277.35. E. Stanley Jones, O Caminho, Imprensa

Metodista, 1988, p. 82.36. R. Roux, in Vocabulário Bíblico, p. 277.37. J. de Senarclens, Herdeiros da Reforma, ASTE

(Associação de Seminários Teológicos Evangélicos), São Paulo, 1970, p. 334.

38. Paulo Rónai, Dicionário Universal de Citações, Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 3fl edição, 1985, p. 534.

39. Cit. in Novo Dicionário Aurélio, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2a edição, 1986, p. 1010.

40. E. Stanley Jones, O Cristo de todos os caminhos, p. 133.

41. Howard Taylor, O Segredo Espiritual de Hudson Taylor, Editora Mundo Cristão, São Paulo, 1976, p. 135.

42. Hino nQ 94 do hinário Harpa Cristã.

Nota: No preparo do primeiro capítulo desta obra, o autor se serviu dos apêndices 112 a 114 da The Com- panion Bible (A Bíblia Companheira), The Lamp Press Ltd., Londres, sem data.

Este livro foi impresso em 1997 nas Oficinas da EDITORA GRÁFICA SERRANA LTDA.

Rua General Rondon, 1500 - Petrópolis - RJ - Tel.: (024) 237-0055

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leueoKeino

Qual a diferença entre reino de Deus e reino dos céus? Será o reino uma ordem social ou uma Pessoa?

O que é maior: o reino ou a igreja?

E s ta s e outras perguntas estão respondidas com segurança emaestria neste livro do pastor Abraão de Almeida. O autor se propôs a escrever esta obra em virtude da enorme carência de literatura acerca do reino de Deus - que é um dos temas mais importantes do Novo Testamento.

O autor se dirige, nesta obra. tanto a crentes como a descrentes, ao expor com clareza como o absoluto reino de Deus invade a nossa ordem relativa, trazendo perturbação, entrega, renúncia e harmonia. Teu é o Reino, portanto, é uma obra desafiadora que tanto edifica como evangeliza.

Abraão de Almeida já escreveu e publicou mais de vinte livros, dos quais quase uma dezena foi traduzida para o espanhol. Foi revisor da Edição Contemporânea da Bíblia de Almeida, é membro da Comissão Tradutora da Nova Versão Internacional da Bíblia, e ocupa uma cadeira na Academia Evangélica de Letras do Brasil. Como conferencista tem ministrado no Brasil, em países latino-americanos, nos EUA e na Europa.

Abraão de Almeidaé pastor da igreja Evangélica Brasileira em Plantation, Flórida, onde também dirige, desde 1991, o Seminário Betei, fundado por ele. Ele, sua esposa Lúcia e seu filho caçula, Júnior, vivem em Hollywood, Flórida. O casal tem ainda três filhas casadas e cinco netos.