teste morel fat lady · olhar para as fat lady é sentir imediatamente como que uma estranheza em...

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Olhar para as Fat Lady é sentir imediatamentecomo que uma estranheza em face da suasproporções físicas pouco comuns em colunasde som. De facto, para além do que disseacima sobre a interpretação do nome dascolunas e da senhora gorda cantar ou não, umoutro aspecto ressalta imediatamente à vista:é que as Fat Lady são mesmo gordinhas echeias de curvas, fazendo lembrar um dosquadros de Rubens dos tempos em que«gordura era formosura». Ao mesmo tempo,a caixa, de material compósito, tem uma es-trutura que, ao contrário da maioria dascolunas que buscam a rigidez máximapossível, vive com a música, contraindo-se eexpandindo-se em função da maior ou menor

energia contida nos sons emitidos pelos seusaltifalantes. Deste ponto de vista assemelha-se a um instrumento musical, tal como umvioloncelo ou um contrabaixo, em que a caixaé parte fundamental do todo e o material deque é feita, bem como as suas formas físicasexactas têm uma influência marcante sobre aqualidade (e o timbre) dos sons emitidos.Todos nós nos recordamos, sem dúvida, dosviolinos fabricados por construtores famosostais como Stradivarius e Guarneri, cujo se-gredo residia nos tratamentos conferidos àmadeira utilizada na sua caixa e de que atéhoje pouco ou nada se sabe, ou seja,continuam a ser um segredo e, como tal,atingem preços estratosféricos.

Pois a caixa das Fat Lady não tem assimtantos segredos, mas assume igualmenteuma importância crucial no desempenho finaldas colunas. Segundo Russell Kauffman meconfidenciou quando do nosso encontro emLisboa, os primeiros modelos das Fat Lady ti-nham uma considerável quantidade dematerial amortecedor no seu interior, o queprejudicava a qualidade final do som. Aprimeira reacção de Russell foi retirar a poucoe pouco esse material interior, até quechegou a uma situação em que ele nãoexistia de todo e aí então toda a qualidadesónica das colunas veio ao de cima. Mas issoimplica que a caixa «respire» com osmovimentos dos altifalantes e funcione quase

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TESTE Jorge Gonçalves

Os anglo-saxónicos usam uma frase muito interessante para descrever uma situação em curso:It isn’t (ain’t) over until the fat lady sings. A ideia por detrás desta frase não anda muito longe

do nosso provérbio «Até ao lavar dos cestos é vindima», com o significado de que não devemosdar um determinado acontecimento por concluído antes de tal ter efectivamente acontecido.

No caso destas novas colunas da Morel, creio que não me ficaria mal se fizesse a tradução livrede que não devem os audiófilos e construtores de colunas pensar que já está tudo inventado

e criado antes de ouvirem as Fat Lady. E não deixo de dar alguma razão à Morel, mas não vou colocar a carroça à frente dos bois porque há ainda muito para dizer.

Diz-se que por detrás de um grande homem há sempre uma grande mulher, mas no caso dosequipamentos de áudio eu adaptaria esta tão verdadeira frase para: por detrás de um grande

produto de áudio está sempre um projectista de rara capacidade e elevada sensibilidade.

Morel Fat LadyE a «senhora gorda» cantou mesmo!

Morel Fat LadyE a «senhora gorda» cantou mesmo!

como que um ser vivo (a tal cantora «gorda»)cujas inspirações e expirações modulam osom por ele emitido.

Descrição técnica

As Fat Lady derivam de uma ideia de OrenMordecai, filho de Nir Mordecai, o fundadorda Morel, que não queria passar o resto dasua vida apenas a desenhar altifalantes. Fazerumas boas colunas era um desafio muitomais aliciante, e foi assim que nasceu a ideiadas Fat Lady, que utilizam, como não podiadeixar de ser, unidades da Morel, embora odesenho estético esteja por conta de AlainFoureax e David Zuman, com uma boa parteda consultadoria técnica assegurada porRussell Kauffman, antigo responsável pelaClassé e que me explicou em pormenor todasas intrincâncias técnicas das Fat Lady quandoda sua recente estadia em Lisboa, a acompa-nhar o Audioshow.

Os conhecimentos da Morel na escolha demateriais de alta tecnologia a utilizar naprodução dos seus famosos altifalantes foramseguramente muito úteis no projecto edesenvolvimento das Fat Lady. De facto,temos que concordar que, por exemplo, omaterial compósito empregue nas caixas nãodeixa de ter muitas semelhanças com osmateriais utilizados na Fórmula 1 e na indús-tria aeroespacial. A descrição mais simples domaterial da caixa seria que é um compostoequilibrado de fibras de carbono sabiamentemisturadas com fibra de vidro e resina epoxy.Embora a rigidez seja extremamente elevada,

conforme se pode ver quando se executa ajá tradicional operação de as presentear comum toque dos nós dos dedos da mão, aelasticidade associada é tal que a caixa alterade modo mais ou menos evidente a sua es-trutura física em função da energia que éaplicada às colunas, respirando em funçãodessa energia.

O coração das Fat Lady está dividido emdiversas partes, ou seja, altifalantes. As duasunidades de graves, de 22 centímetros dediâmetro, derivam dos modelos SCW da sérieSupreme da Morel e estão equipadas com umcone fabricado a partir de um conjunto deduas folhas de fibra de carbono, uma de cadalado de uma camada interna de Rohacell, doque resulta uma estrutura emissora de sommuito rígida e com excelente amortecimento.A bobina móvel, com um diâmetro de 75 mme montada sobre o suporte em alumínio(para melhor dissipação), é do tipo ExternalVoice Coil. O fio de bobinagem é em alumínio,de secção hexagonal, para garantir um preen-chimento quase completo da área deenrolamento. A escolha do aço para asbobinas ligadas em série com estesaltifalantes é possível porque a Morel encon-trou um fabricante que consegue produzireste tipo de bobina com núcleo de ferro comum comportamento linear até aos 400 Hz. Oíman possui uma estrutura híbrida, sendoobtido a partir de um misto de ferro eneodímio. O grave é reforçado através de umpórtico bass-reflex bem camuflado na traseirada coluna. O altifalante de médios tem um diâmetro de

16 centímetros, sendo derivado uma vez maisde um dos modelos da linha Supreme, nestecaso o SCM634. Tem uma estrutura que nãose afasta muito do que acabei de descreverpara os altifalantes de graves, excepto nofacto de o íman ser de neodímio puro e abobina ser do tipo underhung – ou seja, maiscurta que o entreferro – e de ser empregueuma tecnologia de normalização daimpedância que assegura que esta não sofregrandes variações ao longo da frequência: abobina é envolvida numa película de cobre, aqual, ao percorrer o campo magnético, dáorigem a uma corrente induzida que«normaliza» as variações de impedância dabobina em si. O tweeter é novamente umaunidade modificada da linha Supreme, destavez o ST1108, com uma cúpula macia de 28milímetros de diâmetro, neste caso sem onormal fluido férrico, pois durante odesenvolvimento das colunas concluiu-se queo altifalante soava melhor deste modo.

Russel não gosta de recorrer a altifalantescom a fase invertida e isso não acontece,como é evidente, nas Fat Lady, uma vez queele pretende que cada altifalante tenha um

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comportamento perfeitamente estável aolongo da frequência e sem rotações de fase.Aliás, quando do projecto deu-se sempremuita importância à curva de variação da faseao longo da frequência.

O crossover não tem qualquer resistência emsérie, como o tweeter, porque Russell nãoaprecia este tipo de solução. Em vez dissotemos uma malha Zobel RC que controla aatenuação e, em série com o tweeter, temos

apenas um condensador de alta qualidade daMundorf. A pendente de atenuação nosmédios é de 12 dB/oitava e nos agudos de24 dB/oitava. A cablagem interna é um mistode Nordost e de MIT, neste caso um modeloespecial produzido de acordo com asespecificações da Morel.

Embora tenham uma sensibilidadeespecificada de 86 dB/W/m, as Fat Lady sãofáceis de atacar porque têm uma curva deimpedância muito controlada, que desce nomínimo até 3,6 Ohm. Outro aspecto em queestas colunas se destacam é no excelentecontrolo de grave, que implica que possamser colocadas a 0,5 metros da parede traseirae mesmo assim soem muito bem.

Todo este conteúdo tecnológico fez com queas Fat Lady fossem galardoadas no último CESde Las Vegas com o 2009 CEA Design andEngineering Innovation Award, algo que nãoé fácil de ser obtido quando se faz a primeiraincursão numa dada área, com aconteceucom a Morel com estas colunas.

Testes auditivos

Bem protegidas dentro de volumosas caixasde cartão, e talvez não só por isso, as Fat Ladynão são pêra-doce em termos de transporte,até porque pesam nada menos do que 44 kg

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TESTE Morel Fat Lady

cada uma. Felizmente pude contar com ainestimável colaboração do António Almeidae do Nuno Cristina, da Ajasom, que astrouxeram até minha casa e as instalaram nolocal de audição.

Facilmente concluí que as Fat Lady não são«esquisitas» no que se refere ao seuposicionamento exacto na sala: como já referipor diversas vezes, a minha sala de audiçãodedicada tem cerca de 18 m2 de área e ascolunas encaixaram neste espaço de umaforma espantosamente simples, bastandopequenos ajustes no que se referia àsdistâncias em relação às paredes laterais euma pequena inclinação para o ouvinte paraque elas desaparecessem virtualmente decena, deixando apenas uma bela e amplaimagem espacial perante mim.

Nas audições foram utilizados comoequipamentos auxiliares o amplificador depotência Mark Levinson N.º 27.5, o meuprévio de construção caseira e, como fontes,os leitores de CD’s Accuphase DP-85 eMarantz CD-12 e o gira-discos Basis GoldDebut com braço SME V, cabeça van den HulThe Grasshoper e cabo de gira-discosFurutech AG-12-L, com condutores em prata e

que brevemente será alvo de um teste aquina Audio & Cinema em Casa. Os cabos deligação do amplificador às colunas foram osKimber Select 3035.

Se uma primeira audição, efectuada emconjunto com Russell Kauffman não tinha sidototalmente convincente, mal liguei o sistemafiquei imediatamente cativado pelasqualidades destas belas senhoras. Foi comose tivesse perante mim um dos belos quadrosde Renoir, um pintor que manifestamentetinha preferência por modelos bonitos masbem roliços, e que jogava muito bem com ascores, definindo em cada pintura um jogoharmonioso de tons claros e escuros e de luze sombra. As senhoras em causa quase nãoestavam lá, exactamente como nos quadrosde Renoir em que, após olharmos por algumtempo deixamos de notar que são nutridas, edeixavam escapar para o ar sons de umamaviosidade tal que encantavam quemestava perante elas, neste caso eu.

Resolvi entrar na sessão auditiva de umaforma mais ou menos subtil e coloquei entãono DP-85 o disco Belief, de Leon Parker, umagravação da Columbia, de que destaco a faixaClose Your Eyes. Em termos instrumentais nãoé extremamente complexa (baixo acústico,sax alto e bateria), mas isso faz exactamentecom que possamos aperceber-nos, num bomsistema, de quão natural a reprodução podeser. Com as Fat Lady foi-me mesmo muitofácil não só acompanhar as notas bemsincopadas do baixo como detectar, de modoquase imediato, aquele momento especialem que Leon Parker, durante o seu solo debateria, passa a tocar com as mãos.Estávamos então apresentados um ao outro(eu e as Fat Lady), por isso era chegado omomento de colocar em campo algo maisdinâmico e exigente, e aí entrou Rickie LeeJones em We Belong Together, numagravação Warner. E se temos aqui dinâmicaem acção! A passagem dos sons mais suavespara os mais altos pode ser quase alucinante

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e constitui um desafio para qualquer coluna.A intervenção da bateria tem momentos queposso apelidar de explosivos, com batidas nospratos que exigem respostas quase ins-tantâneas dos altifalantes, e mais uma vez asFat Lady provaram que a Morel é mestra nofabrico de altifalantes mas, ao mesmo tempo,sabe incorporá-los numa coluna. Esta é umadas gravações de percussão mais realistasque conheço e as Fat Lady estiveramtotalmente à altura do acontecimento.

Tendo em conta que tinha em minha casadesde há pouco tempo um LP duplo de JoanBaez a interpretar canções de Bob Dylan e acombinação destes dois nomes me trazmemórias muito gratas, nada melhor do queabrir esse LP, um acto que para mim é sem-pre quase como que abrir uma boa garrafa devinho, e colocar à prova as Fat Lady peranteuma dieta musical em que as minhas colunasresidentes, as Quad ESL63, são mestras quaseimbatíveis. E não é que me consegui abstrairquase por completo de que tinha na minhafrente umas colunas de caixa que poderiaapelidar com mais ou menos convencionais?A voz de Joan soou sempre timbricamentequase perfeita, etérea quanto baste, maispoderosa sempre que tal era necessário, e asensação de amplitude que daí resultou eratão forte e intensa que por diversas vezessenti aqueles arrepios emocionais que setraduzem na tão descrita sensação de pelede galinha. Esta não é situação que ocorra portudo e por nada, muito antes pelo contrário,só tem lugar quando o sistema em causa e,muito em especial as colunas, são capazes detrazer até nós um amplo conjunto de pistasemocionais que mexem com os nossossentidos e nos envolvem emocionalmente.

Uma vez que a voz de Joan Baez tinharesultado tão bem, passei a Taj Mahal, nestecaso ao LP Recycling the Blues and OtherRelated Stuff. Existe em várias das faixasdeste LP um contraponto entre as PointerSisters e Taj e só umas boas colunasconseguem manter uma distinção perfeitaentre as várias vozes e mesmo dar uma ideiaquase perfeita da posição exacta de cada umdos vocalistas. Os arranjos são muito simplese deste modo torna-se possível, com umacolunas como as Fat Lady, ouvir a grandequalidade das interpretações vocais e/ou ins-trumentais, ao mesmo tempo que, por exem-plo, a reprodução do baixo acústico é algo denotável, sem o mínimo sinal de ressonânciasparasitas na sala.

Não seria natural que me ficasse por aqui, atéporque a actuação das Fat Lady estava aagradar, e foi assim que resolvi regressar aoCD, desta vez utilizando o Marantz CD12 comoreprodutor, e o disco Suite Gogol, de AlfredSchinittke, uma gravação Pope Recordingsque hoje em dia não é fácil de encontrar.Russell Kauffman concordou comigo em queesta é uma gravação de elevado nível decomplexidade e eu costumo mesmo chamar-lhe a «destruidora» de sistemas, porque podecolocar em sérias dificuldades um sistema deáudio ou um dos seus componentes que nãoestejam à altura. E isto porque combina sonsde um pianíssimo quase inaudível comverdadeiras torrentes energéticas quecolocam todos os altifalantes em sobressalto.Embora a minha sala de audição não sejamuito ampla, já vivi nela diversas situaçõesde audição em que fui «sujeito» a ex-periências inolvidáveis em termos daqualidade de reprodução desta obra e as Fat

Lady presentearam-me com uma mais.Foram subidas de nível verdadeiramenteavassaladoras aquelas a que as colunasconseguiram ascender, mantendo-se dis-cretas e quase invisíveis desde sempre, masnunca perdendo pitada dos ferrinhos ou cravoque tocam a níveis bem reduzidos.

Só para terminar, destaco a audição que fizde um dos mais belos discos de jazzrelativamente recentes. Trata-se de Dans MonJardin d’Hiver, cantada por Henri Salvador epertencente ao álbum Chambre avec Vue.Henri canta num ambiente musical que é ummisto de jazz de fusão com influênciascubanas e esta é, em meu entender, uma dasfaixas mais conseguidas do disco. Ao longoda reprodução ocorrem diversas sensaçõesque nos envolvem fortemente no processomusical em curso e que vão desde o tomquente da voz de Henri Salvador até aosgraves complexos que não são fáceis de re-produzir e podem mesmo misturar-se com avoz e retirar-lhe nitidez. Aliás, a segunda faixadeste disco, exactamente com o título dodisco, ainda entra muito mais pela área dosgraves profundos e estremecedores e quecolocam embaraços a alguns sistemas ecolunas. Evidentemente, este não foi o casodas Fat Lady que, usando o francês, seportaram com aplomb e mostraram um à-vontade notável perante esta situação quetanto exigia quer delas quer do resto dosistema.

Conclusão

As Fat Lady que eu ouvi eram um protótipo,embora Russell me indicasse que ospequenos ajustes finais que iriam porventuraocorrer seriam apenas a nível cosmético.Aquilo que eu ouvi deste par permitiu-meconcluir que estas são umas colunas derespeito e uma verdadeira afirmação decapacidade por parte da Morel. Temos aquium projecto high-end de alto nível, umascolunas que combinam como poucas acapacidade de reprodução de sons da maisbaixa intensidade com o poder necessáriopara nos transportar ao mundo dos impactesavassaladores que nos envolvememocionalmente de um modo totalmenteconvincente. Tendo em conta que este é oprimeiro projecto da Morel nesta área, entãomais ainda é de louvar o que foi conseguido,numa conjugação nada fácil entre tecnologiae performance acústica. Todos os quepuderem não devem perder a oportunidadede as ouvir.

Preço: 25000ERepresentante: AjasomTelefone: 21 474 87 09Internet: www.ajasom.net

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