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Testamento do Judas 2009
Autor: Tiago da Silva Palma Rio
11 de Abril de 2009
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Testamento do Judas
Olá Fangueiros. É estranho pensar nas vezes que eu já morri. Não falho uma. Estou cá
todos os anos para que vocês estejam aí alapados todos contentes a ver-me ir desta para
melhor. E até batem palmas e tudo! Categoria! Até aqui dá para reparar como os Fangueiros
são pomposos – é que eu morri enforcado, não foi queimado, mas os Fangueiros gostam de
dar espectáculo. Se é para falecer, ao menos que seja um falecimento e peras. Não só porque
isto de falecer é uma arte, tem uma ciência, mas também porque agora é época das peras e há
que aproveitar.
Mas deixemo-nos de piadas. Tenho tanta coisa a dizer-vos que nem sei por onde
começar. Mas agora, depois de alguma deliberação, decidi começar pelo início. E vou contar-
vos a complicação que foi para chegar aqui. É que eu vim do lado norte e não passei por
nenhuma placa a dizer “Fão”. Então segui sempre, sempre, sempre… já ia no Alentejo e
comecei a achar estranho. E comecei a pensar que afinal aquela pergunta que se faz a um
emigrante começa a fazer sentido: “Então? França está no sítio?” Numa situação normal esta
pergunta é absurda, porque os territórios não se movem, mas eu podia apostar que Fão se
tinha movido. Mas depois pus-me a pensar: tu queres ver que aqueles nabos de Gandra
pintaram a placa que diz “Fão” só por verem que, teoricamente, a ponte pertence a Fão?
Então eu, em nome de mim, declaro que a ponte não é nem de Gandra nem de Fão. É
património. E património pertence à pátria. A Ponte Luís Filipe é de Portugal e não está situada
em lado nenhum. É a ponte que liga Fão a Gandra. Mais do que isso: é a ponte que liga o norte
ao sul do concelho. E só não vos peço reembolso do combustível que gastei para ir ao Alentejo
e vir, porque abasteci na bomba do Jumbo e não saiu assim tão caro.
Há uma coisa que me causa uma certa comichão no nariz que é a pimenta, mas a
diante. Parece que agora andamos aí a miar no salão paroquial. O Grupo Associativo de Teatro
Amador, mais conhecido por GATA, não só é um grupo, como também é uma associação. Isto
é fabuloso. Tenho uma ideia para quem neste momento, num acto de loucura incontrolável,
esteja a pensar em criar um grupo de teatro amador: denominem o vosso grupo de: Núcleo do
Grupo Recreativo da Associação do Clube Cultural da Comunidade Unida e Associativa de
Teatro Amador de Fão. É muito mais original.
Já sabem que eu sou mais altruísta que os concursos da RTP, por isso começo já a dar.
E esta é para os pescadores de Fão. A esses vou dar uma rede. Mas não é uma rede qualquer.
É uma rede de Internet, que parece que agora não existe a versão em papel do Novo
Fangueiro. Isto é um ultraje! E as pessoas que não têm Internet? Têm de ir à junta ler o jornal?
Era o que faltava! E por falar em junta: Senhor Presidente, não se vá embora! Isto já está
suficientemente mau consigo, imagine sem si, como ia ficar. Mas por um lado eu entendo,
deve querer bater no fundo depressa, porque depois só pode melhorar. E mais uma vez, já que
estamos a falar em Junta, quero deixar ao senhor Luís Viana o meu voto… de boas festas!
Este ano é ano de eleições, e temos algumas situações caricatas. Há, por exemplo,
candidatos independentes apoiados pelo CDS; há vice-presidentes de clubes de futebol e
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vendedores de seguros a virar cabeça da lista; há o senhor Luís Peixoto, que ainda o outro dia
sorriu para mim de tal forma, que se eu sofresse de coração tinha-me dado um ataque; há
novamente o senhor José Artur que pintou o cabelo de grisalho para parecer mais velho; há
lampreia no Tio Pepe e costelinha no Trocadinho; há muita coisa… Por isso, Fangueiros, apelo-
vos a visitarem a urna este ano. Votem todos! Aqueles que têm galinhas, ponham-nas a botar
também, porque se as coisas derem para o torto não se vão poder queixar.
Pois é Fangueiros, este ano não correu lá muito bem. Mas já se devem ter habituado a
que tudo vos corra mal. Lá em Israel as coisas também não vão nada fáceis. Pelo menos aqui
não correm os risco de levar com uma bomba nos queixos, porque isso ainda aleija! Depois
ainda ficamos com um hematoma e é uma chatice porque não nos favorece nada o nosso look.
Então dissemos adeus a mais uma comissão de festas do Senhor Bom Jesus, não é
verdade? Agora o novo presidente é o Zé Manel ali da Zema Sport. Eu até estava para ser
queimado de chuteiras, calções e camisola do Clube de Futebol de Fão, mas o máximo que me
arranjaram foi uma t-shirt a dizer “Oh carai oh!”, que vocês não conseguem ver porque está
por baixo do casaco.
Eu, que sou descendente de uma família de marinheiros, estava o outro dia a navegar
na Internet quando de repente um dos meus marujos (que é um teclado) gritou “Página Web à
vista”. Fui a correr e dei de caras com a Conversa do Café. Um blogue que eu aconselho a
quem pensa que sabe tudo sobre Fão e para aqueles que pensam que a palavra “seio” se
escreve com S. Essas pessoas vão ficar surpreendidas quando repararem que afinal vivem na
Vila de Fão, e não em Fão, e que a palavra “seio” se escreve com C. Revelações
surpreendentes! Neste blogue há uma rubrica mensal que é “O Fangueiro do Mês”. E eu ainda
estou à espera da dedicatória ao senhor que me veio estucar as paredes porque o homem fez
ali um trabalho impecável; acho que merece!
Outra coisa que está a dar que falar este ano é a época do nosso clube de futebol.
Parece que é só vitórias a trás de vitórias. Por momentos acreditei que um dia ia ver o Fão na
Liga dos Campeões, mas depois acordei e ficou tudo bem!
A Matriz tem um sino novo. E eu acho mal! Se é para trocar um, tem de se trocar os
quatro. Agora as músicas não saem direito. Enquanto que antigamente tínhamos ali uma
música fúnebre impecavelmente tocada em Ré menor, agora temos uma mistura de Ré menor
com Lá bemol menor. E para além disso, antigamente ouvíamos as badaladas de hora a hora
em Fá sustenido, e agora ouvimos em Lá bemol menor também. E a minha avó sempre me
dizia que badalas em Lá bemol menor é mau presságio. E diz-se por aí que este sino novo foi
oferecido por um senhor que é proprietário de uma pastelaria em frente ao Martins dos
Frangos (não vou dizer o nome do senhor, mas posso dizer que tem o mesmo nome que o meu
primo João). E quem se lixa é o transeunte. Porque agora os sinos em vez de fazerem Dlim
Dlom, vão fazer Pã-Pã.
O Meste Alves, conhecido Medium português, veio a Fão, à Cooperativa Cultural
(entenda-se “Medium” por uma pessoa de estatura não muito alta nem muito baixa). Eu entrei
à socapa, disfarçado de velhota, e fiquei surpreendido com as suas esplêndidas previsões.
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Fiquei a saber que este ano o Natal é em Dezembro e, vejam só, fiquei também a saber que vai
estar frio.
O Museu d’Arte fechou. Ah, pois é! Agora temos de nos contentar com a
mediocridade da Fundação Serralves, ou da Fundação Glubenkian. Mas não me importo – pelo
menos enquanto o café da Fundação Serralves mantiver a receita do bolo de chocolate.
E parece que agora, mais do que nunca, Fão está a evoluir em matéria de
criminalidade! O assalto aos correios já um clássico. Ainda o outro dia diz-me um amigo meu:
“Ó Judas! Esta quarta-feira os correios não foram assaltados”. E eu fiquei surpreendidíssimo!
Outro assalto que está muito em voga é o assalto à farmácia. Mas eu acho que isso se podia
resolver se pusessem pessoas lá a trabalhar, em vez de robots. E o meu preferido, claro, o
CarJacking. Já houve assaltos dessa categoria aqui em Fão. Por isso é que eu deixei o Ferrari
em casa e vim a pé… não vá o diabo tecê-las!
Estão com ideias de transformar o ringue de futebol numa Casa Mortuária. E eu
concordo com essa ideia, porque os mortos também têm direito aos seus espaços de lazer. Até
podíamos inscrever os mortos de Fão no campeonato de futebol inter-Casas-Mortuárias, com
a condição, claro, de que quando eu morrer, ser eu à baliza (e esperemos ansiosos que o
Cristiano Ronaldo venha morrer cá em Fão).
Este ano fez-se história em termos políticos, coisa que já não acontecia desde… Ui!
Para aí desde o ano passado. Mas que grande história. Barack Obama, um senhor que é… vá lá,
preto, é o novo presidente dos Estados Unidos da América. Se este senhor não fosse tão
democrata era caso para dizer: agora é que as coisas vão ficar negras. Mas eu acredito neste
homem. E reconheço que todo o mundo vai ficar a ganhar com esta eleição. E quando digo
todo mundo, estou a incluir Fão, como é óbvio. É que eu acho que a Padaria 3ª Geração tem
uma sucursal em Nova Iorque, só que não quer dizer!
O Verão 2008 foi talvez o vosso pior Verão de sempre. Nem todas as noites foram
suficientemente agradáveis para sair de manga curta. As tardes são para esquecer. As nortadas
do costume, mas mais fortes. Eu, que costumo vir aqui passar uns dias, neste Verão fechei-me
na cave à prova de tufões e só saí em Dezembro, quando ficou mais quentinho.
É minha opinião que a construção do Centro Desportivo de Fão devia avançar. Com
sorte ainda podíamos concorrer à organização dos Jogos Olímpicos 2050. É preciso é ter fé. Fé
e, convenhamos, algum dinheiro também. Basta olhar para os sem-abrigo, que estão cheios de
fé, mas também estão cheios de fome. É verdade! O nosso país, que se diz muito evoluído,
tem cerca de 20% da população pobre. Pelo que vejo, Fão não seguiu o exemplo do resto do
país. Nunca vi um sem-abrigo em Fão – ainda que, provavelmente, seja por falta de espaço. É
que Fão não tem condições para receber pessoas sem-abrigo. Não há um ferro-velho, não há
uma sucata… nada! Um horror!
Não sei se estou em posição de vos pedir alguma coisa, normalmente é o contrário,
mas eu queria mesmo dar uma voltinha num Maserati. Ouvi dizer que um senhor aqui em Fão
comprou um (não vou dizer nomes, até porque sou muito amigo do Paulo Sérgio, e respeito-o
muito). Quem nunca o viu é só seguir o barulho. E quem quiser comprar um eu aconselho
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vivamente a abrir um café na marginal de Esposende antes de o fazer… depois o carro vem por
acréscimo.
Em relação ao campo de Futebol tenho a dizer que quando lá ponho os pés, só ponho
mesmo os pés. Nunca arranjo lugar para me sentar. Uma bancada não chega para nada.
Principalmente quando Fão for palco dos Jogos Olímpicos de 2050. Mas de resto está uma
obra impecável!
O Pavilhão Gimnodesportivo está mais elegante agora com as cadeira na bancada.
Agora posso sentar-me tão confortavelmente a ver o jogo como se estivesse em casa! Aliás, a
grande diferença entre o Pavilhão e a minha casa é que no Pavilhão chove mais. E a minha casa
não tem tecto.
Sortudo é quem ainda não sabe ler. Sim, estou a falar de criancinhas. Porque essas até
têm direito a um Magalhães. Agora nós, os mais velhos, os que realmente precisam, os que
realmente trabalham, os que sabem ler… nós é que precisamos… e um portátil para nós?
Viste-lo! Mas também lá em Israel não vale a pena, porque ainda não conhecemos a maravilha
da electricidade.
Voltando um bocado a trás à questão da ponte, e porque só agora é que me lembrei
de dizer isto, posso dizer-vos que há um factor que determina logo que a ponte não é de Fão. E
esse factor é: os postes de iluminação não são chupetas luminosas. São postes vulgares. Mas
alguma vez na vida uma ponte de Fão ia ser iluminada por postes vulgares? Não! Não é nossa,
definitivamente! Até me sentia ofendido se fosse Fangueiro e me dissessem que aquela ponte
era minha!
Eu digo já que comigo, pontes é só em vésperas de feriados ou dias seguintes. E pelos
vistos em 2009, ao todo, são para aí uns 365 dias sem trabalhar.
Bem meus caros amigos, é desta forma que termino o meu monólogo infatigável, e
passo para o testamento propriamente dito. Aquela parte que dita aquilo que cada um de vós
irá receber. Convém despachar isto rápido porque amanhã tenho de estar em Linda-a-Velha
para um enforcamento, e depois de amanhã tenho outra queima do Judas em Massamá. E
como não tem jeito nenhum despedir-me de vós com uma quadra despeço-me já. Até para o
ano, se Deus quiser, e posso adiantar desde já que vai querer, porque eu tenho os meus
contactos na Galileia.
E como diria um certo amigo meu:
Ora aí vai aço!
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Se é minha missão oferecer
Aquilo que vos faz falta
A Junta vai receber
Uma viagem para Malta.
(Para 50 pessoas, claro!)
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Muita água molhada eu deixo
Aos bombeiros, que têm tantos dispêndios,
Pois mais parece que água normal
Não é capaz de apagar incêndios.
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A tecnologia vai avançando
Até para os aldeães,
Por isso deixo à escola primária
Mais portáteis Magalhães.
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Para o Clube Náutico não tenho
Muita coisa para deixar
Mas posso abrandar a corrente
Para poderem treinar.
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Ao Grupo de Teatro Amador,
Que por GATA são conhecidos,
Deixo uma ninhada de ratos,
Para andarem entretidos.
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Já agora dou-vos um conselho,
Baixem o preço da entrada,
Não tarda muito e vão acabar
As noites de lotação esgotada.
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Ao Clube de Futebol
Deixo tijolo e cimento
Para fazerem outra bancada.
Pois quando lá vou nunca me sento.
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À Igreja do Bom Jesus
De que saber, ninguém quis,
Deixo também sinos novos,
Tal qual os da Matriz.
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À nova comissão de festas
Desejo só boa sorte,
Quando forem bater às portas.
Porque isto está pela hora da morte.
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À pousada deixo tesouras
E um jardineiro já pago.
Porque o jardim mais parece um bosque
E a piscina parece um lago.
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Ao Hóquei e ao ASP,
E ao seu campo molhado,
Deixo um rolo de fita cola
Para taparem o telhado.
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Sei que pareço forreta
Mas também eu sinto a crise
Até quando vou à Lareira
Em vez de vinho bebo uma Frize.
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Ao Clube Fãozense
Acho apropriado deixar
Uns calços de madeira
Para as mesas de bilhar.
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Para quem não está em forma,
Deixo uma sugestão:
Venham aqui aos bombeiros
Para as Danças de Salão.
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Já lá fui uma vez
E gostei de dançar o Tango.
Mas em Israel ainda me conhecem
Como: Judas, o rei do Fandango.
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E agora, quem diria,
Estou prestes a visitar o diabo
E se estão apressados:
Mais 5 minutos e acabo.
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Porque eu próprio sou jovem
E gosto da juventude
Deixo pílulas e preservativos
No Centro de Saúde.
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Jovens, não há desculpas,
É totalmente de graça
Se continuais a negar
Olhem, não sei que vos faça.
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Aos doentes, coitaditos,
Para que não passem mal,
Deixo enfermeiras mais jovens
Cá no vosso Hospital.
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E por falar em Hospital,
Trouxe alcatrão e cimento
Para ajudar a alargar
O parque de estacionamento.
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E cá em Fão, Fangueiros, vós tendes
Melhor que a Fundação Serralves,
A Cooperativa Cultural
E as suas previsões do Mestre Alves.
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Por isso, à Cooperativa,
Eu queria deixar uns búzios.
Acontece que cheguei a casa
E já não sei onde “púzios”.
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Para o Centro de Dia
Não andar melindrado
Deixo pauzinhos de espetada
Para jogarem ao micado.
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Aos Fangueiros em geral
Deixo ambição e coragem
Para fazerem de novo as marchas
Que há tanto tempo são miragem.
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Porque desporto faz bem
E para prática diária
Deixo bolas e balizas
Lá na Casa Mortuária.
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E aos mortos, Deus os tenha
Vou deixar com fervor
Um ataque cardíaco ao Zé Mourinho
Para ser vosso treinador.
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Os incêndios são quentinhos
Mas não são agradáveis, não.
Por isso ponho a Associação Assobio
A assobiar no Pinhal de Fão.
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Ao Caldeirão e às Pedreiras,
Já pensavam que me esquecia
Deixo lá mais uns velhotes
Para ocupar o Centro de Dia.
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Há alguns bem malandros
Que já mereciam um açoite
Mas boas pessoas sejamos
E construamos um Centro de Noite.
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As eleições andam no ar
E a pensar nos vossos futuros
Deixo para poderem votar
Um vendedor de seguros.
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Aos que não sabem sorrir
Não dou o prémio do Totoloto.
Mas deixo um lindo sorriso
Ao senhor Luís Peixoto.
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Um pouco atrasado está
O Jornal Novo Fangueiro.
A publicar em Abril
A edição que é de Janeiro.
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Por isso, ao Novo Fangueiro
Vou deixar um calendário
Para as edições saírem a tempo
E não saírem ao contrário.
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E agora Fangueiros, adeus
Foi bom este momento
E peço-vos com muita lata
Que mostrem por mim sentimento.
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Já sinto formigueiro nas pernas
Agora ninguém me acode
E já me mentalizei
Quem trai Jesus é quem se lixa.
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Fangueiro, não tens coração
Vou morrer e sei que gostas.
E tu, rapaz, acende lá o rastilho
Que eu estou à rasca das costas!
Adeus!