tese_pasivas en español

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas BENIVALDO JOSÉ DE ARAÚJO JÚNIOR As passivas na produção escrita de brasileiros aprendizes de Espanhol como língua estrangeira Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-Americana do Departamento de Letras Modernas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Orientadora: Profa. Dra. Neide T. Maia González São Paulo 2006

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas

    BENIVALDO JOS DE ARAJO JNIOR

    As passivas na produo escrita de brasileiros

    aprendizes de Espanhol como lngua estrangeira

    Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Lngua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-Americana do Departamento de Letras Modernas da

    Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo

    Orientadora: Profa. Dra. Neide T. Maia Gonzlez

    So Paulo

    2006

  • 2

    A Beni e Tet, meus pais.

  • 3

    AGRADECIMENTOS

    A Neide T. Maia Gonzlez, que me guiou com sabedoria e segurana ao longo

    deste trabalho.

    A Maite Celada, pela inestimvel contribuio em sugestes e referncias

    bibliogrficas.

    A Adrin Fanjul e Claudia Jacobi, cujas sugestes foram relevantes para a

    minha pesquisa.

    Aos professores e alunos do Espaol en el Campus que possibilitaram a

    implantao do Banco de Dados/EEC ou contriburam com esse projeto.

    A Silvio Sato, amigo e companheiro, pela confiana e apoio.

  • 4

    RESUMO

    As construes passivas no Portugus Brasileiro e no Espanhol apresentam

    tanto tendncias comuns, quanto assimetrias. Este trabalho tem o propsito de

    investigar os efeitos desse fenmeno na aquisio/aprendizagem de Espanhol

    por estudantes brasileiros. Inicialmente, prope-se uma descrio das

    construes passivas nas duas lnguas. Em seguida, faz-se uma anlise

    contrastiva dessas construes no Portugus Brasileiro e no Espanhol.

    Finalmente, investiga-se o comportamento das construes passivas

    (sobretudo as perifrsticas e as lexicais) na produo escrita de brasileiros

    aprendizes de Espanhol lngua estrangeira. Os resultados obtidos na anlise

    dos corpora sugerem algumas hipteses sobre os fatores que possivelmente

    influenciam a preferncia dos aprendizes por determinadas construes em

    detrimento de outras.

    Palavras-chave: construes passivas, anlise contrastiva, lingstica de

    corpus, papis temticos, funes pragmticas.

  • 5

    RESUMEN

    Las construcciones pasivas en Portugus Brasileo y en Espaol presentan

    tanto tendencias comunes como asimetras. Este trabajo tiene el propsito de

    investigar los efectos de dicho fenmeno sobre la adquisicin/aprendizaje de

    Espaol por estudiantes brasileos. Inicialmente, se propone la descripcin de

    las construcciones pasivas en ambas lenguas. En seguida, se hace un anlisis

    contrastivo de dichas construcciones en Portugus Brasileo y en Espaol.

    Finalmente, se investiga el comportamiento de las construcciones pasivas

    (sobre todo las perifrsticas y lexicales) en la produccin escrita de estudiantes

    brasileos de espaol lengua extranjera. Los resultados del anlisis de los

    corpora sugieren algunas hiptesis sobre los factores que possiblemente

    influyen en la preferencia de los aprendices por determinadas construcciones

    en detrimento de otras.

    Palavras clave: construcciones pasivas, anlisis contrastivo, lingstica de

    corpus, papeles temticos, funciones pragmticas.

  • 6

    ABSTRACT

    Passive constructions in Brazilian Portuguese and Spanish present both

    common tendencies and assimetries. The aim of this project is to investigate

    the effects of such phenomenon on Spanish acquisition/learning process by

    brazilian students. Initially, a description of passive constructions is proposed

    for both languages. After that, a contrastive analysis is made of those

    constructions in Brazilian Portuguese and Spanish. Finally, the behavior of

    passive constructions is analyzed in the written production of brazilian students

    who learn Spanish as a foreign language. Results from corpora analysis

    suggest some hypotheses on the factors which possibly influence learners

    choices for certain constructions to the detriment of others.

    Keywords: passive constructions, contrastive analysis, corpus linguistics,

    thematic roles, pragmatic functions.

  • 7

    SUMRIO

    INTRODUO ..................................................................................... 009

    OBJETIVO DO TRABALHO ................................................................. 013

    CAPTULO I As passivas no Espanhol e no PB ..................................................... 014 I.1. Consideraes preliminares ........................................................... 014

    I.2. Acerca das passivas no Espanhol .................................................. 018

    I.3. Acerca das passivas no PB ............................................................ 032

    I.4. As passivas no PB e no Espanhol: anlise contrastiva .................. 042

    I.4.1. Sobre a proposta de anlise ................................................ 042

    I.4.2. As construes predominantes no PB e no Espanhol .......... 042

    I.4.3. A presena vs. ausncia de agente na estrutura ................. 044

    I.4.4. Paciente [+humano] vs. [-humano] ....................................... 049

    I.4.5. Carter temtico/ remtico do paciente ................................ 050

    I.4.6. Funo das construes passivas ........................................ 053

    I.4.7. Consideraes finais .............................................................. 055

    CAPTULO II Os corpora ............................................................................................ 057 II.1. Corpus preliminar ............................................................................ 057

    II.2. Dados EEC ..................................................................................... 059

    II.2.1. Os informantes ..................................................................... 059

    II.2.2. As produes ....................................................................... 061

    II.3. Levantamento das FVP nos corpora ................................................ 063

    II.4. Os padres esperados nos corpora ................................................ 068

    CAPTULO III Os resultados ...................................................................................... 071

  • 8

    III.1. Os resultados obtidos e seus padres de incidncia .................... 071

    III.2. Classificao e inventrio das FVP nos corpora ........................... 073

    III.3. Anlise das FVP de particpio ..................................................... 077

    III.3.1. O agente ............................................................................. 077

    III.3.1.1. PRESENA vs. AUSNCIA .................................... 077

    III.3.1.2. AGENTE [+humano] vs. [-humano] ......................... 080

    III.3.2. O paciente .......................................................................... 082

    III.3.2.1. PACIENTE [+humano] vs. [-humano] ..................... 082

    III.3.2.2. PACIENTE TEMA vs. REMA ................................. 084

    III.3.3. A funo das FVP .............................................................. 085

    CAPTULO IV Anlise dos resultados ...................................................................... 087 IV.1. Sobre o carter marcado das FVP ............................................... 087

    IV.2. Sobre a preferncia dos aprendizes ............................................ 088

    IV.2.1. A ordem SV na produo dos aprendizes .......................... 089

    IV.2.2. A questo pronominal ......................................................... 092

    IV.2.3. A nominalizao ................................................................. 098

    CONCLUSES ..................................................................................... 100

    BIBLIOGRAFIA ..................................................................................... 105 Referncias bibliogrficas ...................................................................... 105

    Bibliografia geral .................................................................................... 108

    Livros didticos e paradidticos consultados ......................................... 110

    ANEXOS ................................................................................................ 112 CORPORA ............................................................................................. 150 Corpus C1 .............................................................................................. 151

    Corpus C2 .............................................................................................. 157

  • 9

    INTRODUO

    A minha curiosidade acerca das estruturas passivas vem desde a poca

    em que eu era aluno do (hoje) ensino mdio. Recordo que o tema aparecia nas

    gramticas e nos livros didticos de lngua portuguesa dentro do item vozes

    verbais, na seo dedicada morfologia do verbo. Tambm era usual que

    fosse referido na sintaxe, ao tratar-se da orao e seus termos (dentre os

    quais, o agente da passiva). Nos dois casos, a abordagem das passivas era

    brevssima e pouco divergia da que hoje est presente em publicaes

    similares disponveis no mercado brasileiro. Uma consulta a gramticas

    (Bechara, 1976 e 1999, Cunha, 1990, Cunha & Cintra, 2001, Luft, 1996,

    Sacconi, 1998, Andr, 1997), livros didticos para o ensino mdio (Neto &

    Infante, 2004, Nicola & Infante, 2004) e para o ensino fundamental1 (Cereja &

    Magalhes, 2004, Faraco & Moura, 2004) nos permite sintetizar, com

    pouqussimas diferenas2, os seguintes dados sobre o assunto:

    1. Em geral no se fala de estruturas passivas, e sim de voz passiva,

    definindo-a como a forma verbal que indica que a pessoa/sujeito recebe a

    ao verbal, sendo, portanto, seu paciente. Dessa maneira segundo esses manuais , a voz passiva surge em oposio voz ativa, na qual a pessoa/sujeito pratica a ao verbal, convertendo-se em seu agente.

    2. A voz passiva classificada em dois tipos: passiva analtica (ou passiva

    perifrstica, formada geralmente com verbo auxiliar ser + particpio) e

    1 A referncia completa dessas publicaes est na Bibliografia (seo Livros didticos e paradidticos consultados). 2 A saber: Bechara (1976:105) diferencia a voz passiva (forma especial em que se apresenta o verbo para indicar que a pessoa recebe a ao: Ele foi visitado pelos amigos/ Alugam-se bicicletas) da passividade (fato de a pessoa receber a ao verbal, o qual tambm se pode expressar por verbos na forma ativa, porm de sentido passivo: Os criminosos recebem o merecido castigo). Luft (1996:177-8) cita construes passivas com outros auxiliares alm do verbo ser: Ele est/ anda/ vive cercado de amigos; Ele ficou rodeado de amigos; A mala ia/ vinha carregada pelo homem. Andr (1997:168) tambm d exemplos dessas construes e menciona a passiva de infinitivo: O imperador deu a mo a beijar; Que osso duro de roer!

  • 10

    passiva pronominal (com o pronome oblquo se, que no caso recebe a

    denominao de pronome apassivador). Alm dessa diferena formal, os

    comentrios adicionais feitos sobre tais variedades so que: a) a passiva

    analtica pode apresentar o verbo em qualquer pessoa, ao passo que a

    pronominal s se constri nas 3as pessoas; b) enquanto na passiva analtica

    freqente a presena do agente, na passiva pronominal ele no aparece.

    3. A voz passiva se constri com verbos transitivos diretos.

    Nesse tipo de abordagem fica patente que a nfase que se d ao tema

    recai sobre o aspecto formal, conforme bem o mostram os itens 2 e 3 acima.

    De fato, os critrios sintticos presentes nesses itens so importantes para que

    se reconhea uma estrutura passiva. Mas sero suficientes para a

    compreenso do fenmeno? A definio dessas construes, no item 1, diz-

    nos que no: nela esto os conceitos de agente e paciente, que no pertencem

    sintaxe propriamente dita, mas semntica (semntica de casos, os papis

    temticos, mesmo que no se chegue a falar propriamente dessa perspectiva

    terico metodolgica). Tambm a referncia passividade como o receber a

    ao verbal remete mais ao significado que forma. Da a necessidade de

    tratar o tema a partir de ambas as perspectivas, a sinttica e a semntica, que

    para vrios autores, entre eles Canado3, guardam uma relao estreita e

    importante. Outra falha das abordagens da voz passiva encontradas nas

    publicaes didticas o colar uma forma a um significado: pouco se levam

    em conta as possibilidades de expressar contedos passivos por meio de

    construes/ padres lingsticos distintos ao que se descreve no item 2. Em

    suma, as abordagens da questo so bem pouco amparadas pelas pesquisas

    lingsticas teoricamente fundamentadas e parecem repetir-se, em muitos

    casos, sem maiores avanos na interpretao.

    3 Em Canado (2000), ao discorrer sobre a teoria generalizada dos papis temticos que desenvolveu com Franchi, afirma a autora: (...) temos evidncias de que existem certas propriedades semnticas que so relevantes para a estruturao sinttica das lnguas, e insistir em um modelo onde o contedo semntico dos papis temticos levado em considerao no uma simples questo de gosto. Isso se deve existncia de alguns dados empricos que corroboram a necessidade para uma teoria gramatical de se distinguir semanticamente esses papis. Ou seja, se existem questes de natureza semntica, mais especificamente, questes envolvendo o contedo semntico dos papis temticos que restringem e/ou ordenam a estruturao sinttica das oraes, estas devem fazer parte de uma teoria gramatical.

  • 11

    Ainda sobre o enfoque formal, certo que este se reproduzia (e se

    reproduz) tambm na escola: aprender as estruturas passivas transformava-se

    em aprender a voz passiva tal como figurava nos livros didticos e em boa

    parte das gramticas (sobretudo aquelas de cunho prescritivo). Bastava

    dominar as poucas regras apresentadas e exercit-las por meio de tarefas

    repetitivas, que consistiam em converter frases ativas em passivas e vice-

    versa. Destacava-se, sobretudo, o processo, a transformao e os artifcios

    que se usavam para passar de uma forma a outra. Na ocasio, duas questes

    j me incomodavam: 1) Seriam essas formas equivalentes em sentido?; 2) Que

    implicaes haveria em optar-se por uma ou outra construo?

    Para concluir meu raciocnio, ressalto que essa tarefa mecnica de

    transformar ativas em passivas (e o contrrio) acabava por adquirir o aspecto

    de um jogo ou brincadeira, ao fim da qual muitos estudantes se perguntavam

    que finalidade poderia ter. claro, tal aspecto ldico no seria problemtico

    caso se passasse desse momento a uma reflexo sobre as formas da lngua,

    como funcionam e que sentidos e valores cada uma delas comporta e assume

    em cada circunstncia. No caso especfico das construes passivas, pensar,

    por exemplo, nos efeitos obtidos ao enfatizar-se um sujeito paciente ou omitir-

    se um agente.

    Em 1998, durante o meu curso de graduao, estudei novamente as

    passivas na lngua espanhola e de imediato as questes que mencionei

    voltaram tona. Mas foi somente a partir do segundo semestre de 2002, como

    monitor do Espaol en el Campus4, que comecei a observar como apareciam

    as passivas nas produes escritas (em Espanhol) dos meus alunos. O que

    mais me chamou a ateno nessas redaes foi a alta incidncia das passivas

    perifrsticas e o baixo percentual de passivas pronominais, j apontado por

    Gonzlez (1994). Os trabalhos que eu havia lido sobre as passivas no

    Espanhol (em especial, Barrenechea & Manacorda de Rosetti, 1979)

    apontavam exatamente o contrrio: que nessa lngua havia predileo pela

    passiva com pronome. Igualmente, os estudos sobre as passivas no Portugus

    4 Doravante EEC. Trata-se de um curso extracurricular de E/LE oferecido pela rea de Lngua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-Americana DLM e mantido pelo Servio de Cultura e Extenso da USP/FFLCH.

  • 12

    Brasileiro (doravante PB) por exemplo, Duarte (1990) mostravam a preferncia dos falantes nativos pela passiva perifrstica. Portanto, pensando

    na ocorrncia predominante das passivas perifrsticas na produo escrita em

    Espanhol dos aprendizes brasileiros, identifiquei no fenmeno o que parecia

    ser uma interferncia da lngua materna. Ento, s questes anteriores

    somaram-se outras: 1) Que fatores explicariam essa possvel interferncia? 2)

    As passivas no Espanhol e no PB tinham somente assimetrias5, ou tambm

    apresentavam tendncias comuns? 3) A preferncia dessas lnguas por uma

    forma de passiva podia ser tomada de maneira absoluta, ou havia outros

    elementos a considerar (funes pragmticas, gneros textuais, etc.)?

    No meu entender, as respostas a essas perguntas dependiam de um

    estudo que partisse da investigao detalhada do funcionamento das passivas

    no Espanhol e no PB, para, em seguida, abordar os fenmenos relacionados

    s construes passivas na produo dos brasileiros em lngua espanhola. o

    que busco fazer neste trabalho.

    Na primeira parte do captulo I, sintetizo e comento alguns dos estudos

    tericos dedicados s construes passivas, tanto no Espanhol quanto no PB.

    Na segunda parte do captulo, utilizando parte desses estudos, fao uma

    anlise contrastiva das passivas nas duas lnguas, na qual se discutem as

    construes predominantes em cada uma delas, o estatuto terico e as

    particularidades dos papis temticos envolvidos (Agente e Paciente), as

    funes pragmticas (Tema e Rema) relevantes, assim como os usos das

    estruturas passivas.

    No captulo II, descrevo os corpora analisados na pesquisa, assim como

    as ferramentas empregadas na obteno dos resultados.

    No captulo III apresento esses resultados e os discuto no captulo

    seguinte, lanando hipteses sobre os fenmenos que influem na produo de

    construes passivas, em Espanhol, por aprendizes brasileiros de E/LE.

    Finalmente, como apndice deste trabalho, incluo um CD ROM com os anexos

    e os corpora utilizados.

    5 A noo de assimetria foi utilizada em Gonzlez (1994), ao descrever o preenchimento vs. no preenchimento das posies argumentais de sujeito e objeto no Portugus Brasileiro e no Espanhol.

  • 13

    OBJETIVO DO TRABALHO

    Mais que analisar como aparecem as estruturas passivas nas produes

    em E/LE de aprendizes brasileiros, ou fazer um levantamento da freqncia de

    uso de cada uma delas, meu propsito investigar que fenmenos lingsticos

    levam esses aprendizes a escolher, dentre as possibilidades que a lngua

    espanhola lhes oferece, determinadas construes passivas em detrimento de

    outras.

    Portanto, o objetivo do meu trabalho responder s seguintes questes:

    Que assimetrias e tendncias comuns apresentam o PB e o Espanhol no que diz respeito s estruturas passivas?

    A preferncia dessas lnguas por um tipo de construo passiva pode ser tomada de maneira absoluta, ou haveria outros elementos

    a considerar (funes pragmticas, gneros textuais, etc.)?

    H interferncia da lngua materna na produo em E/LE de aprendizes brasileiros?

    Se houver, que fatores possivelmente explicariam essa interferncia?

  • 14

    CAPTULO I As passivas no Espanhol e no PB

    I.1. Consideraes preliminares

    Esta investigao tem como ponto de partida o estudo detalhado do

    funcionamento do Espanhol e do PB com respeito s passivas. No meu

    entender, esse aprofundamento tanto na lngua materna do aprendiz quanto na lngua estrangeira que ora ele estuda essencial para compreender o processo de aquisio/aprendizagem de uma lngua e intervir nele. preciso

    reconhecer, entretanto, que apesar de a lngua materna influir de modo

    inegvel nesse processo, conforme vm demonstrando diversos estudos nesse

    campo, inclusive de bases epistemolgicas diferentes6, dele tambm

    participam fatores de natureza social e afetiva os quais, por razes de brevidade, esto fora do escopo deste estudo.

    Como fundamento do meu trabalho, tambm est a necessidade de

    acrescentar novas reflexes, por mnimas que sejam, ao ensino e

    aprendizagem de lnguas. Isso por reconhecer que, apesar das constantes

    contribuies dos estudos lingsticos (em especial a lingstica do texto), as

    aulas de lngua materna na escola ainda esto condicionadas a um enfoque

    majoritariamente normativo (com poucas excees) o que inevitavelmente tem desdobramentos no ensino e aprendizagem de uma lngua estrangeira

    6 O papel da lngua materna (LM) na aquisio/aprendizagem das lnguas segundas foi objeto de muita controvrsia anteriormente, porm hoje praticamente unnime o reconhecimento, por parte dos estudiosos, de que a LM desempenha um papel importante e um fator relevante embora no seja o nico nesse complexo processo; tanto os pesquisadores que trabalham numa linha gerativista que focalizam cognitivamente a aquisio da gramtica das lnguas segundas , quanto os que trabalham numa linha mais discursiva embasada na psicanlise , reconhecem, por distintas razes, que a LM crucial no processo. Entretanto, tal reconhecimento no ocorre no sentido em que a anlise contrastiva via o fenmeno: no primeiro dos modelos, a LM intermedeia o processo, quando no, para alguns, substitui a Gramtica Universal (GU); no segundo modelo, fala-se sobre o papel da LM na constituio simblica do aprendiz. Ainda no segundo modelo, fala-se da importncia da LM nos processos de inscrio do sujeito nas discursividades da lngua estrangeira que est aprendendo.

  • 15

    (L2)7. Basta citar o que pensam e fazem os professores de L2 quando a

    questo que se lhes prope ter que tratar em classe um item gramatical:

    mesmo que o docente demonstre considervel grau de reflexo sobre seu

    objeto (a lngua) a partir de outras perspectivas que no o padro, na hora H o

    que normalmente aflora na sua prtica o peso da tradio, ou seja, o

    aprender/ser ensinado que converte a gramtica em algo ranoso, arbitrrio,

    aborrecido, estrito e limitador. Esse modo de proceder corresponde a um

    imaginrio de lngua, de gramtica, de ensino, que se reproduz na contramo

    das ditas e apregoadas inovaes o que por vezes as converte em pura maquiagem nos materiais didticos e na fala do docente8. Quanto aos

    aprendizes, habituados pouca reflexo sobre determinados usos lingsticos,

    acabam incorporando-os indevidamente, no raro por meio do transporte de

    estruturas da lngua materna para a lngua estrangeira que esto aprendendo.

    voz comum a afirmao de que esse processo ser mais freqente se a L2

    for o Espanhol, uma vez que a sua semelhana com o Portugus faz com que

    o aprendiz alimente a iluso de uma comunicao sempre transparente e

    inequvoca com os hispanofalantes. Mas preciso deixar claro que no se

    trata aqui de uma hiptese contrastiva de primeira hora: estaramos

    equivocados se pensssemos assim, j que a transferncia no se d de forma

    simples, termo a termo. Felizmente, essa imagem do Espanhol e do PB como

    lnguas simtricas ou seja, cujos elementos, estruturas e nveis tm

    7 Adoto a forma abreviada L2 para designar a lngua estrangeira aprendida em situao formal, fora de um contexto natural. Por oposio, passo a designar a lngua materna atravs da forma L1. Isso no quer dizer que no estabelea uma clara diferena entre o que se pode entender por segunda lngua e lngua estrangeira, posto que as condies de aquisio/aprendizagem da primeira , em geral, muito diferente das condies em que se d o processo de aquisio/aprendizagem da segunda. Por outro lado, tambm tenho clara a diferena entre os processos de aquisio de segunda lngua, em situaes naturais e de imerso, daqueles de aprendizado formal, fora de contextos naturais em que a lngua aprendida a lngua de comunicao, situao no contemplada neste trabalho. 8 Para melhor ilustrar minha afirmao, transcrevo um fragmento da contracapa de Cereja & Magalhes (2004), obra destinada ao ensino fundamental: Rompendo com a tradicional abordagem gramatical, que se limitava ao horizonte da frase, o estudo volta-se essencialmente para o texto e o discurso. No o texto como pretexto para a mera classificao gramatical, mas como objeto e objetivo maior dos estudos lingsticos; o texto em sua dimenso discursiva, isto , inserido numa situao concreta de enunciao, servindo a determinado fim, mediando as interaes entre os interlocutores. Entretanto, o que esses autores dizem acerca das passivas nada acrescenta abordagem tradicional: no se levam em conta outros tipos de construes passivas, nem os papis temticos em jogo (Agente, Paciente) e muito menos as funes pragmticas (Tpico, Foco, Tema, Rema), to caras ao discurso.

  • 16

    correspondentes exatos de uma lngua para outra vem sendo suplantada por meio de inmeros trabalhos acadmicos, como o de Gonzlez (1994).

    E agora passemos outra face da moeda: o modo como o tema em

    questo as estruturas passivas aparece nos livros didticos, paradidticos e manuais de E/LE. Eu diria que, mais que aparecer, o tema

    sistematicamente eludido em grande parte dessas publicaes9, algumas das quais so das mais adotadas em cursos de diversas naturezas: faz-se uma

    breve descrio do fenmeno ( semelhana do Portugus, como voz passiva),

    classifica-se a estrutura em passiva perifrstica (frase verbal pasiva ou pasiva con ser, formada com o auxiliar ser + particpio) e passiva pronominal (pasiva refleja ou pasiva con se, com o pronome oblquo se + verbo na 3 pessoa),

    salienta-se o pouco uso da passiva perifrstica em Espanhol e o conseqente

    predomnio da passiva pronominal e, finalmente, vm os exerccios

    esquemticos de converso de uma forma na outra, conforme j comentei.

    Existe, claro, a preocupao de diferenciar a passiva pronominal (refleja) das

    estruturas impessoais, porm isso feito em geral unicamente com base na

    forma10. O critrio semntico (fundamentado nos papis temticos Agente e

    Paciente), de suma importncia na questo, passa nitidamente a um segundo

    plano, assim como o carter passivo intrnseco s formas verbais (como em: la

    sobrina padeca rema11) . No se problematiza o fato de existirem outros

    possveis papis temticos alm dos de Agente e Paciente12 (na frase la polica

    es temida por los manifestantes, o constituinte los manifestantes no um 9 Livros consultados: Planet@, de Cerrolaza et alii: Libro del alumno, vol. 1 (1998), 2 (1999), 3 (2000) e 4 (2000); Libro de referencia gramatical, vol. 1 (1998), 2 (1999), 3 (2000) e 4 (2000); Uso de la gramtica espaola, de Castro, vol. 1 (1996), 2 (1997) e 3 (1997); Claves del Espaol, de Domnguez e Bazo (1994) e Gramtica bsica del espaol, de Snchez e Sarmiento (2001) (para a referncia completa dessas publicaes, ver Bibliografia, seo Livros didticos e paradidticos consultados). necessrio dizer que selecionei apenas alguns manuais dentre os vrios disponveis no mercado brasileiro, e o critrio adotado foi a boa aceitao desses materiais nas nossas escolas. 10 Ressalto que o tratamento do tema varia muito entre um livro e outro. Snchez e Sarmiento (2001) dedicam dois comentrios brevssimos sobre as passivas, enquanto Domnguez e Bazo (1994) abordam a questo de forma mais distendida e com mais exemplos a nica obra, dentre as referidas neste item, que fala das passivas em termos de usos e funes. 11 Alarcos Llorach (1970: 125). 12 Essa nomenclatura acaba sendo a adotada em muitos estudos devido ao seu uso tradicional o peso da tradio, j mencionado neste item. Entretanto, h lingistas que propem classificaes mais abrangentes para os papis temticos: Canado (2003), por exemplo, define os papis temticos no como noes (Agente, Paciente, Experienciador, Instrumento, Fora, etc.) e sim como uma composio de propriedades (Desencadeador, Afetado, Estado e Controle) atribudas a um dado argumento a partir de acarretamentos estabelecidos por toda a proposio em que esse argumento se encontra.

  • 17

    Agente como seria esperado na frmula da passiva sinttica e sim um Experienciador), e tampouco a impossibilidade de se construir a passiva com verbos transitivos diretos13 em determinadas situaes (caso de: los rboles tienen hojas, *hojas son tenidas por los rboles). Em suma, nos materiais

    didticos de que dispomos para ensinar/aprender Espanhol, pouco se fala dos

    usos das construes passivas e dos diferentes sentidos que podem comportar

    ditas formas. Levando em considerao as razes apresentadas, acredito que um

    estudo acurado de como se comportam as construes passivas no PB e no

    Espanhol , alm de elucidar questes referentes ao tema, poderia fornecer

    subsdios para seu tratamento tanto nos materiais didticos quanto no ensino de E/LE de maneira menos simplista e mais estimuladora da reflexo. o que fao a seguir, apresentando como hipteses iniciais:

    As passivas tanto no PB quanto no Espanhol so estruturas marcadas14, ou seja, os lusofalantes e os hispanofalantes preferem as

    construes ativas.

    As passivas no PB e no Espanhol apresentam tanto tendncias comuns, quanto assimetrias.

    As passivas tanto no PB quanto no Espanhol se relacionam a determinados fenmenos sintticos (transitividade), semnticos

    (papis temticos) e discursivos (funes pragmticas: Foco, Tpico,

    Tema, Rema).

    A incidncia/freqncia de construes passivas na produo em Espanhol dos estudantes brasileiros de E/LE reflete fenmenos

    existentes na lngua materna desses aprendizes. 13 preciso esclarecer que, em Espanhol, com relao transitividade, os verbos so classificados apenas em transitivos e intransitivos, conforme a admisso ou no de um objeto direto. Nas palavras de Alarcos Llorach (1994: 280-81): La posibilidad o imposibilidad de que el verbo admita objeto directo ha sido el criterio de clasificacin de los verbos en transitivos e intransitivos. Cuando la actividad denotada por la raz verbal requiere la especificacin aportada por el sustantivo que funciona como objeto directo, se considera el verbo transitivo; en caso contrario, el verbo es intransitivo. 14 Conforme Crystal (1988: 168), de modo geral, a noo de marcado refere-se presena ou ausncia de um determinado trao lingstico. o caso, por exemplo, do trao formal marcando o plural dos substantivos e adjetivos do Portugus: o plural, portanto, marcado , enquanto que o singular no-marcado. Outras interpretaes da mesma noo so encontradas na literatura do assunto, onde o conceito de presena versus ausncia , todavia, no se aplica muito bem. Uma delas focaliza a freqncia da ocorrncia e define marcado como menos freqente; essa interpretao que adoto neste estudo.

  • 18

    I.2. Acerca das passivas no Espanhol

    A ttulo introdutrio, farei aqui um breve apanhado de alguns estudos

    realizados por gramticos e lingistas acerca das passivas tanto no PB como no Espanhol , com o qual pretendo representar (embora minimamente) a diversidade de perspectivas adotadas na anlise do assunto.

    No Espanhol, a controvrsia comea na prpria caracterizao formal das

    passivas:

    1. Nebrija (apud Lenz, 1935: 112, citado por Fanjul, 1999: 148), afirma que

    (...) el latn tiene tres voces: activa, verbo impersonal, pasiva; el castellano

    no tiene sino solo la activa , ou seja, exclui da lngua espanhola a voz

    passiva.

    2. Segundo Bello (1984: 151), (...) las construcciones en que el verbo tiene un

    complemento acusativo, se llaman activas. Si este complemento pasa a sujeto, y el participio que se deriva del mismo verbo invierte su significado y

    concierta con el sujeto, la construccin es pasiva.

    3. A partir de um enfoque lgico e psicolgico, Gili Gaya (1978: 121-22) afirma

    que a relao lgica entre o sujeito e seu complemento no se modifica ao

    mudar-se a forma gramatical (orao ativa ou passiva); o que se modifica

    o ponto de vista do falante, ao escolher como sujeito o desencadeador ou o

    afetado pela ao.

    4. Para Alarcos Llorach (1970: 90), a voz passiva um accidente no sistema

    verbal do Espanhol. Reconhece, porm, que o Espanhol pode expressar

    contedos passivos, embora estes caream de forma lingstica

    diferenciada na lngua (ibid.: 94). Mais adiante (1970: 127), afirma que o

    valor ativo ou passivo que se identifica numa expresso no depende de

    particulares relaes formais e gramaticais dentro da orao, e sim de

    relaes lxicas. Como estructuras oracionales nos encontramos siempre

    una sola: la de tipo atributivo (1970: 132).

    5. Lzaro Carreter (1981: 61-72), embora elogie a anlise procedida por

    Alarcos Llorach, discorda deste quanto indistino gramatical entre

  • 19

    atribuio e passividade. Segundo Lzaro Carreter, essa indistino vai de encontro conscincia idiomtica do falante-ouvinte, para o qual essas

    entidades se diferenciam nitidamente. Afirma o lingista: Una gramtica

    que no los trate como captulos separados, tiene que resultarle sospechosa

    de error, y dudo de que le resulte convincente la explicacin de que el

    anlisis tiene que prescindir del significado. En todo conflicto entre

    formulacin gramatical y sentimiento espontneo de la lengua, es ste el

    que, por principio, merece mayor confianza.

    6. Em anlise formal detalhada, Barrenechea & Manacorda de Rosetti (1969)

    concluem que (...) la voz pasiva (en la construccin ser + participio) es, en

    el sistema espaol, una categora gramatical por sus caractersticas

    funcionales. Mais adiante, e segundo critrios semelhantes, demonstram

    (ibid.: 93) a existncia da pasiva con se. No mesmo trabalho, as autoras criticam a definio da passiva por alguns gramticos (inclusive a RAE) a

    partir de um (...) criterio psicolgico, atendiendo a las relaciones entre el

    actor, el proceso y el objeto (ibid.: 72).

    Lorenzo (1980: 17-20), por sua vez, d pouca importncia

    caracterizao formal da voz passiva e prefere ressaltar o (...) rico y matizado

    inventario de soluciones (ibid.: 19) de que dispe o Espanhol para construir

    expresses de sentido passivo quando se quer designar uma ao sem agente explcito. A seguir transcrevemos as possibilidades que o autor cita

    (ibid.: 20):

    con verbo auxiliar: (1) El nio fue abandonado. (algum o abandonou)

    (2) El nio qued abandonado.

    (3) El nio estaba abandonado. (haba sido abandonado)

    (4) El nio se vio abandonado./ El nio se sinti abandonado.

    (conscincia do abandono; segundo o autor, isso excluiria uma

    criana pequena)

    (5) Los libros vienen/van acompaados de un apndice.; La venta

    viene/ va condicionada al pago inmediato.

  • 20

    (6) Cinco hectreas fueron inundadas. (implica agente ou inteno);

    Cinco hectreas resultaron/quedaron inundadas.

    (7) Cinco viajeros resultaron/salieron malparados.

    impersonal activa: (8) Al nio lo abandonaron./ Abandonaron al nio.

    pasiva refleja: (9) Se inundaron cinco hectreas./ Se acompaan los libros de un

    apndice.

    pasiva inconclusa: (10) Van rescatadas cinco vctimas.

    nominal: (11) La conquista de Roma. (Roma fue conquistada)

    As construes com sentido passivo como (4) tambm so citadas por

    Fernndez Ramrez (1986: 78). Os verbos que constituem essas perfrases

    (verse, sentirse, hallarse, encontrarse, etc.) so chamados pelo lingista de

    verbos de percepcin en forma reflexiva. A seguir, dou exemplos dessas

    construes, recolhidos de Mendikoetxea (1999:1625):

    (12) Los pisos ms bajos se vieron alcanzados por las llamas.

    (13) Los vecinos se sintieron engaados por las autoridades.

    (14) Toda la comarca se halla afectada por la sequa.

    (15) Los edificios se encuentran daados por la sacudida.

    Para Mendikoetxea (ibid.), as perfrases de particpio com

    quedar/quedarse e resultar (ver (6) e (7)) enfatizam a condio ou estado de

    algo como resultado de uma ao15. Ainda segundo a autora, as construes

    com permanecer destacam no um resultado, porm uma condio ou estado

    vigente:

    (16) Permanecen cerrados los colgios16.

    15 Nesse sentido, Mendikoetxea acrescenta que o uso de quedar tem um significado equivalente a estar em expresses do tipo queda cerrado, queda dicho, etc. 16 Este exemplo da autora, assim como os subseqentes (at o de nmero 28).

  • 21

    Mendikoetxea (ibid.) tambm considera com significado passivo as

    construes de particpio absoluto nas quais o verbo transitivo17: (17) Leda el acta, comenz la reunin.

    Concluindo seu repertrio, Mendikoetxea (ibid.) cita as construes de infinitivo com sentido passivo, subdividindo-as em trs variedades:

    a) complemento de um verbo causativo com se (dejarse, hacerse), que

    inclusive podem ter agente explcito:

    (18) Pedro se dej engaar por su amigo.

    (19) El orador se hizo entender por todo el mundo.

    b) modificador de adjetivo (+ de), nas quais o agente no figura

    explicitamente e interpretado de forma genrica:

    (20) El problema es fcil de resolver.

    (21) Su comportamiento es digno de notar.

    c) modificador de nome (+ a), nas quais se permite a expresso do

    agente:

    (22) Una idea a considerar (por los compromisarios).

    (23) Un proyecto a realizar (por un grupo de arquitectos).

    Apesar das discordncias quanto existncia ou no de uma forma

    prpria para as passivas em Espanhol, h convergncia no que diz respeito

    freqncia de uso de tais estruturas: consenso, entre os gramticos e

    lingistas que consultei, que a lngua espanhola tem uma marcada preferncia

    pela passiva pronominal fato corroborado por diversos estudos quantitativos, como o realizado por Barrenechea & M. de Rosetti (1977) para a voz passiva

    no Espanhol falado em Buenos Aires18 , e que o uso da passiva perifrstica 17 H casos, entretanto, nos quais seriam possveis duas interpretaes, como no exemplo da autora: Hundido el barco, el capitn abandon el lugar. Para esse enunciado, poderamos ter uma interpretao passiva (Una vez fue hundido el barco...) ou inacusativa (Una vez se hundi el barco [por s solo]...). 18 Considerando que j se passaram quase trs dcadas desde a publicao desse estudo, possvel que uma reavaliao do fenmeno aponte mudanas na freqncia de uso das passivas no Espanhol portenho. Igualmente, seria necessrio um estudo que tivesse em conta o aparecimento dessas construes em distintos gneros textuais, entre outras coisas.

  • 22

    relaciona-se a determinados efeitos de sentido e gneros especficos. Kovacci

    (1977: 147), permanecendo no mbito da sintaxe, atribui passiva perifrstica

    um valor expressivo que advm do interesse em destacar-se o sujeito paciente.

    Domnguez & Basso (1994: 131) vo alm do afirmado por Kovacci,

    especificando outros usos e funes das passivas: 1. Aunque el espaol tiene marcada preferencia por la construccin activa, se utiliza

    la pasiva en los siguientes casos: a) cuando queremos destacar el sujeto paciente, b) cuando el sujeto agente es desconocido, o bien c) cuando ste ya es conocido y no hace falta identificarlo.

    2. La pasiva con ser se utiliza preferentemente en el lenguaje escrito, sobre todo en el periodstico, y en relacin con tiempos verbales pasados. El sujeto agente suele mencionarse en estos casos (Ej.: Varios sospechosos han sido detenidos por la polica; La ley de presupuestos fue aprobada por el Parlamento).

    Em estudos mais recentes, percebe-se a preocupao de estudar as

    passivas no apenas do ponto de vista da sintaxe. Mendikoetxea (1999:1621),

    por exemplo, considera que a possibilidade de formar construes passivas

    perifrsticas relaciona-se mais com o lxico que com a transitividade: En realidad el hecho de que los verbos que aparecen en oraciones pasivas perifrsticas sean transitivos se sigue de su aspecto lxico: son verbos que expresan eventos o transiciones, es decir acciones que van de un sujeto nocional a un objeto externo a la accin del verbo. Por ejemplo, un verbo como construir en Los albailes construyeron esta casa expresa una accin del sujeto los albailes cuya culminacin lgica es la casa costruida. El verbo construir expresa un evento (realizacin) que es perfectivo y sintcticamente transitivo como consecuencia de su significado lxico.

    Como reforo sua argumentao, Mendikoetxea (ibid.) cita exemplos de

    construes transitivas cujos verbos possuem objetos cognados19 e, portanto,

    no admitiriam a passiva perifrstica:

    (24) Llorar el llanto de um nio. / *El llanto de un nio es llorado.

    (25) Cantar canciones. / *Canciones son cantadas20.

    19 Segundo a autora, esse tipo de complemento simplesmente uma continuao semntica do verbo. Campos (1999) tambm cita as denominaes objetos internos o objetos tautolgicos. A RAE (1973: 3.5.1c) d exemplos de complementos diretos extrados do prprio significado do verbo, identificando nestes um valor estilstico: Morir una muerte gloriosa; Dormir un sueo tranquilo; Vivir una vida miserable. 20 A autora faz uma ressalva com respeito a cantar: nos casos em que o objeto interno aparece determinado, no h restries passiva: Los invitados cantaron la cancin con mucha emocin. / La cancin fue cantada (por los invitados) con mucha emocin.

  • 23

    Mendikoetxea (ibid.) tambm destaca a proximidade entre as construes

    passivas e as inacusativas, de um ponto de vista discursivo-funcional:

    (26) Juan cerr las puertas. (transitiva)

    (27) Las puertas se cerraron. (inacusativa)

    (28) Las puertas han sido cerradas. (passiva)

    Em (27) e (28)21, o objeto da construo transitiva o ponto de partida do resto do enunciado, a partir do qual se distribui a informao: o sujeito (funo sinttica), o paciente (funo semntica ou papel temtico) e o tema (funo pragmtica ou discursiva). O sujeito/agente/tema da construo

    transitiva passa a uma posio secundria ou suprimido do enunciado22.

    Fanjul (1999: 147), em seu trabalho sobre a verso PB-Espanhol, fala dos

    efeitos de sentido que tem a passiva perifrstica de uma perspectiva discursiva,

    vinculando-a a determinados gneros: La lengua espaola muestra una marcada preferencia por la pasiva con se. El uso de la pasiva perifrstica, que en portugus es tan habitual, en espaol se reduce a contextos muy especficos: titulares de diarios, poesa y otros, y suele tener un matiz dramtico que analizaremos ms adelante.

    Mais adiante (ibid.: 150), amplia suas afirmaes e d exemplos: Violencia, tragedia, ruptura de una orden, suelen ser concomitantes con el uso de dicha estructura en espaol para referirse a seres humanos. (...) No casualmente, la pasiva perifrstica, a veces con elisin del verbo auxiliar, es una de las formas preferidas en los titulares y copetes de la prensa sensacionalista: Familia masacrada por ladrones, El cadver de la viuda fue encontrado en el incinerador y otros por el estilo, resuenan fcilmente en la memoria discursiva del hispanohablante y lo predisponen como receptor para determinados gneros.

    Nos trabalhos mencionados a seguir23, a anlise das passivas est focada

    em seus aspectos semnticos e pragmticos. o caso de Miones & Snchez

    (1999) que, considerando a passiva perifrstica como uma estrutura com 21 Mendikoetxea (ibid.), embora enfatize a proximidade das duas construes quanto funo que desempenham, chama a ateno para as diferenas de significado entre ambas. O exemplo (27), em sua interpretao inacusativa, expressa na lngua uma ao que se produz de forma espontnea sem a interveno de um agente ou causa externa, independientemente de que en el mundo real sea posible atribuir uma causa concreta a la eventualidad que expresa la oracin. Por esse motivo, enunciados como (27) so compatveis com adjuntos do tipo [l/ella] solo/a/os/as, por s mismo/a/os/as, por s solo/a/os/as (Las puertas se cerraron por s solas) e incompatveis com adjuntos agentivos (*Las puertas se cerraron por el director). 22 Este processo denominado detematizao do agente. Ser retomado oportunamente, quando forem tratadas as funes das passivas. 23 Todos eles referentes ao Espanhol escrito. Fao um comentrio breve destes estudos na presente seo, uma vez que sero retomados mais detalhadamente em I.4.

  • 24

    significado e contextos24 de apario especficos no compartilhados com a ativa , realizam uma descrio sinttica dessa passiva que permite caracterizar seus referidos contextos. A hiptese das autoras de que a

    apario das passivas perifrsticas se relaciona a determinadas caractersticas

    dos sintagmas nominais (SN)25 envolvidos no processo verbal: Paciente (com

    alto grau de afetao, alta referencialidade esquerda da estrutura e dotado de

    trao [-humano]) e Agente (com persistncia direita, abrindo cadeia tpica e

    possuidor dos traos [+humano] e [+vontade]). Miones (2000) estuda as

    passivas perifrsticas sem Agente explcito, a partir dos contextos preferenciais

    nos quais este elidido, e tambm com base em aspectos relacionados

    tematizao do Paciente. Barbeito & Miones (2002) dedicam-se s passivas

    pronominais (reflejas ou con se), interessadas sobretudo nas caractersticas do

    Paciente nessas construes.

    Focalizando os aspectos discursivos relacionados ao se, Serrani (1984)

    estuda o funcionamento desse pronome em enunciados impessoais. Serrani,

    nos quatro textos que analisa, preocupa-se com os enunciados nos quais o

    agente no est exposto ao destinatrio, porm oculto ou, ao menos, parcialmente oculto pela generalizao que o se impessoal possibilita a nvel explcito. Para maior clareza, incluo os textos mencionados e um

    comentrio breve das anlises da autora sobre cada um deles:

    1) Texto A: fragmento de carta Buenos Aires Campinas (outubro/1982),

    enviada autora por sua me. O referente geral desse fragmento a

    mudana de colgio do irmo da destinatria: Termin la gran pesadilla: saqu a Marce del Liceo. Cuando me asegur del banco en el otro colegio, busqu a pap. Lo convenc. Fuimos los dos a solicitar el pase. Papi, serio durante todo el tiempo. l piensa que era bueno para el nene. No se le puede reprochar por el momento. Papi no se puede poner nervioso. [ibid.: 149-150; grifo da autora]

    No fragmento em destaque, segundo Serrani (ibid.:151), o se possibilita

    locutora uma generalizao apoiada no bom senso, cuja finalidade evitar qualquer reprimenda ou cobrana por parte da destinatria, sob pena de

    agravar o estado de sade do seu pai. 24 Termo usado pelas autoras. 25 No original, FN: frase nominal.

  • 25

    2) Texto B: fragmento de uma cano do autor catalo Joan Manuel

    Serrat, na qual se reproduzem expresses comuns do discurso cotidiano na

    relao entre pais e filhos: Esos locos bajitos que se incorporan/ con los ojos abiertos de par en par, / sin respeto al horario ni a las costumbres,/ y a los que por su bien hay que domesticar, / Nio, deja ya de joder con la pelota./ (...)/ Nio, que eso no se dice, / que eso no se hace, / que eso no se toca. [ibid.: 152; grifos da autora]

    Nas expresses sublinhadas, de acordo com a autora (ibid.:153), o locutor

    evita coibir seu interlocutor de maneira direta, como autor explcito da

    proibio: ele o faz por meio do uso de construes se-verbo, as quais

    exprimem uma generalizao de costumes; e por serem esses costumes endossados pela sociedade, torna-se mais difcil para o interlocutor perguntar

    o porqu, o motivo das proibies. Portanto, de uma perspectiva

    argumentativa, Serrani (ibid.) considera que as construes eso no se dice, eso

    no se hace e eso no se toca correspondem, em realidade, a: no digas eso, no

    hagas eso e no toques eso.

    3) Texto C: dilogo entre uma freguesa (F) e uma vendedora (V),

    ocorrido numa loja de roupas de Buenos Aires (setembro/1982):

    F: Buenos das. Busco un pantaln de pao azul, finito, de corte recto, sencillo... V: Ahora se usan stos. F: S, pero... V: Se llaman baggies. F: S, ya s, gracias. Pero yo quera de los ms angostos. V: (Sem olhar para a freguesa e fixando a vista nas calas baggies) No, no hay. Ahora se usan as. [ibid.: 153; grifos da autora]

    Neste caso, o uso das construes se-verbo propiciam vendedora uma

    generalizao fundamentada na moda. Para Serrani (ibid.: 154), ao argumentar explcita e categoricamente com base na uniformidade do vestir

    (ahora se usan estos; ahora se usan as), a vendedora no se prope a uma

    real interlocuo; ao contrrio, constitui-se como agente exclusivo, eliminando

    qualquer possibilidade de resposta por parte da freguesa.

    4) Texto D: fragmento de carta, cujas condies de produo coincidem

    com as de A: Espero no tomes a mal lo que voy a escribir, pero que no hayas hecho (X) por no haber tenido dinero me preocup mucho. Que salgas, que disfrutes, te compres cosas y viajes est muy bien, pero que no tengas nada ahorrado est muy mal. La verdad

  • 26

    que me doli mucho. Creo que tenas otra escuela en casa. Hasta en los momentos ms crticos siempre pudimos responder porque si se gana 20, se guardan 5. [ibid.: 154; grifos meus]

    Para Serrani (ibid.: 154), a indeterminao do sujeito nas expresses com

    se no absoluta, e tem sua extenso semntica delimitada pelo prprio

    contexto lingstico: a circunstncia de lugar en casa e a desinncia verbal em

    pudimos restringem o hbito famlia da autora da carta. A construo com

    se, segundo Serrani (ibid.), funciona dando um tom proverbial ao discurso, porque o costume apresentado como modelo de conduta: caso a destinatria faa uma leitura de acordo com a estratgia argumentativa

    proposta pela autora da carta, esse modelo dificilmente ser questionado.

    Serrani (ibid.: 155-156) classifica os discursos presentes nos textos

    analisados como do tipo autoritrio26, nos quais as construes se-verbo exprimem generalizaes associadas ao bom senso (A), ao costume (B),

    moda (C) e a um tom proverbial (D) apoiado na tradio. A autora (ibid.)

    conclui que o funcionamento discursivo do se nesses discursos elimina a

    participao do destinatrio na constituio semntica dos textos, bloqueando

    uma real interao por meio da linguagem; em suma, as construes se-verbo

    analisadas so, na realidade, mascaramentos de ordens que o locutor quer

    impor ao seu destinatrio. Finalizando, preciso salientar que, em momento

    algum do seu trabalho, Serrani faz referncia natureza passiva ou ativa dos

    enunciados que analisou: preocupou-se unicamente com seu aspecto

    impessoal. Apesar disso, comentei a anlise da autora porque alguns dos

    enunciados que cita e examina poderiam funcionar como construes passivas

    (por exemplo, Ahora se usan stos [pantalones] (ibid.: 153)) para as quais

    seriam vlidas, portanto, as concluses apresentadas.

    Alguns dos estudos aos quais me refiro ao longo desta seo fazem

    referncia explcita ao carter marcado das passivas no Espanhol. E, em se

    tratando da passiva perifrstica, pode-se dizer que uma estrutura ainda mais

    marginal. Entretanto, a mera observao da lngua espanhola em

    funcionamento nos revela que a passiva perifrstica parece ter encontrado um

    terreno profcuo: os gneros textuais associados informao, especialmente 26 Segundo tipologia de Orlandi (1978 e 1980).

  • 27

    aqueles presentes nos meios de comunicao escrita (jornais, revistas, pginas

    web, folhetos, etc.). H lingistas que enxergam no fenmeno uma influncia

    negativa do Ingls no Espanhol, e por isso mesmo recomendam a restrio do

    uso da passiva nessas situaes. o caso de Lorenzo (1980:19), ao afirmar:

    Vistos los hechos como fenmenos supraculturales, es indudable que la preponderancia actual del ingls amenaza, como hemos sealado repetidas veces, el equilibrio funcional alcanzado por estas lenguas que en mayor o menor grado estn sometidas a su influencia. As, en lo que atae al espaol, donde la frmula ser + participio causa serias ambigedades que no hemos hecho ms que apuntar, la ignorancia o el apresuramiento de los traductores (tanto los de libros, como los de cine y televisin) condena al ostracismo o al olvido a una gran parte del rico inventario de soluciones de que dispone el espaol para reflejar la omnipresente inglesa to be + participio, hasta tal punto, que la reciente frmula to be + being + participio (the house is being built) que resuelve a menudo la ambivalencia de the house is built, se hace cada da ms frecuente en espaol, que dispona ya de la casa es construida, estn construyendo la casa y la casa la estn construyendo, se construye la casa, para adoptar el calco la casa est siendo construida, atestiguable incluso en escritores de notable correccin acadmica.

    Opinio semelhante tem Romero Gualda (1996:38-39), em sua obra

    sobre o Espanhol nos meios de comunicao:

    La traduccin del ingls al castellano, muy frecuente y necesaria en la actividad periodstica, ha trado al espaol bastantes construcciones que, sin ser absolutamente extraas a nuestro sistema lingstico, s seran menos frecuentes sin esa influencia extranjera. Sabemos que el castellano tiene preferencia por la expresin activa y de ah todas las complejas formas presididas por el pronombre SE a las que acudimos cuando no podemos transformar un complemento agente en sujeto: Las tierras son abandonadas = Se abandonan las tierras, Los estudiantes son ayudados con becas = Se ayuda a los estudiantes con becas; no quiere decir esto que no puede usarse la voz pasiva en espaol pues es un recurso expresivo ms al que no debe renunciar el periodista sino que debe emplearlo bien. Han de evitarse traducciones del tipo: Ha sido decidida por el claustro la ampliacin del periodo de exmenes [mejor, el claustro ha decidido la ampliacin del periodo de exmenes], o alguna ms admirable e impensable como la citada por Manuel Seco: En Palestina, un anciano falleci despus de haber sido disparado.

    Talvez haja exagero nas palavras de Lorenzo quanto ao ostracismo e ao

    esquecimento do rico y matizado inventario de soluciones alternativas

    passiva perifrstica no Espanhol, dado que o autor no apresenta dados

    quantitativos que corroborem sua afirmao. Romero Gualda, por sua vez,

    parece dar ao tema um tratamento exclusivamente prescritivo: aponta usos

    pouco habituais da passiva que, sendo estrangeirismos, no refletem o buen

  • 28

    empleo da estrutura e por isso devem ser evitados. A autora no entra em

    detalhes sobre o que considera o bom uso das passivas, porm fica claro que est mais preocupada com a observao da norma que com uma reflexo

    sobre os usos, valores e freqncias dessas construes na lngua espanhola,

    bem como sobre os efeitos de sentido que produzem.

    Pensando sobre essas e outras questes relativas s passivas, o

    caminho que considero mais recomendvel fazer uma descrio acurada

    (quantitativa e qualitativa) das passivas no Espanhol a partir de amostras de

    uso da lngua em textos autnticos, buscando identificar nelas padres lexicais

    e sintticos referentes ao objeto de anlise. No me foi possvel faz-la neste

    trabalho nem para o Espanhol, nem para o PB; apenas o corpus de aprendizes

    brasileiros de E/LE foi descrito e analisado conforme esses critrios.

    Entretanto, a ttulo de ilustrao, comento o estudo que fiz em Arajo Jnior

    (2004:261-277)27, ao descrever e explicar, atravs da Lingstica de Corpus

    (LC), os usos passivos do verbo pensar no Espanhol. A razo de escolha

    desse verbo deveu-se ao fato de o mesmo admitir tanto construes transitivas

    quanto intransitivas. Ademais, o verbo em questo parecia ser bastante

    produtivo em construes intransitivas (El hombre es un animal que piensa; El

    director nunca piensa sobre los problemas; Me ha dicho que piensa en m

    todos los das) e em outras que usualmente no admitem passivizao (Pienso

    que deberas volver a tu pas; Pienso marcharme ahora mismo), o que me

    levava a supor, em princpio, uma baixssima incidncia de passivas. Utilizei

    como corpus de referncia o CREA28 e, aps analisar as concordncias para

    27 Este estudo foi realizado como trabalho de aproveitamento da disciplina do mestrado Introduo Lingstica de Corpus e posteriormente selecionado para publicao na Crop (Revista da rea de Lngua e Literatura Inglesa e Norte-Americana do DLM/ FFLCH USP). 28 Corpus de Referencia del Espaol Actual, projetado e mantido pela Real Academia Espaola (RAE), com um total de 134.571 documentos e aproximadamente 150 milhes de palavras. Est disponvel para consulta gratuita no site http://corpus.rae.es/creanet.html . Na composio desse corpus entraram textos completos tanto escritos (90%) quanto orais (10%) , coletados a partir de 1975. Tambm no intuito de garantir um quadro representativo da lngua espanhola no mundo, o CREA reserva 50% dos textos para a variante peninsular e dedica os outros 50% para as demais variantes (especialmente as americanas). No intuito de oferecer maior flexibilidade na obteno de dados, o CREA est estruturado em diferentes mdulos, o que torna possvel que as consultas se refiram totalidade dos textos ou unicamente queles que satisfaam determinados critrios selecionados pelo usurio, por exemplo: CRONOLGICOS (trabalhar com apenas uma faixa temporal, por exemplo, de 1980 a 1990); GEOGRFICOS (trabalhar com uma s variante); MEIO (optar por textos publicados em jornais); TEMTICOS (escolher entre textos de fico, cientficos, artsticos, etc.). Apesar dessas vantagens, o sistema apresenta limitaes referentes quantidade de documentos recuperveis que est limitada a 2000 , assim como

    Cdigo de campo alterado

  • 29

    todas as consultas e agrupar os dados29, encontrei os seguintes padres para

    os particpios de pensar:

    (1) [ser + particpio (pensado/a/os/as)], incluindo a conjugao de ser com

    tempos simples (Muchos de los pisos modernos fueron pensados para los

    que viven solos.) e com tempos compostos (Este manual ha sido pensado para iniciantes.);

    (2) [verbo + infinitivo de ser + particpio (pensado/a/os/as)] (Nada de esto pudo

    ser pensado por la generacin precedente.) ;

    (3) [estar + particpio (pensado/a/os/as)], incluindo a conjugao de estar com

    tempos simples (Todas sus decisiones estn pensadas para favorecer a

    los inversionistas.) e com tempos compostos [apenas 1 ocorrncia: (...) los

    centros de reunin de estas personas han estado pensados

    (arquitectnicamente) para estas actividades (...) ];

    (4) [verbo + infinitivo de estar + particpio (pensado/a/os/as)] (Sus obras

    parecen estar pensadas para un pblico ms exigente.);

    (5) [verbo (diferente de ser e estar) + particpio (pensado/a/os/as)] (La

    propuesta viene pensada desde hace mucho.);

    (6) particpio (pensado/a/os/as) com sentido passivo (Es una exposicin

    pensada para ser itinerante.); (7) [tener + particpio (pensado/a/os/as)] (No son exactamente las vacaciones

    que tenamos pensadas.);

    (8) advrbio mal + particpio (pensado/a/os/as), equivalente a um adjetivo

    (Qu mal pensada! );

    (9) advrbio menos + particpio (pensado/a/os/as), equivalente a um adjetivo

    (El da menos pensado te van a echar del trabajo.).

    quantidade de exemplos, restrita aos primeiros 1000 de cada consulta. No caso de uma consulta para a qual o nmero de documentos/exemplos exceda o limite, o sistema oferece a possibilidade de filtragem (por documentos ou por casos), de maneira que o usurio tenha uma amostra representativa. 29 Trabalhei apenas com a variante peninsular em enunciados escritos, porm sem restries cronolgicas, de meio ou de tema. Tambm restringi minha pesquisa e anlise s passivas com particpio, excluindo assim as pronominais. Optei por excluir as pronominais porque teria sido necessrio incorporar anlise as estruturas impessoais (que muitas vezes se confundem com as passivas pronominais), aumentando em muito o escopo do trabalho.

  • 30

    As ocorrncias de cada padro podem ser visualizadas na figura 1:

    Os padres (7), (8) e (9) no foram considerados por mim como sendo

    estruturas passivas. No caso de (7), a estrutura tener + particpio expressa uma

    idia prxima aos tempos compostos (haber + particpio), porm com um matiz

    de concretude que enfatiza o resultado da ao30 : Antes de esa intervencin mdica, Gallagher estaba planeando su retorno. El msico tena pensado ofrecer una gira por el Reino Unido e Irlanda antes de iniciar su visita al resto de Europa. [CREA/Espaa: La Vanguardia, 16/06/1995 (PRENSA), Tema 04: Msica]

    Embora o padro (7) contenha um particpio com sentido passivo, no

    considero a construo como sendo passiva: ao cotej-la com os padres

    anteriores (1 a 6), em todos eles o agente ou suprimido ou aparece no final do enunciado; inclusive, pode-se apontar a ausncia de protagonismo dessa

    entidade como caracterstica das passivas. No caso de (7), a presena de um

    particpio com sentido passivo no faz com que o sujeito/agente seja eliminado

    ou transferido para a posio final; nesse sentido, (7) est mais prximo das

    construes transitivas.

    30 Nesse sentido, podemos consider-la como uma perfrase de resultado, como o fazem alguns autores como Matte Bon (1995:101). Tal perfrase no exclusiva do verbo pensar, ocorrendo com a maioria dos verbos, especialmente os transitivos. Apesar de esse padro estar fora do nosso escopo, vale a pena ressaltar que o mesmo ocorre 160 vezes no corpus de estudo, em torno de 5% das incidncias; se considerssemos o uso de tener com outros particpios, esse percentual seria ainda maior. Por isso mesmo, parece-nos curioso que essa estrutura esteja ausente dos livros didticos de E/LE, uma vez que parece ser bastante utilizada na lngua espanhola, como revela o corpus.

    5718

    190

    6 4

    301

    160

    3282

    050

    100150200250300350

    [ 1 ] [ 2 ] [ 3 ] [ 4 ] [ 5 ] [ 6 ] [ 7 ] [ 8 ] [ 9 ]

    Figura 1: Padres observados e suas ocorrncias no corpus

  • 31

    Os padres (8) e (9) possivelmente continham traos passivos na origem,

    porm atualmente so expresses adjetivas (ou atributivas) fossilizadas, que

    integram o repertrio fraseolgico da lngua espanhola. No caso de (8), a

    expresso mal pensado/a/os/as pode ser traduzida como desconfiado/a,

    malicioso/a, maldoso, que pensa mal de algo/algum, e ocorre junto a

    nomes ou como atributo: Quien sabe, a lo mejor es para tapar todo lo que salga mal, o para ocultarse de la mirada severa del seor ministro que tiene las riendas de la economa. O puede ser, y ser un simple error, que hay que ver qu mal pensada es la gente. [CREA/Espaa: ABC, 24/12/1983 (PRENSA), Tema 03: Poltica]

    Em se tratando de (9), menos pensado/a/os/as aparece freqentemente

    com palavras relacionadas a tempo (preferencialmente com da) para indicar

    que o fato ao qual nos referimos ocorrer de maneira inesperada31 : Ya no podemos negar la existencia del SIDA, ya que no es posible seguir ocultando la cabeza como dicen que hace el avestruz, preferimos creernos que por "arte de magia", el da menos pensado, la pesadilla habr concluido. [CREA/Espaa: 1987, Lorenzo, Ricardo; Anabitarte, Hctor; Tema 06: Salud]

    Nas 82 incidncias de (9), a expresso menos pensado/a/os/as apresenta

    o mesmo comportamento: acompanha invariavelmente um nome. Portanto,

    devido a esse notrio carter adjetival, no considero (9) uma construo

    passiva.

    Com a excluso dos padres (7), (8) e (9), restaram-me 576 ocorrncias

    de passivas no corpus. Um resultado surpreendente, se levadas em conta

    minhas hipteses iniciais, porm dentro do esperado ao pensarmos na

    freqncia de ativas e passivas: uma estimativa para as formas ativas do verbo

    pensar, tambm atravs de pesquisas no CREA32, fornece aproximadamente

    28.346 casos; portanto, uma conta simples nos revela percentuais de 98%

    31 O padro (9) ocorre 82 vezes no corpus de estudo (cerca de 2,6% das incidncias). Portanto, vale aqui o mesmo comentrio feito anteriormente para tener + particpio: apesar da freqncia considervel, esse padro no aparece nos livros didticos consultados. curioso que tampouco esteja registrado no dicionrio RAE (2001) ou em outros consultados, como o VOX (1997) e o Clave (2000); a nica exceo foi o Mara Moliner (2001). 32 Para essa pesquisa, utilizamos formas lematizadas do verbo (piens*, pensab*, pensar* e pensas*) e em alguns casos tivemos que entrar com as prprias formas do verbo (pensamos, pensis, pens, etc.). Isso se deveu ao fato de que o corpus de referncia no dispe de uma verso marcada morfologicamente, que nos permitisse selecionar apenas as formas verbais (excluindo automaticamente as no verbais, como pensamiento/s, pensador/a/es/as, pensativo/a/os/as, pensin, pensionista/s, etc).

  • 32

    para as ativas e apenas 2% para as passivas com particpio, o que vem ratificar

    o carter da passiva como uma estrutura marcada. Vale recordar que nesse

    estudo no foi investigada a passiva pronominal (com o pronome se, ou pasiva

    refleja) com pensar. certo que, caso fossem computadas as pronominais,

    aumentaria o percentual de passivas no corpus; ainda assim, tal acrscimo

    pouco afetaria os resultados, j que a preferncia dos hispanofalantes parece ser mesmo pelas construes ativas33. Dessa forma, o manejo de um corpus

    de referncia possibilitou-me tanto a confirmao de hipteses j lanadas

    sobre o assunto, quanto a revelao de novos padres de uso das passivas.

    I.3. Acerca das passivas no PB

    Os estudos sobre as passivas realizados por lingistas brasileiros foram

    centrados menos na forma que nos valores e usos dessas estruturas. Said Ali

    (1971:176-177), ao tratar o assunto, assim escreve:

    O sujeito de verbo transitivo pode ser considerado no somente como ponto donde parte a ao, mas ainda como o ponto para o qual a ao se dirige; e neste segundo caso se empregar o verbo no particpio do pretrito combinado com o auxiliar ser. Diz-se ento que o verbo denotador da ao est na voz passiva, e que o sujeito paciente, como nesta frase a ave foi ferida pelo caador; e chama-se, pelo contrario, voz ativa, com sujeito agente, conjugao simples, como em o caador feriu a ave. Por extenso, diz-se que est na voz ativa, ou que tem forma ativa, todo o verbo usado nos diversos tempos e modos de conjugao simples.

    At este ponto, nada distinto do que consta nas gramticas e livros

    didticos de lngua portuguesa editados no Brasil. Entretanto, logo aps essa

    definio, Said Ali (ibid.:177) apressa-se em esclarecer que tal classificao,

    embora facilite o estudo das formas34, nem por isso se harmoniza sempre

    33 Pode-se comprov-lo pelo estudo realizado por Barrenechea & Manacorda de Rosetti (1979:65) para o Espanhol falado em Buenos Aires, para o qual as ativas ocorrem em 97,81% dos casos. Como se pode ver, tais resultados esto muito prximos aos que obtivemos com a anlise dos dados do CREA, para a variante peninsular. 34 Grifo meu.

  • 33

    com a significao do verbo. Ento d exemplos de verbos intransitivos

    (padecer, adoecer, morrer, envelhecer, durar) nos quais no se revela (...)

    nenhuma atividade da parte do sujeito. E conclui:

    So atos que nele se consumam, estados pelos quais passa, sem que para isso concorra o seu esforo. A condio do sujeito aqui a de paciente. Estoutros intransitivos, ainda que tenham forma ativa, aproximam-se pois, quanto significao, antes dos transitivos passivos que dos transitivos ativos.

    Na verdade, nem precisaramos nos limitar aos verbos intransitivos: o PB

    possui muitos verbos que, na forma ativa, tm um sujeito cujo papel temtico

    no o de agente35 na frase Joo odeia engarrafamento, o sujeito (Joo) no desencadeia o processo (da no ser agente/desencadeador), mas sim

    afetado por ele. Ao falar do carter passivo de determinados verbos usados na

    forma ativa, Said Ali inclui o significado e, portanto, a semntica, no tratamento

    das passivas. Apesar dessa reflexo importante, nas gramticas e livros

    didticos de lngua portuguesa cuja nfase na forma, conforme j comentei ainda se busca, ao que parece, separar a sintaxe da semntica. Vejamos o que diz Bechara (1976: 105):

    preciso no confundir voz passiva e passividade. Voz a forma36 especial em que se apresenta o verbo para indicar que a pessoa recebe a ao: Ele foi visitado pelos amigos. / Alugam-se bicicletas. Passividade o fato de a pessoa receber a ao verbal. A passividade pode traduzir-se, alm da voz passiva, pela ativa, se o verbo tiver sentido passivo: Os criminosos recebem o merecido castigo. Portanto nem sempre a passividade corresponde a voz passiva.

    A anlise semntica o destaque no estudo que Massoni & Martim

    (1985) fizeram sobre as passivas com ser no PB (a partir da Teoria de Casos

    de Fillmore37), no qual afirmam que (...) a passiva um problema sinttico-

    semntico, onde esto implicadas as relaes entre o predicador e os

    argumentos, na frase como um todo (ibid.: 49). Segundo as autoras, a

    35 o caso, por exemplo, dos verbos psicolgicos. Na definio de Canado (2002: 94), os verbos psicolgicos so aqueles que denotam um estado emocional e tm, obrigatoriamente, um argumento experienciador. Alguns dos verbos classificados pela autora como psicolgicos: admirar, adorar, desejar, respeitar, odiar, etc. 36 Grifo meu. 37 As autoras no indicam a data de publicao do trabalho de Fillmore.

  • 34

    transformao passiva s poder ser aplicada a uma orao que contenha pelo

    menos dois argumentos, sendo que o argumento sujeito dever ter o trao [+atividade] (que no implica necessariamente a presena do trao [+animado]:

    O vento abriu a porta transforma-se sem problemas em A porta foi aberta pelo

    vento) e o argumento complemento dever ser afetado por essa ao ([+afetado]). Massoni & Martim (ibid.) tambm analisam problemas referentes

    transitividade, em alguns casos apontada por elas como uma condio

    insuficiente para a converso de uma ativa numa passiva. Dessa maneira,

    enunciados como:

    (1) Meu pai tem dois carros.

    (2) O cavalo abanou o rabo.

    tm verbos transitivos (ter e abanar), porm, se convertidos em passivas, resultam agramaticais:

    (3) *Dois carros so tidos por meu pai.

    (4) *O rabo foi abanado pelo cavalo.

    Ou seja, alm da transitividade, as caractersticas semnticas do

    predicador e dos seus argumentos precisam ser levadas em conta. No caso de

    (2), o agente e o paciente representam uma nica entidade referencial, j que

    rabo representa uma parte inalienvel de cavalo; um predicado nessas condies bloqueia a construo passiva.

    Camara (1989: 187-188), ao tratar as construes passivas, parece

    preocupar-se com o seu funcionamento no apenas sinttico, mas tambm

    discursivo. Vejamos o seguinte fragmento:

    (...) a essncia da voz passiva (sob qualquer de suas formas) o realce do processo ativo em detrimento do agente, que omitido ou esporadicamente includo no predicado. O lugar de sujeito, que ele ocupa na voz ativa, preenchido pelo paciente (quando o verbo transitivo), ou fica vago num tipo de voz impessoal de forma passiva, que justifica a velha frase do etnlogo ingls Condrington, j assinalada neste sentido por Trombetti: o que mais se aproxima de um verbo passivo um verbo ativo usado impessoalmente (Trombetti, 1923: 291).

    Ou seja, Camara considera como caracterstica das passivas a tendncia

    omisso do agente (figura esporadicamente, fica vago ou simplesmente

    desaparece da expresso). Ora, numa passiva, a presena de um agente

  • 35

    (como foco, por exemplo) ou seu apagamento (seja intencional ou no), assim

    como o alamento de um paciente, so questes que muitas vezes extrapolam

    os limites da orao e devem ser pensadas a partir do discurso. Da mesma

    forma, a ambigidade entre as estruturas passivas e as impessoais (tambm

    mencionada por Camara) pode ser mais bem interpretada de um ponto de vista

    discursivo.

    Camacho (2000) adota perspectiva idntica de Camara, num estudo no

    qual estabelece distines funcionais entre as passivas e as impessoais.

    Nesse trabalho, reconhece a existncia de duas construes de voz em

    Portugus: voz passiva e voz impessoal. Assim as define (ibid.: 217-18): (...) A passiva, tambm chamada analtica, constituda por auxiliar, em qualquer um de seus tempos verbais, e um particpio passado, seguido ou no de um SP agentivo.

    A impessoal, tambm chamada passiva sinttica, constituda pela frmula verbo na 3 pessoa da forma ativa combinada com o pronome se, na chamada funo de apassivador, que como tradicionalmente se qualifica o cltico, quando se reporta a um sujeito de 3 pessoa que, na representao lingstica, no figura como Sujeito ativo.

    Portanto, Camacho (ibid.) apresenta uma definio pouco distinta daquela

    presente nas gramticas tradicionais. Contudo, problematiza esse conceito ao

    afirmar que nem todas as construes impessoais contm o se, cuja

    eliminao acompanha a perda de clticos j atestada no PB38. O autor ilustra

    com exemplos do PB oral39:

    (5) faz esse refogado e pe tomate, um ou dois tomates (D2-POA-

    291:129)

    (6) ento, naquele arroz mexe, quebra dois ovos a e, e depois ento

    comprime esse arroz num pirex (D2-POA-291)

    Camacho (ibid.) tambm comenta que o argumento nico do predicado na

    construo impessoal nem sempre se comporta como sujeito real: alm de ocupar uma posio destinada ao objeto, nem sempre se mantm a

    38 Para a perda de clticos, o autor cita os trabalhos de Kato & Tarallo (1986). 39 Os exemplos (5) e (6) foram extrados do corpus compartilhado do Projeto de Gramtica do Portugus Falado, que consiste numa amostragem do material coletado pelo Projeto da Norma Urbana Culta (Nurc)/Brasil, gravado com informantes cultos procedentes de Recife, Salvador, Rio de Janeiro, So Paulo e Porto Alegre.

  • 36

    codificao morfossinttica que regula o comportamento nominativo prprio do

    sujeito40. Afirma o lingista: Cria-se, assim, uma espcie de voz ativa impessoal indeterminadora, em que o argumento Paciente no recebe funo de Sujeito, cuja posio fica marcada formalmente pela presena do cltico se.

    Em seu estudo, Camacho (ibid.) proporciona uma caracterizao

    semntica e pragmtica das construes passiva e impessoal, a partir dos

    fatores detransitividade, impessoalidade e topicalidade41. No mbito da semntica, aponta como correlao significativa entre as construes passiva e

    impessoal o fato de ambas estarem fortemente condicionadas pela presena

    de um verbo de Ao, em detrimento de predicados de Processo, Posio e

    Estado. Para esse autor, um aspecto semntico importante que distingue

    essas duas construes est associado transitividade: a estrutura ativo-

    transitiva se mantm na construo impessoal, aliviando a restrio motivada

    pela necessidade de distino entre os participantes, que prpria da passiva.

    Conforme exemplo fornecido pelo autor:

    (7) a. Joo levantou o brao.

    b. ?O brao foi levantado por Joo.

    Camacho (ibid.) afirma que os argumentos (Joo e brao) representam a mesma entidade (j que brao constitui uma parte inalienvel de Joo) e, portanto, possuem grau baixo ou nulo de distintividade42. Para o lingista, a

    conseqncia mais evidente dessa propriedade semntica para a organizao

    sinttica o bloqueio da construo passiva (7b), o que no se aplica

    construo impessoal:

    (8) levantou-se muito o brao na assemblia para votar tantas

    propostas.

    40 Por exemplo, a concordncia. Nessas construes, muito freqente a perda da concordncia entre a forma verbal e o sujeito. 41 Nas palavras do autor, topicalidade a atribuio da funo de Tpico a um argumento no-Agente. O termo tpico, usado pelo autor, est conforme a teoria funcional de Simon Dik (1989); neste trabalho, para essa funo, uso o termo tema, de acordo com a definio de M. A.K. Halliday (1976). Igualmente, chamo de tematizao o que Camacho define por topicalidade. 42 Ver comentrio sobre exemplo (4), neste captulo.

  • 37

    Ainda no campo da semntica, Camacho (ibid.) considera a construo

    passiva prototipicamente sensvel promoo de entidades afetadas

    posio de Sujeito/Tpico e detransitividade do predicado verbal, e no

    necessariamente impessoalidade do Agente. Segundo o autor, nesse

    aspecto, as impessoais so taxativas e no permitem a manifestao formal de

    um SN agentivo. Isso mostrado a partir dos exemplos:

    (9) a. Joo quebrou o vidro da janela.

    b. O vidro da janela foi quebrado (por Joo).

    c. O vidro da janela (se) quebrou (?por Joo).

    Em termos pragmtico-discursivos, Camacho (ibid.) afirma que a

    preferncia pela construo passiva motivada pela determinao pragmtica

    de constituir um Tpico, o que no se aplica impessoal, em que o processo

    apresentado em si mesmo, independentemente de uma entidade que lhe

    sirva de referncia.

    Em sua anlise das construes com se, Indursky (1993) considera o

    funcionamento do cltico como uma fronteira entre a sintaxe e o discurso43.

    Segundo a autora, a nica marca formal que distingue o se apassivador (alugam-se casas, que fornece a parfrase passiva casas so alugadas) do

    se indeterminador44 (aluga-se casas) a concordncia verbal, que se faz no primeiro caso e no no segundo45. Nas construes transitivas em que o verbo

    e o SN esto no singular (vive-se uma situao de pnico na periferia carioca),

    a concordncia verbal perde esta propriedade opositiva e o se passvel de

    receber uma dupla interpretao: tanto pode ser apassivador como

    indeterminador. A autora analisa alguns enunciados para corroborar essa

    43 Indursky analisa primeiramente as construes com se , do ponto de vista da sintaxe, segundo os parmetros da Teoria de Regncia e Ligao de Chomsky. Na seqncia, coteja essa anlise formal do se com uma interpretao discursiva. 44 Aqui preciso comentar que na nomenclatura gramatical brasileira as construes com se sem sujeito explcito se classificam como indeterminadas e no impessoais, como acontece no Espanhol. 45 A autora endossa o que normalmente aparece nas gramticas normativas e em muitos estudos sobre a relao entre as construes passivas e as impessoais: a concordncia verbal usada nesse caso como critrio de distino entre uma e outra como no estudo de Barrenechea & Manacorda de Rosetti (1979) sobre as passivas no Espanhol falado em Buenos Aires. Embora facilite a classificao das estruturas com se em passivas ou impessoais, tal critrio no isento de problemas, admitindo-se que no PB muito freqente a perda de concordncia entre o verbo e o SN nas construes com o pronome se.

  • 38

    afirmao, dos quais tomamos um como exemplo, extrado de um artigo escrito

    por Fernando Henrique Cardoso46:

    (10) Os casos [de violncia e corrupo] so tantos e to freqentes

    que se est criando um clima de susto, de descrena.

    A interpretao do se como apassivador pode ser parafraseada como:

    (10) a. Um clima de susto, de descrena est sendo criado.

    Para Indursky (ibid.), esta leitura do se permanece nos limites da orao e

    somente pe em evidncia a forma verbal cuja voz passiva. Outra anlise

    pode ser feita a partir da parfrase:

    (10) b. Algum est criando um clima de susto, de descrena.

    De acordo com Indursky (ibid.), esta segunda leitura pe em relevo que o

    agente da ao est indeterminado e (...) instiga o leitor a questionar o texto

    para preencher a lacuna produzida pelo pronome indeterminador: se algum

    est criando tal clima, quem esse algum?. Dessa forma, ao interpretarmos

    o se como pronome apassivador, resolveramos questes prprias da sintaxe

    (projeo de argumentos, atribuio de casos e papis temticos) e no

    haveria espao para refletir sobre a indeterminao, pois embora o agente no

    se realize lexicalmente, seu papel temtico fica preservado ao ser absorvido

    por se. Por outra parte, ao interpretar o se como indeterminador,

    ultrapassamos essa fronteira para refletir a partir do discurso e as questes

    passam a ser outras: se o agente indeterminado est implcito no texto, se est

    elidido, se o cotexto nos d pistas de como recuper-lo ou se temos que busc-

    lo fora dos limites textuais. Entretanto, h lingistas que rejeitam a classificao do se como

    pronome apassivador. o caso, por exemplo, de Said Ali (apud Bagno, 2000:

    219), que atribui ao se a funo de sujeito nas ditas passivas pronominais:

    46 O ttulo do artigo Crime e Castigo, e foi publicado na Folha de So Paulo, p. 1.2, de 01/08/91. Cf. Indursky (op. cit.), nesse artigo o autor examina os sintomas de degenerescncia da sociedade brasileira.

  • 39

    (...) se fizermos abstrao da gramtica e, procedendo unicamente anlise

    psicolgica, consideramos que os termos psicolgicos s tm que ver com as

    idias que as palavras atualmente simbolizam. Segundo Bagno (ibid.: 220),

    hoje no lugar de gramtica, escreveramos sintaxe, e no lugar de anlise

    psicolgica , escreveramos anlise semntica. Para Bagno, enquanto Said

    Ali tenta reunir os critrios sinttico e o semntico no estudo do problema, os gramticos prescritivistas se equivocam exatamente por ir na direo oposta:

    alm de separar esses dois critrios no momento de classificar a partcula se,

    menosprezam tambm os aspectos pragmticos do fenmeno. Bagno (ibid.) ilustra sua afirmao citando o comentrio de Monteiro acerca do par Fuma-se

    aqui/Fuma-se charuto aqui:

    Ensinam os gramticos que, na primeira orao, o sujeito est indeterminado, ao passo que na segunda o termo charuto que desempenha esta funo. O paradoxo por demais evidente: quando afirmam que o sujeito de fuma-se aqui indeterminado, utilizam um critrio semntico, uma vez que o SE interpretado como referente a algum ( que no queremos ou no podemos nomear ); quando, por outro lado, dizem que o sujeito de fuma-se charuto aqui charuto, lanam mo de um critrio sinttico, baseado na predicao e na regra de concordncia.

    Na seqncia, Bagno (ibid.) destaca a relevncia do critrio semntico

    para uma anlise adequada das construes com se :

    O aspecto semntico sistematicamente desprezado pelos normativistas que, em todas as oraes deste tipo, os verbos presentes so sempre verbos que s podem ser praticados por um sujeito com trao semntico [+humano]. S seres humanos podem fumar, assim como em aluga-se salas, joga-se bzios, vende-se ovos, avia-se receitas, amola-se facas etc., todos os verbos exigem (alm de um bvio objeto direto) um sujeito [+humano]. E essa poderosa evidncia semntica que leva os falantes a manter esses verbos no singular, fazendo eles concordarem com o sujeito indeterminado, indicado na superfcie do enunciado pelo cltico SE.

    Portanto, nas construes com se , o autor defende a interpretao do

    pronome como um recurso de que a lngua dispe para indicar a

    indeterminao do sujeito; tambm rejeita categoricamente a interpretao do

    cltico como ndice de passiva, e considera inadequadas as denominaes se apassivador, passiva sinttica e passiva pronominal. Mais adiante, Bagno

    (ibid.: 221-222) ressalta o carter marcadamente nominativo do se no PB, ao

  • 40

    ponto de os falantes s o admitirem como acusativo em construes na voz

    reflexiva e predominantemente quando o sujeito apresenta o trao [+ animado]

    (A atriz olhou-se no espelho antes de subir ao palco); em razo disso, o autor

    aponta o freqente apagamento do se em construes como A porta se

    fechou (A porta fechou), O vaso se quebrou (O vaso quebrou), nas quais os

    sujeitos so [-animados]47.

    Duarte (1990), aps fazer uma anlise funcional das passivas do PB e do

    Ingls, conclui que a funo bsica das passivas nessas lnguas est

    diretamente ligada ao processo de destituio ou obliterao do sujeito/agente,

    que passa a designar como a funo de detematizao do sujeito/agente; tal processo se d por meio da omisso do agente (O traficante foi detido) ou da

    recodificao do mesmo seja realizado atravs de sintagma preposicional em posio de foco sentencial (O traficante foi detido por agentes federais),

    seja realizado pelo cltico nas passivas pronominais (Prendeu-se o traficante);

    outra funo apontada pela autora a tematizao, (...) ilustrada nas passivas

    em que um no AGENTE promovido para a posio inicial, temtica (ibid.:

    164).

    Moino (1989) inova ao estudar as passivas no PB do ponto de vista da

    sociolingstica. Na primeira parte de sua anlise, faz uma breve descrio dos

    distintos tipos de passivas de particpio atravs do modelo de Regncia e

    Vinculao de Chomsky. Na segunda parte, dedica-se a constatar a

    distribuio dessas construes nos discursos oral e escrito, assim como as

    estratgias formais para substituio das mesmas; para tanto, adota o modelo

    sociolingstico variacionista e fundamenta-se nos trabalhos de Labov e

    Tarallo.

    Moino (ibid.:36) divide as passivas de particpio em dois grupos: as

    passivas sintticas e as passivas lexicais. As passivas sintticas so formadas

    por uma perfrase de verbo ativo em geral ser mais particpio (Os 47 Segundo Bagno, so as construes chamadas pelos normativistas de pseudo-reflexivas, nas quais um sujeito [-animado] pratica uma ao que incide sobre si mesmo (as palavras pratica e ao entre aspas so mostra da evidente ironia do autor acerca das definies da gramtica normativa, que julga muitas vezes inadequadas). Bagno tambm refora sua afirmao dando exemplos de verbos que podem suscitar construes reflexivas com se , quando o sujeito [+animado] (Lusa se desligou do partido em 199