tese 394 crime ambiental – poluiÇÃo – atividade ... · setor de recursos extraordinários e...

38
OBS: Na jurisprudência citada, sempre que não houver indicação do tribunal, entenda- se que é do Superior Tribunal de Justiça. Índices Ementas – ordem alfabética Ementas – ordem numérica Índice do “CD” Tese 394 CRIME AMBIENTAL – POLUIÇÃO – ATIVIDADE POTENCIALMENTE POLUIDORA – PERIGO ABSTRATO. O crime tipificado no artigo 60 da Lei nº 9.605/98 é de perigo abstrato ou presumido, bastando, para sua caracterização, que o agente pratique a atividade potencialmente poluidora sem a licença ambiental, não havendo necessidade de comprovação do perigo concreto.

Upload: trinhanh

Post on 08-Feb-2019

230 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

OBS: Na jurisprudência citada, sempre que não houver indicação do tribunal, entenda-se que é do Superior Tribunal de Justiça.

Índices Ementas – ordem alfabética Ementas – ordem numérica Índice do “CD”

Tese 394 CRIME AMBIENTAL – POLUIÇÃO – ATIVIDADE POTENCIALMENTE

POLUIDORA – PERIGO ABSTRATO.

O crime tipificado no artigo 60 da Lei nº 9.605/98 é de perigo abstrato ou

presumido, bastando, para sua caracterização, que o agente pratique a

atividade potencialmente poluidora sem a licença ambiental, não havendo

necessidade de comprovação do perigo concreto.

Setor de Recursos Extraordinários e Especiais Criminais

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE

DA SEÇÃO CRIMINAL DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO

DE SÃO PAULO

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, nos autos do

Habeas Corpus n. 2081376-52.2015.8.26.0000, da Comarca de Mogi das

Cruzes, em que é paciente ROGÉRIO COMI, vem perante Vossa Excelência,

com fundamento no artigo 105, III, alíneas “a” e “c”, da Constituição da

República, artigo 255, § 2o, do RISTJ, artigo 26 da Lei nº 8.038/90 e artigo 541

e § único do Código de Processo Civil, interpor RECURSO ESPECIAL para o

Colendo Superior Tribunal de Justiça, do acórdão de fls. 489/495, da C. 12ª

Câmara Criminal do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, pelos

motivos adiante aduzidos:

1. A HIPÓTESE EM EXAME

ROGÉRIO COMI foi denunciado perante o Juizado Especial Criminal da

Comarca de Mogi das Cruzes, como incurso no artigo 60, da Lei 9.605/98,

porquanto, entre os meses de setembro e dezembro de 2010, em Brás Cubas -

SP, Comarca de Mogi das Cruzes, fez funcionar posto de revenda de

combustíveis, estabelecimento potencialmente poluidor, sem autorização dos

órgãos ambientais competentes (fls. 16/17).

Concluído o sumário de culpa, o acusado foi condenado, como incurso

no artigo 60, caput, da Lei 9.605/98, a um mês de prisão simples, convertida

em prestação pecuniária, correspondente ao valor de um salário mínimo (fls.

263).

Inconformado, interpôs recurso de apelação e, em 17 de dezembro de

2014, a 3ª Turma Recursal Cível e Criminal do Colégio Recursal de Mogi das

Cruzes, por unanimidade, negou provimento ao recurso (fls. 295/296).

Foram opostos Embargos de Declaração, os quais foram rejeitados (fls.

305/308).

O acusado interpôs recurso extraordinário (fls. 442/446), não admitido na

origem. Contra essa decisão, foi apresentado agravo de instrumento.

Em 3 de junho de 2015, conhecido o agravo interposto, foi-lhe negado

provimento (fls. 447/448), razão pela qual o paciente ingressou com Agravo

Regimental (fls. 449).

Oferecida reclamação, perante o Superior Tribunal de Justiça, contra a

decisão proferida pela C. Turma Recursal (fls. 450/463), foi indeferida

liminarmente, pendendo de julgamento agravo regimental pela Suprema Corte

(fls. 464/467)

Embora o mérito da causa já tivesse sido examinado pelas Instâncias

Ordinárias, o ora paciente ingressou com habeas corpus perante o E. Tribunal

de Justiça de São Paulo aduzindo atipicidade da conduta e erro na dosimetria

da pena, tendo a C. 12ª Câmara Criminal concedido a ordem para trancar a

ação penal por atipicidade da conduta, nos termos do voto da Desembargadora

relatora, Angélia de Almeida, a seguir transcrito:

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus nº 2081376-

52.2015.8.26.0000, da Comarca de Mogi das Cruzes, em que é paciente ROGERIO

COMI, Impetrantes ALBERTO ZACHARIAS TORON, FERNANDO DA NÓBREGA

CUNHA e MICHEL KUSMINSKY HERSCU, é impetrado 3ª TURMA CÍVEL E

CRIMINAL DO COLÉGIO RECURSAL DE MOGI DAS CRUZES.

ACORDAM, em 12ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São

Paulo, proferir a seguinte decisão: "por votação unânime, conheceram da impetração e

concederam a ordem para reconhecer a atipicidade da conduta e a ausência de justa

causa, não podendo prevalecer a condenação do ora paciente Rogério Comi.", de

conformidade com o voto da Relatora, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores VICO MAÑAS

(Presidente sem voto), PAULO ROSSI E AMABLE LOPEZ SOTO.

São Paulo, 1 de julho de 2015.

Angélica de Almeida

Relatora

Assinatura Eletrônica

Voto 28.176

Habeas Corpus n. 2081376-52.2015.8.26.0000 - Mogi das Cruzes

Processo n. 0004656-72.2010.8.26.0091 - 3ª Turma Cível e Criminal do Colégio

Recursal Impetrantes - Alberto Zacharias Toron - Fernando da Nóbrega Cunha -

Michel Kusminsky Herscu

Paciente - Rogério Comi

Os ilustres advogados Alberto Zacharias Toron, Fernando da Nóbrega Cunha e

Michel Kusminsky Herscu, apontando como autoridade coatora a Terceira Turma Cível

e Criminal do Colégio Recursal da Comarca de Mogi das Cruzes, impetram o presente

habeas corpus, em favor de Rogério Comi, visando o trancamento da ação penal, em

razão da atipicidade da conduta. Alegam que, no julgamento do apelo, foi mantida a

condenação, não obstante reconhecido que o auto posto estaria de acordo com as

exigências da CETESB, ausente formalidade de licença definitiva, no momento da

fiscalização, posteriormente emitida sem qualquer ressalva. Defendem que, crime de

perigo concreto, necessário comprovar o potencial de poluir, por meio de prova pericial.

Acrescentam que a posterior concessão da licença ambiental definitiva

descaracteriza o delito. Subsidiariamente, pleiteiam a aplicação da pena de multa,

menos gravosa, vez que o acórdão, ora impugnado, reconheceu o cabimento da pena

mínima. Sustentam que a pena foi fixada, acima do mínimo, apesar de reconhecida a

ausência de circunstâncias judiciais negativas, de agravantes ou de causa de aumento

(fls. 1/14). Acompanham os documentos de fls. 15/309.

A autoridade judicial impetrada prestou informações (fls. 316/319),

acompanhadas da documentação de fls. 320/419.

A d. Procuradoria Geral de Justiça opina pelo não conhecimento da impetração (fls.

421/432).

Apresentados memoriais (fls. 435/437) e petição (fls. 438/441), acompanhada da

documentação de fls. 442/479.

É o relatório.

O paciente Rogério Comi foi denunciado, em 4 de setembro de 2012, como

incurso no artigo 60, da Lei 9.605/98, porquanto, entre os meses de setembro e

dezembro de 2010, em Brás Cubas - SP, Comarca de Mogi das Cruzes, teria feito

funcionar estabelecimento potencialmente poluidor, sem autorização dos órgãos

ambientais competentes.

Em 16 de maio de 2014, o paciente foi condenado, como incurso no artigo 60,

caput, da Lei 9.605/98, a um mês de prisão simples, convertida em prestação pecuniária,

correspondente ao valor de um salário mínimo.

Interposto apelo, em 17 de dezembro de 2014, a 3ª Turma Recursal Cível e

Criminal do Colégio Recursal de Mogi das Cruzes, por unanimidade, negou provimento

ao recurso.

Em 4 de março de 2015, foi negado provimento aos embargos de declaração

opostos.

Segundo as informações prestadas, interposto recurso extraordinário, foi-lhe

negado seguimento. Contra essa decisão, foi apresentado agravo de instrumento.

De acordo com os memoriais de fls. 435/437 e a petição de fls. 438/441, assim

como, com a documentação de fls. 442/479, o recurso extraordinário, não recebido,

versa sobre matéria diversa, da ora tratada. Em 3 de junho de 2015, conhecido o agravo

interposto, foi-lhe negado provimento. Oferecida reclamação, perante o Superior

Tribunal de Justiça, contra a decisão, proferida pela C. Turma Recursal, foi indeferida

liminarmente, pendendo de julgamento agravo regimental.

A Constituição de 1988 trouxe novos paradigmas ao estabelecer de modo

expresso um leque de garantias, que assegura direitos fundamentais. Garantias essas que

não constituem mera declaração de direito. Na realidade, dão efetividade ao direito

garantido.

Entre outros direitos fundamentais, a Constituição Brasileira assegura o habeas

corpus - ação constitucional autônoma de impugnação, ação popular gratuita, que visa

garantir a liberdade.

Trata-se de instrumento de tutela da ameaça, mesmo que remota, da liberdade da

pessoa. Instrumento ainda de controle da persecução penal, na medida em que limita a

atuação do poder do Estado.

Dispõe o artigo 5º, LXVIII, que o habeas corpus será concedido sempre que

alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de

locomoção ou abuso de poder.

O habeas corpus tem perfil garantista. Ao mesmo tempo garantia, constitui

instrumento que assegura a liberdade, assim como, direitos fundamentais que dela

emanem. Protege o direito fundamental da liberdade contra toda espécie de ilegalidade,

coação ou abuso de poder do agente do Estado.

Como garantia constitucional, não se esgota na tutela direta e imediata do direito

de ir e vir. Resguarda outros direitos, que emanam do direito de locomoção. Presta-se a

remover, de pronto, ou evitar, atos manifestamente ilegais.

Nem mesmo a previsão de recurso específico impede a impetração de habeas

corpus, desde que a ilegalidade tenha respaldo em prova pré-constituída (TJSP. HC

2078473-44.2015.8.26.0000, rel. desª Angélica de Almeida, j. 10.06.2015). Basta

conferir precedentes apontados pela presente impetração - Supremo Tribunal Federal

(RCH n. 123711, rel. min. Dias Toffoli, DJ. 14.11.2014; HC 113.103, rel. min. Ricardo

Lewandowski, DJ. 11.4.2013); Superior Tribunal de Justiça (HC 77.703, relª. minª.

Laurita Vaz DJ 29.6.2007; RHC 20.624, rel. min. Gilson Dipp, DJ 19.03.2007).

Assim sendo, em que pesem as respeitáveis ponderações firmadas pelo parecer

ministerial, conhece-se da impetração.

O acórdão da 3ª Turma Recursal Civil e Criminal do Colégio Recursal de Mogi

das Cruzes, por votação unânime, manteve a condenação do ora paciente pelo delito

previsto no artigo 60, da Lei 9.605/98.

A sentença monocrática, confirmada pelos seus próprios fundamentos, pela 3ª

Turma Recursal, reconheceu, ante a ausência de autorização para o funcionamento do

posto de gasolina, configurado o delito previsto no artigo 60, da Lei 9.605/98.

De conformidade com a lição de Vladimir e Gilberto Passos de Freitas, constitui

potencialmente poluidora atividade que possa causar degradação ambiental, isto é,

“alteração adversa das características do meio ambiente.” Embora ressalve duas

hipóteses em que dispensável a perícia, aponta para a necessidade da perícia para

atestar que o estabelecimento construído é potencialmente poluidor (Crimes contra a

Natureza, 8ª. ed. rev. atual. ampl. SP:RT, 2000, p. 229/230).

“Esta Corte possui entendimento jurisprudencial no sentido de que para

configuração do delito previsto no art. 60, da Lei nº 9.605/98, o tipo penal exige de

forma concomitante, o desenvolvimento de atividade potencialmente poluidora sem a

correspondente licença ambiental, o que somente pode ser verificado através de

perícia. Salienta que o fato de ser exigida a licença ambiental não pode gerar a

presunção de que a atividade desenvolvida pelo acusado seja potencialmente

poluidora” (STJ - AgRg no Rec. Esp. 1.411.354-RS - rel. Min. Moura Ribeiro,

19.8.2014 - v.u.).

Ausente demonstração de elementar do tipo, ou seja, atividade potencialmente

poluidora, não se pode ter caracterizado o delito em razão da ausência de licença ou

autorização do órgão ambiental competente.

Verifica-se dos autos que não há laudo da perícia que ateste a potencialidade

poluidora do posto de gasolina em questão.

Mais do que tudo, a autorização ou licença posteriormente concedida deve ser

levada em conta, inclusive, para evidenciar que a atividade se desenvolvia de forma

regular.

O bem protegido pela norma incriminadora é o meio ambiente e, uma vez

ausente prova da potencialidade poluidora do estabelecimento em questão, não há falar

em conduta típica.

Assim sendo, configurada a atipicidade da conduta cabe reconhecer a ausência

de justa causa, não podendo prevalecer a condenação do ora paciente.

Diante do exposto, por votação unânime, conheceram da impetração e

concederam a ordem para reconhecer a atipicidade da conduta e a ausência de justa

causa, não podendo prevalecer a condenação do ora paciente Rogério Comi.

desª Angélica de Almeida

relatora

Ao decidir pela atipicidade da conduta por entender que o crime é de

perigo concreto e exige perícia para demonstração do perigo causado pela

atividade comercial, a douta Câmara Julgadora, além de contrariar o disposto

no artigo 60 da Lei n. 9.605/98, divergiu de decisão prolatada pelo C. Tribunal

de Justiça de Pernambuco, autorizando, pois, a interposição deste recurso,

com amparo nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional.

2. CONTRARIEDADE AO ARTIGO 60 DA LEI N. 9.605/98

De início cumpre registrar que a matéria fática foi exaustivamente

examinada pelas Instâncias Ordinárias que concluíram: a) pela tipicidade da

conduta; b) estar demonstrada autoria e materialidade delitivas; c) que a prova

autoriza a condenação do recorrido.

Não obstante, em sede de habeas corpus, o recorrido pleitou novo

exame dos fatos, em verdadeira “segunda apelação” no que foi atendido pela

douta Câmara julgadora.

Tanto é verdade, que para conceder a ordem de trancamento da ação

penal, o v. acórdão analisou a prova e a valorou para, no final, concluir que não

demonstrado o perigo concreto, in verbis:

“A sentença monocrática, confirmada pelos seus próprios fundamentos,

pela 3ª Turma Recursal, reconheceu, ante a ausência de autorização para o

funcionamento do posto de gasolina, configurado o delito previsto no artigo 60,

da Lei 9.605/98.

(...)

Ausente demonstração de elementar do tipo, ou seja, atividade potencialmente

poluidora, não se pode ter caracterizado o delito em razão da ausência de

licença ou autorização do órgão ambiental competente.

Verifica-se dos autos que não há laudo da perícia que ateste a potencialidade

poluidora do posto de gasolina em questão.

Mais do que tudo, a autorização ou licença posteriormente concedida

deve ser levada em conta, inclusive, para evidenciar que a atividade se

desenvolvia de forma regular (fls. 495).

Entretanto, o exame aprofundado do mérito, após sentença

condenatória, confirmada pela Segunda Instância, não pode ser feito em

sede de habeas corpus.

Nesse sentido a lição de GUILHERME DE SOUZA NUCCI:

“Habeas corpus e exame de mérito: incompatibilidade. A ação de

impugnação (habeas corpus) não se destina a analisar o mérito de uma

condenação ou a empreender um exame acurado e minucioso das provas

constantes dos autos. É medida urgente, para fazer cessar uma coação ou

abuso à liberdade de ir, vir e ficar” (Código de Processo Penal Comentado, 12.

Ed., RT, 2013, p. 1131).

Novo exame da prova só poderia ser feito em sede de Revisão Criminal,

desde que demonstradas as hipóteses do artigo 621 do Código de Processo

Penal, jamais por meio do habeas corpus que, segundo entendimento

pacificado nos Tribunais Superiores, não pode substituir a Revisão Criminal.

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. NÃO CABIMENTO. TRÁFICO

DE DROGAS. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ART. 33, §

4º, DA LEI N. 11.343/2006. INAPLICABILIDADE. DEDICAÇÃO A

ATIVIDADE CRIMINOSA. REVOLVIMENTO FÁTICO-

PROBATÓRIO. PRECEDENTES. 1. O Supremo Tribunal Federal e o

Superior Tribunal de Justiça, em recentes decisões, não têm mais

admitido a utilização do habeas corpus como sucedâneo do meio

processual adequado, seja o recurso ou a revisão criminal, salvo em

situações excepcionais, o que aqui não se constata. 2. As instâncias

ordinárias afirmaram a impossibilidade de incidência da benesse, tendo

em vista as evidências concretas de que o paciente se dedicava a

atividade criminosa. Tal circunstância, nos termos do dispositivo legal

em apreço, impede a diminuição da pena na terceira fase da dosimetria.

3. A despeito das alegações defensivas, importa lembrar que adotar

conclusão diversa, no sentido de que o paciente não se dedicava a

práticas delituosas, demandaria a incursão em aspectos fático-

probatórios, providência que é incabível nesta via estreita. 4. Agravo

regimental improvido (AgRg no HC 315370 / MS, Relator Ministro

SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, Julgamento 30/06/2015,

DJe 04/08/2015).

Feito o registro, passemos a demonstrar a contrariedade a dispositivo de

Lei Federal.

Dispõe o artigo 60 da Lei n. 9.605/98:

Art. 60. Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em

qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços

potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos

ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e

regulamentares pertinentes:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa, ou ambas as penas

cumulativamente.

Trata-se de norma penal em branco, pois necessita de norma inferior

para apontar quais seriam os estabelecimentos, obras ou serviços

potencialmente poluidores.

A complementação foi feita por meio do Regulamento n. 997, de 31 de

maio de 1976, aprovado pelos Decretos n. 8.468, de 8 de setembro de 1976 e

47.397, de 04 de dezembro de 2002, que expressamente aponta os

estabelecimentos potencialmente poluidores, in verbis:

Regulamento n. 997, de 31 de maio de 1976.

(...)

Artigo 57 - Para efeito de obtenção das Licenças Prévia, de Instalação e

de Operação, consideram-se fontes de poluição:

(...)

XII - comércio varejista de combustíveis automotivos, incluindo postos

revendedores, postos de abastecimento, transportadores revendedores

retalhistas e postos flutuantes;

Pois bem, a legislação estadual, que complementa a legislação

ambiental federal, expressamente prevê que o comércio varejista de

combustíveis automotivos, incluindo os postos de abastecimento, são fontes de

poluição.

Em decorrência, o delito tipificado no artigo 60 da Lei n. 9.605/98, é de

perigo abstrato, independendo de qualquer demonstração, quer por perícia,

quer por outra espécie de constatação, do perigo concreto.

A respeito a remansosa doutrina:

“Potencialmente poluidor é algo que tenha a possibilidade (capacidade)

de causar poluição. Aqui também visou o Legislador, como no art. 54, qualquer

espécie ou natureza de poluição ou natureza de poluição: poluição do solo,

hídrica ou das águas, atmosférica, térmica, sonora, etc.; só que, no art. 54, há

que se causar a efetiva poluição, para que o agente seja punido, ao passo que,

no presente artigo, basta a possibilidade (a potencialidade) de poluição gerada

pelo estabelecimento, obra ou serviço do infrator (....). Consumação: com a

exposição da sáude humana ou do meio ambiente natural a perigo

abstrato...(...) É necessária a comprovação da potencialidade poluidora do

estabelecimento, serviço ou obra que o infrator põe em funcionamento; não há

necessidade de se comprovar que a saúde humana, a fauna ou a flora foram

diretamente expostas a perigo, no lugar ou região em que se situa a obra, o

serviço ou o estabelecimento: basta provar-se a potencialidade poluidora da

atividade do agente, pois os riscos à saúde humana e ao meio ambiente

natural são presumidos a partir dessa potencialidade” (CARLOS ERNANI

CONSTANTINO. Delitos Ecológicos. 3. Ed., Lemos & Cruz, 2005. p. 235-237 –

destaques no original).

Na mesma linha a lição do Desembargador paulista e jurista

GUILHERME DE SOUZA NUCCI:

“Classificação: é crime comum (pode ser cometido por qualquer pessoa);

mera conduta (independe da ocorrência de resultado naturalístico, consistente

na efetiva produção de poluição, que, ainda assim, seria uma probabilidade de

dano); de forma livre(pode ser cometido por qualquer meio eleito pelo agente),

comissivo(os verbos implicam em ações); instantâneo (a consumação se dá

em momento determinado) no geral, porém permanente (a consumação se

prolonga no tempo) na modalidade de ‘fazer funcionar’; de perigo abstrato

(presume-se prejuízo ao meio ambiente, caso as condutas do tipo sejam

praticadas)...” (Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, v. 2, 8. ed.,

Gen/Forense, 2014, p. 653, destaquei).

Ainda:

“Classificação. Crime comissivo; comum; de ação múltipla ou de

conteúdo variado; de forma livre, de mera conduta; de perigo abstrato; doloso;

instantâneo, podendo ser permanente na modalidade ‘fazer funcionar’ (RT

823/730) plurissubsistente e unissubjetivo” (RENATO MARCÃO. Crimes

Ambientais, 1. Ed., Saraiva, 2011, p. 473, destaquei).

“O delito é crime de perigo abstrato, pois a só colocação em

condições ilegais o configura” (NICOLAO DINO DE CASTRO E COSTA NETO

et. al. Crimes e Infrações Administrativas Ambientais. Brasília Jurídica. 2001, p.

346, destaquei).

“Perigo. O crime é de perigo; não são estabelecimentos que causem a

poluição (dano), mas sim perigo (potencial poluição); trata-se de medida

preventiva, punindo-se, desde logo, a ameaça de dano que é atingida pelo

perigo potencial” (VALDIR SZNICK. Direito Penal Ambiental. Ícone Editora,

2001, p. 416, destaquei).

No mesmo sentido a jurisprudência das Turmas Recursais do Rio

Grande do Sul:

Ementa: APELAÇÃO CRIME. DELITO CONTRA O MEIO

AMBIENTE. ARTIGO 60DA LEI 9.605 /98. INSTALAÇÃO E

FUNCIONAMENTO DE ATIVIDADE POTENCIALMENTE

POLUIDORA. INEXISTÊNCIA DE LICENCIAMENTO

AMBIENTAL. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. SENTENÇA

CONDENATÓRIA MANTIDA. Acusados que, sem possuírem

licença ambiental da Secretaria Municipal do Meio Ambiente,

constroem e colocam em funcionamento estabelecimento

potencialmente poluidor destinado ao processamento de produtos

metálicos, praticam o crime ambiental previsto no art. 60 da Lei nº

9.605 /98, que é de perigo abstrato, prescindindo-se, pois de

comprovação do dano concreto. RECURSO IMPROVIDO.

(Recurso Crime Nº 71004478731, Turma Recursal Criminal,

Turmas Recursais, Relator: Cristina Pereira Gonzales, Julgado

em 21/10/2013).

Assim, ao decidir que a conduta típica do artigo 60 da Lei n. 9.605/98 é

de perigo concreto e exige efetiva perícia para sua demonstração, o v. acórdão

contrariou citado preceito infraconstitucional.

3. DO DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL – DECISÃO PARADIGMA DO

DISSÍDIO

No julgamento da Apelação Criminal (NPU) n. 0072450-

46.2007.8.17.0001, 3ª Câmara Criminal, rel. Desembargador Nivaldo Mulatinho

de Medeiros Correia Filho, j. 16.12.2011, DJe 09.01.2012, extraído do site

http://www.tjpe.jus.br/jurisprudencia-tjpe, que ora se oferta como paradigma

(cópia anexa, cuja autenticidade é declarada pelo subscritor, nos termos do

artigo 365, III, do CPC), o E. Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco

decidiu:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO

CRIMINAL. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE -

POLUIÇÃO (ART. 60 DA LEI Nº 9.605/1998).

PRELIMINAR DE NULIDADE FACE INAPTIDÃO DA

DENÚNCA OU INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO.

DESCABIMENTO. ABSOLVIÇÃO POR CONDUTA

ATÍPICA OU ANTE A FALTA DE PROVA SUFICIENTE À

CONDENAÇÃO DO APELANTE. IMPOSSIBILIDADE.

PENA MÁXIMA APLICADA NÃO EXCEDE 01 (UM) ANO

DE DETENÇÃO. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS.

POSSIBILIDADE DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO

PROCESSO. NEGAR PROVIMENTO. I – In casu, não

cabe declarar nulidade em face da inépcia da denúncia,

posto que a mesma trouxe elementos suficientes para

indicar o cometimento dos crimes pelo apelante e pelo

segundo denunciado, individualizando as condutas de

cada um. II - Também, descabe declarar nulidade ante a

alegação de incompetência do juízo processante,

mormente porque é consagrado o entendimento de que

a absolvição em relação ao crime de competência da

Justiça Comum não tem o condão de retirar a

competência desta quanto ao crime de menor potencial

ofensivo, tendo em vista a aplicação da regra da

perpetuatio jurisdictionis. Nesse sentido: HC

200700989865, JORGE MUSSI, STJ - QUINTA TURMA,

23/08/2010. III-A transação penal é instituto

despenalizador de natureza pré-processual, que resta

precluso com o oferecimento da denúncia, com o seu

recebimento sem protesto, bem como com a aceitação

da proposta de suspensão condicional do processo. E,

pois, no caso sub judice a possibilidade de transação

penal precluiu com o recebimento da denúncia sem

protesto, por se tratar de instituto pré-processual. IV-O

art. 60 da Lei 9.605/1998 é crime de perigo abstrato ou

presumido, bastando, para a sua caracterização, que o

agente pratique uma das condutas ali elencadas, o que

ocorreu no caso presente, não sendo necessária a

comprovação do perigo concreto, prescindindo-se,

pois, do exame pericial. V-O conjunto probatório

encontra-se harmônico, existindo, pois, provas

documentais e testemunhais que apontam para o

apelante a prática da conduta criminosa tipificada na

regra ínsita do art. 60 da Lei nº 9.605/1998.VII - O

apelante foi condenado por crime cuja pena máxima

não excede 01 (um) ano de detenção, além de ser réu

primário e não estar respondendo a nenhum outro

feito, consoante indicado nas certidões insertas às fls.

174 e 369, bem como na sentença monocrática. VIII-

Recurso improvido. Decisão unânime (TJ-PE - APL:

724504620078170001 PE 0072450-46.2007.8.17.0001,

Relator: Nivaldo Mulatinho de Medeiros Correia Filho,

Data de Julgamento: 16/12/2011, 3ª Câmara Criminal,

Data de Publicação: 06).

Transcreve-se o v. acórdão:

3.1. DEMONSTRAÇÃO ANALÍTICA DE SEMELHANÇA

Como se verifica pela transcrição ora feita, é evidente o paralelismo

entre os casos tratados no r. julgado trazido à colação e a hipótese decidida

nos autos: nos dois processos houve decisão sobre a espécie de perigo

previsto no tipo do artigo 60 da Lei n. 9.605/98; porém, as soluções aplicadas

apresentam-se opostas.

Segundo o teor do v. acórdão impugnado:

“O acórdão da 3ª Turma Recursal Civil e Criminal do Colégio Recursal

de Mogi das Cruzes, por votação unânime, manteve a condenação do ora

paciente pelo delito previsto no artigo 60, da Lei 9.605/98.

A sentença monocrática, confirmada pelos seus próprios fundamentos,

pela 3ª Turma Recursal, reconheceu, ante a ausência de autorização para o

funcionamento do posto de gasolina, configurado o delito previsto no artigo 60,

da Lei 9.605/98.

De conformidade com a lição de Vladimir e Gilberto Passos de Freitas,

constitui potencialmente poluidora atividade que possa causar degradação

ambiental, isto é, “alteração adversa das características do meio ambiente.”

Embora ressalve duas hipóteses em que dispensável a perícia, aponta para a

necessidade da perícia para atestar que o estabelecimento construído é

potencialmente poluidor (Crimes contra a Natureza, 8ª. ed. rev. atual. ampl.

SP:RT, 2000, p. 229/230).

“Esta Corte possui entendimento jurisprudencial no sentido de que para

configuração do delito previsto no art. 60, da Lei nº 9.605/98, o tipo penal exige

de forma concomitante, o desenvolvimento de atividade potencialmente

poluidora sem a correspondente licença ambiental, o que somente pode ser

verificado através de perícia. Salienta que o fato de ser exigida a licença

ambiental não pode gerar a presunção de que a atividade desenvolvida pelo

acusado seja potencialmente poluidora” (STJ - AgRg no Rec. Esp. 1.411.354-

RS - rel. Min. Moura Ribeiro, 19.8.2014 - v.u.).

Ausente demonstração de elementar do tipo, ou seja, atividade

potencialmente poluidora, não se pode ter caracterizado o delito em razão da

ausência de licença ou autorização do órgão ambiental competente.

Verifica-se dos autos que não há laudo da perícia que ateste a

potencialidade poluidora do posto de gasolina em questão.

Mais do que tudo, a autorização ou licença posteriormente concedida

deve ser levada em conta, inclusive, para evidenciar que a atividade se

desenvolvia de forma regular.

O bem protegido pela norma incriminadora é o meio ambiente e, uma

vez ausente prova da potencialidade poluidora do estabelecimento em questão,

não há falar em conduta típica.

Assim sendo, configurada a atipicidade da conduta cabe reconhecer a

ausência de justa causa, não podendo prevalecer a condenação do ora

paciente.

Enquanto para o paradigma:

“O apelante, em suas razões (fls. 330-340), pugna pela absolvição,

sustentando não haver provas nos autos relativamente à existência de perigo,

que segundo ele, seria imprescindível para a caracterização do delito tipificado

no comando normativo estatuído no art. 60 da Lei n. 9.605/98, pelo qual foi

condenado.

Nenhuma razão assiste ao recorrente, pois, ao contrário do que foi

alegado por ele, da elementar leitura do dispositivo aludido retro, infere-se que

se cuida de crime de perigo abstrato ou presumido, bastando, para a

configuração do delito, que a conduta do agente esteja subsumida em um dos

verbos previstos no referido artigo, o que ocorreu no caso presente. Ressalte-

se que não é necessária a comprovação do perigo concreto, prescindindo-se,

pois, do exame pericial”.

Portanto, enquanto para o r. julgado recorrido: Ausente demonstração

de elementar do tipo, ou seja, atividade potencialmente poluidora, não se pode

ter caracterizado o delito em razão da ausência de licença ou autorização do

órgão ambiental competente.

Verifica-se dos autos que não há laudo da perícia que ateste a

potencialidade poluidora do posto de gasolina em questão

Já para o v. acórdão paradigma: “ao contrário do que foi alegado por

ele, da elementar leitura do dispositivo aludido retro, infere-se que se cuida de

crime de perigo abstrato ou presumido, bastando, para a configuração do

delito, que a conduta do agente esteja subsumida em um dos verbos previstos

no referido artigo, o que ocorreu no caso presente. Ressalte-se que não é

necessária a comprovação do perigo concreto, prescindindo-se, pois, do

exame pericial”.

Nítida, pois, a semelhança das situações cotejadas e manifesta a

divergência de soluções.

Sendo assim, mais correta, a nosso ver, a solução encontrada pela

decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco.

4. RAZÕES DO PEDIDO DE REFORMA DA DECISÃO RECORRIDA

Ante o exposto, demonstrados fundamentadamente a negativa de vigência à lei

federal e o dissídio jurisprudencial, aguarda o MINISTÉRIO PÚBLICO DO

ESTADO DE SÃO PAULO seja deferido o processamento do presente

RECURSO ESPECIAL por essa Egrégia Presidência, bem como seu ulterior

conhecimento e provimento pelo Superior Tribunal de Justiça, para que seja

cassada a decisão impugnada, restabelecendo-se a condenação do recorrido

ROGÉRIO COMI.

São Paulo, 10 de agosto de 2015.

JORGE ASSAF MALULY

PROCURADOR DE JUSTIÇA

JAIRO JOSÉ GÊNOVA

PROMOTOR DE JUSTIÇA

DESIGNADO-