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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS - MG Instituto de Ciências da Natureza Curso de Geografia Bacharelado Giovanni Andreas Oliveira Território da Fé: Análise da Formação e Territorialização do Circuito Turístico Religioso Brasileiro do Vale do Paraíba. Alfenas - MG 2015

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Page 1: Território da Fé: Análise da Formação e Territorialização ...2015 . Giovanni Andreas Oliveira Território da Fé: Análise da Formação e ... desse relatório os resultados

UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS - MG

Instituto de Ciências da Natureza

Curso de Geografia – Bacharelado

Giovanni Andreas Oliveira

Território da Fé: Análise da Formação e

Territorialização do Circuito Turístico Religioso

Brasileiro do Vale do Paraíba.

Alfenas - MG

2015

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Giovanni Andreas Oliveira

Território da Fé: Análise da Formação e

Territorialização do Circuito Turístico Religioso

Brasileiro do Vale do Paraíba.

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado como parte dos

requisitos para obtenção do título de

Bacharel em Geografia pelo

Instituto de Ciências da Natureza da

Universidade Federal de Alfenas-

MG, sob orientação do Prof. Dr.

Evânio dos Santos Branquinho.

Alfenas – MG

2014

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Dedico este pequeno trabalho ao legado

de fé, simplicidade e honestidade de meus

avós maternos Benedito Damazzo de

Oliveira e Vicentina Francisca de Oliveira

aos quais devo tudo que sou.

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Agradecimentos

Ao fim desta etapa, quero agradecer primeiramente a Deus e a Nossa Senhora

da Conceição Aparecida, rainha e padroeira do Brasil, aos quais sempre recorri nos

momentos de dificuldades.

Aos Meus pais, Silvania Aparecida de Oliveira e Sérgio Bráz Ramos (in

memoriam) por terem sido os precursores de toda minha jornada.

Aos meus avós maternos, Benedito Damazzo de Oliveira (ditinho pedreiro) e

Vicentina Francisca de Oliveira (maê), dos quais sempre recebi todo o amor, carinho,

compreensão, paciência e incentivo ao longo de toda a minha vida. À vocês que, por

diversas vezes, abriram mãos dos seus sonhos e , até mesmo, de suas necessidades,

para que eu pudesse chegar onde cheguei, a minha eterna gratidão.

Ao Prof. Dr. Evânio dos Santos Branquinho, mestre, amigo e companheiro, que

esteve sempre ao meu lado me orientando, apoiando, incentivando, ao longo de toda a

minha graduação.

Às figuras queridas e inesquecíveis de todos os professores e amigos do curso

de Bacharel em Geografia da Universidade Federal de Alfenas com os quais briguei,

ri, chorei, sorri e me emocionei inúmeras vezes.

Aos meus amigos e eternos colegas de república Jhonatan Halley e Ricardo

Leandro Lemos Araújo com os quais dividi boa parte de toda minha história.

Ao grande e inesquecível Daniel Fernando Costa do Prado, o “Tonho”, cuja

amizade e companheirismo nos renderam inúmeras risadas.

E finalmente, à cidade de Alfenas e ao Estado de Minas Gerais por me

receberem de braços abertos em suas terras. Terras onde lancei a semente de um sonho

que, enfim, se concretiza.

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1 – Introdução.

Com aproximadamente 126 milhões de católicos (IBGE. 2012), cerca de

74,6% da população nacional, o Brasil possuí o título de maior nação católica do

mundo. Esse status, segundo Girão (2009), advém de nosso passado colonial, de onde

herdamos traços indissolúveis de um catolicismo europeu que ainda hoje se faz

presente na história e na cultura de nosso povo. Entretanto, uma análise aprofundada

da afiliação religiosa e da distribuição das religiões em todo território nacional,

realizada com base nos dados oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

– IBGE ao longo das últimas quatro décadas, mostra que a Igreja Católica Apostólica

Romana, a maior e mais antiga instituição religiosa do país, vem perdendo fiéis no

Brasil.

Diante da necessidade de reafirmar a identidade e recuperar os valores de um

catolicismo declinante frente à mobilidade de fatos históricos e sociais que,

constantemente, tem abalado os pilares da Igreja Católica, as cidades de Aparecida,

Guaratinguetá e Cachoeira Paulista, localizadas no Vale do Paraíba, no extremo leste

do estado de São Paulo, têm assumido um caráter estratégico para a manutenção dos

interesses de Roma na maior nação católica do mundo. O caráter estratégico e

simbólico dessas hieropólis, segundo Rosendahl (2002), advém não apenas do fato

dessas cidades estarem localizadas às margens da Rodovia Presidente Dutra, no eixo

Rio – São Paulo, mas também pelo fato de estarem situadas entre os estados do Rio de

Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, estados mais populosos do país que têm

apresentado uma redução bastante significativa no número total de católicos ao longo

dos últimos anos.

Essas cidades, em menos de 30 km de extensão, abrigam vários centros de

peregrinação internacional, com destaque para o Santuário Nacional de Nossa Senhora

Aparecida – a padroeira do Brasil, localizado no município de Aparecida; o Santuário

de Frei Galvão – o primeiro santo brasileiro, em Guaratinguetá; e a Comunidade

Canção Nova, em Cachoeira Paulista. Trata-se de uma significativa região que abriga

um dos maiores destinos turísticos do país: O Circuito Turístico Religioso do Vale do

Paraíba (fig.1), que recebe anualmente cerca de 12 milhões de visitantes (SEBRAE-

SP. 2013)

O Circuito Turístico Religioso do Vale do Paraíba é um consórcio para o

desenvolvimento turístico regional integrado formado pela solidariedade orgânica

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existente entre os municípios paulistas de Aparecida, Guaratinguetá e Cachoeira

Paulista. Está localizado na porção leste do Estado de São Paulo, mais precisamente na

Região Administrativa de São José dos Campos (fig.1).

Fig.1- Mapa da Região Administrativa da Região de São José dos Campos

Fonte: Cidades Paulistas (2013).

A partir de uma parceria firmada entre o SEBRAE – SP, prefeituras, entidades

eclesiásticas, segmentos empresariais e a sociedade civil organizada, este Circuito foi

estruturado no ano de 2007, visando à promoção da cidadania, justiça social,

crescimento sustentável e a integração regional dessas três cidades. Entretanto, embora

institucionalizado recentemente, o Circuito Turístico Religioso Brasileiro - formado

pelo processo de conurbação e solidariedade orgânica existente entre as cidades de

Aparecida, Cachoeira Paulista e Guaratinguetá - é fruto de um processo histórico de

territorialização, isto é, de uma apropriação estratégica e funcional do espaço realizada

por vários atores sociais desde o início do XVIII.

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A partir de um olhar crítico e investigativo lançado sobre essa região, visando

identificar no tempo e no espaço as relações de poder que, segundo Claude Raffestin

(1993), definem os limites e os contornos de um território, apresentamos ao longo

desse relatório os resultados obtidos durante a realização de nossa pesquisa. Trata-se

aqui de uma análise contemporânea e particular sobre a relação entre Religião e

Espaço Geográfico.

2.1- Religião e Espaço: Uma Abordagem Geográfica.

A temática da Religião e Espaço Geográfico tem sido, sobretudo nas últimas

décadas, objeto de pouco interesse por parte da maioria dos geógrafos brasileiros. Este

desinteresse deve-se, em grande parte, as influências do positivismo clássico que

ignora a religião como objeto de estudo, esquecendo que ela é parte integrante de

qualquer formação social e que assume, portanto, uma nítida dimensão geográfica.

Segundo Rosendahl (2002), embora considerados temas distintos que aparentemente

não apresentam ligações, geografia e religião são, em primeiro lugar, duas práticas

sociais. O homem sempre fez geografia, ainda que esta não fosse formalmente

reconhecida como disciplina. A religião, por outro lado, sempre esteve presente na

vida do homem, manifestando-se, ao longo da história da humanidade, como um

fenômeno cultural que, através de símbolos, ritos e mitos permite ao homem

experimentar sensações individuais ou coletivas que transcendem a realidade e a

lógica do espaço habitado. Desse modo, tal como concebe Gil Filho (2008), geografia

e religião se encontram na dimensão espacial, uma porque, enquanto ciência, analisa o

espaço, a outra porque, enquanto fenômeno cultural, ocorre espacialmente. Tal

encontro, caracterizado pela espacialização e materialização do sagrado na paisagem,

atribui novas funções, características e simbologias ao espaço habitado, demandando

um estudo detalhado sobre as influências exercidas pela religião na produção e na

organização do espaço.

Para Gil Filho (2008), o sagrado deve ser analisado e identificado não como

um mero aspecto presente na paisagem, mas como um elemento de produção e

organização do espaço. Nestes termos, ao analisarmos o espaço religioso devemos

subentendê-lo concomitantemente como sujeito e objeto das relações espaciais

estabelecidas em sua localidade. Sujeito porque, enquanto realidade material, assume

um caráter simbólico impregnado de significados culturais que influenciam o

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comportamento humano, e objeto porque, enquanto resultado da ação humana,

expressa em suas formas, sons e cores, a essência do religioso.

Ao abordar a dialética da produção e apropriação do espaço, Claude Raffestin

(1993), nos apresenta o conceito de território como o resultado de uma ação conduzida

por um ator sintagmático (ator que realiza um trabalho) em qualquer nível. Segundo o

autor, ao apropriar-se do espaço concreta ou abstratamente o ator territorializa o

espaço. Neste sentido, Zeny Rosendahl (2002), já numa abordagem cultural, associa o

termo territorialidade religiosa ao conjunto de práticas desenvolvidas por instituições

ou grupos no sentido de controlar um dado território. Para a autora , uma religião só se

mantém se sua territorialidade for preservada, pois é no território que se fortalecem as

experiências coletivas ou individuais.

Com base nas definições de Mircea Eliade (1962), percebemos que a

organização de um território religioso, com seus elementos espaciais direta ou

indiretamente vinculados ao sagrado, apresenta-se estruturada em torno de dois

espaços distintos: “o espaço sagrado”, diretamente vinculado à instituição religiosa, e

o “espaço profano”, indiretamente vinculado. O espaço sagrado é o espaço

diferenciado que eleva o homem religioso acima de sí mesmo, transportando-o para

um meio distinto daquele no qual ocorre sua existência. Já o espaço profano constitui-

se naquele espaço “ao redor” do espaço sagrado. Através da segregação e divisão que

o sagrado impõe ao espaço, percebe-se que o “espaço sagrado” assume um caráter

extremamente simbólico, sendo efetiva e afetivamente apropriado pelas lideranças

religiosas institucionalizadas e fiéis, enquanto o “espaço profano” assume um caráter

funcional, configurando-se como elemento de extrema importância para a economia,

para política e para a organização sócio-espacial local. Desse modo, Rosendahl (1996)

acredita que o espaço sagrado, o espaço profano e o território contribuem para que o

grupo religioso reforce o sentido de pertencimento à instituição religiosa e para o

fortalecimento das próprias instituições religiosas.

Ao analisarem a dimensão política assumida pelos territórios religiosos, Pierre

Bourdier (1971) e Berger (1985) afirmam que nesses espaços os meios de produção

dos bens e serviços de natureza simbólica tendem a ser acumulados e concentrados nas

mãos de um grupo de administradores do sagrado, sejam eles institucionalizados ou

não. O Circuito Turístico Religioso Brasileiro do Vale do Paraíba reforça esse caráter

ao reunir espacialmente esforços e interesses de instituições religiosas (Igreja

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Católica), políticas (prefeituras municipais), econômicas (comerciantes) e civis

(moradores e visitantes).

2.2- Cidade, Religião e Territorialização: A Essência do Sagrado no Espaço.

Para Gil Filho (2008), o sagrado deve ser analisado e identificado não como

um mero aspecto presente na paisagem urbana, mas como um elemento de produção e

organização do espaço. Desse modo, ao analisarmos o espaço urbano das hierópolis,

devemos subentender que o espaço urbano das cidades de função religiosa é,

concomitantemente, sujeito e objeto das relações sociais estabelecidas em sua

localidade. Sujeito porque, enquanto realidade material, assume um caráter simbólico

impregnado de significados culturais que influenciam o comportamento humano, e

objeto porque, enquanto resultado da ação humana, expressa em suas formas, sons e

cores, a essência do religioso. Pelo simbolismo religioso que esses locais possuem e

pelo caráter sagrado atribuído ao espaço, as cidades – santuário materializam uma

peculiar organização funcional.

Nas cidades santuários ou hieropólis as funções urbanas são, em muitos casos,

fortemente especializadas, associadas à ordem sagrada: suas funções básicas são de

natureza religiosa. Essa especialização urbana, na grande maioria dos casos,

caracteriza-se por uma organização funcional voltada às necessidades e/ou interesses

dos peregrinos que, embora na qualidade de meros visitantes, exercem uma influência

inconteste na produção e na organização do espaço.

Considerando devidamente o caráter simbólico das hieropólis, é necessário,

pois, realizarmos uma reflexão acerca da apropriação desses espaços, a partir da

apropriação do conceito de território tal como nos apresenta Raffestin (1993).

Uma revisão literária deste conceito mostra que o conceito de território,

caracterizado pela apropriação do espaço, aparece comumente associado a outro

conceito bastante utilizado pelos geógrafos: as redes.

De modo sucinto, sem termos o intuito de apresentar uma longa discussão

sobre o conceito, adotaremos a definição de Corrêa (1989), segundo o qual “a rede

pode ser entendida como um conjunto de localizações geográficas interconectadas

entre si por um certo número de ligações”.

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A consideração do conceito de rede é extremamente importante para as

pretensões deste trabalho, uma vez que, segundo Raffestin (1993) o estudo do

território só pode ser apreendido a partir do estudo das redes.

Desenvolver mais territ. E rede

3- Materiais e Métodos.

A presente pesquisa adotou como categoria de análise o conceito de território e

estabeleceu como perspectiva de análise o método dialético marxista.

Os trabalhos estruturaram-se, num primeiro momento, em uma revisão

bibliográfica estruturada em dois níveis hierárquicos: análise da bibliografia geral e

análise da bibliografia específica. Para tal, recorreremos respectivamente a um estudo

detalhado sobre diversos autores que abordam a temática da produção e apropriação

do espaço, e a uma avaliação cuidadosa de fontes documentais, livros, artigos,

catálogo, jornais e revistas voltados especificamente ao Circuito Turístico Religioso.

Diante da inexistência de qualquer abordagem anterior, visando

operacionalizar nosso estudo, procedemos a um recorte espaço-temporal que vai desde

1717 (início do processo de territorialização) a 2014 (período atual). Este recorte

justifica-se em função das intensas transformações ocorridas nos espaços urbanos das

cidades estudas ao longo desse período. A partir deste recorte, iniciamos a análise do

processo de formação e ocupação das cidades estudas. Nesta etapa procuramos, num

primeiro momento, analisar individualmente a história de cada cidade estudada para,

na sequência, identificarmos, através de uma análise histórica contextualizada, os fatos

históricos e sociais comuns às três cidades. Tal procedimento permitiu identificarmos

a origem, a estrutura sócio-espacial e hierarquia existente entre as cidades que

compõem o Circuito Turístico Religioso Brasileiro.

Segundo Corrêa (1997), toda pesquisa científica é operacionalizada a partir de

fontes e procedimentos. As fontes estão relacionadas à disponibilidade de informações

resultantes de trabalhos anteriores e os procedimentos, à capacidade de produzir e

obter informações através de visitas e campo, aplicação de questionários, entrevistas,

entre outros. Segundo o autor, a pesquisa de campo é extremamente importante para a

Geografia, pois favorece o entendimento do processo de produção diferencial do

espaço por meio de observações diretas. Neste sentido, cientes da importância do

trabalho de campo para as pretensões deste trabalho, realizamos deslocamentos

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periódicos à região, visando o recolhimento de material e a coleta de dados através da

observação in loco. Nesta etapa, foram realizadas entrevistas com promotores

imobiliários, proprietários de imóveis, comerciantes, religiosos, políticos, turistas e

moradores locais. A aplicação dos questionários foi executada de forma aberta e

informal, consistindo em 30 entrevistas em cada cidade, através da escolha e seleção

estratificada de pessoas representativas dos diferentes segmentos e classes sociais. Os

questionários ( anexo 1) envolviam perguntas abertas e fechadas, visando identificar a

percepção espacial dos entrevistados

Outra metodologia adotada foi a análise interpretativa de fotografias aéreas

disponibilizadas pelas instituições municipais. As imagens obtidas foram inicialmente

analisadas em suas espaço-temporalidades, servindo de base para a representação

visual das formas de uso e ocupação territorial da região.

Com base nos procedimentos teóricos e metodológicos adotados, pudemos

traçar o panorama do processo de territorialização religiosa das cidades estudadas,

cujos resultados são descritos a seguir.

4 - Análise dos Resultados

4.1- Produção do Espaço Urbano em Aparecida.

A partir do levantamento histórico realizado, constatamos que o processo de

produção do espaço urbano da cidade de Aparecida inicia-se, ainda que de forma

discreta, no ano de 1717, quando três pescadores da Vila de Santo Antônio de

Guaratinguetá lançaram suas redes nas águas do Rio Paraíba do Sul em busca de

peixes para abastecer a mesa do Conde de Assumar, recém nomeado como capitão –

general da capitania de São Paulo e Minas Gerais. Segundo o historiado regional Júlio

Brustoloni (1996), o trio de pescadores partiu do Porto de José Correa Leite rio abaixo

quando o pescador João Alves, arremessando sua rede às águas, sentiu que algo ali se

prendera; puxou-a de volta ao barco e viu que se tratava de uma imagem de Nossa

Senhora da Conceição, sem a cabeça. Na sequência, arremessando a rede novamente,

João Alves encontrou a cabeça da imagem. Na terceira tentativa, já desanimados

diante do insucesso, os pescadores foram surpreendidos por “um suposto milagre”: a

rede se encheu de peixe. Rapidamente o boato do “suposto milagre” se espalhou por

todo o Vale do Paraíba e áreas de mineração (Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso).

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À medida que crescia a fama e devoção à imagem de Nossa Senhora

Aparecida, surgia a necessidade de se construir uma capela para a Santa que, até 1740

ficou sob os cuidados dos três pescadores. É a partir da construção desta Capela (Fig.

2) que se inicia a produção do espaço urbano da cidade de Aparecida.

Fig Morro dos Coqueiros e Centro Histórico de Aparecida (1745)

Imagem cedida pela Prefeitura Municipal de Aparecida

O local escolhido pelo padre José Alves Villela, vigário geral da Vila de Santo

Antônio de Guaratinguetá, foi o Morro dos Coqueiros. A “escolha” deve-se a algumas

particularidades: primeiramente, pelo fato do terreno ter sido doado pelo casal de

fazendeiros capitão André Bernardes de Brito Rangel e Margarida Nunes Rangel,

grandes proprietários de terra na cidade que “gentilmente” cederam o terreno para a

construção da capela (conhecida atualmente como Matriz Velha), e, em segundo lugar,

pelo fato do terreno estar situado numa área extremamente elevada, o, que na prática,

diminuiria os riscos de destruição provenientes das enchentes que ocorriam com

frequência na várzea do Rio Paraíba. É importante frisar que a doação do terreno

destinado à construção da nova capela trouxe benefícios diretos aos donatários, pois

gerou um processo de supervalorização dos terrenos e imóveis adjacentes. Na imagem

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anterior (Fig. 2) é possível identificar um hotel localizado próximo à capela de Nossa

Senhora Aparecida. Este hotel, de propriedade do capitão André Bernardes de Brito

(donatário) reflete, já no ano de 1752, todo processo de especialização, verticalização

e especulação imobiliária que a cidade de Aparecida iria experimentar ao longo dos

anos em função das atividades turístico - religiosas.

A construção da capela de Nossa Senhora da Conceição Aparecida (Matriz

Velha), através da parceria firmada entre a Igreja Católica, representada pelo padre

José Alves Villela, e os grandes proprietários de terras, representados pelo capitão

André de Bernardes de Brito, induziu a ocupação desordenada do Morro dos

Coqueiros, fazendo com que a cidade se desenvolvesse a partir de um ponto

extremamente acidentado e instável. Este período marca o início da ocupação do

centro histórico da cidade e o surgimento dos bairros de Santa Luzia, São Francisco,

São Geraldo e Jardim Santo Afonso. Outro marco na história da produção da cidade é

o início da construção do Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, também

conhecida como Basílica Nacional.

Segundo Brustoloni (1996), as obras da construção do Santuário Nacional

iniciaram-se em meados da década de 1940, quando os missionários da Congregação

do Santíssimo Redentor, conhecidos como missionários redentoristas, perceberam a

necessidade de se construir uma nova igreja que comportasse mais pessoas. A análise

desse processo de construção, a partir de fontes documentais disponibilizadas pela

Prefeitura Municipal de Aparecida e pelo Centro de Documentação e Memória do

Santuário Nacional – CDM, demonstraram mais uma vez os interesses da Igreja

Católica, dos proprietários de terras, dos comerciantes e dos políticos locais. Durante

as obras, diversos presidentes, governadores e deputados estaduais acompanharam de

perto as construções do Santuário Nacional e realizaram várias doações significativas.

Dentre eles merecem destaque a figura do ex- presidente Juscelino Kubtischek de

Oliveira, doador das ferragens utilizadas na construção da “Torre da Basílica”, e o ex-

presidente Emilio Garrastazú Médici que, no auge da ditadura militar, ordenou ao

departamento de Engenharia do Exército que planejasse e construísse uma passarela

para interligar a Matriz Velha ao Santuário Nacional.

A construção do Santuário Nacional, motivada por interesses políticos,

religiosos e econômicos, influenciou a ocupação desordenada de áreas situadas

próximas à margem direita do Rio Paraíba do Sul. De acordo com o Plano Diretor da

Cidade de Aparecida instituído pela Lei Municipal N° 3401/A/2006, é neste período

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que se inicia o surgimento dos bairros de Itaguaçu, Vila Mariana, Santa Terezinha,

Jardim São Paulo, Jardim Paraíba, São Roque e Santa Rita, bairros extremamente

adensados e povoados que abrigam atualmente 22.193 habitantes, cerca de 65% de

toda a população do município. As imagens a seguir permitem uma nítida

visualização da cidade de Aparecida.

Fig.3: Vista Panorâmica da Basílica e do Pátio do Santuário Nacional (2012)

Imagem cedida pelo Centro de Documentação e Memória do Santuário Nacional de Aparecida

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Fig.4: A cidade de Aparecida vista da Torre do Santuário Nacional (2014)

Imagem: Giovanni Andreas Oliveira

Com base na análise das imagens acima, percebe-se que o espaço urbano da

cidade de Aparecida pode ser geograficamente dividido em “Espaço Sagrado” e

“Espaço Profano”. O primeiro, com uma área superior a 648 mil m², é nitidamente

representado na Fig.3, sendo constituído basicamente pela Basílica e pelo Pátio do

Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida. O segundo (Fig.4) situa-se no

entorno imediato ao “Espaço Sagrado”, sendo constituído pelo centro histórico e

comercial e pelos bairros populares localizados na margem direita do Rio Paraíba do

Sul.

A partir da análise anterior, constatamos que o espaço urbano da cidade de

Aparecida está estruturado em três setores territoriais: O primeiro setor (Espaço

Sagrado) corresponde ao território religioso delimitado e administrado pelo Santuário

Nacional; o segundo setor situa-se no entorno imediato ao primeiro setor, sendo

basicamente constituído pelo centro histórico e comercial da cidade, onde as

atividades relacionadas ao turismo religioso promoveram uma especialização

funcional que resultou na expulsou boa parte da população local; e por fim, o terceiro

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e último setor formado pelos bairros recentes que se desenvolveram de forma

desordenada junto à Área de Proteção Permanente do Rio Paraíba do Sul.

4.2- Produção do Espaço Urbano em Guaratinguetá.

A história do processo de produção do espaço urbano da cidade de

Guaratinguetá está, em grande parte, intimamente relacionada ao processo de

produção do espaço urbano da cidade de Aparecida. Cumpre ressaltar que, até a data

de 18 de dezembro de 1928, a cidade de Aparecida não havia conquistado sua

emancipação político – administrativa, estando incorporada, até a referida data, ao

município de Guaratinguetá. De acordo com Brustoloni (1996), o movimento de

emancipação político - administrativa da cidade de Aparecida sofreu inúmeras

resistências por parte dos moradores, políticos e comerciantes de Guaratinguetá, pois

estes eram diretamente beneficiados pelos recursos gerados pelo turismo religioso.

Entretanto, após a emancipação político administrativa da cidade de Aparecida,

embora não mais na qualidade de gestores da municipalidade, os religiosos, os

políticos e os comerciantes da cidade de Guaratinguetá continuaram a ser beneficiados

pela proximidade à cidade de Aparecida. Com base nas análises realizadas,

percebemos que ao longo dos anos a manutenção dos interesses religiosos, políticos e

econômicos dos moradores de Guaratinguetá se deu a partir de várias concessões,

parcerias e acordos firmados entre as instituições das duas cidades

Segundo Ana Fani Carlos (1997), toda e qualquer cidade origina-se num

determinado contexto da história e assume formas e conteúdos diversos ao longo de

sua história. No caso específico da cidade de Guaratinguetá, percebe-se que

atualmente a cidade tem no setor de turismo religioso uma de suas principais

atividades econômicas. Esta atividade gira principalmente em torno das crescentes

peregrinações à Catedral de Santo Antônio, padroeiro da cidade, e à Casa de Frei

Galvão - o primeiro santo brasileiro - canonizado pelo Papa Bento XVI em maio de

2007. Essas duas construções, separadas por menos de 100 metros de distância,

possuem uma enorme representação simbólica para os católicos, pois elas retratam e

preservam traços do início da vida religiosa de Frei Galvão, o primeiro santo brasileiro

a receber a glórias dos altares.

Anteriormente a 2007, o turismo religioso em Guaratinguetá se desenvolvia

por mero reflexo do fluxo de peregrinos às cidades vizinhas de Aparecida e Cachoeira

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Paulista. Segundo Nelson Baracho, secretário municipal de turismo, antes da

canonização de Frei Galvão a cidade recebia cerca de 30 ônibus por mês e, atualmente,

considerando os períodos festivos no município e na cidade de Aparecida, esse

número chega a quase 400 ônibus/ mês.

Desev mais

4.3- Produção do Espaço Urbano em Cachoeira Paulista.

De modo sucinto, procurando analisar o processo de produção do espaço

urbano da cidade de Cachoeira Paulista, constatamos que a cidade de Cachoeira

Paulista insere-se no circuito turístico religioso regional a partir da chegada da

Comunidade Canção Nova – movimento religioso vinculado à Renovação Carismática

Católica. Esta instituição, fundada no ano de 1978 pelo Monsenhor Jonas Abib,

tornou-se ao longo da história da cidade de Cachoeira Paulista, não apenas um dos

principais agentes do processo de produção e gestão do espaço urbano, mas também a

principal fonte de empregos e renda do município. De acordo com os dados

divulgados pelo Departamento de Recursos Humanos da Fundação João Paulo II,

somente na cidade de Cachoeira Paulista a instituição possui 1.867 colaboradores

diretos distribuídos em diversos setores.

A sede da Comunidade Canção Nova, carinhosamente chamada pelos católicos

de “pedacinho do céu”, está localizada no centro de Cachoeira Paulista e possui uma

área construída de 452 mil m², abrigando duas capelas; três postos médicos; uma

escola de ensino médio profissionalizante; duas pousadas; três restaurantes; três

padarias; quatro lanchonetes; três agências bancárias; lojas de produtos e artigos

religiosos; área de camping, seis estúdios de rádio e televisão, além do Centro de

Evangelização Dom João Hipólito de Moraes – maior vão livre da América Latina –

com capacidade para 90 mil pessoas. De acordo com os dados do Departamento de

Comunicação Social da Fundação, somente no ano de 2013 a instituição recebeu cerca

de 800 mil visitantes – número extremamente assustador se comparado ao número

total de habitantes do município: 32.189 (IBGE. 2013).

À exemplo do acorrido na cidade de Aparecida, a Comunidade Canção Nova

também exerce influências diretas e indiretas na vida social e na produção do espaço

urbano da cidade de Cachoeira Paulista, sendo na atualidade a principal responsável

pelo processo de verticalização do centro, especulação imobiliária e segregação

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espacial no município. As imagens abaixo demonstram de forma representativa o

processo de verticalização caracterizado pela construção de inúmeros hotéis próximos

à Canção Nova.

Fig.5: Hotel em construção no centro (2014) Fig.6: Hotel ao lado da Canção Nova (2014)

Imagem: Giovanni Andreas Oliveira Imagem: Giovanni Andreas Oliveira

Segundo dados da Prefeitura Municipal, os terrenos e imóveis situados

próximos à Canção Nova, bem como toda a área central da cidade, sofreram uma

valorização bastante significativa na última década em decorrência do turismo

religioso. Nos bairros adjacentes à Canção Nova, as residências estão se

transformando em pousadas e abrigos clandestinos. Isto tem gerado contínuos

conflitos entre os proprietários de hotéis, moradores e o poder público.

A procura por terrenos e imóveis tem aquecido o mercado imobiliário local e

provocado a expulsão dos moradores locais para outras áreas menos valorizadas. A

partir das reclamações da população local e através de algumas consultas realizadas

junto a algumas imobiliárias, constatamos que os preços dos alugueis praticados nos

bairros próximos à Canção Nova são abusivos e incompatíveis com a situação sócio-

econômica de boa parte dos moradores que trabalham na instituição.

A maior expressão do processo de especulação imobiliária e segregação

espacial da cidade é o Jardim Nova Cachoeira (Fig.7), empreendimento que atraiu e

tem atraído vários investimentos por parte da Prefeitura Municipal, da Fundação João

Paulo II e dos vários promotores imobiliários interessados na incorporação de terrenos

e na construção e comercialização de imóveis de alto padrão.

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Fig.7: Jardim Nova Cachoeira (2013)

Imagem cedida pela Prefeitura Municipal de Cachoeira Paulista

O Residencial Jardim Nova Cachoeira (Fig. 7) é um condomínio fechado que

possui uma localização privilegiada, estando situado ao lado da Sede da Comunidade

Canção Nova e a 2 km do novo acesso a cidade. Embora ainda em obras, o residencial

já está se tornando o sonho de consumo de muitos católicos que desejam morar perto

do “pedacinho do céu”. Construído a partir de uma parceria inédita firmada entre a

Prefeitura Municipal de Cachoeira Paulista, a Fundação João Paulo II e empresários

do setor imobiliário, o Residencial Jardim Nova Cachoeira é nitidamente um espaço

projetado e produzido para atender as exigências e os interesses de uma classe com

alto poder aquisitivo.

4.4 - Processo de Territorialização na Região.

A análise contextualizada dos processos de formação dos espaços urbanos das

três cidades estudadas comprova que, diferentemente de um desenvolvimento próprio

e independente, as atividades ligadas ao turismo religioso desenvolvidas nas cidades

de Aparecida, Guaratinguetá e Cachoeira Paulista não ocorreram de forma espontânea

e pontual, mas foram o resultado de um planejamento territorial estratégico por parte

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da Igreja Católica Apostólica Romana e de um planejamento funcional por parte dos

comerciantes, políticos e empreendedores imobiliários dessas três cidades.

iniciaremos, a seguir, nossa discussão sobre esses dois tipos de planejamentos

distintos, porém, indissociáveis.

4.4.1 – Planejamento Territorial Estratégico

O interesse territorial da Igreja Católica na região pode ser explicado e

analisado a partir da localização geográfica estratégica das cidades de Aparecida,

Guaratinguetá e Cachoeira Paulista. Para entendermos a importância dessas três

cidades dentro da ótica do catolicismo é necessária uma análise da distribuição

geográfica da afiliação religiosa em todo o Brasil. De acordo com o Censo

Demográfico realizado no ano de 2012, a porcentagem total de católicos no Brasil

passou de 95, 2 % em 1940 para 71,8 % em 2012. Segundo os dados divulgados, o

estado do Rio de Janeiro é o estado com o menor número de católicos de todo o Brasil

(cerca de 50 % da população); o estado de São Paulo teve uma redução de mais de 10

% no número total de católicos e um aumento de mais de 100 % no número total de

evangélicos entre os anos de 1991 – 2010; cenário esse que se repete na mesma

proporção em Minas Gerais, estado tradicionalmente católico que, a exemplo dos

demais estados da federação, tem experimentado um crescimento considerável no

número total de evangélicos. Embora os dados oficiais do Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística – IBGE apresentem apenas informações relacionadas às seis

últimas décadas, o nosso país experimentou e tem experimentado, desde a instituição

da liberdade religiosa no ano de 1889, uma redução bastante significativa no número

total de católicos e um crescimento cada vez mais expressivo no número de

evangélicos e outras manifestações religiosas, como o espiritismo Kardecista que, à

exemplo do catolicismo romano, tem o Brasil como o seu maior reduto. Neste sentido,

a criação e a manutenção de atrativos religiosos, místicos e simbólicos nas cidades de

Aparecida, Guaratinguetá e Cachoeira Paulista colaboram para reforçar a imagem e

reafirmar a identidade cultural da Igreja Católica Apostólica Romana no Brasil.

A maior expressão do interesse territorial por parte da Igreja Católica na região

é o processo de canonização de Frei Galvão. A análise desse processo reveste-se de

grande significado e importância para as pretensões deste trabalho, pois ela evidencia

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mais uma vez o caráter estratégico da região para a manutenção do status quo do

catolicismo no Brasil.

O processo de reconhecimento da santidade de Frei Galvão teve início no ano

de 1938 e se estendeu por sessenta anos até a beatificação deste santo, realizada no ano

de 1998 pelo Papa João Paulo II. Nove anos após a sua canonização e sete anos após a

divulgação dos dados oficiais do IBGE que apontaram uma queda brusca no número

de católicos no período 1990 – 2000, Frei Galvão foi finalmente canonizado e

reconhecido como o primeiro santo brasileiro a receber a glória dos altares, no dia 11

de Maio de 2007. A cerimônia de canonização, contrariando a tradição da Igreja

Católica, não foi realizada na Praça de São Pedro em Roma, mas foi realizada em solo

brasileiro, sendo um dos primeiros atos de Bento XVI durante sua primeira visita ao

Brasil.

A canonização de Frei Galvão foi, no mínimo, providencial, pois este ato

revestiu-se de enorme simbolismo e sentimentalismo para os católicos brasileiros e

promoveu a aceitação e a popularização da figura de Bento XVI na maior nação

católica do mundo.

4.4.2-Planejamento Territorial Funcional

À medida que os empreendimentos religiosos institucionais mencionados

foram sendo estrategicamente implantados na região pela Igreja Católica, várias

atividades comerciais especializadas surgiram com o intuito de atender as demandas

dos milhares de peregrinos que visitam periodicamente as cidades estudadas. Dentre

elas podemos citar a construção de hotéis; pousadas; bares; restaurantes; museus;

parques temáticos; fábricas e lojas de artigos religiosos, e o surgimento de mercados

ambulantes periódicos, cujo exemplo mais notável e a feira livre que ocorre todos os

finais de semana ao lado do pátio do Santuário Nacional em Aparecida. De acordo

com os dados levantados, nas estâncias turístico-religiosas de Aparecida e Cachoeira

Paulista as atividades ligadas ao turismo religioso são as maiores responsáveis pela

geração empregos diretos e indiretos. Em Guaratinguetá a participação do turismo

religioso na economia local, embora significante, ainda é pequena, uma vez que esta

gira basicamente em torno do setor de comércio e serviços e das atividades ligadas às

indústrias químicas, metalúrgicas e têxteis desenvolvidas da cidade.

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Ao longo dos anos, os líderes religiosos, os comerciantes locais e o poder

público firmaram vários acordos, compromissos e convênios visando à obtenção de

recursos e infra-estruturas que assegurassem o pleno desenvolvimento turístico das

cidades de Aparecida, Guaratinguetá e Cachoeira Paulista. As análises realizadas

comprovaram que, embora considerado constitucionalmente como laico, o Estado

sempre favoreceu as instituições religiosas, políticas e econômicas presentes na região.

Na atualidade, a maior expressão da proximidade entre o Estado e essas

instituições é o projeto do polêmico “Trem Bala” que em sua licitação, atendendo aos

pedidos e interesses dos administradores do Santuário Nacional, dos líderes religiosos

da Comunidade Canção Nova, das Prefeituras Municipais, dos promotores

imobiliários e dos comerciantes locais, prevê uma estação com uma parada de 40

minutos ( a maior de todo o trajeto Rio-São Paulo) na cidade de Aparecida

Outra obra construída com dinheiro público que expressa nitidamente a

manutenção dos interesses particulares dos atores sociais citados anteriormente é a

construção do novo trevo de acesso à cidade de Cachoeira Paulista. Esta obra,

construída com recursos municipais, estaduais e do Governo Federal, promoveu a

valorização dos principais eixos de expansão imobiliária da cidade e favoreceu

diretamente a Comunidade Canção Nova, uma vez que promoveu a sua interligação

direta com a Via Dutra.

4.5 – Aspectos Sociais, Econômicos e Espaciais

Com base nas análises descritas anteriormente, nos dados estatísticos

levantados, na verificação in loco e na realização de entrevistas com moradores e

turistas, constatamos que as instâncias turístico-religiosas de Aparecida, Guaratinguetá

e Cachoeira Paulista apresentam vários problemas urbanos relacionados ao turismo

religioso, quais sejam, processos de especulação imobiliária e segregação sócio –

espacial que promovem a expulsão dos moradores para as áreas menos valorizadas,

favorecendo a ocupação desordenada de áreas irregulares como fundo de vales,

margens de rios e encostas; processos de verticalização e super adensamento dos

centros urbanos e das áreas adjacentes às edificações religiosas, onde os preços dos

terrenos e imóveis têm atingido valores exorbitantes; aumento do custo de vida para a

população local que, na qualidade de principal consumidora do espaço e dos recursos

urbanos, sofre com os preços abusivos praticados pelos estabelecimentos comerciais;

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aumento dos índices de violência urbana durante os períodos festivos; problemas

ambientais relacionados à excessiva produção de resíduos sólidos, líquidos e gasosos

que contribuem para a degradação e degeneração do espaço urbano como um todo; e

problemas relacionados à ineficiência das infra-estruturas urbanas básicas, tais como o

aumento dos congestionamentos nos centros urbanos e a falta de água e energia

elétrica no bairros periféricos durante os períodos festivos.

5 – Considerações Finais

Com base nos procedimentos adotados percebe-se, logo de início, que o

Circuito Turístico Religioso Brasileiro pode ser classificado como um “Território

Religioso Estruturado em Redes”. “Território Religioso” porque materializa, no tempo

e no espaço, nítidas relações de poder exercidas pela presença histórica da Igreja

Católica na região. “Estruturado em Redes” porque estabelece, através dos elementos

fixos implantados no espaço (hotéis, pousadas, bares, restaurantes, estacionamentos,

fábricas e lojas de artigos religiosos, museus, igrejas, seminários, colégios religiosos,

editoras especializadas, sistemas de radio – tele- difusão) e dos fluxos estabelecidos no

território (circulação e comunicação), uma solidariedade orgânica entre as cidades de

Aparecida, Guaratinguetá e Cachoeira Paulista. Este território, cuja origem não se deu

de forma espontânea e casual, responde basicamente a duas funções complementares:

uma de ordem religiosa, adquirindo uma importância estratégica e um caráter

simbólico que reafirmam a imagem e reforçam a identidade da Igreja Católica

Apostólica Romana no Brasil, e outra de ordem política e econômica, sendo planejado

e produzido para atender a interesses econômicos e políticos específicos. De modo

geral, percebe-se que as cidades estudadas estão gradativamente perdendo as suas

funções sociais básicas, tornando-se, ao longo de sua história, um local de serviços e

atividades especializadas que as conformam como uma mercadoria cada vez mais

disputadas por moradores e turistas religiosos. A falta de um planejamento urbano

racional e eficiente e a ausência de uma participação mais efetiva do Estado e das

comunidades locais na tomada de decisões tem favorecido a alienação desses lugares

que estão cada vez mais assumindo um valor de uso em oposição ao valor de troca.

Acerca dos aspectos analisados ao longo de sua execução, a presente pesquisa

contribuiu com a promoção de um trabalho inédito acerca da temática proposta. Cabe

ressaltar que o estudo aqui empreendido não se esgota aqui e abre novos caminhos e

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perspectivas aos futuros pesquisadores que, motivados pelo interesse e

comprometimento científico, avançarão no trato da temática proposta.

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