terramoto 1522

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GEODINÂMICA E PERIGOSIDADE NATURAL NAS ILHAS DOS AÇORES ANTÓNIO DE BRUM FERREIRA 1 Finisterra, XL, 79, 2005, pp. 103-120 A um velho Amigo Recordando as raízes… Resumo – Os Açores situam-se num quadro tectónico original, que confere a essas ilhas uma geodinâmica muito activa, nomeadamente no que se refere ao vulcanismo e à sismicidade. O vulcanismo efusivo, tal como acontece em qualquer outro lugar da Terra, é o menos perigoso, mas a actividade explosiva pode tornar-se catastrófica, sobretudo se atingir o carácter violento revelado pelos ignimbritos formados nos últimos milhares de anos nalgumas ilhas. No tempo histórico, têm sido os sismos o factor natural de maior perigosidade, originando por vezes verda- deiras tragédias: foi o que aconteceu com o terramoto de São Jorge, em 1757, que vitimou 20% da população da ilha, e o de São Miguel, em 1522, que destruiu Vila Franca do Campo. Neste último caso, a causa última da tragédia foi um movimento de terreno, desencadeado pela vibração sísmica, que submergeu a povoação, cau- sando a morte de quase todos os seus habitantes (vários milhares de pessoas). Os movimentos de terreno são particularmente importantes no litoral das ilhas: desabamentos e deslizamentos rotacionais gigantescos são testemunhados pelas fajãs, pequenas plataformas detríticas situadas no sopé de arribas por vezes impo- nentes, com várias centenas de metros de altura. Esses movimentos de terreno são favorecidos pela erosão marinha e pela estrutura geológica dos estratovulcões, mas muitos deles terão sido desencadeados pela própria vibração sísmica. Palavras-chave: Vulcanismo, sismicicidade, movimentos de terreno, perigosi- dade natural, Açores. Abstract –GEODYNAMICS AND NATURAL HAZARDS IN THE AZORES ISLANDS. The central islands of the Azores archipelago exhibit significant volcanic and seismic activity. The most important tectonic structure responsible for this activity seems to be the leaky transform Terceira Rift, a branch of the Azores triple junction separating the Eurasia and Africa plates. In historical time (since the XV century), the most frequent volcanic eruptions were of the hawaiian and strombolian types, but the level of explosivity has occasionally reached subplinian magnitude, as it happened 1 Investigador do Centro de Estudos Geográficos e Professor Catedrático da Universidade de Lisboa.

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  • 1. Finisterra, XL, 79, 2005, pp. 103-120 GEODINMICA E PERIGOSIDADE NATURALNAS ILHAS DOS AORES ANTNIODE BRUM FERREIRA 1A um velho AmigoRecordando as razes Resumo Os Aores situam-se num quadro tectnico original, que confere a essas ilhas uma geodinmica muito activa, nomeadamente no que se refere ao vulcanismo e sismicidade. O vulcanismo efusivo, tal como acontece em qualquer outro lugar da Terra, o menos perigoso, mas a actividade explosiva pode tornar-se catastrfica, sobretudo se atingir o carcter violento revelado pelos ignimbritos formados nos ltimos milhares de anos nalgumas ilhas. No tempo histrico, tm sido os sismos o factor natural de maior perigosidade, originando por vezes verda- deiras tragdias: foi o que aconteceu com o terramoto de So Jorge, em 1757, que vitimou 20% da populao da ilha, e o de So Miguel, em 1522, que destruiu Vila Franca do Campo. Neste ltimo caso, a causa ltima da tragdia foi um movimento de terreno, desencadeado pela vibrao ssmica, que submergeu a povoao, cau- sando a morte de quase todos os seus habitantes (vrios milhares de pessoas). Os movimentos de terreno so particularmente importantes no litoral das ilhas: desabamentos e deslizamentos rotacionais gigantescos so testemunhados pelas fajs, pequenas plataformas detrticas situadas no sop de arribas por vezes impo- nentes, com vrias centenas de metros de altura. Esses movimentos de terreno so favorecidos pela eroso marinha e pela estrutura geolgica dos estratovulces, mas muitos deles tero sido desencadeados pela prpria vibrao ssmica. Palavras-chave: Vulcanismo, sismicicidade, movimentos de terreno, perigosi- dade natural, Aores. Abstract GEODYNAMICS AND NATURAL HAZARDS IN THE AZORES ISLANDS. The central islands of the Azores archipelago exhibit significant volcanic and seismic activity. The most important tectonic structure responsible for this activity seems to be the leaky transform Terceira Rift, a branch of the Azores triple junction separating the Eurasia and Africa plates. In historical time (since the XV century), the most frequent volcanic eruptions were of the hawaiian and strombolian types, but the level of explosivity has occasionally reached subplinian magnitude, as it happened 1 Investigador do Centro de Estudos Geogrficos e Professor Catedrtico da Universidadede Lisboa.

2. 104 Antnio de Brum Ferreirain the Fogo (1563) and Furnas (1630) volcanoes (hydromagmatic eruptions inthe calderas). As in other volcanic regions of the world, effusive volcanism is notparticularly dangerous in the Azores islands; explosive activity, however, can becatastrophic (ignimbrites formed in some islands over the last millennia). Still,throughout historical time, earthquakes have been the most dangerous naturalphenomena in the Azores, sometimes bringing about tragic consequences: in 1757,an earthquake struck the So Jorge island, killing one thousand people (20% of thetotal population). But the most catastrophic seismic event of all occurred in theisland of So Miguel in 1522: an earthquake triggered an earthflow that submergedthe capital (Vila Franca do Campo) and killed nearly all of its inhabitants (severalthousands). Whether or not they are triggered by earthquakes, mass movementsare most common along the coast of the islands: huge falls and rotational slides areattested for by the so-called fajs, detrital platforms on the foot of cliffs that areseveral hundred meters high; in death-defying fashion, some of these platforms areactually inhabitated. Key words: Volcanic activity, seismicity, landslides, natural hazards, Azores.Rsum GODYNAMIQUE ET RISQUE NATUREL DANS LES LES DES AZORES. Un cadretectonique particulier explique la grande activit godynamique qui marque lesles des Azores. Si le volcanisme de type effusif nest pas trs dangereux, lactivitexplosive peut y tre violente, comme le montrent les ignimbrites formes danscertaines les pendant les derniers milliers dannes. Mais ce sont surtout lestremblements de terre qui affectent larchipel, en provoquant parfois de vritablestragdies. Le sisme de 1757 entrana la mort de 20% de la population de lle deSo Jorge et celui de 1522 dtruisit Vila Franca do Campo, dans lle de So Miguel,la ville la plus importante des Aores, lpoque. Il provoqua en effet un glissementde terrain qui recouvrit lagglomration, entranant la mort de milliers de person-nes. Les mouvements de terrains sont particulirement actifs le long des ctes, oules fajs, petites plateformes dtritiques situes la base de falaises hautes parfoisde centaines de mtres, tmoignent des normes boulements ou glissements rota-tionnels qui ont affect celles-ci. Lrosion marine et la structure des strato-volcansfavorisent ces mouvements de terrain, mais beaucoup dentre eux ont pu tredclanchs par les vibrations sismiques.Mots-cls: Volcanisme, sismicit, mouvements de terrain, risque naturel,Azores.I.O QUADRO ESTRUTURAL O quadro estrutural dos Aores determinado pela juno tripla entre asplacas litosfricas americana, eurasitica e africana. uma juno em forma deT, com dois ramos de direco N-S, constitudos pela Dorsal Mdia do Atlntico,e um terceiro ramo, com direco aproximada WNW-ESE, conhecido por Rifteda Terceira (fig. 1). De acordo com Searle (1980), o Rifte da Terceira, que passapelas ilhas Graciosa, Terceira e a parte ocidental de So Miguel, corresponde auma transformante em desligamento direito, com movimentao oblqua (leakytransform), constituindo assim uma faixa de expanso ocenica, perpendicular Dorsal Mdia do Atlntico, responsvel pelo vulcanismo e actividade ssmica 3. Geodinmica e perigosidade natural nas ilhas dos Aores 105dessas ilhas. No entanto, preciso ter em conta que So Jorge, Faial e Picotm registado tambm importante actividade vulcnica e ssmica, de modo queaquela soluo no inteiramente satisfatria. Por isso MADEIRA e RIBEIRO(1990; ver tambm MADEIRA, 1998 e RIBEIRO, 2002), consideram que a leakytransform passa pelo canal de So Jorge. Fig. 1 Quadro estrutural dos Aores (muito simplificado)1 Dorsal Mdia do Atlntico; 2 Faixa de compresso; RT Rifte da Terceira Fig. 1 Tectonic framework of Azores archipelago (very simplified) 1 Mid-Atlantic Ridge; 2 Compression zone; RT Terceira Ridge. O problema da definio do quadro geotectnico dos Aores dificultadopelo facto de no se observarem estruturas suficientemente contnuas na Plata-forma dos Aores (relevo submarino triangular, a cerca de 2.000 m de profun-didade) que permitam traar com nitidez a fronteira entre as placas eurasiticae africana. Segundo SEARLE (1980) e tambm MOORE (1990), a actual fronteiraentre essas placas litosfricas passaria pelo Rifte da Terceira, o que significa queas ilhas de So Jorge, Faial, Pico e Santa Maria ficariam situadas na placa afri-cana. Na soluo adoptada por MADEIRA e RIBEIRO (1990), o limite das placaspassaria, como se disse, pelo canal de So Jorge. Por sua vez, FORJAZ (1988)considera que a Plataforma dos Aores constitui uma microplaca de formatriangular, situada entre as placas eurasitica e africana, limitada a oeste pelaDorsal Mdia do Atlntico, a norte por uma falha em desligamento direito quecoincidiria com o Rifte da Terceira, e a sul por outro desligamento direito,situado numa faixa tectnica conhecida por Zona de Fractura Este dos Aores.Todavia, no parece haver uma estrutura tectnica nica e bem definida entre a 4. 106 Antnio de Brum FerreiraEursia e a frica na regio dos Aores, mas antes uma larga faixa de acomo-dao das tenses entre essas duas placas (MADEIRA, 1998).II. O VULCANISMO1. Origem do vulcanismo dos Aores Aquilo que se disse no ponto anterior mostra que o vulcanismo das ilhasdos Aores no se relaciona directamente com a faixa de expanso ocenicaN-S da Dorsal Mdia do Atlntico, mas antes com uma ou mais faixas deexpanso oblqua, de que o Rifte da Terceira ou a leaky transform de So Jorgeparecem os melhores representantes. Esse facto reflecte-se no quimismo daslavas: enquanto as rochas aorianas se filiam na srie de basaltos alcalinos, aslavas da dorsal apresentam carcter toletico (FRANA, 2002). Alguns autoresconsideram que a importante actividade vulcnica e ssmica das ilhas centraisdos Aores e de So Miguel se relaciona com a existncia de um hot spot (pontoquente). No entanto, no existe nenhuma anomalia trmica positiva no mantoda regio dos Aores: bem pelo contrrio, a temperatura deduzida da anlisedos peridotitos e dos basaltos do manto superior ligeiramente inferior aonormal (BONATTI, 1998). Mas a composio dos basaltos do manto superiorda regio aoriana mostra concentraes anormalmente elevadas de gua, etambm de componentes volteis e de terras raras, que tm como consequnciaum abaixamento da temperatura de fuso. Assim, no haveria nos Aorespropriamente uma pluma trmica, mas uma composio particular dos basal-tos do manto superior que facilitaria o vulcanismo. Nestes casos, em vez depontos quentes deveria falar-se de pontos hmidos, para sublinhar o papel fun-damental que desempenham os fluidos na sua formao (BONATTI, 1998, p. 18). Diversas idades radiomtricas permitem fazer-se uma ideia razovel daidade das ilhas. FORJAZ (in FORJAZ et al., 2000) apresenta-nos uma cmodasntese, baseada em dados de vrios autores, sendo particularmente interessantea sequncia das idades das formaes mais antigas de cada ilha, a leste dadorsal, e que seria a seguinte: Santa Maria (4,8 Ma); So Miguel (3,1 Ma);Terceira (0,9 Ma); Graciosa (0,62 Ma); So Jorge (0,45); Faial (0,4 Ma); Pico(0,25 Ma). Isso mostra uma relao clara entre a idade da individualizaodessas ilhas e a distncia dorsal, num esquema semelhante ao que costumaacontecer em relao aos hot spot intraplaca. Quanto s ilhas situadas a oesteda dorsal, ou seja, j na placa americana, a ilha das Flores (2,1 Ma) bastantemais antiga do que o Corvo (0,3 Ma?). Na ilha de Santa Maria, a mais antiga dos Aores, o vulcanismo pareceextinto h cerca de trs milhes de anos. Nas ilhas das Flores, do Corvo e daGraciosa no foram registadas erupes vulcnicas no tempo histrico, que bastante curto, pois as ilhas foram povoadas apenas em meados do sculo XV.Na ilha das Flores, parece ter havido uma importante actividade vulcnica e 5. Geodinmica e perigosidade natural nas ilhas dos Aores107freatomagmtica h cerca de 3.000 anos, que ter dado origem a crateras deexploso de tipo maar e tuff ring e tambm s escoadas de lava mais recentes(cf. SIEBERT e SIMKIN, 2002). Na Graciosa, algumas escoadas lvicas mostramuma grande frescura e, por isso, no podem ser muito anteriores ocupaohumana, alm de que nela se regista ainda actividade fumarlica e termal.Nas ilhas de So Miguel, Terceira, So Jorge, Faial e Pico, foram registadasdiversas erupes vulcnicas no tempo histrico. 2. As erupes vulcnicas, no tempo geolgico O vulco porventura melhor conhecido dos Aores o das Furnas, na ilhade So Miguel, o qual tem sido estudado por uma equipa de cientistas nacionaise estrangeiros. De acordo com GUEST et al. (1999), e com base em dataes deradiocarbono, a caldeira do vulco das Furnas deve ter-se formado h cercade 12 000 10 000 anos B.P e a actividade vulcnica da para c ter mantido .,um carcter explosivo, de magnitude pliniana a subpliniana. Nos ltimos 5.000anos tero ocorrido uma dezena de erupes, contando com duas erupeshistricas. O vulco do Fogo, situado mais a oeste, na mesma ilha, registou 20erupes nos ltimos 15 000 anos, sendo 7 nos ltimos 5.000 anos, incluindoduas erupes histricas (WALLENSTEIN e DUNCAN, 1998). Todas essas erupestiveram um carcter explosivo. Por sua vez, no vulco das Sete Cidades, locali-zado no extremo ocidental da ilha de So Miguel, a ltima fase da formao dacaldeira parece ter ocorrido h cerca de 16 000 anos, tendo-se registado 17erupes nos ltimos 5000 anos. No interior da caldeira, as erupes tiveramum carcter hidromagmtico, enquanto nas vertentes exteriores do vulco elasforam de tipo havaiano-estromboliano (QUEIROZ e GASPAR, 1998). Num estudo vulcanolgico muito pormenorizado sobre a ilha Terceira, SELF(1974, cf. FERNANDES, 1985; ver tambm SELF, 1982) identificou 116 erupesnos ltimos 23 000 anos, registando-se 21 erupes nos ltimos 2 000 anos.As erupes foram de natureza muito variada, mas revestiram por vezes umcarcter extremamente explosivo, como revelam os ignimbritos que cobriram amaior parte da ilha, h 23 000 e 19 000 anos. Sobre a Graciosa, h poucas data-es radiomtricas, mas pensa-se que a caldeira do estratovulco dessa ilhater-se- formado h cerca de 12 200 anos. Alm disso, um estudo detalhado deterreno permite afirmar que, depois da formao da caldeira, tero ocorrido naGraciosa pelo menos 10 erupes vulcnicas (GASPAR, 1996, p. 238). No quese refere ilha de So Jorge, MADEIRA et al. (1998), baseando-se em 21 dataesradiomtricas, estimam que tero ocorrido uma dezena de erupes vulcnicasdesde h 5600 anos B.P no incluindo as trs erupes histricas, e deduzem, .,tendo em conta os intervalos das erupes histricas, um perodo de recor-rncia de 200 a 300 anos (ob. cit., p. 148). NUNES (1999), tambm com base emdataes radiomtricas, considera que, na ilha do Pico, tero ocorrido mais de35 erupes vulcnicas nos ltimos 2000 anos, e 14 no ltimo milnio; a anlise 6. 108Antnio de Brum Ferreiraestatstica desses dados sugere um perodo de retorno de 130 anos. As erupesforam do tipo estromboliano ou havaiano, com predomnio de fases efusivas. Nomesmo trabalho, referindo-se ilha do Faial, o autor considera que as dataesradiomtricas permitem individualizar cinco episdios explosivos na caldeira,no intervalo entre 10 000 e cerca de 1600 anos B.P .3. As erupes vulcnicas, no tempo histrico Numa lista elaborada por FORJAZ (1999; in FORJAZ et al., 2000), constam 34erupes vulcnicas ocorridas nos Aores, a seguir ocupao humana dasilhas, incluindo tanto as erupes terrestres como as submarinas (fig. 2). Essaserupes esto muito desigualmente documentadas e estudadas. Algumas delasso contemporneas, embora pertencendo a focos eruptivos distintos, e outrasno tero passado de meras erupes freticas. Alm disso, a lista mostra umaumento das erupes submarinas nos ltimos cem anos, o que denota novosmeios de identificao, nomeadamente a rotura de cabos submarinos. Os factosapontados, e ainda a necessidade de determinar com preciso o contexto geof-sico e geotectnico das erupes, aconselha que se tenha uma certa prudnciana deduo da periodicidade das erupes histricas dos Aores. No quadro Iresumem-se as caractersticas e as consequncias das principais erupesocorridas nos Aores no tempo histrico. Assinale-se que a mais recente erupo vulcnica dos Aores ocorreu aolargo da ilha Terceira, a cerca de 9 km do Farol da Serreta. Descoberta porpescadores terceirences no dia 18 de Maio de 1998, a actividade eruptiva sviria a cessar completamente em 2001. A erupo, intermitente, foi caracteri-zada por uma alternncia de emisso de bolas de gases e de projeco de piro-clastos finos e de lavas em almofada, que chegavam at superfcie das guas(FORJAZ et al., 2000). Ao contrrio das duas erupes submarinas mais recentes(a dos Capelinhos e a da Serreta), as erupes histricas que ocorreram no mardos Aores parecem ter durado apenas algumas semanas, dando origem ailhotas que foram rapidamente destrudas pela eroso marinha, ou se afun-daram pouco depois da erupo. 7. Geodinmica e perigosidade natural nas ilhas dos Aores Fig. 2 Erupes histricas nos Aores (segundo FORJAZ, in FORJAZ et al., 2000).109Fig. 2 Historical volcanic eruptions in Azores (after FORJAZ, in FORJAZ et al., 2000) 8. 110 Antnio de Brum FerreiraQuadro I Principais erupes vulcnicas histricas dos Aores e suas consequnciasTable I Principal historical volcanic eruptions in the Azoresand their consequencesAno Local Caractersticas Consequncias Actividade explosiva So Miguel (subpliniana) na caldeira,Uma escoada lvica oriunda do Pico do (caldeira do vulco1563 seguida de actividade efusiva Sapateiro soterrou parte da povoao da do Fogo e Pico do no Pico do SapateiroRibeira Seca (GASPAR FRUTUOSO) Sapateiro) Formao de escoadas piroclsticas que Actividade magmtica etero vitimado uma centena de pessoas em So Miguel freatomagmtica (esta Ponta Gara. No total, tero perecido 1951630 (caldeira do vulco ltima, de magnitudepessoas em So Miguel, durante esta fase das Furnas) subpliniana)vulcnica (COLE et al., 1995) Escoadas de lava destruram quase total- Actividade explosiva, Faial mente as povoaes de Praia do Norte e do1672 seguida de actividade efusiva (Cabeo do Fogo)Capelo (MACHADO, 1959) prolongada Uma escoada lvica destruiu parcialmente a povoao da Urzelina. Segundo MACHADO Actividade essencialmente1808 So Jorge (1965) uma nuvem ardente ter causado a estromboliana morte de 8 pessoas Erupo surtseyana, dePrejuzos materiais devido forte queda de Setembro de 1957 a Maio decinzas, com danificao de habitaes e cul- Faial 1957/58 1958. De Maio a Outubro deturas agrcolas na freguesia do Capelo. Cerca (Capelinhos) 1958, actividadede 700 pessoas desalojadas (RIBEIRO e Brito, estromboliana 1958; CAMPOS et al., 1962)III. A SISMICIDADEA actividade ssmica nos Aores pode considerar-se alta, devido no s grande frequncia de ocorrncia dos tremores de terra mas tambm elevadamagnitude que alguns sismos atingem. Quanto s condies de estudo dessasismicidade, a maior parte dos elementos baseia-se na documentao histrica.Apenas a partir de 1980, na sequncia dos grandes prejuzos causados pelosismo ocorrido em 1 de Janeiro desse ano, se pode falar verdadeiramente desismologia instrumental nos Aores, embora antes disso haja recurso aos dadosda sismologia internacional. No que se refere paleossismicidade, com base naanlise dos deslocamentos nas falhas activas, o seu estudo est limitado pelafraca extenso observvel em terra, que no cobre o comprimento total dasfalhas sismognicas, nomeadamente no caso de sismos de grande magnitude(MADEIRA, 1998).Podemos distinguir dois tipos de sismos nos Aores: uns, muito numerosos,contando-se s centenas por crise, precedem e anunciam as erupes vulc-nicas, por isso mesmo designados por tremor vulcnico; outros tm umcarcter puramente tectnico, incluindo-se nesta categoria os sismos de maior 9. Geodinmica e perigosidade natural nas ilhas dos Aores 111magnitude ocorridos na regio. Tanto num caso como noutro, os sismos sopouco profundos (a litosfera sismognica no costuma ultrapassar 10 km deespessura), o que pode aumentar grandemente a perigosidade ssmica, sobre-tudo quando a distncia epicentral aos lugares habitados no muito grande.De acordo com MACHADO (1959), alguns sismos que anunciaram a fase estrom-boliana da erupo dos Capelinhos atingiram a intensidade epicentral de10 graus Mercalli, devido ao facto de a profundidade do foco no ter excedido1 km. No quadro II, resumiram-se as consequncias dos principais sismos queafectaram os Aores, no perodo histrico. O sismo registado em 22 de Outubro de 1522, na ilha de So Miguel, estligado segunda maior catstrofe ocorrida em territrio nacional, no perodohistrico, logo a seguir ao terramoto de Lisboa, de 1755. Esse sismo esteve naorigem da destruio de Vila Franca de Campo, a capital da ilha nessa altura, ena morte da quase totalidade dos seus habitantes, que alguns cronistas estimamter sido 5000, mas que deveriam ser em nmero bastante menor, segundoGASPAR FRUTUOSO. De acordo com MACHADO (1970, p. 143), o sismo ter tido asseguintes caractersticas: intensidade epicentral (I0), 10 graus Mercalli; magni-tude (M), 6,8; profundidade focal (h), 12 km. Todavia, a grande mortandadeverificada no se deveu directamente ao sismo, mas a um movimento de terrenoinduzido por ele, como veremos no ponto seguinte. Quadro II Principais sismos histricos dos Aores e suas consequncias Table II Principal historical earthquakes in Azores and their consequences DataIlhas atingidasPrincipais consequncias1522 So Miguel Destruio de Vila Franca, tendo perecido quase todos os seus 22 Out.habitantes (alguns milhares), em resultado de um movimento deterreno, induzido pelo sismo (GASPAR FRUTUOSO) 1614 TerceiraAfectou sobretudo a Praia da Vitria. Destrudas 1600 habita-9 Abril es. Mais de 200 mortos (FARRICA, 1980; MOREIRA, 1991)1757 So JorgeGrande destruio na ilha de So Jorge. Um milhar de mortos. 9 JulhoPicoImportantes estragos na parte oriental do Pico e na Terceira,Terceirasobretudo em Angra do Herosmo (MACHADO , 1970; FARRICA,1980) 1841 TerceiraPraia da Vitria e Fontainhas quase totalmente destrudas. 15 Junho Grandes estragos tambm em So Sebastio e Fonte do Bastardo(FARRICA, 1980)1926 FaialGrandes destruies na cidade da Horta. Uma dezena de mortos. 31 Ago. Pico Importantes estragos no Pico (MACHADO, 1970)1980 Terceira, Graciosa Grandes estragos, sobretudo na Terceira, com 4700 casas des-1 Jan. So Jorgetrudas e 5700 inabitveis. 60 mortos (FARRICA, 1980)1998Faial Grande destruio na parte nordeste do Faial: 8 mortos e 150 9 JulhoPicoferidos. Centenas de casas destrudas ou danificadas no Pico(Valverde Madalena) (FRANA, 2002) 10. 112Antnio de Brum Ferreira Particularmente catastrfico foi tambm o sismo ocorrido em 9 de Julhode 1757 na ilha de So Jorge, tendo causado um milhar de mortes, numa popu-lao com pouco mais de 5000 habitantes. Segundo MACHADO (1970, p. 143),as caractersticas do sismo tero sido as seguintes: I0 = 11; M = 7,4; h = 11 km.De acordo com o mesmo autor, esse terramoto provocou muitas derrocadasnas arribas e runa quase total dos edifcios da metade oriental da ilha. O terra-moto causou tambm importantes estragos na parte oriental da ilha do Pico, ena Terceira, nomeadamente em Angra do Herosmo. MADEIRA (1998) refere quena ilha de So Jorge nenhuma falha apresenta rotura superficial compatvelcom este episdio tectnico. Como o terramoto originou um tsunami, podeafirmar-se que o epicentro ocorreu no mar; por outro lado, a enorme des-truio registada em S. Jorge sugere que a rotura ocorreu prximo da costa,provavelmente ao largo do litoral norte uma vez que o tsunami apresentoumaior amplitude na Terceira e Graciosa que no Faial (ob. cit., p. 367). Descri-es coevas mencionam importantes movimentos de terreno na vertente norteda ilha de So Jorge, provavelmente desabamentos e deslizamentos rotacionais. Antes do sismo de 1 de Janeiro de 1980, a ilha Terceira tinha sido atingida,no perodo histrico, por dois importantes tremores de terra, que afectaramsobretudo a parte oriental da ilha: um ocorreu no dia 9 de Abril de 1614 e outroem 15 de Junho de 1841. O primeiro destes sismos foi o mais catastrfico, poisem consequncia dele tero perecido duas centenas de pessoas na Praia daVitria, Cabo da Praia e Fontainhas (MOREIRA, 1991), para alm da destruiode 1600 fogos, 34 igrejas, 3 mosteiros e 15 ermidas (cf. FARRICA, 1980, p. 254).Durante o sismo de 1 de Janeiro de 1980, foi a parte ocidental da ilha quesofreu a maior destruio: segundo dados oficiais citados por FARRICA (1980,p. 250-251), das 19 000 habitaes da ilha, 4700 ficaram destrudas e 5700inabitveis; s em Angra do Herosmo ficaram destrudas cerca de 1800 habita-es, das 4600 existentes na cidade. Quanto s consequncias humanas, h aregistar 60 mortos. O nmero de vtimas poderia ter sido muito maior, se osismo no tivesse ocorrido numa tarde festiva, com bom tempo atmosfrico,encontrando-se muita gente fora das suas residncias. A magnitude do sismoter atingido 7,2 na escala de Richter, com epicentro localizado no sectorsudoeste da fossa submarina oriental da Graciosa (MADEIRA, 1998, p. 375). Em 31 de Agosto de 1926, ocorreu um terramoto na ilha do Faial, comepicentro prximo da cidade da Horta, onde produziu grandes estragos, almde ter causado uma dezena de mortos. De acordo com MACHADO (1970, p. 145),o sismo ter tido as seguintes caractersticas: I0 = 9; M = 6,3; h = 13 km. Essesismo provocou tambm importantes estragos na vizinha ilha do Pico. Durantea erupo dos Capelinhos, a ilha do Faial registou vrias centenas de sismos: aactividade vulcnica foi precedida por mais de duas centenas de abalos e, apreceder a fase estromboliana, nos dias 12 e 13 de Maio de 1958, registaram-se450 tremores de terra, alguns deles originando estragos importantes devido fraca profundidade do foco, como foi referido atrs: em consequncia, apovoao da Praia do Norte foi totalmente destruda, e s no houve uma 11. Geodinmica e perigosidade natural nas ilhas dos Aores113tragdia porque a populao tinha abandonado as suas habitaes, advertidapelos primeiros abalos (MACHADO, 1969). Foi tambm a ilha do Faial a mais atin-gida pelo mais recente macrossismo registado nos Aores, que ocorreu em9 de Julho de 1998, afectando principalmente as povoaes da parte nordesteda ilha, havendo a registar 8 mortos, 150 pessoas feridas e grande destruio doparque habitacional. Esse sismo afectou tambm a ilha do Pico, sobretudo area de Valverde-Madalena, com centenas de casas destrudas ou danificadas(FRANA, 2002).IV. OS MOVIMENTOS DE TERRENO No incio deste trabalho j se fez aluso importncia da estrutura dosestratovulces e aco erosiva do mar na origem de movimentos de terrenoque podem atingir grande magnitude e constituir um factor de forte perigosi-dade. Estes movimentos de terreno so, por via de regra, desabamentos, comdeslizamentos rotacionais associados, que vo mantendo o perfil abrupto dearribas por vezes majestosas, com vrias centenas de metros de altura, e ori-ginam plataformas de escombreiras no sop, conhecidas na regio por fajs.Um dos exemplos mais impressionantes nos Aores dos efeitos dessa erosomarinha, com desabamentos associados, o da ilha do Corvo (MEDEIROS, 1967;2. ed., 1987), um estratovulco hoje quase reduzido a metade, devido forteeroso nos flancos ocidental e norte, sobretudo no primeiro, que atinge jas paredes internas da caldeira. A arriba resultante chega a atingir 700 mde altura. No caso do Corvo, talvez devido forte eroso marinha e ausncia deenseadas mais ou menos abrigadas, no existem fajs, mas estas encontram-secom frequncia noutras ilhas, nomeadamente em So Jorge e nas Flores.As fajs dos Cubres e do Santo Cristo (tambm dita da Caldeira), na encostanorte da ilha de So Jorge, so de todas as mais espectaculares e, tendo emconta a forte eroso marinha local, de supor que a sua idade no seja muitomais antiga do que a do incio do povoamento da ilha. tambm provvel queos enormes desabamentos das arribas estejam relacionados com a ocorrnciade tremores de terra, dada a elevada sismicidade de So Jorge e ao facto de aencosta norte seguir de perto uma estrutura tectnica activa. H notcias degrandes desmoronamentos das arribas durante o sismo de 1757, tanto naencosta norte como na encosta sul de So Jorge, nomeadamente nas fajs dosVimes, de So Joo e dos Cubres (cf. MADEIRA, 1998). As fajs so tambm muito frequentes na ilha das Flores, particularmenteno litoral ocidental, no sop de vertentes que chegam a atingir cerca de 500 mde altura. Aqui no fcil atribuir vibrao ssmica o factor desencadeante dainstabilidade das vertentes, uma vez que a sismicidade muito reduzida naquelailha, embora se saiba que, mesmo tremores de terra de fraca magnitude, sosuficientes para desencadear grandes movimentos de terreno. Um factor a ter 12. 114Antnio de Brum Ferreiraem conta, alm da estrutura geolgica propcia, aco erosiva do mar, e aosfortes declives (que so causa e consequncia dos desabamentos), so aselevadas precipitaes, que aumentam o peso do macio rochoso e diminuem aresistncia efectiva dos materiais. A conservao de fajs no litoral ocidental da ilha das Flores, em reasexpostas forte eroso marinha, pode entender-se como um indcio da sua rela-tiva juventude. Uma das fajs, que se encontra na vertente noroeste, na basede uma arriba de 350 m de altura, tem a sugestiva designao de QuebradaNova, e no ocupada por nenhuma habitao. De acordo com MACEDO (1871,vol. III, p. 120-121) o desabamento deu-se em 9 de Julho de 1847. A entradabrusca do grande volume de materiais no mar ter levantado gua at umaaltura de 60 metros. A acumulao das escombreiras no litoral ter atingido umcomprimento de 1100 m ao longo da costa e uma distncia de 770 m emdireco ao mar. Segundo o mesmo autor, distinguiam-se, acima da gua, duasacumulaes, uma em continuidade com a costa e outra distante dela, a 220metros, em ambos os casos com arvoredo que desabou juntamente com amontanha e que parece ter ali mesmo nascido. Esta referncia parece indicarum movimento rotacional. A faj ocupa hoje um comprimento de 750 m aolongo da costa e atinge 300 m de largura. O ltimo desmoronamento de grandesdimenses da ilha das Flores ocorreu no dia 22 de Maio de 1980 2, na encostasul, no stio designado por Rocha Alta. A faj resultante desse movimento deterreno est representada no novo mapa topogrfico da ilha, na escala de1:25.000 (2. ed., 2002). Actualmente a faj atinge cerca de 1000 m de compri-mento, ao longo da costa, e 400 m de largura. Segundo informaes obtidas nolocal, a dimenso original era bastante maior, tendo a eroso marinha progre-dido muito nos locais onde a acumulao era constituda sobretudo por mate-riais finos. Segundo os mesmos informadores, grande parte da vegetaodeslocada ficou de p, o que, mais uma vez, sugere um movimento rotacional.O desmoronamento verificou-se num dia de bom tempo atmosfrico e de marcalmo, o que reforou a surpresa dos pescadores que se encontravam no portodas Lajes, a 6 km de distncia, onde o nvel do mar, na sequncia do desa-bamento, sofreu grandes oscilaes. Tratando-se de um litoral em arriba, com300 m de altura, sem espao para qualquer habitao, esse grandioso movi-mento de terreno no causou nenhuma vtima. Tal como foi referido, o movimento de terreno mais catastrfico de que hmemria nos Aores aconteceu na sequncia do sismo de 22 de Outubro de1522, tendo soterrado a povoao mais importante da ilha de So Miguel, VilaFranca do Campo, causando a morte da quase totalidade dos seus habitantes,em nmero ainda hoje mal definido. O nmero de 5000 mortos avanado portestemunhos contemporneos da catstrofe e que seria repetido depois por 2 Agradeo ao Senhor Presidente da Cmara Municipal das Lajes das Flores, Joo AntnioVieira Loureno, a informao da data exacta deste desmoronamento. 13. Geodinmica e perigosidade natural nas ilhas dos Aores 115diversos cronistas (e aceite ainda por cientistas actuais), deve ter sido, segundoGASPAR FRUTUOSO, bastante menor, pois aquele nmero deve incluir outrasmortes, ocorridas noutros locais da ilha na sequncia do sismo (algumas delasdevidas tambm a outros movimentos de terreno, como aconteceu por exemplona Maia, na encosta norte), e ainda vtimas da peste que grassou na ilha, no anoseguinte ao da catstrofe. O tremor de terra foi responsvel pela destruio dosprincipais edifcios da vila, mas foi a escoada de lama, em que se misturaramsolos, cinzas vulcnicas, vegetao e grandes blocos, que, soterrando a vila,vitimou a populao. O rigor do relato deixado por GASPAR FRUTUOSO (cf.Saudades da Terra, Livro IV, ed. 1998), permitiu a reconstituio das caracters-ticas do movimento de terreno (quadro III) e da sua trajectria (fig. 3). Quadro III Caractersticas da escoada de 22 de Outubro de 1522,em Vila Franca do Campo (segundo FERREIRA et al., 2002) Table III Characteristics of the Vila Franca do Campo earthflow, 22 october 1522 (after FERREIRA et al., 2002)SubstratoLavas traquticasMaterial afectadoSolo, cinzas e escrias vulcnicas, vegetaoDeclive da vertente20, na cabeceira; 5, na rea de acumulaoTipo de MovimentoEscoada de terras (earthflow)Velocidade 1-3 m/sComprimento mximo 2,5 kmLargura mxima 0,5 kmProfundidade mxima5-7 mrea afectada650 000 m2Para alm dos sismos de origem tectnica, tambm os abalos que ante-cedem ou acompanham as erupes vulcnicas, nomeadamente os devidos aexploses magmticas ou freatomagmticas, podem ser a causa prxima demovimentos de terreno de grande amplitude, provocando, alm do desaba-mento de cornijas, verdadeiros colapsos dos flancos dos estratovulces. Entreoutros exemplos, pode citar-se o grande deslizamento do stio do Castelo, naRibeira Quente, onde a cicatriz e parte do corpo do deslizamento se individua-lizam ainda claramente. Segundo COLE et al. (1995), esse deslizamento terocorrido na sequncia de abalos que antecederam, de poucas horas, o comeoda erupo subpliniana de 1630, no vulco das Furnas (sobre o deslizamentoencontram-se cinzas vulcnicas oriundas dessa erupo). Tratando-se de umlocal desabitado na altura, no ocorreu ali nenhuma catstrofe. Recordemosque, em Ponta Gara, situada cerca de 6 km a sudoeste da caldeira do vulcodas Furnas, pereceram 80 a 115 pessoas, devido a uma escoada piroclstica,logo em consequncia directa da erupo, segundo COLE et al. (1995), mas que 14. 116Antnio de Brum FerreiraMACHADO (1965) considera um resultado dos sismos que precederam a activi-dade eruptiva.Fig. 3 Enquadramento litolgico da escoada catastrfica de 22 de Outubro de1522, em Vila Franca do Campo (segundo Zzere, in FERREIRA et al., 2002)1 Materiais piroclsticos; 2 cones de escrias; 3 lavas traquticas; 4 lavas andesticas; 5 cra-tera vulcnica; 6 falha provvel; 7 cabeceira provvel da escoada; 8 rea e trajectria provveisda escoada; 9 limites da antiga vila; 10 rea correspondente actual povoao (dados geol-gicos com basena Carta Geolgica de Portugal, Ilha de S. Miguel, Servios Geolgicos dePortugal, 1958).Fig. 3 Lithological framework of the Vila Franca do Campo earthflow,22 october 1522 (after Zzere, in FERREIRA et al., 2002)1 Pyroclastic materials; 2 cinder cones; 3 trachyte lavas; 4 andesite lavas; 5 volcano crater;6 fault (probable); 7 earthflow head; 8 earthflow body; 9 site of the former town; 10 pre-sent-day town (geological data from Carta Geolgica de Portugal, Ilha de S. Miguel, Servios Geol- gicos de Portugal, 1958).Muito numerosos so os movimentos de terreno que ocorrem nos Aores nasequncia de chuvas muito intensas. A ltima fase importante de instabilizaodas vertentes, com essa origem, ocorreu na ilha de So Miguel, em Outubrode 1997, a seguir a um perodo prolongado de chuvas abundantes e, sobretudo,das chuvas muito intensas que caram nos ltimos dias do ms. Foi possvel 15. Geodinmica e perigosidade natural nas ilhas dos Aores 117recensear cerca de um milhar de deslocaes, a maior parte de pequenadimenso, mas algumas delas provocando prejuzos materiais muito impor-tantes, particularmente na Povoao e no Nordeste (cf. VALADO et al., 2002).Este episdio de chuvas muito intensas ficou tristemente marcado por umaescoada lamacenta que vitimou 29 pessoas na povoao da Ribeira Quente (nolonge do deslizamento de 1630). A velocidade e a fluidez do material transpor-tado (uma mistura de lama, escrias vulcnicas, vegetao e blocos) estiveramna origem da invaso rpida de uma parte das casas daquela povoao, soter-rando as vtimas. De acordo com dados referidos por RAPOSO (1998), vriosudmetros da bacia hidrogrfica da Ribeira Quente registaram mais de 200 mmde precipitao nas 24 horas que precederam a tragdia.V. CONCLUSO A actividade vulcnica dos Aores, no perodo histrico, mostra que aserupes tm tendncia a revestir um carcter explosivo no interior das cal-deiras e efusivo nos flancos dos vulces. Esse facto particularmente claro nocaso dos vulces activos da ilha de So Miguel, em que a presena de lagoasd origem a erupes hidromagmticas, com abundante produo de vapor degua, da o carcter explosivo das mesmas. O estudo geolgico mostra que aactividade do vulco das Furnas foi predominantemente explosiva, nos ltimosmilhares de anos (COLE et al., 1995; 1999). Os efeitos dessa actividade explosiva,particularmente perigosa num raio de 10 km em torno do centro eruptivo, solargamente influenciados pela topografia, com as escoadas piroclsticas aserem encaminhadas pelos vales. Foram muito provavelmente as escoadas piro-clsticas, canalizadas pelos entalhes do flanco sudoeste do vulco, que viti-maram uma centena de habitantes de Ponta Gara, durante a erupo de 1630.Tambm o vulco do Fogo, situado 12 km a oeste do das Furnas, apresenta, nasua histria geolgica recente, uma actividade explosiva que pode atingirelevada magnitude, como aconteceu h 5000 anos com a erupo plinianaconhecida por Fogo A (WALLENSTEIN e DUNCAN, 1998). Tal como no caso dovulco das Furnas, num cenrio desses o resultado mais catastrfico poder sera formao de escoadas piroclsticas, canalizadas pelos entalhes do estrato-vulco, tanto na encosta norte como na encosta sul, na parte terminal dos quais,uma vez mais, se instalaram povoaes. No que se refere ao vulco das SeteCidades, no extremo ocidental da ilha de So Miguel, a histria eruptiva dosltimos 5000 anos mostra uma elevada actividade explosiva intracaldeira, comintervalos de 180 anos. Atendendo a que o ltimo episdio aconteceu h 700anos, nova crise poder estar prxima (cf. GASPAR e QUEIROZ, 1998). No entanto, foram, de longe, os tremores de terra os fenmenos naturaismais perigosos, tornando-se por vezes catastrficos. O sismo de maior magni-tude ocorrido no perodo histrico nos Aores parece ter sido o de 1757, na ilhade So Jorge, que causou a morte de 1000 pessoas, numa populao de 5000 16. 118 Antnio de Brum Ferreirahabitantes. Todavia, o sismo mais catastrfico foi o que ocorreu em 22 deOutubro de 1522 em So Miguel, que vitimou a quase totalidade dos habitantesde Vila Franca do Campo, a povoao mais importante de ento, ao desen-cadear um movimento de terreno, que foi o principal causador da catstrofe.Os danos materiais e humanos dos sismos dos Aores tm sido muito elevados,no s em consequncia da alta magnitude de alguns deles, mas tambm devidos tcnicas tradicionais de construo, que so muito vulnerveis vibraossmica. Neste sentido, h a sublinhar uma melhoria da qualidade do parquehabitacional mais recente, incluindo as obras de reconstruo das reas afec-tadas pelos sismos.Mesmo as ilhas que no conheceram, no perodo histrico, actividade vul-cnica e ssmica no esto livres de uma certa perigosidade geomorfolgica,derivada essencialmente dos desmoronamentos do litoral, por influncia daestrutura geolgica, dos grandes declives e da aco erosiva do mar. Foram refe-ridos os exemplos das ilhas do Corvo e das Flores. Embora no Corvo os desaba-mentos sejam particularmente activos no flanco ocidental do vulco, eles noconstituem uma verdadeira ameaa para a sua nica povoao, estabelecidanuma pequena plataforma da vertente meridional, mas podem ser perigosospara a navegao costeira. No caso das Flores, para alm de eventuais acidentesno mar, junto costa, h a considerar uma maior disperso do povoamento, queno evitou totalmente o sop (Ponta da Faj) ou o topo (Cedros) de grandesarribas. Obviamente, essas consideraes so ainda mais pertinentes no casode ilhas sujeitas a instabilidade ssmica, nomeadamente no caso da ilha deSo Jorge, onde as fajs habitadas, sobretudo na vertente norte, no sop dearribas impressionantes, esto longe de se poderem considerar locais seguros.BIBLIOGRAFIABONATTI, E. (1998) Le manteau de la Terre et louverture des ocans. In Les Humeurs de lOcan,Paris, Dossier Pour la Science, Scientific American: 12-20.CAMPOS, V.; MACHADO, F.; GARCIA, J. A. S. (1962) Relatrio da misso tcnica do Ministrio dasObras Pblicas para remediar as primeiras consequncias da erupo vulcnica da Ilha doFaial. In Le Volcanisme de lle de Faial et lruption du Volcan de Capelinhos (Deuxime Partie),Lisboa, Servios Geolgicos de Portugal, Memria n. 9 (Nova Srie): 35-50.COLE, P D.; QUEIROZ, G.; WALLENSTEIN, N.; GASPAR, J. L.; DUNCAN, A. M.; GUEST, J. E. (1995) An . historic subplinian / phreatomagmatic eruption: the 1630 AD eruption of Furnas volcano, So Miguel, Azores. 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