terra em ebulição - immanuel velikovsky

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lmmanuel Velikovsky Terra em Ebulição 1981 Tradução de Aldo Bocchini Neto MELHORAMENTOS http://groups-beta.google.com/group/digitalsource

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Sinopse - Terra em Ebulição - Immanuel Velikovsky"Terra em Ebulição" trata das grandes alterações sofridas pelo nosso planeta em tempos pré-históricos e apresenta o depoimento de testemunhas mudas: as rochas e os esqueletos fossilizados. Embora os cientistas convencionais não aceitassem as teorias de Velikovsky sobre a história da Terra, vê-se hoje que suas idéias são comprovadamente verdadeiras.

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  • lmmanuel Velikovsky

    Terra em Ebulio

    1981

    Traduo de Aldo Bocchini Neto MELHORAMENTOS

    http://groups-beta.google.com/group/digitalsource

  • Para minhas filhas SHULAMITH e RUTH

    SUMRIO

    Agradecimentos Introduo Prefcio Nota do Autor Captulo 1 - NO NORTE - No Alasca / As Ilhas de Marfim Captulo 2 - REVOLUO - Os Blocos Errticos / O Mar Virou Terra e a Terra Virou Mar / As Cavernas da Inglaterra / Os Cemitrios Aquticos Captulo 3 - UNIFORMIDADE - A Doutrina da Uniformidade / O Hipoptamo / Icebergs / Darwin na Amrica do Sul Captulo 4 - GELO - O Nascimento da Teoria da poca Glacial / Nas Plancies Russas / poca Glacial dos Trpicos / Groenlndia / Corais das Regies Polares / Baleias nas Montanhas Captulo 5 - ONDA DE MAR - Fissuras nas Rochas / A Camada Florestal de Norfolk / A Caverna de Cumberland / No Norte da China / A Mina de Asfalto de La Brea / A Pedreira de Agate Captulo 6 - VALES E MONTANHAS - Deslocamentos de Montanhas nos Alpes e em Outros Lugares / O Himalaia / As Colinas de Siwalik / Tiahuanaco / O Planalto do Rio Colmbia / Uma Fenda no Continente

  • Captulo 7 - DESERTOS E OCEANOS - O Saara / Arbia / As Baas da Carolina / O Fundo do Atlntico / O Piso dos Mares Captulo 8 - PLOS DESLOCADOS - A Causa das pocas Glaciais / Deslocamento dos Plos / Deriva Continental / Mudana de rbita / Rotao da Crosta Captulo 9 - EIXO DESLOCADO - A Terra num Torno / Evaporao dos Oceanos / Condensao / Uma Hiptese / Gelo e Mar / Inverso dos Plos Magnticos / Cometas, Vulces e Terremotos Captulo 10 - 35 SCULOS ATRS - Relgio Sem Corda / O Lago Glacial de Agassiz / As Cataratas do Nigara / A Geleira do Rdano / O Mississippi / Fsseis na Flrida / Os Lagos da Grande Bacia e o Fim da poca Glacial Captulo 11 - QUEDA DO CLIMA - Queda do Clima / As Camadas dos Troncos das rvores / Habitaes Lacustres / Queda do Nvel dos Oceanos / O Mar do Norte Captulo 12 - AS RUNAS DO ORIENTE - Creta / Tria / As Runas do Oriente / Tempos e Datas Captulo 13 - TEORIAS QUE SE DESMORONAM - Geologia e Arqueologia / Teorias que se Desmoronam / As Primeiras Eras / Carvo Captulo 14 - EXTINO - Fsseis / Pegadas / Cavernas / Extino Captulo 15 - EVOLUO CATACLSMICA - Catastrofismo e Evoluo / A Geologia e as Formas de Vida em Transformao / O Mecanismo da Evoluo / Mutaes e Novas Espcies / Evoluo Cataclsmica

  • Captulo 16 - O FIM SUPLEMENTO - Mundos em Coliso Luz das Descobertas Recentes em Arqueologia, Geologia e Astronomia - (Conferncia proferida na Universidade de Princeton em 14 de outubro de 1953) / 1895 e 1950: A Hora Prpria para uma Heresia / Mundos em Coliso e as Descobertas Recentes em Arqueologia / Descobertas Recentes na Geologia / Mundos em Coliso e as Recentes Descobertas em Astronomia

    AGRADECIMENTOS No preparo de Terra em Ebulio e do ensaio (Comunicao perante o Forum de Debates da Universidade de Princeton) acrescentado ao final deste volume, contra dvidas de gratido a vrios cientistas. O Prof. Walter S. Adams, durante muitos anos diretor do Observatrio de Mount Wilson, deu-me todas as informaes e instrues que pedi acerca da atmosfera dos planetas, campo em que ele a autoridade mxima. Em minha visita ao observatrio solar de Pasadena, Califrnia, e em nossa troca de correspondncia, ele sempre demonstrou um louvvel esprito de colaborao cientfica. O falecido Dr. Albert Einstein concedeu-me grande parte de seu tempo e ateno durante seus ltimos dezoito meses de vida (novembro de 1953 a abril de 1955). Leu diversos manuscritos meus, enriquecendo-os com anotaes margem. De Terra em Ebulio leu os captulos VIII a XII; escreveu comentrios sobre este e outros manuscritos, e no foram poucas as tardes e noites, muitas vezes at meia-noite, em que discutiu e debateu comigo o significado de minhas teorias. Em suas ltimas semanas de vida, releu Mundos em Coliso e ainda leu trs pastas de "memrias" sobre aquele livro e sua aceitao, expressando seus pensamentos por escrito. Partimos de pontos opostos; a rea de discordncia, como se reflete em nossa

  • correspondncia, diminua cada vez mais e, embora por ocasio de sua morte (nosso ltimo encontro se deu nove dias antes do falecimento) restassem pontos de desacordo bem definidos, sua posio na poca demonstrava a evoluo de suas opinies no espao de dezoito meses. O Prof. Waldo S. Glock, chefe do Departamento de Geologia da Faculdade de Macalester, em St. Paul, Minnesota, reconhecida autoridade em dendrocronologia (estudo da idade das rvores, por meio dos anis recortados em volta do tronco pela remoo da casca), com o auxlio de seus alunos pesquisou a literatura pertinente aos anis de rvores de tempos antigos, alm de me responder a perguntas que fiz nessa rea. O Dr. H. Manley, do Imperial College, Londres, o Prof. P. L. Mercanton, da Universidade de Lausanne, e o Prof. E. Thellier, do Observatrio Geofsico da Universidade de Paris, contriburam gentilmente com seus conhecimentos na rea de geomagnetismo e me enviaram cpias de seus trabalhos. O Prof. Lloyd Motz, do Departamento de Astronomia da Universidade de Colmbia, Nova York, em momento algum se cansou de comentar e de testar matematicamente os diversos problemas de eletromagnetismo e de mecnica celeste que eu propunha para discusso. O Dr. T. E. Nikulins, gelogo de Caracas, muitas vezes me chamou a ateno para vrias publicaes na imprensa cientfica que me poderiam ajudar. E me proporcionou acesso fonte que trata da descoberta das Idades da Pedra e do Bronze no nordeste da Sibria. O Prof. George McCready Price, gelogo da Califrnia, leu um primeiro rascunho de vrios captulos deste livro. Entre mim e esse octogenrio, autor de vrias obras sobre geologia escritas do ponto de vista fundamentalista, h tantos pontos de acordo quanto de desacordo. Entre estes ltimos, o principal que Price se ope prpria teoria da evoluo e, a seu favor, tem o fato de no ter surgido nenhuma espcie animal nova desde o princpio da era cientfica; quanto a mim, ofereo nos captulos finais deste trabalho

  • ("Extino" e "Evoluo Cataclsmica") uma soluo radical do problema. Com o Prof. Richardson, do Instituto de Tecnologia de Illinois, passei vrios dias discutindo alguns problemas de fsica e de geofsica. Com ningum divido a responsabilidade por este trabalho. A todos os que me ajudaram, enquanto o ambiente acadmico em geral se apresentava eivado de animosidade, expresso aqui minha gratido.

    INTRODUO Mais de vinte anos se passaram desde a primeira vez que este trabalho viu a tinta da impresso e a luz de uma prateleira de livraria. Nesses anos todos, as horas passaram cada vez mais velozes para o relgio da cincia, e a penetrao do homem nos mistrios do espao teve a aura de revelao. A face da Terra, a face do sistema solar, o aspecto da galxia e de todo o Universo - tudo deixou de ser calmo e sereno para se tornar convulso e controverso. Bilhes de anos se passaram desde a ltima evoluo pacfica ocorrida na Terra. As montanhas ficaram prontas no Tercirio, em milhes de anos no houve acontecimento mais importante do que a queda de um grande meteorito, a rbita continua definida, o calendrio e as latitudes imutveis, os sedimentos se acumulam lentamente com a preciso de uma balana de farmcia, alguns enigmas no foram resolvidos mas tm soluo assegurada na prpria estrutura do sistema solar, os planetas permanecem em suas rbitas permanentes com os satlites a se deslocarem numa preciso superior dos relgios, as mars seguem seu ritmo e as estaes a sua ordem, terreno perfeito para a competio entre as espcies; aranhas, vermes, peixes, aves e mamferos, todos se desenvolveram unicamente pela competio entre os indivduos e entre as espcies, a partir do antepassado comum - uma criatura unicelular viva.

  • O homem foi programado para um despertar repentino desse sonho feliz e paradisaco. Enquanto pouco tempo atrs censurava-se por perturbar a natureza pacfica, ele se viu meramente imitando a natureza agressiva e explosiva. Enquanto relegava a viso dessas convulses ao campo das crenas transcendentais e esotricas - de Sat, de Lcifer e do fim do mundo - ele despertava para o conhecimento de verdadeiros indcios do passado terrvel de sua Terra-me: cinzas de origem externa cobrindo o cho sob suas extenses de gua, uma fenda profunda que atravessa oceanos, demonstrando a enorme toro que estremeceu a Terra, os plos repetidamente invertidos; sua pequena irm neste sistema biplanetrio - a Lua - no mais a luz graciosa a iluminar nossas noites, mas uma viso do inferno, um mundo violentado onde no resta vida, com milhes de acres de destruio, de cho castigado, derretido e borbulhado, um quadro que no novo, mas ainda no compreendido em seu significado em relao Terra. Nossa maravilhosa luz diurna lambe os planetas com seu plasma, e eles alargam e enrijecem sua blindagem magntica para se protegerem contra os perigos desse ato de amor. Os planetas transmitem sinais de rdio que falam dos sofrimentos de suas almas inorgnicas, e tambm h os sinais de galxias em coliso. O tranqilo universo apenas uma vastido cruzada por radiao s vezes letal, por fragmentos de corpos desintegrados, por sinais de perigo vindos de todas as direes, A nica paz vem da convico de que no h nada de muito desagradvel nossa espera, espera da jia da criao, certamente no pela vontade de uma Divindade benevolente, nem por deciso da cincia onisciente. A perspectiva razovel, se considerarmos que esse sistema acaba de sair das guerras que nossos antepassados entendiam como teomaquia - a guerra dos deuses - e de entrar num estado fixo que talvez dure muito tempo em termos de vida humana. A perspectiva tambm razovel se considerarmos que praticamente para todos os perigos apareceu um remdio - fornecido por uma inteligncia suprema protetora? Assim, os destruidores raios ultravioleta e outras

  • radiaes semelhantes so contidos pela ionosfera, os raios csmicos so mantidos sob controle por uma blindagem magntica, e esta criada pela rotao da Terra, que est sempre girando e, embora no ocupe o centro do universo como o homem pensava h apenas doze geraes, est num lugar ideal - a uma distncia do Sol que lhe assegura a medida certa de calor, de modo que sua gua nem evapore nem congele, e de modo que a gua e a atmosfera sejam adequadas vida. Nessas condies ideais, as formas vivas que evoluram nos paroxismos da natureza desfrutam de mais uma era de crescimento e abundncia - e o homem, conquistador da natureza que lhe deu origem, sai para o espao, fugindo limitao que sempre o prendeu rocha nativa. Alm disso, vtima de amnsia com relao a seu prprio passado recente, faz brincadeiras perigosas com o tomo que acabou de conseguir fender. Esquece que ele mesmo, em termos morais, no est muito distante do antepassado que extraiu uma fagulha da pedra e fez o fogo.

    PREFCIO Terra em Ebulio trata das grandes tribulaes sofridas pelo nosso planeta em tempos pr-histricos e histricos. As pginas deste livro transcrevem o depoimento de testemunhas mudas, as rochas, perante o tribunal celestial. Seu depoimento sua prpria aparncia e o contedo de seus corpos mortos, os esqueletos fossilizados. Mirades e mirades de criaturas vivas existiram nesta bola de rocha suspensa em nada e depois voltaram ao p. Muitas tiveram morte natural, muitas foram mortas nas guerras entre raas e espcies, e muitas foram enterradas vivas durante grandes paroxismos da natureza, quando a terra e o mar competiam em termos de destruio. Tribos inteiras de peixes que enchiam os oceanos subitamente deixaram de existir; de espcies inteiras e at mesmo gneros de animais terrestres no restou sequer um nico sobrevivente.

  • A terra e a gua, sem as quais no podemos existir, de repente se tornaram inimigas e engolfaram o reino animal, inclusive a raa humana, e no houve abrigo ou proteo. Nesses cataclismos, terra e mar muitas vezes trocavam de lugar, deixando seco o reino das guas e inundando os reinos da terra. Em Mundos em Coliso, apresentei as crnicas de duas - as ltimas - sries dessas catstrofes, as ocorridas no segundo e no primeiro milnio antes da era atual. Como esses paroxismos ocorreram em tempos histricos, quando a arte da escrita j se havia desenvolvido nos centros da civilizao antiga, eu os descrevi basicamente a partir de documentos histricos, fundamentando-me em cartas celestes, calendrios, bem como quadrantes solares e clepsidras descobertos. pela arqueologia, tendo ainda me baseado na literatura clssica, na literatura sagrada do Oriente e do Ocidente, nos picos das raas nrdicas, nas tradies orais dos povos primitivos desde a Lapnia at os Mares do Pacfico Sul. S num ou noutro ponto estavam indicados os vestgios geolgicos dos eventos narrados nos documentos, e foi por isso que senti a necessidade de apresentar o testemunho imediato das rochas juntamente com as provas histricas. No fim daquele livro, prometi que em data futura eu tentaria analisar catstrofes semelhantes, porm mais antigas, entre elas o Dilvio. Depois de reunir toda a histria desses cataclismos globais mais antigos, eu pretendia apresentar o material geolgico e paleontolgico que corroborasse o testemunho do homem. Mas a aceitao de Mundos em Coliso por determinados grupos cientficos me convenceu, antes que eu repassasse a srie de catstrofes mais antigas, a apresentar ao menos parte das provas das rochas, to boas quanto as provas transmitidas at ns por documentos escritos ou pela tradio oral. Esse testemunho no se faz por metforas; e, como nas pginas do Antigo Testamento ou da Ilada, nada se pode alterar nele. As pedras e as rochas, as montanhas e o fundo do mar daro seu testemunho. Tero eles notcia dos dias - recentes ou antigos - em que a harmonia deste mundo foi interrompida pelas

  • foras da natureza? Tero eles enterrado inmeras criaturas, incrustando-as na rocha? Tero eles presenciado a gua a cobrir os continentes e estes a deslizarem por baixo do mar? Teriam a terra e os vastos mares recebido chuvas de pedras e depois permanecido cobertos de cinzas? Ser que as florestas, arrancadas por furaces e depois incendiadas, foram cobertas por ondas que traziam areia e detritos do fundo dos oceanos? Um tronco leva milhes de anos para se transformar em carvo, mas apenas uma hora quando queimado. Aqui est o mago da questo: teria a Terra se transformado num processo lento, ano aps ano, milho de anos aps milho de anos, tendo o tranqilo terreno da natureza como arena ampla para a disputa das multides, em que os mais ajustados sobreviveram? Ou teria tambm ocorrido que a prpria arena, enfurecida, ergueu-se contra os competidores e ps fim a suas guerras? Apresento aqui algumas pginas tiradas do livro da natureza. Exclu delas todas as referncias a literatura, tradies e folclore antigos. E fiz isso de propsito, para que os crticos descuidados no considerem o trabalho todo como um conjunto de "lendas e histrias". Pedras e ossos so as nicas testemunhas. Mudos, faro seu depoimento claro e inequvoco. No entanto, ouvidos moucos e olhos turvos negaro as provas, e quanto mais fraca a viso, mais altas e mais insistentes sero as vozes de protesto. Este livro no foi escrito para os que aceitam sem discusso a verba magistri - a infalibilidade da sabedoria de sua escola. Esses podem at discuti-Ia sem o terem lido.

    NOTA DO AUTOR No corpo de Terra em Ebulio, no encontrei nada que exigisse ser supresso ou alterado em relao edio original, de novembro de 1955. Desde ento, o livro foi reimpresso muitas vezes sem alterao.

  • A posio intransigente dos adeptos do dogma da uniformidade (quer se chamem gradualistas, evolucionistas ou darwinistas), para quem no houve mudanas radicais no passado posto que nada semelhante se observa na natureza no presente (idia sem lgica, imaginao ou fundamento), comeou a mostrar sinais de pequenas rachas, pressagiando fendas mais profundas e o colapso definitivo. A expresso "evoluo cataclsmica" entrou na literatura cientfica; a expresso "novo catastrofismo" apareceu para dar a entender que os novos princpios diferem das idias de Velikovsky. E um pequeno ponto era retomado repetidamente, mesmo ao reconhecerem a interferncia de foras elementares no curso da histria. Assim, os grandes distrbios globais do sc. XV ou do sc. VIII antes da era atual foram apresentados como resultado de uma exploso de um nico vulco, Tera, no Mar Egeu. No entanto, em alguns casos, como na descoberta de uma grande falha submarina que d duas voltas ao redor do globo, o descobridor (B. Heezen) sentiu-se forado a escrever: A descoberta tardia da ruga e da falha ocenicas provoca questes fundamentais acerca dos processos geolgicos bsicos e da histria da Terra, repercutindo at mesmo na cosmologia. Com sua descoberta da cinza esbranquiada que cobre o leito de todos os mares e oceanos, a chamada cinza de Worzel, J. L. Worzel tambm foi levado a escrever: Pode ser necessrio atribuir a camada a um vulcanismo mundial, ou talvez ao fim incandescente dos corpos de origem csmica. E quando s vezes eu me defrontava com faculdades inteiras de geofsicos (como em Madison, Wisconsin, em 1967), para quem todos os sinais de catstrofes resultavam apenas de eventos locais, eu me referia sempre s descobertas de Heezen ou Worzel, ou perguntava qual era o evento local que poderia alterar o nvel de

  • todos os oceanos 34 sculos atrs, como compreendeu R. Daly, de Harvard, em 1930 (e confirmou P. Kuenen, em 1959), ou mudar o clima do mundo inteiro duas vezes, h 34 e h 27 sculos atrs. J na dcada de 1960, descobri que Terra em Ebulio estava substituindo A Origem das Espcies nos cursos dados por muitos geofsicos - como no caso de minha visita ao Oberlin College, em 1965. Desde a publicao inicial e durante as duas dcadas seguintes, Terra em Ebulio foi leitura obrigatria no curso de paleontologia do Prof. Glenn Jepsen, da Universidade de Princeton. H. H. Hess, chefe do Departamento de Geologia (mais tarde Geofsica), disse-me que conhecia Terra em Ebulio de cor. Discutiu o livro comigo na primeira reunio aberta do grupo "Cosmo e Crono", que ele fundou no campus da Universidade de Princeton em janeiro de 1965, para estudo e discusso de meu trabalho. Surgiram grupos semelhantes tambm em outros campi. Atualmente, os grupos dedicados a estudos na rea da fsica e da geofsica tm como centro o Cosmo e Crono, Diviso de Cincias Fsicas, Caixa Postal 12807, Fort Worth, Texas - 76116. Esse grupo dirigido pelo Dr. C. J. Ransom, que anteriormente trabalhava no Departamento de Fsica da Universidade do Texas, em Austin. Estudos humanistas e de histria natural so publicados numa revista trimestral, Kronos (Glassboro State College, Glassboro, N. J. - 08028). Na mesma escola, existe um "Centro de Estudos Velikovskyanos e Matrias Interdisciplinares", que recebe, arquiva e publica livros. Afirmei que no alteraria nada em relao edio original de 1955. No entanto, gostaria de fazer alguns comentrios relativos a uma determinada parte. Na dcada de 1950, a hiptese (1920) de A. Wegener a respeito da Deriva Continental ganhava maior aceitao. Na reunio anual da Sociedade Britnica para o Progresso da Cincia, uma chamada nominal resultou em nmeros iguais a favor e contra a idia de Wegener. Em fins da dcada de 1960, houve uma virada violenta: a parte menos satisfatria da hiptese foi atacada por um lado novo. Essa parte a que dizia respeito natureza da fora que provoca a deriva continental, que, para Wegener, devia-se

  • atrao desigual da Lua sobre as latitudes diferentes, e para DuToit, ao peridico aquecimento radioativo no interior da Terra. E, de forma involuntria, participei da histria, que foi assim: A Comunicao, impressa no final deste livro, sob a forma de Suplemento, foi apresentada na Universidade de Princeton em 14 de outubro de 1953. Nela eu dizia que Jpiter, sendo um corpo carregado, emite sinais de rdio; que a Terra, sendo corpo carregado, possui uma magnetosfera e que esta magnetosfera chega at a rbita lunar. As trs hipteses foram confirmadas posteriormente e marcaram poca em termos de descobertas desse tipo. Mas, pressionado por uma campanha encetada pela fina flor da comunidade cientfica, durante nove anos fui impedido de ter qualquer contato com os estudantes, exceto quando H. H. Hess me dava oportunidade. Aps a publicao de Terra em Ebulio, em fins de 1955, muitas vezes Hess me convidou para falar para um pblico de professores e alunos de seu departamento. Minha posio quanto deriva continental era (e ainda ) intermediria entre os que rejeitam essa idia (H. Jeffreys, principal geofsico ingls, e V. V. Beloussov principal geofsico russo, nunca deixaram de ser seus adversrios mais declarados) e os que a aceitam. Portanto, eu no admitiria que o contorno dos atuais continentes so caractersticas perenes, provocadas apenas pela deriva dos continentes. A fora do movimento estava l; pela inrcia, o deslocamento dos estratos poderia continuar num ritmo cada vez mais lento, durante sculos; as atividades vulcnicas e os terremotos eu definia como conseqncia dessas mesmas ocorrncias e afirmava que eles diminuiriam com o tempo. Uma vez, um professor da Universidade da Rodsia estava presente a uma palestra no mesmo auditrio em que geralmente eu apresentava meu desafio, e afirmou que sua expedio descobrira que a intensidade residual magntica de lavas na Somlia e na Etipia era mil vezes mais forte do que aquela que o campo magntico terrestre (meio gauss) poderia conferir a essas lavas quando resfriadas abaixo do ponto de Pierre Curie. Em seguida,

  • afirmou que na Arbia a direo do magnetismo residual, segundo descobriram, era invertida em relao da vizinha Somlia e da Etipia, na costa africana. Mais uma vez brinquei com o pblico: "Vocs tm que virar a Arbia, em relao frica, se quiserem explicar os fenmenos atravs da deriva continental. E o residual de magnetismo mil vezes mais forte vocs no conseguem explicar nem que faam a Arbia girar". Um dia, Hess mostrou-me um desenho feito por ele das massas de magma que se deslocavam desde o interior da Terra, em fuso, at a crosta. Queria ouvir minha opinio sobre aquelas massas como fontes de energia para movimentar continentes. No demonstrei muita considerao por aquelas massas, inteiramente hipotticas, na realidade frutos da imaginao. Durante algum tempo, eu no sabia que Harry (comeamos a nos chamar pelos nomes de batismo) divulgara sua teoria: Tinha notcias de adeptos entusiastas da "tectnica de placas", como J. Tuzo Wilson, de Toronto, mas foi s em Continents in Motion, de Walter Sullivan (1974), que eu soube que Hess era o iniciador da idia; e ento me lembrei desses incidentes. Paul Wasson, da Universidade de Cambridge, reuniu mais de setenta argumentos, na literatura cientfica, contra a tectnica de placas e a deriva continental. Quanto a mim, permaneci inatacado, seja pelos entusiastas, seja por seus adversrios. S poderemos chegar a um conhecimento - que muitos ainda temem enfrentar - acerca da Terra pelo estudo do que aconteceu a ela menos de 4.000 anos atrs. Sobre isso, dispomos de inesgotveis testemunhos humanos (parte dos quais reunida em Mundos em Coliso) e da paisagem inexplicada (mas trazendo em si sua prpria explicao) de todas as latitudes e longitudes.

  • CAPTULO 1 NO NORTE

    No Alasca

    No Alasca, ao norte do Monte McKinley, o mais alto da Amrica do Norte, o Rio Tanana junta-se ao Yukon. No vale do Tanana e nos seus afluentes, extrai-se ouro do cascalho e do "esterco" - uma massa congelada de rvores e animais. F. Rainey, da Universidade do Alasca, fala do lugar: "Nos vales dos afluentes do Tanana, no Distrito de Fairbanks, abrem-se atualmente cortes largos, em geral com vrios quilmetros de comprimento e s vezes at 40 m de profundidade. Para se chegar s camadas de cascalho aurfero, necessrio retirar com macacos hidrulicos uma sobrecarga de lama congelada ou 'esterco'. Esse 'esterco' contm muitssimos ossos congelados de animais extintos, como mamute, mastodonte, biso e cavalo". (O cavalo extinguiu-se na Amrica pr-colombiana. Os atuais cavalos do hemisfrio ocidental descendem de animais importados). Esses animais desapareceram em tempos relativamente recentes. Atualmente, calcula-se que se tenham extinguido no final da poca glacial ou logo no incio dos tempos ps-glaciais. O solo do Alasca cobriu seus corpos juntamente com os corpos de animais de espcies que ainda vivem. Em que condies ocorreu essa grande matana, na qual milhes e milhes de animais foram dilacerados, membro por membro, e misturados com rvores desenraizadas? F. C. Hibben, da Universidade do Estado de Novo Mxico, EUA, escreve: "Embora a formao dos depsitos de esterco no seja clara, h bons indcios de que ao menos parte desse material tenha sido depositada em condies catastrficas. Em sua maior parte, os restos dos mamferos esto desmembrados e desarticulados, embora alguns fragmentos ainda retenham, em seu estado de congelamento,

  • partes de ligamentos, pele, plos e carne. rvores retorcidas e arrancadas amontoam-se como lascas... Nessas jazidas, observam-se ao menos quatro camadas considerveis de lava vulcnica, embora elas sejam extremamente deformadas e distorcidas"... Ser que uma erupo vulcnica matou a populao animal do Alasca e os rios levaram para os vales os corpos dos animais dizimados? Uma erupo vulcnica teria carbonizado as rvores, mas no as teria arrancado e despedaado. Se os animais foram mortos durante uma erupo, nem por isso teriam sido desmembrados. A presena de lava indica de fato a ocorrncia repetida de erupo vulcnica, em quatro etapas consecutivas da mesma poca. Mas tambm evidente que as rvores s poderiam ser arrancadas e despedaadas por um furaco ou uma cheia, ou pela combinao desses dois fatores. Os animais s poderiam desmembrar-se por fora de uma onda enorme que erguesse, e levasse, e batesse, e rasgasse, e enterrasse milhes e milhes de corpos e de rvores. Alm disso, a rea da catstrofe era muito maior do que a rea de ao de alguns vulces. Depsitos como os do vale do Rio Tanana so encontrados nas partes mais baixas do Yukon, na regio ocidental da pennsula, no Rio Koyukuk, que vem do norte e desgua no Yukon, no Rio Kuskokwim, que despeja suas guas no Mar de Bering, e em vrios lugares ao longo do litoral rtico. Assim, "pode-se dizer que esses depsitos se estendem com maior ou menor espessura por todas as reas no congeladas da parte norte da pennsula". O que poderia ter feito com que o Mar rtico e o Oceano Pacfico levantassem e varressem as florestas e sua populao animal, atirando tudo em grandes montes espalhados por todo o Alasca, cujo litoral mais comprido do que o litoral Atlntico da Terra Nova Flrida? No teria havido uma revoluo tectnica na crosta terrestre, tambm responsvel pelas erupes vulcnicas e pelas lavas que cobriram a pennsula?

  • Em vrios nveis do depsito, encontraram-se utenslios de pedra "congelados in situ a grandes profundidades e em visvel associao" com a fauna da poca Glacial, o que significa que havia "homens contemporneos dos animais extintos do Alasca". Pedras trabalhadas, com formas caractersticas, denominadas pontas de Yuma, foram encontradas muitas vezes no esterco do Alasca, a 30 ou mais metros de profundidade. Uma dessas pontas foi encontrada entre o maxilar de um leo e a presa de um mamute. Armas desse tipo s eram utilizadas h poucas geraes, pelos ndios da tribo dos Athapascan, que viviam no vale do alto Tanana. "Tambm j se afirmou que at mesmo as pontas dos esquims modernos so extraordinariamente parecidas com as pontas de Yuma", e tudo isso demonstra que os inmeros animais dilacerados e as florestas despedaadas datam de uma poca de poucos milhares de anos atrs.

    As Ilhas de Marfim O litoral rtico da Sibria frio, desolado e inspito. O mar s navegvel, para navios que manobrem por entre os blocos de gelo, durante dois meses do ano; de setembro at meados de julho, o oceano ao norte da Sibria fechado por um deserto contnuo de gelo. Os ventos polares varrem as tundras congeladas da Sibria, onde no crescem rvores e o solo nunca cultivado. Em sua viagem de explorao a bordo do Vega, em 1878, Nils Adolf Erik Nordenskjld, o primeiro navegador que atravessou essa regio de um extremo ao outro, viajou durante semanas ao longo do litoral de Novaya Zemlya ao Cabo Shelagskoi (17030' leste), na extremidade oriental da Sibria, sem ver um nico ser humano na costa. As presas fsseis do mamute - um elefante extinto - encontradas no norte da Sibria eram levadas para o sul, desde h muito tempo, talvez desde o tempo de Plnio, no sc. I de nossa era. Os chineses se destacam pelos desenhos delicados no marfim, grande parte do

  • qual eles obtm no norte. E desde os tempos da conquista da Sibria (1582) pelos cossacos de Iv o Terrvel at hoje, muita presa de mamute foi comercializada. O norte da Sibria contribua com mais da metade da produo mundial de marfim, e muitas teclas de piano e bolas de bilhar eram feitas com as presas dos mamutes. Em 1797, foi encontrado o corpo de um mamute, com carne, pele e plos, no norte da Sibria, e desde ento j descobriram corpos de outros mamutes no solo congelado de vrias partes da regio. A carne tinha o aspecto de carne bovina recm-congelada; era comestvel, e os lobos e ces se alimentaram dela sem problemas. Aquele cho devia estar congelado desde o dia em que os animais foram soterrados; no fosse assim, e os corpos dos mamutes se teriam putrificado num nico vero. E eles se mantiveram sem deteriorao alguma durante alguns milhares de anos. "Portanto, absolutamente necessrio crer que os corpos foram congelados imediatamente aps a morte, e que jamais foram descongelados at o dia em que os descobriram". Bem ao norte da Sibria, 1.000 km alm da linha do Crculo Polar, no Oceano rtico, situam-se as Ilhas Liakhov. Liakhov foi um caador que, no perodo de Catarina II, aventurou-se para essas ilhas e trouxe a notcia de que l eram abundantes os ossos de mamutes. "To enorme era a quantidade de restos mortais de mamutes que parecia (...) que a ilha em verdade era composta de ossos e presas de elefantes, aglutinados pela areia enregelada". As Ilhas Novas da Sibria, descobertas em 1805 e 1806, bem como as ilhas de Stolbovoi e Belkov, a oeste, apresentam o mesmo quadro. "O solo dessas ilhas desoladas absolutamente cheio de ossos de elefantes e rinocerontes, em quantidades espantosas". "Essas ilhas eram cheias de ossos de mamute, e era absolutamente surpreendente a quantidade de presas e dentes de elefantes e rinocerontes encontrados na recm-descoberta Ilha Nova, superando tudo o que at ento j se havia descoberto". Como esses animais teriam chegado at l? Caminhando sobre o gelo? E com que objetivo? E de que se alimentariam? No dos

  • liquens das tundras siberianas, cobertos de neve profunda a maior parte do ano, e menos ainda do musgo das ilhas polares, congeladas dez meses por ano. Os mamutes, membros da voraz famlia dos elefantes, exigiam grandes quantidades dirias de vegetais, durante o ano inteiro. Como poderiam ter existido muitos desses animais numa regio como a do nordeste da Sibria, considerado o lugar mais frio do mundo, e onde eles no encontrariam alimento? Com redes, tiram-se presas de mamute do fundo do Oceano rtico; e em seguida a temporais rticos, as praias das ilhas cobrem-se de presas lanadas pelos vagalhes. Isso seria indcio de que o fundo do rtico entre as ilhas e o continente era terra seca no tempo em que l viviam os mamutes. Georges Cuvier, o grande paleontlogo francs (1769-1832), acreditava que, numa grande catstrofe de dimenses continentais, o mar cobriu a terra, morreram os rebanhos de mamutes, e num segundo movimento espasmdico o mar se afastou, deixando para trs as carcaas. Tais acontecimentos tinham de ser acompanhados por uma repentina queda de temperatura, para que o gelo engolfasse os corpos e os preservasse contra a decomposio. Em alguns mamutes, at mesmo o globo ocular se havia conservado. Charles Darwin, que negou a ocorrncia de catstrofes continentais no passado, em carta a Sir Henry Howorth reconhece que a extino dos mamutes na Sibria constitua um problema insolvel para ele. J. D. Dana, importante gelogo norte-americano da segunda metade do sculo passado, escreveu: "O encerramento de elefantes enormes dentro do gelo e a perfeita preservao da carne mostram que o frio se tornou repentinamente extremo, como no caso de uma nica noite de inverno, e nunca mais se alterou a partir de ento". Nos estmagos e entre os dentes dos mamutes foram encontradas plantas e gramneas que no existem atualmente no norte da Sibria. "O contedo dos estmagos foi minuciosamente examinado. Havia folhas de rvores encontrveis hoje no sul da Sibria, mas bem longe dos depsitos de marfim. A anlise microscpica da pele mostrou corpsculos de sangue vermelho, prova no apenas de morte

  • repentina, mas de que a morte foi devida asfixia por gases ou por gua, obviamente gua, nesse caso. Mas continuou existindo o enigma quanto ao repentino congelamento de massas de carne to grandes, conservadas para eras futuras". O que poderia ter causado uma sbita alterao na temperatura da regio? Atualmente, naquela rea no h alimento para grandes quadrpedes, pois o solo rido e produz apenas fungos e musgo durante alguns meses do ano. E naquele tempo os animais se alimentavam de plantas. E no eram s os mamutes que pastavam nas regies do norte da Sibria e nas ilhas do Oceano rtico. Na Ilha Kotelnoi "no h rvores, arbustos ou mato (...) e no entanto encontram-se ossos de elefantes, rinocerontes, bfalos e cavalos, nessas extenses geladas, em quantidades que desafiam todos os clculos". Quando Hedenstrm e Sannikov descobriram as Ilhas Novas em 1806, encontraram os restos de "enormes florestas petrificadas" na "vastido desolada" do gelo polar. Essas florestas eram visveis a dezenas de quilmetros de distncia. "Os troncos das rvores nessas runas de florestas antigas apresentavam-se ora de p, ora deitados, enterrados horizontalmente no solo congelado. A extenso era muito grande". Hedenstrm escreve: "No litoral sul da Nova Sibria encontram-se as extraordinrias colinas de madeira [montes de troncos]. Tm 55 m de altura e compem-se de estratos horizontais de arenito, alternando-se com estratos de feixes betuminosos ou troncos de rvore. Subindo-se por esses montes, v-se por toda parte o carvo fossilizado, aparentemente coberto de cinza. Olhando-se mais de perto, porm, observa-se que essa cinza tambm uma petrificao, to dura que dificilmente se pode rasp-Ia com uma faca". Alguns troncos so fixos, perpendiculares ao arenito, com as extremidades quebradas. Em 1829, o cientista alemo G. A. Erman foi s ilhas Liakhov e da Nova Sibria para medir o campo magntico da Terra. Afirmou que o

  • solo era coberto de ossos de elefantes, rinocerontes e bfalos. Acerca dos montes de madeira escreveu: "Na Nova Sibria [ilha], nos declives que do para o sul, h colinas de 75 ou 90 m de altura, formadas de madeira lanada pelas ondas, cuja origem antiga, bem como a da madeira fossilizada das tundras, anterior histria da Terra em seu estado atual, chama de imediato a ateno dos caadores, mesmo os menos instrudos (...). Outras colinas na mesma ilha, e em Kotelnoi, mais a oeste, tm montes da mesma altura de esqueletos de paquidermes [elefantes, rinocerontes], bises etc., aglutinados pela areia congelada e pelos estratos e veios de gelo... No topo das colinas, eles [os troncos] se apiam uns nos outros na maior desordem, forados em sua posio ereta apesar da gravidade, como se tivessem sido atirados com grande violncia e formado um monte". Eduard von Toll visitou vrias vezes as Ilhas Novas da Sibria, entre 1885 e 1902, quando morreu no Oceano rtico. Analisou as "colinas de madeira" e "concluiu que se compunham de troncos de rvores carbonizadas, com impresses de folhas e frutos". Em Maloi, ilha do grupo das Ilhas Liakhov, Toll encontrou ossos de mamute e outros animais junto com troncos de rvores fossilizadas, com folhas e cones. "A surpreendente descoberta prova que, no tempo em que os mamutes e os rinocerontes viviam no norte da Sibria, essas ilhas desoladas eram cobertas de grandes florestas e abrigavam uma vegetao luxuriante". Um furaco, ao que tudo indica, arrancou as rvores da Sibria e as lanou para o extremo norte; ondas montanhosas do oceano as amontoaram em colinas imensas, e algum agente de natureza betuminosa as transformou em carvo, ou antes ou depois de elas serem depositadas e aglutinadas em massas desordenadas de areia que se transformaram em arenito. Essas florestas petrificadas foram varridas do norte da Sibria para o oceano, e formaram as ilhas juntamente com os ossos de animais e a areia levada pelo vento. Pode ser que nem todas as rvores carbonizadas e os mamutes e outros animais tenham sido destrudos

  • e varridos numa nica catstrofe. mais provvel que um enorme cemitrio de animais e rvores tenha vindo voando, pelo ar, na crista de uma onda que recuava, at assentar-se sobre outro cemitrio, mais antigo, dentro do Crculo Polar. Os cientistas que exploraram as camadas de 'esterco' do Alasca no pensaram na semelhana de aspecto entre os restos de animais l encontrados e os das regies polares da Sibria e das ilhas rticas. Desse modo, no discutiram uma causa comum para os dois fenmenos. A explorao das Ilhas Novas, a 1.600 km do Alasca, deveu-se a estudiosos dos scs. XVIII e XIX, que seguiram os passos dos caadores de marfim fossilizado. J a explorao do solo do Alasca foi realizada por cientistas do sc. XX, que seguiram as mquinas de minerao de ouro. Essas duas observaes - a antiga e a nova - vieram do norte. Antes de apresentar muitas outras, de todas as partes do mundo, procurarei rever algumas teorias dominantes acerca da histria da Terra e de seu reino animal. Leremos resumidamente, nas palavras originais dos autores, como os primeiros naturalistas explicavam os fenmenos; como, em seguida, os mesmos fenmenos foram interpretados luz da evoluo lenta; e como, nos ltimos oitenta anos, uma srie de fatos cada vez maior no se coaduna com a idia de um mundo tranqilo, formado num processo lento onde nada acontece.

    CAPTULO 2 REVOLUO

    Os Blocos Errticos

    As guas do oceano em que nossas montanhas se haviam formado ainda cobriam parte desses Alpes, quando um violento paroxismo do globo subitamente abriu grandes cavidades (...) e arrebentou muitas rochas...

  • "As guas correram para esses abismos com extrema violncia, caindo da altitude em que se encontravam antes. Cruzaram vales profundos e arrastaram enormes quantidades de terra, areia e detritos de todos os tipos de rochas. Essa massa, levada pela violncia de grandes guas, espalhou-se pelas encostas, onde ainda vemos muitos fragmentos espalhados". assim que Horace Bndict de Saussure, importante naturalista suo do fim do sculo XVIII, explica a presena de pedras que antes pertenciam aos Alpes e que agora se encontram nas montanhas do Jura, a oeste. assim tambm que ele explica os restos marinhos existentes no alto dos Alpes, e a areia, o cascalho e a argila que enchem os vales alpinos e as plancies para alm das montanhas. As rochas soltas situadas nas montanhas do Jura foram arrancadas dos Alpes; em sua composio mineral, diferem das formaes rochosas do Jura, comprovando sua origem alpina. Rochas desse tipo, diferentes das formaes onde so encontradas, chamam-se "blocos errticos". Esses blocos de pedra situam-se nas montanhas do Jura a uma elevao de 600 m acima do Lago Genebra. Alguns tm milhares de metros cbicos, e um deles, Pierre Martin, tem mais de 3.000 m3. Eles devem ter sido carregados atravs do espao agora ocupado pelo lago, e erguidos at onde se encontram hoje. H blocos errticos em muitos lugares. Nas Ilhas Britnicas, tanto no litoral quanto nos planaltos, h enormes quantidades, trazidas pelo Mar do Norte desde as montanhas da Noruega. Alguma fora os arrancou dos macios noruegueses, levou-os por toda a distncia que separa a Escandinvia das Ilhas Britnicas, e os depositou no litoral e sobre s montanhas. Da Escandinvia, tambm vieram blocos para a Alemanha, espalhando-se por todo aquele pas. Em alguns lugares, foram depsitos to espessos que parecem trazidos por pedreiros dispostos a construir toda uma cidade. E tambm no alto das montanhas Harz, na Alemanha central, existem pedras originrias da Noruega.

  • Da Finlndia saram blocos de pedra que hoje se encontram na regio bltica e na Polnia, e sobre os Crpatos. Outra srie de blocos errticos, vindos da Finlndia, se encontra hoje sobre os montes Valdai; na regio de Moscou e at a rea do Don. Na Amrica do Norte, blocos errticos extrados do granito do Canad e Labrador, espalharam-se pelos estados do Maine, New Hampshire, Vermont, Massachusetts, Connecticut, New York, New Jersey, Michigan, Wisconsin e Ohio. So vistos no alto das montanhas, nas encostas e no fundo dos vales. Encontram-se na plancie costeira, bem como nas Montanhas Brancas e nos Berkshires, s vezes em cadeias no interrompidas. E nas montanhas Pocono equilibram-se precariamente na borda da crista das montanhas. O viajante atento fica pasmo com o tamanho das pedras que encontra pelo meio da mata, trazidas e abandonadas em alguma poca passada, assustadoramente amontoadas. Alguns blocos errticos so enormes. O bloco existente perto de Conway, no estado de New Hampshire, tem 27 X 12 X 11,5 m, e pesa cerca de 10.000 t, o equivalente capacidade de um grande navio cargueiro. Igualmente grande a Pedra de Mohegan, na cidade de Montville, em Connecticut. O enorme bloco errtico plano da regio de Warren, em Ohio, pesa aproximadamente 13.500 t e cobre 3.000 m2. O bloco de Ototoks, 50 km ao sul de Calgary, Alberta, composto de duas partes de quartzito "vindas de pelo menos 80 km a oeste", e deve pesar mais de 18.000 t2. No entanto, blocos de 75 a 90 m de circunferncia so pequenos em comparao com uma massa de pedra calcria existente perto de Malm, no sul da Sucia, que tem "5 km de comprimento, 300 m de largura e entre 30 e 60 m de espessura, e que veio de alguma distncia desconhecida"... explorada como pedreira. Na Inglaterra, existe uma laje de pedra calcria semelhante, igualmente trazida de outro lugar, "sobre a qual inadvertidamente haviam erigido uma aldeia". Em inmeros lugares na superfcie terrestre, bem como em ilhas isoladas no Atlntico, no Pacfico e na Antrtida, existem rochas de origem distante, trazidas por alguma fora enorme. Arrancadas de

  • suas montanhas e penhascos costeiros de origem, foram levadas por vales e montes, pela terra e pelo mar.

    O Mar Virou Terra e a Terra Virou Mar O mais famoso naturalista da gerao da Revoluo Francesa e das guerras napolenicas foi Georges Cuvier. Foi o fundador da paleontologia dos vertebrados, ou cincia dos ossos fsseis, e, portanto, da cincia dos animais extintos. Estudando os achados na formao de gipsita de Montmartre, em Paris, e os de outros lugares da Frana e do continente europeu em geral, chegou concluso de que mesmo em meio aos estratos de formaes marinhas mais antigas, existem outros estratos repletos de restos animais ou vegetais terrestres ou de gua doce; e que entre os estratos mais recentes, ou que estejam mais prximos da superfcie, tambm existem animais terrestres sepultados sob montes de sedimento marinho. "Aconteceu muitas vezes que as terras secas foram cobertas de novo pelas guas, ou por serem engolfadas no abismo, ou porque o mar simplesmente se elevou... Esses repetidos avanos e recuos do mar no foram lentos, nem graduais; pelo contrrio, a maioria das catstrofes que os provocaram foi repentina. E isso particularmente fcil de provar, com relao ltima dessas catstrofes - aquela que, com um movimento em dois tempos, inundou e em seguida deixou secar nossos atuais continentes, ou pelo menos parte da terra que os forma atualmente". "O despedaamento, a elevao e a revirada dos estratos mais antigos [da terra] no deixam dvida de que eles foram reduzidos ao estado em que os vemos hoje pela ao de causas violentas e repentinas. E mesmo a fora dos movimentos originados nas guas ainda comprovada pelos montes de detritos e pedras redondas que em muitos lugares se interpem entre os estratos slidos. Portanto, muitas vezes a vida foi perturbada por acontecimentos terrveis. Incontveis seres vivos desta terra foram vtimas das catstrofes.

  • Alguns, que viviam na terra seca, foram engolidos pelas inundaes. Outros, que habitavam as guas, foram postos em terra seca, quando o fundo do mar se elevou de repente. As prprias raas desses animais chegaram a se extinguir para sempre, deixando como lembranas de sua existncia nada mais que alguns fragmentos que os naturalistas mal conseguem reconhecer". Cuvier surpreendeu-se ao descobrir que "nem sempre existiu vida no globo", pois h estratos profundos que no contm vestgios de seres vivos. O mar desabitado "parece que preparou materiais para os moluscos e os zofitos" , e quando eles apareceram e povoaram o mar, depositaram suas conchas e construram o coral, a princpio em pequeno nmero, e por fim em formaes enormes. Cuvier no achava que houvessem ocorrido mudanas na natureza apenas desde o aparecimento da vida, pois as massas de terra formadas antes do aparecimento da vida tambm pareciam ter sofrido violentos deslocamentos. Nos depsitos de gipsita dos subrbios de Paris, Cuvier encontrou calcrio marinho que continha mais de oitocentas espcies de conchas, todas do mar. Sob essa camada de calcrio, existe outro - de gua doce - depsito formado de argila. Entre as conchas, todas de origem de gua doce ou terrestre, tambm h ossos - mas "o que extraordinrio" que os ossos so de rpteis, "crocodilos e tartarugas", no de mamferos. Grande parte da Frana j foi mar; depois foi terra, habitada por rpteis terrestres; depois foi mar de novo, habitada por animais marinhos; depois foi novamente terra, com mamferos; em seguida, mais uma vez mar, e terra de novo. Cada estrato contm a prova de sua idade nos ossos e nas conchas dos animais que l viveram e se propagaram e que foram enterrados nos cataclismos sucessivos. E assim como na regio de Paris, o mesmo se deu em outras reas da Frana e em outros pases da Europa. Os estratos da Terra revelam que: "O fio das operaes interrompeu-se aqui; a marcha da natureza est modificada; e nenhum dos

  • agentes que ela emprega hoje teria sido suficiente para a produo de suas obras de antigamente". "No temos provas de que o mar possa hoje incrustar as conchas com uma cola to compacta quanto a do mrmore, com o arenito, ou mesmo com o calcrio grosso... "Em resumo, todas as causas [atualmente ativas] unidas seriam incapazes de alterar o nvel do mar, num grau perceptvel, ou de provocar a elevao de um nico estrato acima de sua prpria superfcie... Afirma-se que o mar est sofrendo uma diminuio geral de nvel... Admitindo-se que tem havido um recuo gradual de suas guas; que o mar vem transportando matria slida para todas as direes; que a temperatura do globo est diminuindo ou aumentando; nenhum desses fatores poderia ter revirado os estratos, envolvido grandes animais no gelo, com carne e pele; lanado [animais] marinhos em terra seca (...) e, finalmente, destrudo numerosas espcies e at gneros inteiros". Assim, repetimos, em vo que procuramos, entre os poderes que hoje atuam na superfcie da Terra, causas que produzam as revolues e as catstrofes, cujos vestgios esto expostos sobre a crosta". Mas o que poderia ter causado essas catstrofes? Cuvier analisou as teorias da origem do mundo correntes em sua poca, mas no encontrou resposta para a questo que o preocupava. Desconhecia a causa desses enormes cataclismos - sabia apenas que haviam ocorrido. J se haviam empreendido "muitos esforos infrutferos", e ele sentia que a busca das causas dos cataclismos tambm era infrutfera. "Essas idias me rondaram, posso quase dizer que me torturaram, durante minhas pesquisas entre os ossos fsseis".

    As Cavernas da Inglaterra Em 1823, William Buckland, professor de geologia na Universidade de Oxford, publicou seu Reliquiae diluvianae (Restos do Dilvio), com

  • o subttulo, Observaes dos restos orgnicos encontrados em cavernas, fendas e cascalho diluviano, e de outros fenmenos geolgicos que comprovam a ao de um dilvio universal. Buckland foi uma das maiores autoridades em geologia na primeira metade do sc. XIX. Numa caverna de Kirkdale, em Yorkshire, a 25 m acima do vale, sob um piso de estalagmites, ele encontrou dentes e ossos de elefantes, rinocerontes, hipoptamos, cavalos, veados, tigres (cujos dentes eram "maiores do que os do maior leo ou tigre de Bengala"), ursos, lobos, hienas, raposas, lebres, coelhos, bem como ossos de corvos, pombos, cotovias, narcejas e patos. Muitos daqueles animais haviam morrido "antes de formada a primeira dentio". Alguns estudiosos anteriores a Buckland tinham suas prprias explicaes para a provenincia de ossos de elefantes em solo ingls, e a eles Buckland se refere: "[A idia] que predominou durante muito tempo, e que foi considerada satisfatria pelos antiqurios [arquelogos] do sculo passado, que seriam restos de elefantes trazidos pelos exrcitos romanos. Rejeita-se essa idia por vrios motivos: primeiro, pelos fatos anatmicos de eles pertencerem a uma espcie extinta desse gnero; segundo, porque geralmente aparecem, junto com os ossos de rinocerontes e hipoptamos, animais que no se pode associar com os exrcitos romanos; terceiro, porque esses elefantes tambm foram encontrados na Sibria e na Amrica do Norte, em quantidades iguais ou at maiores que na Europa, e no entanto so regies jamais dominadas pelo Imprio Romano". Aparentemente, hipoptamo, rena e biso viviam lado a lado em Kirkdale, bem como hipoptamo, rena e mamute pastavam juntos em Brentford, perto de Londres. Rena e urso-pardo viviam juntos com o hipoptamo, em Cefn, Gales. Ossos de lemingue e rena foram encontrados juntos com ossos do leo das cavernas e da hiena, em Bleadon, Somerset. Hipoptamo, biso e um tipo de carneiro foram encontrados juntos com pederneira trabalhada nos cascalhos do vale do Tmisa. Ossos de rena, mamute e rinoceronte encontram-se lado a lado na caverna de Breugue, na Frana, misturados na mesma

  • argila vermelha, envoltos pelas mesmas estalagmites. Em Arcy, Frana, tambm numa caverna, encontraram-se ossos de hipoptamos com ossos de rena, e junto com eles uma pederneira trabalhada. Segundo a profecia de Isaas (11:6), nos tempos messinicos que viro, o bezerro e o leo pastaro juntos. Mas nem mesmo a viso proftica poderia conceber a idia de uma rena, das neves da Lapnia, conviver nas Ilhas Britnicas ou na Frana com um hipoptamo da regio tropical do Rio Congo. E no entanto ambos deixaram seus ossos na mesma lama das mesmas cavernas, juntamente com os ossos de outros animais, nas combinaes mais estranhas. Esses ossos de animais foram encontrados em cascalho e argila a que Buckland deu o nome de diluvium. Buckland preocupava-se em "estabelecer dois fatos importantes: primeiro, que houve uma inundao geral e recente do globo; segundo, que os animais cujos restos so encontrados nos destroos dessa inundao eram originrios das altas latitudes norte". A presena de animais tropicais no norte da Europa "no pode ser resolvida com a suposio de que eles migram periodicamente (...) pois no caso de crocodilos e tartarugas quase impossvel a migrao para lugares distantes, ocorrendo quase a mesma coisa com um animal to volumoso como o hipoptamo, quando fora da gua". Mas como eles poderiam viver no frio do norte da Europa? Diz Buckland: " igualmente difcil imaginar que poderiam ter passado seus invernos em lagos ou rios congelados". Se os animais terrestres de sangue frio no conseguissem esconder-se no cho durante o inverno, em climas gelados seu sangue congelaria: eles no tm a capacidade de regular a temperatura do corpo. Como Cuvier, Buckland estava "quase certo de que se houve uma mudana no clima, ela foi repentina". Acerca da poca em que ocorreu a catstrofe, que cobriu de lama e pedras os ossos da caverna de Kirkdale, escreveu Buckland: "Da limitada quantidade de estalactite ps-diluviana, bem como da no

  • degenerao dos ossos", deve-se deduzir que "o tempo decorrido desde a introduo da lama diluviana no excessivamente longo". Os ossos ainda no estavam fossilizados e sua matria orgnica ainda no fora substituda por minerais. Buckland cr que o tempo decorrido desde uma catstrofe diluviana no pode exceder os 5.000 ou 6.000 anos, concluso a que tambm chegaram De Luc, Dolomieu e Cuvier, cada um com suas prprias razes. E ento o eminente gelogo acrescentou as seguintes palavras: "Qual foi a causa - mudana na inclinao do eixo da Terra, aproximao de um cometa ou qualquer outra causa ou combinao de causas puramente astronmicas um problema cuja discusso foge ao escopo deste trabalho".

    Os Cemitrios Aquticos O 'velho arenito vermelho' considerado um dos estratos mais antigos entre os que contm sinais de vida extinta. Nele no h vestgio de qualquer vida animal superior ao peixe. Seja qual for sua idade, ele representa o testemunho e o "maravilhoso registro da morte violenta e instantnea que se abateu no sobre indivduos, mas tribos inteiras". No fim da dcada de 1830, Hugh Miller dedicou-se a um estudo especial do 'velho arenito vermelho', na Esccia. Ele comentou: "A terra j se havia transformado em enorme sepultura, a uma profundidade, abaixo do leito do mar, equivalente a pelo menos duas vezes a altura do Ben Nevis em relao superfcie do mar". Ben Nevis, localizado nas montanhas Grampian, o pico mais elevado da Gr-Bretanha, com 1.343 m de altura. O estrato do 'velho arenito vermelho' duas vezes mais espesso. Essa formao apresenta o espetculo de um cataclismo imobilizado num determinado instante e petrificado para sempre. Hugh Miller escreveu:

  • "A primeira cena de A Tempestade [de Shakespeare] comea em meio confuso e turbulncia de um furaco em meio a raios e troves, rajadas de vento, gritos dos navegantes, o ranger do cordame e os golpes violentos das grandes vagas. Na regio que atualmente compreende a metade norte da Esccia, a histria do perodo representado pelo 'velho arenito vermelho' parece ter tido incio de maneira semelhante (...). O enorme espao que hoje inclui Orkney e Loch Ness, Dingwall e Gamrie, alm de milhares de quilmetros quadrados, foi o leito de um oceano pouco profundo, conturbado por correntes poderosas e agitado pelas ondas. Um vasto estrato de pedras arredondadas pela gua, variando em profundidade entre os 30 e os 100 m, subsiste ainda em mil diferentes lugares, como que para testemunhar os distrbios daquela poca." Miller descobriu que as massas mais duras do estrato - "prfiros de fratura vtrea que cortam vidro com a facilidade do cristal, e massas de quartzo que tiram fogo do ao com a mesma profuso do slex - so, contudo, polidas e trituradas, assumindo forma de pequenas bolas... E, no entanto, certamente difcil imaginar como o fundo de qualquer mar se agitaria de modo to violento e uniforme, durante tanto tempo e numa rea to extensa, a ponto de o terreno todo cobrir-se de um estrato de pedras arredondadas e de quase todos os tipos de rochas antigas, com uma espessura equivalente a quinze andares de um edifcio". No arenito vermelho est encravada uma abundante fauna aqutica. Os animais se encontram em posies de perturbao. No perodo em que essas formaes foram compostas, alguma catstrofe terrvel destruiu de repente os peixes de uma rea de pelo menos 160 km de um extremo ao outro, talvez mais. A mesma plataforma que se v em Orkney v-se tambm em Cromarty, ambas com uma ampla e espessa camada de restos a exporem inequivocamente as marcas da morte violenta. Os corpos se apresentam contorcidos, contrados e curvos; em muitos casos, o rabo est dobrado e chega a tocar a cabea; a espinha dorsal est exposta; as nadadeiras dilatadas ao mximo, como nos peixes que morrem com convulses. O

  • Pterichthycs (Animal extinto, semelhante ao peixe, com projees parecidas com asas e com a parte anterior do corpo guarnecida por placas sseas) tem os membros anteriores distendidos no ngulo mais rgido, como se pronto para enfrentar um inimigo. A postura de todos os ictiolites [peixes fsseis] dessa plataforma de medo, raiva e dor. E os despojos no parecem ter sofrido ataques de peixes predadores, pois estes tambm no teriam sobrevivido. Foi uma destruio a um s tempo total e muito ampla... Que agente destruidor poderia ter sido o responsvel pela "dizimao, de uma s vez, de inmeras existncias, numa rea talvez de 15.000 km2?" Escreveu Miller: "No h base com que se conjeturar acerca do enigma, e o que se disser esbarrar sempre na incerteza relativa a todos os fenmenos conhecidos da morte". Por mais virulenta que seja, no h doena capaz de explicar a devastao nessa arena da morte. Raramente uma doena atinge igualmente muitos gneros ao mesmo tempo, e jamais mata de modo to sbito. E, no entanto, existem nessas runas os restos de dez a doze gneros diferentes, com muitas espcies, e a ao mortal foi to repentina que as vtimas se mantiveram em sua primeira atitude de surpresa e horror. A rea do 'velho arenito vermelho' estudada por Miller compreende metade da Esccia, do Loch Ness extremidade norte do pas, at as Ilhas Orkney, ao norte. "Mil locais diferentes" mostram a mesma paisagem de destruio. Quadro idntico encontrado em muitos outros lugares no mundo inteiro, em formaes semelhantes ou no. Acerca do Monte Bolca, perto de Verona, ao norte da Itlia, escreveu Buckland: "As circunstncias em que se encontram os peixes fsseis do Monte Bolca parecem indicar que morreram repentinamente... Os esqueletos so paralelos s lminas dos estratos do calcrio, esto sempre inteiros e bem juntos um do outro... Todos esses peixes devem ter morrido de repente (...) e foram rapidamente sepultados no sedimento de calcrio quando este se precipitou. Alguns exemplares

  • chegaram mesmo a conservar vestgios de cor sob a pele, o que nos d a certeza de que foram soterrados antes que comeasse a decomposio de suas partes macias". O mesmo autor escreveu sobre os depsitos de peixes na rea das Montanhas Harz, na Alemanha: "Outro famoso depsito de peixes fsseis o da placa cuprfera de Harz. Muitos peixes da regio, em Mansfeld, Eisleben etc., encontram-se em posio distorcida, geralmente associada s contores da agonia da morte... Como esses peixes fsseis mantm a posio do estgio de rigidez que segue imediatamente morte, conclui-se que foram sepultados antes do incio da putrefao e, aparentemente, na mesma lama betuminosa cujo influxo lhes havia causado a destruio". A histria da agonia e da morte repentina, com sepultamento imediato, nos contada pelo arenito vermelho da Esccia; pela rocha calcria do Monte Bolca, na Lombardia; pela placa betuminosa de Mansfeld, na Turngia; e tambm pela formao carbonfera de Saarbrcken, no Rio Saar, "o mais famoso depsito de peixes fsseis da Europa"; pela placa calcria de Solenhorfen; pela rocha azul de Glarus; pela pedra de marga de Oensingen, Sua, e de Aix-en-Provence, para mencionar apenas alguns dos locais mais conhecidos da Europa. Na Amrica do Norte existem estratos semelhantes, "repletos de peixes maravilhosamente conservados", no calcrio negro de Ohio e Michigan, no leito do Rio Verde, no Arizona, em Lompoc, na Califrnia, e em muitas outras formaes. Nos cataclismos dos tempos antigos, os peixes morreram em agonia; e a areia e a lama lanada do fundo do mar cobriram os cemitrios aquticos.

  • CAPTULO 3 UNIFORMIDADE

    A Doutrina da Uniformidade

    Durante mais de vinte e cinco anos, do comeo da Revoluo Francesa, em 1789, at a Batalha de Waterloo, em 1815, a Europa viveu um perodo de violenta agitao. A Frana guilhotinou o rei e a rainha, e tambm muitos revolucionrios. Espanha, Itlia, Alemanha, ustria e Rssia se transformaram em campos de batalha. As Ilhas Britnicas corriam o risco da invaso, e a frota britnica combatia em Trafalgar o tirano que surgira do exrcito revolucionrio. Depois de 1815, houve um desejo universal de paz e tranqilidade. Organizou-se a Santa Aliana; a Europa comeou a reagir e a Inglaterra assumiu um esprito de conservadorismo. A onda revolucionria que abortou em 1830 no chegou s Ilhas Britnicas. No surpreende que, em meio ao clima de reao revoluo e, s guerras napolenicas, a teoria da uniformidade se tornasse popular e em pouco tempo predominasse nas cincias naturais. Segundo essa teoria, o desenvolvimento da superfcie do globo tem atravessado os tempos sem qualquer distrbio. O processo de transformaes bem lentas que observamos hoje sempre foi o nico processo importante desde o princpio. Essa teoria, apresentada pela primeira vez por Hutton (1795) e Lamarck (1800), chegou sua posio atual como lei cientfica pelo trabalho de Charles Lyell, jovem advogado cujo interesse pela geologia o tornaria a pessoa mais influente na rea, e de Charles Darwin, discpulo e amigo de Lyell. Darwin elaborou a teoria da evoluo a partir do princpio da uniformidade de Lyell. H. F. Osborn, importante defensor moderno da teoria da evoluo, escreveu: "A atual continuidade implica a improbabilidade do catastrofismo ou das transformaes violentas no passado, seja no mundo da matria viva, seja no mundo da matria sem vida; alm disso, procuramos

  • interpretar as mudanas e as leis do passado pelas que observamos hoje. Esse era o segredo de Darwin, que ele aprendeu com Lyell". Lyell argumentava com dialtica convincente. O vento, o calor do Sol e a chuva pouco a pouco fragmentam a rocha nas regies montanhosas. Os rios levam os detritos para o mar. A terra abaixa, com esse processo, e isso prossegue durante milnios, at que uma regio enorme se transforma em detrito. Ento a terra, como que num lento processo de respirao - milnios e milnios se passando entre uma fase e outra - eleva-se lentamente de novo, com a descida do fundo do mar, e tem incio outra vez a fragmentao das rochas. A terra se eleva como um planalto elevado; a ao da gua e do vento produz sulcos, e pouco a pouco o planalto se transforma numa srie de picos montanhosos; passam-se milnios e essas elevaes tambm se fragmentam, com o vento e a chuva levando-as gro por gro em direo ao mar; o mar pouco profundo invade a terra, e depois recua lentamente. No h grandes catstrofes para transformar a face da terra. Embora ocorram erupes vulcnicas espordicas, Lyell no as considera to importantes para a transformao da face da terra quanto a ao dos rios, ventos e ondas do mar. No se determinou ainda a causa do lentssimo processo de elevao e abaixamento. Os naturalistas do sc. XVIII diziam ter observado uma transformao gradual minscula no nvel do Golfo de Btnia, no Mar Bltico, em relao linha costeira. Processos semelhantes ocorridos em eras geolgicas passadas devem ter provocado todas as transformaes da terra - as enormes montanhas que se elevaram e outras que se achataram, a linha costeira que avanou e recuou em ritmo lento, e o manto terrestre que foi redistribudo pela chuva e pelo vento. Segundo a teoria da uniformidade, no ocorreu nenhum processo no passado que no esteja ocorrendo agora. E no s a natureza mas tambm a intensidade dos fenmenos fsicos de nossa era so os critrios do que poderia ter ocorrido no passado.

  • Posto que a teoria da uniformidade ainda ensinada em todas as escolas, e j que question-Ia constitui heresia; seria conveniente reproduzir aqui algumas afirmativas originais de Lyell, retiradas de seu livro PrincipIes of GeoIogy. Suas palavras serviram de manifesto ou credo para todos os adeptos, sejam eles chamados uniformistas ou evolucionistas. LyeIl escreveu: "J se observou que, ao dispormos em ordem cronolgica as formaes fossilferas conhecidas, elas constituem uma srie interrompida e imperfeita (...) passa-se, sem quaisquer gradaes intermedirias, de sistemas de estratos horizontais para outros sistemas bem inclinados - de rochas de composio mineral peculiar para outras de caractersticas inteiramente diversas - de um tipo de disposio de restos orgnicos para outro, em que muitas vezes quase todas as espcies, e uma grande parte dos gneros, so diferentes. Essas violaes da continuidade so to comuns que na maioria das regies constituem a regra e no a exceo, e foram consideradas por muitos gelogos como provas definitivas de revolues repentinas no mundo animado e no inanimado". Assim, ele reconhecia que a superfcie do globo tem o aspecto de ter sofrido grandes, repentinas e violentas transformaes, mas achava que o registro incompleto e que a maior parte das provas est perdida. "Na estrutura toda do globo temos uma srie cronolgica de registros naturais, dos quais muitas ligaes so inexistentes". Para tornar plausvel seu argumento, LyeIl citava um exemplo relativo ao homem. Se fosse realizado um recenseamento anual em sessenta provncias, as mudanas na populao se apresentariam graduais. Mas se o recenseamento fosse realizado a cada ano numa provncia diferente, e em apenas uma, a mudana na populao de cada provncia entre as visitas do recenseador a cada sessenta anos seria enorme. LyeIl afirmava que esse o modo como se formam os depsitos geolgicos. A teoria da uniformidade, ou de mudanas graduais no passado, medidas pela extenso das mudanas observadas no presente, no tem, como reconhecia LyeIl, comprovao nos registros incompletos

  • da crosta terrestre. Conseqentemente, a teoria; montada sobre um argumentum ex silentio, ou argumento revelia, exigia maiores analogias. Imagine-se que tenhamos descoberto duas cidades soterradas aos ps do Vesvio, uma superposta outra; com uma grande massa de tufo e lava entre as duas... Um antiqurio [arquelogo] poderia deduzir, das inscries nos edifcios pblicos, que os habitantes da cidade inferior e mais antiga eram gregos, e os da cidade de cima italianos. Mas seriam apressadas demais suas concluses se ele tambm deduzisse que houve uma mudana repentina da lngua grega para a italiana na Campania. Mas se ele mais tarde encontrasse trs cidades soterradas, uma sobre a outra, sendo romana a do meio (...), ele ento perceberia a falcia de sua opinio antiga, e comearia a desconfiar que as catstrofes, pelas quais as cidades foram sepultadas, poderiam no ter qualquer relao com as flutuaes da lngua dos habitantes; e que, como a lngua dos romanos obviamente estivera entre o grego e o italiano, muitos outros dialetos podem ter sido falados um em seguida ao outro, e a passagem do grego para o italiano pode no ter sido muito gradual... Esse trecho, muitas vezes citado, constitui um exemplo infeliz. Para provar que no houve mudanas violentas, LyeIl optou por apresentar o quadro de catstrofes violentas: os estratos so separados por camadas de lava. Esse tambm o quadro apresentado em muitas pesquisas geolgicas. Usar esse exemplo como prova da uniformidade fugir dialtica. A comparao acompanhada de uma acusao que se torna ainda mais vigorosa pela inadequao do exemplo invocado para substituir as provas da geologia. LyeIl afirma: "Parece claro que os antigos gelogos no s estavam pouco familiarizados com as mudanas existentes [provocadas pelo vento, gua corrente etc.], como estavam particularmente inconscientes do tamanho de sua ignorncia. Com a presuno naturalmente inspirada por essa inconscincia, no hesitavam em concluir que o tempo jamais poderia permitir que os poderes da natureza operassem

  • transformaes de grande magnitude, ainda que menos importantes que as revolues reveladas pela geologia". E prosseguia: "Nunca existiu um dogma mais adequado para provocar a indolncia e reduzir a curiosidade do que a suposio das diferenas entre as causas de mudana antigas e atuais. Ela produziu um estado de esprito extremamente desfavorvel aceitao franca das provas dessas alteraes minsculas, porm incessantes, que sofrem todas as partes da terra neste momento." A princpio, o tom do arrazoado em favor da ento no-ortodoxa teoria da uniformidade tinha um carter defensivo, posto que a posio no encontrava apoio em provas suficientes. Depois, como se algumas analogias com situaes humanas pudessem substituir as provas da natureza, o tom se transformou e se tornou inflexvel. "Por esse motivo, rejeitam-se todas as teorias que partem da suposio de catstrofes violentas e repentinas, bem como de revolues da terra inteira e de seus habitantes - teorias que pecam por no permitirem analogias com nada que exista, e atravs das quais se manifesta um desejo de cortar o n grdio, em vez de desfaz-lo pacientemente." Apesar da linguagem forte, o princpio cientfico segundo o qual o que no ocorre hoje no ocorreu tambm no passado constitui uma limitao em si. Antes de ser princpio cientfico, dogma de f. E Lyell encerrou seu famoso captulo exatamente assim, com um apelo f e um preceito aos crentes: "Se ele [o estudioso] finalmente cr na semelhana ou identidade dos sistemas antigo e atual de mudanas terrestres, ele considerar que todos os fatos relativos s causas de hoje representam para ele uma chave para a interpretao dos mistrios do passado."

  • O Hipoptamo O hipoptamo vive nos grandes rios e pntanos da frica; no encontrado na Europa ou na Amrica, exceto em jardins zoolgicos, onde ficam o tempo todo na gua, chafurdando na lama com seus corpos enormes. Depois do elefante, o hipoptamo o maior entre os animais que vivem em terra. Seus ossos so encontrados em solo europeu, at em Yorkshire, no norte da Inglaterra. Lyell deu a seguinte explicao para a presena do hipoptamo na Europa: "O gelogo (...) pode perfeitamente supor que os hipoptamos saram dos rios do norte da frica, como o Nilo, e nadaram para o norte, durante o vero, ao longo do litoral do Mediterrneo, ou que at mesmo fizeram incurses ocasionais a ilhas prximas da praia. Num ou noutro ponto, eles podem ter ido terra para pastar, demorando-se um pouco, e depois continuando seu curso para o norte. Outros podem ter nadado, em alguns dias de vero, dos rios do sul da Espanha e da Frana at o Somme, o Tmisa ou o Severn [rio de Gales e da Inglaterra], voltando periodicamente para o sul nas pocas de gelo e neve." Uma tal viagem de hipoptamos desde os rios africanos at as Ilhas Britnicas soa como poema pico. Na Caverna Vitoriana, perto de Settle, em Yorkshire, a 440 m acima. do nvel do mar, debaixo de quase 4 m de depsito de argila que contm alguns blocos errticos bem arranhados, encontraram-se os restos de numerosos mamutes, rinocerontes, hipoptamos, bises, hienas e outros animais. No norte de Gales, no Vale do Clwyd, em muitas cavernas existem despojos de hipoptamos junto com os do mamute, rinoceronte e leo da caverna. Na caverna de Cae Gwyn, tambm no vale do Rio Clwyd, "ficou claro durante as escavaes que os ossos haviam sido muito agitados pela ao da gua". O piso da caverna, "posteriormente, foi coberto de argila e areia com pedras de outras

  • regies. Isso parece provar que as cavernas, atualmente a 120 m [acima do nvel do mar], devem ter submergido depois de sua ocupao pelos animais e pelo homem... O contedo da caverna deve ter sido dispersado pela ao do mar durante a grande submerso dos tempos glaciais, sendo depois coberto por areias marinhas (...)", escreve H. B. Woodward. Os hipoptamos no s viajaram no vero para Gales e Inglaterra, como escalaram os montes para morrer em paz junto com outros animais dentro das cavernas. E o gelo, em sua lenta aproximao, espalhava pedrinhas suavemente por sobre os bichos que descansavam em paz. A terra, com os montes e cavernas a executar um lento movimento de acalanto, descia para baixo do nvel do mar, enquanto as guas mansas acariciavam os corpos mortos e os cobriam de areia rsea. Os expoentes da uniformidade fizeram trs suposies: em alguma poca no muito antiga, o clima das Ilhas Britnicas era to quente que os hipoptamos as visitavam no vero; as Ilhas Britnicas abaixaram tanto que as cavernas dos montes chegaram a submergir; a terra subiu de novo at sua altura atual - e tudo isso sem nenhuma ao violenta. Ou, porventura, teria sido uma onda da altura de uma montanha que invadiu a terra e as cavernas, enchendo-as de areia e lama do mar? Ou o cho teria afundado e voltado de novo tona, num paroxismo da natureza em que o clima tambm se alterou ? Teriam os animais fugido ao primeiro sinal da catstrofe, refugiando-se nas cavernas, que se tornaram seus prprios cemitrios, quando a gua do mar os afogou? Ou ser que o mar os teria arrancado da frica, atirando-os aos montes nas Ilhas Britnicas e outros lugares, para depois cobri-Ios de terra e detritos marinhos? A entrada de algumas cavernas estreita demais, e as prprias cavernas so muito pequenas para terem sido locais de refgio de animais grandes como o hipoptamo e o rinoceronte. Sendo ou no sendo corretas essas respostas ou conjeturas; quer os hipoptamos tenham vivido na Inglaterra, quer tenham sido jogados l pelo oceano; quer eles tenham buscado

  • refgio nas cavernas, quer elas sejam apenas seus tmulos; o fato que seus ossos, encontrados nas Ilhas Britnicas e no fundo dos mares que circundam essas ilhas, so sinais de uma grande mudana natural.

    Icebergs A teoria que rejeitava a ocorrncia de eventos catastrficos no passado era incompatvel com as idias ento predominantes, que atribuam a distribuio de depsito superficial (detritos de rocha, argila e material orgnico que cobre as reas continentais) e de blocos errticos ao da gua em forma de grandes ondas que quebravam nos continentes. Tinham de encontrar uma causa de movimentos mais lentos, que fizesse o mesmo trabalho, porm em mais tempo. Lyell achava que, os icebergs transferiram as rochas atravs da vastido dos mares. Os icebergs so partes de geleiras que descem dos litorais montanhosos para o mar. Nas guas prximas ao Plo Norte, j se observou que os icebergs muitas vezes tm rochas presas a eles. Se imaginarmos a enormidade das pocas geolgicas passadas e multiplicarmos a ao dos icebergs como transportadores de terra e rochas pelo tempo decorrido, poderemos explicar - assim dizia Lyell - a presena de blocos errticos e lama sobre a terra. Os blocos errticos so encontrados longe do litoral: Lyell argumentava que a terra submergira e que os icebergs que se deslocavam acima dessa terra deixaram cair sua carga de pedras; mais tarde, a terra se elevou com as pedras sobre ela. Os blocos errticos so encontrados nas montanhas; portanto, essas montanhas estavam em guas rasas quando os icebergs depositaram pedras de outras partes do mundo sobre os cumes. Para explicar assim a provenincia de blocos errticos, era necessrio que grandes partes de continentes estivessem submersas em tempos bastante recentes.

  • Em alguns lugares, os blocos errticos so distribudos em longas fileiras, como nos Berkshires. Os icebergs no podem ter agido como transportadores inteligentes, e Lyell deve ter sentido a fraqueza de sua teoria nesse ponto. A nica alternativa conhecida na poca era a da onda de mar. Mas Lyell detestava catstrofes. Detestava-as igualmente na vida poltica europia e na natureza. Caracteristicamente, sua autobiografia comea com a seguinte descrio da mais vvida memria de sua primeira infncia: "Eu tinha quatro anos e meio quando ocorreu um fato que no dever ser esquecido." A famlia viajava em duas carruagens a uma distncia de dia e meio de Edimburgo. "Numa estrada estreita, de um lado a encosta ngreme, do outro, a ribanceira sem a proteo de um parapeito, surgiu correndo no meio do caminho um rebanho de ovelhas, que assustaram os cavalos [da outra carruagem]. Os animais dispararam, desaparecendo de vista juntamente com a carruagem, o homem e tudo, caindo pela ribanceira." As pessoas saram da carruagem por uma vidraa quebrada, correu um pouco de sangue e algum desmaiou. Isso deixou a primeira e mais forte impresso da infncia na memria do autor da teoria da uniformidade.

    Darwin na Amrica do Sul Charles Darwin, que antes j abandonara os estudos de medicina na Universidade de Edimburgo, formava-se agora em teologia no Christ College, Londres, e em dezembro de 1831 seguia a bordo do navio Beagle como naturalista, para uma volta ao mundo em cinco anos, numa expedio cientfica. Darwin levava consigo o recm-publicado livro de Lyell, Princpios de Geologia, que se tornou sua bblia. Durante a viagem, escreveu o Dirio de Bordo, cuja segunda edio dedicou a Lyell. Essa volta ao mundo foi a nica experincia de trabalho de campo de Darwin, na rea de geologia e paleontologia, at o fim de sua vida.

  • Mais tarde escreveu que essas observaes foram a "origem de todas as minhas idias". Seus estudos se realizaram no hemisfrio sul, mais particularmente na Amrica do Sul, continente que vinha atraindo a ateno dos naturalistas desde as viagens de explorao de Alexander von Humboldt (1799-1804). Darwin ficou impressionado com as quantidades de fsseis de animais extintos, em sua maior parte maiores do que as espcies existentes agora. Esses fsseis falavam de uma fauna exuberante que de repente chegara ao fim numa idade geolgica recente. No Dirio, ele escreveu em 9 de janeiro de 1834: " impossvel pensar na mudana sofrida pelo continente americano sem o mais profundo pasmo. Antigamente, aqui devem ter vivido muitos monstros enormes; agora encontramos simples pigmeus, em comparao com as raas afins que j existiram. E mais: "A maior parte, se no todos, desses quadrpedes extintos viveram num perodo mais recente, e foram contemporneos da maioria das conchas marinhas existentes hoje. Posto que eles viveram, no deve ter havido transformaes muito grandes na forma da terra. O que, ento, exterminou tantas espcies e at gneros inteiros? A princpio, somos irresistivelmente levados a crer em alguma catstrofe enorme. Mas ocorre que para destruir animais, grandes e pequenos, ao sul da Patagnia, no Brasil, nos Andes, na Amrica do Norte, at o Estreito de Bering, preciso sacudir a estrutura toda do globo. Nenhuma comoo menor poderia ter provocado destruio to geral, no s nas Amricas, mas no mundo inteiro. E como um tal evento era impensvel, Darwin no conseguia resolver o problema. "Dificilmente teria sido uma mudana de temperatura, que aproximadamente na mesma poca destruiu os habitantes das latitudes tropicais, temperadas e rticas dos dois lados do globo. Certamente, o homem no foi a causa da destruio. E tivesse ele atacado todos os animais grandes, teria sido tambm ele a causa da extino "dos muitos camundongos e outros quadrpedes fossilizados?", perguntava Darwin.

  • "Ningum imaginaria que uma seca (...) destruiria todos os exemplares de todas as espcies do sul da Patagnia ao Estreito de Bering. O que dizer da extino do cavalo? Acaso aquelas plancies deixaram de oferecer pastagens as mesmas pastagens que tm sido usadas por centenas de milhares dos descendentes do gado introduzido pelos espanhis?" Darwin concluiu: "Certamente, nenhum fato na longa histria do mundo to espantoso quanto as exterminaes amplas e repetidas de seus habitantes". Foi da perplexidade de Darwin que nasceu a idia da extino das espcies, que resultou na Teoria da Seleo Natural.

    CAPTULO 4 GELO

    O Nascimento da Teoria da poca Glacial

    Em 1836, o jovem naturalista suo Louis Agassiz foi at uma geleira alpina com o Prof. Jean Charpentier, tambm naturalista, para demonstrar-lhe a falcia da nova idia de que uma camada de gelo j encobrira grande parte da Europa. Quatro anos antes, um professor de uma escola florestal de cidade pequena, A. Bernardi, havia escrito: "O gelo polar chegou um dia at o limite sul do distrito, que ainda marcado por blocos errticos". O botnico C. Schimper tivera a mesma idia, provavelmente em separado, e cunhou o termo die Eiszeit; ele conseguira fazer Charpentier adotar tambm a sua hiptese. Na borda da geleira, Agassiz, que chegara como ctico, deixou-se convencer, tornando-se depois o principal divulgador da nova teoria. Construiu uma cabana na geleira de Aar e passou a viver nela, para observar os movimentos do gelo. Com isso, atraa a ateno dos naturalistas e dos curiosos da Europa inteira. O estudo das geleiras dos Alpes demonstrou que o gelo pode deslocar-se mais de 1 m por dia graas a seu prprio peso, chegando mesmo a transportar pedras, carregando-as e empurrando-as.

  • Algumas rochas soltas so empurradas para o lado e formam morenas laterais; outras vo frente do gelo, acumulando-se em formaes terminais. Quando o gelo derrete e recua, as rochas permanecem no ponto em que se encontravam no momento da maior expanso da geleira. Agassiz achava que os blocos errticos das Montanhas Jura haviam sido levados pelo gelo dos Alpes, e que as rochas do norte da Europa e da Amrica se haviam formado por obra de geleiras gigantescas que, em alguma poca passada, cobriam grande parte desses continentes. Concluiu tambm que os depsitos superficiais eram fruto da ao da camada de gelo. O gelo arranhou a rocha subjacente, com a ajuda de pederneira e outros fragmentos de rocha dura que retinha, poliu o piso rochoso dos vales e das encostas e escavou o leito dos lagos. Agassiz tirou suas concluses acerca de outras partes do mundo com base nas observaes que realizou exclusivamente na Sua e proximidades. Acreditava que se conseguisse convencer dois dos principais gelogos - Murchison e Buckland, autor de Reliquiae diluvianae - do acerto da teoria da poca glacial, ganhando o apoio deles, tornar-se-ia mais fcil a tarefa de fazer com que outros reconhecessem tambm a teoria. Agassiz dirigiu-se para as Ilhas Britnicas. Nos anos seguintes, como diz sua viva, "rememorando o isolamento cientfico em que se encontrava, opondo-se a todos os principais gelogos da poca, ele afirmou: Entre os naturalistas mais antigos, apenas um ficou a meu lado: o Dr. Buckland, Reitor de Westminster (...) Primeiro fomos para a Alta Esccia, e uma das lembranas mais agradveis de minha vida que, ao nos aproximarmos do castelo do Duque de Argyll, num vale parecido com os vales suos, eu disse a Buckland: "Aqui encontraremos nossos primeiros vestgios das geleiras"; e, medida que a diligncia entrava no vale, ns realmente atravessvamos uma morena terminal de formao antiga, que se estendia por toda a abertura do vale. Era um cenrio prprio para uma revelao. Agassiz ganhava a um adepto. Algumas semanas depois, em 4 de novembro de 1840, Agassiz apresentou um trabalho perante a Sociedade Geolgica de Londres,

  • sumariando a excurso luz da teoria da poca glacial. E Buckland, que na poca presidia a sociedade, tambm apresentou um trabalho de sua prpria autoria acerca do mesmo assunto. Mesmo antes da reunio, havia escrito para Agassiz, falando do xito de sua obra missionria: "Lyell adotou sua teoria in toto!!! Assim que lhe mostrei um belo aglomerado de morenas, a 3 km da casa do pai dele, aceitou-a de imediato como soluo de uma srie de dificuldades que o perseguiam a vida inteira". Lyell tambm concordou em apresentar um documento perante a sociedade, menos de trs semanas aps esse episdio, no dia seguinte ao da fala de Agassiz e Buckland. Nesse documento, preparado s pressas, explicava as morenas existentes na Gr-Bretanha luz das idias de Agassiz. Na reunio de 4 de novembro, Murchison "tentou opor-se", mas segundo Agassiz "ele no produziu grande efeito". E acrescentou Agassiz: "O Dr. Buckland foi muito eloqente" . Naquele mesmo ano (1840), Agassiz publicou sua teoria num livro intitulado tudes sur les glaciers, onde escreveu: "A superfcie da Europa, antes enriquecida pela vegetao tropical e habitada por manadas de elefantes e hipoptamos enormes, bem como por carnvoros gigantescos, foi de repente sepultada por um vasto manto de gelo que cobria plancies, lagos, mares e planaltos. O silncio da morte se abateu sobre a vida e o movimento de uma criao vigorosa. As nascentes desapareceram, os rios deixaram de correr, os raios do sol, subindo por esse mar de gelo (se que o alcanava) , s encontravam o sopro do inverno que vinha do norte e o forte rudo das fendas que eles abriam na superfcie desse mar congelado." Agassiz considerava o princpio e o trmino da poca Glacial como acontecimentos catastrficos. Acreditava que os mamutes da Sibria foram subitamente apanhados pelo gelo que se espalhou velozmente por sobre a maior parte do globo. Achava que as repetidas catstrofes globais foram acompanhadas de uma queda de temperatura do planeta e de sua atmosfera, e que as pocas glaciais, das quais a Terra teve mais de uma, encerravam-se sempre com

  • uma renovada atividade gnea no interior do globo (ruptions de tintrieur). Assim, defendia a idia de que os Alpes ocidentais haviam surgido recentemente, no fim da ltima poca glacial, e eram mais novos do que as carcaas de mamute da Sibria, cuja carne ainda comestvel. Acreditava que esses animais haviam morrido no incio da poca glacial. Com a renovao da atividade gnea, a cobertura de gelo derreteu, houve grandes cheias, formaram-se as montanhas e os lagos da Sua e de muitos outros lugares, e o relevo do mundo inteiro se transformou. Costuma-se dizer que Agassiz acrescentou entre meio milho e 1 milho de anos histria recente do mundo, ao inserir a poca glacial entre o Tercirio, ou era dos mamferos, e a poca recente (que compreende o fim da Idade da Pedra e os tempos histricos). No se deve esquecer, no entanto, que a durao de 1 milho de anos para a poca Glacial constitui uma estimativa de Lyell, e que ele interpretava a teoria de Agassiz dentro do esprito da uniformidade. Para Lyell, a teoria do manto continental de gelo era aceitvel. Concordou com ela, satisfeito por no ter de se afastar mais de 3 km de sua casa para ver as provas. Compreendeu que os icebergs no conseguiriam explicar os fenmenos dos depsitos superficiais e dos blocos errticos por toda a parte. A nica alternativa seriam as ondas de mar que percorressem as terras, mas isso seria catastrfico demais. Agora, com a teoria do gelo continental, sentia que tinha em mos a soluo correta, caso fosse eliminado o aspecto catastrfico da teoria, como sugeriu originalmente Agassiz, discpulo de Cuvier. Ainda no se perguntava o que havia produzido essa cobertura de gelo.

    Nas Plancies Russas Pouco tempo depois da histrica reunio em que a teoria da poca glacial foi aceita pela maioria dos membros da Sociedade Geolgica de Londres, R. I. Murchison foi Rssia, convidado pelo Czar Nicolau

  • I, para realizar uma investigao geolgica do imprio. Dessa pesquisa adveio o reconhecimento do Perodo Permiano. O Permiano, o Siluriano e o Devoniano, tambm primeiramente reconhecidos por Murchison (o Devoniano em colaborao com Sedgwick), constituem trs das grandes divises no conceito moderno de antigas eras geolgicas. Durante muitos meses, Murchison cruzou latitudes e longitudes da Rssia, a observar detidamente os blocos errticos espalhados pelas grandes plancies russas e a conferir de novo a validade da teoria de Agassiz. Na Finlndia e nas provncias do norte da Rssia encontrou blocos bem grandes; mas diminuam de tamanho quanto mais para o sul eram encontrados, o que indicava a ao da gua - uma onda que veio do norte ou noroeste, espalhando fragmentos de rocha em seu caminho. Ele tambm observou que os blocos errticos nos Crpatos no eram de origem local, mas escandinavos. Dos depsitos superficiais, "pilhas de pedra, areia, argila e lama espalhadas em massas to enormes pelas terras baixas da Rssia, Polnia e Alemanha", Murchison dizia que "uma grande parte, a maior parte realmente (...) foi transportada pela ao da gua, por poderosas ondas de mar e por correntes criadas por mudanas relativas e geralmente violentas no nvel da terra e do mar". Independentemente do motivo da invaso do mar, esse fato, "com a ajuda das banquisas", produziu os depsitos superficiais. "Vendo que no existem montanhas de onde poderia ter sado uma geleira no sul da Sucia, na Finlndia ou no nordeste da Rssia, e observando que apesar disso essas regies so desgastadas, sulcadas e alisadas", Murchison concluiu que os efeitos desenvolvidos por uma tal extenso nessas terras baixas deviam resultar da invaso de um mar que tambm deixou atrs de si enormes massas de detritos e pedras redondas. Murchison "rejeitava a aplicao da teoria da poca glacial Sucia, Finlndia e nordeste da Rssia, bem como de todo o norte da Alemanha - ou seja, a todas as terras baixas da Europa". Concordava que nas regies montanhosas do norte da Escandinvia e da Lapnia

  • antigamente existiram geleiras rticas. As banquisas que desciam dessas geleiras transportavam rochas angulares quebradas por sobre as terras cobertas por mar e as depositavam no topo dos depsitos superficiais criados pela invaso do mar. Murchison chamava ateno para o fato de a "Sibria ser inteiramente livre de blocos errticos, embora cercada em trs lados por montanhas altas". Ele precisou de ajuda dos icebergs desprendidos das geleiras para conseguir "explicar certos fenmenos superficiais", mas defendia com muita segurana a idia de que "os detritos existentes na gua explicam a grande difuso de depsitos superficiais no globo todo, bem como explicam o grande estriamento e a abraso das rochas, tanto em nveis altos quanto em baixos, em numerosos paralelos de latitude". Em seus ltimos anos de vida, Murchison reconheceu, em carta a Agassiz, que se arrependia de sua antiga oposio teoria da poca Glacial, sem que no entanto alterasse qualquer uma de suas concluses e observaes acerca da Rssia. Por outro lado, encontraram depsitos marinhos de perodos recentes em grandes reas da Europa e da Rssia asitica. No Mar Cspio, entre o sul da Rssia e a Prsia, vivem focas relacionadas com as do Oceano rtico. Conclui-se que o mar polar se espalhou e estabeleceu uma ligao com o Mar Cspio, tudo isso na poca Recente. "Com o retraimento do gelo, o Oceano rtico espalhou-se por grandes reas do norte da Rssia, e em muitos lugares deixou depsitos marinhos sobre a superfcie glacial e sobre as rochas mais firmes. As guas do rtico tambm se espalharam por sobre a Bacia de Obi, mais ao sul, e esta