terra de passagem: o municÍpio de viana (es) e sua ... · terra de passagem: o municÍpio de viana...

13
TERRA DE PASSAGEM: O MUNICÍPIO DE VIANA (ES) E SUA IMPORTÂNCIA LOGÍSTICA NA REGIÃO METROPOLITANA DA GRANDE VITÓRIA ÉLEN RÚBIA DE ANDRADE SILVA 1 JULIANO PRATA HONORATO 2 Resumo: Este estudo consiste na análise espaço-temporal, utilizando o conceito de geografia histórica, do município de Viana (ES), entre os séculos XIX e XXI a fim de acentuar as características ligadas às dinâmicas de transporte de cargas, ocasionada pelo seu posicionamento espacial na Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV). Atualmente assume, dentro da atividade logística, papel de considerável importância para a economia da região. Contudo, esta característica do território pode ser notada desde séculos passados. Palavras-chave: Viana (ES); Transporte; Geografia histórica. Abstract: This study consists of a spatial-temporal analysis, using the concept of historical geography, of the municipality of Viana-ES, between the XIX and XXI centuries in order to accentuate the characteristics related to the dynamics of cargo transportation, caused by its spatial positioning in the Metropolitan Region of Greater Vitória (RMGV). Today it assumes a role of considerable importance for the region's economy within logistics. However, this characteristic of the territory can be noticed from past centuries. Key-words: Viana (ES); Transport; Historical geography. 1 Introdução O estudo da geografia histórica contribui na análise dos fenômenos tempo e espaço em múltiplas dimensões, possibilitando uma compreensão holística do espaço urbano em sua atualidade. Milton Santos (1992) definiu o espaço como “a acumulação desigual de tempos” sendo que as inter-relações vivenciadas por indivíduos coexistindo em certo lugar se traduzem em uma acumulação de experiências desiguais que definem, de certo modo, a memória coletiva. Memória esta que é construída ou formada por meio das relações cotidianas entre os cidadãos, que são 1 Acadêmica do programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal do Espírito Santo. E-mail de contato: [email protected] - Bolsista pela CAPES. 2 Acadêmico do programa de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Espírito Santo. E-mail de contato: [email protected] - Bolsista pela FAPES.

Upload: others

Post on 26-May-2020

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: TERRA DE PASSAGEM: O MUNICÍPIO DE VIANA (ES) E SUA ... · TERRA DE PASSAGEM: O MUNICÍPIO DE VIANA (ES) E SUA IMPORTÂNCIA LOGÍSTICA NA REGIÃO METROPOLITANA DA GRANDE VITÓRIA

TERRA DE PASSAGEM: O MUNICÍPIO DE VIANA (ES) E SUA

IMPORTÂNCIA LOGÍSTICA NA REGIÃO METROPOLITANA DA

GRANDE VITÓRIA

ÉLEN RÚBIA DE ANDRADE SILVA1

JULIANO PRATA HONORATO2

Resumo: Este estudo consiste na análise espaço-temporal, utilizando o conceito de geografia

histórica, do município de Viana (ES), entre os séculos XIX e XXI a fim de acentuar as características

ligadas às dinâmicas de transporte de cargas, ocasionada pelo seu posicionamento espacial na Região

Metropolitana da Grande Vitória (RMGV). Atualmente assume, dentro da atividade logística, papel de

considerável importância para a economia da região. Contudo, esta característica do território pode ser

notada desde séculos passados.

Palavras-chave: Viana (ES); Transporte; Geografia histórica.

Abstract: This study consists of a spatial-temporal analysis, using the concept of historical

geography, of the municipality of Viana-ES, between the XIX and XXI centuries in order to accentuate

the characteristics related to the dynamics of cargo transportation, caused by its spatial positioning in

the Metropolitan Region of Greater Vitória (RMGV). Today it assumes a role of considerable importance

for the region's economy within logistics. However, this characteristic of the territory can be noticed from

past centuries.

Key-words: Viana (ES); Transport; Historical geography.

1 – Introdução

O estudo da geografia histórica contribui na análise dos fenômenos tempo e

espaço em múltiplas dimensões, possibilitando uma compreensão holística do espaço

urbano em sua atualidade. Milton Santos (1992) definiu o espaço como “a acumulação

desigual de tempos” sendo que as inter-relações vivenciadas por indivíduos

coexistindo em certo lugar se traduzem em uma acumulação de experiências

desiguais que definem, de certo modo, a memória coletiva. Memória esta que é

construída ou formada por meio das relações cotidianas entre os cidadãos, que são

1Acadêmica do programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal do

Espírito Santo. E-mail de contato: [email protected] - Bolsista pela CAPES. 2Acadêmico do programa de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade

Federal do Espírito Santo. E-mail de contato: [email protected] - Bolsista pela FAPES.

Page 2: TERRA DE PASSAGEM: O MUNICÍPIO DE VIANA (ES) E SUA ... · TERRA DE PASSAGEM: O MUNICÍPIO DE VIANA (ES) E SUA IMPORTÂNCIA LOGÍSTICA NA REGIÃO METROPOLITANA DA GRANDE VITÓRIA

estabelecidas em lugares que representam fragmentos de passado e presente

acompanhados de identidades impressas no espaço.

Para compreensão do espaço urbano, Carlos (2001) afirma que a cidade possui

uma história, e as formas que a mesma assume não são estáticas e definidas, pois se

manifesta de maneiras distintas ao longo do seu processo histórico, não podendo ser

estudada como um fenômeno absoluto.

A ocupação do território e a composição das vias de transporte possuem relação

direta como são mostradas na história mundial. “Há casos em que a constituição de

tais vias é apontada como determinante do processo de ocupação territorial e outros

em que este último a determina” (NATAL, 1991; 293). E, no caso do Brasil, foram as

ocupações do período colonial que determinaram a conformação das vias de

transporte. A história da ocupação do Espírito Santo no período colonial apresenta

características semelhantes aos demais povoamentos da época; uma ocupação com

núcleos de povoação dispersos ao longo da costa, que servia de base de apoio para,

a partir daí, adentrar ao território. No início do século XVIII, a fazenda de Araçatiba já

aparecia como núcleo de povoamento no município de Viana, em documentos dos

jesuítas. A produção e o acesso à fazenda eram feitos com uso de embarcações que

atracavam em seu porto e navegavam pelo rio Jucu, até chegar à costa (LEITE, 1938).

Mesmo com presença marcante da ordem jesuítica na região, a ocupação do território

e interiorização eram proibidas por lei, por isto se deu de forma modesta, contando

com poucos habitantes, dentre portugueses, índios nativos e escravos até o século

XIX (BALESTRERO, 2012).

No início do século XIX a imigração europeia é intensificada no Brasil, e tem em

Viana um dos primeiros destinos (BALESTRERO, 2012). No ano de 1813, 53 famílias

de ilhéus açorianos, foram encaminhadas para a colônia de Santo Agostinho, atual

Viana. Em 1847 chegam à região imigrantes germânicos, ocupando a região serrana,

fundando um povoamento em Santa Isabel, que atualmente pertence ao município de

Domingos Martins. No ano de 1865, outro contingente de imigrantes germânicos

chegou à Viana e se instalaram entre as duas localidades. Os imigrantes italianos

chegaram à região em 1874, ocupando a localidade de Baía Nova, que atualmente

Page 3: TERRA DE PASSAGEM: O MUNICÍPIO DE VIANA (ES) E SUA ... · TERRA DE PASSAGEM: O MUNICÍPIO DE VIANA (ES) E SUA IMPORTÂNCIA LOGÍSTICA NA REGIÃO METROPOLITANA DA GRANDE VITÓRIA

pertence a Guarapari (BALESTRERO, 2012). Para promover desenvolvimento

econômico na região, foi instalada a ferrovia no final do século XIX; no século XX o

transporte rodoviarista se impõe sobre o ferroviarista e alcança destaque no contexto

nacional e estadual (NATAL, 1991). Já, no século XXI, o governo estadual reconhece

as características do território vianense e considera, por meio de lei, o município de

Viana como capital logística do Espírito Santo (ESPÍRITO SANTO, 2018). No item 3,

adiante, estes assuntos serão aprofundados.

Desta forma, o objetivo deste trabalho se concentra na análise das mudanças

ocorridas no território, diretamente ligadas à atividade econômica de transportes e

logística, e a sua importância no contexto metropolitano, que são influenciadas, em

parte, pelo posicionamento espacial do município. A motivação da pesquisa se deu

com o intuito de entender a ação da sociedade impressa no espaço pelos processos

produtivos no decorrer da história e também, pelo fato de que o estudo da geografia

histórica, no campo da geografia urbana, ainda é pouco difundido. A metodologia

utilizada na pesquisa está baseada em uma revisão bibliográfica sobre os assuntos

relacionados à geografia histórica além de documentos e acervos sobre a área de

estudo, afim de compreender as alterações ocorridas em Viana ao longo do tempo.

2 –Geografia Histórica: uma perspectiva temporal do espaço

Um dos campos da ciência geográfica é o da geografia histórica que tem a

finalidade de estudar o passado sem se desprender do espaço. A despeito da

desconsideração da dimensão temporal por alguns geógrafos, Santos (1992) e Abreu

(1998) defendem a relevância significativa do tema nos estudos de produção e

organização do espaço.

Santos (1992) afirma que, para análise do espaço geográfico é necessário

considerar a dimensão espaço-temporal, pois o espaço é resultado de processos

produtivos impostos pela sociedade ao longo da história. Alguns elementos mais

modernos vão tomando lugar de outros passados, porém alguns se conservam, face

à essa modernização, fazendo com que elementos de tempos distintos coexistam num

mesmo espaço e período (SANTOS, 1992).

Page 4: TERRA DE PASSAGEM: O MUNICÍPIO DE VIANA (ES) E SUA ... · TERRA DE PASSAGEM: O MUNICÍPIO DE VIANA (ES) E SUA IMPORTÂNCIA LOGÍSTICA NA REGIÃO METROPOLITANA DA GRANDE VITÓRIA

Para Abreu (1997) são fundamentais a preservação e o registro das formas do

passado da cidade, independentemente do que o futuro considerará significativo, para

que se tenha uma valorização da memória, pois o presente dos lugares é uma

sobreposição das formas do passado, que não são totalmente destruídas, apesar das

mudanças que ocorrem. Porém, o autor salienta que:

Não basta, entretanto, trabalhar com as escalas espaciais; há que se dar igual atenção à dimensão temporal. No que diz respeito às formas já sabemos que devemos considerar as cidades como acumulações de tempo. Mas isso não basta. É preciso também que reconheçamos que os processos sociais que ocorrem no presente das cidades, que dão sentido às formas que ali estão, precisam – eles também – ser inseridos em múltiplas escalas temporais. Se o tempo do evento, do acontecimento, do imediato é aquele que mais nos chama a atenção, por estar mais próximo de nós, por se materializar em paisagens e representações que são rapidamente captadas pelos nossos sentidos, por alterar a nossa vida quotidiana, ele só adquire significado maior se o inserirmos em tempos mais espessos, tempos braudelianos, tempos da conjuntura e da longa duração. E estes, por sua vez, só podem ser corretamente compreendidos quando relacionados com as escalas espaciais. Isto porque o que nos interessa é o tempo social, e este só faz sentido quando relacionado ao espaço. Fecha-se, pois, o círculo (ABREU, 2003; 97).

As formas construídas na cidade em cada época são consideradas por Santos

(1996) como a materialização do tempo que permite ao pesquisador realizar o seu

estudo empírico, chamada de rugosidades pelo autor, definindo-as como formas do

passado que permaneceram como forma, espaço construído ou paisagem numa nova

conjuntura sócio-espacial, se apresentando de modo isolado ou como arranjos. Assim

sendo, “o espaço urbano capitalista é um produto social, resultado de ações acumuladas

através do tempo, e engendradas por agentes que produzem e consomem espaço” (Corrêa

1992; 11).

Santos (1997) afirma que, aos geógrafos não é facultativo, mas sim uma

obrigação, uma contextualização histórica quando se estudam as cidades e

juntamente com Abreu (2003), ressalta a importância na abordagem numa escala

espaço-temporal no estudo do espaço urbano. Para Abreu (1998), o estudo da

Geografia Histórica deve abordar também as legislações e normas sociais, e não se

limitar às formas morfológicas, pois estas formas não espaciais também influenciam

na constituição do espaço ao longo do tempo.

Page 5: TERRA DE PASSAGEM: O MUNICÍPIO DE VIANA (ES) E SUA ... · TERRA DE PASSAGEM: O MUNICÍPIO DE VIANA (ES) E SUA IMPORTÂNCIA LOGÍSTICA NA REGIÃO METROPOLITANA DA GRANDE VITÓRIA

3 – Terra de passagem: Viana

O município de Viana é um dos sete que compõem a RMGV no Espírito Santo,

sendo os demais Cariacica, Fundão, Guarapari, Serra, Vila Velha e Vitória, a capital

capixaba. Faz divisa com os municípios de Guarapari, Vila Velha, Cariacica,

Domingos Martins e Marechal Floriano, sendo os dois últimos integrantes da Região

Serrana e possui uma população de aproximadamente 77mil habitantes, sendo que

90% residem em área urbana (IBGE, 2018), dispondo de uma área total de 312,22

km², com um perímetro urbano de 111,0 km², conforme figura 01.

Viana tem seu território atravessado por duas importantes rodovias do país, BR

101 e BR 262 e representa um importante elo entre as cidades da região. No século

XXI o município assume seu posicionamento dentro do estado do Espírito Santo,

sendo considerado como “capital estadual da logística”, por meio da Lei estadual Nº

237, de 17 de outubro de 2018. O município apresenta características favoráveis para

o desenvolvimento da atividade de logística de transportes, pois seus limites distam,

aproximadamente, 10 km do porto de Vitória, 13 km do porto de Capuaba e 30 km do

porto de Tubarão, além de possuir extensas áreas de vazios urbanos ao longo das

BR’s 101 e 262, que fazem seu entroncamento dentro do limite municipal. Sobre a

ferrovia existente, ainda se especula a implantação de um novo trecho ferroviário, que

ligará o estado com o Rio de Janeiro e São Paulo, tratado no plano como Ferrovia

Litorânea Sul, de acordo com o Plano Estratégico de Logística e de Transportes do

Espírito Santo (IJSN, 2017), que também indica a adequação da BR-262 e a

duplicação da BR-101.

Page 6: TERRA DE PASSAGEM: O MUNICÍPIO DE VIANA (ES) E SUA ... · TERRA DE PASSAGEM: O MUNICÍPIO DE VIANA (ES) E SUA IMPORTÂNCIA LOGÍSTICA NA REGIÃO METROPOLITANA DA GRANDE VITÓRIA

Figura 01 – Sobreposições dos perímetros urbanos de Viana, ES. Fonte: Prefeitura Municipal de

Viana GEOBASES; IJSN; IEMA; IBGE, 2019. Elaborado pelo autor.

A atividade logística, que “é o processo de gestão dos fluxos de produtos, de serviços

e da informação associada, entre fornecedores e clientes (finais ou intermédios) e

vice-versa” (MOURA, 2006; 15), vem sendo atraída para o município, devido à

infraestrutura existente e a oferta de grandes glebas dentro do limite urbano. Até 2018,

Viana contava com 07 km² de áreas licenciadas para terraplanagem e implantação de

empreendimentos destinados a receber galpões para atividades logísticas (Viana,

2018). Segundo Villaça (2001), as vias são eixos de crescimento urbano que atraem

investimentos pela facilidade de infraestrutura oferecida. Caso que pode ser

observado também em Viana.

Recentemente, a BR 101/262 passa por intervenções em alguns trechos com

a construção de viadutos a fim de solucionar problemas nos gargalos das vias. Como

exemplo, tem-se a construção do viaduto na frente da empresa Real Café e do

condomínio logístico LogViana que fará ligação da BR 101-262 ao porto de Capuaba,

pela BR-447. Há também, outro viaduto sendo construído, onde supostamente

Page 7: TERRA DE PASSAGEM: O MUNICÍPIO DE VIANA (ES) E SUA ... · TERRA DE PASSAGEM: O MUNICÍPIO DE VIANA (ES) E SUA IMPORTÂNCIA LOGÍSTICA NA REGIÃO METROPOLITANA DA GRANDE VITÓRIA

ocorrerá o cruzamento entre ferrovia Litorânea Sul e as Rodovias, e nesta região se

concentram vários empreendimentos ligados à logística. Ainda existe um terceiro

viaduto em construção no trecho de entroncamento das rodovias BR-101 e BR-262

(figura 02), pois nesta área foi projetada uma via para ligar Viana à região norte do

estado conhecida como Contorno do Mestre Álvaro (IJSN, 2018).

Figura 02 – IJSN (2018), Google Earth. Acervo do autor. Adaptados pelo autor.

Para Santos (1996), o espaço é formado apenas por fixos e fluxos, quando diz que:

O espaço é, também e sempre, formado de fixos e de fluxos. Nós temos coisas fixas, fluxos que se originam dessas coisas fixas, fluxos que chegam a essas coisas fixas. Tudo isso, junto, é o espaço. Os fixos geram fluxos e os fluxos geram fixos (...). Os fluxos são o movimento, a circulação e assim eles nos dão, também, a explicação dos fenômenos da distribuição e do consumo. Desse modo, as categorias clássicas, isto é, a produção propriamente dita, a circulação, a distribuição e o consumo, podem ser estudados através desses dois elementos: fixos e fluxos (SANTOS, 1996; 77).

Isso pode ser observado no município, pois sua característica ligada ao

transporte não é algo novo. Viana apresenta desde o início de sua ocupação relação

com o transporte, que apesar de ter passado por várias alterações, ainda manifesta

em seu espaço, resquícios desses tempos pretéritos.

Page 8: TERRA DE PASSAGEM: O MUNICÍPIO DE VIANA (ES) E SUA ... · TERRA DE PASSAGEM: O MUNICÍPIO DE VIANA (ES) E SUA IMPORTÂNCIA LOGÍSTICA NA REGIÃO METROPOLITANA DA GRANDE VITÓRIA

No século XVIII, já havia em Araçatiba uma importante fazenda com igreja

dedicada à Nossa Senhora da Ajuda, residência, engenho, oficinas e senzalas. A

produção de açúcar e a criação de gado eram as principais atividades, que serviam

para abastecer o Colégio de Vitória, sendo uma casa reitoral administrada pelos

jesuítas. Esta produção e o acesso à fazenda eram feitos com uso de embarcações

que atracavam em seu porto e navegavam pelo rio Jucu, até chegar à costa (LEITE,

1938), conforme figura 03.

Figura 03 – Porto e entreposto comercial de Araçatiba, Viana, ES. 1907/1908. Fotografia de Eutychio

d’Oliver. Fundo documental do IPHAN-ES, coleção Eutychio d’Oliver – Um olhar sobre o Espírito

Santo do início do século XX. (A foto tem uma marcação escrita, datando o ano de 1910, porém foi

uma intervenção que o documento sofreu, mas não é essa a data da fotografia).

Em 1813, famílias açorianas chegaram a Viana, que na época era distrito de Vitória,

e se instalaram às margens do rio Jucu e seus afluentes, Formate e Santo Agostinho,

onde atualmente se encontra a sede do município; era o início da intensificação do

processo de imigração europeia no Espírito Santo (BALESTRERO, 2012). No ano de

1814 se inicia a abertura da estrada São Pedro de Alcântara, que ligaria Viana até a

região de Ouro Preto, capital mineira na época, fato que significava um importante elo

entre o Espírito Santo e a região centro-oeste do país (BALESTRERO, 2012).

Em 1847 acontece a penetração da região, com a ocupação de outros imigrantes

europeus, que acessavam as terras, por um trecho de caminho que era navegável

pelo Rio Jucu até as proximidades de Viana, segundo Rölke (2016):

Page 9: TERRA DE PASSAGEM: O MUNICÍPIO DE VIANA (ES) E SUA ... · TERRA DE PASSAGEM: O MUNICÍPIO DE VIANA (ES) E SUA IMPORTÂNCIA LOGÍSTICA NA REGIÃO METROPOLITANA DA GRANDE VITÓRIA

Com os péssimos caminhos no interior, impôs-se a utilização de tropas de burro para fazer o transporte do café na medida em que crescia a sua produção. As tropas foram usadas desde o século XIX, para escoar a produção até os portos fluviais, como Benevente, Itapemirim, Santa Leopoldina e Viana. Dos portos fluviais, transportavam para o interior toda sorte de mercadorias, como açúcar, sal, querosene, bebidas, peixe salgado, utensílios caseiros, tecidos, calçados e ferramentas. Ainda até os anos 1940, elas eram usadas no transporte de mercadorias, quando foram finalmente substituídas pelos caminhões de carga. (RÖLKE, 2016; 505)

A Revolução Industrial iniciada na Europa, promoveu avanços também nos

transportes. Com o fim do período colonial, em 1822, quando iniciou o período de

Brasil Império, até a constituição da república em 1889, o Brasil foi inserido em um

novo perfil econômico. A inserção dos países americanos na economia capitalista

exigiu destes, investimentos em infraestrutura aumentar a eficiência na importação e

exportação dos produtos, diminuindo custos com transportes (NATAL, 1991).

No Brasil, a ocupação dispersa do território dificultava a comunicação, comércio

e escoamento de produtos e demandava grandes investimentos em sistemas de

transportes, que era contrário à lógica do capital. No período Imperial, a construção

de estradas de ferro foi o meio, mais rentável à época, encontrado para interligar a

região portuária com centros produtores no interior, existindo grande dependência

entre a ligação ferrovia e porto (NATAL, 1991).

A primeira Guerra Mundial entre 1914 e 1918, a quebra da bolsa de Nova Iorque

em 1929 e a revolução brasileira de 1930, colocando fim à República Velha, foram

decisivos para a alteração do perfil econômico do país. Se antes a base da economia

era agroexportadora, passou para uma fase de desenvolvimento industrial, rompendo

com as bases agrárias tradicionais da economia colonial (SIQUEIRA, 2001). O capital

estrangeiro foi responsável por alguns dos investimentos em infraestrutura, que

possibilitaram a expansão ferroviária, que tinha como finalidade sustentar a economia

brasileira, que era focada no exterior, e por outro lado, era limitada no que dizia

respeito às ligações entre regiões internas. Devido ao modo de ocupação disperso no

território, as ligações entre as povoações que tinham alguma importância econômica

eram dificultadas pelo elevado custo de implantação de novas vias férreas. Essas

barreiras espaciais também serviam como entrave para o desenvolvimento do

mercado interno brasileiro (NATAL, 1991).

Page 10: TERRA DE PASSAGEM: O MUNICÍPIO DE VIANA (ES) E SUA ... · TERRA DE PASSAGEM: O MUNICÍPIO DE VIANA (ES) E SUA IMPORTÂNCIA LOGÍSTICA NA REGIÃO METROPOLITANA DA GRANDE VITÓRIA

Foi iniciado, em 1892 um projeto para implantação de uma ferrovia entre Vitória

e Cachoeiro de Itapemirim, impulsionada pelos cafeicultores do sul do estado. A linha

foi inaugurada em 1895 e concluída em 1910, com o primeiro trecho ligando Vitória a

Viana (figuras 04 e 05); posteriormente, o Espírito Santo foi ligado ao Rio de Janeiro

e a Minas Gerais. As vias férreas estimularam ainda mais, a cultura do café, sendo

consideradas como um significativo progresso para o estado, no que diz respeito às

vias de transporte (GROSSELLI, 1952).

Figuras 04 e 05 – À esquerda, a estação em 1904 (O Malho, 28/5/1904). À direita, a estação e a

locomotiva a vapor que ora posa a seu lado (Foto Waldson Menezes em maio de

2008).www.estacoesferroviarias.com.br/efl_rj_litoral/viana.htm, acesso em: 25 de julho de 2019.

A baixa interligação entre as ferrovias e o alto custo de implantação permitiram

a ascensão de um novo tipo de transportes, o automobilístico-rodoviarista a partir de

1930, que possibilitou a integração de diferentes regiões com um menor custo frente

à ferrovia. Isto foi possível, pois nas rodovias as obras de execução podiam ser

espaçadas no tempo, visto que primeiro se abria a rodovia com piso de terra batida, e

posteriormente implantava-se a pavimentação naquela via. Os encargos com compra

de veículos, assim como a infraestrutura de apoio ao longo da via era custeado por

particulares (NATAL, 1991).

Foi a partir da década de 1960 que se consolidou o processo de urbanização do

município, com o surgimento dos loteamentos localizados às margens da BR-262,

tendo sido motivados pela atividade comercial e industrial que se desenvolviam

próximos daquele sítio (SIQUEIRA, 2001). No Censo de 1970, já se somavam oito

empresas que desenvolviam atividades industriais. Ainda assim, a atividade rural

Page 11: TERRA DE PASSAGEM: O MUNICÍPIO DE VIANA (ES) E SUA ... · TERRA DE PASSAGEM: O MUNICÍPIO DE VIANA (ES) E SUA IMPORTÂNCIA LOGÍSTICA NA REGIÃO METROPOLITANA DA GRANDE VITÓRIA

detinha a maior parte da população, chegando a 85% do total de habitantes. Foi a

década de 1970 (SIQUEIRA, 2001) que marcou a história de Viana, quando se

intensificou o processo de urbanização, determinado principalmente pelo

asfaltamento da BR 101 e da BR 262 (figura 06), e por haver no município grandes

extensões de terras disponíveis, o que estimulou a instalação de indústrias.

Figura 06 –Trevo das BR's 262 e 101 em Viana, fim dos anos 1970.

https://www.instagram.com/p/Btx78Ljg-Mm/?utm_source=ig_web_copy_link, acesso em: 25 de junho

de 2019.

Siqueira (2001) aponta que até o ano de 1975 haviam doze indústrias instaladas

no município, sendo que sete eram consideradas de grande porte. Outras empresas

continuaram a se instalar em Viana ao longo da década de 1970 até os dias atuais.

Outro fato importante foram as obras de duplicação das BR’s, que iniciariam no final

dos anos 2000, a partir de um projeto do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC),

com um trecho partindo de Viana até a divisa com Minas Gerais, na BR 262 – obras

não foram concluídas e se encontram paradas – e outro na BR 101 – obras em estágio

avançado – de Viana até Guarapari.

5 – Considerações finais

Conforme exposto ao longo do artigo, as alterações nos meios de transporte

sempre trouxeram para as cidades, e também para Viana, modificações

Page 12: TERRA DE PASSAGEM: O MUNICÍPIO DE VIANA (ES) E SUA ... · TERRA DE PASSAGEM: O MUNICÍPIO DE VIANA (ES) E SUA IMPORTÂNCIA LOGÍSTICA NA REGIÃO METROPOLITANA DA GRANDE VITÓRIA

infraestruturais e econômicas.Tais alterações foram e são impactantes na realidade

urbana, modificando a dinâmica e as relações comerciais do município, da região e

do estado. A característica logística, que hoje o município possui, foi engendrada ao

longo dos séculos de ocupação, sempre se adaptando à realidade e ao que de mais

moderno existia à época, para suprir demandas comerciais, que até o século XIX eram

realizadas por meio de embarcações e caminho de tropeiros, e que foi superada neste

mesmo século, pelo trasporte ferroviário. este, por sua vez, foi superado pelo

transporte automobilistico-rodoviarista no século XX, sem que houvesse, contudo, um

desligamento total das atividades anteriores. Atualmente, esta interdependência do

transporte modal na região não mais existe, mas ainda assim, as marcas destas

atividades passadas se expressam nos costumes e nas paisagens da cidade.

6 – Referências bibliográficas:

ABREU, Mauricio de Almeida. Evolução Urbana do Rio de Janeiro. 3 Edição,

IPLANRIO, Rio de Janeiro, 1997.

ABREU, Mauricio de Almeida. Sobre a Memória das Cidades. In: Revista Território –

LAGET/UFRJ, n. 4, Ano III, Jan/Jun. 1998.

ABREU, Mauricio de Almeida. Cidades: Espacialidades e Temporialidades. In:

CARLOS, Ana Fani Alessandra e LEMOS, Amália Inês Geraiges. Dilemas Urbanos

– Novas Abordagens sobre a Cidade. São Paulo: Contexto Acadêmica, 2003.

BALESTRERO, H. L. Obra completa, V.1: Subsídios para o estudo da geografia e da

história do município de Viana – 2. Ed. Viana - ES: Ed. JEP Gráfica, 2012. 300 p.

CARLOS, Ana Fani Alessandri. Espaço-Tempo na Metrópole. São Paulo: Contexto

Acadêmica, 2001.

CORRÊA, Roberto Lobato. O Meio Ambiente e a Metrópole. . In: Natureza e

Sociedade no Rio de Janeiro. Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 1992.

INSTITUTO JONES DOS SANTOS NEVES. Plano de desenvolvimento urbano

integrado. Região Metropolitana da Grande Vitória. Diagnóstico Integrado, v.2, Vitória,

2018.

ESPÍRITO SANTO. Lei estadual Nº 237, de 17 de outubro de 2018, considera o

município de Viana como “Capital Estadual da Logística”.

Page 13: TERRA DE PASSAGEM: O MUNICÍPIO DE VIANA (ES) E SUA ... · TERRA DE PASSAGEM: O MUNICÍPIO DE VIANA (ES) E SUA IMPORTÂNCIA LOGÍSTICA NA REGIÃO METROPOLITANA DA GRANDE VITÓRIA

ESPÍRITO SANTO. Pesquisa de informações básicas municipais: População

estimada 2018. Viana, Espírito Santo: IBGE, 2018. Disponível em:

<https://cidades.ibge.gov.br/brasil/es/viana/panorama>. Acesso em: 05 out. 2018.

GROSSELLI, Renzo M. Colônias imperiais na terra do café: camponeses trentinos

(vênetos e lombardos) nas florestas brasileiras, Espírito Santo, 1874-1900.1952.

[Tradução Márcia Sarcinelli]. Vitória: Arquivo Público do Estado do Espírito Santo,

2008. 534 p.

LEITE, Serafim Soares. A história da Companhia de Jesus no Brasil. Tômo VI, Livro

2,1 ed. Ed. Imprensa Nacional, 1938.

MOURA, Benjamim do Carmo. Logística: Conceitos e tendências. 1ª edição, Lisboa:

Centro Atlântico, 2006.

NATAL, J. L. A. Transporte, ocupação do espaço e desenvolvimento capitalista no

Brasil: história e perspectivas. Ensaios FEE, Porto Alegre, 1991. Disponível

em:https://revistas.fee.tche.br/index.php/ensaios/article/download/1443/1808. Acesso

em: 25 jun. 2019.

RÖLKE, Helmar. Raízes da Imigração Alemã: história e cultura alemã no Estado do

Espírito Santo. Vitória (ES): Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, 2016. 624

p.

SANTOS, Milton. Espaço e Método. 3ª edição, São Paulo: Nobel, 1992.

_____________. Metamorfose do espaço habitado: fundamentos teóricos e

metodológicos da geografia. 4ª edição, São Paulo: Hucitec, 1996.

_____________. Técnica, espaço e tempo: globalização e meio técnico-científico

informacional. 3ª edição, São Paulo: Hucitec, 1997.

SIQUEIRA, M da P. S. Industrialização e empobrecimento urbano: o caso da Grande

Vitória, 1950-1980. Vitória: EDUFES, 2001. 182p.

VILLAÇA, F. J. M. Espaço Intra-urbano no Brasil. Studio Nobel, São Paulo, 2001.