terminar com a praxe? temos é de cumprir as leis do nosso país · diário de coimbra 60 anos ......

3
10-03-2017 Ana Margalho Diário de Coimbra 60 anos do Código da Praxe é uma boa efeméride para falar no passado, o presente e o fu- turo da praxe em Coimbra? João Luís Jesus Há dois anos houve uma iniciativa do género ao longo de dois meses, com pequenas palestras para falar, descomprometidamente, so- bre temáticas ligadas à praxe, tradição e à universidade. Faz 60 anos que foi editado o pri- meiro Código da Praxe e achá- mos que fazia sentido aglutinar num fim-de-semana temáticas relacionadas com a vivência estudantil: o Código da Praxe propriamente dito, mas tam- bém as tradições, as vantagens de ter código e de não ter... tudo em cinco palestas, com a pre- sença de especialistas, não só para os estudantes de Coimbra, mas os de outras academias que queiram ouvir e partilhar as suas experiências. Mortes no Meco, críticas do ministro do Ensino Superior e, recentemente, o estudo que faz da praxe tradição “inventada”... É o momento ideal para debater a praxe? Não há momentos ideais. A praxe e as tradições académi- cas são uma realidade. Actual- mente estão sob escrutínio mais apertado, mas nós, Con- selho de Veterenos, não temos nada a esconder sobre o que é a praxe na UC. E, como tal, es- tamos sempre disponíveis para discutir. Agora, o mote são os 60 anos da edição do Código da Praxe. Vamos aproveitá-lo para discutir temas que estão inerentes à praxe, como “O pa- pel da praxe nos dias de hoje”, com a presença de Elísio Es- tanque, que investiga a praxe e tem uma visão muito cientifíca sobre a sua realidade socioló- gica e envolvência. As tradições são indissociáveis da história e vida da UC. Por isso, vamos contar com a presença da vice- -reitora, Clara Almeida Santos, e do ex-director do Museu Aca- démico, que darão a perspec- tiva da UC sobre as tradições e como estão relacionadas com a vida na UC. Queremos de- monstrar que a praxe é um fe- nómeno transversal e não se resume exclusivamente a brin- cadeiras com caloiros no início do ano lectivo, como acontece. Como é que isso aconteceu? É a massificação. Em 1957, ti- nhamos 7.000 estudantes na UC. Era muito fácil transmitir regras oralmente, fazer um “Terminar com a praxe? Temos é de cumprir as leis do nosso país” Entrevista 60 anos do Código da Praxe serão o mote para, este fim-de-semana, debater a evolução deste documento. Dux Veteranorum há 17 anos, João Luís Jesus dá pistas para a discussão numa conversa sobre o passado, mas essencialmente dedicada ao presente e ao futuro da praxe em Coimbra João Luís Jesus é Dux Veteranorum da Universidade de Coimbra desde Janeiro de 2000 e responsável por três revisões ao Código da Praxe FOTOS: FIGUEIREDO 90% das infracções, mais, ou menos graves, ao Código da Praxe devem-se a desconhecimento Há em Coimbra uma mística especial que não se explica. Há um lado emotivo da praxe ao qual é impossível pôr fim PROGRAMA AMANHÃ 11hoo - Sessão de Abertura História e evolução da Praxe de Coimbra e do seu respectivo Código João Luís Jesus 11h3o - Palestra 1 A Universidade de Coim- bra, os Estudantes e o seu Património Cultural Clara Almeida Santos (vice-reitora da UC) e Carlos Serra (ex-director do Museu Académico) 15h00 - Palestra 2 Tradições Praxísticas, Código Oral e Código Escrito João Luís Jesus; repre- sentante da Academia do Porto e Jean-Pierre Silva (blogger) 17h30 - Palestra 3 Papel da Praxe nos dias de Hoje Elísio Estanque, Jorge Castilho e Rita Andrade DOMINGO 14h3o - Palestra 4 Canção de Coimbra, mú- sicas da vida de estu- dantes e como música de intervenção Rui Pato, António Vi- cente e Jorge Cravo 18hoo - Palestra 5 A Praxe e a relação com o espírito contestatário Académico Rui Namorado, Maló de Abreu e Ricardo Mor- gado 19hoo - Encerramento João Luís Jesus e Ale- xandre Amado (presi- dente DG-AAC) Local: Auditório da Rei- toria da Universidade de Coimbra Organização: Conselho de Veteranos da Univer- sidade de Coimbra

Upload: dinhtu

Post on 20-Nov-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

10-03-2017

Ana Margalho

Diário de Coimbra 60 anosdo Código da Praxe é umaboa efeméride para falar nopassado, o presente e o fu-turo da praxe em Coimbra?João Luís Jesus Há dois anoshouve uma iniciativa do géneroao longo de dois meses, compequenas palestras para falar,descomprometidamente, so-bre temáticas ligadas à praxe,tradição e à universidade. Faz60 anos que foi editado o pri-meiro Código da Praxe e achá-mos que fazia sentido aglutinarnum fim-de-semana temáticasrelacionadas com a vivência

estudantil: o Código da Praxepropriamente dito, mas tam-bém as tradições, as vantagensde ter código e de não ter... tudoem cinco palestas, com a pre-sença de especialistas, não sópara os estudantes de Coimbra,mas os de outras academiasque queiram ouvir e partilharas suas experiências.

Mortes no Meco, críticas doministro do Ensino Superiore, recentemente, o estudoque faz da praxe tradição“inventada”... É o momentoideal para debater a praxe?Não há momentos ideais. Apraxe e as tradições académi-

cas são uma realidade. Actual-mente estão sob escrutíniomais apertado, mas nós, Con-selho de Veterenos, não temosnada a esconder sobre o que éa praxe na UC. E, como tal, es-tamos sempre disponíveis paradiscutir. Agora, o mote são os60 anos da edição do Códigoda Praxe. Vamos aproveitá-lopara discutir temas que estãoinerentes à praxe, como “O pa-pel da praxe nos dias de hoje”,com a presença de Elísio Es-tanque, que investiga a praxe etem uma visão muito cientifícasobre a sua realidade socioló-gica e envolvência. As tradiçõessão indissociáveis da história e

vida da UC. Por isso, vamoscontar com a presença da vice--reitora, Clara Almeida Santos,e do ex-director do Museu Aca-démico, que darão a perspec-tiva da UC sobre as tradições ecomo estão relacionadas coma vida na UC. Queremos de-monstrar que a praxe é um fe-nómeno transversal e não seresume exclusivamente a brin-cadeiras com caloiros no iníciodo ano lectivo, como acontece.

Como é que isso aconteceu?É a massificação. Em 1957, ti-nhamos 7.000 estudantes naUC. Era muito fácil transmitirregras oralmente, fazer um

“Terminar com apraxe? Temos é de cumprir as leisdo nosso país”

Entrevista 60 anos do Código da Praxe serão o mote para, este fim-de-semana, debater a evolução deste documento. Dux Veteranorum há 17 anos,João Luís Jesus dá pistas para a discussão numa conversa sobreo passado, mas essencialmentededicada ao presente e ao futuroda praxe em Coimbra

João Luís Jesus é Dux Veteranorum da Universidade de Coimbra desde Janeiro de 2000 e responsável por três revisões ao Código da Praxe

FOTOS: FIGUEIREDO

90% das infracções,mais, ou menosgraves, ao Códigoda Praxe devem-sea desconhecimento

Há em Coimbra umamística especialque não se explica. Há um lado emotivoda praxe ao qual éimpossível pôr fim

PROGRAMAAMANHÃ11hoo - Sessãode AberturaHistória e evolução daPraxe de Coimbra e doseu respectivo CódigoJoão Luís Jesus11h3o - Palestra 1A Universidade de Coim-bra, os Estudantes e oseu Património CulturalClara Almeida Santos(vice-reitora da UC) eCarlos Serra (ex-directordo Museu Académico)15h00 - Palestra 2Tradições Praxísticas,Código Oral e CódigoEscritoJoão Luís Jesus; repre-sentante da Academiado Porto e Jean-PierreSilva (blogger)17h30 - Palestra 3Papel da Praxe nos diasde HojeElísio Estanque, JorgeCastilho e Rita Andrade

DOMINGO14h3o - Palestra 4Canção de Coimbra, mú-sicas da vida de estu-dantes e como músicade intervençãoRui Pato, António Vi-cente e Jorge Cravo18hoo - Palestra 5A Praxe e a relação como espírito contestatárioAcadémicoRui Namorado, Maló deAbreu e Ricardo Mor-gado19hoo - EncerramentoJoão Luís Jesus e Ale-xandre Amado (presi-dente DG-AAC)

Local: Auditório da Rei-toria da Universidadede Coimbra

Organização: Conselhode Veteranos da Univer-sidade de Coimbra

auto-controlo. Hoje, os princí-pios continuam no Código daPraxe, mas há mais de 20 milestudantes na UC e esta está dis-persa por vários pontos da ci-dade. É muito mais complicado.Antes, com a UC concentradana Alta, havia uma interacçãomuito grande entre todos oscursos e faculdades. No meutempo, tinha “doutores” de Me-dicina, Engenharias, Direito, Le-tras... de todas as faculdades ecursos. Não interessava. Actual-mente, existe uma separação fí-sica e psicológica, na praxe, en-tre faculdades e entre cursos.

Falta identificação à UC?Sim. Antigamente, as pessoasidentificavam-se com o factode serem estudantes da UC enão do curso A, B ou C ou dafaculdade X, Y e Z. Em primeirolugar, eram estudantes da UC.Hoje, já não se identificam coma UC. Identificam-se com ocurso e, quanto muito, com afaculdade. A UC é uma entidadegigante que agrega tudo, masque perdeu personalidade.Apesar de, de uma forma geral,todos cumprirem os mesmosprincípios e regras da praxe,tentam criar coisas que os dis-tingam dos outros. Antes a fi-losofia era exactamente in-versa. Inverteram-se os objec-tivos e as prioridades. Porqueé que aconteceu? Pode ser quea discussão deste tema nos levea alguma conclusão.

Mas chega a haver desres-peito pelo Código da Praxe?De uma forma geral, o códigoé respeitado. 90% das infra-cções, as mais ou menos gra-ves, devem-se a desconheci-mento. Antigamente, queriamfazer as coisas bem. Actual-mente, fazem as coisas porquevêem os outros fazer e não se

preocupam em saber porqueestão a fazer. Viram fazer noano passado, e também fazem...O Código da Praxe não é ne-nhuma Bíblia, é um livro orien-tador com as balizas do que sepode fazer e com princípiosque devem ser seguidos, queexplica para que é que serve apraxe e qual a sua origem.Agora, é impossível obrigar aspessoas a lê-lo... Ao início, en-tregávamos um código em pa-pel a cada caloiro. Agora, estádisponível, para download, napágina do Conselho de Vetera-nos. Está acessível a qualquerum para ler, andar com ele notelemóvel, no tablet... e nota-se,nos últimos anos, desde quepassou a ser disponibilizado di-gitalmente, mais interacçãocom o Conselho de Veteranos.Mas, é certo, que a praxe não éencarada como era antiga-mente.

Há risco de a praxe acabarem Coimbra?Pode desaparecer muita coisana UC, mas as vivências estu-dantis em Coimbra, muito di-ficilmente desaparecerão. Astradições dos estudantes con-fundem-se com as da UC. Serámuito difícil dissociá-los e eli-

minar as tradições dos estu-dantes, nomeadamente apraxe. Nos últimos anos tem--se misturado praxe com tra-dição e incluído nela coisas quenão têm nada a ver. Metemtudo no mesmo saco. Mas issopermitiu - e vai ser debatido naconvenção - que se começas-sem a debruçar sobre o querealmente é a praxe e o que sãoas tradições. Porque é que 80 a90% dos estudantes aderem àpraxe? Usam a capa e batina?Insígnias pessoais e têm gostoem ir no carro? Porque é que,no último ano, parecem “Ma-rias Madalenas” a chorar nasescadas da Sé Velha? Isso querdizer alguma coisa. Há emCoimbra uma mística especialque não se explica. Há um ladoemotivo da praxe ao qual é im-possível pôr fim.

Há possibilidade de o Parla-mento decidir o fim da praxe.O que pensa disso?Para abolir alguma coisa é pre-ciso defini-la. Como é que sedefine o que é a praxe? É usarinsígnias pessoais na pasta e teras fitas assinadas por amigos?Isso é praxe, ou não é? Seráproibido ou não? O que estáem discussão não é abolir apraxe, é proibir abusos contraoutrem e isso já está mais doque definido no Código Civil ePenal. A legislação é mais doque suficiente para isso, inde-pendentemente dos contextos.Em vez de inventar leis, faça--se cumprir as que existem esensibilize-se para sua existên-cia. Não temos de terminarcom a praxe, temos de cumpriras leis do nosso país. Há umsentimento de impunidade,que chega também aos estu-dantes universitários. O quefalta é que a legislação sejacumprida. |

Que consequências tem, en-tão, para a praxe, o escrutí-nio enorme a que a praxetem sido colocada nos últi-mos anos?As pessoas, antes desses epi-sódios, andavam num espíritode poderem fazer o que qui-sessem. Sabiam que, apesar depoderem fazer o que quises-sem, raramente teriam proble-mas. Quando isto começou aser mais escrutinado, as pes-soas começaram a aperceber--se que havia certas coisas paraas quais era melhor ter cuidadoporque estavam a ultrapassardeterminados limites. Actual-mente, acho que há uma maiorconsciencialização de que umacoisa é brincar e outra coisa éabusar. Eu noto que as pessoasjá têm muito mais cuidadoquando lidam com estas ques-tões da praxe.

Ou seja, trouxe um lado po-sitivo...Eu considero que sim, que esseescrutínio da sociedade cons-ciencializou as pessoas para te-rem mais cuidado e mais res-

peito pelos outros. Não estoua dizer que antes não houvesse,mas havia mais liberdade paraoutras coisas. Este escrutíniofez com que as pessoas come-çassem a pensar mais naquiloque fazem. Agora, começam aquestionar as coisas que fa-ziam, quando pensam numabrincadeira, pensam nas con-sequências. É que em 90% doscasos não haverá problema,mas há 10% em que é precisoter mais cuidado. Estas situa-çõestambém chamaram maisa atenção para a existência deum código, que dita as regrasda praxe. Por exemplo, quan -do foi colocada no Facebook,a informação sobre o novo có-digo, que entrou em vigor noinício de Janeiro, chegou aquase 50 mil pessoas no prazode uma semana e meia. Temoscerca de 20 mil estudantes naUC, o que quer dizer que a in-formação se propagou ehouve muitos interessados emver o que é que havia de novono Código da Praxe de Coim-bra, nomeadamente de outrasuniversidades. |

Polémicas com a praxetornaram estudantes“mais conscientes”

“UC perdeu personalidade”

Exposição negativa da praxe teve um lado positivo, diz o Dux

UMA HISTÓRIACOM SÉCULOSA Praxe Académica da UC existe há váriosséculos e era transmi-tida oralmente entre os estudantes.1916 - Primeiro projectode Código da Praxe. Bar-bosa de Carvalho regula-menta usos e costumesda praxe. Cria as “LeisExtravagantes da Aca-demia de Coimbra” co-nhecido como “Códigodas Muitas Partidas”.1925/1927/1940 - No-vas tentativas de colocarno papel a Praxe e a Tra-dição em Coimbra.1957 - Conselho de Ve-teranos aprova projectode Código da Praxe daUC, de Mário Saraivade Andrade e Victor Dias Barros, próximo doque hoje conhecemos.1993 - Primeira revisãopara adaptar às mudan-ças sentidas desde finaisdos anos 70 (altura emque se retomam as tra-dições académicas).2001 - Segunda revisãodevido à expansão da Universidade.2007 - Adaptação ao“Processo de Bolonha”.2013 - Revisão para re-gulamentar e limitar aPraxe do Gozo do Ca-loiro e possibilitar umamaior fiscalização e controlo da praxe.2017 - Última revisão doCódigo da Praxe que, en-tre outros, cria um Fo-rum Apparitor, órgãoconsultivo com repre-sentantes de todos oscursos para tentar facili-tar a comunicação entreestudantes e o Conselhode Veteranos.

Nestaedição

“Praxe não se resume a brincadeirascom caloiros” Dux Veteranorum em entrevista | P6 e 7

Oliveira do Hospital espera 80 mil visitantes na Festa do Queijo Suplemento

10 DE MARÇO DE 2017 SEXTA-FEIRA JORNAL REPUBLICANO ÓRGÃO REGIONALISTA DAS BEIRAS HÁ 86 ANOS A INFORMAR 0,80 EUROS

DiáriodeCoimbraFundador Adriano Lucas (1883-1950) | Director “in memoriam” Adriano Lucas (1925-2011) | Director Adriano Callé Lucas

CENTRO NA BTL PARA CATIVAR OS TURISTAS NACIONAISRegião com forte presença no maior certame deturismo do país, a partir de quarta-feira em Lisboa,para mostrar o potencial de 100 municípios Página 21

lBanda Desenhadalem mostralreforçadal

Certame promove a BD em Coimbra, com um programa recheado Página 3

José Manuel Silva avança para “colocar Coimbra no mapa”Candidatura à Câmara | P5

Buçaco recebeu mais de 250 mil visitantes em 2016Mealhada | P14

FERREIRA SANTOS