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Terapia Cognitivo-Comportamental dos Transtornos Alimentares Psicologia- Ulbra/Guaíba Profa. Mestre Cláudia Galvão Mazzoni Fabiana Lima Rosinski Lisiane Botelho Ferreira Patrícia dos Santos Silveira Resumo: O presente artigo tem como objetivo descrever as principais conseqüências e alterações que os transtornos alimentares caucionam no pensamento e no comportamento das portadoras dessa síndrome. A partir dos conhecimentos obtidos dos transtornos alimentares, em relevante, a bulimia e anorexia nervosas. As autoras mostram, de forma reduzida, as distorções cognitivas relacionadas com o corpo que é influenciado por muitos fatores sócioculturais mostrando como a terapia cognitivo- comportamental trata esse tipo específico de transtorno, a modificação dos sistemas de crenças distorcidas, a avaliação de eficácia e o transtorno da compulsão alimentar periódica, utilizando conceitos de autores como Ballone, Duchesne e Almeida. A terapia cognitivo comportamental tem como objetivo intervir diretamente nas crenças de distorção corporal. Palavras chave: Transtorno alimentar. Terapia cognitivo comportamental. Tratamento INTRODUÇÃO Os Transtornos Alimentares constituem uma verdadeira "epidemia" que assola sociedades industrializadas e desenvolvidas acometendo, sobretudo, adolescentes e adultos jovens. Quais serão os sintomas dessa epidemia emocional? De um modo geral, o pensamento falho e doentio das pessoas portadoras dessas patologias se caracteriza por uma obsessão pela perfeição do corpo. Na realidade, trata-se de uma "epidemia de culto ao corpo" que se multiplica em uma população patologicamente preocupada com a estética corporal e afetada por alterações psíquicas relacionadas ao esquema corporal. É assim que os transtornos alimentares vêem aumentando sua incidência perigosamente.

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Terapia Cognitivo-Comportamental dos Transtornos Alimentares Psicologia- Ulbra/Guaíba

Profa. Mestre Cláudia Galvão Mazzoni

Fabiana Lima Rosinski

Lisiane Botelho Ferreira

Patrícia dos Santos Silveira

Resumo: O presente artigo tem como objetivo descrever as principais conseqüências

e alterações que os transtornos alimentares caucionam no pensamento e no

comportamento das portadoras dessa síndrome. A partir dos conhecimentos obtidos

dos transtornos alimentares, em relevante, a bulimia e anorexia nervosas. As autoras

mostram, de forma reduzida, as distorções cognitivas relacionadas com o corpo que é

influenciado por muitos fatores sócioculturais mostrando como a terapia cognitivo-

comportamental trata esse tipo específico de transtorno, a modificação dos sistemas

de crenças distorcidas, a avaliação de eficácia e o transtorno da compulsão alimentar

periódica, utilizando conceitos de autores como Ballone, Duchesne e Almeida. A

terapia cognitivo comportamental tem como objetivo intervir diretamente nas crenças

de distorção corporal.

Palavras chave: Transtorno alimentar. Terapia cognitivo comportamental. Tratamento

INTRODUÇÃO

Os Transtornos Alimentares constituem uma verdadeira "epidemia" que

assola sociedades industrializadas e desenvolvidas acometendo, sobretudo,

adolescentes e adultos jovens. Quais serão os sintomas dessa epidemia

emocional? De um modo geral, o pensamento falho e doentio das pessoas

portadoras dessas patologias se caracteriza por uma obsessão pela perfeição

do corpo. Na realidade, trata-se de uma "epidemia de culto ao corpo" que se

multiplica em uma população patologicamente preocupada com a estética

corporal e afetada por alterações psíquicas relacionadas ao esquema corporal.

É assim que os transtornos alimentares vêem aumentando sua incidência

perigosamente.

Conforme Kaplan (1997) os transtornos alimentares são quadros

psiquiátricos caracterizados por uma grave perturbação do comportamento

alimentar, sendo a anorexia e a bulimia nervosas os dois tipos principais.

A anorexia nervosa pode ser definida como uma recusa sistemática em

manter o peso no mínimo normal adequado à idade e altura, acompanhada de

uma perturbação no modo como o indivíduo vivencia seu peso e sua forma

física. Já a bulimia nervosa caracteriza-se por episódios de comer compulsivo,

associados a um sentimento de descontrole sobre o comportamento alimentar.

Os comportamentos alimentares anormais e as práticas inadequadas de

controle de peso estão associados à insatisfação pessoal e à baixa auto-

estima, sendo comumente expressados pela insatisfação com o peso corporal.

Olhar-se como uma obesa sem ser implica uma distorção cognitiva que pode

ser explicada por algum tipo de aprendizado imposto a um grupo por pressão

psicossocial e cultural.

Quando se elencam os fatores predisponentes à anorexia nervosa,

torna-se óbvio que se sabe pouco sobre a vulnerabilidade individual. Ballone

(2007) atribui à predisposição fundamental a um déficit do eu, no que se refere

à autonomia e ao domínio do próprio corpo, o que dá conta de um sentimento

de “ineficácia pessoal”. Descreve-o assim: “Os pacientes anoréxicos se

percebem como tendo perdido o controle de sua conduta, suas necessidades e

seus impulsos, como não sendo os donos de seus próprios corpos, como

carecendo de um centro de gravidade. Pelo contrário sentem-se sob a

influência de forças externas”.

Segundo Kaplan (1997) os pacientes com Bulimia Nervosa apresentam

uma freqüência maior de sintomas depressivos (por ex., baixa auto-estima,

insegurança) ou Transtornos do Humor (particularmente Transtorno Distímico e

Transtorno Depressivo Maior). Em muitas ou na maior parte dessas pessoas, o

distúrbio do humor começa simultaneamente ou segue o desenvolvimento da

Bulimia Nervosa, sendo que com freqüência atribuem sua perturbação do

humor à Bulimia Nervosa. Também pode haver maior freqüência de sintomas

de ansiedade (por ex., medo de situações sociais) ou Transtornos de

Ansiedade.

A compulsão periódica freqüentemente prossegue até que o paciente se

sinta desconfortável, ou mesmo dolorosamente repleto. A compulsão periódica

é tipicamente desencadeada por estados de humor disfóricos, estressores

interpessoais, intensa fome após restrição por dietas, ou sentimentos

relacionados a peso, forma do corpo e alimentos. A compulsão periódica pode

reduzir temporariamente a disforia, mas autocríticas e humor deprimido

freqüentemente ocorrem logo após.

Na bulimia nervosa, as pessoas ingerem grandes quantidades de

alimentos (episódios de comer compulsivo ou episódios bulímicos) e, depois,

utilizam métodos compensatórios, tais como vômitos auto-induzidos, uso de

laxantes e/ou diuréticos e prática de exercícios extenuantes como forma de

evitar o ganho de peso pelo medo exagerado de engordar. Diferentemente da

anorexia nervosa, na bulimia não há perda de peso, e assim médicos e

familiares têm dificuldade de detectar o problema. A doença ocorre mais

freqüentemente em mulheres jovens, embora possa ocorrer mais raramente

em homens e mulheres com mais idade.

FATORES SOCIOCULTURAIS

Ballone (2007) conclui que pelas características da doença, os fatores

socioculturais podem influir no aumento de sua incidência. Antes deste século,

os alimentos eram disponíveis para as classes sociais mais altas, a comida

abundante e a obesidade denotavam um poder econômico e nível social

elevado. No século XX, grande parte da população dispõe de alimentos de alta

densidade calórica, e a obesidade prevalece nos grupos de população de nível

sócio-econômico inferior. Nas classes altas, à medida que se dispõe de

alimentos mais saborosos e atraentes, há um interesse maior em evitar a

obesidade; os quilos a mais já não são um sinal de luxo; o controle de peso e a

busca da esbelteza se associam a um aumento do número de pacientes com

transtornos alimentares.

RELAÇÃO ENTRE BULIMIA E ANOREXIA NERVOSA

Para Ballone (2007) apesar de que, nas primeiras descrições de

pacientes com anorexia nervosa, eram descritos sintomas bulímicos, estes não

ocupavam um lugar destacado. Entretanto, nos últimos 50 anos aumentou

significativamente o número de pacientes com anorexia nervosa que

apresentam sintomas de bulimia, atribui este aumento á crescente pressão

social pela esbelteza, exercida basicamente sobre a população feminina. É

possível que isto seja um dos fatores que expliquem a evolução da

psicopatologia do transtorno, desde um deleite no ascetismo e na supressão

das necessidades do corpo até o mais até o mais moderno “medo da gordura”.

Herscovici e Bay (1987) afirmam que os pacientes se deslocam entre as

síndromes de anorexia nervosa e bulimia nervosa. Apesar de ser muito menos

freqüente que pacientes com bulimia nervosa desenvolvam depois uma

anorexia nervosa, algumas vezes isso ocorre. Também é certo que pacientes

com bulimia nervosa às vezes atravessam períodos em que obtêm um controle

sobre a sua ingestão e, se não estão sob uma supervisão clínica adequada,

podem evoluir para uma anorexia nervosa.

Tanto a anorexia nervosa como a bulimia, independentemente do peso,

são parte de uma gama de transtornos da alimentação. Em ambos os casos,

há um medo mórbido da gordura e a busca da esbelteza, como um recurso

para lidar com dificuldades no desenvolvimento, ou então uma maneira de

enfrentar o mal estar emocional. (HERSCOVICI E BAY APUD ANDERSEN)

DIMINUIÇÃO DA RESTRIÇÃO ALIMENTAR

Atualmente para Duchesne e Almeida (2002) a história de privação

alimentar de um indivíduo pode ser significativa para o desenvolvimento de

alterações persistentes do padrão alimentar, determinando também alterações

de humor e cognição. A normalização da alimentação inicia-se pela discussão

dos fatores que favorecem a manutenção da restrição dietética e por

orientações acerca de alimentação e regulação de peso. O tratamento

concentra-se no estabelecimento de horários regulares para alimentação e na

exposição gradual aos alimentos e situações freqüentemente evitadas

ABORDAGEM COGNITIVO-COMPORTAMENTAL DO DISTÚRBIO DA

IMAGEM CORPORAL.

Duchesne e Almeida (2002) consideram a terapia cognitivo

comportamental a abordagem do distúrbio de imagem corporal central para o

tratamento da Anorexia Nervosa. O conceito de “imagem corporal” envolve três

componentes: 1) a precisão da percepção do tamanho corporal; 2) o grau de

ansiedade associada à aparência e 3) o comportamento de evitação de

exposição corporal. Para diminuir a distorção da percepção corporal pode-se

solicitar à paciente que desenhe como percebe seu corpo, olhando-se em um

espelho. Em seguida, o terapeuta desenha a silhueta real, para que a paciente

possa observar a discrepância entre os desenhos. Essa medida pode reduzir a

ansiedade associada à aparência e facilitar a exposição corporal, que é

organizada de forma gradual, incentivando a paciente a usar roupas justas e

curtas. Para maior redução da ansiedade, a paciente deve também modificar

seu ideal de imagem corporal, aprendendo a lidar melhor com eventuais

“imperfeições”.

MODIFICAÇÃO DO SISTEMA DE CRENÇAS

Para Duchesne e Almeida (2002) a terapia cognitivo comportamental

pressupõe que o sistema de crenças de um indivíduo exerce importante papel

no desenvolvimento de seus sentimentos e comportamentos. Desta forma, as

pacientes com transtornos alimentares apresentam crenças distorcidas e

disfuncionais acerca de peso, formato corporal, alimentação e valor pessoal,

que são significativas para a manutenção dos transtornos alimentares. Uma

das crenças distorcidas centrais para os transtornos alimentares é a que

equaciona valor pessoal ao peso e formato corporal, ignorando ou não

valorizando outros parâmetros. Para pacientes com transtornos alimentares a

magreza estaria associada à competência, superioridade e sucesso, tornando-

se assim intrinsecamente associada à auto-estima.

O sistema distorcido de crenças pode perpetuar-se em decorrência de

várias tendências disfuncionais de raciocínio. Uma das tendências

freqüentemente encontradas é a de atentar seletivamente para as informações

que confirmam suas crenças, ignorando ou distorcendo os dados que poderiam

questioná-las.

Para modificar o sistema de crenças a terapia cognitivo comportamental

utiliza diversas técnicas. Uma delas consiste em ensinar a paciente a identificar

pensamentos que possam conter alguma distorção. Em seguida ela é

incentivada a analisar todas as evidências disponíveis que possam confirmar

ou refutar o pensamento distorcido, tornando-o mais funcional. Uma grande

variedade de estratégias, como as descritas para o tratamento da imagem

corporal, podem ser utilizadas para facilitar a modificação das crenças. Por

exemplo, o desenho da imagem corporal e a exposição gradual do corpo

permitem que a paciente modifique suas crenças de que está gorda e de que

será rejeitada em função disto.

O processo de análise das crenças é realizado de forma colaborativa,

sendo o terapeuta inicialmente mais ativo, ajudando a paciente a treinar as

habilidades necessárias e, progressivamente, incentivando a paciente a

comportar-se como se fosse o próprio terapeuta.

AVALIAÇÃO DE EFICÁCIA

Duchesne e Almeida (2002) afirmam que no tratamento da Bulimia

Nervosa, a terapia cognitivo comportamental tem sido apontada como uma

psicoterapia eficaz na remissão ou diminuição da freqüência de episódios de

compulsão alimentar, dos comportamentos purgativos, da restrição alimentar e

da preocupação com peso e formato corporal. A terapia tem auxiliado também

na redução dos sintomas depressivos associados, na melhora da auto-estima e

do funcionamento social. A utilidade desta forma de intervenção tem sido

enfatizada por superar os resultados alcançados com o uso de medicação

isolada e pelo fato da associação de terapia cognitivo comportamental à

medicação aumentar a eficácia do tratamento farmacológico. Foi observada

também uma boa manutenção dos resultados.

TRANSTORNO DA COMPULSÃO ALIMENTAR PERIÓDICA

Segundo Duchesne e Almeida (2002) o programa de terapia cognitivo

comportamental para o Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica (TCAP)

foi desenvolvido a partir do modelo utilizado para a Bulimia Nervosa, tendo sido

necessárias algumas adaptações às diferenças entre estas duas síndromes.

Os objetivos terapêuticos no Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica

incluem o desenvolvimento de estratégias para controle de episódios de

compulsão alimentar, a modificação de hábitos alimentares, o desenvolvimento

de estratégias para adesão a exercício físico e a redução gradual do peso,

quando há obesidade associada. A teoria cognitivo comportamental sugere,

também para estes casos, a abordagem da auto-estima, a redução da

ansiedade associada à aparência e a modificação do sistema de crenças

disfuncionais, realizada nos moldes já descritos para Anorexia Nervosa e

Bulimia Nervosa.

O tratamento, afirma Duchesne e Almeida (2002), está basicamente centrado em

reeducação alimentar, orientação para prática de atividade física adequada, abordagem

do distúrbio da imagem corporal e da auto-estima, e modificação do sistema de crenças.

Devido às características diagnósticas e as complicações clínicas, o tratamento requer

também uma visão em intervenção em crise. A terapia cognitivo comportamental tem-se

mostrado eficaz para o tratamento e para a prevenção da recaída nos transtornos

alimentares.

CONCLUSÃO

Conclui então Duchesne e Almeida (2002) que estudos comparando

terapia cognitivo comportamental, a outros tipos de terapia evidenciam maior

eficácia da terapia cognitivo comportamental em relação à terapia de apoio, e

resultados similares aos obtidos por terapia interpessoal. A terapia cognitivo

comportamental considera a relação terapêutica fundamental para a obtenção da

melhora dos transtornos alimentares. O terapeuta mantém uma atitude

empática em relação às dificuldades e necessidades da paciente e apresenta a

terapia como um trabalho em equipe, no qual ambos terão uma participação

ativa na detecção de causas das dificuldades e na seleção das estratégias

utilizadas no tratamento.

O tratamento dos transtornos alimentares é realizado em equipe

multidisciplinar, sendo necessária a associação de psicólogos a outros

profissionais, tais como: nutricionistas, médicos clínicos e psiquiatras. O

envolvimento da família no tratamento pode ajudar a criar uma estrutura de

colaboração, facilitando mudanças.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

HERSCOVICI, R.C; BAY, L. Anorexia nervosa e Bulimia: Ameaças á

Autonomia. Porto Alegre. Artes Médicas, 1997.

KAPLAN, H.I; SADOCK, B.J; GREBB, J.A. Compêndio de Psiquiatria:

Ciências do Comportamento e Psiquiatria Clínica. Porto Alegre. Artes

Médicas, 1997.

Ballone, GJ - Transtornos Alimentares, in. Psiqweb, Internet, disponível em

http://www.psiqweb.med.br/, revisto em 2007. Acesso em 11/de setembro de

2009.

Rev Bras Psiquiatr 2002; 24(Supl III): 49-53Terapia Cognitivo-Comportamental

dos transtornos alimentares- Mônica Duchesne e Paola Espósito de Moraes

Almeida.