teoria racial crítica e letramento racial

Upload: joyce-souza

Post on 22-Feb-2018

222 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 7/24/2019 Teoria racial crtica e letramento racial

    1/28

    236

    Revista da ABPN v. 6, n. 14 jul. out. 2014, p. 236-263

    TEORIA RACIAL CRTICA E LETRAMENTO RACIAL CRTICO:

    NARRATIVAS E CONTRANARRATIVAS DE IDENTIDADE RACIALDE PROFESSORES DE LNGUAS1

    Aparecida de Jesus Ferreira2

    RESUMO:O artigo tem o objetivo de analisar narrativas autobiogrficas de identidades sociais deraa de professores de lnguas. O objetivo entender quais so os sentidos atribudos s identidadesraciais de negros e de brancos nas narrativas autobiogrficas. O referencial terico utilizado paraanalisar as narrativas autobiogrficas a Teoria Racial Crtica, Critical Race Theory CRT(Ladson-Billings, 1998). Em concluso, os sentidos atribudos s palavras para identidade racial

    negra e para identidade racial branca que so trazidas nas narrativas autobiogrficas so sentidosutilizados de uma forma que desfavorecem a identidade racial negra e favorecem a identidaderacial branca e, ainda, muitos dos exemplos trazidos nas narrativas colocam a identidade racialbranca como norma.

    Palavras-chave: Teoria Racial Crtica; Letramento racial crtico; Identidade racial;Narrativas autobiogrficas; Contranarrativas.

    CRITICAL RACE THEORY AND CRITICAL RACE LITERACY:

    NARRATIVES AND COUNTERNARRATIVES OF LANGUAGE TEACHERS

    ABSTRACT: This article analyses the autobiographical narratives of the racial and socialidentities of language teachers. The aim is to understand what are the meanings attributed to blackand white racial identities in the autobiographical narratives. The theoretical framework used toanalyse the autobiographical narratives is Critical Race Theory (CRT) (Ladson-Billings, 1998). Iconclude that the meanings of the words attributed to black racial identity and white racial identitythat are provided within the autobiographical narratives are used in ways that disadvantage blackracial identity and favour white racial identity. The autobiographical narratives also include manyexamples where white racial identity is posited as the norm.

    Keywords: Critical Race Theory, Critical Race Literacy, Racial identity, Autobiographicalnarratives, counternarratives.

    1Esta pesquisa faz parte do meu ps-doutorado, assim, o que apresento neste artigo so resultados parciais dapesquisa. Agradeo CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior/Braslia/DF-Brasil, pela bolsa para cursar ps-doutorado no Kings College, University of London, Inglaterra, no perodode fevereiro de 2014 a janeiro de 2015). Processo BEX: 10758/13-5.2 Cursando Ps-Doutorado na Universidade de Londres (Kings College), Inglaterra. Doutora pela

    Universidade de Londres, Inglaterra. Professora do Programa de Mestrado em Linguagem, Identidade eSubjetividade na UEPG Universidade Estadual de Ponta Grossa, Paran.

  • 7/24/2019 Teoria racial crtica e letramento racial

    2/28

    237

    Revista da ABPN v. 6, n. 14 jul. out. 2014, p. 236-263

    THORIE RACIALE CRITIQUE ET LETTREMENT RACIALE CRITIQUE:NARRATIVES ET CONTRE-NARRATIVES DE L'IDENTIT RACIALE DES

    PROFESSEURS DE LANGUES

    Rsum: L'article a le but d'analyser narratives autobiographiques des identits sociales de race desprofesseurs de langue. L'objectif est de comprendre quelles sont les significations attribues l'identit raciale des noirs et blancs dans les narratives autobiographiques. Le cadre thorique utilispour analyser les narratives autobiographiques est la Thorie Raciale Critique, Critical Race Teory CRT (Ladson-Billings, 1998). En conclusion, les sens attribu aux mots pour identit racialenoire et blanche qui sont apportes dans les narratives autobiographiques sont sentis utilise d'unemanire dfavorisent l'identit raciale noire et favorisent l'identit raciale blanche et, encore, denombreux exemples apport dans les narratives, mettent l'identit raciale blanche comme normal.

    Mots-cls: Thorie Raciale Critique; Lettrement raciale critique; Identit raciale; Narrativesautobiographiques; Contre-narratives.

    TEORIA RACIAL CRTICA Y LETRAMIENTO RACIAL CRTICO. NARRATIVAS YCONTRANARRATIVAS DE IDENTIDAD RACIAL DE PROFESORES DE LENGUAS

    Resumen: Este artculo tiene el objetivo de analizar narrativas autobiogrficas de identidadessociales de raza de profesores de lenguas. El objetivo es comprender cuales son los sentidosatribuidos a las identidades raciales de negros y de blancos en las narrativas autobiogrficas. Elreferencial terico utilizado para analizar las narrativas autobiogrficas es la Teora Racial CriticaRace Theory-CRT (Ladson-Billings, 1998). En conclusin, los sentidos atribuidos a las palabraspara identidad racial negra y para identidad racial blanca y, aun muchos de los ejemplos trabajados

    en las narrativas, ponen la identidad racial blancos como regla.

    Palabras clave. Teora Racial; Critica; Letramiento racial crtico; Identidad racial; Narrativasautobiogrficas; Contra narrativas.

    INTRODUO

    Conversava com uma amiga que estava no Brasil, e eu estava em Londres, noperodo em que estava concluindo o meu doutorado. Eu animada, pois havia feito qualificao da tese e tinha tido uma avaliao com que fiquei muito satisfeitacom as contribuies recebidas. Ela me disse que estava bem e com vrios planos.Entre as vrias risadas que dvamos quando estvamos conversando:Eu vou para o Maranho. Ela me disse.Que timo. Eu respondi.Vou para os Lenis. E continuou: Dizem que, na regio em que os Lenisesto localizados, a Jamaica brasileira. Dizem que h vrios negros lindos l.Ela disse.

    Que maravilha. Eu falei.Imagina eu branquinha, l. Ela falou.

    Quando a escutei falando fiquei um pouco sem entender o porqu do comentrio.

    No entanto, aps conversar com ela um pouco mais, e ela continuar enfatizando

  • 7/24/2019 Teoria racial crtica e letramento racial

    3/28

    238

    Revista da ABPN v. 6, n. 14 jul. out. 2014, p. 236-263

    como era branquinha, e que estaria em um lugar de maioria negra, me pareceuvisvel que ela achava que a sua identidade racial branca poderia ser vista comopropriedade e que traria para ela privilgios no local que ela visitaria. Que, na

    realidade, no diferente de qualquer outro lugar no Brasil, e tambm em outrospases e no somente no Maranho. (minha narrativa pessoal)

    Neste artigo trago alguns resultados de pesquisa sobre narrativas autobiogrficas

    acerca de raa e racismo. Dessa forma, iniciar o artigo com uma narrativa pessoal faz

    sentido por trs razes: a primeira que a pesquisa trata de narrativas autobiogrficas; a

    segunda razo que a narrativa da minha experincia pessoal traz a questo da identidade

    racial branca e da identidade racial negra, tema este que abordo neste artigo; a terceira

    razo que, neste artigo, para tratar das narrativas, trago o referencial terico da Teoria

    Racial Crtica, que considera narrativas, autobiografias, histrias, contranarrativas,

    histrias no hegemnicas, cartas... para demonstrar como o racismo estrutural na

    sociedade e no ambiente educacional.

    E a branquitude tambm utilizada na Teoria Racial Crtica para tratar sobre raa e

    racismo. Neste artigo abordo brevemente sobre os estudos raciais crticos no Brasil e

    tambm trago um breve histrico da Teoria Racial Crtica (Critical Race Theory - CRT3),

    teoria que muito tem sido utilizada nos Estados Unidos e, recentemente, na Europa, em

    outros continentes e no Brasil, para discutir estudos crticos de raa e racismo.

    O meu argumento principal neste artigo o de que a Teoria Racial Crtica tem

    algumas especificidades na sua abordagem que tm contribudo para discutir raa e

    racismo, contribuio essa que vem sendo demonstrada pelas vrias pesquisas que a

    utilizam para a abordagem de suas pesquisas. Dentre os pesquisadores da Teoria Racial

    Crtica - Critical Race Theory, alguns deles so: Cruz (2014), Cruz (2010), Delgado e

    Stefancic (2000), Ferreira (2004; 2006, 2007; 2009; 2011), Gandin, Diniz-Pereira, Hiplito(2002), Gillborn (2006), Ladson-Billings (1998; 1999), Lpez (2003), Lynn e Dixson

    (2014), Milner (2013), Rollock (2012) e Yosso (2005).

    Neste artigo trago um recorte de uma pesquisa que desenvolvi com narrativas

    autobiogrficas de raa e racismo com professores de lnguas, pesquisa que qualifico como

    letramento racial crtico atravs de narrativas autobiogrficas, e que foi realizada como

    parte de uma disciplina que ministro no mestrado em Linguagem, Identidade e

  • 7/24/2019 Teoria racial crtica e letramento racial

    4/28

    239

    Revista da ABPN v. 6, n. 14 jul. out. 2014, p. 236-263

    Subjetividade, da UEPG Universidade Estadual de Ponta Grossa, no Paran, Brasil.

    As perguntas de pesquisa a que respondo no decorrer do artigo so: Como as

    palavras relacionadas identidade racial negra e identidade racial branca, e tambmascendncia, so utilizadas nas narrativas autobiogrficas dos professores de lnguas?

    Quais so os sentidos atribudos, nas narrativas autobiogrficas, s palavras relativas a

    identidade racial negra e a identidade racial branca? Para responder s perguntas colocadas

    neste artigo, em primeiro lugar abordo brevemente os estudos crticos de raa e racismo

    que tm sido desenvolvidos no Brasil na rea educacional e linguagem e o impacto dessas

    pesquisas no contexto brasileiro.

    Em segundo lugar, apresento um histrico da Teoria Racial Crtica e como tem sidoutilizada. Em terceiro lugar trago o contexto da pesquisa e como foi feita a gerao de

    dados atravs da pesquisa narrativa e do letramento racial crtico. E, em quarto lugar,

    apresento alguns resultados da pesquisa, e tambm respondendo s perguntas de pesquisa e

    apresentando as consideraes finais.

    ESTUDOS RACIAIS CRTICOS NO BRASIL

    No Brasil h um nmero cada vez mais crescente de pesquisas acerca de relaesraciais, raa, racismo e estudos raciais crticos na rea da educao, da sociologia, da

    antropologia, com pesquisadores como Cavalleiro (2001), Gomes (1995, 2005), Guimares

    (1999), Laborne (2014), Moreira (2014), Munanga (2009), Oliveira (2014), Piza (2002),

    Rosemberg, Bazilli, Silva (2003), Rossato (2014), Silva (2005), Silva (2014), e, na rea da

    linguagem e lingustica aplicada, Ferreira (2007, 2008, 2011, 2012, 2014), Moita Lopes

    (2002), Pessoa e Urzda-Freitas (2012), Souza (2011), entre muitos outros.

    Esses pesquisadores muito tm contribudo para o avano das discusses sobreraa, racismo e relaes raciais no Brasil, bem como tm provocado mudanas

    significativas no contexto educacional brasileiro. Entre as vrias questes colocadas em

    discusso por esses pesquisadores esto aes afirmativas, cotas nas universidades, estudos

    raciais crticos no contexto escolar (inclusive no contexto universitrio) e no da mdia, e

    estudos acerca de livros didticos e de outros setores da vida nacional.

    H um nmero crescente de pesquisadores organizados em associaes de

    3Todas as tradues feitas ao longo do artigo so de minha autoria.

  • 7/24/2019 Teoria racial crtica e letramento racial

    5/28

    240

    Revista da ABPN v. 6, n. 14 jul. out. 2014, p. 236-263

    professores e em associaes de pesquisadores (por exemplo ABPN Associao

    Brasileira de Pesquisadores Negros, ANPEDAssociao Nacional de Ps-Graduao em

    Educao, ANPOLL Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Letras eLingustica, entre outros) e participantes ativos em debates sobre raa, racismo e relaes

    raciais. Atravs dessas participaes tm sido possvel a implementao de polticas

    educacionais e lingusticas importantes que consideram as questes de raa, racismo e

    relaes raciais, polticas tais como: (i) a Lei Federal n 10.639/2003, que tornou

    obrigatrio o ensino de Histria e Cultura Afro-Brasileira e Africana na educao bsica

    nacional, pblica e privada, polticas de cotas; (ii) a aprovao do PNLD (Programa

    Nacional do Livro Didtico), em que h consideraes de que o livro didtico no podeveicular racismo, preconceito e discriminao; e os NEABS (Ncleos de Estudos Afro-

    Brasileiros), existentes atualmente nas universidades federais, estaduais e privadas, ou seja,

    cada universidade tem uma variao de nome do ncleo, dependendo da configurao de

    cada uma delas, sabendo-se que os NEABs j passam de 80, e esses ncleos tm tido um

    papel fundamental na divulgao de pesquisas, na formao de novos pesquisadores, na

    proposio de cursos de formao de professores e na implementao de muitas

    publicaes, tanto de livros como de artigos em peridicos nacionais e internacionais, bem

    como publicao de materiais didticos.

    Como utilizo o referencial terico da Teoria Racial Crtica neste artigo, primeiro

    fao uma investigao para saber se o referencial tem sido utilizado no Brasil. No contexto

    brasileiro, os primeiros pesquisadores a trazerem a nomenclatura sobre Teoria Racial

    Crtica (Critical Race Theory) para a esfera educacional foram os pesquisadores Gandin,

    Diniz-Pereira e Hiplito (2002), no artigo intitulado Para alm de uma Educao

    Multicultural: Teoria Racial Crtica, Pedagogia Culturalmente Relevante e Formao

    Docente (Entrevista com a Professora Gloria Ladson-Billings),artigo publicado em 2002.

    A entrevista foi, ento, feita com Gloria Ladson-Billings, que conhecida nos Estados

    Unidos como a pessoa que trouxe para o campo educacional a Teoria Racial Crtica

    (Critical Race Teory), como discutido na seo anterior. Na entrevista, a professora

    Ladson-Billings faz uma anlise dos conceitos da Teoria Racial Crtica mediante um

    paralelo com a pedagogia culturalmente relevante. Ladson-Billings aponta o que precisa

    ser feito no campo do currculo e da formao de professores no que tange s questes

    raciais.

  • 7/24/2019 Teoria racial crtica e letramento racial

    6/28

    241

    Revista da ABPN v. 6, n. 14 jul. out. 2014, p. 236-263

    No que se refere Teoria Racial Crtica (CRT Critical Race Theory), Ladson-

    Billings enfatiza, na entrevista, que usa raa como ponto de partida para a anlise na

    pesquisa educacional e, com isso, no quer dizer que esteja desconsiderando as questes degnero e de classe, mas que elas esto entremeadas. A conscincia crtica da qual Ladson-

    Billings fala est relacionada nomenclatura a ser utilizada e nessa brecha que entra o

    termo Teoria Racial Crtica, pois traz raa como ponto de central para a anlise.

    Procurei verificar quais pesquisadores no Brasil tm utilizado a Teoria Racial

    Crtica no campo educacional como referencial de anlise ou que tenham feito uma reviso

    bibliogrfica. A busca por teses e dissertaes foi realizada no ms de junho de 2014

    utilizando o instrumento de busca da biblioteca digital brasileira de teses e dissertaes(http://bdtd.ibict.br/).

    A busca foi feita utilizando o termo Teoria Racial Crtica entre aspas, pois queria o

    ttulo em lngua portuguesaTeoria Racial Crtica. No foi encontrada nenhuma tese ou

    dissertao que tivesse referncia ao termo. Na busca por artigos

    (http://www.periodicos.capes.gov.br/), somente foi encontrado o artigo de Gandin, Diniz-

    Pereira e Hiplito (2002), que j foi mencionado nesta seo. J na busca atravs do portal

    do Google Acadmico (http://scholar.google.com.br/), a busca foi feita tambm utilizando

    o termo entre aspas, e foram encontrados os autores Dias (2013), Cruz (2004), Cruz

    (2010), Ferreira (2006, 2007, 2008, 2009), Rossato (2014) e Santos (2011).

    Os autores se utilizam da abordagem da Teoria Racial Crtica, principalmente

    utilizando o princpio de contar histrias e contar contranarrativas e histrias no

    hegemnicas (counterstories). Atravs da busca no Google Acadmico h alguns autores

    que somente citaram, nos seus artigos, de forma breve, ou trazem como nota de rodap o

    termo Teoria Racial Crtica, principalmente utilizando como referncia o artigo dos autores

    Gandin, Diniz-Pereira, e Hiplito (2002). Esses artigos que somente citaram, eu no os

    considerei, pois o objetivo da busca era encontrar pesquisadores que utilizam a Teoria

    Racial Crtica como referencial de anlise, ou ento que tenham feito uma reviso

    bibliogrfica.

    TEORIA RACIAL CRTICA: UM BREVE HISTRICO

    http://bdtd.ibict.br/http://www.periodicos.capes.gov.br/http://scholar.google.com.br/http://scholar.google.com.br/http://www.periodicos.capes.gov.br/http://bdtd.ibict.br/
  • 7/24/2019 Teoria racial crtica e letramento racial

    7/28

    242

    Revista da ABPN v. 6, n. 14 jul. out. 2014, p. 236-263

    A Teoria Racial Crtica uma perspectiva que tem sido usada recentemente no

    campo educacional, principalmente no contexto dos Estados Unidos, para examinar as

    experincias de estudantes africano-americanos (African-American), latinos e,principalmente, interseco com classe, gnero e sexualidade. De acordo com Delgado e

    Stefancic (2000), a Teoria Racial Crtica surgiu em meados dos anos 70 com o trabalho de

    Derrick Bell (um africano-americano) e de Alan Freeman (um branco). Os dois estavam

    extremamente cansados do passo lento da reforma racial nos Estados Unidos (p. xvi). A

    Teoria Racial Crtica vista como uma resposta da falha dos Estudos Crticos Legais

    (Critical Legal StudiesCLS).

    Apesar de a Teoria Racial Crtica ter sido usada principalmente no campo depesquisa legal, Ladson-Billings e Tate (1995) so conhecidos por introduzir a Teoria

    Racial Crtica no campo educacional. Desde a introduo da abordagem da Teoria Racial

    Crtica no campo educacional por Ladson-Billings e Tate (1995) Ladson-Billings (1998;

    1999) e Tate (1997) , muitos pesquisadores tm utilizado essa abordagem no campo de

    pesquisa educacional como um referencial terico e analtico no contexto dos Estados

    Unidos (Bell, 2003; Chapman, 2007; Decuir E Dixon, 2004; Lopz, 2003; Lynn, 1999;

    Marx E Pennington, 2003; Milner; Howard, 2013; Parker, 1998; Parker E Stovall, 2004;

    Solrzano E Yosso, 2001; Villenas; Deyhle, 1999; Yosso, 2005), No contexto aa

    Inglaterra (Gillborn, 2006; Rollock, 2012), no contexto brasileiro (Cruz, 2004; Cruz, 2010;

    Ferreira, 2004, 2006, 2009; 2011) e em outros pases. De acordo com Tate (1997), h cinco

    princpios que definem a Teoria Racial Crtica (Critical Race Theory):

    1. A Teoria Racial Crtica reconhece que o racismo endmico na sociedadeestadunidense, profundamente impregnado do ponto de vista legal, cultural emesmo psicolgico (Tate, 1997, p. 234).

    2. A Teoria Racial Crtica atravessa barreiras epistemolgicas, pois usa de vrias

    tradies, como, por exemplo, lei e sociedade, feminismo, marxismo, ps-estruturalismo, estudos crticos legais. Dessa forma obtm uma anlise maiscompleta de raa (Tate, 1997, p. 234).

    3. A Teoria Racial Crtica reinterpreta o direito aos direitos civis luz de suaslimitaes, mostrando que as leis para reparar a desigualdade racial so sempreminadas antes mesmo que elas sejam completamente implementadas (Tate, 1997,p. 234-235).

    4. A Teoria Racial Crtica retrata as afirmaes legais dominantes de neutralidade, deobjetividade, de color blind de no ver cor e a meritocracia como camuflagempara o prprio interesse de entidades poderosas da sociedade (Tate, 1997, p. 235).

    5. A Teoria Racial Crtica reconhece o conhecimento experiencial das pessoas de cor(Tate, 1997, p. 235).

  • 7/24/2019 Teoria racial crtica e letramento racial

    8/28

    243

    Revista da ABPN v. 6, n. 14 jul. out. 2014, p. 236-263

    Uma verso mais atual dos cinco princpios fundamentais da Teoria Racial Crtica foi

    adaptada por Milner e Howard (2013) citando Solorzano (1997):

    1. A intercentricidade de raa e racismo. A Teoria Racial Crtica na educaocomea com a premissa de que raa e racismo so endmicas e permanentes nasociedade dos EUA (de Bell, 1992) e que o racismo faz a interseco com asformas de subordinao com base em gnero, classe, sexualidade, linguagem,cultura estatusde imigrante (ver Crenshaw, 1991; Espinoza, 1998).

    2. O desafio ideologia dominante.A Teoria Racial Crtica desafia reivindicaesde objetividade, neutralidade, raa, meritocracia, no ver cor, e igualdade deoportunidades, alegando que essas posturas mascaram a diviso e problemasassociados com poder e privilgio dos grupos dominantes (ver Solrzano, 1997).

    3.

    O compromisso com a justia social.A agenda de pesquisa da justia social eracial da CRT expe a "convergncia de interesse" dos ganhos de direitos civis,como o acesso ao ensino superior (ver Delgado e Stefancic, 2000), e trabalhos paraa eliminao do racismo, sexismo e pobreza (ver Freire, 1970; Solrzano & Yosso,2001).

    4. A perspectiva interdisciplinar. A Teoria Racial Crtica se estende para alm dasfronteiras disciplinares para analisar raa e racismo no contexto de outrosdomnios, tais como a sociologia, estudos da mulher, estudos tnicos, histria epsicologia. A utilidade da perspectiva interdisciplinar permite uma anlise maisabrangente e multifacetada de como raa, racismo e (des)igualdade racial semanifestam.

    5. A centralidade do conhecimento experiencial.A Teoria Racial Crtica reconheceo conhecimento emprico das pessoas de cor como credvel, altamente valioso eimprescindvel para a compreenso, a anlise e o ensino sobre a subordinaoracial em todas as suas facetas (Carrasco, 1996). A Teoria Racial Crtica solicita,explicitamente, analisa e escuta as experincias vividas das pessoas de cor atravsde mtodos contranarrativos counterstorytelling, tais como histrias de famlia,parbolas, depoimentos e crnicas (ver Delgado e Stefancic, 2000; Solrzano eYosso, 2001; Yosso, 2005).

    Adaptado de: Milner e Howard (2013, p. 539)

    Embora eu cite os cinco princpios utilizados na Teoria Racial Crtica, neste artigo

    o princpio que utilizo e que me interessa para esta pesquisa A centralidade do

    conhecimento experiencial, pois esse princpio que traz as narrativas, as contranarrativas

    e as autobiografias como importantes para analisar as experincias vividas sobre raa e

    racismo. Ladson-Billings, em seu artigo produzido em 1998, intitulado Precisamente o

    que a Teoria Racial Crtica e o que que est fazendo em um bom campo como a

  • 7/24/2019 Teoria racial crtica e letramento racial

    9/28

    244

    Revista da ABPN v. 6, n. 14 jul. out. 2014, p. 236-263

    educao?4, menciona que a Teoria Racial Crtica [...] torna-se uma importante

    ferramenta intelectual e social para a desconstruo, reconstruo e construo:

    desconstruo das estruturas e discursos opressivos, a reconstruo da agncia humana, econstruo da equidade e relaes de poder socialmente justas. (p. 9).

    Como essa pesquisa foi desenvolvida na rea da linguagem com professores de

    lnguas (lngua inglesa, lngua espanhola, lngua francesa e lngua portuguesa),

    importante informar que vrias pesquisas tm sido desenvolvidas na rea da linguagem e

    lingustica aplicada utilizando o referencial da Teoria Racial Critica (Dias, 2013; Ferreira,

    2004, 2007, 2009, 2011; Liggett, 2014; Kubota & Lin, 2009; Kubota, 2014; Michael-Luna,

    2009; Santos, 2011).Sendo assim, na sequncia apresento um dos princpios mais utilizados da Teoria

    Racial Crtica e o princpio que me interessa nesta pesquisa, que contar histrias e

    contranarrativas (storytelling and counterstorytelling). Nesta pesquisa trato das narrativas

    autobiogrficas de raa e racismo e, assim, o referencial terico da Teoria Racial Crtica d

    suporte para entender as narrativas autobiogrficas e traz contribuies para as discusses e

    anlises que fao na pesquisa.

    CONTAR HISTRIAS E CONTAR HISTRIAS NO HEGEMNICAS OUCONTRANARRATIVAS5

    Para a Teoria Racial Crtica, a realidade social construda pela formulao e pelatroca de histrias sobre situaes individuais. Essas histrias servem comoestruturas interpretativas a partir das quais ns impomos ordem na experincia e aexperincia em ns. (Ladson-Billings e Tate, 1995, p. 57).

    Um dos princpios essenciais da Teoria Racial Crtica que as narrativas e as

    histrias so importantes para entender suas experincias e como essasexperincias podem apresentar uma confirmao ou contra-argumentar acerca decomo a sociedade funciona. (Ladson-Billings, 1999, p. 219).

    Para ilustrar o poder de contar histrias e de contar contranarrativas (histrias no

    hegemnicas) trago um exemplo da pesquisa feito por Bell (2003) no seu artigo Contando

    Contos: o que as histrias podem nos contar sobre o racismo6, no contexto dos Estados

    4Just what is critical race theory and whats it doing in a nice field like education?5

    Storytelling and counterstorytelling.6Telling tales: what stories can teach us about racism.

  • 7/24/2019 Teoria racial crtica e letramento racial

    10/28

    245

    Revista da ABPN v. 6, n. 14 jul. out. 2014, p. 236-263

    Unidos, contexto em que a autora examina as histrias de pessoas de vrios grupos raciais

    para entender o que elas dizem sobre raa e racismo. A autora se baseia em dados de 106

    entrevistas transcritas de pessoas adultas com formao superior e que trabalham comeducao. As entrevistas no pedem diretamente para contar histrias, mas os entrevistados

    frequentemente contavam histrias para ilustrar ou enfatizar as experincias com raa e

    racismo.

    O artigo analisa as histrias e inicia uma reflexo com uma discusso sobre a

    funo das histrias e da cultura e da maneira como as histrias so historicamente e

    socialmente posicionadas medida que contamos. Para analisar as entrevistas das histrias

    contadas, a autora se utiliza da anlise critica do discurso e da Teoria Racial Crtica. Umaquesto importante que a autora utiliza a questo de contranarrativas, que constitui um

    dos princpios da Teoria Racial Crtica, para sua anlise e assim poder entender o discurso

    dominante.

    Essas narrativas so contadas principalmente por entrevistados de cor (negros) e,

    aps, faz as anlises das narrativas hegemnicas predominantemente contadas por brancos.

    Nas histrias contadas por brancos possvel perceber o discurso ideolgico de no ver

    cor. A relevncia do artigo importante porque as pessoas ouvem as outras pessoas

    contarem as histrias e entendem como o racismo se reproduz, bem como o que pode ser

    feito para que se possa utilizar o antirracismo no ambiente escolar (Bell, 2003, p. 3). De

    acordo com Bell:

    [...] histrias no so simplesmente produes individuais, mas culturais eideolgicas tambm. Porque ns produzimos e comunicamos histrias dentro deum contexto social, as histrias que contamos so aquelas que so culturalmentedisponveis para os nossos dizeres (Ewich e Silbey, 1995) e, portanto, refletem ereproduzem as relaes sociais existentes. Isto to verdade para o tema daraa/racismo como para qualquer outro tema de contar histrias. (Bell, 2003, p. 4).

    A pesquisa de Bell se coaduna com a pesquisa desenvolvida por Ferreira (2004), no

    contexto brasileiro, utilizando o referencial terico da Teoria Racial Crtica para a anlise

    dos dados, para entender como seis professores de Lngua Inglesa, do ensino fundamental,

    ensinavam sobre o tema raa/etnia em sala de aula. Foi possvel perceber que quase todos

    os professores, de uma forma ou de outra, reproduziram as relaes sociais existentes,

    apesar de os mesmos professores terem participado de um curso preparatrio de curta

    durao sobre raa e racismo.

  • 7/24/2019 Teoria racial crtica e letramento racial

    11/28

    246

    Revista da ABPN v. 6, n. 14 jul. out. 2014, p. 236-263

    Consequentemente, a forma como os professores ensinaram sobre raa e racismo, isso

    ao mesmo tempo contou as histrias da forma de ensinar de cada professor e, tambm,

    mostrou a reproduo das relaes sociais existentessobre raa e racismo na sociedadebrasileira. Ao Ferreira (2004) apontar o contexto sociocultural do qual cada professor fazia

    parte, tambm conseguiu mostrar que os professores vivem e trabalham no contexto

    especfico, que a sociedade brasileira, e quase inevitvel que eles reproduzam o seu

    contexto sociocultural atravs das suas prticas pedaggicas.

    Embora o princpio de contar histrias e de contar contranarrativas (histrias no

    hegemnicas) seja um dos princpios mais utilizadas na Teoria Racial Crtica, Ladson-

    Billings (1998, p. 12, citando Crenshaw et al., 1995) menciona que, nas compilaesrecentes sobre escritas-chave sobre a Teoria Racial Crtica, no h um conjunto de

    metodologias com que os estudiosos da Teoria Racial Crtica concordem, ou seja, a Teoria

    Racial Crtica est sendo ampliada conforme mais pesquisadores tenham utilizado o

    referencial terico. Uma outra questo tambm abordada na Teoria Racial Crtica a

    branquitude.

    BRANQUITUDE

    Na viso de Ladson-Billings (1998), ao tratar da Teoria Racial Crtica, menciona

    que ns moramos em uma [...] sociedade racializada onde a branquitude posicionada

    como normativa (p. 9). No artigo A experincia da branquitude diante de conflitos

    raciais: estudos de realidades brasileiras e estadunidenses, Rossato e Gesser (2001)

    explicam como eles experienciaram a branquitude. Rossato, que brasileiro (morou entre

    italianos, alemes e poloneses em Santa Catarina, Sul do Brasil), expressa a forma como a

    branquitude era parte integrante da sua vida.Ele reconta a histria que aconteceu com ele durante o tempo em que ele estava

    estudando como graduando. Um amigo afro-brasileiro algumas vezes costumava contar a

    ele sobre as experincias com racismo que ele tinha na universidade em que os dois

    estudavam. De acordo com Rossato, ele tinha dificuldade em acreditar nas experincias do

    seu amigo e dizia para ele que talvez tivesse acontecido algum tipo de mal-entendido. Na

    sua reflexo sobre esses eventos, Rossato atribua a prpria limitao de compreenso

    sua formao hegemnica, que era influenciada pela branquitude. Ladson-Billings (1998,

  • 7/24/2019 Teoria racial crtica e letramento racial

    12/28

    247

    Revista da ABPN v. 6, n. 14 jul. out. 2014, p. 236-263

    p. 16) reconta a seguinte histria:

    Uma mulher branca dividiu uma experincia pessoal de ir ao supermercado na

    vizinhana onde morava, e, quando chegou ao caixa, descobriu que no tinhalevado com ela o seu talo de cheques. A caixa disse para ela que ela podia levar asmercadorias e trazer o cheque mais tarde. Quando ela contou esta histria para umamigo homem afro-estadunidense, ele disse era exemplo de privilgio que podiadesfrutar porque ela era branca. Sua propriedade branca era garantia subsidiriapara o carrinho cheio de mercadorias. Ela insistiu que aquele supermercado erauma loja que tinha boa poltica de vizinhana, e a mesma coisa teria acontecidocom ele. Determinado a mostrar a sua amiga que suas experincias vividas eramqualitativamente diferentes, o jovem homem foi ao mesmo supermercado diasdepois e fingiu que deixou o seu cheque em casa. A amiga dele estava em p dolado de fora observando a interao. O mesmo caixa, que tinha atendido a amigadele, disse para o jovem afro-estadunidense que ele poderia deixar os itens que ele

    comprou do lado do caixa enquanto ele fosse buscar o seu talo de cheques. Amulher branca ficou chocada enquanto o homem afro-estadunidense olhou para elacom um olhar de EU NO DISSE!! (Ladson-Billings, 1998, p. 16).

    Os dois exemplos mostrados por Rossato e Gesser (2001) e por Ladson-Billings

    (1998) relatam o privilgio de ser branco e apresentam a ideia de branquitude. De acordo

    com Ladson-Billings e Tate (1995, p. 59), a ideia de branquitude que, sendo branco, isso

    por si s pode ser visto como propriedade. Ladson-Billings e Tate (1995, p. 59-60) tambm

    descrevem a forma como os brancos podem ser vistos como propriedade e como isso pode

    ser usado no sistema educacional. Com essa discusso tambm colabora Laborne, que

    menciona que a [...] branquitude como um lugar de privilgio racial, econmico e

    poltico, no qual a racialidade, no nomeada como tal, carregada de valores, de

    experincias, de identificaes afetivas, acaba por definir a sociedade. (Laborne, 2014, p.

    152). Leonardo parece concordar com Laborne quando afirma que

    [...] branquitude historicamente fraturada em sua compreenso da formaoracial. Para ver a formao por inteiro, brancos tm que mobilizar a perspectivaque comea com o privilgio racial como unidade central de anlise. Desde que

    comeando por este ponto significaria engajar brancos na compreenso histricaprofunda de como eles vieram a ser na posio de poder, a maioria dos brancosresistem a tal compreenso e ao invs focalizam no mrito individual,excepcionalismo, ou trabalhar muito. (Leonardo, 2002, p. 37).

    De acordo com Leonardo, branquitude uma construo social que deveria ser

    discutida para que as pessoas tivessem a possibilidade de entender a forma como isso foi

    construdo. No caso do Brasil, pode ser que seja ainda mais difcil discutir esse assunto,

    porque, como Leonardo (2000) aponta, No Brasil, o discurso de no ver cor desabilita a

    possibilidade de a nao localizar o privilgio branco em troca de um paraso racial

  • 7/24/2019 Teoria racial crtica e letramento racial

    13/28

    248

    Revista da ABPN v. 6, n. 14 jul. out. 2014, p. 236-263

    imaginrio de mistura, combinao, e miscigenao (p. 35).

    Embora o discurso de no ver cor e o mito da democracia racial sejam comuns

    no Brasil, os resultados de pesquisas demonstrados na sociedade brasileira tm resultadosmuito diferentes (ver Ferreira, 2014; Gomes, 1995; Rosemberg, Bazilli e Silva, 2003;

    Rossato, 2014). De acordo com Lovell (2000), Hoje, o debate pblico vigoroso sobre a

    imagem do Brasil como uma democracia racial tem deslocado a ideologia da democracia

    racial. A grande quantidade de evidncias torna visvel que a desigualdade racial,

    preconceito e discriminao so parte da realidade social brasileira (p. 89).

    Isso evidente pelos nmeros de desistncias de alunos negros do ensino

    fundamental e mdio e pelos limites de acesso dos negros universidade, bem comopesquisas feitas por Paixo e Carvano (2008) demonstram que, onde h um recorte racial

    no contexto brasileiro, ali h desigualdade, seja no campo educacional, na moradia, na

    sade e na oportunidade de emprego.

    A branquitude um assunto que necessita ser considerado em cursos de formao

    de professores para que o que construdo em nome do poder possa ser desconstrudo e

    discutido em nome da igualdade e da justia social, como advogado pela Teoria Racial

    Crtica. No contexto brasileiro, pesquisa feita por Bento (2011) menciona que muito se fala

    sobre o negro, no entanto,

    Evitar focalizar o branco evitar discutir as diferentes dimenses do privilgio.Mesmo em situao de pobreza, o branco tem o privilgio simblico da brancura, oque no pouca coisa. Assim, tentar diluir o debate sobre raa analisando apenas aclasse social uma sada de emergncia permanentemente utilizada, embora todosos mapas que comparem a situao de trabalhadores negros e brancos, nos ltimosvinte anos, explicitem que entre os explorados, entre os pobres, os negrosencontram um dficit muito maior em todas as dimenses da vida, na sade, naeducao, no trabalho. A pobreza tem cor, qualquer brasileiro minimamenteinformado foi exposto a essa afirmao, mas no conveniente consider-la.

    Assim o jargo repetitivo que o problema limita-se classe social. Com certezaeste dado importante, mas no s isso. (Bento, 2011, on-line).

    Embora tenha trazido somente alguns princpios utilizados pela Teoria Racial

    Crtica como mencionadas anteriormente, importante enfatizar que no h uma nica

    metodologia com que todos os estudiosos da Teoria Racial Crtica concordem. , no

    entanto, importante mencionar que as crescentes pesquisas utilizando essa abordagem tm

    tido resultados importantes, como demonstram algumas das pesquisas desenvolvidas nos

    contextos mencionados acima e em contextos j espalhados para a Europa e outros

  • 7/24/2019 Teoria racial crtica e letramento racial

    14/28

    249

    Revista da ABPN v. 6, n. 14 jul. out. 2014, p. 236-263

    continentes.

    De acordo com Cole (2009), no contexto da Inglaterra, as discusses tm se

    mostrado em um crescente, bem como as publicaes sobre o assunto, pois em 2006 houveo primeiro seminrio internacional sobre a Teoria Racial Critica, isso ocorrendo na

    Manchester Metropolitan University e, no ano seguinte, em 2007, no BERA (British

    Education Research Association Associao de Pesquisa Educacional Britnica). Pelo

    menos seis artigos foram apresentados, de acordo com Cole (2009). Hylton et al. (2011)

    adicionam que foi em 2009 que houve o primeiro congresso internacional no Reino Unido

    que discutiu a Teoria Racial Critica e que isso ocorreu no Institute of Education

    (University of London).Nesse congresso internacional considerou-se a relevncia da Teoria Racial Crtica e

    assuntos relacionados a raa, racismo, racializao, gnero, classe, sexualidade, idade e

    pessoas com deficincia no Reino Unido e em outros pases europeus.

    Para Hylton et al. (2011), a Teoria Racial Critica apresenta uma forma diferente de

    olhar as questes de raa e racismo, porque abraa o melhor dos ativistas das cincias

    sociais e possibilita, no primeiro plano, a prtica da justia social e da transformao

    social, e, o mais importante, traz para o centro da discusso o assunto raa e racismo (p.

    14). importante informar tambm que, em 2012, o peridico Race, Ethnicity and

    Education publicou um nmero especial sobre a Teoria Racial Crtica na Inglaterra

    (Gillborn at al., 2012; Housee, 2012; Preston e Chadderton, 2012; Rollock, 2012;

    Chakrabarty, 2012; Hylton, 2012; e Warmington, 2012).

    CONTEXTO DE PESQUISA E GERAO DE DADOS: NARRATIVASAUTOBIOGRFICAS

    Para a gerao de dados das narrativas foi utilizado o referencial terico da

    pesquisa narrativa de Clandinin e Connelly (2000), de Norton (2011) e de Milner (2013).

    As narrativas foram geradas em uma atividade que denomino de Letramento Racial

    Crtico, na disciplina do mestrado que ministro na UEPG Universidade Estadual de

    Ponta Grossa - Formao de Professores de Lnguas. Os dados foram gerados durante os

    anos de 2011, 2012 e 2013.

    As narrativas autobiogrficas dos professores de lnguas evidenciaram vrias

  • 7/24/2019 Teoria racial crtica e letramento racial

    15/28

    250

    Revista da ABPN v. 6, n. 14 jul. out. 2014, p. 236-263

    experincias com raa e racismo no cotidiano escolar, familiar, em outros ambientes

    sociais, em sala de aula como alunos do ensino fundamental e mdio que foram e tambm

    durante o perodo que fizeram seus cursos de graduao e em cursos de formaocontinuada (ps-graduao e cursos de curta durao). Para essa pesquisa foram geradas as

    seguintes narrativas autobiogrficas:

    Ano 2011 2012 2013 Total

    Alunos do mestrado 10 7 15 32

    As narrativas autobiogrficas que so trazidas na pesquisa so importantes paraentender a necessidade do preparo dos professores de lnguas para praticar o letramento

    racial crtico como parte da formao do professor de lnguas para que tambm saibam

    como utilizar o letramento racial crtico no somente em suas salas de aula, mas tambm

    em todo o ambiente escolar. Como utilizo a nomenclatura de letramento racial crtico,

    importante trazer o meu entendimento sobre o que se pretende significar com essa

    nomenclatura.

    De acordo com Skerrett, Letramento Racial tem uma compreenso poderosa e

    complexa da forma como raa influencia as experincias sociais, econmicas, polticas e

    educacionais dos indivduos e dos grupos (2011, p. 314). Tambm Guinier afirma que

    Letramento Racial [] obriga-nos a repensar raa como um instrumento de controle

    social, geogrfico e econmico de ambos brancos e negros (2004, p. 114). Vale dizer que,

    para termos uma sociedade mais justa e igualitria, temos que mobilizar todas as

    identidades de raa branca e negra para refletir sobre raa e racismo e fazer um trabalho

    crtico no contexto escolar em todas as disciplinas do currculo escolar.

    E tambm na rea de lnguas, pois a rea da linguagem tambm responsvel por

    educar cidados que sejam crticos e reflexivos sobre como o racismo est estruturado na

    sociedade. Dessa forma, em conformidade com Mosley, o Ensino do letramento racial

    crtico aborda um conjunto de ferramentas pedaggicas para a prtica do letramento racial

    no ambiente escolar com crianas, seus pares, colegas e assim por diante [] (2010, p.

    452).

    Os resultados das anlises das narrativas autobiogrficas que trago neste artigo so

    parciais, pois h outros dados gerados que sero publicados em captulos de livros e em

  • 7/24/2019 Teoria racial crtica e letramento racial

    16/28

    251

    Revista da ABPN v. 6, n. 14 jul. out. 2014, p. 236-263

    outros peridicos. Neste artigo trago dados que respondem s seguintes perguntas de

    pesquisa:Como as palavras relacionadas a identidade racial negra e a identidade racial

    branca e ascendncia so utilizadas nas narrativas autobiogrficas dos professores delnguas? Quais so os sentidos atribudos, nas narrativas autobiogrficas, identidade

    racial negra e identidade racial branca?

    As narrativas passaram a existir nas minhas pesquisas quando fiz o meu mestrado

    (em 1999), no entanto foi no doutorado (em 2001) que foram geradas vrias narrativas no

    formato de entrevistas e relatos reflexivos em que os professores refletiam sobre formao

    de professores, e que demonstravam suas experincias. As/os professoras/es trouxeram, em

    suas narrativas, vrias experincias com raa e racismo. Quando finalizei o meu doutorado(em 2004), j com o conhecimento da Teoria Racial Crtica (Critical Race Theory), que

    utilizei para anlise dos dados da pesquisa, passei a utiliz-la nos cursos que ministro, em

    especial utilizando um dos seus princpios, que a utilizao de narrativas, histrias,

    estrias, crnicas e autobiografias para tratar das questes de raa e racismo.

    Para que as narrativas autobiogrficas fossem escritas pelas professoras que

    participaram dos cursos de formao de professores, a pergunta feita foi: Como voc se

    deu conta de que o racismo existe? Para responder, cada professor/a escreveu de 500 a

    2500 palavras, as narrativas autobiogrficas so analisadas na sequncia.

    SENTIDOS ATRIBUDOS IDENTIDADE RACIAL NEGRA E IDENTIDADERACIAL BRANCA

    Na anlise das narrativas procurei os sentidos atribudos s palavras que tivessem

    identificao tanto com a identidade racial negra e como com a identidade racial branca.

    Ao encontrar essas palavras e seus esses sentidos nas narrativas, o passo seguinte foiverificar se os sentidos atribudos favoreciam ou desfavoreciam as identidades raciais

    negra e branca. Nas Tabelas 1, 2 e 3, na sequncia, apresento as palavras que eu selecionei

    por indicarem identidades raciais negras e brancas.

    Na Tabela 1 fiz uma busca pelas 32 narrativas autobiogrficas para identificar

    palavras que trouxessem identificaes se que relacionavam com identidade racial negra.

    Encontrei 232 palavras, como pode ser visto na sequncia.

  • 7/24/2019 Teoria racial crtica e letramento racial

    17/28

    252

    Revista da ABPN v. 6, n. 14 jul. out. 2014, p. 236-263

    Palavras Nmero deocorrncias

    Frases das narrativasautobiogrficas que

    favorecem a

    identidade racialnegra

    Frases das narrativasautobiogrficas que

    desfavorecem a

    identidade racial

    Frases dasnarrativas

    autobiogrficas

    neutras

    Negro 121 31 85 5Negra 75 21 52 2Preto 16 2 14 -Preta 3 - 3 -Nega 4 1 3 -Nego 3 - 3 -Moreno 12 6 5 1Morena 7 2 4 1Negrinha 4 1 3 -Mulato 1 - 1 -

    Pele (mais)Escura

    8 - 6 2

    Total 254 (100%) 64 (25,19%) 179 (70,47%) 11 (4,33%)Tabela 1: Atributos das identidades de raa negra encontradas nas narrativas autobiogrficas.

    Os resultados apresentados na Tabela 1 demonstram que as palavras encontradas

    nas narrativas e que descrevem a identidade racial negra, essas palavras, na sua maioria,

    desfavorecem a identidade racial negra, ou seja, 70,47% das ocorrncias apresentam

    sentido desfavorvel, enquanto 25,19% favorecem a identidade racial negra e 4,33%

    usado de forma neutra. Nos excertos que retirei da Autobiografia 20 e da Autobiografia 7,

    na sequncia, aparece a branquitude construda como norma, o que demonstra tambm o

    impacto da identidade racial branca na identidade tanto de uma pessoa negra como de uma

    pessoa branca. Dessa forma, discutir a identidade racial branca uma questo de extrema

    relevncia, como discutido nas sees anteriores deste artigo.

    Lembro que na minha infncia eu quase no tinha amigos, na escola eu fazia todasas atividades sozinha, porque ningum queria fazer as atividades ao meu lado.

    Afinal eu no era LOIRA de cabelos lisos como as demais, meu cabelo tinha muitapersonalidade. Tambm no era BRANQUINHA como as minhas colegas declasse. Assim, eu ficava sempre retirada do grupo. Quando finalmente fiz amigoseles no eram o que se convenciona chamar de NORMAIS. (Autobiografia 20,minha nfase).

    Mesmo tendo vivido na famlia todo esse processo de racismo, durante muitotempo pensei que tudo isso era natural, NORMAL. O sujeito construdosocialmente e historicamente, por isso as relaes nas quais fui levada a acreditarso muito mais fortes do que de fato acontecem. Sempre estive rodeada deinformaes que me fizeram acreditar que o NEGRO inferior. (Autobiografia 7,minha nfase).

  • 7/24/2019 Teoria racial crtica e letramento racial

    18/28

    253

    Revista da ABPN v. 6, n. 14 jul. out. 2014, p. 236-263

    As narrativas das Autobiografias 20 e 7 se coadunam com as reflexes feitas por

    Gomes, sobre a identidade negra:

    A identidade negra entendida, aqui, como uma construo social, histrica,cultural e plural. Implica a construo do olhar de um grupo tnico/racial ou desujeitos que pertencem a um mesmo grupo tnico/racial, sobre si mesmos, a partirda relao com o outro. Construir uma identidade negra positiva em uma sociedadeque, historicamente, ensina aos negros, desde muito cedo, que para ser aceito preciso negar-se a si mesmo um desafio enfrentado pelos negros e pelas negrasbrasileiros(as). [...] Para entender a construo da identidade negra no Brasil importante tambm consider-la no somente na sua dimenso subjetiva esimblica, mas sobretudo no seu sentido poltico. (GOMES, 2005, p. 43).

    As palavras utilizadas que trazem a identidade racial branca como foram utilizadas

    nas narrativas esto descritas na Tabela 2, na sequncia. Das 80 palavras trazidas, 68

    trazem um sentido nas palavras que favorecem a identidade racial branca, ou seja, 85% das

    ocorrncias, enquanto 5 (6,25%) desfavorecem e 7 (8,75%) palavras so trazidas como

    neutras.

    Palavras Nmero deocorrncias

    Frases dasnarrativas

    autobiogrficasque favorecem a

    identidade racialbranca

    Frases dasnarrativas

    autobiogrficasque desfavorecem a

    identidade racialbranca

    Frases dasnarrativas

    autobiogrficas(neutro)

    Branco 28 18 4 6Branca 22 21 - 1Loiro 5 5 - -Loira 9 9 - -Branquinha 3 3 - -Branquinho 3 3 - -Pele (mais)Clara

    10 9 1 -

    Total 80 (100%) 68 (85%) 5 (6,25%) 7 (8,75%)

    Tabela 2: Atributos das identidades de raa branca encontradas nas narrativas autobiogrficas.

    No excerto que segue, a professora que escreveu a Autobiografia 28 aponta como a

    identidade racial branca dela trouxe vantagens em um contexto que, para ela, era

    desconhecido:

    Em 1993, participei como estagiria de um programa de intercmbio no setoragropecurio no estado da Flrida, EUA. Foi marcante a sensao de que serLOIRA de olhos azuis tornou minha estadia muito mais fcil do que se assim nofosse. Cheguei mesmo a ouvir Ela pertence a este lugar partindo de algum queacabara de me avistar. (Autobiografia 28, minha nfase).

  • 7/24/2019 Teoria racial crtica e letramento racial

    19/28

    254

    Revista da ABPN v. 6, n. 14 jul. out. 2014, p. 236-263

    O excerto da Autobiografia 28 traz um valor para a identidade racial branca que a

    coloca em vantagem nas relaes sociais. essa vantagem que Ladson-Billings (1998) e

    Leonardo (2002) trazem quando referem que a cor de pele pode ser vista como propriedadecomo discutido anteriormente.

    O excerto a seguir retirado de uma das narrativas autobiogrficas, demonstra o que

    evidenciado na Tabela 2:

    Descrita sempre como LOIRA de olhos azuis, fui crescendo sem notar aimportncia e a relevncia de se discutir questes relacionadas a racismo. Confessoque talvez eu nem pensasse nisso por estar em uma zona de conforto, pois osesteretipos que vm mente quando se v algum com as caractersticas que jdescrevi acima so, em grande parte, POSITIVOS. (Autobiografia 31, minha

    nfase).

    O excerto da Autobiografia 31 evidencia que a identidade racial branca tem um

    valor positivo, vale vantagens nas relaes sociais e quem as tem sabe disso. Isso tambm

    pode ser visto na narrativa pessoal que eu trouxe na introduo deste artigo. A descrio da

    Autobiografia 31 parece tambm evidenciar o que foi dito por Laborne (2014), ao discutir

    sobre branquitude, ela afirma que A branquitude entendida aqui como um modo de

    comportamento social, a partir de uma situao estruturada de poder, baseada numa

    racialidade neutra, no nomeada, mas sustentada pelos privilgios sociais continuamenteexperimentados (2014, p. 152). Ou seja, evidente que a experincia da descrio da

    Autobiografia 31 mostra os privilgios obtidos pela sua identidade racial branca. Outro

    aspecto que achei importante foi olhar a ascendncia (ver Tabela 3). Dessa forma, entender

    como a ascendncia era vista nas narrativas autobiogrficas e quantas vezes palavras que a

    lembrassem apareciam. A ascendncia europeia, que uma caracterstica da regio onde as

    narrativas autobiogrficas foram geradas, vista de uma forma que, na sua maioria das

    vezes, favorece a identidade racial branca e desfavorece a identidade racial negra.

    Ascendncia Nmero depalavras que

    lembramascendncia

    Nmero depalavras que

    lembramascendncia

    que favorecem

    Nmero depalavras que

    lembramascendncia

    quedesfavorecem

    Neutro

    Alemo/ Alemes/Alem 29 22 5 2Italianos/ Italiana 2 2 - -Holandesa 5 3 2 -

    Espanhis/ Espanhol 3 3 - -

  • 7/24/2019 Teoria racial crtica e letramento racial

    20/28

    255

    Revista da ABPN v. 6, n. 14 jul. out. 2014, p. 236-263

    Polons/ Polonesa 3 1 2 -Ucraniano 4 4 - -Africana/Afro/Afrodescendente 12 2 10 -

    Total 58 (100%) 37 (63,79%) 19 (32,75%) 2 (3,44%)Tabela 3: Atributos de ascendncia.

    As Autobiografias 7 e 11, na sequncia, se contrastadas com a Tabela 3, nelas

    possvel perceber como um grupo pode ser considerado melhor do que o outro e ter

    atributos que favorecem e desfavorecem as identidades raciais dependendo do

    pertencimento tnico-racial. E, como demonstrado nas Tabelas 1 e 2, na Tabela 3 tambm

    o grupo que recebe atributos que desfavorecem a sua identidade o grupo de identidade

    racial negra:

    Por muito tempo, principalmente na minha infncia, eu tambm achava que aquelaforma de viso sobre as pessoas AFRO, e aquele preconceito, era a NORMAL, poislevei anos vivendo em contato com seus discursos, e at mesmo j havia adquiridoaquela identidade preconceituosa, que h muito tempo vinha sendo forjada. Noentanto hoje, graas aos conhecimentos adquiridos ao longo da vida e o contato comoutros tantos discursos, pude mudar totalmente a minha viso sobre o assuntoracismo, e ver quanta ignorncia estava nesse preconceito, sem fundamento.Todavia hoje tambm j possuo outra identidade, pois felizmente as identidades serenovam e transformam-se adquirindo novos posicionamentos em nossa vida.(Autobiografia 7, minha nfase).

    A cor da pele era algo bastante discutido na famlia de meu pai, quando uma criananascia era comum a frase: Nossa, ela bem BRANQUINHA, bem parecido com aav! Durante minha infncia, sempre cresci com a esperana de que um dia minhapele fosse clarear e meus olhos fossem ficar verdes. Sempre tive o amor de todos, dosavs, de tios, primos, mas sempre percebia de forma silenciada, atravs das conversas,que a cor da pele era algo que tornava alguns melhores do que os outros.(Autobiografia 11, minha nfase).

    As Autobiografias 7 e 11 trazem reflexes que podem ser iluminadoras e que

    podem ser utilizadas em cursos de formao de professores e no ambiente escolar, pois, se

    os professores estiverem preparados para utilizar o letramento racial crtico, poderiam estarcolaborando para a formao de identidades raciais negra e branca e tambm de todos os

    segmentos raciais no contexto da escola tenham orgulho do seu pertencimento racial e

    entendam como o racismo est estruturado na sociedade e saibam como agir para construir

    uma sociedade justa e igualitria. Milner e Howard enfatizam que as []histrias so

    autobiogrficas, histricas, e fundadas em mltiplas e variadas formas de conhecer e

    experimentar o mundo. Assim, defendemos que as narrativas (e contranarrativas) tm

    lugares importantes no estudo de professores, estudantes, polticas e prticas relacionadas

  • 7/24/2019 Teoria racial crtica e letramento racial

    21/28

    256

    Revista da ABPN v. 6, n. 14 jul. out. 2014, p. 236-263

    na formao de professores (Milner e Howard, 2013, p. 541).

    CONSIDERAES FINAIS

    Acredito que a coisa mais marcante em minha vida truncada pelo racismo foidesejar sempre ser a baliza de frente de uma banda marcial de um colgio ou atmesmo de uma fanfarra. Hastear a bandeira nacional, ou at mesmo a do estado oumunicpio, eu me contentaria. Ser a rainha de uma festa junina, ou simplesmenteser escolhida por algum menino para danar e no ser a piada de quem ficasse porltimo no sorteio da escolha. E ganhar um bilhetinho, ento?! Era o desejo dequalquer garota, como tambm que todos assinassem meu caderno de confidnciase no meus irmos, tios e tias, que achavam que eu no sabia que eles assinavamapenas para que eu no ficasse chateada. Ser representante de turma tambmdeveria ter sido muito legal, pois as representantes, depois, sempre ficavam

    populares na escola. Talvez tenha levado alguma vantagem de nunca ser escolhidapra nada, no fazer as leituras na missa, por exemplo, e nem ser coroinha, apesar deeu sempre decorar os textos caso um dia a catequista ou irm da igreja meescolhesse, queria fazer bonito. (Autobiografia 30).

    O excerto da Autobiografia 30, que escolhi para finalizar este artigo, mostra como a

    identidade racial negra fica fragilizada diante da construo de uma identidade racial

    branca como norma. Concordo com Apple quando ele menciona que [...] aqueles que

    esto profundamente comprometidos com os currculos e com um ensino antirracistanecessitam atentar mais para a identidade racial branca (APPLE, 2006,p. 64).

    Como mencionei na introduo, este o artigo tem o propsito de responder s

    seguintes perguntas: Como as palavras relacionadas identidade racial negra e

    identidade racial branca, e tambm ascendncia, so utilizadas nas narrativas

    autobiogrficas dos professores de lnguas? Quais so os sentidos atribudos, nas

    narrativas autobiogrficas, s palavras relativas identidade racial negra e identidade

    racial branca? Quanto a essas questes, primeiro cabe registrar que, das palavras utilizadas

    nas narrativas que evidenciam identidade racial, as que evidenciam a identidade racial

    negra so em nmero maior, conforme as Tabelas 1, 2 e 3, e utilizadas de uma forma que

    desfavorecem essa identidade racial. As palavras utilizadas para evidenciar a identidade

    racial branca majoritariamente no s favorecem essa identidade, como ainda colocam a

    identidade racial branca como norma.

    Como mencionado anteriormente a Teoria Racial Crtica uma importante

    ferramenta intelectual e social para desconstruo, reconstruo e construo de estruturas

  • 7/24/2019 Teoria racial crtica e letramento racial

    22/28

    257

    Revista da ABPN v. 6, n. 14 jul. out. 2014, p. 236-263

    e discursos opressivos [...] (Ladson-Billings, 1998, p. 9). Essa foi a razo para ter trazido,

    neste artigo, o referencial terico da Teoria Racial Crtica (Critical Race Teory) na reflexo

    aqui feita, pois a abordagem dessa teoria traz princpios importantes para a anlise dequestes que envolvem raa e racismo, principalmente na interao entre professor-aluno e

    aluno-aluno mediante da utilizao do elemento de contar histrias, contranarrativas e

    contar histrias no hegemnicas (Storyltelling, counterstorytelling, counternarratives).

    Como demonstrado nas reflexes nas sees anteriores, o referencial pode

    colaborar com discusses sobre a branquitude. Esse assunto ainda precisa de mais

    pesquisas na rea, como demonstrado por vrias pesquisas publicadas no dossi sobre

    branquitude da Revista da ABPN, n 13, v. 6 (2014), entre alguns dos pesquisadores esto,Lopes (2014), Moreira (2014), Oliveira (2014), Rossato (2014) e Silva (2014). Esses

    pesquisadores trouxeram reflexes de extrema relevncia para o contexto brasileiro.

    Ladson-Billings (1998) enfatiza que, se estamos levando a srio a proposio de mudanas

    no campo da raa e da educao, necessrio [...] expor o racismo na educao e propor

    solues radicais para resolver isso (p. 22).

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    APPLE, M.Polticas de direita e branquidade: a presena ausente da raa nas reformaseducacionais. Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao, 2006.

    BELL, D. A. And we are not saved: the elusive quest for racial justice. New York: BasicBooks. 1987.

    BELL, D. A. Faces at the bottom of the well:the permanence of racism. New York: BasicBooks. 1992.

    BELL, L. A. Telling tales: what stories can teach us about racism. Race Ethnicity andEducation, v. 6, n. 1, p. 3-28, 2003.

    BENTO, M. A.Branquemento e branquitude no Brasil. Disponvel em: .Acesso em: 1 mar. 2011.

    CARRASCO, E. Collective Recognition as a Communitarian Device: Or, of Course WeWant to Be Role Models!.La Raza Law Journal9 (1): 81101. 1996.

    CAVALLEIRO, E. (Ed.). Racismo e anti-racismo na educao: repensando nossa escola.

    So Paulo: Selo Negro, 2001.

    http://midiaetnia.com.br/wp-content/uploads/2010/09/branqueamento_e_branquitude_no_brasil.pdfhttp://midiaetnia.com.br/wp-content/uploads/2010/09/branqueamento_e_branquitude_no_brasil.pdfhttp://midiaetnia.com.br/wp-content/uploads/2010/09/branqueamento_e_branquitude_no_brasil.pdfhttp://midiaetnia.com.br/wp-content/uploads/2010/09/branqueamento_e_branquitude_no_brasil.pdf
  • 7/24/2019 Teoria racial crtica e letramento racial

    23/28

    258

    Revista da ABPN v. 6, n. 14 jul. out. 2014, p. 236-263

    CHAKRABARTY, N. Buried alive: the psychoanalysis of racial absence inpreparedness/education.Race Ethnicity and Education, v. 15, n. 1, p. 43-63, 2012.

    CHAPMAN, T. K. Interrogating classroom relationships and events: using portraiture andcritical race theory in education research. Educational Researcher, v. 36, n. 3, p. 156-162,2007.

    CLANDININ, J. D.; CONNELLY, M. F. Narrative inquiry: experience and story inqualitative research. San Francisco: Jossey-Bass. 2000.

    COLE, M. Critical race theory comes to the UK: a marxist response. Ethnicities, v. 9, n. 2,p. 246-284, 2009.

    COLLINS, P. H. Learning from the outsider within: the sociological significance of blackfeminist thought. Social Problems33 (6): S14S32. 1986.

    CRENSHAW, K. Mapping the margins: intersectionality, identity politics, and theviolence against women of color. Stanford Law Review43 (6): 12411299. 1991.

    CRUZ, A. C. J. Os debates do significado de educar para as relaes tnico-raciais naeducao brasileira. Dissertao (Mestrado em Educao) - UFSCAR, So Carlos.2010.134p.

    CRUZ, I. C. F. A sexualidade, a sade reprodutiva e a violncia contra a mulher negra:aspectos de interesse para assistncia de enfermagem.Rev Esc Enferm USP, v. 38, n. 4, p.448-457. 2004.

    DECUIR, J. T.; DIXSON, A. D. "So When It Comes Out, They Aren't That Surprised ThatIt Is There": Using Critical Race Theory as a Tool of Analysis of Race and Racism inEducation.Educational Researcher, v. 33, n. 5, p. 26-31, 2004.

    DELGADO, R.; STEFANCIC, J. Introduction. In: DELGADO, R. e STEFANCIC, J.(Ed.). Critical race theory:the cutting edge. Philadelphia: Temple University Press, 2000.

    DIAS, R. S.Desafios enfrentados por alunos de classes sociais menos favorecidas rumo aprendizagem de ingls: uma questo de identidades. Dissertao (Mestrado emLingustica Aplicada)Universidade de Braslia, Braslia, 2013, 161p.

    ESPINOZA, L. Latino/a identity and multi-identity: community and culture. In: TheLatino/a Condition: a critical reader, edited by Delgado, R. and Stefancic, J. New York:New York University Press. 1998, p. 1723.

    FERREIRA, A. J. Addressing 'race'/ethnicity in Brazilian schools: A study of EFLteachers. PhD thesis. University of London - Institute of Education. London, 2004. 325 p.

    FERREIRA, A. J. Formao de professores de lngua inglesa e o preparo para o exerccio

  • 7/24/2019 Teoria racial crtica e letramento racial

    24/28

    259

    Revista da ABPN v. 6, n. 14 jul. out. 2014, p. 236-263

    do letramento crtico em sala de aula em prol das prticas sociais: um olhar acerca deraa/etnia.Lnguas & Letras, v. 7, n. 12, p. 171-187, 2006.

    FERREIRA, A. J. What has race/ethnicity got to do with EFL teaching? Linguagem &Ensino,v. 10, n. 1, p. 211-233, 2007.

    FERREIRA, A. J. Limites, desafios e possibilidades para aplicao de estratgias anti-racistas e da Lei Federal n 10.639/2003. In: Ferreira, A. J. (Org.). PEAB - Projeto deestudos afro-brasileiros: contexto, pesquisas e relatos de experincias. Cascavel, PR:Unioeste, 2008. p. 47-60.

    FERREIRA, A. J. Addressing race/ethnicity in Brazilian schools: a critical race theoryperspective . Seattle - USA: CreateSpace, 2011.

    FERREIRA, A. J. Histrias de professores de lnguas e experincias com racismo: umareflexo para a formao de professores. Revista Espculo, v. 43, nov. 2009 fev. 2010.Disponvel em: . Acesso em: 9fev. 2011.

    FERREIRA, A. J. (Org.).Identidades sociais de raa, etnia, gnero e sexualidade:prticaspedaggicas em sala de aula de lnguas e formao de professores/as. Campinas, SP:Pontes, 2012.

    FERREIRA, A. J. (Org.). Relaes tnico-raciais, de gnero e sexualidade: perspectivascontemporneas. Ponta Grossa, PR: EdUPEPG, 2014.

    FERREIRA, A. J.; FERREIRA, S. A. Raa/etnia, gnero e suas Implicaes na construodas identidades sociais em sala de aula de lnguas.RevLetRevista Virtual de Letras, v. 3,n 2, p. 114-129, ago./dez. 2011.

    FREIRE, P.Pedagogy of the oppressed. New York: Seabury Press, 1973.

    GANDIN, L. A.; DINIZ-PEREIRA, J. E.; HIPLITO, A. M. Para alm de uma educaomulticultural: Teoria Racial Crtica, pedagogia culturalmente relevante e formaodocente. (entrevista com a professora Gloria Ladson-Billings). Educao & Sociedade, v.

    79, p. 275-93, 2002.GILLBORN, D. Critical race theory and education: racism and antiracism in educationaltheory and praxis. Discourse: Studies in the Cultural Politics of Education, v. 27, n. 1, p.11-32, 2006.

    GILLBORN, D. 'Student roles and perspectives in antiracist education: a crisis of whiteethnicity?'. In: S. Ball (ed.) Sociology of education: major themes. London: RoutledgeFalmer, 2000, p. 1504-1521.

    GILLBORN, D.; ROLLOCK, N.; VINCENT, C.; BALL, S. J . You got a pass, so what

    more do you want?: race, class and gender intersections in the educational experiences of

    http://www.ucm.es/info/especulo/numero42/racismo.htmlhttp://www.ucm.es/info/especulo/numero42/racismo.html
  • 7/24/2019 Teoria racial crtica e letramento racial

    25/28

    260

    Revista da ABPN v. 6, n. 14 jul. out. 2014, p. 236-263

    the black middle class.Race Ethnicity and Education, v. 15, n. 1, p. 121-139, 2012.

    GOMES, N. L. A mullher negra que vi de perto:o processo de construo da identidade

    racial de professoras negras. Belo Horizonte: MG: Maza Edies. 1995.

    GOMES, N. L. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relaes raciais noBrasil: uma breve discusso. In: MEC - Secad (Org.). Educao anti-racista: caminhosabertos pela Lei Federal no. 10.639/2003 - Secretaria de Educao Continuada,Alfabetizao e Diversidade. Braslia: Ministrio da Educao, 2005, p. 39-61.

    GUIMARES, A. S. A. Raa e os estudos de relaes raciais no Brasil, Novos EstudosCebrap, n. 54. 1999, p.147-56.

    GUINIER, L. From racial liberalism to racial literacy: Brown v. Board of Education and

    the interest-divergence dilemma. The Journal of American History,v. 91, n. 1, p. 92-118,2004.

    HOUSEE, S. Whats the point? Anti-racism and students voices againstIslamophobia.Race Ethnicity and Education, v. 15, n. 1, p. 101-120, 2012.

    HYLTON, K. et al. Critical race theory in the UK: What is to be learnt? What is to bedone? In: HYLTON, K.; PILKINGTON, A.;et al. (Ed.).Atlantic crossings: internationaldialogues on critical race theory.Birmingham: Sociology, Anthropology, Politics (C-SAP).The Higher Education Academy Network. University of Birmingham, 2011. p.1-20

    HYLTON, K. Talk the talk, walk the walk: defining Critical Race Theory in research.RaceEthnicity and Education, v. 15, n. 1, p. 23-41, 2012.

    KAILIN, J. How white teachers perceive the problem of racism in their schools: a case in"Liberal" Lakeview. Teachers College Record,v. 100, n. 4, p. 724-750, 1999.

    KUBOTA, R.; LIN, A. "Race, culture, and identities in second language education:introduction to research and practice". In:Race, culture and identities in second languageeducation: exploring critically engaged practice. Edited by KUBOTA, R; Lin,A. London:Routledge. 2009, p. 1-23.

    KUBOTA, R. "Race and language learning in multicultural Canada: towards criticalantiracism."Journal of Multilingual and Multicultural Development. n. ahead-of-print, p.1-10,2014.

    LABORNE, A. A. de P. Branquitude e colonialidade do saber.Revista da ABPN, v. 6, n.13, p. 148-161, 2014.

    LADSON-BILLINGS, G. Just what is critical race theory and whats it doing in a nicefield like education? Qualitative Studies in Education, v. 11, n. 1, p. 7-24, 1998.

    LADSON-BILLINGS, G. Preparing teachers for diverse student populations: a critical race

  • 7/24/2019 Teoria racial crtica e letramento racial

    26/28

  • 7/24/2019 Teoria racial crtica e letramento racial

    27/28

    262

    Revista da ABPN v. 6, n. 14 jul. out. 2014, p. 236-263

    with critical race literacy pedagogy, Race Ethnicity and Education, v.13, n. 4, 449-471,2010.

    MUNANGA, K.Negritude: usos e sentidos. Belo Horizonte, MG: Autntica, 2009.

    NORTON, B. "Researcher identity, narrative inquiry, and language teaching research."Tesol Quarterly, v.45, n. 3, p. 415-439. 2011.

    OLIVEIRA, L. O. A. Representaes sociais de branquitude em Salvador: um estudopsicossocial exploratrio da racializao de pessoas brancas.Revista da ABPN, v. 6, n. 13,p. 30-46, 2014.

    PESSOA, R. R.; URZDA-FREITAS, M. T. Challenges in critical language teaching.TESOL Quarterly,v. 46, n. 4, p. 753-776, 2012.

    PAIXO, M. J. P.; CARVANO, L. M. Relatrio anual das desigualdades raciais noBrasil; 2007-2008.Rio de Janeiro: Garamond, 2008.

    PARKER, L. "Race is... race ain't": an exploration of the utility of critical race theory inqualitative research in education. Qualitative Studies in Education, v. 11, n. 1, p. 43-55,1998.

    PARKER, L.; STOVALL, D. O. Actions following words: critical race theory connects tocritical pedagogy.Educational Philosophy and Theory, v. 36, n. 2, p. 167-82, 2004.

    PIZA, E. Porta de vidro: entrada para branquitude. In: CARONE, I.; BENTO, M. A. S.(Org.). Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento noBrasil. Rio de Janeiro: Vozes, 2002.

    PRESTON, J.; CHADDERTON, C. Rediscovering Race Traitor: towards a critical racetheory informed public pedagogy.Race Ethnicity and Education, v. 15, n. 1, p. 85-100,2012.

    ROLLOCK, N. The invisibility of race: intersectional reflections on the liminal space ofalterity.Race Ethnicity and Education, v. 15, n. 1, p. 65-84, 2012.

    ROSEMBERG, F.; BAZILLI, C.; SILVA, P. V. B. Racismo em livros didticos brasileirose seu combate: uma reviso da literatura.Educao e Pesquisa, v. 29, n. 1, p. 125-146,2003.

    ROSSATO, C.; GESSER, V. A experincia da branquidade diante de conflitos raciais:estudos de realidades brasileiras e estadunidenses. In: CAVALLEIRO, E. (Ed.). Racismo eanti-racismo na educao: repensando nossa escola.So Paulo: Selo Negro, 2001. p. 11-37.

    ROSSATTO, C. A. A transgresso do racismo cruzando fronteiras: estudos crticos da

    branquitude: Brasil e Estados Unidos na luta pela justia racial.Revista da ABPN, v. 6, n.

  • 7/24/2019 Teoria racial crtica e letramento racial

    28/28