teoria geral e história do pensamento jurídico apostila 1º bimestre - 2013 (1)

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TEORIA GERAL E HISTÓRIA DO PENSAMENTO JURÍDICO Prof. José E. Melhen - 1º bimestre - 2013 1 Noção Elementar de Direito Quando se vê uma mãe bater com violência em, seu filho, diz-se que isso não é direito. Quando se surpreende um ladrão em pleno furto, fala-se que ele está agindo contra as leis. Quando se assalta um banco, também se diz que não se está agindo em conformidade com o direito. Mas também, para muitos, a atividade bancária de emprestar a juros não é considerada correta, e, para outros, fundar um banco é um ato de muito mais roubo do que assaltar um banco. Não é justo, para alguns, que um mendigo roube pão. Mas não é justo, para muitos outros, que o mendigo não tenha um pão. Para alguns o direito é inspirado em livros tido como sagrados, como a Bíblia. Para outros, o direito é puramente técnico, e se restringiria a um conjunto de leis emanadas do Estado. Perante tantas coisas que são denominadas ou não por direito, e perante outras em relação às quais se atribui um caráter justo ou injusto, há uma grande dificuldade para identificar aquilo que se chama, especificamente, por direito. Para entendermos o fenômeno jurídico, é preciso, acima de tudo, utilizar-se da ferramenta da história. Sem ela, as definições sobre o direito são vagas e sem lastro concreto. Durante muito tempo, chamou-se por direito aquilo que os homens chamariam hoje por religião, ou mesmo por política. Quem dirá que os Dez Mandamentos da Bíblia são um monumento jurídico? Mas quem poderá dizer que são um conjunto de normas só religiosas e não jurídicas? Na verdade, em sociedades do passado, como a hebreia, não há algo que especificamente seja chamado por direito e que seja totalmente distinto da religião, por exemplo. Somente quando se chegou aos tempos modernos – quando começou a separação teórica entre direito, política e religião, por exemplo – é que foi possível entender que não houve, naqueles tempos passados, um direito tomado de modo específico. Mas essa indistinção dos tempos passados não foi algo que aconteceu apenas com o direito. Entre a moral e a religião também se deu o mesmo. O Iluminismo,

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TEORIA GERAL E HISTÓRIA DO PENSAMENTO JURÍDICO Prof. José E. Melhen - 1º bimestre - 2013

1

Noção Elementar de Direito

Quando se vê uma mãe bater com violência em, seu filho, diz-se que isso não é

direito. Quando se surpreende um ladrão em pleno furto, fala-se que ele está

agindo contra as leis. Quando se assalta um banco, também se diz que não se está

agindo em conformidade com o direito. Mas também, para muitos, a atividade

bancária de emprestar a juros não é considerada correta, e, para outros, fundar um

banco é um ato de muito mais roubo do que assaltar um banco.

Não é justo, para alguns, que um mendigo roube pão. Mas não é justo, para muitos

outros, que o mendigo não tenha um pão. Para alguns o direito é inspirado em

livros tido como sagrados, como a Bíblia. Para outros, o direito é puramente

técnico, e se restringiria a um conjunto de leis emanadas do Estado.

Perante tantas coisas que são denominadas ou não por direito, e perante outras

em relação às quais se atribui um caráter justo ou injusto, há uma grande

dificuldade para identificar aquilo que se chama, especificamente, por direito.

Para entendermos o fenômeno jurídico, é preciso, acima de tudo, utilizar-se da

ferramenta da história. Sem ela, as definições sobre o direito são vagas e sem

lastro concreto.

Durante muito tempo, chamou-se por direito aquilo que os homens chamariam hoje

por religião, ou mesmo por política. Quem dirá que os Dez Mandamentos da Bíblia

são um monumento jurídico? Mas quem poderá dizer que são um conjunto de

normas só religiosas e não jurídicas? Na verdade, em sociedades do passado,

como a hebreia, não há algo que especificamente seja chamado por direito e que

seja totalmente distinto da religião, por exemplo.

Somente quando se chegou aos tempos modernos – quando começou a

separação teórica entre direito, política e religião, por exemplo – é que foi possível

entender que não houve, naqueles tempos passados, um direito tomado de modo

específico.

Mas essa indistinção dos tempos passados não foi algo que aconteceu apenas

com o direito. Entre a moral e a religião também se deu o mesmo. O Iluminismo,

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um movimento filosófico do século XVIII, demonstrou que seria possível

compreender a moral independentemente da religião. Para os iluministas, poderia

haver uma moral racional válida para todos os homens, universal e superior,

independente da religião de cada qual. Mas para os povos do passado essa

separação seria muito difícil. Moral e religião estavam misturadas. Só os tempos

modernos, devido a certas condições e estruturas sociais, como a organização

capitalista, deram especificidade à religião, à moral, à política, à economia e

também ao direito.

Assim sendo, é o presente que nos ajuda a entender as dificuldades do passado.

Se hoje o jurista considera o direito a partir das normas jurídicas estatais, com uma

série de ferramentas, temas e consequências próprias (“dever ser”), no passado

tudo isso poderia ser objeto da religião, sem que houvesse uma delimitação dos

campos específicos.

Comparado ao passado, o direito ganha especificidade apenas no capitalismo, a

partir da Idade Moderna. Se no passado o direito era inespecífico, misturado à

moral e à religião, no presente ele se revela algo distinto, um fenômeno

singularizado. Mas, mesmo assim, a questão ainda permanece, posta agora em

outro patamar, mais profundo. Se é somente nos tempos modernos que o direito

passa a ser um fenômeno específico, então o que identifica em si o direito de

nosso tempo, a fim de que seja distinguido de todos os demais fenômenos sociais?

Pois bem. Nos dias atuais, aos olhos do homem comum, o Direito é lei e ordem,

isto é, um conjunto de regras obrigatórias que garantem a convivência social

graças ao estabelecimento de limites à ação de cada um de seus membros. O

Direito corresponde à exigência essencial e indeclinável de uma convivência

ordenada, pois nenhuma sociedade poderia subsistir sem um mínimo de ordem, de

direção e solidariedade. Um velho brocardo latino fazendo referência a isso dizia:

Ubi societas, ibi ius; ubi ius, ibi societas (onde está a sociedade, está o Direito;

onde está o Direito, está a sociedade). O Direito é um fato ou fenômeno social; não

existe senão em sociedade e não pode ser concebido fora dela, o Direito é uma

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coisa de homem para homem, de ser humano para ser humano. Se houvesse

apenas um ser humano na Terra, não haveria sentido haver regras jurídicas, pois

não haveria direitos alheios que pudessem ser violados. O escritor inglês DANIEL

DEFOE expôs bem tal questão na obra “A Vida e as Estranhas Aventuras de

Robinson Crusoé”.

É uma disciplina essencialmente dinâmica, não se podendo conceber um direito

estático. Se a sociedade muda, o Direito deve acompanhar essa mudança. Com

muita razão GEORGES RIPERT afirmava que “Quando o Direito ignora a

realidade, a realidade se vinga ignorando o Direito”.

O Direito está presente em todos os momentos da nossa vida (desde a concepção

no útero materno) e nos acompanha até mesmo após a morte (art. 2º, art. 12,

parágrafo único e artigo 20, parágrafo único, do CC).

Ainda assim, muitas vezes não damos conta da presença do Direito em nossa

jornada ou, por outro lado, não há interesse em pensar o Direito.

KARL ENGISCH chegou a firmar que: “Quem se proponha familiarizar o

principiante ou o leigo com a Ciência do Direito (jurisprudência) e o pensamento

jurídico, ao tentá-lo vê-se a braços com uma série de dificuldades e dúvidas que

não encontraria noutros domínios científicos. Quando o jurista, situado no círculo

das ciências do espírito e da cultura, entre as quais se encontra a jurisprudência,

olha ao derredor, tem de constatar, angustiado e com inveja, que a maioria delas

pode contar extra muros com um interesse, uma compreensão e uma confiança

muito maiores do que precisamente a sua ciência. Especialmente as ciências

(teorias) da linguagem, da literatura, da arte, da música e da religião fascinam os

leigos devotados a assuntos de cultura numa medida muito maior do que a ciência

do Direito, se bem que esta, não só quanto à matéria mas ainda

metodologicamente, tenha com aquelas estreitos laços de parentesco. (...) Sem

grandes hesitações se depositará um livro de arqueologia ou de história da

literatura sobre a mesa dos presentes, mas a custo se fará o mesmo com um livro

jurídico, ainda que este não exija da parte do leitor conhecimentos especiais. As

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usuais introduções à ciência jurídica, com raras exceções, apenas parecem ter

algum interesse para o jurista principiante, mas já não para o leigo. (...) As razões

deste desinteresse do leigo pelo Direito e pena ciência jurídica são fáceis de

descobrir. Todavia, trata-se de algo muito estranho. Com efeito, a custo qualquer

outro domínio cultural importará mais ao homem do que o Direito. Há na verdade

pessoas que podem viver sem uma ligação íntima com a poesia, com a arte, com a

música. Há, também, na expressão de Max Weber, pessoas ‘religiosamente

amusicais’. Mas não há ninguém que não viva sob o Direito e que não seja por ele

constantemente afetado e dirigido. O homem nasce e cresce no meio da

comunidade e - à parte os casos anormais – jamais se separa dela. Logo,

inevitavelmente, afeta-nos e diz-nos respeito. (...) Por que, pois, tão pouca abertura

de espírito para o Direito e a jurisprudência?”

CARLOS ARI SUNDFELD procura responder às questões levantadas por

ENGISCH ao observar que “O cientista do direito vive seu dilema. Se compõe uma

obra para expor idéias sobre o justo ou o injusto, o bom e o mau, conquista

simpatia, mas frauda seus leitores, porque não faz ciência do direito, mas filosofia

da justiça. Se apenas descreve o funcionamento dos mecanismos de que se

compõe o sistema jurídico, ou se expõe certo sistema jurídico positivo (o brasileiro,

o francês...), cumpre adequadamente sua função, mas seu trabalho perde charme

mundano.”

Multiplicidade e Unidade do Direito

O Direito abrange um conjunto de disciplinas e regras, divide-se em duas grandes

classes: Direito Público e Direito Privado. As relações que se referem ao Estado e

traduzem o predomínio do interesse coletivo são chamadas relações públicas ou

de Direito Público, por conseguinte, as relações que interessam ao indivíduo

enquanto particular dizem respeito ao Direito Privado. Há em cada comportamento

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humano, a presença, embora indireta, do fenômeno jurídico: o Direito está pelo

menos pressuposto em cada ação do homem que se relacione com outro homem.

Para alguns há uma categoria intermediária, um terceiro gênero, denominado

direito misto ou direito difuso (ambiental, trabalho, consumidor etc.). Preferimos,

porém, manter a divisão clássica, que remonta ao Direito Romano, na pessoa do

jurista Ulpiano, pioneiro a discorrer sobre tal divisão.

DIREITO E MORAL

A Teoria do Mínimo Ético

Esta teoria, exposta pelo filósofo inglês JEREMIAS BENTHAM, consiste em dizer

que o Direito representa o mínimo de Moral declarado obrigatório para que a

sociedade possa sobreviver. Como nem todos podem ou querem realizar de

maneira espontânea as obrigações morais, é indispensável armar de força certos

preceitos éticos, para que a sociedade não soçobre. Assim sendo, o Direito não é

algo de diverso da Moral, mas é uma parte desta, armada de garantias específicas.

A teoria do mínimo ético pode ser reproduzida por meio da imagem de dois círculos

concêntricos, sendo o círculo maior o da Moral, e o círculo menor o do Direito.

Haveria um campo de ação comum a ambos, sendo o Direito envolvido pela Moral.

Poderíamos dizer que “tudo o que é jurídico é moral, mas nem tudo o que é moral é

jurídico” (non omne quod licet, honestum est). Não é exato dizer que tudo o que se

passa no mundo jurídico seja ditado por motivos de ordem moral. Além disso,

existem atos juridicamente lícitos que não o são do ponto de vista moral. Há regras

sociais que cumprimos de maneira espontânea, independentemente de haver

sanção, são as chamadas normas de aceitação social (ex. se o art. 121 do Código

Penal deixar de ser punido, não sairemos cometendo homicídios, porque temos

consciência da necessidade de respeito à vida alheia). Outras regras existem, que

os homens só cumprem em determinadas ocasiões, porque a tal são coagidos, são

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as chamadas normas de rejeição social (ex. a norma tributária – só pagamos

tributos porque tememos a sanção normativa).

A Moral é o mundo da conduta espontânea, do comportamento que encontra em si

próprio a sua razão de existir. O ato moral implica a adesão do espírito ao conteúdo

da regra. Não é possível conceber-se o ato moral forçado, fruto da força ou da

coação.

Distinção entre Direito e Moral

Ambos têm pontos de contato e pontos de dessemelhança: têm eles uma comum

base ética, uma idêntica origem, a consciência social. Ambos constituem normas

de comportamento.

O Direito e a Moral regulam atos de seres livres, os homens, tendo um e outra por

fim, o bem-estar do indivíduo e da sociedade.

O campo da Moral é mais amplo (non omne quod licet honestum est). A Moral

abrange os deveres do homem para com Deus, para consigo mesmo e para com

seus semelhantes. O Direito é mais restrito, compreende apenas os deveres do

homem para com seus semelhantes.

O Direito tem coação, a Moral é incoercível. A principal oposição entre a regra

moral e a regra jurídica repousa efetivamente na sanção. A Moral só comporta

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sanções internas, que notoriamente se apresentam inócuas. O Direito, por sua vez,

conta com a sanção para coagir os indivíduos. Sem esse elemento coercitivo, não

haveria segurança nem justiça para a vida em sociedade. Visto isso podemos

afirmar que o conceito de coação (possibilidade de constranger o indivíduo à

observância da norma), torna-se inseparável do Direito.

A Moral visa à abstenção do mal e à prática do bem, enquanto o objetivo do Direito

é evitar que se lese ou se prejudique a outrem.

A Moral se dirige ao momento interno, psíquico, volitivo, à intenção que determina

o ato, ao passo que o Direito se dirige ao momento externo, físico, isto é, ao ato

exterior.

A Moral é unilateral, o Direito, bilateral.

O Direito é mais definido, a Moral é mais difusa.

Detalhe importante que se percebe é que as normas morais tendem a se converter

em normas jurídicas.

Direito e Coação

O que distingue o Direito da Moral é a coercibilidade: a Moral é incoercível e o

Direito é coercível. Coercibilidade é uma expressão técnica que serve para mostrar

a plena compatibilidade que existe entre o Direito e a força.

Há 3 posições há respeito da relação entre Direito e força :

1º) Uma teoria imbuída de eticismo absoluto sustenta que o Direito nada tem a ver

com a força, não surgindo, nem se realizando graças à intervenção do poder

público;

2º) Para Ihering o Direito se reduz a “norma+coação”. Segundo essa concepção,

poderíamos definir o Direito como sendo a ordenação coercitiva da conduta

humana.

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3º) A teoria da coercibilidade diz que o Direito é a ordenação coercível da conduta

humana.

Podemos distinguir, assim:

Sanção – conseqüência desfavorável imputada àquele que descumpre uma norma

jurídica.

Coerção – ameaça potencial de sofrer sanção (se praticar tal conduta, sofrerá tal

conseqüência).

Coação – sanção concretizada por conta da violação da norma jurídica (praticou a

conduta e, em concreto, sofre a conseqüência).

Direito e Heteronomia

A heteronomia pode ser definida como sendo a validade objetiva e transpessoal

das normas jurídicas, as quais se põem acima das pretensões dos sujeitos de uma

relação, superando-as na estrutura de um querer irredutível ao querer dos

destinatários. Baseia-se na sujeição a um querer alheio (ao contrário da

autonomia).

KANT foi o primeiro a afirmar ser a Moral autônoma e o Direito heterônomo. O

Direito é heterônomo, visto ser posto por terceiros aquilo que somos juridicamente

obrigados a cumprir, a partir disto poderíamos afirmar que o Direito é a ordenação

heterônoma e coercível da conduta humana.

Bilateralidade Atributiva

Há bilateralidade atributiva quando duas ou mais pessoas se relacionam segundo

uma proporção objetiva que as autoriza a pretender ou a fazer garantidamente

algo.

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Bilateralidade atributiva é uma proporção intersubjetiva, em função da qual os

sujeitos de uma relação ficam autorizados a pretender, exigir, ou a fazer,

garantidamente, algo. Daí a dizer:

1) Sem relação que una duas ou mais pessoas não há Direito (bilateralidade em

sentido social, como intersubjetividade);

2) Para que haja Direito é indispensável que a relação entre os dois sujeitos seja

objetiva, isto é, insuscetível de ser reduzida, unilateralmente, a qualquer dos

sujeitos da relação (bilateralidade em sentido axiológico);

3) Da proporção estabelecida deve resultar a atribuição garantida de uma

pretensão ou ação, que podem se limitar aos sujeitos da relação ou estender-se a

terceiros (atributividade).

MUNDO DO DIREITO X MUNDO DA NATUREZA

HANS KELSEN, criador da Teoria Pura do Direito, explicou com brilhantismo a

diferença entre as leis da natureza e as normas jurídicas, valendo-se do dualismo

de KANT entre o “ser” (sein) e o “dever ser” (söllen).

Discorrendo sobre o tema, CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO leciona que

“O mundo do direito difere profundamente do mundo natural. O mundo normativo

tem a sua existência própria, diversa do mundo natural, desligada dele, como um

modo de ser e de existir próprio, diverso do mundo natural. (...) No mundo natural,

se soltarmos um cigarro, ele inelutavelmente cairá, em razão da lei da gravidade,

que enuncia relações que decorrem, efetivamente, da natureza das coisas. (...) No

mundo do direito as coisas não se processam assim. Os homens constroem,

livremente, situações hipotéticas e enlaçam a esse antecedente um certo

conseqüente. Figuram uma relação entre um antecedente, que é livremente

construído pelos homens, e um conseqüente, também livremente instituído pelos

homens. (...) Por isso os sistemas jurídicos podem variar. Um dado sistema pode

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impor que é obrigatório o voto. O enlaçamento entre essas duas relações é feito

pela vontade do legislador. Ele relaciona antecedentes com conseqüentes. No

mundo natural vigora a lei da causalidade, a relação de causa e efeito: se A for, B

será. No mundo do direito vigora a relação de imputação: se A for, B deverá ser”.

Daí afirmar-se que “o Direito é a ciência do dever ser”. As conseqüências

normativas são aquelas que o legislador desejou (obviamente obedecendo aos

limites constitucionais, o princípio da razoabilidade, os tratados internacionais

ratificados pelo Brasil e considerando-se a proteção à dignidade da pessoa

humana como seu principal vetor).

É a vontade do legislador, p. ex., que atribui ao comportamento “matar alguém”, a

conseqüência: “reclusão de 6 a 20 anos” (art. 121, do Código Penal).

A diferença entre o “ser” (mundo da natureza) e o “dever ser” (mundo do Direito)

nos permite compreender por que a norma jurídica, mesmo desrespeitada,

continua existindo. A norma não descreve a realidade, não diz como ela é, mas

apenas como deve ser.

DIREITO E CIÊNCIA JURÍDICA

EROS ROBERTO GRAU afirma que “O Direito não é uma ciência. O Direito é

estudado e descrito; é, assim, tomado como objeto de uma ciência, a chamada

Ciência do Direito. (...) O Direito é normativo. O Direito não descreve; o Direito

prescreve. A ciência que o estuda e descreve não é, no entanto, normativa. É,

como toda ciência, descritiva. Impõe-se distinguirmos, assim, o Direito e a Ciência

do Direito. Esta última descreve – indicando como, porque e quando – aquele.”

O Direito, portanto, compõe-se de normas, enquanto a Ciência do Direito compõe-

se de um conjunto de proposições.

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Ensina, ainda, EROS GRAU: “Proposições jurídicas – esclarece Kelsen, são juízos

hipotéticos que enunciam ou traduzem que, de conformidade com o sentido de

uma ordem jurídica – nacional ou internacional – dada ao conhecimento jurídico,

sob certas condições ou pressupostos fixados por este ordenamento, devem

intervir certas conseqüências pelo mesmo ordenamento determinadas. As normas

jurídicas, por seu turno, não são juízos, isto é, enunciados sobre um objeto dado ao

conhecimento. Elas são antes, de acordo com o seu sentido, mandamentos, e

como tais, comandos, imperativos. Mas não são apenas comandos. Em todo o

caso, não são – como, por vezes, identificando o Direito como ciência jurídica, se

afirma – instruções (ensinamentos). O Direito prescreve, permite, confere poder ou

competência – não ensina nada. (...) A ciência jurídica tem por missão conhecer de

fora, por assim dizer – o Direito e descreve-lo com base no seu conhecimento. Os

órgãos jurídicos têm – como autoridade jurídica – antes de tudo por missão

produzir o Direito para que ele possa então ser conhecido e descrito pela ciência

jurídica.”

Assim, temos:

a) o Direito é composto por normas; a ciência jurídica é composta por

proposições;

b) o Direito é prescritivo; a ciência jurídica é descritiva;

c) o Direito é produzido por um órgão estatal; a ciência jurídica é produzida

por cientistas;

d) a norma jurídica (o Direito) é válida ou inválida; a ciência jurídica é

verdadeira ou falsa.

CONCEITO DE DIREITO

Pode-se dizer que o Direito é a ordenação bilateral atributiva das relações sociais,

na medida do bem comum.

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É próprio do Direito ordenar a conduta de uma maneira bilateral e atributiva, ou

seja, estabelecendo relações de exigibilidade segundo uma proporção objetiva. O

Direito não visa a ordenar as relações dos indivíduos entre si para a satisfação

apenas dos indivíduos, mas, ao contrário, para realizar uma convivência ordenada,

o que se traduz na expressão: “bem-comum”. O bem-comum não é a soma dos

bens individuais, nem a média do bem de todos; o bem comum é a ordenação

daquilo que cada homem pode realizar sem prejuízo do bem alheio, uma

composição harmônica do bem de cada um com o bem de todos, tendo como vetor

o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF).

O jurista CELSO, expoente do período clássico do Direito Romano, definia o direito

como a arte do bom e do justo (Ius est ars boni et aequi). Apesar de “romântico”, o

conceito não parece acertado nos dias atuais.

Direito é a norma das ações humanas (norma agendi) na vida social (facultas

agendi) estabelecida por uma organização soberana (justo) e imposta

coativamente à observância de todos (sanção).

SILAS RODRIGUES, de maneira mais completa, dá a seguinte definição: “Direito é:

objeto cultural, e é a disciplina normativa, heterônoma, da vida exterior e relacional

dos homens, bilateral, imperativo-atributiva, dotada de validade, eficácia e

coercibilidade, que tende à realização da segurança, equilíbrio, bem-comum, numa

sociedade organizada pela aplicação do valor eterno: Justiça.”

Estrutura Tridimensional do Direito

Uma análise em profundidade dos diversos sentidos da palavra Direito, MIGUEL

REALE vislumbrou que eles correspondem a três aspectos básicos, discerníveis

em todo e qualquer momento da vida jurídica: um aspecto normativo (o Direito

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como ordenamento e sua respectiva ciência); um aspecto fático (o Direito como

fato, ou em sua efetividade social e histórica) e um aspecto axiológico (o Direito

como valor de Justiça). É a chamada Teoria Tridimensional do Direito, que

preconiza que a experiência jurídica (o Direito) surge da dialetização fato + valor +

norma. Daí a dizer:

1) Onde quer que haja um fenômeno jurídico, há, sempre e necessariamente um

fato subjacente; um valor, que confere determinada significação a esse fato,

inclinando ou determinando a ação dos homens no sentido de atingir ou preservar

certa finalidade ou objetivo; e uma regra ou norma, que representa a relação ou

medida que integra um daqueles elementos ao outro, o fato ao valor;

2) Tais elementos ou fatores (fato, valor, norma) não existem separados um dos

outros, mas coexistem numa unidade concreta;

3) Esses elementos ou fatores não só se exigem reciprocamente, mas atuam como

elos de um processo, de tal modo que a vida do Direito resulta da integração

dinâmica e dialética dos três elementos que a integram.

Acepções do termo “Direito”

Observando o Direito à luz da realidade dos estudos Jurídicos contemporâneos,

pode-se vislumbrar que o termo "direito" comporta pelo menos as seguintes

concepções:

a) Ciência, correspondente ao conjunto de regras próprias utilizadas pela Ciência

do Direito; “O direito é uma ciência social”;

b) Norma jurídica, pois objetiva regulamentar o comportamento das pessoas na

sociedade por meio de normas editadas pelas autoridades competentes. Ex. “O

Direito pune o homicídio”, art. 121, do Código Penal;

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c) Poder ou prerrogativa, quando se diz que alguém tem a faculdade, o poder de

exercer um direito; Ex. “O maior de 16 tem o direito de votar”; “O Estado tem o

direito de cobrar tributos”;

d) Fato social, quando se verifica a existência de regras vivas existentes no meio

social. Ex. “O Direito nasce do fato e ao fato se destina”;

e) Justo, aquilo que cada pessoa deve fazer ou deixar de fazer em uma sociedade

bem ordenada e justa. Ex. “Fiz tudo direito”; “O salário é direito do trabalhador”.

O Direito é um ideal sonhado por certa sociedade e simultaneamente um golpe que

enterra esse ideal. É símbolo da ordem social e simultaneamente a bandeira da

agitação. O Direito garante a privacidade e a intimidade e, também, ao mesmo

tempo, a publicidade e quebra da intimidade.

Só por esses exemplos percebe-se o grau de dificuldade que é o manejar do

conceito "direito". Talvez por isso a chamada Ciência do Direito tenha acabado por

privilegiar um dos sentidos, dentre os vários possíveis.

Como, via de regra, as ciências em geral não têm muita dificuldade na descoberta

e fixação de seus objetos, a Ciência do Direito pretende o mesmo.

Dessa forma, optou por estudar um dos sentidos possíveis do termo "direito": o de

norma jurídica e, especialmente, o de norma jurídica escrita.

Assim é que, na atualidade, os cursos de Direito estão voltados quase que

totalmente para o estudo da norma jurídica escrita, com método tipicamente

dogmático.

Mas não parece ter sido uma escolha muito feliz, uma vez que as dificuldades de

fixação de sentido que o termo "direito" revela ao investigador, antes de serem um

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obstáculo, apontam para uma riqueza de significações que merecem estudo

aprofundado.

Contudo, ao invés de buscar superar o obstáculo, penetrando em sua

complexidade fecunda, o cientista do Direito deu uma volta ao largo do problema e

levou consigo o sentido mais fácil de ser abordado.

Com isso, o que era de humano a impregnar o Direito acabou congelando-se no

conceito da norma jurídica escrita e perdendo-se no trabalho analítico de

investigador.

É preciso resgatar a magnificência da dignidade humana, que é o fundamento

último que dá sustentação ao Direito.

KELSEN, em brilhante teoria vislumbrou o Direito como uma ciência pura, despida

da influência de qualquer outro ramo do conhecimento das ciências humanas.

Trata-se, em verdade, de verdadeira tentativa de atribuir autonomia ao Direito.

Nada obstante tenha sido o maior jurista do século XX, sua Teoria Pura do Direito é

muito criticada, pois, se, de um lado, traz segurança, de outro, pode ser fonte de

várias injustiças, na medida em que o intérprete fica cerceado à norma jurídica e

nada mais, fato que reduziria a função do juiz a um autômato (um robô ou um

computador) na aplicação da lei.

Fontes do Direito

A metáfora "fonte do Direito" é o local de origem do Direito; é, na verdade, já o

próprio Direito, mas saído do oculto e revelado ao mundo.

Fontes Estatais e Não-Estatais

Fontes estatais: lei e jurisprudência;

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Fontes não-estatais: costume Jurídico e doutrina.

Fontes Estatais

Legislação

Legislação é o conjunto das normas jurídicas emanadas do Estado, através de

seus vários órgãos, dentre os quais se realça, com relevo, nesse tema, o Poder

Legislativo.

A legislação (conjunto de normas jurídicas escritas) é, também, conhecida como

"ordenamento Jurídico".

A estrutura do ordenamento Jurídico organizado é hierárquica. Por hierarquia legal,

entende-se que umas normas são superiores às outras, isto é, algumas normas

para serem válidas têm de respeitas o conteúdo, formal e material, da norma

jurídica superior.

HANS KELSEN vislumbrou o ordenamento jurídico em um esquema piramidal,

para demonstrar a chamada “hierarquia vertical” das normas. Eis a “Pirâmide de

Kelsen”:

Constituição Federal – norma suprema no ordenamento jurídico brasileiro, fonte

de validade para as demais normas, que se lhe são inferiores. Traça critérios

genéricos, os quais devem ser observados pelas demais normas. O que contraria a

CF não tem obrigatoriedade no cumprimento. Pode ser atacado de forma direta

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(controle concentrado, art. 103, CF) ou de forma incidental (controle difuso,

qualquer órgão do Poder Judiciário).

A CF é fruto da atividade do poder constituinte originário, que é inicial,

incondicionado e ilimitado, indica sempre uma revolução no ordenamento (veículo

da CF). Não estão obrigadas a respeitar direito adquirido, ato jurídico perfeito e

coisa julgada, mas nada impede que o faça. Ex. art. 17, do ADCT, da CF. Ocorre,

porém, que quando uma nova CF quebrar direitos adquiridos, ela deve dizer

expressamente, pois, em seu silêncio, eles são preservados. Ex. Lei 6.969/81, cuja

CF de 1988, no silêncio, preservou os direitos adquiridos com base nessa norma.

Cumpre ressaltar que não é absolutamente correta a tese de que o poder

constituinte originário (aquele que cria uma nova Constituição) não possua limites.

Mesmo o poder constituinte deve obediência a postulados lógico-normativos. Como

explica VON WRIGHT, não adianta querer editar norma a permitir algo que seja

desnecessário ou a determinar que se faça o que é fisicamente impossível. Outro

limite dessa natureza carece ser aquele demonstrado pelo “paradoxo da

onipotência”. OLAVO AUGUSTO VIANNA ALVES FERREIRA afirma que “mesmo

o poder constituinte originário não pode editar normas jurídicas inalteráveis ao

arbítrio de si próprio. A questão remete ao famoso paradoxo da onipotência: se

uma divindade é onipotente, pode então criar uma pedra tão pesada que não possa

carregar? Ora, se pode criar tal pedra, mas não carrega-la, não será onipotente; e

se não a pode criar, tampouco o será... Por outras palavras, se o poder constituinte

é considerado juridicamente ilimitado (onipotente), uma disposição constitucional

feita por ele poderia regular qualquer aspecto jurídico, no âmbito do sistema

jurídico a que lhe correspondesse, incluindo a ela mesma. Mas se assim fosse, o

constituinte originário poderia tornar alguma parte da constituição imodificável até

por ele próprio? A resposta é logicamente negativa. Por isso, ainda que rejeitada a

ideia de que ele esteja vinculado ao direito natural, é de se desmistificar a tese

segundo a qual o poder constituinte originário não se sujeita a limites jurídicos”.

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VANOSSI reconhece a presença de limites extrajurídicos ao poder constituinte

originário, tais como: a) limites ideológicos (crenças e/ou valores que operam no

âmbito supraestrutural) e b) limites estruturais (que conformam o âmbito social

subjacente – a infraestrutura -, como o sistema produtivo, as classes etc.).

Emendas à CF – alteram o texto da CF, criando novas normas ou revogando as já

existentes. Há limites, matérias que não podem ser objeto de emendas, ex: art. 60,

§ 4º, I, II, III e IV. Devem respeitar direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa

julgada (com exceções, p. ex.: para beneficiar o réu em processo criminal). O

Quórum para aprovação das emendas é de, no mínimo, 3/5 dos membros do

Congresso Nacional, cuja votação ocorrerá em 2 turnos (art. 60, § 2º, da CF).

Lei ordinária – fruto da atividade típica do legislador (legislar). Deve ser aprovada

pela maioria simples do Congresso Nacional (voto positivo do primeiro número

inteiro superior à metade dos parlamentares presentes. Mas o número dos

presentes não pode ser inferior ao primeiro número inteiro superior à metade dos

membros da casa – art. 47, CF; ex. 513 membros: devem estar presentes 257; se

129 votarem, a lei ordinária é aprovada). Em seguida deve ser sancionada ou

vetada pelo Presidente da República.

A Lei ordinária regulamenta qualquer assunto que não seja de competência

privativa de outras autoridades, devendo sempre estar em conformidade com a CF.

Lei complementar – distingue-se da lei ordinária pela exigência de quorum de

maioria próprio e pela especificidade de suas matérias. O quorum é de maioria

absoluta dos deputados e senadores (voto positivo do primeiro número inteiro

superior à metade dos membros das Casas Legislativas – art. 69, CF. Ex. 513: com

257 é aprovada). Deve ser sancionada pelo Presidente da República (59, 61, 65,

66 e 69, CF). Limita-se a regulamentar assuntos importantes, indicados na CF:

criação de um novo Estado Federal (18, § 3º, CF), fixação do número total de

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membros da Câmara dos Deputados (45, § 1º). Não há hierarquia entre a Lei

Complementar e a Lei Ordinária.

Lei delegada – é ato normativo elaborado pelo Presidente da República após

específica autorização do Congresso Nacional, por meio de Resolução. Restrições:

art. 68, § 1º, CF. Possui a mesma força da lei ordinária. Está em desuso, as últimas

foram editadas em 1992.

Medidas Provisórias – sucessoras do antigo Decreto-Lei (antes da CF/1988). São

atos normativos tomados pelo Poder Executivo (federal, estadual ou municipal), em

caso de urgência e relevância, que possuem força de lei formal. Deve ser aprovada

pelo Congresso Nacional em até 120 dias após sua edição (sem computar os

períodos de recesso parlamentar). O prazo é 60, prorrogável por mais 60. Se for

aprovada, converte-se em lei ordinária; se não, perde sua validade. Há limites: art.

62, CF. Governadores e Prefeitos podem lançar mão de medidas provisórias

somente se houver autorização na Constituição do Estado (Governador) e na Lei

Orgânica do Município (Prefeitos),

Decretos legislativos – ato normativo emitido pelo Congresso Nacional, não

sujeito à sanção do Presidente da República. Regulamenta assuntos de

competência exclusiva do Congresso Nacional (art. 49, CF). Ex. autorizar

referendo.

Resolução – ato normativo emitidos em assuntos de exclusiva competência da

Câmara dos Deputados ou do Senado (arts. 51, 52, 155, § 2º, IV e V, da CF) ou do

Congresso Nacional (art. 68, § 2º, CF), não necessita de sanção do Presidente da

República. Ex. eleição dos membros do Conselho da República pela Câmara dos

Deputados.

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Decreto regulamentar – são normas elaboradas pelo Presidente da República,

com o objetivo de concretizar as leis no sentido formal, providenciando o

necessário para sua aplicação (art. 84, IV, CF).

Portarias, ordens de serviços, circulares – normas criadas por autoridades do

poder executivo para orientar a atividade da administração a execução das leis. Ex.

uma portaria do Ministério da Saúde.

Instrução – norma emitida por um Ministro de Estado para regulamentar a

execução das leis, decretos e regulamentos (art. 87, parágrafo único, II, CF).

A Jurisprudência

Jurisprudência é o conjunto das decisões uniformes dos tribunais a respeito do

mesmo assunto, o modo uniforme e reiterado pelo qual os tribunais se orientam na

solução de determinada questão jurídica. É, também, chamada de costume

judiciário. Decisão isolada não constitui jurisprudência, embora, em certo tempo,

possa influenciar para uma mudança jurisprudencial. O nome técnico de uma

decisão isolada proferida por Tribunal é acórdão escoteiro. A jurisprudência sempre

emana de um órgão colegiado (mais de um julgador), nunca de um órgão singular

(ex. juiz de primeira instância). Em nosso sistema os Juízes inferiores não estão

vinculados nem às decisões, nem às súmulas dos tribunais. Exceções: Súmulas

Vinculantes (art. 103-A, da CF e Lei 11.417/06), Súmulas Impeditivas de Recursos

(art. 518, do CPC) e decisão proferida pelo STF em Ação Direta de

Inconstitucionalidade e em Ação Declaratória de Constitucionalidade (art. 102, § 2º,

CF).

Sob o aspecto lógico, o costume e a jurisprudência se equiparam, porquanto

ambos são produzidos por indução: casos particulares que podem chegar a um

resultado generalizado, aplicável a todos os outros da mesma espécie.

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Importante: no sistema estrangeiro (EUA e Europa), o termo jurisprudência é

sinônimo de “Ciência do Direito”. A jurisprudência, tal qual conhecemos, é

conhecida, em tais lugares, sob a epígrafe de “precedente” ou “case”.

Fontes Não-Estatais

Costume Jurídico

Costume Jurídico (NÃO confundir com a jurisprudência, que também é conhecida

por costume “judiciário”) é norma jurídica obrigatória, imposta ao setor da

realidade que regula, passível de imposição pela autoridade pública e em especial

pelo Poder Judiciário.

É uma norma "não-escrita", que surge da prática longa, diuturna e reiterada da

sociedade.

Distingue-se, assim, da lei, de plano, pelo aspecto formal. A lei é escrita; o costume

é não escrito.

O costume Jurídico tem outra característica importante: é aquilo que a doutrina

chama de convicção de obrigatoriedade (opinio necessitatis), ou seja, a prática

reiterada, para ter característica de costume Jurídico, deve ser aceita pela

comunidade como de cunho obrigatório.

Há obrigatoriedade de cumprimento do costume Jurídico, porém não ficam muito

claras as conseqüências caso sua prescrição não seja observada.

Isso não significa dizer que não existe sanção, mas sim que esse aspecto é

secundário, e, diante das circunstâncias que fazem nascer o costume Jurídico, a

sanção acaba ficando vaga.

Pode nem haver sanção clara, mas há obrigação de cumprimento, que é

característica decorrente da força da sanção, porquanto o não-cumprimento do

costume Jurídico pode ser exigido judicialmente, tal qual se faz com a lei.

O costume Jurídico surge no e do próprio seio da coletividade.

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Ele é fruto da prática social individualizada, caso a caso; nasce obrigatório porque

as partes envolvidas assim o entendem e se auto-obrigam; provém da convicção

interna de cada partícipe de sua objetivação em fatos sociais particulares, que

obriga a todos os que neles se envolverem. Formado com essa convicção de

obrigatoriedade, pode-se tê-lo como legítimo e atualizado.

Aquele que alega o costume tem o ônus de prová-lo ao Juiz (art. 337, do CPC).

A doutrina classifica o costume em 3 espécies:

a) Segundo a lei (secundum legem) - quando a lei expressamente determina ou

permite a aplicação dele; ex. arts. 113, 165, 597, do CC);

b) Na falta da lei (praeter legem) - quando intervém na falta ou omissão da lei. Ele

funciona, no caso, preenchendo o ordenamento jurídico, evitando o aparecimento

de lacuna ou mesmo integrando eventual lacuna; ex. art. 4º, da Lei de Introdução

às Normas do Direito Brasileiro (LINDB);

c) Contra a lei (contra legem) - quando contraria o disposto na lei. Não é aceito por

parte da doutrina.

Existem 2 tipos de costume contra legem:

- Desuso (desuetudo) - quando uma lei deixa de ser aplicada, por já não

corresponder é realidade e em seu lugar terem surgido regras costumeiras; Ex. o já

revogado art. 217, do Código Penal, que previa o crime de sedução: “Seduzir

mulher virgem, menor de 18 (dezoito) anos e maior de 14 (catorze), e ter com ela

conjunção carnal, aproveitando-se de sua inexperiência ou justificável confiança”;

- Costume "ab-rogatório" - cria nova regra, apesar da existência da lei vigente

(ex. cheque pós-datado, que contraria a Lei 7.357/85, a qual estabelece que o

cheque é uma ordem de pagamento “à vista” e não para data futura).

Doutrina

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É o resultado do estudo que pensadores (juristas e filósofos do Direito) fazem a

respeito do Direito. Em nossa época, quando a especialização se torna

fundamental e a velocidade das transformações está exacerbada, a doutrina

assume papel extremamente relevante para o Direito. Já não é possível que o

legislador, administrador ou Juiz, mesmo especialista, consiga dar conta do

universo de situações existentes, tanto no mundo das normas quanto no da

realidade social. A doutrina nesse processo torna-se essencial para aclarar pontos,

estabelecer novos parâmetros, descobrir caminhos ainda não pesquisados,

apresentar soluções justas, enfim interpretar as normas, pesquisar os fatos e

propor alternativas, com vistas a auxiliar a construção sempre necessária e

constante do Estado de Direito, com o aperfeiçoamento do sistema Jurídico.

Por fim, a doutrina exerce papel fundamental, como auxiliar para entendimento do

sistema Jurídico em seus múltiplos e complexos aspectos.

A doutrina é fonte do Direito.

O fundamento para a aceitação da doutrina como fonte do Direito surge da própria

definição que unanimemente se dá para a doutrina: é o conjunto das investigações

científicas e dos ensinamentos dos juristas (pensadores do Direito).

O pensamento Jurídico dogmático nada mais é do que o conjunto de suas

doutrinas, e corresponde ao locus, onde o estudioso e pesquisador do Direito vai

aprendê-lo e procurar respostas aos problemas encontrados.

Direito Positivo

Direito positivo é o conjunto das normas jurídicas escritas e não-escritas (costume

Jurídico), vigentes em determinado território e, também, na órbita internacional na

relação entre os Estados, sendo o direito positivo aí aquele estabelecido nos

tratados e costumes internacionais.

Esse direito positivo pode ser separado em dois elementos: de um lado, o direito

objetivo e, de outro, o direito e dever subjetivos.

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Ambos os elementos compõem um mesmo direito, de tal forma que o primeiro não

pode existir sem os segundos e vice-versa.

Direito Natural

Corresponde a uma idéia de Justiça, algo que não necessita estar positivado, mas

está na consciência das pessoas, é o mínimo que deve ser assegurado às

pessoas, dada sua condição humana (art. 1º, III, da CF).

Direito Objetivo

É o conjunto, em si, das normas jurídicas escritas e não-escritas,

independentemente do momento de seu exercício e aplicação concreta.

O direito objetivo corresponde à norma jurídica em si, enquanto comando que

pretende um comportamento. É aquele objetivado independentemente do momento

de uso e exercício.

O direito positivo é a soma do direito objetivo com o direito e o dever subjetivos.

Direito Subjetivo

É a prerrogativa colocada pelo direito objetivo, à disposição do sujeito do direito.

Essa prerrogativa há de ser entendida como a possibilidade de uso e exercício

efetivo do direito, posto à disposição do sujeito.

O direito subjetivo é tanto o efetivo exercício do direito objetivo quanto a

potencialidade do exercício desse mesmo direito.

O direito subjetivo está já na potência (possibilidade de exercício) e está também

no exercício efetivo.

Pode haver abuso no exercício do direito subjetivo.

Direitos subjetivos não precisam do exercício ou da constatação de sua

potencialidade para existirem (embora para se garantirem, por vezes, precisem da

utilização de outros direitos subjetivos).

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É o caso dos direitos subjetivos inerentes à pessoa, tais como o direito à vida, à

honra, à imagem etc. São eles direitos subjetivos plenos, de fato, bastando para

tanto a existência da pessoa de direito.

O direito subjetivo se caracteriza pela potencialidade e pelo efetivo exercício do

direito objetivo, podendo o sujeito fazer uso da ameaça desse exercício, que ao ser

efetivado não o pode ser de forma abusiva. Alguns direitos subjetivos, no entanto,

sendo inatos ao sujeito (por garantia e designação do direito objetivo), independem

do exercício, mesmo em potencialidade, para existirem. E, como existem já

plenamente, no caso desses direitos subjetivos, não há que se falar em ameaça ou

mesmo abuso do direito exercitado.

Não se confunda direito subjetivo com o chamado direito-função, que é o exercido

por um sujeito em função de outrem. Ex. o pátrio poder, que é exercido pelos pais,

em função do direito subjetivo dos filhos.

O direito-função é antes dever subjetivo que direito objetivo, visto que tem que ser

exercido. É antes obrigação que prerrogativa.

Dever Subjetivo

A norma jurídica pode pretender obter ações e comportamentos, o que faz

apontando as condutas que devem ser cumpridas, bem como fixando as sanções

(punições) a serem aplicadas àqueles que não cumprem as condutas prescritas, ou

atingem o ato Jurídico praticado de forma proibida ou não aceita pelas normas

jurídicas.

Juntando-se a noção de direito subjetivo com essa noção de obrigação ou dever de

cumprir certa conduta, percebe-se que, se, de um lado, tem-se o direito subjetivo,

isto é, potencialidade ou exercício de um direito, de outro, tem-se um dever

subjetivo, colocado em posição diametralmente oposta.

Não há direito subjetivo sem o outro que o tenha de respeitar.

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E mesmo que estejamos falando de um direito subjetivo que independa do

exercício da prerrogativa para poder existir, como, por ex., o direito à vida, à honra,

à imagem etc., ainda assim sempre existirá o outro. No caso, o outro são todos os

outros, que devem respeitar tais direitos. É um direito que se impõe erga omnes,

isto é, a todos.

A noção de dever e dever subjetivo é imanente ao conjunto de normas jurídicas

objetivas.

Há algo que surge junto com o exercício do direito subjetivo, limitando-o.

Se o direito subjetivo pode ser exercido, mas não de forma ilimitada ou

injustificada, sob pena de ser taxado de abusivo, então o que existe junto desse

direito subjetivo é, no exato momento em que surge o limite, um dever.

O exercício desse direito está limitado por um dever subjetivo. Todo aquele que vai

exercitar seu direito subjetivo só o pode fazer até certo ponto.

Divisão no Direito Positivo

Divisão Geral: Direito Público e Privado

A separação está estabelecida desde o período clássico do direito romano pelo

jurista ULPIANO e tem por função estabelecer dogmaticamente segurança e

certeza para a tomada de decisão.

A divisão em Público e Privado pode ser feita tendo por critérios os sujeitos

envolvidos e a qualidade destes quando estão na relação jurídica; e o Conteúdo

normativo e o interesse Jurídico a ele relacionado.

Direito público é aquele que reúne as normas jurídicas que têm por matéria o

Estado, suas funções e organização, a ordem e a segurança internas, com a tutela

do interesse público, tendo em vista a paz social, o que se faz com a elaboração e

a distribuição dos serviços públicos, através dos recursos indispensáveis à sua

execução. Cuida, também, na ética internacional, das relações entre os Estados.

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Direito privado é aquele que reúne as normas jurídicas que têm por matéria os

particulares e as relações entre eles estabelecidas, cujos interesses são privados,

tendo por fim a perspectiva individual.

Ramos do Direito Público Interno

Direito Constitucional

Engloba as normas jurídicas constitucionais, isto é, aquelas pertencentes à

Constituição, em toda sua amplitude, dentre as quais se destacam as atinentes à

forma e à organização do Estado, ao regime político, à competência e função dos

órgãos estatais estabelecidos, aos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos

etc. Principais normas – CF e Emendas. Lembremo-nos do fenômeno denominado

Bloco de Constitucionalidade, hipótese em que a CF considera com uma norma

que se encontra fora de seu texto, com status de norma constitucional (ex. art. 5º, §

3º, da CF). Ex. Decreto 6.949/09, que tornou norma interna a Convenção de Nova

York, ratificada pelo Brasil em 2007.

Direito Administrativo

Corresponde ao conjunto de normas jurídicas que organizam administrativamente o

Estado, fixando os modos, os meios e a forma para a consecução de seus

objetivos.

Tais normas estruturam e disciplinam as atividades dos órgãos da Administração

Pública direta e indireta, as autarquias, as empresas públicas, as entidades

paraestatais etc.

Referem-se, ainda, ao Poder de Polícia da Administração, o que envolve não só os

aspectos de segurança pública, de garantia da integridade física e moral das

pessoas e das suas propriedades mas também o de Polícia Administrativa,

montado nos vários setores de fiscalização existentes, o controle e a preservação

dos bens públicos e as limitações dos direitos sobre bens dos particulares etc.

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Disciplinam também os serviços públicos e suas permissões e concessões, os

critérios de oportunidade dos atos discricionários etc. Enfim, regulam todos os atos

e procedimentos administrativos. Principais normas: Lei de Improbidade, Lei de

Licitações e Contratos Administrativos, Constituição Federal etc.

Direito Tributário

Envolve as normas jurídicas voltadas para a arrecadação de tributos, bem como as

que cuidam das atividades financeiras do Estado, regulam do suas receitas e

despesas.

Seus principais instrumentos legais são a própria Constituição Federal, o Código

Tributário Nacional e uma série de leis esparsas.

Direito Financeiro

Compreende o conjunto de normas e princípios que disciplinam a atividade dos

órgãos do Poder Judiciário e das pessoas que com eles entram em contato ou que

lhes prestam colaboração. É a atividade estatal destinada a conseguir meios para

acudir às necessidades públicas, ou seja, são os meios para o Estado

desempenhar as suas atividades fim. Principais normas: Constituição Federal, Lei

de Responsabilidade Fiscal e Lei 4.320/64.

Direito Processual

Regula o processo judicial, bem como a organização judiciária.

Engloba as normas jurídicas que cuidam das regras relativas à ação judicial, isto é,

do direito de ver qualquer pretensão sendo analisada e julgada pelo Poder

Judiciário.

O Direito Processual está dividido por áreas relativas ao direito material, com 3

subdivisões básicas:

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a) Direito Processual Civil - regula as situações relativas à órbita civil, comercial,

fiscal, administrativa, do consumidor etc.; seu principal instrumento é o Código de

Processo Civil.

b) Direito Processual Penal - regula as situações relativas à órbita penal; seus

principais textos legais são o Código de Processo Civil, as leis das execuções

penais e Lei dos Juizados Especiais Criminais.

c) Direito Processual do Trabalho - regula as situações relativas à órbita trabalhista.

Serve-se ele, subsidiariamente, para os casos não previstos, do Direito Processual

Civil; sua principal base legal é a Consolidação das Leis do Trabalho e o Código de

Processo Civil (que possui aplicação subsidiária à CLT).

Direito Penal

Corresponde ao conjunto das normas jurídicas que regulam os crimes e as penas

aplicáveis, e as contravenções penais com as correspondentes penas aplicáveis.

Seus principais instrumentos legais são o Código Penal e a Lei das Contravenções

Penais, acrescidos de diversas leis esparsas.

Direito Eleitoral

Compõe-se do conjunto das normas jurídicas que disciplinam a escolha dos

membros do Poder Executivo e Legislativo.

Essas normas estabelecem os critérios e condições para o eleitor votar, para

alguém se candidatar, bem como as datas das eleições, as formas das apurações,

o número de candidatos a serem eleitos, fixando as bases para a criação e o

funcionamento dos partidos políticos etc. Principais normas – CF, LC 64/90, Código

Eleitoral, Lei 9.504/97.

Direito do Trabalho

Engloba as normas jurídicas que regulam as relações entre o empregado e o

empregador (patrão), compreendendo o contrato de trabalho, o registro do

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empregado, a rescisão, a despedida, as verbas trabalhistas, os salários e seus

reajustes, a duração da jornada de trabalho etc.

Essas normas regulam, também, o chamado Direito Coletivo do Trabalho, que trata

dos acordos coletivos de trabalho, da organização sindical, do direito de greve etc.

Seu principal diploma legal é a Consolidação das Leis do Trabalho, de 1º/05/1943,

acrescida e alterada por uma série de leis esparsas (lei de acidente do trabalho, do

empregado domésticos, do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS etc.),

bem como a própria CF. Embora classificado por parte da doutrina como ramo do

direito privado, é fato que a maioria das normas que compõe o direito do trabalho

têm natureza cogente, o que o torna um ramo “sui generis”, não cabendo aqui

maiores discussões sobre o tema.

Direito Previdenciário

É o ramo do Direito que engloba as normas jurídicas que cuidam da Previdência

Social, através dos seus órgãos (INSS etc.), estabelecendo os benefícios e as

formas de sua obtenção (auxílio-doença, auxílio-maternidade etc.), regrando a

aposentadoria por tempo de serviço e por invalidez, o direito à pensão na viuvez,

as formas de manutenção e custeio do sistema etc.

Seu principal instrumento legal é a Consolidação das Leis da Previdência Social e

a CF.

Direito Econômico

É o ramo do Direito que se compõe das normas jurídicas que regulam a produção e

a circulação de produtos e serviços, com vistas ao desenvolvimento econômico do

País, especialmente no que diz respeito ao controle do mercado interno, na luta e

disputa lá estabelecida entre as empresas, bem como nos acertos e arranjos feitos

por elas para explorarem o mercado. São normas que regulam monopólios e

oligopólios, tentam impedir concorrência desleal etc. Tais normas estão espalhadas

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em leis esparsas, dentre as quais se destacam a CF, a Lei Antitruste (Lei 8.884/94),

a Lei de Economia Popular, a Lei de Livre Concorrência etc.

Direito do Consumidor

No Brasil está elaborado através do Código de Defesa do Consumidor, que é seu

principal instrumento. Em vigor desde 1º/03/1991 (Lei 8.078/90), o CDC regula as

relações potenciais ou efetivas entre consumidores e fornecedores de produtos e

serviços.

As normas do CDC, instituídas para a proteção e defesa do consumidor, são de

ordem pública e interesse geral.

Consumidor, para esse sistema legal, é "toda pessoa física ou jurídica que adquire

ou utiliza produto ou serviço como destinatário final" (art. 2º CDC), ao qual se

equipara "a coletividade de pessoas, ainda que indetermináreis, que haja intervindo

nas relações de consumo" ( único do art. 2º CDC). Equiparam-se também ao

consumidor todas as vítimas de evento danoso (art.17 CDC), bem como "todas as

pessoas determináveis ou não, expostas às práticas" comerciais (art. 29 CDC).

Fornecedor "é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou

estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades

de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação,

exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços"

(art. 3º CDC).

Produto "é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial" ( 1º do art. 3º

CDC).

Serviço "é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante

remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária"

( 2º do art. 3º CDC). Está excluída da abrangências do CDC, como se viu, a

prestação de serviço oferecida a título gratuito. As de caráter trabalhista também

estão excluídas, e continuam regidas pela CLT e demais normas jurídicas

trabalhistas.

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As relações existentes entre os próprios fornecedores, isto é, de fornecedor a

fornecedor, continuam regidas pela legislação já existente (civil, comercial, penal

etc.).

Direito Ambiental

É composto das normas jurídicas que cuidam do meio ambiente em geral, tais

como a proteção de matas, florestas e animais a serem preservados, o controle de

poluição e do lixo urbano etc.

Tais normas jurídicas estão fixadas na CF e em uma série de leis esparsas.

Direito Internacional Privado

É o ramo composto pelas normas jurídicas que regulam as relações privadas no

âmbito internacional.

Como as normas jurídicas têm vigência e eficácia apenas no território do respectivo

Estado, só podem produzir efeitos em território de outro Estado se este aceitar.

Trata-se, de fato, de "conflito de leis" e por isso há que se definir qual a lei a ser

aplicada: em função da nacionalidade ou domicílio da pessoa; da situação da

coisa, objeto do direito; e do lugar em que foi realizado o ato.

A norma jurídica fundamental que cuida do assunto é a Lei de Introdução às

Normas do Direito Brasileiro (LINDB), somente em seus arts. 7º a 19.

“O Direito Internacional privado é nacional e público”.

Direito Internacional Público

Compõe-se das normas convencionais (tratados internacionais, também chamados

de convenções, pactos, convênios, acordos) e dos costumes Jurídicos

internacionais.

Tratado internacional é o acordo realizado por Estados independentes, visando à

ordenação, através de cláusulas que se tornam normas jurídicas, de temas de

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interesse comum. As normas estabelecidas nos tratados obrigam os Estados que

vierem a ratificá-los, ou que os celebrarem, ou que a eles vierem a aderir.

O Estado pode aderir a um tratado com reservas, isto é, ressalvando por escrito,

expressa e especificamente, que não acata determinadas cláusulas e normas lá

estabelecidas.

Pode, também, o Estado, após celebrar o tratado, aderir a ele ou ratificá-lo, desistir

dele, através do uso da "denúncia". Por esse instrumento, entregue a todos os

outros Estados que são parte no tratado, o Estado expressa que não vai mais

observar as cláusulas e normas nele contidas. O tratado passa a ter vigência e

obrigatoriedade no regime de direito interno, após celebrado pelo Presidente da

República (CF art. 84, VIII) e aprovado pelo Congresso Nacional (CF art. 49, I). Os

costumes Jurídicos internacionais são os usos observados e reconhecidos de

forma uniforme pelos Estados soberanos, nas suas relações. Não são exatamente

como os costumes Jurídicos da ordem interna.

São mais usos e práticas aceitos como obrigatórios pelos Estados que assim os

observarem, resultando, então, dos atos reiterados dos Estados nas relações da

esfera internacional.

Vide, também, o disposto no art. 5º, § 3º e 4º, da CF (introduzidos pela EC 45/04).

Ramos do Direito Privado

Importante – a partir da CF de 1988, o Direito Privado perdeu boa parte do seu

caráter individualista, havendo uma série de limitações relacionadas à ordem

pública (ex. não é possível se casar e na escritura renunciar ao dever de fidelidade

ou a outros deveres previstos no art. 1566, do CC; ex. arts. 187, 421 e 422, do CC).

Direito Civil

É também conhecido como direito comum. Ele engloba as normas jurídicas que

regem, entre outros, a capacidade e o estado das pessoas, o nascimento, o fim, o

nome, a maioridade etc.; as relações familiares (casamento, separação, divórcio,

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relações de parentesco, pátrio poder etc.), as relações patrimoniais e obrigacionais

(direitos reais e pessoais, posse, propriedade, compra e venda, contrato etc.), a

sucessão hereditária (divisão, espólio, meação, testamentos etc.).

Seu principal diploma legal é o Código Civil Brasileiro (Lei 10.406/2002), bem como

outras leis esparsas (Lei do Inquilinato, Lei do Divórcio, Lei do Bem de Família,

Estatuto da Criança e do Adolescente etc.).

Direito Comercial (Empresarial)

Engloba as normas jurídicas que regulam a atividade comercial, entendida esta

como a de fabricação, produção, montagem, distribuição, comercialização etc. de

produtos, nas relações estabelecidas entre as próprias pessoas que exercem tais

atividades, bem como os serviços prestados de umas às outras.

Seu principal instrumento legal é o Código Civil de 2002, que revogou a primeira

parte do Código Comercial, bem como este último e outras leis extravagantes (Lei

de Falências e Recuperação Judicial de Empresas, Lei das Sociedades por Cotas

de Responsabilidade Limitada, Lei das Sociedades Anônimas, Lei da

Representação Comercial etc.).

NORMA JURÍDICA

É um comando, um imperativo dirigido às ações dos indivíduos. É regra de conduta

social, sua finalidade é regular as atividades dos sujeitos em suas relações sociais.

A norma jurídica imputa certa ação ou comportamento a alguém, que é seu

destinatário.

A norma jurídica pressupõe 3 elementos:

a) hipótese – previsão abstrata de uma situação ou de um comportamento;

b) mandamento – comando, ditame de caráter obrigatório;

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c) sanção – conseqüência desfavorável imputada a alguém pela violação da

norma.

Ex. art. 121 do Código Penal: “Matar alguém. Pena – reclusão de 6 a 20 anos”.

Hipótese: “matar alguém”; mandamento: “não mate”; sanção: “reclusão de 6 a 20

anos”.

Pertence ao mundo do dever-ser (söllen), operando com modais deônticos, que

são:

- proibição;

- obrigatoriedade;

- permissão.

Distingue-se das normas morais por ser positivada e pela sanção (embora haja

normas sem sanção, as chamadas leis imperfeitas).

Subsunção – amoldar do fato concreto à hipótese (abstrata) prevista em lei.

Sanção – conseqüência desfavorável (mal justo) imposta àquele que transgride a

norma.

Coerção – ameaça abstrata de sanção.

Coação – sanção concretizada.

A norma jurídica, portanto, tem as seguintes características:

a) generalidade – se dirige a todos, sem qualquer distinção (eficácia erga omnes);

b) imperatividade – impõe deveres e condutas para os membros da coletividade;

c) permanência – perdura até que seja revogada ou por outra ou que perca a

eficácia;

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d) competência – deve emanar da autoridade competente, com o respeito ao

processo de elaboração estabelecido na Constituição federal;

e) autorizante – a norma autoriza ou não autoriza determinada conduta (Kelsen)

Classificação das normas jurídicas

Quanto à hierarquia: “Pirâmide” de Kelsen.

Quanto à natureza de suas disposições

a) substantivas (materiais) – criam, declaram e definem direito, deveres e relações

jurídicas; Ex. o Código Civil.

b) adjetivas (processuais) – regulam o modo e o processo para acesso ao Poder

Judiciário. Ex. o Código de Processo Civil.

Quanto à aplicabilidade

a) auto-aplicáveis – entram em vigor independentemente de qualquer norma

posterior;

b) dependentes de complementação – declaram expressamente sua

necessidade de complementação por outra norma. Ex. art. 7º, XI, 192, 195, 5º,

XXXII, CF.

c) dependentes de regulamentação – designam geralmente que órgãos do

Executivo definirão e detalharão sua aplicação e executoriedade. Surgem em forma

de decreto regulamentar. Ex. Decreto n. 99.684/90, que regulamentou a Lei

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8.036/90, explicitando, detalhando, tratando de infrações e da fiscalização do

FGTS.

Quanto à sistematização

a) constitucionais – previstas na CF ou em outras normas que a CF considera

como constitucionais (bloco de constitucionalidade – art. 5º, par. 3º, da CF)

b) codificadas – norma que prevê a regulamentação unitária de um mesmo ramo

do direito (ex. CC, CPC etc.)

c) esparsas – tratam, com especificidade, de certo tema de um dos ramos do

direito.

d) consolidadas – regulam, de maneira unitária, leis pré-existentes (ex. CLT, que

é formada por um conjunto de leis esparsas, que acabaram sendo reunidas num

corpo único).

e) estatutárias – regulamentação unitária dos interesses de uma categoria de

pessoas (Ex. Estatuto do Idoso, Estatuto do Índio, Estatuto da Criança e do

Adolescente etc.). O CDC não pode ser considerado um Estatuto, pois não há

como identificar quem é consumidor (potencialmente todos, indistintamente, são

consumidores).

f) compiladas - repertório de normas organizadas em ordem cronológicas ou por

matéria.

Quanto à obrigatoriedade

a) cogentes ou injuntivas (de ordem pública) – são leis de ordem pública e não

podem ser modificadas pela vontade das partes ou do juiz. São imperativas quando

ordenam um certo comportamento e são proibitivas quando vedam um

comportamento. Ex. art. 11 ao 21, 421 e 422, do Código Civil;

b) dispositivas ou supletivas (permissivas) – tutelam interesses patrimoniais e,

por isso, podem ser modificadas pela vontade das partes. Ex. normas contratuais.

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Quanto à esfera do poder de que emanam

Federais, estaduais e municipais.

Quanto à sanção

a) mais que perfeitas – nulidade e pena. Pessoa casada se casar: art. 1548, II,

CC e 235, CP;

b) perfeitas – nulidade. Alienação de bens sem outorga uxória, que torna nulo o

negócio;

c) menos que perfeitas – pena: o divorciado que se casar sem realizar a partilha

dos bens sofrerá como sanção o regime da separação de bens, não obstante a

validade de seu novo casamento;

d) imperfeitas – não há conseqüência (ou porque a norma não prevê

conseqüência em caso de violação ou por tratar-se de norma meramente

explicativa, interpretativa). Ex. norma municipal que determina que antes de

adentrar ao elevador deve-se verificar se o mesmo se encontra parado no andar;

ex. art. 327, do CP, que define o que é “funcionário público” para fins penais.

Leis de efeito concreto

Produzem efeitos imediatos, pois trazem em si mesmas o resultado específico

pretendido. Ex. lei que proíbe certa atividade. Via de regra, não cabe Mandado de

Segurança contra a lei, exceto se tratar-se, no caso, de lei de efeito concreto.

Leis quanto à especialidade

a) normas gerais – são as normas que discorrem sobre todo um ramo do Direito.

Temos, como exemplo, o Código Civil que é a norma geral do ramo civil;

b) normas especiais – são as que regulam determinado ramo do Direito. Exemplo

claro é a Lei do Divórcio, que trata de um aspecto dentro do ramo civil. Dentre as

leis especiais, há as de caráter extravagante, que têm por objetivo cuidar de tema

já codificado. É o caso da Lei de Locações que modificou parte do Código Civil

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quanto ao referido contrato que, por sua vez, também era abordado de maneira

geral.

A lei especial é preferível em relação à lei geral, ante o fato de a primeira ter sido

elaborada com maior rigor pelo jurista, versando sobre uma determinada matéria

com maior acuidade. Em verdade, há uma estratégia em criar leis especiais: evitar

que a lei geral seja demasiadamente ampla. Logo, tanto a lei geral quanto a lei

especial devem coexistir pacificamente.

Caso haja antinomia (conflito entre as disposições das normas), deve-se preferir a

norma mais recente, entendendo-se que a norma mais antiga foi tacitamente

revogada pela norma mais nova.

Quanto à cronologia

a) permanentes – não têm prazo certo para vigorar, ou seja, têm prazo de vigência

indeterminado, vigendo até que outra a modifique ou revogue (artigo 2.º da Lei de

Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB;

b) temporárias – têm prazo certo para vigência, subdividindo-se em:

- expressas: os prazos de vigência estão expressamente disciplinados na própria

norma. Nesse caso, a norma tem conteúdo auto-revogatório (leis de vigência

temporária);

- tácitas: apesar de tais normas não terem prazo de vigência, são leis que vigoram

apenas para uma situação especial. Com a cessação do fato, ou da situação,

cessa também a norma (leis excepcionais).

A norma poderá ser eficaz e não ser efetiva, como no caso do casamento pelo

regime dotal. É uma norma eficaz, considerando sua não-revogação; no entanto,

não é efetiva, pois caiu em desuso.

O princípio fundamental é de que a lei posterior revoga a anterior.

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A ausência de norma é denominada anomia ou (lacuna); o conflito (contradição)

entre normas é chamado antinomia.

INTERPRETAÇÃO DA NORMA JURÍDICA

O direito não é composto apenas por normas, mas, também, por princípios. Essa,

pois a idéia do chamado “sistema” no Direito. As normas nunca devem ser vistas

isoladamente, mas, sim, interagindo dentro do “sistema” (norma + outras normas +

princípios).

Nesse sentido, cabe ao operador do Direito a tarefa de descobrir a intenção do

legislador e a eventual incidência e alcance do texto normativo ao caso concreto.

Para alguns autores, a exemplo de EROS ROBERTO GRAU, a norma surge pelo

confronto entre texto e caso concreto. Em razão disso, interpretar e aplicar o Direito

são expressões sinônimas. A interpretação do direito não pode ser dissociada da

sua aplicação, afirma que interpretar é “dar concreção (= concretizar) ao direito”,

reconhecendo para tanto, como único intérprete, verdadeiramente, autêntico o Juiz,

que é o responsável pela construção da norma decisão.

Cabe, pois, a interpretação, para justificar um posicionamento adotado. O próprio

EROS GRAU diz que o juiz, ao se deparar com o caso concreto, já toma uma

decisão. Após, vai buscar no sistema jurídico, embasamento para justificar sua

decisão. Em virtude disso, o mesmo caso, submetido a diversos juízes, não terá

decisão uniforme. Eis a atividade interpretativa.

EROS GRAU faz interessante metáfora em relação à interferência do pesquisador

no objeto pesquisado: a metáfora da Vênus de Milo. A metáfora retrata a

contratação de 03 artistas para produzirem cada um, uma estátua da Vênus de

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Milo. Como resultado, cada um produzirá uma estátua diferente, mesmo todos

tendo o mesmo objeto. Não são três estátuas totalmente distintas umas da outras

(afinal são todas “Vênus de Milo”), mas não são as mesmas estátuas. Esse

também é o resultado da interpretação, sendo distinta de acordo com o seu

intérprete.

A exegese é um momento muito rico, ímpar e necessário. Os casos não são

idênticos, podem ser parecidos, mas nunca haverá um caso idêntico a outro. Por

essa razão, EROS GRAU chegou a dizer, em 1997 (Simpósio Internacional de

Semiótica do Direito realizado na Faculdade de Direito da USP), que a súmula

vinculante seria um golpe, um estelionato, pois tolheria a atividade interpretativa do

juiz.

Logo, na opinião de referido autor, a interpretação é sinônimo de prudência

(baseado nos ensinamentos de Aristóteles), daí falar-se em jurisprudência,

sinônimo de decisões reiteradas dos Tribunais (Brasil) ou entende-la como

sinônimo de Ciência do Direito (EUA e Europa).

Diferenças:

Hermenêutica – ciência que cuida da interpretação.

Exegese – atividade prática, concreta, de interpretar o Direito.

Importante: “Todo exegeta é um hermeneuta, mas nem todo hermeneuta é um

exegeta” (MIGUEL REALE).

Interpretação, portanto, é o processo lógico que procura estabelecer a vontade

contida na norma jurídica. Por meio dela descobre-se O VERDADEIRO SENTIDO

DA LEI.

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FUNÇÕES DA INTERPRETAÇÃO

MARIA HELENA DINIZ menciona que as funções da interpretação são as

seguintes:

a) conferir a aplicabilidade da norma jurídica às relações sociais que lhe deram

origem;

b) estender o sentido da norma a relações novas, inéditas ao tempo de sua

criação;

c) temperar o alcance do preceito normativo, para fazê-lo corresponder às

necessidades reais e atuais de caráter social, ou seja, aos seus fins sociais e aos

valores que pretende garantir.

IMPRESCINDIBILIDADE DA INTERPRETAÇÃO

A interpretação sempre é necessária, logo, o brocardo in claris cessat interpretatio

deve ser refutado, pois, para se chegar à conclusão de que uma norma é clara,

necessário, pois, que se a tenha interpretado anteriormente.

É preciso que se tenha em mente o seguinte: na lei não há palavras inúteis, tudo

tem um sentido e não se pode admitir a chamada antinomia (contradição).

Regras (ou técnicas) de interpretação

Cumpre destacar que todas as regras (ou técnicas) de interpretação a seguir

explicitadas não se operam isoladamente. Ao contrário, elas se completam. KARL

ENGISCH recomenda que o cientista do Direito, na hermenêutica, utilize todos os

métodos (ou regras) a seguir apontados.

a) autêntica – HANS KELSEN utilizava essa denominação para designar a

interpretação contida na própria norma jurídica (normas explicativas). Não é bem

uma interpretação, é a própria norma, pois procede do próprio legislador, sob a

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forma de outra lei. KELSEN denominava as demais interpretações como

“inautênticas”. Toda vez que uma lei é elaborada para interpretar outra lei, está

presente a interpretação autêntica (a fonte é a mesma). Ex. art. 327 do CP, que

define o que é funcionário público; art. 150, §§ 4º e 5º, do CP, que definem o que é

“casa”;

b) judicial – é feita por juízes e tribunais, por meio de suas decisões. Essas

decisões só têm força no próprio caso julgado. Mas quando o mesmo assunto é

decidido de forma reiterada, uniforme, pelos tribunais, pode influir em casos

semelhantes. Trata-se da jurisprudência (também chamada de costume

judiciário). Não é obrigatória, exceto: súmulas vinculantes (103-A, CF) e nas

decisões proferidas pelo STF em ADI e ADECON (art. 102, § 2º, CF).

c) doutrinária – é a interpretação dos estudiosos do Direito, dos comentadores,

dos juristas, dos autores de livros, artigos, teses etc. Orienta, influi decisões,

especialmente quando a interpretação é defendida por grande número de juristas.

Também não é obrigatória.

d) gramatical – ocorre por meio da análise das palavras do texto normativo, de

suas funções sintáticas e semânticas. Por meio dela o intérprete mantém o primeiro

contato com o texto posto. Ex. art. 334, I, do CPC: fatos notórios independem de

prova. O que é fato notório??? Por meio da interpretação gramatical, também, se

corrigem erros de redação encontrados no texto normativo. Ex. CC/1916

art. 6º São incapazes, relativamente a certos atos (art. 147, I), ou à maneira de os

exercer: I - os maiores de 16 (dezesseis) e os menores de 21 (vinte e um) anos

(arts. 154 a 156);”

Ex. art. 421, CC/2002, onde consta erroneamente a expressão “liberdade de

contratar”, quando, em verdade, deveria constar “liberdade contratual”.

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e) lógica – leva em consideração os instrumentos fornecidos pela lógica para a

interpretação. Ex. artigo 235 do CP define o crime de BIGAMIA (BI = dois; isto é;

casar duas vezes). E três, quatro, cinco casamentos, não seria crime? Claro que

sim (a poligamia está incluída na bigamia). Se a lei proíbe o menos, deve proibir

também o mais.

f) sistemática – leva em conta norma inserida dentro do sistema jurídico (norma

isolada + demais normas + princípios), não somente a norma isolada. Ex. art. 157,

§ 3º, do CP - matou para roubar (latrocínio). Vai a júri? Não, pois o crime está

inserido no título “dos crimes contra o patrimônio”, dentro do CP.

g) teleológica (logos de lo razonable) – considera os fins os quais a norma se

dirige. Leva em conta a finalidade para a qual a norma foi criada. Não se vale de

um raciocínio matemático, mas, sim de uma lógica do razoável, do humano. Está

no artigo 5º da LINDB e é um comando ao juiz, não uma faculdade. Ex. O Estatuto

da Criança e do Adolescente criou normas incriminadoras. Qual o fim? Proteger

crianças e adolescentes.

A expressão “logos de lo razonable” foi criada pelo jusfilósofo mexicano LUIS

RECASENS SICHES, que dissertou sobre o assunto em várias oportunidades,

especialmente no livro "Nueva Filosofia de la Interpretación del Derecho", publicado

em 1956, e referido em "Tratado General de Sociologia", México, 1974, em nota de

rodapé.

É possível, verifica-la, também, nas cláusulas gerais, técnica empregada na

elaboração do novo Código Civil. Juiz tem campo maior para decidir, mas o vetor

será a dignidade da pessoa humana.

h) histórica – se preocupa em investigar os antecedentes da norma, o momento

histórico no qual ela surgiu, quais eram as condições sociais, políticas, econômicas

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da época. Ex. art. 233, do CP: ato obsceno. O ato obsceno de 1940, época em que

o CP foi elaborado, tinha outro sentido em relação ao ato obsceno de hoje.

i) declarativa (especificadora) – verifica-se que o espírito da norma corresponde

exatamente à letra da norma. Ex. artigo 141, inciso III, do CP: a expressão “várias

pessoas” deve ser entendida como “mais de duas pessoas”, porque sempre que o

CP se refere se refere a um mínimo de duas pessoas, o faz de forma expressa

(como se verifica nos artigos 155, § 4º , IV, 157, § 2º, II e 226, I, do CP)

j) restritiva – verifica-se que a letra da norma falou mais que o espírito da norma,

logo, é necessário reduzir o alcance do texto. Ex. art. 28 do CP – quando fala em

emoção, paixão e embriaguez não inclui essas formas patológicas (porque aí se

aplica o artigo 26). Então o alcance do artigo 28 é restrito às formas não

patológicas.

l) extensiva – verifica-se que a letra da norma falou menos que o espírito da

norma, logo, é necessário ampliar o alcance do texto. Ex. - artigo 260 do CP –

...“estrada de ferro”... E o metrô? É também estrada de ferro? Sim, por extensão... ;

artigo 176, do CP – “restaurante” (inclui lanchonete, bar etc.); artigo 130, do CP – a

lei incrimina não só a situação de perigo, mas, também, o próprio dano.

m) progressiva – o intérprete vale-se da interpretação progressiva quando novas

concepções entram no âmbito da lei. As transformações sociais, a evolução

científica e jurídica determinam o aparecimento de novos conceitos que atualizam a

lei, sem necessidade de alteração legislativa. Ex.: artigo 129, § 1º, II do CP fala em

“perigo de vida” e o artigo 131 quando fala em “moléstia grave”. Diante do avanço

da Medicina, o “perigo de vida” e a “moléstia grave” de 1940 (quando essas normas

foram elaboradas) não são os mesmos dos dias atuais. O mesmo se diga em

relação a ato libidinoso (art. 217-A, CP) e ato obsceno (art. 233, CP).

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n) analógica – É permitida sempre que, após uma fórmula casuística, segue-se

uma cláusula genérica. Aplica-se a casos análogos.

Exemplos:

- artigo 71 do CP – e “outras semelhantes”

- artigo 61, II, c – “ou outro recurso”

- artigo 157 – “por qualquer meio”

- artigo 121, § 2º, IV – “ou outro recurso”

- artigo 121, § 2º, III – “ou de que possam resultar perigo comum”

Artigo 61

- fórmula casuística: à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação.

- fórmula genérica: ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do

ofendido.

Não se confundem “analogia” e “interpretação analógica”. Analogia é mecanismo

de integração da lei (art. 4º, da LINDB e art. 126, do CPC). Não é interpretação. Na

analogia aplica-se o conteúdo de uma lei a casos não abrangidos pela vontade da

própria lei.

o) legislação comparada – interpreta-se a norma comparando-a com o direito

vigente em outros países.

A Boa-fé Objetiva como paradigma a ser considerado pelo intérprete

Boa-fé objetiva é uma regra de conduta a ser observada pelas partes envolvidas

numa relação jurídica. É composta pelo dever fundamental de agir em

conformidade com os parâmetros de lealdade e honestidade, antes, durante e após

o exaurimento da relação jurídica (fit quod dicitur). É uma cláusula geral, não um

princípio. Ao interpretar-se a norma jurídica, sempre deve ser levado em conta o

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paradigma da boa-fé objetiva, decorrência lógica do princípio constitucional da

dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF).

Recordando: qual regra de interpretação é a correta? Todas, tudo dependerá do

caso concreto. Em princípio, a primeira a ser utilizada é a gramatical.

A LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO (LINDB) (Dec.

Lei 4.657/42, alterado pela Lei 12.376, de 30 de dezembro de 2010)

Em verdade, referida norma, conforme já advertia GERALDO ATALIBA, deveria ser

denominada “Lei Geral de Aplicação das Normas Jurídicas”, vez que seria uma

nomenclatura mais técnica. É aplicável a qualquer ramo do Direito (com exceção

do Penal e do Tributário, no qual há aplicação mitigada da LINDB).

A LINDB estabelece os alicerces de nosso sistema jurídico (arts. 1º ao 6º) e

constitui nosso Direito Internacional Privado (arts. 7º a 19), sendo considerada

norma de sobredireito ou norma de apoio, de acordo com a definição da

doutrina, apresentando institutos e regras que abrangem todos os ramos do Direito.

Podemos encontrar vários objetos para a referida lei. Os principais são:

Alcance da LINDB

Art. 1º - eficácia temporal das normas

Art. 2º antinomia – conflito de normas – validade e vigência

Art. 3º - obrigatoriedade das normas por meio de erro de direito (princípio da

inescusabilidade)

Art. 4º - anomia (ausência norma) – figura da lacuna (aporia)

Art. 5 º - hermenêutica jurídica (regra fundamental)

Art. 6º - direito intertemporal (direito adquirido)

Art. 7º a 19 – direito internacional privado (normas de conexão)

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A LINB é considerada “lex legum” do ordenamento jurídico, ou seja, uma

sobrenorma, pois sobrepaira o ordenamento. Não é sobrenorma por hierarquia, vez

que ela é um decreto que hoje é lei ordinária.

A LINDB não contém regras de comportamento. Seu tema é somente “norma

jurídica” e “direito internacional privado”.

Integração da norma jurídica

Uma das características do direito dogmático é a proibição do non liquet, isto é, o

magistrado deve solucionar todos os conflitos intersubjetivos compreendidos nos

limites de sua jurisdição e competência. Ou seja, ele não pode alegar

desconhecimento ou lacuna (ausência) da lei.

O sistema apresenta soluções distintas:

a) quanto ao desconhecimento: o juiz só pode alegá-lo quando tratar-se de

direito municipal e estadual fora da sua jurisdição, direito consuetudinário

(costumeiro) e estrangeiro. É a regra do art. 337, do CPC. Exceção: para os países

integrantes do Mercosul, existe o protocolo de Las Leñas (Dec. 5/92), pelo qual se

acordou que o juiz não pode alegar desconhecimento nem pedir tradução

juramentada de leis de tais países.

b) quanto às lacunas: o art. 4º da LINDB diz que quando a lei for omissa, o juiz

decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do

direito. Lacuna/aporia: é uma situação conflituosa que não encontra, em princípio,

uma solução no ordenamento jurídico.

Quanto à classificação ela pode ser:

a) normativa: inexistência de lei no caso concreto;

b) ontológica: a norma é inadequada ao caso concreto ex: 1412, §2º, CC;

c) axiológica: a lei é injusta para o caso concreto.

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Assim tem-se a lei como mecanismo principal para a solução de lacunas

(integração da norma), e como mecanismos acessórios, a analogia, os costumes e

os princípios gerais do direito. Entretanto, analogia é um uso indireto da lei no caso

concreto (onde há a mesma razão, deve haver o mesmo direito).

Deve-se obedecer à ordem cronológica do art. 4º, da LINDB no caso concreto:

tentar a lei, se não der, usa-se a analogia e se não der usam-se os costumes...

MÉTODOS DE INTEGRAÇÃO DA NORMA JURÍDICA

a) analogia: é o preenchimento de uma lacuna com base em norma já existente

para caso semelhante, pois, onde há a mesma razão, deve haver o mesmo direito.

Espécies:

- analogia legis: o juiz compara com a lei já existente. Ex. para casos

referentes ao contrato de distribuição, o juiz se vale da lei de

representação comercial;

- analogia iuris: o juiz compara com o sistema jurídico como um todo,

não se valendo de uma norma, mas de várias normas.

b) costume: além de fonte do direito, o costume é mecanismo de integração da

norma jurídica. Nasce em um determinado grupo social e tem como características

a diuturnidade (reiteração de comportamento no tempo) e a opinio necessitatis

(crença na obrigatoriedade em agir de determinada maneira). Obs: é ônus da parte

que alegar os costumes prová-los (art. 337, CPC).

c) princípios gerais de direito: são aqueles princípios sobre os quais a ordem

jurídica se constrói. São princípios de justiça, de liberdade, de igualdade, de

dignidade da pessoa humana. Constituem regramentos básicos aplicáveis a um

determinado instituto ou ramo jurídico, visando a auxiliar o aplicador do Direito na

busca da justiça e da pacificação social. Ex. a máxima romana que preconiza que

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os mandamentos do direito são “viver honestamente, não lesar a ninguém e dar a

cada um o que é seu” ou, ainda no direito romano, quando se afirmava que “os

contratos deveriam ser respeitados” (pacta sunt servanda).

Apesar do art. 4º, da LINDB, silenciar, a doutrina admite um 4º critério para

integração da norma jurídica:

d) equidade: consiste em aplicar a lei de modo justo. Vem do latim aequitas,

designa equilíbrio. É a idéia de justiça que o juiz tem em função do caso concreto.

Seu uso só é permitido se o sistema permitir, devido ao alto grau de subjetivismo.

Exemplos: fixação de honorários nas ações que não possuem valor econômico (art.

20, §3º, CPC); redução de cláusula penal (art. 413, par. único, CC); redução de

valor de indenização quando houver desproporção entre o dano e o grau de culpa

(art. 944, par. único, CC).

Antinomia

É a incompatibilidade de normas dentro do sistema jurídico, impossibilitando a

incidência e a aplicação de uma delas em virtude de não ser consistente na

presença de outra norma ou fonte formal do direito

Classificação:

1- Quanto à solubilidade:

a) reais: aquelas que não possuem qualquer regramento de solução. O

intérprete deve apenas resolvê-la no caso concreto sem eliminá-la pelos critérios

hierárquico, cronológico e da especialidade.

b) aparentes: são as contradições solúveis por meio dos critérios citados

2- Quanto à natureza:

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a) próprias: se verificam por motivos formais, visto que enquanto uma norma

permite a outra proíbe. Ex: o CC proíbe o casamento entre tios e sobrinhos, mas o

Decreto 3200/41 autoriza-o desde que elaborado um laudo médico que comprove

não haver prejuízo à prole (malformação etc.);

b) impróprias: são as contradições que provêm do conteúdo material das

normas. Ex: conflito entre os princípios acolhidos por normas que protegem valores

opostos, como no caso de uma norma que prestigia as empresas de tabaco e outra

que restringe a liberdade de sua comercialização.

Solução das antinomias

1- critério hierárquico: a lei superior revoga as leis inferiores, pouco

importando o momento de sua entrada em vigor

2- critério cronológico: a lei posterior revoga as lei anteriores em 3 situações,

segundo o art. 2º, §1º, LINDB:

a) quando tem um comando revogador da lei ou dos dispositivos da lei

anterior;

b) quando tem incompatibilidade com ela, ou seja, quando tem um comando

que contraria ou quando impossibilita a aplicação de preceito da lei anterior

c) quando regula inteiramente a matéria disciplinada pela lei anterior

Obs: quando a lei nova estabeleça disposições compatíveis com as já existentes,

em que é possível haver harmonização, mantém-se a vigência da lei anterior, pois,

como já dito, a existência de normas gerais e especiais é estratégica, busca evitar

que as normas gerais sejam muito extensas. Nesse sentido, elas devem (salvo

antinomias) coexistir pacificamente.

3- Critério da especialidade: lei geral não revoga lei especial e vice-versa.

Entretanto, é sempre preferível que seja aplicada a lei pois, como mencionado,

ambas devem coexistir. É um critério meramente doutrinário e principiológico.

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Antinomia de segundo grau: é o conflito entre os critérios de solução das

antinomias. O critério hierárquico sempre se sobrepõe aos outros e o critério da

especialidade se sobrepõe ao cronológico.

Para VITOR KÜMPEL, o critério da especialidade é subsidiário aos outros. Só se

aplica quando houver lacunas na lei geral ou quando houver comando limitador (ex:

arts. 1.711, 1.377, CC) que manda aplicar esse critério.

Não há consenso, mas o melhor caminho é escolha da norma que atenda ao

princípio máximo da justiça no caso concreto e aos princípios fundamentais.

EFICÁCIA DA LEI NO TEMPO

Processo legislativo: iniciativa (origem do projeto) – aprovação (discussão e

votação da matéria nas Câmaras de Constituição e Justiça também nas Comissões

Temáticas, em ambas as Casas: câmara dos deputados e senado) – sanção

presidencial – promulgação (confere existência e autenticidade à lei) – publicação

(obrigatoriedade da lei) – vacatio legis – entrada em vigor da norma – vigência no

mundo jurídico até possível revogação.

Planos de efeito da norma:

1- Existência: é o reconhecimento da autenticidade da norma determinando

seu ingresso no sistema jurídico. Dá-se com a sanção presidencial, mas sua força

executória é com a promulgação.

2- Validade: é a norma em consonância com o ordenamento jurídico (validade

material) e com total observância do seu processo de elaboração (validade formal)

3- Eficácia: é a potencialidade de produzir efeitos concretos. Dá-se com a

publicação (se não tem vacatio) ou no primeiro dia após a vacatio.

4- Efetividade: é a eficácia social (reconhecer que “a norma pegou”). Nesse

plano há que se estabelecer a diferença entre vigência e vigor. Vigência é o

período de tempo em que a norma goza de eficácia até sua revogação. Vigor é a

força vinculante da norma, fator condicionante do direito aos sujeitos.

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Vacatio legis

É o fenômeno jurídico que implica na suspensão da eficácia/obrigatoriedade da

norma, após a mesma ter sido publicada. Portanto, a norma em vacatio nunca

obriga, só se pode entrar em vigor e depois retroagir.

O objetivo da vacatio legis é dar tempo para que o operador do direito e os

destinatários da norma tomem conhecimento dela e para dar oportunidade ao

Estado para aparelhar a máquina administrativa para cumprir a nova lei com

efetividade.

No Brasil adota-se o sistema simultâneo. A norma incide, no mesmo momento, em

todo o território nacional, gerando simultaneidade ou sincronia. Exceções: fuso

horário e quando há omissão (45 dias no Brasil e Leis no estrangeiro: 3 meses

após a publicação).

Importante – Constituição Federal e Emendas não têm vacatio legis, entram em

vigor quando de sua promulgação. Também não têm vacatio legis as normas

administrativas, como por exemplo, os decretos, portarias, resoluções, a elas se

aplicando o Decreto 572/1890, que dispõe que elas entram em vigor na data de

sua publicação. A Lei que cria ou altera o processo eleitoral tem vigência imediata,

mas não se aplica à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência (art.

16, CF).

Espécies: a) lei com vacatio legis expressa (é a regra. Ex: CC); b) lei sem

vacatio legis (entra em vigor na data da publicação, tendo em vista considerar o

legislador a pequena repercussão dessas normas criadas); c) leis com vacatio

legis tácita (é regra subsidiária ao art. 8º, da LC 95/98 – o art. 1º da LINDB

determina o prazo de 45 dias da publicação).

Contagem do prazo da vacatio legis: inclui o dia da publicação e o último dia do

prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral. O art. 8º

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da LC 95/98 dispõe que a contagem do prazo é em dias. Entretanto, o próprio

CC/02 estabeleceu vacatio em 1 ano (art. 2.044, CC). Assim, se a vacatio se der

em mês ou em ano, por lapso ou descumprimento do legislador, utiliza-se o art.

132, CC, subsidiariamente (conta-se de data a data: 11/01/02 a 11/01/03).

Errata de lei é a publicação do texto legal eivado de algum erro sintático ou

morfológico que possa acarretar problemas de interpretação. Para retificar erro

substancial:

- antes da publicação: basta a simples correção do texto

- depois da publicação e antes de entrar em vigor: corrige-se e publica-se de novo,

começando a correr a vacatio legis da nova publicação. Obs: se apenas parte da lei

for corrigida, o prazo volta a fluir somente para tal parte.

- depois de entrar em vigor: as correções a texto só serão por lei nova

Princípio da obrigatoriedade: é o princípio sobre a força obrigatória da norma,

seu poder de vinculação, de incidência com a publicação. O art. 3º, LINDB diz que

ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece. Esse artigo

versa sobre o princípio da inescusabilidade de ignorância da lei, o qual implica

o conhecimento potencial da mesma, impondo a incidência de sanção em caso de

descumprimento do preceito primário. A publicação pode gerar obrigatoriedade:

instantânea (publicação e entrada em vigor imediatamente) ou diferida (vigência

após a vacatio legis). Portanto, a publicação e a cientificação não geram o

conhecimento das normas, geram apenas sua obrigatoriedade, não se admitindo

alegar desconhecimento a pretexto de não cumprir a norma.

Situação diversa é o cumprimento errôneo da norma (erro de direito). Ex. aplica

uma lei já declarada inconstitucional. Aqui é possível haver a escusa: ignorantia

iuris controversi, ignorantem excusat (a ignorância do direito controvertido pode

ser alegada pelo ignorante).

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O princípio da obrigatoriedade não decorre da presunção de conhecimento da

norma com a publicação, mas sim de uma ficção jurídica, em que não importa o

real conhecimento, apenas consolida-se fictamente que a norma publicada e

cientificada torna imperdoável o erro de direito, por uma questão de segurança

jurídica.

Porém, por esse princípio tratar-se de um preceito geral, é possível que cada

ramo do ordenamento jurídico minimize a regra por preceito próprio, como faz

o CC ao admitir o erro de direito para anular negócio jurídico, quando houver boa-fé

e for elemento essencial do negócio (art. 139, III) ou quando trata do casamento

putativo (art. 1.561). O direito penal também tem previsão nesse sentido: art. 8º da

lei de contravenções penais (isenção de pena por erro escusável); CP, art. 65, II

(diminuição de pena por erro inescusável) e art. 21 (isenção de pena por erro

escusável)

O art. 3º da LINDB, portanto, é subsidiário no sistema jurídico, sendo aplicado na

omissão e na lacuna.

Princípio da continuidade

Art. 2º, LINDB. A norma quando entra em vigor, entra com prazo indeterminado, de

maneira ininterrupta. Só perde a vigência com a revogação por outra lei ou por

controle de inconstitucionalidade. Não se permite revogação por falta de costume

(desuso).

O art. 9º da LC 85/98 diz que toda revogação de lei deve ser expressa, de nada

servindo os dizeres “revogam-se as disposições em contrário”.

As exceções de normas que não obedecem ao princípio da continuidade são as

leis temporárias: lei com vigência expressa, lei temporária em face de sua natureza

(ex: lei orçamentária), lei com fim certo e determinado (ex: lei que manda realizar

determinada obra), lei que rege situação transitória (ex: estado de calamidade).

Ainda que pese o princípio da continuidade como regra geral, pode ocorrer que

com o tempo a norma se desgaste, e vá perdendo efetividade por não cumprir mais

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o papel social. Isso ocorre em 3 casos de inefetividade normativa: costume

negativo, caducidade e desuso.

Costume negativo: é a desobediência reiterada da norma pela crença da

impunidade, não gera revogação da norma.

Caducidade: é a inefetividade da norma por elemento objetivo. O caso mais

comum é o do elemento objetivo temporal, ou seja, há hipóteses em que a norma

fixa um prazo certo de vigência e quando o mesmo é alcançado ocorre o fenômeno

da caducidade. Em caso de lei temporária, a caducidade significa revogação. Já

para a lei permanente, significa apenas inefetividade, perda do seu objeto jurídico

tutelado, continuando em vigor. Ex: lei que estabelece proteção à baleia em um

determinado local, mas nele não existem mais baleias.

Desuso: é a inefetividade da norma como elemento subjetivo. O seu destinatário

não se vale mais da norma no caso concreto, de forma que o sujeito ignora a

existência dela. Ex: contrato de anticrese, regime de participação final nos

aqüestos.

Revogação: com a revogação a norma jurídica perde a validade, a eficácia, a

vigência, porém continua a ter vigor para situações em que seus efeitos se

prolongam no tempo por ultratividade, garantindo esse fenômeno pelo direito

adquirido, pelo ato jurídico perfeito e pela coisa julgada.

A revogação pode ser:

1- Quanto à força revogadora: a) interna/auto-revogação (nas hipóteses de

lei temporária) ou b) externa (lei revoga lei ou declaração de inconstitucionalidade

pelo STF).

2- Quanto à extensão: a) total/ ab-rogação ou b) parcial/ derrogação;

3- Quanto ao modo: expressa ou tácita.

Repristinação

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É a restauração da vigência de uma lei anteriormente revogada em virtude da

revogação da lei revogadora. Está prevista no § 3º, do art. 2º, da LINDB: “Salvo

disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora

perdido a sua vigência”.

A expressão “salvo disposição em contrário” indica que a repristinação é

vedada de forma automática, sendo possível existir se houver cláusula expressa

na nova lei. No silêncio da lei, não há que se falar em repristinação, salvo

disposição expressa em sentido contrário.

Importantíssimo: diferente da repristinação é o chamado efeito repristinatório no

chamado Controle de Constitucionalidade, efetuado pelo STF.

Tal efeito ocorre na hipótese em que a norma pretensamente revogada pela norma

inconstitucional não foi apta a revogar validamente a lei anterior que tratava da

mesma matéria, afigurando-se nula desde o nascimento.

Exemplo: Lei “B” revoga a Lei “A”, só que o STF concede cautelar reconhecendo a

inconstitucionalidade da Lei “B”; a lei “A” passará a ser aplicável, salvo

manifestação expressa em sentido contrário do STF.

Assim, a Lei “B”, em verdade, nula desde o início (vez que inconstitucional), nunca

revogou a Lei “A”.

O efeito repristinatório, portanto, NÃO se confunde com a figura da repristinação,

vedada expressamente no § 3º, do art. 2º, da LINDB. Nesse sentido, confira-se o

julgamento proferido pelo STJ, no REsp 517.789/AL, Rel. Min. João Octávio de

Noronha, j. 08.6.2004, DJ 13.6.2004, p. 236.

Recapitulando: não existe efeito repristinatório automático. Contudo,

excepcionalmente, a lei revogada volta a viger:

1- Quando a lei revogadora for declarada inconstitucional pelo STF;

2- Quando foi concedida, pelo STF, a suspensão cautelar da eficácia da

norma impugnada (art. 11, §2º, Lei 9868/99).

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3- O legislador assim o determinar expressamente na nova norma.

CONFLITO DA LEI NO TEMPO

Princípio da irretroatividade

O princípio da irretroatividade ié aquele que estabelece a impossibilidade de a lei

nova ferir o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, e sendo os

três garantidores da segurança jurídica.

Segundo entendimento do STF, a retroatividade, quando admitida, deve ser

expressa, não se presumindo.

Retroatividade quanto aos efeitos:

1- máxima: é aquela que não respeita o direito adquirido, o ato jurídico

perfeito e a coisa julgada. Ex: Na CF/37 permitia-se que o Presidente da República,

por decreto-lei, pudesse desconstituir coisa julgada de decisão do STF quando não

concordasse com ela;

2- Média: é aquela que alcança os efeitos pendentes do ato jurídico perfeito.

Ex: um contrato de trato sucessivo é celebrado com a imposição de uma taxa de

12%, e durante o cumprimento dele se gera uma lei nova que estabeleça que a

taxa passa a ser de 6%. Se essa nova taxa for aplicada aos juros vencidos mas

ainda não pagos, ter-se-á retroatividade média, porque ela alcança os juros que

venceram no passado mas cujo pagamento só de vai dar posteriormente à lei nova;

3- mínima: é aquela que afeta somente os efeitos dos atos perfeitos, porém

só os efeitos posteriores à entrada em vigor da norma. Ex: mudança de juros

futuros de contratos de trato sucessivo já previamente estabelecido.

Leis interpretativas são retroativas, até porque sem criar direito novo não há

conflito. São consideradas vigentes desde a entrada em vigor da lei interpretada.

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Leis de direito público ou de ordem pública só são retroativas se forem

expressas e desde que não gerem desequilíbrio social e jurídico. O próprio STF

entende que não há direito adquirido contra norma constitucional. Isso porque uma

Constituição nova (poder constituinte originário) não tem limites, podendo, assim,

quebrar (desde que o faça expressamente) direitos adquiridos. O poder

constituinte originário, portanto, tem a prerrogativa de estabelecer retroatividade

máxima ou média, desde que o faça expressamente. Caso contrário, vigora o

princípio de que todas as normas constitucionais têm eficácia imediata, e

conseqüentemente eficácia retroativa mínima. No silêncio da nova Constituição,

não se pode presumir a quebra a direitos adquiridos. Ex. o art. 17, do ADCT

quebrou direitos adquiridos, mas o fez de maneira expressa. Ex. preservam-se os

direitos adquiridos com base na Lei 6.969/81 porque a CF de 1988 não os quebrou

expressamente.

O art. 2.035, CC, introduz o princípio da retroatividade motivada/justificada,

pelo qual as normas de ordem pública relativas à função social da propriedade e

dos contratos podem retroagir. A existência e validade dos negócios e demais atos

jurídicos celebrados antes da entrada em vigor do CC, obedece a dispositivos da

lei anterior (tempus regit actum), mas os seus efeitos, produzidos após a vigência

do CC, aos preceitos deste se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas

partes determinada forma de execução.

Normas constitucionais, administrativas e processuais retroagem para atos

pendentes, ainda que iniciados sob o império da norma anterior.

Normas penais benéficas são sempre retroativas tanto para reduzir quanto para

extinguir penas.

Direito adquirido

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É aquele direito que passa a integrar a personalidade e o patrimônio do seu titular

desde o momento em que se preencham todos os requisitos exigidos pela lei para

que surja esse direito. Ex: nas mudanças sobre a previdência social, ao alterar os

requisitos para a aposentadoria integral, não se poderia mais modificar a situação

do servidor que estava na ativa, mas que já tinha cumprido todas as exigências da

lei antiga para se aposentar, inclusive cm certidão integral de tempo de contagem

expedida.

Direito adquirido a termo ou sob condição: ele existe nos regimes voluntários,

como nas relações contratuais, pois não é possível que terceiros, por arbítrio,

modifiquem as condições decorrentes do contrato. Porém, isso não se aplica a

regimes jurídicos. Ex: ninguém pode invocar direito adquirido a termo ou condição

quando se entra no serviço público: “entrei e já tenho o direito de adquirir

aposentadoria quando e se eu completar o exercício de 35 anos – direito adquirido

condicional.”

Direito adquirido e expectativa de direito: expectativa é a possibilidade, a

potencialidade de se adquirir um direito, estando na pendência de um requisito

legal ou de um fato aquisitivo específico. WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO

classifica a expectativa de direito como o “nada jurídico”. Ex: é o caso do servidor

que, quando da mudança da norma previdenciária, ainda não preenchia todos os

requisitos para a aposentadoria sob o sistema então em vigor. Ao entrar o novo

sistema previdenciário, não tinha qualquer direito, de forma a retroagir a nova

norma para modificar integralmente as condições de aposentadoria.

Ato jurídico perfeito

É aquele celebrado segundo as regras vigentes à época em que se efetuou. A

nova norma não poderá incidir em negócios pretéritos ou pendentes. Mesmo os

contratos em curso, de execução continuada ou diferida, são regidos pela lei, sob

cuja vigência foram estabelecidos, muito embora, em alguns casos, como o da

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locação, exista decisão determinando a incidência da lei nova sobre as prestações

vincendas.

Em contratos consensuais, o ato jurídico perfeito ocorre após a manifestação válida

de vontade das partes. Nos contratos reais, só com a entrega da coisa.

Coisa julgada

É a imutabilidade dos efeitos da sentença. A coisa julgada pode ser só formal ou

formal e material. São insuscetíveis de coisa julgada material: sentença terminativa,

sentença com impossibilidade material, sentença com impossibilidade jurídico-

constitucional, jurisdição voluntária, processo cautelar.

APLICAÇÃO DA LEI NO ESPAÇO

O Brasil submete-se ao princípio da territorialidade moderada/mitigada. Ou seja, no

território brasileiro aplica-se a lei brasileira e, excepcionalmente, admite-se a

aplicação da lei estrangeira quando a lei autorizar.

Regra de conexão: é o estatuto pessoal. Em algumas hipóteses, aplica-se a lei do

domicílio do interessado estrangeiro. Admite-se a aplicação da lei estrangeira

correspondente quando o litígio se tratar de: nome, capacidade, personalidade,

direito de família (inclusive quanto ao regime de bens), bens móveis que a pessoa

traz consigo, penhor e capacidade para suceder.

Obs: já para o casamento, vale a lei brasileira se o casamento for aqui realizado,

quanto aos impedimentos e às formalidades da celebração.

A conexão do direito brasileiro ao estatuto pessoal depende da filtragem

constitucional, ou seja, deve ser compatível com a CF brasileira.

Entretanto, não se aplica a lei do domicílio do interessado quando o litígio tratar-se

de:

- bens imóveis: aplica-se a lei do lugar em que o imóvel está situado;

- lei sucessória mais benéfica: art. 89, CPC c.c. art. 10, §2º, LINDB;

- lugar do contrato internacional: é a residência do proponente. art. 9º, §2º, LINDB.

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TEORIA GERAL E HISTÓRIA DO PENSAMENTO JURÍDICO Prof. José E. Melhen - 1º bimestre - 2013

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Além da aplicação do estatuto pessoal, também se admite o cumprimento de

decisão judicial, carta rogatória e laudo arbitral estrangeiros, no Brasil. Requisitos:

homologação da sentença estrangeira pelo STJ e execução por juiz federal da 1ª

instância.

Para a homologação pelo STJ é necessário:

1 - prova do trânsito em julgado (Súmula 420, do STF);

2 - compatibilidade com o ordenamento jurídico brasileiro;

3 - cumprimento das formalidades processuais.

Obs: o art. 15, da LINDB, foi revogado pelos arts. 483 e 484, CPC.