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GRADUAÇÃO 2013.2 TEORIA GERAL DO PROCESSO AUTOR: JOSÉ AUGUSTO GARCIA DE SOUSA COLABORAÇÃO: BEATRIZ CASTILHO COSTA

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GRADUAÇÃO 2013.2

TEORIA GERALDO PROCESSO

AUTOR: JOSÉ AUGUSTO GARCIA DE SOUSA

COLABORAÇÃO: BEATRIZ CASTILHO COSTA

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SumárioTEORIA GERAL DO PROCESSO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................................... 3

UNIDADE I: APRESENTAÇÃO DO CURSO. NOÇÕES INICIAIS DE DIREITO PROCESSUAL. O DIREITO PROCESSUAL NA FASE INSTRUMEN-TALISTA. ........................................................................................................................................................... 8

Aula 1: Apresentação do curso........................................................................................................ 8Aula 2: Noções iniciais de direito processual. ................................................................................. 9Aulas 3 e 4: O direito processual na fase instrumentalista. ............................................................ 21Aulas 5, 6 e 7: Os princípios mais relevantes do direito processual ............................................... 30

UNIDADE II: JURISDIÇÃO. COMPETÊNCIA ................................................................................................................ 45Aulas 8, 9 e 10: Jurisdição. ........................................................................................................... 45Aulas 11, 12 e 13: Competência. ................................................................................................. 56

UNIDADE III: AÇÃO E RESPECTIVAS CONDIÇÕES. ELEMENTOS DA DEMANDA. .................................................................... 72Aulas 14, 15 e 16: Ação e respectivas condições............................................................................ 72Aulas 17, 18 e 19: Elementos da demanda. .................................................................................. 81

UNIDADE IV: PROCESSO, RELAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL E PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS. PROCEDIMENTOS. ATOS E VÍCIOS PRO-CESSUAIS. ....................................................................................................................................................... 91

Aulas 20, 21 e 22: Processo, relação jurídica processual e pressupostos processuais. ...................... 92Aulas 23 e 24: Procedimentos: visão panorâmica. ....................................................................... 108Aulas 25 e 26: Atos e vícios processuais. ..................................................................................... 114

ANEXO I: QUESTÕES DE PROVA. GABARITOS E FUNDAMENTAÇÃO. ............................................................................... 125

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INTRODUÇÃO

A. OBJETO GERAL DA DISCIPLINA

O principal objetivo do curso é apresentar ao aluno os institutos funda-mentais da Teoria Geral do Processo, com o apoio constante de casos con-cretos julgados em nossos tribunais. No decorrer do curso serão abordadas, gradativamente, as novas tendências do direito processual brasileiro.

B. FINALIDADES DO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZADO

No curso Teoria Geral do Processo, serão discutidos acórdãos ou senten-ças, a fi m de familiarizar o aluno com questões discutidas no dia a dia forense e despertar o seu senso crítico com relação às posições adotadas pelos tribu-nais. Além disso, haverá a necessidade de leitura doutrinária, a fi m de que as discussões sejam tecnicamente embasadas.

A fi nalidade do processo de ensino-aprendizado deste curso é problemati-zar os temas enfrentados pelos processualistas e por todos aqueles que atuam no Poder Judiciário, com ênfase na pluralidade de correntes sobre os assuntos abordados e na análise da jurisprudência.

C. MÉTODO PARTICIPATIVO

O material apresenta aos alunos o roteiro das aulas, indicação bibliográ-fi ca básica e complementar, jurisprudência e questões de concursos sobre os temas estudados em cada aula.

A utilização do presente material didático é obrigatória para que haja um aproveitamento satisfatório do curso. Assim, é imprescindível que seja feita a lei-tura do material antes de cada aula, bem como da bibliografi a básica. Em relação aos casos geradores, é importante observar que, sempre que possível, foram esco-lhidos problemas que comportam duas ou mais soluções. Portanto, nos debates feitos em sala de aula, será possível perceber que, na maioria das vezes, o caso analisado poderia ter tido outra solução que não a dada por determinada Corte.

D. DESAFIOS E DIFICULDADES DO CURSO

O Curso exigirá do aluno uma visão refl exiva da Teoria Geral do Proces-so e a capacidade de relacionar a teoria exposta na bibliografi a e na sala de

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aula com outras disciplinas, especialmente o direito constitucional e o direito material lato sensu. O principal desafi o consiste em construir uma visão atu-alizada da Teoria Geral do Processo, buscando sempre cotejar o conteúdo da disciplina com a realidade dos Tribunais do País.

E. CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO

Os alunos serão avaliados com base em duas provas realizadas em sala de aula que abordarão conceitos doutrinários e problemas práticos, sendo facul-tada a consulta a textos legislativos não comentados ou anotados. A cargo do professor, poderá ser conferido ponto de participação nas aulas.

O aluno que não obtiver uma média igual ou superior a 7,0 (sete) nessas duas avaliações deverá realizar uma terceira prova.

F. ATIVIDADES PREVISTAS

Além das aulas, a cargo do professor, o curso poderá contar com a realiza-ção de seminários, sendo a turma dividida em grupos, que farão apresentação oral nas datas previamente determinadas.

G. CONTEÚDO DA DISCIPLINA

A disciplina “Teoria Geral do Processo” discutirá as funções jurídicas de-sempenhadas pelo direito processual como instrumento de concretização do direito material. Analisar-se-ão seus institutos básicos, os princípios proces-suais e constitucionais relativos ao processo, bem como a forma pela qual o direito processual garante a autoridade do ordenamento jurídico. Em síntese, o curso será composto pelas seguintes unidades:

Unidade I: Apresentação do curso. Noções iniciais de direito processual. O direito processual na fase instrumentalista. Os princípios mais relevantes.

Unidade II: Jurisdição. Competência.Unidade III: Ação e respectivas condições. Elementos da demanda.Unidade IV: Processo, relação jurídica processual e pressupostos processu-

ais. Procedimentos. Atos e vícios processuais.Anexo I: Questões de prova. Gabaritos e fundamentação.

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PLANO DE ENSINO

Apresentamos abaixo quadro que sintetiza o Plano de Ensino da discipli-na, contendo a ementa do curso, sua divisão por unidades e os objetivos de aprendizado almejados com a matéria.

Disciplina

Teoria geral do processo

Professor

José Augusto Garcia de Sousa

Natureza da disciplina

Obrigatória

Código:

GRDDIROBG029

Carga horária

60 horas

Ementa

Noções iniciais de direito processual. O direito processual na fase instru-mentalista. Os princípios mais relevantes. Jurisdição. Competência. Ação e respectivas condições. Elementos da demanda. Processo, relação jurídica pro-cessual e pressupostos processuais. Procedimentos. Atos e vícios processuais.

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Objetivos

O direito processual é fundamental para o ordenamento jurídico, sendo de extrema importância, porém, não apenas conhecer suas normas e técnicas, mas também suas implicações axiológicas, de modo a reconhecer o que está inserido em cada instituto processual.

O processo deve ser visto como um todo: desde os seus princípios regentes e a questão da ética na relação jurídica até as normas processuais propriamen-te ditas. Trata-se, portanto, de um encadeamento lógico e sistemático.

Por fi m, é preciso lembrar que o processo envolve pessoas, vidas e cargas humanas relevantes, devendo-se, por conseguinte, pensar o Direito de forma mais calorosa do ponto de vista humano.

Metodologia

A metodologia de ensino é participativa, com ênfase em estudos de casos. Para esse fi m, a leitura prévia obrigatória, por parte dos alunos, mostra-se fundamental.

Critérios de avaliação

A avaliação será composta por duas provas, sendo uma no meio e outra ao fi nal do semestre. Ao resultado das provas, os alunos poderão somar até um ponto extra, que será imputado na segunda avaliação, a cargo do professor.

Um ponto (no máximo) virá da participação em sala, e levará em conta múltiplos aspectos, tais como: interesse, frequência, pontualidade, perfor-mance nas “sabatinas” realizadas permanentemente.

BIBLIOGRAFIA OBRIGATÓRIA

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Volume I. 24ª edição. São Paulo: Atlas, 2013.

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINA-MARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 29ª edição. São Paulo: Malheiros, 2013.

DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Volume I. 15ª edição. Salvador: Juspodium, 2013.

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GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil: introdução ao direito processual civil. Volume I. 3ª edição. São Paulo: Forense, 2011.

MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil. Teoria Geral do Processo. Volume I. 6ª edição. Curitiba: Revista dos Tribunais, 2012

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Ci-vil. Teoria Geral do Direito Processual Civil. Volume I. 7ª edição. São Paulo: Saraiva, 2013.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Volume I. 6ª edição. São Paulo: Malheiros, 2009.

GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil. Teoria Geral e Processo de Conhecimento. Volume I. 10ª edição. São Paulo: Saraiva, 2013.

NERY JR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 9ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009.

THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Volume I. 54ª edição. São Paulo: Forense, 2013.

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UNIDADE I: APRESENTAÇÃO DO CURSO. NOÇÕES INICIAIS DE DIREITO PROCESSUAL. O DIREITO PROCESSUAL NA FASE INSTRUMENTALISTA.

AULA 1: APRESENTAÇÃO DO CURSO.

I. TEMA

Apresentação do curso.

II. OBJETIVOS ESPECÍFICOS

O objetivo desta primeira aula consiste em apresentar um breve panorama do que será ministrado ao longo do curso.

III. DESENVOLVIMENTO METODOLÓGICO

“Quem só sabe o direito nem o direito sabe”. Esse pensamento, atribuído ao famoso “Justice” Oliver Holmes Jr., falecido em 1935, guia as aulas sobre processo. Saber as normas e as técnicas processuais é muito importante. Mais fundamental ainda, contudo, é saber contextualizar o direito processual e perceber as suas implicações axiológicas. Saber o que está por trás de cada instituto processual. Processo não é uma ilha. Nem bicho de sete cabeças. Assim, este curso tem o objetivo declarado de chamar a atenção para tal lado valorativo do processo, sem, evidentemente, descurar ou esquecer-se do estu-do mais convencional do direito processual.

O aluno deve conseguir assimilar uma visão sistêmica do processo, tendo, consequentemente, muito mais facilidade para pensar sobre a ordem proces-sual, mesmo que ela seja reformada.

O curso dará ênfase a casos práticos e à jurisprudência. Muitos capítu-los do direito processual carregam noções extremamente abstratas. Por conta disso, o estudo do processo pode, eventualmente, se tornar árduo, principal-mente para o aluno que nunca teve qualquer contato prático com essa área. O estudo focado em casos e jurisprudência (sem esquecer obviamente a dou-trina) possui o mérito de aproximar o aluno do direito processual.

Por fi m, a questão da ética é fundamental, e não pode deixar de ser consi-derada na seara processual.

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1 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pel-legrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Pro-cesso. 22ª edição. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 53.

2 Países como o Brasil, em que as causas entre particu-lares e as causas entre esses e o Estado estão submetidas aos mesmos órgãos jurisdi-cionais, sendo regidas pelas mesmas normas processu-ais, são chamados países de jurisdição una. E países em que as causas do Estado não estão submetidas a órgãos do Poder Judiciário, mas a órgãos de julgamento estru-turados dentro da própria Administração Pública, como a França e a Itália, numa con-cepção distinta da separação de poderes, são chamados países de dualidade de juris-dição. Importante destacar que, em países de dualidade de jurisdição, o contencioso administrativo, ainda que formalmente vinculado de algum modo à AP, tem evo-luído no sentido de adquirir independência em relação a ela e de oferecer aos adver-sários um processo revestido das garantias fundamentais universalmente reconheci-das, como vem ocorrendo na Itália e na França.

AULA 2: NOÇÕES INICIAIS DE DIREITO PROCESSUAL.

I. TEMA

Noções iniciais de direito processual.

II. ASSUNTO

Análise das noções iniciais do Direito Processual, a fi m de que os alunos possam estudar a matéria.

III. OBJETIVOS ESPECÍFICOS

O objetivo desta primeira aula consiste em apresentar as noções iniciais do direito processual. Será apresentada, ainda, a clássica visão de que o direito processual disciplina a função jurisdicional, bem como a relativização de que a jurisdição é função puramente estatal.

IV. DESENVOLVIMENTO METODOLÓGICO

1. Aspectos iniciais

Tradicionalmente, e para fi ns meramente didáticos, a doutrina classifi ca o Direito em dois grandes ramos: público e privado. Classicamente, se concei-tua o direito processual como o ramo do direito público interno que trata dos princípios e das regras relativas ao exercício da função jurisdicional. Neste sentido são os seguintes ensinamentos1:

“Em face da clássica dicotomia que divide o direito em público e privado, o direito processual está claramente incluído no primeiro, uma vez que governa a atividade jurisdicional do Estado. Suas raízes principais prendem-se estreitamente ao tronco do direito constitucio-nal, envolvendo-se as suas normas com as de todos os demais campos do direito.”

No entanto, tal conceituação, embora ainda prevaleça na doutrina proces-sual, não se revela absoluta, pois a função jurisdicional, embora siga sendo predominantemente exercida por magistrados e tribunais do Estado 2, tam-

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bém pode ser exercida por órgãos e sujeitos não estatais, por meio das formas alternativas de solução de confl itos, dentre os quais se destacam a arbitragem e a justiça interna das associações. Logo, a ideia de que o direito processual é um ramo do direito público interno, nos dias atuais, foi relativizada.

Enquanto no ramo privado subsistiria uma relação de coordenação entre os sujeitos integrantes da relação jurídica — como no direito civil, no direito comercial e no direito do trabalho —, no público prevaleceria a supremacia estatal face aos demais sujeitos. Nessa linha de raciocínio, o direito processu-al — assim como o constitucional, o administrativo, o penal e o tributário — constituiria ramo do direito público, visto que suas normas, ditadas pelo Estado, são de ordem pública e de observação cogente pelos particulares, marcando uma relação de poder e sujeição dos interesses dos litigantes ao interesse público.

Essa dicotomia entre público e privado é apenas utilizada para sistematiza-ção do estudo, pois, modernamente, entende-se que está superada a denomi-nada summa divisio, tendo em vista que ambos os ramos tendem a se fundir em prol da função social perseguida pelo Direito. Assim sendo, fala-se hoje em constitucionalização do Direito.

Dessa forma, abandonada a visão dicotômica, podemos defi nir o direito processual como o ramo que trata do conjunto de regras e princípios que cuidam do exercício da função jurisdicional.

Vale ainda dizer que o direito processual, quanto às normas de incidência, classifi ca-se como direito internacional ou direito interno; o direito interno, por sua vez, subdivide-se em espécies de acordo com o direito material ora veiculado, estando de um lado o direito processual penal (que compreende regras processuais que veicularão matérias sobre o direito penal militar e o direito penal eleitoral) e de outro, o direito processual civil, sendo que este último subdivide-se em comum e especial. São consideradas especialidades do direito processual civil o direito processual trabalhista, direito processual eleitoral, direito processual administrativo e, por fi m, o direito processual previdenciário, cada qual com regras próprias hábeis a viabilizar melhor a realização do direito material em questão.

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3 Conferir artigos 1º e 33 da Lei n. 11.340/06.

2. Quadro esquemático

3. Corrente unitarista e dualista da ciência processual

Distinguem-se, na doutrina, duas correntes acerca da sistematização do direito processual: a que acredita na unidade de uma teoria geral do processo (unitarista) e a que sustenta a separação entre a ciência processual civil e a pe-nal, por constituírem ramos dissociados, com institutos peculiares (dualista).

No entanto, a posição mais adequada, a nosso ver, é a que entende pela existência de uma teoria geral do processo, tendo em vista que a ciência pro-cessual, seja penal, civil, ou até mesmo trabalhista, obedece a uma estrutura básica, comum a todos os ramos, fundada nos institutos jurídicos da ação, da jurisdição e do processo. Longe de pretender afi rmar a unidade legislativa, a teoria geral do processo permite uma condensação científi ca de caráter meto-dológico, elaborando e coordenando os mais importantes conceitos, princí-pios e estruturas do direito processual.

Importante destacar que novos e modernos diplomas, como a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06), que visa a prevenir e reprimir a violência do-méstica, adotam a sistemática de juízos híbridos, sugerindo a criação de varas especializadas, com competência civil e criminal, de modo a facilitar o acesso à justiça e conferir proteção mais efetiva à vítima de tais situações de violência 3.

Dessa forma, o estudo da teoria geral do processo é fruto da autonomia científi ca alcançada pelo direito processual e tem como enfoque o complexo de regras e princípios que regem o exercício conjunto da jurisdição, pelo Estado-Juiz; da ação, pelo demandante (e da defesa, pelo demandado); bem como os ensinamentos acerca do processo, procedimento e pressupostos.

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4. Fontes do direito processual brasileiro

As fontes de direito em geral podem ser conceituadas como os meios de produção, expressão ou interpretação da norma jurídica. Assim, as normas de direito processual emanam das fontes que inspiram este ramo do direito e podem ser classifi cadas em formais e materiais.

Fontes formais são aquelas que detêm força vinculante e constituem o próprio direito positivo.

A fonte formal do direito processual, por excelência, é a lei lato sensu. Em sentido estrito, apontamos, inicialmente, a Constituição da República, que consagra os chamados princípios constitucionais processuais, tais como o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório, a duração razoável do processo, a isonomia e a inadmissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos.

Fontes materiais são as que não possuem força vinculante nem caráter obrigatório, mas se destinam a revelar e informar o sentido das normas pro-cessuais. São assim considerados os princípios gerais do direito, o costume, a jurisprudência (entendimento dos tribunais) e a doutrina (ensinamentos dos autores especializados).

De se registrar que, hoje, a fi gura da súmula vinculante, prevista no artigo 103-A da CRFB e regulada pela Lei n. 11.417/06, torna o precedente judi-cial fonte material do direito nesta hipótese. Trata-se de uma fi gura híbrida, com características de norma abstrata, eis que aplicável a todos, porém surgi-da a partir de um caso específi co, e, por isso, também norma concreta entre as partes envolvidas naquele litígio.

São, portanto, fontes do Direito Processual brasileiro:1) Constituição: Estabelece, em matéria de direito processual, impor-

tantes diretrizes e garantias fundamentais:

a) Art. 5º: isonomia / paridade de armas (caput); segurança jurí-dica e coisa julgada (inciso XXXVI); inviolabilidade da intimi-dade e sigilo das correspondências e comunicações, relacionadas à atividade probatória e cognitiva processual (incisos X e XII); direito à informação (inciso XXXIII); tutela jurisdicional efeti-va — inafastabilidade do Poder Judiciário (inciso XXXV); juiz natural (incisos LIII e XXXVII); devido processo legal (inciso LIV); contraditório e ampla defesa (inciso LV); ações constitu-cionais para a tutela de direitos fundamentais (habeas corpus — inciso LXVII; mandado de segurança — inciso LXIX; mandado de injunção — inciso LXXI; habeas data — inciso LXXII; ação popular — inciso LXXIII); assistência jurídica gratuita (inciso LXXIV); razoável duração do processo (inciso LXXVIII).

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4 Art. 543-C, CPC. Art. 285-A, CPC. Art. 103-A, CRFB.

5 Equidade: art. 20, §4º, CPC, Lei n. 9.307/96 e art. 127, CPC.

b) Em outros dispositivos da Constituição: obrigatoriedade de fundamentação das decisões judiciais (art. 93, inciso IX); ativi-dade jurisdicional é ininterrupta (art. 93, inciso XII); organiza-ção e funcionamento de instituições essenciais à administração da justiça (Ministério Público — artigos 127 a 130; advocacia — artigos 131 a 135).

c) Art. 22, I, CRFB: competência privativa da União. Exceção: art. 24, X e XI — concorrente União, Estados e DF — juizados especiais e procedimentos em matéria processual.

d) Art. 62, §1º, alínea “b” (introduzido pela EC 32/2001): proibi-ção de edição de medidas provisórias em matéria processual.

2) Tratados internacionais: podem ter força de emenda constitucional se versarem sobre direitos humanos e forem aprovados, em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por 3/5 dos votos dos respectivos membros (art. 5º, §3º). Mesmo assim, nenhum tratado poderá alterar qualquer direito ou garantia processual que constitu-am cláusula pétrea (art. 60, § 4º).

3) Lei complementar: as matérias tratadas por lei complementar não podem ser objeto de medida provisória (inserida pela EC 32/2001). Em matéria processual, existem 3 matérias que devem ser tratadas por lei complementar: Estatuto da Magistratura (art. 93, caput); organização e competência da Justiça Eleitoral (art. 121); normas sobre direito processual em matéria tributária (art. 146).

4) Lei ordinária: como regra geral, as normas processuais devem ser veiculadas por lei ordinária, ressalvados os casos em que a própria Constituição exige lei complementar (vide item anterior). Princi-pais leis processuais ordinárias vigentes em nosso ordenamento: CPC (Lei 5.869/73); Assistência judiciária gratuita (Lei 1.060/50); Mandado de segurança (Lei 12.016/2009); Ação Civil Pública (Lei 7.347/85); CDC (Lei 8.078/90).

5) Fontes complementares: art. 126, CPC (costumes, analogia, os princípios gerais de direito, jurisprudência 4 e equidade 5, art. 4º, Lei de Introdução ao Código Civil — Dec. Lei n. 4.657/42).

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6 Art. 1º do CPC: “A jurisdição civil, contenciosa e voluntá-ria, é exercida pelos juízes, em todo o território nacional, conforme as disposições que este Código estabelece.” Art. 1.211: “Este Código regerá o processo civil em todo o ter-ritório brasileiro (...).”

5. Norma processual

O Estado é o responsável pela determinação das normas jurídicas, que estabelecem como deve ser a conduta das pessoas em sociedade. Tais nor-mas podem: a) defi nir direitos e obrigações; b) defi nir o modo de exercício desses direitos.

As primeiras constituem aquilo que convencionamos chamar de normas jurídicas primárias ou materiais. Elas fornecem o critério a ser observado no julgamento de um confl ito de interesses. Aplicando-as, o juiz determina a prevalência da pretensão do demandante ou da resistência do demandado, compondo, desse modo, a lide que envolve as partes.

As segundas, de caráter instrumental, compõem as normas jurídicas se-cundárias ou processuais, provenientes do direito público, conforme já ressal-tado. Elas determinam a técnica a ser utilizada no exame do confl ito de inte-resses, disciplinando a participação dos sujeitos do processo (principalmente as partes e o juiz) na construção do procedimento necessário à composição jurisdicional da lide.

A efi cácia espacial das normas processuais é determinada pelo princípio da territorialidade, conforme expressam os artigos 1º e 1.211, 1ª parte, do CPC6. O princípio, com fundamento na soberania nacional determina que a lei processual pátria é aplicada em todo o território brasileiro (não sendo proibida a aplicação da lei processual brasileira fora dos limites nacionais), fi cando excluída a possibilidade de aplicação de normas processuais estran-geiras diretamente pelo juiz nacional.

Devido ao sistema federativo por nós adotado, compete privativamente à União legislar sobre matéria processual, conforme determina o art. 22, I, da CRFB. Não ocorre, pois, como nos EUA, em que as leis processuais di-vergem de um Estado para outro. Não obstante, as normas procedimentais estaduais brasileiras podem variar de Estado para Estado, uma vez que o art. 24, XI, da CRFB, outorgou competência concorrente à União, aos Estados--membros e ao Distrito Federal para legislar sobre “procedimentos em maté-ria processual”.

Além disso, ao lado das normas processuais (art. 22, I, da CRFB) e das procedimentais (art. 24, XI, da CRFB), existem as normas de organização ju-diciária, que também podem ser ditadas concorrentemente pela União, pelos Estados e pelo Distrito Federal (CRFB, artigos. 92 e seguintes, merecendo especial destaque os artigos. 96, I, “a”, e 125, §1.°).

No tocante à efi cácia temporal das normas, aplica-se o art. 1.211, 2ª parte, CPC, segundo o qual a lei processual tem aplicação imediata, alcançando os atos a serem realizados e sendo vedada a atribuição de efeito retroativo. No que tange ao início de sua vigência, no entanto, de acordo com o art. 1º da Lei de Introdução ao Código Civil, a lei processual começa a vigorar quaren-

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7 Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuri-dade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as ha-vendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do direito.

ta e cinco dias após a sua publicação, salvo disposição em contrário (na práti-ca, é comum que se estabeleça a vigência imediata), respeitando-se, todavia, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, em conformidade com o art. 5º, XXXVI, da CRFB e art. 6°, LINB (antiga LICC).

Por fi m, quanto à forma de interpretação da norma processual, ou seja, determinar seu conteúdo e alcance, há diversos métodos de interpretação da norma jurídica que também podem ser estendidos à norma processual.

Assim, de maneira resumida, podemos classifi cá-los em: a) literal ou gra-matical, que, como o próprio nome já diz, leva em consideração o signifi cado literal das palavras que formam a norma; b) sistemático, segundo o qual a norma é interpretada em conformidade com as demais regras do ordenamento jurídico, que devem compor um sistema lógico e coerente que se estabelece a partir da Constituição; c) histórico, em que a norma é interpretada em con-sonância com os seus antecedentes históricos, resgatando as causas que a de-terminaram; d) teleológico, que objetiva buscar o fi m social da norma, a mens legis, ou seja, diante de duas interpretações possíveis, o intérprete deve optar por aquela que melhor atenda às necessidades da sociedade (art. 5º, LICC); e e) comparativo, que se baseia na comparação com os ordenamentos estrangei-ros, buscando no direito comparado subsídios para a interpretação da norma.

Conforme o resultado alcançado, a atividade interpretativa pode ser clas-sifi cada em: a) declarativa, atribuindo à norma o signifi cado de sua expressão literal; b) restritiva, limitando a aplicação da lei a um âmbito mais estrito, quando o legislador disse mais do que pretendia; c) extensiva, conferindo-se uma interpretação mais ampla que a obtida pelo seu teor literal, hipótese em que o legislador expressou menos do que pretendia; d) ab-rogante, quando conclui pela inaplicabilidade da norma, em razão de incompatibilidade abso-luta com outra regra ou princípio geral do ordenamento.

Acerca dos meios de integração, destacamos que, com o advento do Có-digo Francês de Napoleão, em 1804, institui-se a importante regra de que o magistrado não mais poderia se eximir de aplicar o direito, sob o fundamento de lacuna na lei. Tal norma foi seguida pela maioria dos códigos modernos, sendo também positivada em nosso ordenamento.

Dessa forma, o art. 126, CPC 7, preceitua a vedação ao non liquet, isto é, proíbe que o juiz alegue lacuna legal como fator de impedimento à prolação da decisão. Para tanto, há de se valer dos meios legais de colmatagem de lacunas, previstos no art. 4º, LINB, a saber: a analogia (utiliza-se de regra jurídica previs-ta para hipótese semelhante), os costumes (que são fontes da lei) e os princípios gerais do Direito (princípios decorrentes do próprio ordenamento jurídico).

Ressalte-se, por fi m, que interpretação e integração têm funções comuni-cantes e complementares, voltadas à revelação do direito. Ambas possuem cará-ter criador e permitem o contato direto entre as regras de direito e a vida social.

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8 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Breve noticia sobre la conciliación en el proceso civil brasileño. In: Temas de direito processual: quinta série. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 95. Interessante transcrevermos aqui os arts. 161 e 162 da Constituição do Império, que estabeleciam, respectivamente, a tentativa prévia de conciliação como pressuposto de constituição válida do processo e a atribui-ção de competência ao juiz de paz para tentar promovê--la. “Art. 161. Sem se fazer constar, que se tem intentado o meio da reconciliação, não se começará processo algum. Art. 162. Para este fi m haverá juízes de Paz, os quaes serão electivos pelo mesmo tempo, e maneira, por que se elegem os Vereadores das Camaras. Suas attribuições, e Districtos serão regulados por Lei”.

6. Evolução histórica do direito processual brasileiro

Para fechar estas noções iniciais, vale abordar rapidamente a evolução his-tórica do direito processual brasileiro, com ênfase no processo civil. Fixamos nossa volta ao passado no período que se inicia com o descobrimento do Brasil. Nesse período, ganhava grande relevo a fi gura do município, conce-bido como núcleo administrativo implantado em território brasileiro. Nele, o exercício da jurisdição era desempenhado através dos juízes ordinários ou da terra, cuja nomeação se dava por escolha de “homens bons”, numa eleição desvinculada dos interesses da Coroa, que, buscando sua representação, no-meava os chamados “juízes de fora”.

Quando da criação das capitanias hereditárias, impunha-se aos donatários a incumbência de reger as questões judiciais provenientes de suas terras, po-der este limitado tanto pelas leis advindas do Reino como pelas então deno-minadas cartas forais. A autoridade jurisdicional máxima fazia-se presente na fi gura do ouvidor-geral.

Durante o período colonial, o Brasil era regido pelas leis processuais por-tuguesas, como não poderia deixar de ser, visto que Brasil e Portugal for-mavam um Estado único. Vigoravam, nesta época, as Ordenações Filipinas, que dispunham de forma quase completa sobre a administração pública. O processo civil foi regulado em seu livro III, composto por 128 capítulos, abrangendo os procedimentos de cognição, execução, bem como os recursos.

As Ordenações Filipinas, que permaneceram em vigor mesmo após a in-dependência brasileira, foram de grande importância para o direito brasilei-ro. Com uma estrutura bastante moderna, eram compostas por cinco livros, dentre os quais o terceiro tratava da parte processual civil.

Apesar da vigência das Ordenações Filipinas, o Brasil também era regido, nesta época, pelas cartas dos donatários, dos governadores e ouvidores e, ain-da, pelo poder dos senhores de engenho, que faziam sua própria justiça ou infl uenciavam a justiça ofi cial, ora pelo prestígio que ostentavam, ora pelo parentesco com os magistrados.

Com a proclamação da independência em 7 de setembro de 1822, tor-nou— se necessária uma reestruturação da ordem jurídica interna, o que foi alcançado através da Carta Constitucional de 1824, com a introdução em nosso ordenamento de inovações e princípios fundamentais, principalmente no campo criminal, em que a necessidade de mudanças se fazia mais eviden-te, tais como a abolição da tortura e de todas as penas cruéis.

Por outro lado, verifi cou-se a consagração da divisão dos poderes e o esta-belecimento da harmonia destes com o Poder Moderador, buscando garantir os direitos ditados pela Carta Magna, assim como a composição e indepen-dência do Poder Judiciário. Estipulou-se ainda a necessidade e a obrigatorie-dade de um juízo conciliatório prévio8.

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Todavia, apesar da nova ordem constitucional que surgiu nesse momento, as Ordenações Filipinas e demais normas jurídicas de origem portuguesa não perderam vigência, pois o Decreto de 20 de outubro de 1823, adotando-as como lei brasileira, determinou que só seriam revogadas as disposições con-trárias à soberania nacional e ao regime brasileiro.

Assim, atendendo às exigências da Carta Constitucional, no campo pro-cessual penal, tivemos a promulgação do Código de Processo Criminal em 1832, que, rompendo com a tradição portuguesa, inspirou-se nos modelos inglês (acusatório) e francês (inquisitório), fornecendo ao legislador brasileiro elementos para a elaboração de um sistema processual penal misto.

Além disso, o novo Código também trazia, em um título único composto por vinte e sete artigos, a “disposição provisória acerca da administração da justiça civil”, simplifi cando o processo civil ainda regulado pelas Ordenações Filipinas. Em 1850, logo após a edição do Código Comercial, entraram em vigor os Regulamentos nº 737 (considerado o primeiro diploma processual brasileiro) e 738, que disciplinavam, respectivamente, o processo das causas comerciais e o funcionamento dos tribunais e juízes do comércio. O direito processual civil, contudo, permaneceu regulado pelas disposições das Orde-nações e suas posteriores modifi cações, levando o governo a promover, em 1876, uma Consolidação das Leis do Processo Civil, com força de lei, que fi cou conhecida como Consolidação Ribas, em virtude de sua elaboração a cargo do Conselheiro Antônio Joaquim Ribas.

Proclamada a República, o Regulamento 737 foi estendido às causas cí-veis, mantendo-se a aplicação das Ordenações e suas modifi cações aos casos de jurisdição voluntária e de processos especiais. Após o advento da Consti-tuição de 1891, no entanto, conferiu-se aos

Estados a possibilidade de legislar sobre matéria processual, aumentando o espectro de competência antes pertencente somente à União Federal, após o que várias leis foram promulgadas, regulamentando as mais diversas questões processuais.

Em 1º de janeiro de 1916, foi editado o Código Civil Brasileiro, tratando não só das questões de direito material, mas também de algumas processuais. No Rio de Janeiro, então Distrito Federal, veio à luz o Código Judiciário de 1919, promulgado pela Lei nº 1.580 de 20 de janeiro, seguido pelo Código de Processo Civil do Distrito Federal, de 31 de dezembro de 1924, e devida-mente promulgado pelo Decreto nº 16.751.

Finalmente, a Carta de 1934 consagrou a unifi cação processual, atribuin-do novamente a competência para legislar em matéria processual exclusiva-mente à União, o que foi mantido pela Constituição de 1937, em seu artigo 16, inciso XVI, possibilitando assim a edição do Código Brasileiro de Proces-so Civil, através do Decreto nº 1.608, de 18 de setembro de 1939.

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A unifi cação processual se justifi cava pela necessidade de uma normati-zação uniforme ante o grande número de leis existentes em cada Estado, as quais há muito se mostravam obsoletas e incapazes de satisfazer o objetivo primordial do processo civil, qual seja, o de tutelar efetivamente os direitos subjetivos.

Não obstante, o artigo 1º do Código deixou à apreciação de lei especial a regulamentação de algumas matérias específi cas, tais como as desapropria-ções, as ações trabalhistas e os litígios entre empregados e empregadores. O Código de 1939 teve o mérito de se inspirar nas mais modernas doutrinas europeias da época, introduzindo importantes inovações em nosso ordena-mento processual, como o princípio da oralidade e a combinação do princí-pio dispositivo e do princípio do juiz ativo, permitindo uma maior agilidade nos procedimentos.

Chegamos, assim, ao atual Código de Processo Civil, introduzido em nos-so ordenamento jurídico pela Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, e baseado no anteprojeto de autoria de Alfredo Buzaid. O CPC de 1973 per-manece em vigor até hoje. Contudo, sofreu inúmeras alterações, sobretudo a partir do início da década de noventa do século XX. Teve início aí a chamada Reforma Processual, processo fragmentado em dezenas de pequenas leis que se destinam a fazer mudanças pontuais e ajustes “cirúrgicos”.

7. Jurisprudência

PROCESSUAL CIVIL — ACÓRDÃO QUE NEGA PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO — DECISÃO POR MAIORIA — EM-BARGOS INFRINGENTES — LEI VIGENTE

NA DATA DO JULGAMENTO — PRECEDENTE DA CORTE ES-PECIAL — DESNECESSIDADE DE INDICAÇÃO NO RECURSO ES-PECIAL DE VIOLAÇÃO EXPRESSA DE DISPOSITIVO LEGAL ESPE-CÍFICO — ARGUMENTOS SUFICIENTES PARA ANÁLISE DO RESP.

1. Os argumentos apresentados pelo agravante são insufi cientes para fazer prosperar o presente recurso; pois, ao contrário do que alegado, o recurso foi analisado sob a ótica da aplicabilidade da Lei n. 10.352/2001, que alterou o teor do artigo 530 do CPC, nos termos do recurso especial.

2. Não há necessidade de se alegar violação expressa dos artigos 1º e 6º da LICC, quanto à questão de confl ito intertemporal de normas, no caso dos autos, uma vez que os elementos trazidos pelo recorrente, no recurso especial, foram sufi cientes para a sua análise. Com efeito, o juiz não fi ca obrigado a manifestar-se sobre todas as alegações das partes, nem a ater-se aos funda-mentos indicados por elas ou a responder, um a um, a todos os seus argu-mentos, quando já encontrou motivo sufi ciente para fundamentar a decisão.

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3. A Apelação foi julgada, por maioria de votos, pela Segunda Câmara Cí-vel do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais em 19.2.2002, portan-to anterior 27.3.2002, data de vigência da Lei n.10.352/2001, que alterou o artigo em análise.

4. O cabimento do recurso regula-se, segundo entendimento desta Corte, pela lei vigente ao tempo em que proferida a publicidade da decisão (pro-nunciamento pelo Presidente da Turma julgadora), de modo que, à hipótese dos autos, não se aplica a nova redação dada pelo artigo 530 do Código de Processo Civil, em razão da Lei n. 10.352/2001, mas sim a redação anterior.

Agravo regimental improvido.(AgRg no REsp 772.666/MG, Relator Min. Humberto Martins, Segunda

Turma, julgamento unânime em 22/04/08).

V. RECURSOS/MATERIAIS UTILIZADOS

Leitura obrigatória:

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Volume I. 24ª edição. São Paulo: Atlas, 2013 — Capítulos I a III.

Leitura complementar:

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 28ª edição. São Pau-lo: Malheiros, 2012. Capítulos 1 a 3 (pp. 27-58); e capítulos 6 a 10 (pp. 97-151).

GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil, volume I. 3ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2011. Capítulo II (pp. 21-54).

VI. AVALIAÇÃO

Caso gerador:

1) Lei de determinado estado da Federação ampliou o rol de competência do Juizado da Infância e da Adolescência, previsto no art. 148 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a fi m de que fossem incluídos os crimes pra-ticados por adultos contra menores de dezoito anos. Sendo assim, responda:

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a) O rol das competências previstas no Estatuto da Criança e do Ado-lescente para as Varas da Infância e da Adolescência é considerado taxativo ou exemplifi cativo? Poderia lei estadual ampliá-las, versando sobre direito processual civil?

b) Há inconstitucionalidade em lei estadual que amplie o rol citado aci-ma? Se sim, de que espécie?

c) Sendo o juízo da infância e da adolescência incompetente para apreciar crime de violência sexual praticado por adultos contra crianças, tratar-se-ia de incompetência do juízo relativa ou absoluta? Por quê?

Referência: STJ. HC 216.112. Rel. Min. Gilson Dipp. Quinta Turma. J. 28/8/2012.

VII. CONCLUSÃO DA AULA

O direito processual é um ramo do Direito que vai regular/disciplinar o exercício da função jurisdicional. Houve tempo em que o direito processual não possuía autonomia, sendo mero apêndice do direito material. Assim, o direito de ação era o próprio direito material. A grande questão é a relação entre o direito material e o direito processual e as várias fases históricas deste último.

Mesmo que o processo esteja versando sobre questão totalmente privada, será considerado um ramo do direito público. Para resolver os confl itos, é uti-lizada a jurisdição, que é poder estatal. Assim, o direito processual serve para regular o exercício da jurisdição. Ao Estado interessa resolver os confl itos. Ou seja, é algo que transcende o interesse particular das partes.

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9 No passado houve quem defendesse a utilização da nomenclatura direito judi-ciário, ao invés de direito processual, já que é a função jurisdicional, e não o proces-so, utilizado pelo Estado para o exercício da Jurisdição, o cerne principal desta ciência. É este, inclusive, o título da obra do grande processualis-ta João Mendes de Almeida Júnior: Direito Judiciário Brasileiro. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1940.

10 GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido R., CIN-TRA, Antônio Carlos de Araú-jo. Teoria Geral do Processo, 14ª edição, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997, p. 40.

AULAS 3 E 4: O DIREITO PROCESSUAL NA FASE INSTRUMENTALISTA.

I. TEMA

O direito processual na fase instrumentalista.

II. ASSUNTO

Análise da fase instrumentalista do direito processual.

III. OBJETIVOS ESPECÍFICOS

O objetivo das aulas é analisar a autonomia relativa do processo, devendo este ser instrumento de materialização e de efetivação do direito material. Na fase instrumentalista, há reaproximação do direito processual com o direito material, mantida a premissa de autonomia do direito processual. A tendên-cia é de relativização das exigências de natureza formal do processo. O mo-mento decisivo para a troca de fase foi a Segunda Guerra Mundial, havendo grande preocupação, a partir daí, com a efetivação dos direitos fundamentais.

IV. DESENVOLVIMENTO METODOLÓGICO

1. Surge um novo Direito Processual

O direito processual é o ramo do Direito que possui como objeto de estu-do a função jurisdicional9. Como se sabe, o Estado Democrático de Direito, no exercício de seu poder soberano, uno e indivisível, realiza três funções: legislativa, administrativa e jurisdicional. É justamente esta última função que será estudada pela Teoria Geral do Processo.

Desde já, é conveniente destacar que a expressão direito processual pode se referir à ciência ou à norma. Na primeira dessas acepções, temos o ramo da ciência jurídica que estuda o exercício da função jurisdicional e, no segundo sentido (norma, direito objetivo), o complexo de normas e princípios que regem o exercício conjugado da jurisdição pelo Estado-juiz, da ação pelo demandante e da defesa pelo demandado 10.

A ciência processual contemporânea é resultado de inúmeras transforma-ções que se procederam, ao longo da história, pela atuação dos aplicadores do Direito e pela incansável colaboração dos estudiosos do Direito.

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11 DINAMARCO, Cândido Ran-gel, Fundamentos do Proces-so Civil Moderno, 3ª edição, São Paulo, Malheiros, p. 727.

12 Simbolicamente, aponta--se o ano de 1868, quando o jurista alemão Oskar von Bülow lançou sua obra Teoria dos Pressupostos Processuais e das Exceções Dilatórias (em alemão Die Lehre von den Processeinreden und die Pro-cessvorausserzungen) como marco de nascimento de uma Teoria Geral do Processo.

13 Com efeito, as ideias do festejado jurista reproduzidas no texto denominado “Pro-cesso e justiça” (Processo e giustizia), já demonstravam profunda preocupação com o objetivo maior do processo, que é chegar a uma decisão justa. CALAMANDREI, Piero (tradução de Luiz Abezia e Sandra Drina Fernandes Bar-bery). Processo e justiça. In: Direito processual civil. Vol. III. São Paulo: Bookseller, 1999.

14 Existe outro livro, Acesso à justiça, traduzido para o português por Ellen Gracie Northfl eet, que pode ser considerada uma versão mais condensada, escrita pelo pro-fessor Cappelletti em com-panhia do professor Bryant Garth, com base em dois vo-lumes da obra anteriormente citada: CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à jus-tiça. Porto Alegre: Sérgio An-tônio Fabris, 1988. Tradução Ellen Gracie Northfl eet. Título original: Access to justice: the worldwide movement to make rights eff ective.

De fato, até o século XIX não se falava em uma Teoria Geral do Processo, haja vista que a ação era concebida como desdobramento do próprio direito material e o instituto jurídico do processo, como sinônimo de procedimento. Naquela época, como se pode perceber, o direito processual consistia em uma simples parte, mero apêndice, do direito privado, sem que fosse atribuída autonomia científi ca àquela matéria 11.

No decorrer do século XIX, este quadro começa a se alterar e, gradati-vamente, são desenvolvidos conceitos e estruturas próprias que resultam na autonomia do processo 12. Dessa maneira, a Teoria Geral do Processo ganha conotação científi ca e é fortalecida por primorosos estudos sobre o processo, ação e jurisdição que, por fi m, conduzem à autonomia deste ramo do Direito.

Na virada do século XIX para o XX, ocorreu uma profunda construção dog-mática do processo na Europa Ocidental, onde se destacaram os estudos de Giu-seppe Chiovenda e Francesco Carnelutti. Contudo, em meados do século XX, quando a ciência processual já estava estruturada e contava com seus próprios institutos, o processo passa por um período de crise. De fato, a comunidade jurídica começa a perceber que o sistema processual não pode ser destituído de conotações éticas e de objetivos a serem cumpridos nos planos social e político.

Em 1950, durante o ato inaugural do Congresso Internacional de Direito Processual Civil de Florença, o consagrado professor italiano Piero Calaman-drei realiza profundas críticas a essa visão demasiadamente abstrata e dog-mática da ciência processual, visão esta que não atentava para as verdadeiras fi nalidades da atividade jurisdicional:

O pecado mais grave da ciência processual destes últimos cinquenta anos tem sido, no meu entender, precisamente este: haver separado o processo de sua fi nalidade social; haver estudado o processo como um território fechado, como um mundo por si mesmo, haver pensado que se podia criar em torno do mesmo uma espécie de soberbo isolamento separando-o cada vez de maneira mais profunda de todos os vínculos com o direito substancial, de todos os contatos com os problemas de substância, da justiça, em soma13.

Não obstante, somente alguns anos depois, na década de setenta do século passado, é que se pode identifi car o verdadeiro turning point de nossa ciência. Naquela década, o notável jurista peninsular Mauro Cappelletti, baseado em profundo trabalho de pesquisa do Instituto de Pesquisas de Florença, e de di-versas escolas ao redor do mundo, escreveu a magistral obra de quatro volumes denominada Access to Justice 14, em que apresentava relatórios e conclusões de diversos anos de pesquisa, além de numerosas sugestões para melhorar o problema do acesso à justiça. Esta obra é considerada o marco de nascimento da atual fase instrumentalista ou teleológica da ciência processual.

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15 a) Assistência judiciária para os pobres; b) represen-tação dos interesses coleti-vos e difusos; e c) um novo enfoque de acesso à justiça amplo, efetivo, justo e ade-quado. CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1988.

16 CALSAMIGLIA, Albert. Postpositivismo. In: Doxa: Cuadernos de Filosofía del Derecho. Espanha: Doxa 21-I, 1998, p. 209-220.

No trabalho de Cappelletti, estão retratados os diversos obstáculos encon-trados em vários países do mundo para que se tenha uma justiça efetiva. São também sugeridas possíveis soluções para o problema: Cappelletti se referiu a três momentos a serem superados, aos quais chamou de “ondas renovatórias” do acesso à justiça 15. Estavam, assim, lançadas as premissas de uma nova concepção do processo.

Na atual fase de evolução do direito processual, busca-se um efetivo e am-plo acesso à justiça. O Judiciário idealizado por Cappelletti deve ser acessível a todos e a todas as espécies de demandas, individuais e coletivas, contem-plando o titular de um direito com tudo e exatamente aquilo que o ordena-mento jurídico lhe assegura. A atividade jurisdicional deve, ainda, produzir resultados individuais e socialmente justos.

Assim, o direito processual de nossos dias é caracterizado por uma menor preocupação com as formalidades processuais e maior com a justiça da de-cisão e os refl exos desta na sociedade. Deseja-se, assim, formar um processo apto a atingir os resultados políticos e sociais que legitimam sua existência.

2. Pós-positivismo e Teoria Geral do Processo

É comum nos dias de hoje em nossa comunidade jurídica a afi rmativa de que nosso Direito se encontra na fase “pós-positivista”. O signifi cado da expressão “pós-positivismo” é de difícil — senão impossível — defi nição. Em verdade, ela busca representar o atual momento em que, sem fugir do princí-pio da legalidade, se deseja superar alguns excessos do positivismo radical que imperou em nossos tribunais no século XX.

Segundo o jusfi lósofo espanhol ALBERT CALSAMIGLIA 16, os adeptos do pós-positivismo não defendem um antipositivismo (ou direito alternati-vo). O que ocorre é um deslocamento do enfoque das questões abordadas e, em alguns casos, o distanciamento de certas teses sustentadas pela maior parte da doutrina positivista.

De forma sintética, segundo o referido autor, são dois os pontos em que o pós-positivismo busca dar este novo enfoque:

a) Os limites do Direito. No pós-positivismo, as normas jurídicas não possuem somente elementos descritivos para tratar de fatos passa-dos, mas também elementos prescritivos, com o objetivo de ofere-cer elementos adequados para resolver problemas práticos. Existe uma preocupação relacionada aos elementos de completude do or-denamento para solucionar hard cases. Uma das tendências mais importantes da teoria jurídica contemporânea é sua insistência nos problemas relativos à indeterminação do Direito, pois as tradicio-

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17 MARINONI, Luis Guilherme. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

nais fontes normativas não podem resolver todas as questões. Ade-mais, o pós-positivista coloca o julgamento (a aplicação do direito), e não a legislação, como feito pelos positivistas, no centro da análise da ciência jurídica.

b) A relação entre Direito e moral. Para o positivista, a moral só tem importância na medida em que ela é reconhecida pelo ordenamen-to jurídico (o Direito não perde sua coercitividade por ser injusto). Na realidade, ao contrário do que comumente se afi rma, a mo-ral possui curial importância para o Direito, ora na interpretação de conceitos jurídicos indeterminados, de princípios jurídicos, ora em outros momentos em que o magistrado se encontra diante de lacunas do ordenamento. Assim, conclui CALSAMIGLIA, as fer-ramentas oferecidas pelo legislador são insufi cientes para construir uma forma de julgamento aplicável a todo e qualquer caso.

Dentro dessa perspectiva, é natural que seja ultrapassada a antiga concep-ção de que a atividade jurisdicional seria uma atividade meramente declara-tória de direitos. Contudo, até hoje, muitos cursos de direito processual ado-tados no Brasil ainda partem daquela velha premissa, consagrada na lição de Montesquieu, de que o juiz seria a mera boca que pronuncia as palavras da lei.

Recentemente, Luiz Guilherme Marinoni, Professor Titular de Direito Pro-cessual Civil da Universidade Federal do Paraná, publicou sua obra de Teoria Geral do Processo 17, em que busca superar a clássica visão apontada no parágra-fo anterior. Baseado nas lições de ilustres autores alienígenas — tais como Hans Kelsen, Owen Fiss e Mauro Cappelletti —, Marinoni defende a possibilidade da construção de novos direitos através da prestação da tutela jurisdicional.

Como se sabe, o surgimento de normas jurídicas relacionadas à imple-mentação de direitos sociais, no decorrer do século XX, acarretou a gradual transformação do Welfare State em um imenso Estado administrativo, sobre-carregado de funções a desempenhar, bem diferente de seu antecessor, o Es-tado liberal. A implementação desses direitos sociais exige ações por parte do Estado. Nesse passo, importantíssimas implicações são impostas aos juízes.

O Judiciário de nossos dias não realiza mais apenas a tutela de direitos civis e penais relativos ao cidadão, mas, também, o controle dos poderes polí-ticos do Estado. À guisa de exemplo, vale apontar as recentes discussões sobre a sindicabilidade ou não do ato administrativo pelo Estado-juiz e sobre a pos-sibilidade ou não do controle jurisdicional sobre as omissões administrativas.

Ademais, com o reconhecimento da existência de uma terceira geração de direitos humanos — os interesses difusos — restou evidente o caráter de dis-cricionariedade existente na atividade jurisdicional, bem como a necessidade de repensar toda a Teoria Geral do Processo.

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3. Tutela jurisdicional de interesses disponíveis e indisponíveis. Interesse de grupo

Inexiste critério objetivo no direito positivo brasileiro para determinar se estamos diante de interesses disponíveis ou indisponíveis. Nossa doutrina também não chegou a um consenso sobre quais direitos são ou não indispo-níveis e quais os parâmetros para tal classifi cação. Há casos, como por exem-plo, no direito de família e nos direitos da personalidade, em que é difícil apontar se determinado interesse é ou não disponível.

De qualquer modo, há hipóteses em que não encontramos dúvidas de que estamos diante de tutela de determinado interesse que não está na esfera de disponibilidade das partes que litigam em juízo. É o caso, por exemplo, da tutela do meio ambiente realizada por intermédio de uma ação civil pública. Nessa hipótese, os legitimados pelo art. 5º da Lei nº 7.347/84 atuam em nome de toda a sociedade e, por essa razão, não podem abrir mão de um interesse que não lhes pertence.

A ação civil pública é hoje o principal instrumento de tutela de direitos coletivos em nosso país e possui previsão constitucional no artigo 129, in-ciso III e § 1º, da Constituição Federal, sendo regulamentada pelas Leis nº 7.347, de 24 de julho de 1985 (Lei da Ação Civil Pública), e nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor). Sua criação e de-senvolvimento são atribuídos à constatação da insufi ciência dos mecanismos processuais existentes para proteger direitos que transcendem o indivíduo, seja em razão da difi culdade de identifi car sua titularidade, de dividir seu objeto ou, ainda, de tutelá-los de maneira individual.

De fato, é na tutela do interesse de grupo que fi ca mais evidente a necessi-dade de repensar a Teoria Geral do Processo para que seus institutos se adap-tem à chamada jurisdição coletiva. A necessidade de adequar o processo às exigências de uma sociedade massifi cada, ditada pelos avanços tecnológicos e culturais e, bem assim, por suas implicações em diversos setores, tais como o meio ambiente, as relações trabalhistas e de consumo, as políticas públicas e os direitos das minorias, trouxe à tona o debate acerca da reformulação dos institutos e princípios tradicionais do direito processual, de conotação mera-mente individualista.

Como se verá ao longo do curso, institutos tradicionais da Teoria Geral do Processo, tais como legitimidade e coisa julgada, tiveram que ser adaptados para que esse ramo do Direito pudesse tratar, também, de interesses de gru-po. De igual modo, os princípios constitucionais do processo adquirem uma nova dimensão na tutela de direitos indisponíveis.

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4. Jurisprudência

REsp 1.159.087, Luís Felipe Salomão, Quarta Turma, julgamento unâni-me em 17/04/12

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECEBIMENTO DE CHEQUE SEM FUNDOS. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINIS-TRATIVO DO ENDEREÇO DO EMITENTE. DESCABIMENTO. AÇÃO DE EXIBIÇÃO EM FACE DO BANCO PARA QUE A INSTI-TUIÇÃO FINANCEIRA EXIBA O DOCUMENTO DE CADASTRO DO EMITENTE DO CHEQUE. POSSIBILIDADE. MULTA COMINA-TÓRIA. INVIABILIDADE.

1. A atividade bancária, dada sua relevância econômico-social, sofre in-tervenção direta e indireta do Estado, consoante manifesto interesse público que a envolve, submetendo-se à Lei 4.595/64 e a normatização do Conselho Monetário Nacional e Banco Central.

2. O acórdão recorrido consignou que a cártula de cheque foi devolvida pelo denominado “motivo 11”, o que, nos termos do artigo 4º da Circular 2.989/2000, da Diretoria colegiada do Banco Central, vigente à época dos fatos, impunha à instituição fi nanceira que prestasse informação acerca do endereço do emitente.

3. Tendo em vista que os artigos 339 a 341 do Código de Processo Civil impõem a terceiros o dever de colaboração com o Judiciário, o fornecimento de informações de natureza cadastral aos credores da obrigação cambiária é feito em benefício do direito fundamental de ação, da função social do contrato, do sistema de crédito e da economia, da adequada utilização do cheque, que contribui para o aperfeiçoamento do sistema fi nanceiro, da pro-teção do credor de boa-fé e da solução rápida dos confl itos, não podendo o Banco acobertar o devedor.

4. Como é cediço, a sentença proferida na ação de exibição, proposta em face de terceiro, tem caráter mandamental, não cabendo a imposição de as-treintes, mas pode ser fi xado prazo para que o requerido exiba o documento vindicado, sob pena de ser determinada a expedição de mandado de busca e apreensão. É bem por isso que orienta a Súmula 372/STJ que, na ação de exibição de documentos, não cabe a aplicação de multa cominatória.

5. Recurso especial parcialmente provido para afastar a multa cominatória.

Notícia especial do STJ sobre cheque, mencionando o acórdão acima (07/04/13):

Outra decisão do STJ garantiu aos credores o acesso ao endereço de emi-tente de cheque sem fundos. Para os ministros da Quarta Turma, o banco tem dever geral de colaboração com o Judiciário e deve fornecer o endereço, se determinado pela Justiça (REsp 1.159.087).

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Para o colegiado, o sigilo bancário é norma infraconstitucional e não pode ser invocado de modo a tornar impunes condutas ilícitas ou violar outros direitos confl itantes. Além disso, os ministros afastaram a alegação de que a medida viola direitos do consumidor.

“Apesar de o Código de Defesa do Consumidor alcançar os bancos de dados bancários e considerar abusiva a entrega desses dados a terceiros pelos fornecedores de serviços, o CDC impõe que se compatibilizem a proteção ao consumidor e as necessidades de desenvolvimento econômico”, destacou o ministro Luis Felipe Salomão, relator do caso.

V. RECURSOS/MATERIAIS UTILIZADOS

Leituras obrigatórias:

GRINOVER, Ada Pellegrini. Modernidade do direito processual brasileiro. Revista da Faculdade de Direito da USP. São Paulo, 1993, pp. 273/298.

BUENO, Cássio Scarpinella. O “modelo constitucional do direito processual civil”: um paradigma necessário de estudo do direito processual civil e algu-mas de suas aplicações. Revista de Processo. Ano 33, n. 161, jul/2008. São Paulo, 2008, pp. 261/270.

Leituras complementares:

BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). Temas de direi-to constitucional, tomo IV. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 61-120.

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRI-NOVER, Ada Pellegrini. Teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros. Capí-tulo 5 — Direito processual constitucional (na 28ª edição, de 2012, p. 87-97).

DINAMARCO, Cândido Rangel. Universalizar a tutela jurisdicional. Fun-damentos do processo civil moderno, tomo II. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 838-875.

GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil, volume I. Rio de Janeiro: Forense. Capítulo I — Paradigmas da justiça contemporânea e acesso à justi-ça (na 3. edição, de 2011, p. 1-20).

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MESQUITA, José Ignácio Botelho de. As novas tendências do direito pro-cessual: uma contribuição para o seu reexame. Revista Forense, nº 361, mai/jun 2002, p. 47-72.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Notas sobre alguns fatores extrajurídicos no julgamento colegiado. In Temas de direito processual: sexta série. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 145-172.

______. O futuro da Justiça: alguns mitos. Revista de Processo, n. 99, jul./set. 2000, p. 141-150.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Fungibilidade de “meios”: uma outra di-mensão do princípio da fungibilidade. In Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outras formas de impugnação às decisões judiciais, co-ordenadores Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 1.090-1.144.

VI. AVALIAÇÃO

Casos geradores:

1) Maria propõe demanda de reparação por danos materiais e compensa-ção por danos morais em face de laboratório produtor do anticoncepcional X, por ela utilizado. Afi rma que, sendo consumidora do citado anticoncepcional, engravidou, de maneira indesejada, durante a utilização do produto. Afi rma, ainda, que foram colocadas no mercado cartelas com apenas vinte comprimi-dos e não vinte e um, o que seria o correto. O réu alega não haver provas de tais afi rmativas, bem como que o nascimento de um fi lho não pode ser causa que confi gure dano moral. Ressalte-se, por fi m, que restou comprovado a colocação no mercado de lote com defeito. Diante do caso apresentado, responda:

a) Diante da impossibilidade probatória da autora, como deve ser julgada a demanda e quais seriam os fundamentos utilizados?

b) Como devem ser interpretadas as normas processuais no caso apresen-tado, de forma restritiva ou ampliativa?

Referência: STJ. REsp 918.257. Rel. Min. Nancy Andrighi. Terceira Tur-ma. J. 03/05/07.

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2) Mário propôs demanda de investigação de paternidade em face de seu suposto pai. O réu alega a existência de coisa julgada, decorrente de demanda ajuizada há mais de trinta anos. Contudo, o autor reclama nesta nova deman-da a utilização do exame de DNA, inexistente à época da primeira demanda. Sendo assim, responda:

a) Pode-se desconsiderar a coisa julgada no caso apresentado?

b) O que deve prevalecer, o direito material ou o direito processual?

c) É possível a proposta de nova demanda investigatória de paternidade, sob o argumento da existência de meios mais modernos que podem aferir com precisão a citada paternidade?

Referência: STJ. EDcl na MC 18.265. Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseve-rino. Terceira Turma. J. 12/6/2012.

VII. CONCLUSÃO DAS AULAS

Conforme ressaltado, são dois os principais motivos que levam à necessi-dade de reformulação da Teoria Geral do Processo:

a) Superação da clássica concepção da jurisdição como atividade me-ramente declaratória de direitos;

b) Necessidade de adaptar seus tradicionais institutos à tutela coletiva de direitos.

Acrescente-se a isso o atual estágio de insatisfação do jurisdicionado com a prestação da tutela jurisdicional. Assim, é necessário buscar novos meios para que se atinja um efetivo e amplo acesso à justiça.

Com efeito, nosso sistema jurídico deve ser acessível a todos e a todas as espécies de demandas, individuais e coletivas, contemplando o titular de uma posição jurídica de vantagem, em tempo razoável, com exatamente aquilo que o ordenamento lhe assegura.

Nesse passo, a atividade jurisdicional deve, ainda, produzir resultados in-dividuais e socialmente justos. É dentro dessa perspectiva que deve ser com-preendido o nosso curso de Teoria Geral do Processo.

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AULAS 5, 6 E 7: OS PRINCÍPIOS MAIS RELEVANTES DO DIREITO PROCESSUAL.

I. TEMA:

Os princípios mais relevantes do direito processual.

II. ASSUNTO

Análise dos princípios processuais mais relevantes, positivados na Consti-tuição da República.

III. OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Na CRFB, há princípios processuais fundamentais, tais quais o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório. Nestas duas aulas, serão estu-dados estes e outros princípios processuais de grande relevância. Além disso, serão apresentados ao aluno a tutela cautelar e a tutela antecipada, imprescin-díveis à meta da efetividade do processo.

IV. DESENVOLVIMENTO METODOLÓGICO

1. Princípios

Abaixo, seguem alguns dos princípios mais relevantes do direito processual, positivados constitucionalmente.

Princípio da Inafastabilidade (Substancial) do Controle Jurisdicional — art. 5º, XXXV, CRFB

O art. 5º, XXXV, da Constituição brasileira traduz norma fundamental para o processo dos dias atuais. E não se trata “apenas” de garantir o acesso formal ao Judiciário. Muito além disso, tem-se interpretado o dispositivo como uma garantia substancial de tutela jurisdicional efetiva e adequada. Ou seja, estaria aí, em essência, a garantia de acesso à justiça, com implicações e desdobramentos os mais amplos. Também se enxerga no art. 5º, XXXV, da

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18 Curso de Direito Processual Civil, vol, 1, 2008. p. 45.

Constituição o próprio princípio da efetividade, central na atual fase instru-mentalista do direito processual.

Princípios da Imparcialidade e do Juiz Natural — art. 5º, XXXVII e LIII, CRFB

De acordo com a Constituição Federal, os agentes estatais têm o dever de agir com impessoalidade (art. 37, CRFB). Além do artigo 37, a CRFB traz, no seu artigo 93, incisos I a III, as garantias da vitaliciedade, inamovibilida-de e irredutibilidade de subsídios. Essas três garantias aos magistrados são indispensáveis para a sua independência e imparcialidade, e, de certa forma, servem para blindar os juízes de pressões externas.

Os artigos 134 e 135 do CPC são aqueles que preveem as hipóteses de impedimento e suspeição do juiz e também possuem como escopo garantir a imparcialidade dos juízes. Quanto ao princípio do juiz natural, ele encontra previsão no art. 5º, incisos XXXVII e LIII, CRFB, e consiste em dizer que o exercício da jurisdição deve se dar por juízes investidos e competentes na forma da Constituição e das leis. O signifi cado histórico para o princípio do juiz natural se resume em: a) julgamento por juiz investido na função juris-dicional; b) preexistência do órgão judiciário; c) juiz competente segundo a Constituição e as leis.

Princípio do Devido Processo Legal — art. 5º, LIV, CRFB

É a tradução de uma expressão inglesa “due process of law”, cunhada ori-ginariamente há cerca de 800 anos. Segundo Cândido Rangel Dinamarco, em suas Instituições, essa garantia possui o signifi cado sistemático de fechar o círculo das garantias constitucionais do processo, ou seja, o princípio do devido processo legal ressalta a necessidade da indispensabilidade de todas as garantias processuais.

Princípio do Contraditório — art. 5º, LV, CRFB

Diz Fredie Didier Jr.: “O processo é um instrumento de composição de confl ito — pacifi cação social — que se realiza sob o manto do contraditório. O contraditório é inerente ao processo. Trata-se de princípio que pode ser de-composto em duas garantias: participação (audiência; comunicação; ciência) e possibilidade de infl uência na decisão” 18.

Dessa maneira, a doutrina atual entende o contraditório de maneira bem mais abrangente. Não bastam ciência e participação, como defi nia a doutrina clássica. Mais do que isso, é fundamental que as partes tenham a possibilida-

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de de infl uenciar no convencimento do juiz. Daí a importância de o contra-ditório ser prévio à decisão que será proferida, salvo quando houver risco de perecimento de direito.

Princípio da Ampla Defesa — art. 5º, LV, CRFB

É um princípio correlato ao princípio do contraditório, previsto também no artigo 5º, LV, CRFB, Vale assinalar que o princípio da ampla defesa é aplicado de maneira bem mais intensa no processo penal do que no processo civil, como não poderia ser diferente.

Princípio da Duração Razoável do Processo ou Celeridade — art. 5º, LXXVIII, CRFB

A Convenção Americana de Direitos Humanos no seu artigo 8º, I, prevê que “Toda pessoa tem o direito a ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável (...)”.

Para alguns autores, tendo em vista o fato de que o art. 5º, §1º, CRFB, re-cepciona direitos fundamentais oriundos de tratados internacionais dos quais o Brasil faça parte, o direito a um processo sem dilações indevidas já fazia parte do ordenamento pátrio. Para outros, ele poderia ser deduzido do prin-cípio do devido processo legal, art. 5º, LIV, que, como já vimos, serve como um princípio geral no qual estão consagradas todas as garantias processuais.

Esta discussão perdeu o objeto no momento em que a EC n. 45/2004 incluiu o inciso LXXVIII ao artigo 5º da Constituição Federal, tornando expresso o princípio da celeridade ou duração razoável do processo.

Como saber se um processo teve uma duração razoável ou não? A Corte Europeia de Direitos do Homem fi xa três critérios: a) complexidade do as-sunto; b) comportamento dos litigantes e de seus procuradores ou da acusa-ção e da defesa no processo; c) atuação do órgão jurisdicional, tanto no que se refere a sua estrutura, quanto no que se refere à atuação do juiz e servidores da justiça.

Princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos — art. 5º, XII e LVI, CRFB

Há impossibilidade de aproveitamento de provas conseguidas por meios ilícitos. A discussão fundamental, porém, é saber se as garantias previstas nos incisos XII e LVI, do art. 5º, da CRFB são princípios absolutos ou não.

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19 Il processo deve dare per quanto è possibile pratica-mente a chi há un diritto tutto quello e proprio quello ch’egli há diritto di consegui-re” (CHIOVENDA, Giuseppe. “Dell’azione nascente dal contrato preliminare” In: Sag-gi di diritto processuale civile. Milano: Giuff rè, 1993, v. 1, p. 110).

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segu-rança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)XII — é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações

telegráfi cas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fi ns de investigação criminal ou instrução processual penal;

(...)LVI — são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios

ilícitos.(grifo nosso)

Na primeira versão do projeto do novo CPC se dizia expressamente que as provas conseguidas por meios ilícitos poderiam eventualmente ser aproveita-das dentro de um juízo de ponderação. Isso, contudo, não está mais no texto do novo CPC.

Há autores que são visceralmente contrários a qualquer relativização do princípio. Invocam a veia autoritária do Estado brasileiro, que até hoje se manifesta e deve ser permanentemente combatida. Há casos, entretanto, em que a própria dignidade da pessoa humana, notadamente quando em jogo interesses de incapazes, pede alguma relativização do princípio. Desta forma, não se estaria descumprindo a Constituição da República, mas sim ponde-rando os princípios constitucionais.

Tome-se como exemplo a fi lmagem de um caso de pedofi lia, sem autoriza-ção judicial, para fi ns de revogação de uma guarda. Em um caso assim, qual o valor que deve preponderar? A prova deve ser desconsiderada, propiciando-se a continuação dos abusos contra uma criança?

2. Efetividade como valor fundamental do processo contemporâneo

Muito antes da evolução do processo para sua atual missão política e so-cial, voltada para a instrumentalidade e a efetividade, CHIOVENDA já pre-conizava que o ideal do processo deveria ser “dar a quem tem direito” 19 o quanto possível e, de forma prática, tudo e exatamente aquilo que tivesse direito. Com razão, é de se perceber que o processo, instrumento de reali-zação dos direitos, somente obtém êxito integral em seu mister quando for capaz de gerar, na realidade social, resultados idênticos aos que decorreriam do cumprimento natural e espontâneo das normas jurídicas.

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20 CRUZ e TUCCI, José Rogério. Tempo e Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. Faz importantes observações sobre as consequências da lentidão do processo para a sociedade.

21 DORIA, Rogéria Dotti. A tutela antecipada em rela-ção à parte incontroversa da demanda. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

Daí se dizer que o processo ideal é aquele que dispõe de mecanismos aptos a produzir ou a induzir a concretização do direito mediante a entrega da exata prestação devida. Assim, se determinada pessoa é credora de uma obrigação de não fazer, o ordenamento deve dispor de mecanismos hábeis a impedir que o devedor descumpra essa obrigação. Eventual conversão em perdas e danos não satisfaz, por completo, os ideais perseguidos pelo processualista moderno. À guisa de exemplo, basta pensar em eventuais danos causados ao meio ambiente (direitos difusos), em que uma tutela preventiva (inibitória) é bem mais efi caz do que a tutela pelo equivalente monetário.

Conforme já referido, o direito processual, através de suas normas e prin-cípios, atinge hoje a denominada fase instrumentalista, não podendo mais ser visto apenas como ramo meramente técnico para realização do direito material, mas sim como meio efetivo e célere para produzir justiça entre os membros da sociedade. Destarte, considera-se principalmente o modo como os seus resultados chegam ao jurisdicionado.

Por outro lado, é importante observar que um fator negativo, em especial, tem sido considerado como obstáculo quase que insuperável para que tenha mos um processo efetivo: o fator tempo. A lentidão da Justiça traz consequ-ências danosas para toda a sociedade, em todos os seus setores 20. Não foi por acaso que nosso legislador constituinte derivado alçou o princípio da razoável duração do processo (Emenda Constitucional n. 45/05) à categoria de nor-ma constitucional, alterando, assim, o art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988 e fazendo a inclusão, no seu inciso LXXVIII, da exigência de que todo processo judicial tenha um prazo de duração razoável.

3. Efetividade e tempo do processo

“Enquanto a efetividade dos direitos exige uma atuação extremamente ágil e rápida por parte do Poder Judiciário, a busca da segurança jurídica demanda cautela, cuidado e, acima de tudo, tempo.” 21

Inúmeras reformas foram feitas em nossa legislação processual com a fi -nalidade de obter um processo mais efetivo. Dentre as diversas alterações feitas, destacamos a introdução dos institutos da “tutela antecipada” (art. 273, CPC) e da “tutela específi ca” das obrigações de fazer e não fazer (art. 461, CPC), realizadas pela Lei. 8.952/94 (Reforma Processual de 1994) e, posteriormente, alteradas pela Lei. 10.444/02 (a “reforma da reforma”, que ampliou a incidência da tutela específi ca também para as obrigações de dar coisa certa (art. 461-A, CPC).

Como acima referido, o tempo é um dos maiores entraves existentes para que se tenha um processo justo. Normalmente, os ônus causados pela mo-

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22 Classifi cação atribuída a WATANABE, Kazuo. Da Cog-nição no Processo Civil. 2. ed., São Paulo: Centro de Estudos e Pesquisas Judiciais, 1999.

rosidade da Justiça recaem sobre o autor do processo, que necessita aguardar longos anos — às vezes até décadas — para receber aquilo que lhe está as-segurado pelo ordenamento jurídico. “Justiça tardia é justiça pela metade” é frase constantemente ouvida nos corredores forenses.

Malgrado a reclamação com a lentidão do processo seja quase que unâ-nime, não se pode deixar de observar que, em quase todo processo, existe pelo menos uma parte — muitas vezes o réu — interessada em procrastinar a prestação jurisdicional. Assim, a legislação processual possui mecanismos para, em determinadas situações, inverter os ônus causados pela morosidade da justiça, quando o direito do autor estiver evidenciado no processo.

4. Tutela antecipada

A tutela antecipada é uma espécie de tutela sumária, ou seja, aquela que é feita sem um grau de cognição de certeza do direito e sim com base no juízo de probabilidade, conforme previsto no art. 273 do CPC. Diferencia-se essa espécie da cognição exauriente 22, realizada na sentença, onde se busca um grau maior de convicção acerca do direito disputado.

A tutela antecipada é uma técnica processual que permite a antecipação dos efeitos da tutela defi nitiva. Dessa forma, ela vem dirimir o confl ito exis-tente entre a tutela do direito e o tempo do processo (direito x tempo). O legislador permite que o juiz antecipe os efeitos da decisão de mérito fi nal com o intuito de evitar que o decurso do tempo limite ou impossibilite o exercício do direito.

Os requisitos da tutela antecipada se dividem em genéricos (sempre de-vem ser observados) e específi cos (incidem de acordo com o caso concreto).

5. Requisitos da tutela antecipada

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6. Tutela antecipada versus tutela cautelar

Não se pode confundir o instituto da tutela antecipada com a tutela cau-telar, que há muito já estava expressamente prevista na legislação processual (vide Livro III do CPC / 73). Contudo, é importante observar que as medi-das antecipatórias já existiam pontualmente em nosso ordenamento, mesmo antes da nova redação do art. 273 do CPC. Como exemplo, temos as limina-res concedidas na ação de despejo, ação possessória, mandado de segurança, ação de alimentos.

Assim, por não existir expressa previsão de uma antecipação de tutela, a doutrina e a jurisprudência, para assegurar a efetividade do provimento juris-dicional e o acesso à justiça, passaram a admitir a concessão de “cautelares sa-tisfativas”, normalmente concedidas através de ações cautelares inominadas. Com a adoção da tutela antecipada na reforma de 1994, o provimento ante-cipatório passou a ser admitido em todos os demais procedimentos previstos na legislação processual.

Embora relacionadas às situações em que o tempo aparece como grave obstáculo à efetividade do processo, tutela antecipada e tutela cautelar pos-suem fi nalidades diversas. De fato, o escopo da medida cautelar é a efetivi-dade do processo principal, que, sem a mesma, poderá ser inútil (exemplo: arresto dos bens de devedor que está dilapidando seu patrimônio).

A tutela antecipatória, por sua vez, visa proteger o próprio direito, que corre o risco de perecer. A tutela antecipada é satisfativa; a cautelar, não. As tutelas satisfativas são aquelas que permitem a atuação prática do direito ma-terial, assegurando o bem comum da vida humana protegido pelo processo.

Por sua vez, a tutela não satisfativa é aquela que não protege o direito material, mas sim se limita a assegurar a utilidade do instrumento processual (daí se dizer que as cautelares possuem “instrumentalidade ao quadrado”). É válido observar que nem sempre a tutela antecipada terá como requisito o perigo na demora da prestação jurisdicional. Esta é apenas a primeira das hipóteses de concessão da tutela antecipada (273, I CPC), podendo, ainda, a tutela antecipada ser utilizada em hipótese de abuso de direito de defesa do réu (273, II) ou quando um ou mais dos pedidos realizados, ou parte de algum desses pedidos, for incontroverso (273, § 6º do CPC).

Em qualquer das três hipóteses, entretanto, deve ser demonstrada pelo requerente a probabilidade de existência de seu direito por meio de prova inequívoca.

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7. Jurisprudência

Princípio do contraditório e eficácia horizontal dos direitos fundamentais

SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEI-RA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DI-REITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO.

I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direi-tos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados.

II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AU-TONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitu-cional brasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da Repúbli-ca, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, espe-cialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atua-ção, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e defi nidas pela própria Constituição, cuja efi cácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais.

III. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO PÚBLICO, AINDA QUE NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO CON-TRADITÓRIO. As associações privadas que exercem função predominante em determinado âmbito econômico e/ou social, mantendo seus associados em relações de dependência econômica e/ou social, integram o que se pode denominar de espaço público, ainda que não-estatal. A União Brasileira de

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Compositores — UBC, sociedade civil sem fi ns lucrativos, integra a estru-tura do ECAD e, portanto, assume posição privilegiada para determinar a extensão do gozo e fruição dos direitos autorais de seus associados. A exclusão de sócio do quadro social da UBC, sem qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido processo constitucional, onera consideravel-mente o recorrido, o qual fi ca impossibilitado de perceber os direitos autorais relativos à execução de suas obras. A vedação das garantias constitucionais do devido processo legal acaba por restringir a própria liberdade de exercício profi ssional do sócio. O caráter público da atividade exercida pela sociedade e a dependência do vínculo associativo para o exercício profi ssional de seus sócios legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos direitos funda-mentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CRFB). IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO.

(STF. RE 201.819. Rel. para acórdão Min. Gilmar Mendes. Segunda Tur-ma. J. 11/10/2005. DJ. 27/10/2006).

Interceptação telefônica no processo civil

Em situações excepcionais, é possível interceptação telefônica em investi-gação de natureza civil

É possível a intercepção telefônica no âmbito civil em situação de extrema excepcionalidade, quando não houver outra medida que resguarde direitos ameaçados e o caso envolver indícios de conduta considerada criminosa. A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar habeas corpus preventivo em que o responsável pela execução da quebra de sigilo em uma empresa telefônica se recusou a cumprir determinação judicial para apurar incidente de natureza civil.

O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) julgou correta a decisão do juízo de direito de uma vara de família, que expediu ofício para investigar o paradeiro de criança levada por um familiar contra determinação judicial. O gerente se negou a cumprir a ordem porque a Constituição, re-gulamentada neste ponto pela Lei 9.296/96, permite apenas a interceptação para investigação criminal ou instrução processual penal.

O TJMS considerou que é possível a interceptação na esfera civil quando nenhuma outra diligência puder ser adotada, como no caso julgado, em que foram expedidas, sem êxito, diversas cartas precatórias para busca e apreensão da criança. O órgão assinalou que o caso põe em confronto, de um lado, o direito à intimidade de quem terá o sigilo quebrado e, de outro, vários direi-tos fundamentais do menor, como educação, alimentação, lazer, dignidade e convivência familiar.

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Para o tribunal local, as consequências do cumprimento da decisão judi-cial em questão são infi nitamente menos graves do que as que ocorreriam caso o estado permanecesse inerte. Segundo o relator no STJ, ministro Sidnei Beneti, a situação inspira cuidado e não se trata pura e simplesmente de dis-cussão de aplicação do preceito constitucional que garante o sigilo.

Embora a ordem tenha partido de juízo civil, a situação envolve também a necessidade de apurar a suposta prática do delito previsto pelo artigo 237 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): “Subtrair criança ou ado-lescente ao poder de quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou ordem judicial, com o fi m de colocação em lar substituto.”

O ministro destacou que o responsável pela quebra do sigilo não demons-trou haver limitação na sua liberdade de ir e vir e não há informação no ha-beas corpus sobre o início de processo contra ele, nem sobre ordem de prisão cautelar. “Não toca ao paciente, embora inspirado por razões nobres, discutir a ordem judicial alegando direito fundamental que não é seu, mas da parte”, ressaltou o ministro.

“Possibilitar que o destinatário da ordem judicial exponha razões para não cumpri-la é inviabilizar a própria atividade jurisdicional, com prejuízo para o Estado Democrático de Direito”, afi rmou o ministro. Tendo em vista não haver razões para o receio de prisão iminente, a Terceira Turma não conheceu do pedido de habeas corpus impetrado pela defesa.

(STJ. <http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=103043> Acesso em 8 abril. 2013)

Segue abaixo o acórdão referente à notícia acima citada:

HABEAS CORPUS. QUEBRA DO SIGILO TELEFÔNICO. PROCES-SO CIVIL. INDÍCIOS DE COMETIMENTO DE CRIME. SUBTRA-ÇÃO DE CRIANÇA. DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL POR FUNCIONÁRIO DE COMPANHIA TELEFÔNICA, APOIADO EM ALEGAÇÕES REFERENTES AO DIREITO DA PARTE NO PRO-CESSO. INEXISTÊNCIA DE FUNDADO RECEIO DE RESTRIÇÃO IMINENTE AO DIREITO DE IR E VIR. NÃO CONHECIMENTO.

1 — A possibilidade de quebra do sigilo das comunicações telefônicas fi ca, em tese, restrita às hipóteses de investigação criminal ou instrução processual penal. No entanto, o ato impugnado, embora praticado em processo cível, retrata hipótese excepcional, em que se apuram evidências de subtração de menor, crime tipifi cado no art. 237 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

2 — Não toca ao paciente, embora inspirado por razões nobres, discutir a ordem judicial alegando direito fundamental que não é seu, mas da parte processual. Possibilitar que o destinatário da ordem judicial exponha razões

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para não cumpri-la é inviabilizar a própria atividade jurisdicional, com pre-juízo para o Estado Democrático de Direito.

3 — Do contexto destes autos não se pode inferir a iminência da prisão do paciente. Nem mesmo há informação sobre o início do processo ou sobre ordem de prisão cautelar. Ausentes razões que fundamentariam o justo receio de restrição iminente à liberdade de ir e vir, não é cabível o pedido de habeas corpus.

4 — Habeas corpus não conhecido.(STJ. HC 203.405. Rel. Min. Sidnei Beneti. Terceira Turma. J. 28/6/2011.

DJ. 1/7/2011)

Promotor Natural: Informativo 511 do STJ

A Turma indeferiu habeas corpus em que denunciado a partir de investi-gações procedidas na denominada “Operação Anaconda” pela suposta práti-ca do crime de corrupção ativa (CP, art. 333) pleiteava a nulidade de procedi-mento que tramitara perante o TRF da 3ª Região, sob o argumento de ofensa ao princípio do promotor natural (CRFB, artigos 5º, LIII; 127, § 1º e 128, § 5º, b), bem como de violação a regras contidas no Código de Processo Penal e em portarias da Procuradoria Regional da República da respectiva região. Inicialmente, asseverou-se que, conforme a doutrina, o princípio do promo-tor natural representa a impossibilidade de alguém ser processado senão pelo órgão de atuação do Ministério Público dotado de amplas garantias pessoais e institucionais, de absoluta independência e liberdade de convicção, com atribuições previamente fi xadas e conhecidas. Entretanto, enfatizou-se que o STF, por maioria de votos, refutara a tese de sua existência (HC 67759/RJ, DJU de 1º.7.93) no ordenamento jurídico brasileiro, orientação essa confi r-mada, posteriormente, na apreciação do HC 84468/ES (DJU de 20.2.2006). Considerou-se que, mesmo que eventualmente acolhido o mencionado prin-cípio, no presente caso não teria ocorrido sua transgressão.

(STF. HC 90.277. Rel. Min. Ellen Gracie. Segunda Turma. J. 17/6/2008. DJ. 1/8/2008).

Segue abaixo o acórdão referente ao informativo 511, acima citado:

DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL. INEXISTÊNCIA (PRECEDENTES). AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA NO STJ. INQUÉRITO JUDICIAL DO TRF. DENEGAÇÃO.

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1. Trata-se de habeas corpus impetrado contra julgamento da Corte Espe-cial do Superior Tribunal de Justiça que recebeu denúncia contra o paciente como incurso nas sanções do art. 333, do Código Penal.

2. Tese de nulidade do procedimento que tramitou perante o TRF da 3ª Região sob o fundamento da violação do princípio do promotor natural, o que representaria.

3. O STF não reconhece o postulado do promotor natural como ine-rente ao direito brasileiro (HC 67.759, Pleno, DJ 01.07.1993): “Posição dos Ministros CELSO DE MELLO (Relator), SEPÚLVEDA PERTENCE, MARCO AURÉLIO e CARLOS VELLOSO: Divergência, apenas, quan-to à aplicabilidade imediata do princípio do Promotor Natural: necessidade de “interpositio legislatoris” para efeito de atuação do princípio (Ministro CELSO DE MELLO); incidência do postulado, independentemente de in-termediação legislativa (Ministros SEPÚLVEDA PERTENCE, MARCO AURÉLIO e CARLOS VELLOSO). — Reconhecimento da possibilidade de instituição de princípio do Promotor Natural mediante lei (Ministro SID-NEY SANCHES). — Posição de expressa rejeição à existência desse princí-pio consignada nos votos dos Ministros PAULO BROSSARD, OCTAVIO GALLOTTI, NÉRI DA SILVEIRA e MOREIRA ALVES”.

4. Tal orientação foi mais recentemente confi rmada no HC n° 84.468/ES (rel. Min. Cezar Peluso, 1ª Turma, DJ 20.02.2006). Não há que se cogitar da existência do princípio do promotor natural no ordenamento jurídico brasileiro.

5. Ainda que não fosse por tal fundamento, todo procedimento, desde a sua origem até a instauração da ação penal perante o Superior Tribunal de Jus-tiça, ocorreu de forma transparente e com integral observância dos critérios previamente impostos de distribuição de processos na Procuradoria Regional da República da 3ª Região, não havendo qualquer tipo de manipulação ou burla na distribuição processual de modo a que se conduzisse, propositada-mente, a este ou àquele membro do Ministério Público o feito em questão, em fl agrante e inaceitável desrespeito ao princípio do devido processo legal.

6. Deixou-se de adotar o critério numérico (referente ao fi nais dos al-garismos lançados segundo a ordem de entrada dos feitos na Procuradoria Regional) para se considerar a ordem de entrada das representações junto ao Núcleo do Órgão Especial (NOE) em correspondência à ordem de ingresso dos Procuradores no referido Núcleo.

7. Na estreita via do habeas corpus, os impetrantes não conseguiram de-monstrar a existência de qualquer vício ou mácula na atribuição do procedi-mento inquisitorial que tramitou perante o TRF da 3ª Região às Procurado-ras Regionais da República.

8. Não houve, portanto, designação casuística, ou criação de “acusador de exceção”.

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9. Habeas corpus denegado.

V. RECURSOS/MATERIAIS UTILIZADOS

Leituras obrigatórias:

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Volume I. 24ª edição. São Paulo: Atlas, 2013 — Capítulo IV.

GRINOVER, Ada Pellegrini. Princípios processuais fora do processo. Revis-ta de Processo, n. 147. São Paulo, 2007, pp. 307/330.Leituras complementares:CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 28ª edição. São Pau-lo: Malheiros, 2012.

DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Volume I. 15ª edição. Salvador: Juspodium, 2013.

NERY JR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 9ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009.

VI. AVALIAÇÃO

Casos geradores:

1) Isabel, funcionária de sociedade de telefonia, impetra habeas corpus contra o Tribunal de Justiça. Informa a impetrante que o juízo da 6ª Vara de Família expediu ofício determinando a quebra de sigilo telefônico de réu em processo que nele tramitava. Isabel, por entender não ser lícito o cum-primento da decisão, objetiva não sofrer consequências de natureza penal. Pergunta-se:

a) Há possibilidade de quebra de sigilo telefônico no processo civil?

b) Há possibilidade de relativização do princípio informado pelo art. 5º, XII, da CRFB? Se sim, sob quais fundamentos? Tal princípio é absoluto?

c) Poderia Isabel, sob o argumento de entender não ser viável a quebra do si-gilo telefônico no caso apresentado, se recusar a cumprir determinação judicial?

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d) Há fundamentos sufi cientes que justifi quem a impetração de habeas corpus preventivo?

Referência: STJ. HC 203.405. Rel. Min. Sidnei Beneti. Terceira Turma. J. 28/6/2011.

2) Mario propõe em face de Roberto demanda indenizatória, cujo pedido foi certo com relação aos danos materiais sofridos em decorrência de acidente de trânsito. O juízo de primeira instância julgou procedente o pedido, con-denando, contudo, o réu a pagamento superior ao pedido feito na inicial, sob o fundamento de que os danos sofridos foram comprovados, mas tal pedido foi baseado em mero orçamento, cuja majoração restou comprovada ao longo do processo. Recorre o réu, alegando julgamento ultra petita. Sendo assim, responda:

a) A fi xação de indenização em valor superior ao pedido feito na inicial caracteriza julgamento ultra petita no caso apresentado? Justifi que.

b) Foi correta a decisão do juízo de primeira instância ao condenar o réu em indenização acima do pedido feito na inicial sob o fundamento de este ter sido feito com base em estimativa? Justifi que.

Referência: STJ. REsp 533.163. Rel. Min. Nancy Andrighi. Terceira Tur-ma. J. 2/6/2005. DJ 1/8/2005.

3) Bernardo foi condenado à pena de dois anos e três meses de detenção, em regime aberto, pela prática de homicídio culposo na condução de veículo automotor (art. 302 da Lei 9.503/97). Sua pena foi substituída por duas res-tritivas de direito. Em apelação, arguiu preliminarmente, a nulidade absoluta do processo por ausência de defesa, uma vez que o advogado que o represen-tava à época da apresentação das alegações fi nais pugnou pela sua condena-ção, nos termos da manifestação ministerial, não apresentando nenhuma tese em seu favor; e, no mérito, pleiteou sua absolvição. Responda:

a) Como deve decidir o tribunal?

b) Levando-se em consideração que o advogado de Bernardo não apresen-tou tese de defesa, houve aplicação substancial dos princípios da ampla defesa e do contraditório? Houve defesa substancial ou meramente formal?

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Referência: STJ. REsp 1.000.256. Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima. Quin-ta Turma. J. 3/3/2009. DJ. 30/3/2009.

VII. CONCLUSÃO DAS AULAS

Princípio é uma espécie de norma. É importante frisar que o princípio consiste na densifi cação jurídica de determinados valores. É a roupagem jurí-dica dos valores que estão na sociedade. Assim, quando se estudam os princí-pios, é de valores que se está falando.

Há uma visão dicotômica dos valores processuais, a partir dos quais se irra-diam os princípios. Os dois grandes valores que se podem enunciar em relação ao direito processual são: i) valor segurança; previsibilidade; tentativa de evitar arbitrariedades no processo; e ii) efetividade e celeridade do processo.

Veja-se, ainda, que, ao representarem valores, os princípios processuais ganham elasticidade, podendo ser aplicados, também, fora do processo ju-risdicional.

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UNIDADE II: JURISDIÇÃO. COMPETÊNCIA

AULAS 8, 9 E 10: JURISDIÇÃO.

I. TEMA

Jurisdição.

II. ASSUNTO

A jurisdição pode ser entendida como peça fundamental para a atuação estatal, dentro do objetivo de aplicar o direito material ao caso concreto apre-sentado, resolvendo situação de crise jurídica e obtendo, por conseguinte, a pacifi cação social.

III. OBJETIVOS ESPECÍFICOS

O objetivo das aulas é analisar a jurisdição, sendo esta a função estatal que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei, por meio da substitui-ção, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou dos próprios órgãos públicos, seja ao afi rmar a vontade da lei, seja tornando tal vontade efetiva. Este é o entendimento de Chiovenda, que cuida, ainda, da dualidade entre cognição e execução. A cognição é o afi rmar a vontade da lei, sendo atividade eminentemente declarativa, já que o juiz declara quem tem razão. Contudo, isso não basta para a efetividade do direito. Deve-se tornar a vontade efetiva, por meio das formas executivas.

IV. DESENVOLVIMENTO METODOLÓGICO

1. Introdução

A jurisdição constitui a forma estatal, por excelência, de composição de litígios, embora não seja a única. A sociedade, desde tempos longínquos, convive com divergências que geram os confl itos, as lides. Para solucionar esta resistência à negociação, o Estado, que veda a autotutela, manifesta-se por meio da jurisdição, cuja regência se operará por meio dos ritos estabele-cidos pelo legislador.

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Palavra que vem do latim jurisdictio (que etimologicamente signifi ca “di-zer o direito”), a jurisdição tem como fi m último a pacifi cação social e con-siste em um poder-dever do Estado, pois, se por um lado corresponde a uma manifestação do poder soberano do Estado, impondo suas decisões de forma imperativa, por outro corresponde a um dever que o Estado assume de diri-mir qualquer confl ito que lhe venha a ser apresentado.

Assim, à medida que o Estado, vedando a justiça privada, retira do indi-víduo a possibilidade de buscar por suas próprias forças a resolução dos con-fl itos, assume, em contrapartida, o poder-dever de solucioná-los com justiça, uma vez que a perpetuação de pretensões insatisfeitas e controvérsias penden-tes de resolução constituiria fonte de intensa perturbação da paz social.

Segundo o grande processualista Giuseppe Chiovenda, a função jurisdi-cional é concebida como a função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade objetiva e concreta da lei, mediante a substituição de uma atividade privada por uma atividade pública; ou, consoante outro grande processualis-ta peninsular, Francesco Carnelutti, como a função estatal de justa composi-ção da lide, entendida esta última como o confl ito de interesses qualifi cado pela pretensão de uma parte e resistência de outra.

Pode ser defi nida ainda de acordo com a posição adotada pela doutrina brasileira, que procura relacionar os conceitos supracitados, como sendo a função de atuar a vontade objetiva da lei, com a fi nalidade de obter a justa composição da lide.

Assim, o processo traduz-se numa técnica de solução imperativa de con-fl itos, o monopólio estatal em dirimir controvérsias por meio do exercício da jurisdição, capitaneada pelo Estado-Juiz, que é quem decide, seguida dos auxiliares da Justiça, em que todos exercem o poder estatal. O direito proces-sual, por sua vez, cuidará de estabelecer as regras destinadas a reger como se operará este exercício da jurisdição na solução dos confl itos sociais.

Para distinguir as formas de solução de confl itos, a doutrina tradicional-mente as classifi ca em autodefesa, autocomposição e heterocomposição. Esta última poderia ser feita pelo Estado (jurisdição) ou por um particular, em certos casos específi cos permitidos pela lei (arbitragem).

A autodefesa (ou autotutela) seria a forma mais primitiva de resolução de confl itos. Utilizava-se da força física contra o adversário para vencer sua resistência e satisfazer uma pretensão. Remonta ao Código de Hamurabi, que consagrou a Lei de Talião — “olho por olho, dente por dente” —, que im-punha o revide na mesma medida que a injustiça praticada, sendo utilizada, principalmente, no combate aos criminosos.

Por não garantir a justiça, mas somente a vitória do mais ousado sobre o mais tímido, tal prática foi vedada pelos Estados modernos. Nesse sentido, um passo muito importante foi a garantia do due process of law, cuja origem remonta à Magna Carta (1215), pois esta impedia que qualquer pessoa fosse

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23 A Lei nº 11.232, de 2005, modifi cou a redação do caput do art. 269 do CPC, limitan-do-se a dizer que nos casos elencados “haverá resolução do mérito”, pois nem sempre o processo se extingue atra-vés de decisão impositiva. As sentenças que resolvem o mérito do processo, aprecian-do o objeto do pedido posto em juízo, são denominadas defi nitivas. Já as sentenças terminativas são aquelas em que não há resolução do mérito, pois não chegam a apreciar o chamado objeto da demanda.

privada de seus bens ou de sua liberdade sem que fosse observado o devido processo legal, fi cando proibida, portanto, a autotutela.

Além dessa garantia, hoje prevista em nosso ordenamento jurídico no arti-go 5º, inciso LIV, da CRFB, temos também a regra do artigo 345 do Código Penal, que caracteriza a autotutela como ilícito penal, ao tipifi car o crime de exercício arbitrário das próprias razões. Todavia, o Estado permite a auto-defesa em situações excepcionais, tais como: na legítima defesa no âmbito penal (art. 25, CP); no desforço possessório conferido ao possuidor turbado (art. 1.210, §1º, CC/2002); no direito de retenção do locatário (art. 578, CC/2002) e do depositário (art. 644, CC/2002); bem como no direito de greve, garantido constitucionalmente (art. 9º, CRFB) no âmbito do direito do trabalho.

A autocomposição está presente de forma residual no Direito moderno. Representa forma primitiva, porém mais evoluída de composição de litígios que a autodefesa. Trata-se de solução parcial (por ato dos sujeitos em confl i-to) na qual as partes chegam a um acordo quanto à existência ou inexistência de um direito, seja pela renúncia, pela transação (concessões recíprocas) ou mediante o reconhecimento da pretensão alheia, pondo fi m ao confl ito de interesses existente.

Tal método não desapareceu dos ordenamentos jurídicos modernos, sen-do consentido e até mesmo estimulado em muitas situações (desde que se trate de direitos disponíveis ou de refl exos patrimoniais de direitos indispo-níveis, v.g.: direito a alimentos), embora subsistam críticas quanto à aparente espontaneidade do sacrifício próprio, bem como quanto à desvantagem para a parte mais fraca, resultante de disparidades econômicas ou de uma interpre-tação errônea ou incompleta do direito.

Em nosso ordenamento, a autocomposição pode ocorrer extra ou endo-processualmente, isto é, antes da instauração do processo ou durante a sua pendência, sendo que, na segunda hipótese, os incisos II, III e V do artigo 269 do CPC 23 preveem a extinção do processo com a resolução do mérito.

O juízo arbitral é uma modalidade de heterocomposição (julgamento do litígio por terceiro escolhido consensualmente pelas partes) também voltada à fi xação de existência ou inexistência de um direito. Diferencia-se da conci-liação porquanto esta, além de consistir em meio alternativo de autocompo-sição induzida, permite apenas que um terceiro imparcial conduza as partes a um acordo, nada mais podendo fazer se isso se mostrar inviável.

Já no caso da arbitragem, não havendo possibilidade de acordo entre as partes, caberá ao árbitro impor a sua decisão solucionando a controvérsia, tendo em vista terem as partes previamente acordado que se submeteriam àquilo que por ele viesse a ser decidido (Lei n. 9.307/96).

Os institutos jurídicos da jurisdição, ação e do processo compõe a cha-mada “trilogia estrutural do direito processual”, expressão consagrada pelo

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24 CARNELUTTI, Francesco. Teoria Geral do Direito. São Paulo: Saraiva & Cia Editores, 1942, p. 78-82. Tradução A. Rodrigues Queirós.

jurista argentino Ramiro Podetti. Uma correta compreensão desses institutos é conditio sine qua non para que tenha um bom aproveitamento em todas as disciplinas relacionadas à Teoria Geral do Processo (como, por exemplo: processo civil, penal e trabalhista). De fato, todos os institutos estudados pela ciência processual estão de alguma maneira relacionados a pelo menos um dos três institutos mencionados.

A jurisdição ocupa o centro da teoria processual e por intermédio dela se manifesta uma das formas do poder estatal soberano. O direito de ação é assegurado a todos. Ao exercer esse direito, o cidadão provoca o exercício da atividade jurisdicional. Com feito, o exercício ex offi cio da jurisdição repre-sentaria um motivo de instabilidade social e comprometeria a imparcialidade do órgão julgador. O processo, por sua vez, é o instrumento utilizado pelo Estado para prestar jurisdição e se manifesta por uma série de atos concate-nados para o fi m de obtenção da tutela jurisdicional.

Todos estes institutos foram idealizados com vista ao consumidor da pres-tação jurisdicional, porque é na sua aceitação que se encontra a legitimidade do exercício do poder. Assim, é preciso verifi car se estes institutos estão pro-duzindo uma prestação conforme as expectativas dos seus destinatários.

Como já visto, a participação dos jurisdicionados, assegurada pelo con-traditório, é essencial para que estes possam infl uenciar na decisão a que futuramente estarão vinculados. Nas primeiras aulas do curso, tratamos dos aspectos processuais do fenômeno conhecido por “ativismo judicial”, ou seja, dos limites encontrados na legislação processual para participação do juiz na busca de uma justa solução para o caso que lhe foi submetido. Agora, trata-remos dos limites substanciais encontrados pelo juiz ao decidir os casos que lhe são submetidos. Será correto afi rmar que a jurisdição é uma atividade meramente declaratória de direitos?

A ideia de Direito, nos dias atuais, está amplamente ligada ao exercício, pelo Estado, da função jurisdicional. Seja entre os leigos ou mesmo entre os estudiosos do Direito, é difícil dissociar estes dois conceitos. Todavia, num estágio menos desenvolvido da sociedade humana, não era isso que ocorria e a regra geral era a da autotutela. De fato, em tempos remotos não ocorria intromissão do Estado na resolução de confl itos privados entre seus súditos.

Para melhor entender os modos pelos quais os confl itos sociais surgem, e são resolvidos, é de bom alvitre recorrer à lição de Carnelutti 24. Segundo esse consagrado autor, existem no mundo pessoas e bens (capazes de satisfazer às necessidade do homem) e, obviamente, há constante interesse do ser humano em se apropriar dos bens para satisfazer suas necessidades.

Segundo o renomado jurista, “interesse” seria uma posição favorável à sa-tisfação de uma necessidade que se verifi ca em relação a um bem. No entan-to, como os bens são limitados (diferentemente do que ocorre em relação às ilimitadas necessidades humanas), irão surgir no convívio social confl itos

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25 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pel-legrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Pro-cesso. 14ª edição. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 21-22.

26 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Proces-sual Civil, vol. II. São Paulo: Saraiva & Cia. Editores, 1943, p. 11. Tradução J. Guimarães Menegale. Título original: Istituzioni di Diritto Processu-ale Civile.

de interesses. Caso este confl ito não se dilua no meio social, determinado membro da sociedade irá desejar que o interesse do outro seja subordinado ao seu (esse fenômeno Carnelutti chamou de pretensão). Havendo resistência à “pretensão” do titular de um dos interesses por parte de outrem, surgirá a denominada “lide” (confl ito de interesses).

Para Carnelutti, repita-se, jurisdição é a atividade estatal em que se bus-ca a justa composição da lide. Este confl ito de interesses pode ser resolvido através da atividade dos próprios litigantes, ou através da intervenção de um terceiro. A forma mais primitiva de compor confl itos de interesses é a autotu-tela. Nos primórdios da humanidade imperava sempre a lei do mais forte e, por intermédio da brutalidade, um indivíduo conseguia fazer o seu interesse prevalecer. Sendo este um modo desagregador da sociedade, com o passar do tempo, a razão foi assumindo o lugar da força bruta, surgindo a chamada au-tocomposição, onde o confl ito é resolvido pela atividade das partes em litígio, por meio do consenso, da renúncia ao direito litigioso, e até da transação, onde ocorrem concessões recíprocas.

Todavia, algumas vezes, esta autocomposição pode não ocorrer. Além dis-so, as desigualdades sociais, presentes desde as primeiras formas de organiza-ção social, podem levar à prevalência dos interesses dos mais poderosos.

Com a evolução social, chega-se à ideia de entregar a resolução deste con-fl ito a um terceiro (buscava-se uma decisão imparcial), surgindo o que se cha-mou de arbitragem facultativa, que era exercida, num primeiro momento, pelos sacerdotes ou pelos anciãos 25 de determinada localidade.

De facultativa, através da intervenção por parte de um terceiro, se torna obrigatória, assumindo o Estado o papel de terceiro (uma vez que se compre-ende que aquele que decide o confl ito deve ser mais forte que as partes), e, caso sua decisão fosse acatada, seria imposta coercitivamente. Considera-se, então, o processo (instrumento da jurisdição) como o método mais efi ciente para composição de litígios, sendo este o meio através do qual o Estado mo-derno presta a função jurisdicional.

Ao elaborar sua Teoria Geral do Processo no início do século XX, Chio-venda defi niu a jurisdição como “a função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afi rmar a existência da vontade da lei, já no torná-la, praticamente, efetiva.” 26

Resumem-se assim as características da jurisdição:

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27 Nesse sentido, THEODO-RO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil, vol. I. 41ª edição. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, vol. I. 13ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 74. GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido, CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Teoria Geral do Processo. 14ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 38.

28 Foi utilizada como fonte de consulta a versão traduzida para o português: CAPPEL-LETTI, Mauro. Juízes Legisla-dores? Trad. Carlos Alberto Al-varo de Oliveira. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999.

Como se nota, a distinção entre as funções legislativa e jurisdicional foi feita por Chiovenda de forma bem simples, mediante a utilização do critério criação-aplicação do direito. É uma visão que, até hoje, continua prestigiada por muitos.

Nessa perspectiva, a jurisdição seria uma atividade declaratória 27 de direi-tos preexistentes. Segundo os adeptos desse entendimento, o direito, criado pelo legislador, seria declarado pelo magistrado ao julgar a pretensão que lhe foi submetida.

Entre os principais juristas opositores dessa tradicional concepção, é per-tinente destacar a doutrina de Mauro Cappelletti, emérito jurista da Univer-sidade de Florença. Na obra denominada Giudici Legislatori? 28, Cappelletti apresenta uma nova visão da jurisdição, não mais caracterizada como ati-vidade meramente declaratória de direitos. Cappelletti desenvolve seu pen-samento partindo da constatação de que interpretação e criação do direito não seriam conceitos opostos, pois ao menos um mínimo de criatividade se mostra inerente a toda atividade interpretativa:

Em realidade, interpretação signifi ca penetrar os pensamentos, ins-pirações e linguagem de outras pessoas com vistas a compreendê-los e — no caso do juiz, não menos que no do musicista, por exemplo — reproduzi-los, “aplicá-los” e “realizá-los” em novo e diverso contexto de tempo e lugar. É óbvio que toda reprodução e execução varia profun-damente, entre outras infl uências, segundo a capacidade do intelecto e estado de alma do intérprete. Quem pretenderia comparar a execução musical de Arthur Rubinstein com a do nosso ruidoso vizinho?

E, na verdade, quem poderia confundir as interpretações geniais de Rubinstein, com as também geniais, mas bem diversas, de Cortot, Gie-seking ou de Horowitz? Por mais que o intérprete se esforce por ser fi el ao seu texto, ele será sempre, por assim dizer, forçado a ser livre

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29 CAPPELLETTI, Mauro. Juí-zes Legisladores? op. cit., p. 21-22.

— porque não há texto musical ou poético, nem tampouco legislativo, que não deixe espaço para variações e nuances, para a criatividade in-terpretativa. Basta considerar que as palavras, como as notas nas músi-cas, outras coisas não representam senão símbolos convencionais, cujo signifi cado encontra-se inevitavelmente sujeito a mudanças e aberto a questões e incertezas. 29

Nos dias de hoje, parece claro que o problema se concentra não mais na existência da discricionariedade do magistrado na solução de determinado caso, mas sim nos modos, limites e legitimidade da criatividade judicial. As-sim, qual seria o melhor critério para diferenciar os atos jurisdicionais dos legislativos e jurisdicionais?

Igual difi culdade é encontrada pela doutrina para identifi car, em determi-nadas hipóteses, a diferença de um ato administrativo de outro jurisdicional. É o que ocorre com os atos do magistrado na chamada jurisdição voluntária. Aqui, existe uma persistente controvérsia entre os autores adeptos das teorias clássica (ato administrativo) e revisionista (ato jurisdicional). Indaga-se: o que diferencia substancialmente um ato de natureza administrativa de outro jurisdicional praticado pelo juiz? No procedimento de cumprimento de tes-tamento (artigos 1.125 a 1.141 do CPC) existe atividade substancialmente jurisdicional? São essas questões que devem ser respondidas pela moderna Teoria Geral do Processo.

Por último, importante declinar os princípios que informam a jurisdição:

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2. Jurisprudência

RECURSO ESPECIAL — “SUGESTÃO” DO JUIZ PARA QUE TERCEIRO INTEGRE A RELAÇÃO PROCESSUAL — NULIDADE — PRINCÍPIOS PROCESSUAIS DA DEMANDA, INÉRCIA E IMPAR-CIALIDADE — RECURSO PROVIDO.

1. Ao Juiz não é dada a possibilidade de substituir-se às partes em suas obrigações, como sujeitos processuais, exceto nos casos expressamente pre-vistos em lei, sob pena de violação dos princípios processuais da demanda, inércia e imparcialidade.

2. Recurso provido(STJ. REsp 1.133.706. Relator Min. Massami Uyeda. Terceira Turma. J.

1/3/2011. DJ 13/5/2011)

V. RECURSOS/MATERIAIS UTILIZADOS

Leituras obrigatórias:

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 28ª edição. São Pau-lo: Malheiros, 2012 — Capítulos 11 a 14.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Privatização do processo? In: Temas de Di-reito Processual. Sétima série. São Paulo: Saraiva, 2011, pp. 7/18.Leituras complementares:CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, vol. 1. 23ª edição. Rio de Janeiro: Atlas, 2012 — Capítulo VI, 1ª parte.

CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? Trad. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1999.

DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Volume I. 15ª edição. Salvador: Juspodium, 2013 — Capítulo 3.

GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil: introdução ao direito processual civil. Volume I. 3ª edição. São Paulo: Forense, 2011 — Capítulos 3 a 5.

MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais — Capítulos 2 (A infl uência dos valores do Estado liberal de direito e do positivismo sobre os conceitos clássicos de jurisdição), 7 (A juris-

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dição no Estado contemporâneo) e 8 (Jurisdição voluntária, distribuição da atividade jurisdicional e arbitragem).

VI. AVALIAÇÃO

Casos geradores:

1) Raquel propõe demanda de execução de alimentos, sob o rito previsto no art. 733 do CPC, com base em título judicial proferido nos autos de ação de separação judicial litigiosa cumulada com pedido de guarda de fi lhos, fi -xação de alimentos provisionais, partilha de bens, regulamentação de visitas e medida de separação de corpos com pedido liminar. Em decisão interlocutó-ria naqueles autos, foi fi xada, em favor da exequente, verba qualifi cada como não alimentar, em decorrência de frutos que lhe cabem dentro do patrimônio do casal, uma vez que o executado estava na posse e administração dos bens. Afi rmou a exequente, que, a fi m de privá-la de receber os valores, o executado tem efetuado suas movimentações fi nanceiras por meio de conta-corrente de titularidade de sua mãe, motivo pelo qual não foi encontrado saldo sufi ciente na conta. Foi expedido alvará para a retirada de quantia da conta bancária da mãe do executado, bem como o bloqueio de contas de sua titularidade. Por fi m, não, havendo o pagamento, decretou o juiz, de ofício, a prisão do execu-tado pelo prazo de trinta dias, ao reconhecer o não pagamento e não acatar a justifi cativa apresentada. Por fi m, este impetrou habeas corpus. Pergunta-se:

a) Em quais casos é permitida a prisão civil?

b) A prisão leva em conta a liberdade, enquanto os alimentos levam em consideração a subsistência do alimentando. Sendo estes dois valores funda-mentais contrapostos, como deve ser feita a ponderação no caso concreto?

c) Poderia o juiz ter decretado a prisão civil do executado de ofício? Houve imparcialidade? Justifi que.

d) O caso trata de dívida de natureza alimentar ou não alimentar? No últi-mo caso, seria possível a prisão do executado pelo não pagamento da dívida?

Referência: STJ. RHC 28.853. Rel. para acórdão Min. Massami Uyeda. Terceira Turma. J. 1/12/2011. DJ. 12/3/2012

2) Em ação penal, na qual houve a condenação do réu, o assistente de acusação apelou a fi m de que fosse aumentada a pena aplicada. Tal apelação

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foi conhecida e provida por maioria. Interpostos embargos infringentes, o Tribunal cancelou a pena, sob o argumento de que o assistente não pode-ria ter recorrido. Inconformado, o assistente interpôs recurso especial para o STJ. Responda:

a) É possível que o assistente de acusação recorra de decisões, mesmo que o Ministério Público não o faça? Justifi que.

b) A sentença penal condenatória faz coisa julgada no âmbito cível? Es-clareça.

c) O processo penal pode ser visto como jurisdição voluntária?

Referência: STJ. REsp 13.375. Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro. Sex-ta Turma. J. 12/11/1991.

3) João e Bruna, casados, faleceram em decorrência do mesmo acidente automobilístico, havendo presunção de comoriência. Pedro, irmão de Bruna requereu a retifi cação do registro de óbito, com base no art. 109 da Lei de Re-gistros Públicos, alegando que, na verdade, sua irmã falecera quinze minutos após João, de acordo com os laudos emitidos pelo hospital onde ambos foram atendidos. Citados, os fi lhos do primeiro casamento de João, contestaram a demanda. Em primeira instância houve sentença de procedência do pedido. Em grau de apelação, o Tribunal de Justiça anulou o processo desde o seu início, ao argumento de que, como o objeto da demanda era o desfazimento da presunção de comoriência, incabível seria a jurisdição voluntária do art. 109 da Lei de Registros Públicos. Pergunta-se:

a) Quais são as diferenças entre jurisdição voluntária e jurisdição conten-ciosa?

b) É cabível, no caso, a utilização contenciosa ou se faz necessária a juris-dição voluntária?

c) Agiu corretamente o Tribunal ao anular todos os atos processuais desde o início da demanda?

Referência: STJ. REsp 238.573. Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Quarta Turma. J. 29/8/2000. DJ. 9/10/2000.

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VII. CONCLUSÃO DAS AULAS

Classicamente, fala-se em monopólio da jurisdição pelo Estado. Deste monopólio, que impede a chamada “justiça pelas próprias mãos” deriva uma série de princípios, tais como a inevitabilidade da jurisdição. Se uma pessoa é citada para responder a demanda, ela não pode declinar. A jurisdição se ba-seia no poder de império do Estado, que precisa manter a sua ordem jurídica.

Durante muito tempo, predominou a ideia do monopólio. Começou-se a questionar, contudo, se o Estado era capaz de resolver todos os problemas. Além disso, nos últimos tempos, até pelo movimento de acesso à justiça, buscam-se meios alternativos de resolução de confl itos. De toda sorte, mes-mo com tais fatores (desilusão com o Estado e busca/fortalecimento de meios alternativos), a jurisdição ainda é, para a maioria, uma função estatal.

A atuação da vontade concreta da lei é um dado fundamental da jurisdi-ção, segundo Chiovenda. A implicação básica de tal ideia, em sua visão, é a diferenciação entre a jurisdição e as outras funções estatais. Numa visão clás-sica, à atividade legislativa, por exemplo, cumpre criar a lei, cujos atributos básicos são abstração e generalidade. Já a jurisdição seria a concretização da vontade da lei.

Mas essa visão clássica deve ser repensada. Na época de Chiovenda, a ati-vidade jurisdicional não tinha a amplitude dos dias atuais.

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30 CÂMARA, Alexandre Frei-tas. Lições de Direito Proces-sual Civil, vol. I. Rio de Janei-ro: Lumen Juris, 2005, p. 98.

AULAS 11, 12 E 13: COMPETÊNCIA.

I. TEMA

Competência.

II. ASSUNTO

As aulas tratarão da competência e suas qualifi cações: territorial, funcio-nal, em razão do valor e em razão da matéria. Versarão, ainda, sobre a diferen-ça entre competência relativa e absoluta, bem como suas as respectivas formas e momentos de arguição.

III. OBJETIVOS ESPECÍFICOS

O objetivo das aulas é analisar a competência, distinguindo-a da noção de jurisdição. Qualquer juiz regularmente investido possui jurisdição em todo o território nacional. Contudo, sua competência é delimitada: um juízo de Vara Cível da Comarca de Petrópolis, por exemplo, possui competência para cuidar de determinados processos daquela comarca, mas não de outros processos.

IV. DESENVOLVIMENTO METODOLÓGICO

1. Introdução

A jurisdição, enquanto função estatal, é essencialmente una. Contudo, seu exercício exige que, na prática, ocorra uma divisão de trabalho entre os diversos órgãos que compõem nosso Poder Judiciário. Todos os órgãos do Poder Judiciário exercem jurisdição, mas, obviamente, nem todos serão com-petentes para examinar determinado litígio. Seria, aliás, um contrassenso que se criassem numerosos órgãos distribuídos por todo esse vasto e complexo sistema, que é o aparelho judiciário, e em seguida a lei facultasse a qualquer deles exercer, indistintamente, a jurisdição.

Essa divisão de competência entre diferentes órgãos do Judiciário é realiza-da por intermédio de um critério racional, que busca estabelecer regras para facilitar o exercício da jurisdição. Em termos técnicos, quando nos referimos à competência, estamos tratando do “conjunto de limites dentro dos quais cada órgão do Judiciário pode exercer legitimamente a função jurisdicional.”30

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Como se nota, a noção de competência resulta de uma distribuição de funções, ou melhor, de uma limitação de funções. Na medida em que a lei di-vide e distribui, ela necessariamente limita. Cada órgão do Judiciário recebe a sua parcela de função e, desse modo, só está habilitado a exercer as funções contidas nesses limites.

Isso ocorre não porque lhe falta jurisdição, mas sim porque lhe falta com-petência. Poderíamos, então, dizer que a jurisdição é genérica e a competên-cia é específi ca. Na medida em que o legislador delimita as atribuições de determinado órgão do Judiciário, ele está defi nindo a competência daquele órgão para determinadas funções e proibindo-o de exercer outras.

Será visto, mais à frente, que o processo tem como um de seus pressupos-tos de existência a presença de um órgão investido de jurisdição. De fato, isso é o bastante para que o processo exista, mas não para que se desenvolva validamente. Entre outros pressupostos processuais de validade, é necessário que o órgão investido de jurisdição, perante o qual se propõe determinada demanda, tenha competência para examiná-la.

O objetivo da presente aula é apresentar ao aluno os critérios utilizados para que seja fi xada a competência para o julgamento de determinada causa, bem como os modos pelos quais a distribuição de competência é realizada na prática. Serão abordados, ainda, outros assuntos afeitos ao tema, como as hipóteses de prorrogação, prevenção e confl ito de competência.

Imagine que você esteja formado, logrou êxito no exame da OAB e se en-contra agora em seu escritório de advocacia. Ao receber seu primeiro cliente, ele lhe apresenta determinada situação jurídica que dará ensejo à sua primeira demanda. Contrato de honorários advocatícios devidamente assinado, só res-ta agora distribuir a petição inicial. Contudo, surge uma dúvida: a qual órgão de nosso imenso Poder Judiciário a petição deve ser direcionada?

Em termos práticos, na maioria das vezes, não há maiores difi culdades para determinar o juízo competente para determinado caso. Todavia, em de-terminadas situações, essa será tarefa das mais árduas, em especial devido ao complexo sistema de organização judiciária existente em nosso país.

Não basta ao advogado conhecer a Constituição da República e a legisla-ção processual. Inúmeras vezes é preciso ter em mãos o regimento interno e o código de organização judiciária do tribunal onde a demanda será proposta e, em outras, saber como a jurisprudência se posiciona sobre determinado assunto.

Não é por acaso que frequentemente diferentes órgãos de nosso Judiciário discordam sobre a matéria referente à competência jurisdicional e surge, as-sim, o denominado “confl ito de competência”.

Diversos critérios de fi xação de competência são utilizados pelo legislador ao estabelecer regras genéricas de divisão de competência: em razão da ma-téria, do valor da causa, da qualidade de uma das partes, critério funcional,

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31 Não se pode perder de vista que num, mesmo processo, diferentes órgãos do Poder Judiciário irão realizar atos diversos. Um órgão irá profe-rir sentença, outro analisará o recurso, um terceiro cumprirá a carta precatória, etc.

32 Note-se que a competên-cia dos Juizados Especiais é estabelecida pela CRFB/88 e pelas Leis 9.099/95 e 10.259/01. Todavia, nada impede que outras divisões em relação ao valor da causa sejam feitas em determinado tribunal, desde que respei-tadas as regras presentes na Constituição e na legislação processual.

territorial. Mas será que há um processo lógico para que, praticamente, seja determinada a competência para julgar determinada causa, ou melhor, para realizar determinado ato processual? 31

Sim, existe. O primeiro questionamento que se faz é no plano internacio-nal. É preciso saber se cabe à Justiça brasileira conhecer a causa. No processo civil brasileiro, a competência internacional é determinada pelos artigos 88 e 89 do CPC.

Nas hipóteses do art. 88, temos a chamada competência internacional concorrente. Por meio dela existe a possibilidade de, se for o caso, a Justiça de outro país poder, também, se considerar competente. Já nos casos do art. 89, a competência da Justiça brasileira é exclusiva e, então, nosso ordenamento jurídico só reconhece a competência do juiz brasileiro para conhecer a causa.

Nessas situações do art. 89, se a causa for julgada em outro país, não será possível que ocorra a homologação da sentença estrangeira no momento em que a pessoa pretender dar efeitos dessa sentença no território brasileiro.

Uma vez reconhecida a competência da Justiça brasileira, será necessário defi nir a competência constitucional interna. Consultando a Constituição, que indica as atribuições das Justiças Especiais, será então verifi cado se es-tamos diante de hipótese de julgamento de alguma das Justiças Especiais (Eleitoral, Militar e Trabalhista) ou da Justiça Comum (Federal ou Estadual). As atribuições da Justiça Estadual não estão enumeradas analiticamente na Constituição, mas a elas se chega por exclusão.

Na terceira etapa, serão apresentados os diversos critérios utilizados para a fi xação de competência: territorial, objetivo (pessoa, matéria ou valor da causa) e funcional irão incidir concomitantemente. Normalmente, o primei-ro critério a ser observado é o territorial e, assim, deve ser verifi cado em qual comarca (Justiça Estadual) ou seção judiciária (Justiça Federal) deve o feito ser julgado. Como se sabe, o território brasileiro é dividido em circunscrições judiciárias. Aqui é comum encontrar a expressão “foro competente”, que in-distintamente pode ser utilizado para se referir a comarca ou seção judiciária.

Se no foro competente para julgamento do feito só existir um órgão ju-risdicional, o que é algo muito raro em nosso Estado, mas ainda pode ser encontrado no interior (ex: Comarca de Italva ou Comarca de Natividade), o problema está encerrado.

Todavia, normalmente temos diversos órgãos jurisdicionais na mesma co-marca ou seção e, então, consultando o código de organização judiciária e o regimento interno dos tribunais, poderá fi nalmente ser encontrado qual o juízo competente (essa divisão pode ser feita em relação à matéria, qualidade das partes, valor da causa 32). Havendo mais de um juízo competente para a mesma matéria, a fi xação da competência será feita por distribuição.

No estudo das questões relativas à competência, é preciso observar peculiari-dades que podem existir nos diversos Tribunais. À guisa de exemplo, no Estado

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do Rio de Janeiro existe uma divisão territorial especial. Para facilitar o acesso à justiça, a Comarca da Capital (e agora também a Comarca de Niterói) é sub-dividida em diversos fóruns regionais. Assim, nesta Comarca, temos os fóruns regionais do Méier, Ilha do Governador, Barra da Tijuca, entre outros. Fenôme-no semelhante ocorre em relação aos Juizados Especiais, muito embora a divisão destes não corresponda exatamente àquela feita em relação aos fóruns regionais.

A competência para julgamento de determinado feito é determinada no momento de ajuizamento da demanda, pelas regras existentes nesse momen-to, nos termos do art. 87 do CPC, que estabelece a regra da perpetuatio juris-dicionis. Ainda que haja alguma mudança posterior — como, por exemplo, o réu mudar seu domicílio — a competência já estará fi xada. Esse fenômeno (perpetuatio) não deve ser confundido com o da “prorrogação de competên-cia”. Esta irá aparecer nas hipóteses em que determinado juízo não é origi-nariamente competente para determinada causa, mas passa a ser. Realmente, isso irá ocorrer nos casos de incompetência relativa (nunca se a incompe-tência for absoluta), quando surgir algumas das hipóteses de modifi cação de competência (conexão, continência, inércia ou vontade das partes).

2. Princípios básicos da competência

A competência é regida por dois princípios básicos, a saber:

a) Indisponibilidade da competência: o órgão não dispõe sobre sua competência, e cabe ao legislador dar fl exibilidade a estas regras;

b) Tipicidade da competência: via de regra, a competência deve estar prevista em normas positivadas (típicas). Contudo, existem compe-tências implícitas, especialmente pelo fato de que não pode haver vácuo de competência (alguém tem que ser competente).

3. Distribuição da competência

A distribuição da competência é uma tarefa legislativa. A primeira grande distribuição está na CRFB, ao criar as cinco Justiças (Justiça Federal Comum, Justiça do Trabalho, Justiça Eleitoral, Justiça Militar e Justiça Estadual).

Obs.: O juiz sem competência constitucional produz decisões nulas ou inexistentes? Ada Pelegrini Grinover entende que é inexistente porque des-respeita as regras de competência constitucional. A concepção majoritária entende que existe, mas é nula (faz coisa julgada e cabe ação rescisória).

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4. Momento de fixação da competência e perpetuatio jurisdictionis

Aplica-se o art. 87 do CPC:

Determina-se a competência no momento em que a ação é pro-posta. São irrelevantes as modifi cações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia.

É a data da propositura que fi xa a competência. O momento da proposi-tura da ação é a distribuição ou o momento do despacho inicial dos casos em que só houver um juiz e um juízo. Confi ra-se o art. 263 do CPC:

Considera-se proposta a ação, tanto que a petição inicial seja des-pachada pelo juiz, ou simplesmente distribuída, onde houver mais de uma vara. A propositura da ação, todavia, só produz, quanto ao réu, os efeitos mencionados no art. 219 depois que for validamente citado.

A segunda parte do artigo 87, CPC, diz que, fi xada a competência, não importam os fatos supervenientes, pois não alteram a competência já fi xada (regra de estabilidade do processo). É a perpetuação da jurisdição. Mas a terceira parte do dispositivo excepciona essa regra da perpetuação em duas hipóteses:

a) Quando houver supressão do órgão jurisdicional;b) Quando houver alteração da competência absoluta (matéria e hie-

rarquia).

5. Classificação da competência

a) Absoluta e relativa

De grande importância prática é saber distinguir a competência absoluta da relativa, cada uma com um regime processual próprio. Vejamos a tabela abaixo:

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Obs.: A incompetência absoluta e a relativa não geram a extinção do pro-cesso, mas apenas a remessa dos autos para o juízo competente. Exceções: Juizados e incompetência internacional.

b) Competência originária e derivada

Originária é a competência para conhecer e julgar as causas em primeiro lugar. A regra é que os juízos singulares tenham competência originária. Con-tudo, há casos em que os Tribunais possuem competência originária, mas são excepcionais. Competência derivada é a competência para julgar os recursos (recebe a causa em um segundo momento). A regra é que a competência de-rivada seja dos Tribunais.

c) Competência internacional (art. 88 a 90, CPC) e competência interna (art. 91 ao 124, CPC)

A competência internacional pode ser concorrente (art. 88, CPC) ou ex-clusiva (art. 89, CPC). Competência interna: verifi cando-se a competência da Justiça brasileira, resta saber qual será o órgão do Poder Judiciário respon-sável pelo julgamento da causa.

6. Critérios de fixação da competência

São três: critérios objetivo, funcional ou territorial.

a) Objetivo: parte dos elementos da demanda. São eles: partes, pedido e causa de pedir.

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I) Competência em razão da pessoa (elemento parte): considera uma das partes. Ex: art. 109, I, CRFB. Competência da Justiça Federal para julgar as causas de interesse da União.

II) Competência em razão do valor da causa (elemento pedido): o valor da causa é determinado pelo pedido. No Juizado Especial Federal, apesar de ser competência em razão do valor da causa, a competência é absoluta.

III) Competência em razão da matéria (elemento causa de pedir): pela natureza jurídica da relação de direito material travada no processo (ex: família — juízo de família).

Obs.: a competência em razão da matéria e da pessoa é absoluta. Via de regra, a competência em razão do valor da causa é relativa.

b) Funcional: relaciona-se com as funções exercidas pelo órgão jurisdi-cional durante o processo. Por exemplo: funções de sentenciar, exe-cutar, julgar recurso, receber a reconvenção e ação cautelar. Possui duas dimensões:

I) Vertical: entre instâncias, também denominada de hierárquica. Ex: Tribunal de Justiça do RJ julga os recursos contra as deci-sões do juiz de primeira instância vinculado a ele.

II) Horizontal: ocorre na mesma instância. Ex: Tribunal do Júri, com as fi guras do juiz pronunciante e do júri. No processo civil, o mesmo juiz competente para o processo cautelar será compe-tente para o principal.

Também pode estar associada ao critério territorial, que veremos logo a seguir.

c) Territorial: é aquela que permite identifi car o lugar em que a causa deve ser processada, isto é, qual o foro competente. Em regra é re-lativa. Existem duas regras gerais de competência territorial:

I) Art. 94 do CPC: domicílio do réu nas ações pessoais e nas reais mobiliárias (direitos reais sobre móveis).

Art. 94. A ação fundada em direito pessoal e a ação fundada em direito real sobre bens móveis serão propostas, em regra, no foro do domicílio do réu.

§1º Tendo mais de um domicílio, o réu será demandado no foro de qualquer deles.

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§2º Sendo incerto ou desconhecido o domicílio do réu, ele será de-mandado onde for encontrado ou no foro do domicílio do autor.

§3º Quando o réu não tiver domicílio nem residência no Brasil, a ação será proposta no foro do domicílio do autor. Se este também resi-dir fora do Brasil, a ação será proposta em qualquer foro.

§4º Havendo dois ou mais réus, com diferentes domicílios, serão demandados no foro de qualquer deles, à escolha do autor.

II) Art. 95 do CPC: nas ações reais imobiliárias, isto é, aquelas que tratam de direitos reais sobre imóveis, competente será o foro de situação da coisa.

Art. 95. Nas ações fundadas em direito real sobre imóveis é compe-tente o foro da situação da coisa. Pode o autor, entretanto, optar pelo foro do domicílio ou de eleição, não recaindo o litígio sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras e nunciação de obra nova.

7. Modificação da competência (art. 102, CPC):

Obs.: Súmula 235 do STJ: “A conexão não determina a reunião dos pro-cessos, se um deles já foi julgado”.

Obs.2: Se houver possibilidade de reunião, uma das causas poderá ser suspensa até o julgamento fi nal da outra.

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Com relação ao juízo competente, em qual dos juízos as causas serão reu-nidas? No juízo prevento. Há no CPC duas regras de prevenção:

a) Se as causas conexas estiverem na mesma competência territorial, prevento é o juízo do primeiro despacho (art. 106, CPC).

b) Se as causas conexas estiverem tramitando em comarcas diversas, o critério de prevenção é a citação válida (artigos 107 e 219, CPC).

8. Conflito de competência:

Percebe-se, pela disciplina do CPC, que o incidente de confl ito de com-petência é de competência originária de Tribunal, mediante provocação das partes, do MP ou dos órgãos que estão em confl ito. Ele poderá ser positivo (art. 115, I do CPC) ou negativo (art. 115, II do CPC).

Art. 115. Há confl ito de competência:I — quando dois ou mais juízes se declaram competentes;II — quando dois ou mais juízes se consideram incompetentes;III — quando entre dois ou mais juízes surge controvérsia acerca da

reunião ou separação de processos.

Obs.: Súmula 59 do STJ: “Não há confl ito de competência se já existe sentença com trânsito em julgado, proferida por um dos juízos confl itantes”.

Obs.2: Súmula 3 do STJ: “Compete ao TRF dirimir confl ito de compe-tência verifi cado, na respectiva região, entre juiz federal e juiz estadual inves-tido de jurisdição federal”.

Competência penal

Primeiramente, destaque-se que, em matéria penal, a Justiça do Traba-lho nunca será competente. Até mesmo os crimes contra a organização do trabalho são submetidos a julgamento pela Justiça Federal, de acordo com entendimento do Supremo Tribunal Federal.

A Justiça Eleitoral, por sua vez, é competente para julgar todos os crimes eleitorais e crimes conexos.

A Justiça Militar julga os crimes militares, mas não julga os crimes cone-xos. Também não é competente para julgar crime doloso contra a vida prati-cado por militar contra civil, que será submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri.

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A competência penal da Justiça Federal segue a regra geral de competência em razão da pessoa, e abrange os crimes praticados contra servidor público federal, no exercício da função, crimes políticos e à distância, praticados a bordo de navio ou avião, contra o sistema fi nanceiro e contra a organização do trabalho.

A competência da Justiça Estadual é residual. As competências originárias do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal estão expres-samente previstas na Constituição, nos artigos 102 e 105.

9. Jurisprudência

Foro regional: momento da fixação da competência

COMPETÊNCIA. VARA REGIONAL. CODJERJ. Se na ocasião da dis-tribuição da ação, o réu já residia em área sob jurisdição da Regional da Barra da Tijuca, em se tratando de direito pessoal, será naquele foro que deverá tra-mitar o feito. Ademais, na Comarca da Capital há divisão territorial interna pela qual, funcionalmente, as atividades jurisdicionais são determinadas por Juízos. É regra de ordem pública, visando melhor organizar e administrar os serviços destinados à prestação jurisdicional.

Por isso, o parágrafo 7º do art. 94 do CODJERJ dispõe que a compe-tência das Varas Regionais é fi xada pelo critério territorial-funcional e como tal, de natureza absoluta. Recurso manifestamente improcedente, e que nos termos do art. 557 do Código de Processo Civil, nega-seseguimento.

(TJRJ. Agravo de Instrumento 2006.002.27549. Rel. Des. Ricardo Ro-drigues Cardozo. Décima Quinta Câmara Cível.).

Código de Defesa do Consumidor: competência absoluta

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRE-VIDÊNCIA PRIVADA. APLICAÇÃO DO CDC. FORO DE ELEIÇÃO. RELAÇÃO DE CONSUMO. COMPETÊNCIA ABSOLUTA. DECLA-RAÇÃO DE OFÍCIO.

1. Firme a jurisprudência do STJ ao afi rmar que as entidades de previdên-cia privada estão sujeitas às normas de proteção do consumidor.

2. A competência do juízo em que reside o consumidor é absoluta, deven-do ser declarada de ofício pelo juízo.

(STJ. 3ª Turma. AgRg no Ag 644.51. Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros. J. 24/8/2006. DJ 11/09/2006).

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Prevenção

COMPETÊNCIA. CONEXÃO DE AÇÕES. DESPACHO LIMINAR. DATA DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO. IDENTIDADE. CITAÇÃO. PREVALÊNCIA. C.P.C. ART. 106. ART. 219.

Competência. Ações conexas propostas perante juízos que dispõem da mesma competência territorial. Juízos concorrentemente competentes que despacharam as petições iniciais no mesmo dia. Determinação da prevenção e fi xação da competência em função da prioridade da citação, utilizada como critério de “desempate”. Código de Processo Civil. Artigos 106 e 219. Apli-cação. Se estão postos em confronto órgãos que dispõem da mesma compe-tência territorial, considera-se prevento o juízo que despachou em primeiro lugar. Se vários juízos, que dispõem da mesma competência territorial, des-pacharam no mesmo dia, determina— se a prevenção e se fi xa a competência em função da prioridade da citação. Agravo provido. Decisão interlocutória reformada.

(TJRJ. Agravo de Instrumento 1998.002.08664. Rel. Des. Wilson Mar-ques. Quarta Câmara Cível J. 9/9/1999).

Conexão e reunião de processos

PROCESSO CIVIL. CONEXÃO. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO E AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULA CONTRATUAL. REUNIÃO. CPC, ARTS. 103 E 106. PREJUDICIALIDADE (CPC, ART. 265). PRE-CEDENTES. RECURSO PROVIDO.

I — Nos termos do art. 103, CPC, que deixou de contemplar outras formas de conexão, reputam-se conexas duas ou mais ações quando lhes for comum o objeto (pedido) ou a causa de pedir, não se exigindo perfeita iden-tidade desses elementos, senão a existência de um liame

que as faça passíveis de decisão unifi cada.II — Recomenda-se que, ocorrendo conexão, quando compatíveis as fases

de processamento em que se encontrem, sejam as ações processadas e julga-das no mesmo juízo, a fi m de evitar decisões contraditórias.

III — Havendo conexão entre a ação de busca e apreensão e a ação revisio-nal de cláusula contratual, ambas envolvendo o mesmo contrato de alienação fi duciária, justifi ca-se a reunião dos dois processos.

IV — Se as ações conexas tramitam em comarcas diferentes, aplica-se o art. 219 do Código de Processo Civil, que constitui a regra. Entretanto, se correm na mesma comarca, como na espécie, competente é o juiz que despa-char em primeiro lugar (art. 106).

(STJ. REsp 309.668. Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Quarta Tur-ma. J. 21/6/2001. DJ. 10/9/2001)

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Mudança de competência e interesses de menores

Notícia do STJ de 15 de janeiro de 2013

Interesse do menor autoriza mudança de competência no curso do proces-so por alteração de domicílio das partes

O princípio do melhor interesse do menor prevalece sobre a estabilização de competência relativa. Assim, a mudança de domicílio das partes permite que o processo tramite em nova comarca, mesmo após seu início. A decisão é da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Na origem, trata-se de ação de reconhecimento e dissolução de união es-tável cumulada com guarda de fi lho. Após o início do processo, ambas as partes mudaram de endereço, e o juiz inicial determinou sua remessa para o novo domicílio do menor. O juiz dessa comarca, entretanto, entendeu que o colega não poderia ter declinado da competência relativa, que não pode ser observada de ofício.

Proteção ao menor

A ministra Nancy Andrighi afi rmou que os direitos processuais e materiais dos genitores são submetidos ao interesse primário do menor, que é objeto central da proteção legal em ações que o afetem, como no caso de sua guarda.

“Uma interpretação literal do ordenamento legal pode triscar o princípio do melhor interesse da criança, cuja intangibilidade deve ser preservada com todo o rigor”, asseverou a relatora. Para ela, deve-se garantir a primazia dos direitos da criança, mesmo que implique fl exibilização de outras normas, como a que afi rma ser estabilizada a competência no momento da proposição da ação (artigo 87 do Código de Processo Civil — CPC).

Juiz imediatoPara a ministra, deve ser aplicado de forma imediata e preponderante o

princípio do juiz imediato, previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Pela norma, o foro competente para ações e procedimentos envolven-do interesses, direitos e garantias previstos no próprio ECA é determinado pelo local onde o menor tem convivência familiar e comunitária habitual.

“O intuito máximo do princípio do juízo imediato está em que, pela pro-ximidade com a criança, é possível atender de maneira mais efi caz aos obje-tivos colimados pelo ECA, bem como entregar-lhe a prestação jurisdicional de forma rápida e efetiva, por meio de uma interação próxima entre o juízo, o infante e seus pais ou responsáveis”, explicou a relatora.

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Especialidade e subsidiariedade

Ela acrescentou que o CPC se aplica, conforme previsão expressa do ECA, de forma subsidiária, cedendo, portanto, no ponto relativo à competência ou sua alteração. Desse modo, a regra especial subordina as previsões gerais da lei processual, dando lugar a “uma solução que oferece tutela jurisdicional mais ágil, efi caz e segura ao infante, permitindo, desse modo, a modifi cação da competência no curso do processo”, afi rmou a ministra.

Para a relatora, não há nos autos nenhum indício de interesses escusos das partes, mas apenas alterações “corriqueiras” de domicílio posteriores a sepa-rações, movidas por sentimentos de inadequação em relação ao domicílio anterior do casal ou pela “singela tentativa de reconstrução de vidas após o rompimento”.

Eis a ementa do acórdão relativo à notícia acima:

CC 114.782, rel. Min. Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgamento unâ-nime em 12/12/12

PROCESSO CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁ-VEL C/C GUARDA DE FILHO. MELHOR INTERESSE DO MENOR. PRINCÍPIO DO JUÍZO IMEDIATO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITANTE.

1. Debate relativo à possibilidade de deslocamento da competência em face da alteração no domicílio do menor, objeto da disputa judicial.

2. Em se tratando de hipótese de competência relativa, o art. 87 do CPC institui, com a fi nalidade de proteger a parte, a regra da estabilização da com-petência (perpetuatio jurisdictionis), evitando-se, assim, a alteração do lugar do processo, toda a vez que houver modifi cações supervenientes do estado de fato ou de direito.

3. Nos processos que envolvem menores, as medidas devem ser tomadas no interesse desses, o qual deve prevalecer diante de quaisquer outras ques-tões.

4. Não havendo, na espécie, nada que indique objetivos escusos por qual-quer uma das partes, mas apenas alterações de domicílios dos responsáveis pelo menor, deve a regra da perpetuatio jurisdictionis ceder lugar à solução que se afi gure mais condizente com os interesses do infante e facilite o seu pleno acesso à Justiça. Precedentes.

5. Confl ito conhecido para o fi m de declarar a competência do Juízo de Direito de Carazinho/RS (juízo suscitante), foro do domicilio do menor.

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Competência de união homoafetiva

Notícia do STJ de 10 de junho de 2013

Vara de Família é competente para julgar dissolução de união homoafetiva

Havendo vara privativa para julgamento de processos de família, ela é competente para apreciar pedido de reconhecimento e dissolução de união estável homoafetiva, independentemente das limitações inseridas no Código de Organização e Divisão Judiciária local.

A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar recurso em processo no qual o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) afastou a competência da Vara de Família de Madureira em favor do juízo civil.

A Turma concluiu que a vara de família é competente para julgar as causas de dissolução homoafetiva, combinada com partilha de bens, independente-mente das normas estaduais. O TJRJ havia decidido que deveria predominar, no caso, a norma de organização judiciária local, que dispunha que a ação tramitasse perante o juízo civil.

Segundo decisão da Turma, a plena equiparação das uniões estáveis homo-afetivas às uniões estáveis heteroafetivas trouxe, como consequência para as primeiras, a extensão automática das prerrogativas já outorgadas aos compa-nheiros dentro de uma situação tradicional.

Igualdade

Embora a organização judiciária de cada estado seja afeta ao Judiciário local, a outorga de competências privativas a determinadas varas, conforme a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, impõe a submissão dessas varas às respectivas vinculações legais construídas em nível federal. Decidir diferentemente traria risco de ofensa à razoabilidade e também ao princípio da igualdade.

“Se a prerrogativa de vara privativa é outorgada ao extrato heterossexual da população brasileira, para a solução de determinadas lides, também o será à fração homossexual, assexual ou transexual, e a todos os demais grupos repre-sentativos de minorias de qualquer natureza que tenham similar demanda”, sustentou a relatora.

A Turma considerou que a decisão da TJRJ afrontou o artigo 9º da Lei 9.278/96, que dispõe que “toda matéria relativa à união estável é de compe-tência do juízo de família, assegurado o segredo de Justiça”.

O número deste processo não é divulgado em razão de sigilo judicial

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V. RECURSOS/MATERIAIS UTILIZADOS

Leitura obrigatória:CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, vol. 1. 23ª edição. Rio de Janeiro: Atlas, 2012. Capítulo VI, parte fi nal.

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 28ª edição. São Pau-lo: Malheiros, 2012. Capítulos 25 e 26.Leitura complementar:DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Volume I. 15ª edição. Salvador: Juspodium, 2013. Capítulo 4.

GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. Volume I. 3ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2011. Capítulos VI e VII.

VI. AVALIAÇÃO

Casos geradores:

1) Tome-se ação indenizatória (danos materiais e morais) movida em face do Estado do Rio de Janeiro, no foro interiorano de São Eustáquio, juízo único, dizendo respeito a fatos lá ocorridos. O Estado é citado e vem aos au-tos sustentar que a causa deveria tramitar no foro da Capital, perante um dos juízos de Fazenda Pública da Capital, que teria competência absoluta para a causa. O juiz de São Eustáquio deverá acolher a alegação do Estado e declinar de sua competência?

Referência: STJ. REsp 192.896. Rel. Min. Milton Luiz Pereira. Primeira Turma. J. 22/5/2001.

2) A consideração dos interesses dos menores pode levar à relativização das regras de competência?

Referência: CC 114.782, rel. Min. Nancy Andrighi, Segunda Seção, jul-gamento unânime em 12/12/12.

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VII. CONCLUSÃO DAS AULAS

As normas de competência se classifi cam em três níveis: i) critério objetivo (artigos 91 e 92 do CPC — em razão do valor, da matéria e da pessoa, esta última não mencionada expressamente pelo CPC); ii) critério territorial (art. 94 do CPC); e iii) critério funcional, que diz respeito às funções especiais que os órgãos jurisdicionais são chamados a exercer em um mesmo processo.

A distinção fundamental, neste tema, é entre competência relativa e com-petência absoluta. Toda competência é inspirada por razões de ordem pública. As competências em que o próprio legislador entende que há teor muito forte de ordem pública serão absolutas. As outras serão competências relativas.

O importante é o regime jurídico de ambas. Quando é relativa, pode ha-ver, por exemplo, eleição de foro. Isso não existe quando se trata de compe-tência absoluta. Na violação de competência absoluta, caberá ação rescisória (art. 485, II, CPC), o que não ocorre com a violação da competência relativa.

A competência relativa deve ser arguida por meio de exceção de incom-petência. Se não for alegada, a jurisdição se prorroga (art. 112 do CPC). Já a incompetência absoluta é arguida por meio de preliminar na contestação (art. 113 do CPC).

A competência relativa pode ser modifi cada por meio de quatro formas: i) inação do réu, que deixa de interpor exceção de incompetência; ii) eleição de foro; iii) conexão; e iv) continência.

Quando se trata de conexão, há necessidade de reunião das causas. Quan-do for caso de mesma competência territorial, considera-se prevento o juiz que despachou em primeiro lugar (art. 106 do CPC). Quando a competência territorial for diversa, considera-se prevento o juízo que possui a primeira citação válida (art. 219, caput, CPC). Já a continência ocorre sempre que há identidade quanto às partes e à causa de pedir, mas o objeto de uma, por ser mais amplo, abrange o das outras (art. 104 do CPC).

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33 O direito de ação constitu-cional seria o fundamento do direito de ação processual, sendo este último o único que interessa ao processo. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pel-legrini. Teoria geral do pro-cesso. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 256.

UNIDADE III: AÇÃO E RESPECTIVAS CONDIÇÕES. ELEMENTOS DA DEMANDA.

AULAS 14, 15 E 16: AÇÃO E RESPECTIVAS CONDIÇÕES.

I. TEMA

Ação e respectivas condições.

II. ASSUNTO

Análise das teorias relativas à ação, bem como suas condições.

III. OBJETIVOS ESPECÍFICOS

O objetivo das aulas é analisar a ação e suas respectivas condições. Serão estudadas, ainda, as teorias acerca de sua natureza jurídica, sua caracterização e como são aferidas as citadas condições no direito processual brasileiro.

IV. DESENVOLVIMENTO METODOLÓGICO

Primeiramente, é mister atentar para a multiplicidade de acepções que o termo “ação” invoca. Ora empregado como direito, ora como poder, também é defi nido como pretensão, como exercício de um direito preexistente e, não raro, é considerado, na prática forense, como sinônimo de processo, proce-dimento, ou mesmo autos. Há ainda autores que distinguem entre ação de direito material e ação de direito processual.

Consoante os ensinamentos de Ada Pellegrini Grinover 33, ação seria o direito ao exercício da atividade jurisdicional (ou poder de exigir esse exercí-cio). Invocar esse direito implica provocar a jurisdição (provocação necessá-ria, visto que, em regra, ela é inerte), o qual se exerce através de um complexo de atos denominado processo.

Trata-se, portanto, do direito à jurisdição — desde que preenchidas al-gumas condições, como será visto logo adiante —, que encontra fundamen-to constitucional na garantia da tutela jurisdicional efetiva (art. 5º, XXXV, CRFB), uma vez que através dela o titular do direito terá acesso à proteção de seu direito material. Vista neste sentido, isto é, como direito à jurisdição, a ação é um direito tanto do autor, quanto do réu.

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Por isso, quando se afi rma que através dela o titular do direito receberá a proteção jurisdicional, pretende-se dizer que essa tutela deve ser outorgada àquela parte que a mereça, considerando o direito material aplicável ao caso.

E, nesse contexto, a ação serve ao interesse público de dar a cada um o que é seu, assegurando a convivência pacífi ca e harmoniosa em sociedade. Não obstante, conforme será analisado, a doutrina traçou longo caminho até reconhecer a autonomia do “direito de ação”. Inicialmente, identifi cava--o com o direito material litigioso. Mais tarde, no entanto, surgiu a preo-cupação em elaborar uma disciplina autônoma e independente do direito material que permitisse a distinção entre o direito material controvertido e o direito de ir a juízo, o que constituiu relevante conquista para a consolidação da ciência processual.

Nesse contexto, o direito de ação assume também a noção de freio às demandas inviáveis, de modo a determinar o necessário equilíbrio entre o direito de acesso à justiça e a garantia da concreta efi cácia dos direitos.

1. Teorias acerca da natureza jurídica da ação

Verifi cado o conceito de ação como um direito, é na natureza jurídica do instituto que residem as maiores controvérsias, principalmente em razão da autoridade daqueles juristas que formularam as diversas teorias. Desta forma, passemos a uma breve análise das construções teóricas que mais se destacaram:

a) Teoria imanentista, civilista, ou clássica

Segundo a clássica proposição romana, que vigorou até meados do século XIX, a ação era o próprio direito material colocado em movimento, a reagir contra a ameaça ou violação sofrida. Não havia ação sem direito. Defendia-se a tese da imanência do direito de ação ao direito subjetivo material.

b) Teoria do direito concreto de ação (teoria concreta)

Em 1885, Adolph Wach, na Alemanha, reconheceu a relativa indepen-dência entre o direito de ação e o direito subjetivo material. Segundo Wach, a pretensão de tutela jurídica — ação — constitui direito de natureza pública, dirigindo-se contra o Estado, o qual teria a obrigação de prestá-la, e contra o demandado, que teria que suportar seus efeitos.

Segundo essa concepção, embora distinto do direito material, o direito de ação corresponderia a quem tivesse razão, ou seja, só existiria quando a sen-

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tença fosse favorável. Nesse sentido, a teoria defendia a existência do direito de ação somente quando houvesse uma proteção concreta voltada para um direito subjetivo.

Assim, apesar de sua contribuição para demonstrar a autonomia do direito de ação, a teoria foi alvo de críticas não apenas em razão de a improcedência do pedido restar inexplicável — nessa hipótese, a natureza do direito exercido pelo autor permanecia indefi nida —, mas também por caracterizar a ação como o direito a uma sentença favorável, pois, dessa forma, o réu também teria direito de ação.

c) Teoria da ação como direito potestativo

Representa uma variante da teoria concreta, pois também condicionava a existência do direito de ação à obtenção de uma sentença favorável. Por conseguinte, sujeita-se às mesmas críticas dirigidas contra a referida teoria. Conforme seu defensor, Chiovenda, a ação pode ser defi nida como o “poder jurídico de dar vida à condição para a atuação da vontade da lei”, isto é, o direito de obter uma atuação concreta da lei em face de um adversário, sem que este possa obstar que a atividade jurisdicional se exerça.

A ação, aqui também entendida como direito autônomo, não era tida como um direito subjetivo, mas como um direito de poder (direito potes-tativo), visto que corresponderia ao direito do autor de submeter o réu aos efeitos jurídicos pretendidos, ou seja, à atuação da vontade concreta da lei. Desse modo, para esta teoria, a ação se dirigia contra o réu e não contra o Estado (visão privatista).

d) Teoria da ação como direito abstrato

Formulada pelo alemão Degenkolb e pelo húngaro Plósz, defi ne o direito de ação como o direito público que se exerce contra o Estado e em razão do qual o réu comparece em juízo. Não se confunde com o direito privado ar-guido pelo autor, sendo concebido com abstração de qualquer outro direito.

O conteúdo primordial desta teoria foi o mérito de reconhecer a existência de um direito público, subjetivo, preexistente ao processo e desvinculado do direito material, ao permitir que o autor, no exercício de seu direito de ação, fi zesse apenas referência a um interesse seu, levando o Estado a proferir uma sentença por meio da atividade jurisdicional, ainda que contrária aos interes-ses autorais.

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e) Teoria Eclética

É a adotada pelo nosso ordenamento, conforme se depreende da leitura dos artigos 3º e 267, VI, CPC. Foi elaborada por Liebman e tem assento na teoria abstrata, porém com a inclusão de uma nova categoria, qual seja, a categoria das “condições da ação”, ou condições de admissibilidade do provi-mento sobre a demanda e, portanto, preliminar ao exame do mérito.

Para Liebman, a ação é o “direito ao processo e ao julgamento do méri-to”, o qual não representa, porém, a garantia de um resultado favorável ao demandante. Segundo Liebman, as condições da ação são os “requisitos de existência da ação”. Somente se elas estiverem presentes o juiz estará obrigado a julgar o pedido, a fi m de acolhê-lo ou rejeitá-lo.

Assim, considerando tratar-se de um direito abstrato voltado a provocar o exercício da jurisdição, a ação é defendida como o direito de obter o julga-mento do pedido, ou seja, a análise do mérito, independentemente do resul-tado da demanda. Trata-se, portanto, de um direito subjetivo instrumental, visto que independente do direito subjetivo material, embora conexo a ele.

2. Caracterização da ação

a) Direito subjetivo

Segundo a doutrina dominante, a ação seria um direito (como já visto), enquanto para outros ela seria um poder. Os que a entendem como poder partem da noção de que direito subjetivo e obrigação representam situações jurídicas opostas de vantagem e desvantagem que gerariam um confl ito de interesses. Assim, inexistindo confl ito entre Estado e autor, não haveria que se falar em direito subjetivo e sim em poder.

b) Direito públicoA ação está sempre situada na órbita do direito público, pois o exercício

desse direito subjetivo desencadeia o desempenho de uma função pública monopolizada pelo Estado (jurisdição). Assim, a ação é dirigida apenas con-tra o Estado, mas, uma vez apreciada pelo juiz, produzirá efeitos na esfera jurídica do réu.

c) Garantido constitucionalmente

Como um direito fundamental contido no art. 5º, XXXV, assegura o di-reito ao processo com a atuação do Estado, o direito ao contraditório e o direito de infl uir sobre a formação do convencimento do juiz através do ga-rantia do devido processo legal (art. 5º, LIV, CRFB).

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34 O interesse de agir proces-sual diferencia-se do interes-se substancial ou material, que diz respeito à relação jurídica de direito material suscitada. Além disso, é re-quisito de todos os direitos processuais e não apenas da ação.

d) Instrumental

Tem por fi nalidade solucionar uma pretensão de direito material. Em virtude da intensa produção doutrinária, essa característica tem assumido grande importância no cenário jurídico hodierno, que privilegia um processo civil de resultados e o considera não como um fi m em si mesmo, mas como instrumento capaz de garantir a máxima efetividade da tutela jurisdicional.

3. Conceito

Examinadas a natureza jurídica e as características da ação, podemos ago-ra conceituá-la como um direito autônomo (independente da existência do direito material), de natureza abstrata e instrumental, pois visa solucionar pretensão de direito material, sendo, portanto, conexo a uma situação jurí-dica concreta.

4. Condições da ação

A expressão “condições da ação” reveste-se de certa equivocidade. Preferi-mos utilizá-la para designar os requisitos indispensáveis ao regular exercício do direito de ação. Afasta-se, desse modo, a lição de Liebman, consoante a qual as condições da ação seriam requisitos para a existência de referido direito.

5. Condições genéricas

a) Legitimidade das partes (legitimidade ad causam)

Difere da legitimidade ad processum, pois aquela é a legitimidade para agir e esta é a capacidade processual, ou seja, a capacidade de estar em juízo. Divide-se em ordinária e extraordinária. Porém, tal divisão já não se mostra muita ajustada à realidade das ações coletivas.

b) Interesse processual em agir 34

Refere-se à necessidade, utilidade e proveito da tutela jurisdicional para que o autor obtenha a satisfação do direito pleiteado e justifi ca-se na medida

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em que não convém ao Estado acionar o aparato judicial sem que dessa ativi-dade possa ser extraído algum resultado útil.

Alguns autores entendem que o interesse de agir deve vir representado pelo binômio necessidade-adequação do provimento judicial solicitado. Nes-se sentido, a necessidade decorreria da impossibilidade de obter a satisfação do alegado direito sem a atuação do Estado (já que o ordenamento veda a autotutela); e a adequação da relação existente entre os meios processuais escolhidos e o fi m desejado.

c) Possibilidade jurídica do pedido

Previsibilidade pelo direito objetivo da pretensão manifestada pelo autor, ou seja, é a admissibilidade, em abstrato, do provimento demandado. Pode ser vista por dois ângulos, um positivo (é possível pleitear tudo aquilo que esteja previsto em lei) e outro negativo (é possível pleitear tudo aquilo que não estiver expressamente vedado). Prevalece, entre nós, a perspectiva negativa, ou seja, só haverá impossibilidade do pedido quando o ordenamento jurídico contiver uma vedação expressa a respeito (exemplo: cobrança de dívida de jogo).

6. Condições específicas

Além das mencionadas condições genéricas, que devem estar presentes em todas as ações, há que se falar, ainda, nas condições específi cas, previstas para determinadas ações, como por exemplo:

a) Mandado de Segurança — sua condição específi ca é o ajuizamento da ação no prazo máximo de 120 dias, contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado (art. 23, Lei n. 12.016/2009).

b) Ação Rescisória (ação especial utilizada para desconstituir a coisa julgada) — duas são as condições específi cas neste caso: o depósito de 5% sobre o valor da causa pelo seu autor no momento em que ele propõe a demanda rescisória (art. 488, II, CPC) e o ajuizamento da demanda dentro do prazo de dois anos, contados do trânsito em julgado da decisão (art. 495, CPC).

7. Aferição das condições da ação

É de se ressaltar, ainda, que as condições da ação devem ser aferidas in statu assertionis, ou seja, em face da afi rmação constante da petição inicial.

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É a teoria da asserção, elaborada para mitigar difi culdades geradas pela teoria eclética de Liebman (que provoca certa confusão entre preliminares e méri-to). Pela teoria da asserção, o juiz aceita em um primeiro momento, para fi ns de análise das condições da ação, o relato feito pelo autor em sua inicial. Se depois aquele relato não for confi rmado pela instrução probatória, não have-rá carência de ação, mas sim improcedência.

Alguns entendem, no entanto, que a asserção não é sufi ciente para de-monstrar a presença das condições da ação. Segundo tal entendimento, é ne-cessário um mínimo de provas a demonstrar a verossimilhança das asserções formuladas na petição inicial. Entendimento contrário permitiria a autole-gitimação do exercício da ação e criaria a possibilidade de submeter o réu ao ônus de defender-se de uma demanda manifestamente inviável.

Sem embargo da divergência, a posição que ainda hoje predomina na direi-to processual brasileiro é a do exame das condições da maneira como estão dis-postas na inicial, sem extensão probatória, pois, a partir do momento em que o juiz autoriza a produção de provas, já estará ingressando no mérito da causa.

Destaque-se que a carência de ação não se confunde com a improcedência do pedido, pois esta implica exame do mérito, impedindo a renovação da ação, enquanto aquela, uma vez reconhecida, não obsta a que o autor renove seu pedido através de um novo processo que preencha tais condições.

8. Jurisprudência

PROCESSUAL CIVIL — INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC — CONDIÇÕES DA AÇÃO — ILEGITIMIDADE DAS PARTES — EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉ-RITO — ART. 267, INCISO VI, DO CPC.

1. Inexiste violação do art. 535 do CPC quando a prestação jurisdicional é dada na medida da pretensão deduzida.

2. O exercício do direito de ação pressupõe o preenchimento das condi-ções da ação, quais sejam: a) possibilidade jurídica do pedido; b) interesse de agir; e, c) legitimidade das partes.

3. No caso dos autos, ausente a legitimidade ativa ad causam, porquanto a recorrida pleiteia a inexistência de débito tributário e a consequente ex-pedição de certidão negativa de débito ou certidão positiva, com efeitos de negativa, em nome de outrem. Violação do art. 6º do CPC.

4. Extinção do processo, sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC. Recurso especial provido.

(STJ. REsp 1.190.612. Rel. Humberto Martins. Segunda Turma. J. 10/8/2010)

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V. RECURSOS/MATERIAIS UTILIZADOS

Leituras obrigatórias:

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 28ª edição. São Pau-lo: Malheiros, 2012. Capítulos 27 e 28.

DIDIER Jr., Fredie. Curso de direito processual civil. Vol. I. Salvador: Ius Podivm, 2008. Capítulo VI.

MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. O acesso à justiça e as condições da ação. Revista de Processo, nº 174, ago. 2009, p. 325-338.Leituras complementares:CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil, vol. I. Rio de Janeiro: Atlas. Capítulo VII.

GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil, volume I. Rio de Janeiro: Forense. Capítulo IX (na 3. edição, de 2011, p. 185-206).

______. A teoria da ação no processo civil. São Paulo: Dialética, 2003.

MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil, vol. 1 (Teoria Geral do Processo). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, Parte II (p. 157-303).

SOUSA, José Augusto Garcia de. A nova Lei 11.448/07, os escopos extrajurí-dicos do processo e a legitimidade da Defensoria Pública para ações coletivas, in A Defensoria Pública e os processos coletivos, coordenador José Augusto Garcia de Sousa, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2008, p. 189-258.

VI. AVALIAÇÃO

Casos geradores:

1) Pode-se dizer que as condições da ação propiciam certo tipo de ambi-guidade? Qual o papel da teoria da asserção? Quais as implicações práticas da teoria?

Referência: STJ. REsp 832.370. Rel. Min. Nancy Andrighi. Terceira Tur-ma. J. 2/8/2007.

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2) Até que ponto a ausência das condições da ação pode ser relativizada, sobretudo a legitimidade?

Referência: STJ. REsp 1.046.130, rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgamento unânime em 06/10/09.

3) O Estado tem interesse de agir contra decisão judicial supostamente equivocada, em tema de precatório, mesmo quando a decisão não lhe traga prejuízo monetário?

Referência: STJ. RMS 28.084, rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgamento unânime em 19/05/09.

VII. CONCLUSÃO DA AULA

A ação serve para movimentar a jurisdição por meio do processo. Assim, ação é, basicamente, o direito à jurisdição. Classicamente, entendia-se que o direito de ação era do autor. Modernamente, tem-se entendido que o réu tam-bém teria tal direito, pois possui posições ativas dentro do plano jurisdicional.

Na evolução do entendimento sobre a ação, houve diversas teorias e mo-mentos. A concepção que hoje predomina é no sentido de que a ação é um direito autônomo em relação ao direito material. Trata-se da fase autonomista.

Com relação ao Brasil, a teoria adotada é a teoria eclética, elaborada por Liebman. Nesta, surge a fi gura das condições da ação. Esta não depende do direito material, mas há condições a serem observadas: só haverá direito de ação se as condições estiverem presentes. Superado tal estágio, o juiz dirá se o autor possui ou não o direito material.

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AULAS 17, 18 E 19: ELEMENTOS DA DEMANDA.

I. TEMA

Elementos da demanda.

II. ASSUNTO

Análise dos elementos da demanda.

III. OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Os objetivos das aulas são o estudo e análise dos elementos da demanda, quais sejam, partes, causa de pedir e pedido, identifi cando, por fi m, questões como demandas idênticas, causa de pedir próxima e causa de pedir remota e, ainda, pedido mediato e pedido imediato.

IV. DESENVOLVIMENTO METODOLÓGICO

1. Os elementos da demanda e sua relevância

São elementos da demanda as partes, a causa de pedir e o pedido. Saber identifi car tais elementos tem grande importância, pois deles derivam inú-meras implicações. Por exemplo, os elementos da demanda têm importantes refl exos na estabilidade da demanda, nos limites do julgamento, na conexão, na litispendência e na coisa julgada.

As partes são os sujeitos que fi guram respectivamente como autor e como réu na relação processual. O primeiro pede a tutela jurisdicional. O segundo é aquele em face de quem se pede a tutela. Além da identifi cação das partes litigantes, é preciso também que se verifi que a qualidade com que a pessoa esteja litigando (por exemplo, em nome próprio no interesse próprio, em nome próprio no interesse alheio etc.).

Numa relação processual podemos encontrar, ainda, os institutos do litis-consórcio (pluralidade de pessoas no polo ativo, no polo passivo ou em am-bos os polos da relação processual) e da intervenção de terceiros (ampliação subjetiva da relação processual através do ingresso de pessoas no feito sob a condição de terceiros, quando os mesmos demonstrarem interesse jurídico).

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Quanto à causa de pedir (ou causa petendi), seguimos no Brasil a teoria da substanciação, como se percebe pelo art. 282, III, do CPC, que ressalta a necessidade de descrição dos fatos constitutivos do direito do autor. Divide--se em causa de pedir próxima e remota.

Por fi m, temos o pedido, centro de tudo. Atenta a ele é que se desenvol-verá a atividade jurisdicional. O pedido concentra o mérito, o objeto do processo. Divide-se em mediato e imediato.

Como regra, o pedido deve ser certo e determinado (art. 286 do CPC). Entretanto, o próprio legislador admite algumas exceções, em hipóteses nas quais, no início da demanda, tal precisão não puder ser exigida do autor, segundo o princípio da razoabilidade.

O princípio da inércia ou da demanda impõe que o julgador se atenha ao que consta no pedido quando da prolação da sentença. Ressalvam-se, entre-tanto, os chamados pedidos implícitos (exemplo: os juros legais e a obrigações vincendas em relações de trato sucessivo, que podem derivar de autorização le-gal — CPC, artigos 290 e 293, in fi ne) ou tolerância judicial no caso concreto.

2. Jurisprudência

PROCESSUAL CIVIL. CAUSA DE PEDIR. CONTEÚDO. LIMITES. QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FATOS NARRADOS NA PETIÇÃO INICIAL. JULGAMENTO EXTRA PETITA. INEXISTÊNCIA.

— O processo civil brasileiro é regido pela teoria da substanciação, de modo que a causa de pedir constitui-se não pela relação jurídica afi rmada pelo autor, mas pelo fato ou complexo de fatos que fundamentam a preten-são que se entende por resistida. A alteração desses fatos representa, portanto, mudança na própria ação proposta.

— O juiz pode decidir a causa baseando-se em outro dispositivo legal que não o invocado pela parte, mas não lhe é dado escolher, dos fatos provados, qual deve ser o fundamento de sua decisão, se o fato eleito for diferente da-quele alegado pela parte, como fundamento de sua pretensão.

— Inexiste julgamento extra petita quando se empresta qualifi cação jurí-dica diversa aos fatos narrados pelo requerente. Precedentes.

Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte desprovido.(STJ. REsp 1.043.163. Rel. Min. Nancy Andrighi. Terceira Turma. J.

1/6/2010. DJ. 28/6/2010.

PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. AÇÃO POLICIAL. PERSEGUIÇÃO EM VIA PÚBLICA. VÍTIMA ATINGIDA POR PROJÉTIL DE ARMA DE FOGO. “BALA PERDIDA”. INDENIZAÇÃO POR DANOS MO-

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RAIS E MATERIAIS. CONFIGURAÇÃO. ÔNUS DA PROVA. SÚMU-LA 07. PRESCRIÇÃO. DECRETO LEGISLATIVO 20.910/32. APLICA-ÇÃO. CIÊNCIA INEQUÍVOCA DOS ATOS LESIVOS. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. TEORIA DA CAUSA MADURA. CAUSA PETENDI. PRINCÍPIO NARRA MIHI FACTUM, DABO TIBI JUS. OFENSA À LEI REVOGADA. PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM. REVISÃO DO QUANTUM ARBITRADO PELA INSTÂNCIA A QUO. SÚMULA 07. IMPOSSIBILIDADE IN CASU. VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, CPC. INOCORRÊNCIA.

1. Ação de indenização em face do Estado, ajuizada por vítima de disparo de arma de fogo, efetuada por policial militar, em razão de perseguição poli-cial, objetivando indenização por danos físicos, psicológicos e estéticos.

2. O termo a quo do prazo prescricional para o ajuizamento de ação de indenização contra ato do Estado, por dano moral e material, conta-se da ciência inequívoca dos efeitos decorrentes do ato lesivo. É que a prescrição da ação indenizatória, in casu, teve como lastro inicial o momento da cons-tatação das lesões sofridas e de suas consequências. Precedentes: (Resp. n.º 700/716/MS, DJ. 17.04.2006, REsp 742.500/RS, DJ 10.04.2006, Resp n.º 673/576/RJ, DJ. 21.03.2005, REsp 735.377/RJ, DJ 27.06.2005).

3. A pendência da incerteza acerca do reconhecimento do ato lesivo pra-ticado pela Administração Pública impede aduzir-se à prescrição, posto ins-tituto vinculado à inação.

4. É assente em doutrina que: “Não é toda causa de impossibilidade de agir que impede a prescrição, como faz presumir essa máxima, mas somente aquelas causas que se fundam em motivo de ordem jurídica, porque o direito não pode contrapor-se ao direito, dando e tirando ao mesmo tempo.” (Câ-mara Leal in “Da Prescrição e da Decadência”, 1978, Forense, Rio de Janeiro, p. 155)

5. In casu, tendo a recorrida ajuizado a ação de indenização em 13.01.2004, objetivando a indenização por lesões decorrentes do disparo de arma de fogo, em perseguição policial, revela-se inocorrente a prescrição, porquanto o com-pleto delineamento das lesões sofridas e suas consequências se deu no ano de 2002.(fl s. 161).

6. O art. 515, § 1º do CPC permite que o Tribunal avance no julgamen-to de mérito, sem que isso importe em supressão de instância. Precedentes: RESP 274.736/DF, Corte Especial, DJ 01.09.2003; REsp 722410 / SP, DJ de 15/08/2005; REsp 719462 / SP, DJ de 07/11/2005).

7. A causa petendi não é integrada pela qualifi cação jurídica do fato, por isso que resta indiferente se a parte alude à responsabilidade estatal em face da omissão do Estado e o Tribunal entende pela conduta comissiva do Es-tado e a consequente responsabilidade objetiva estatal, por força da máxima implícita ao ordenamento jurídico de que: “narra mihi factum, dabo tibi

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jus.” O Tribunal a quo analisou os fatos narrados: A perseguição policial e a troca de tiros relatada pela Autora, em sua petição inicial, e corroborada pelos documentos juntados aos autos, não foram negadas pelo Réu, tratando-se, pois, de fato incontroverso nos autos. Entendo, ademais, que, na hipótese em berlinda, houve importante falha no planejamento da ação policial, com severo comprometimento da integridade física de terceiro inocente. (fl s. 163) E considerou a responsabilidade objetiva, em face da conduta comissiva: O ponto central de controvérsia nos autos se concentra na existência ou não de responsabilidade civil do Estado quando agentes públicos (policiais mi-litares), empreendendo perseguição a bandidos, com estes trocam tiros em via pública de alto tráfego de veículos e pedestres, resultando, desse tiroteio, lesões de natureza grave em terceiro, vítima inocente.(...) A responsabilidade civil do Estado, pelos danos causados a terceiros, decorrentes da atuação dos agentes públicos, nessa qualidade, é objetiva. (fl s. 163).

8. Neste sentido já me posicionei: Forçoso repisar quanto à causa de pedir, que norma jurídica aplicável à espécie e a categorização jurídica dos fatos que compõem a razão do pedido não a integram.

Assim, eventual modifi cação do dispositivo legal aplicável ou a mudança de categorização jurídica do fato base pedido não incidem sobre o veto do art. 264 do CPC. (Luiz Fux in “Curso de Direito Processual Civil — Proces-so de Conhecimento”, 2008, Forense, Rio de Janeiro, p. 399).

9. A adoção do princípio tempus regit actum, pelo art. 1.211 do CPC, impõe obediência à lei em vigor regula os recursos cabíveis quando da prola-ção do ato decisório.

10. In casu, o acórdão recorrido que examinou a controvérsia foi proferi-do em 24.08.2006, portanto, posteriormente, à revogação dos artigos 603 e 611, ambos do Código de Processo Civil, indicados como violados.

11. O Recurso Especial não é servil ao exame de questões que demandam o revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, em face do óbice contido na Súmula 07/STJ.

12. A análise da existência de ofensa ao art. 333, inc. I, do Código de Processo Civil implica o revolvimento de matéria fático-probatória, o que é interditado a esta Corte Superior.

13. In casu, consoante assentado pelo acórdão recorrido: “A tese de que o projétil de arma de fogo que causou as lesões referidas pela Autora não teria sido disparado por policiais militares não está comprovada nos autos, ônus esse que competiria ao Estado. Há notícias, porém não a certeza, de que a vítima teria sido atingida por um disparo de AR-15. Segundo matéria publicada nos jornais da época, anexadas aos autos pela Autora, a única certeza de que tinham os pe-ritos do Instituto de Criminalística Carlos Éboli é que o projétil que perfurou a lataria do veículo em que se encontrava a vítima não era proveniente de um revólver, calibre 38 — única arma apreendida com os bandidos (...) (fl s. 164).

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14. A responsabilidade estatal restou comprovada pelo Tribunal a quo, com base nas provas dos autos, bem como escorreita a imputação da indeni-zação fi xada a título de danos materiais e morais. A análise da existência do fato danoso, e o necessário nexo causal entre a suposta conduta e os prejuízos decorrentes da mesma implica em análise fático-probatória, razão pela qual descabe a esta Corte Superior referida apreciação em sede de recurso especial, porquanto é-lhe vedado atuar como Tribunal de Apelação reiterada ou Ter-ceira Instância revisora, ante a ratio essendi da Súmula n.º 07/STJ. Preceden-tes: (AgRg no REsp 723893/RS DJ 28.11.2005; AgRg no Ag 556897/RS DJ 09.05.2005; REsp 351764/RJ DJ 28.10.2002.)

15. Isto porque o Tribunal asseverou que: “Na hipótese destes autos, o conjunto probatório aponta — por exclusão e diante da ausência de elemen-tos de convicção em sentido contrário — para a falta cometida, justamente pelos agentes públicos — policiais militares — incumbidos de zelar pela se-gurança da população. Com os bandidos foi apreendido um único revólver, calibre 38 — arma que não produziria o furo encontrado na lataria do veícu-lo em que se encontrava a vítima, segundo afi rmação dos peritos do ICCE. (...) Os elementos de convicção já existentes nos autos permitem confi gurar o fato administrativo (a perseguição policial e o tiroteio em via pública), o dano (lesões sofridas pela vítima) e o nexo causal (que tais lesões decorreram de errôneo planejamento de ação policial, com veementes indícios de que o projétil de arma de fogo que atingiu a Autora teria sido disparado de arma-mento utilizado pelos policiais militares). (fl s. 165/166)

16. Descabe ao STJ examinar questão de natureza constitucional, qual seja a alegação de ofensa ao art. 37, par. 6º, da Constituição Federal, postulando a redução da fi xação do quantum fi xado à título de danos morais, porquanto enfrentá-la signifi caria usurpar competência que, por expressa determinação da Carta Maior, pertence ao colendo STF. A competência traçada para este Tribunal, em sede de recurso especial, restringe-se tão somente à uniformiza-ção da legislação infraconstitucional.

17. Os embargos de declaração que enfrentam explicitamente a questão embargada não ensejam recurso especial pela violação do artigo 535,

II, do CPC, tanto mais que, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utiliza-dos tenham sido sufi cientes para embasar a decisão.

18. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido.(STJ. REsp 1.056.605. Rel. Min. Luiz Fux. Primeira Turma. J. 10/3/2009.

DJ. 25/3/2009.

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PROCESSO CIVIL — LITISPENDÊNCIA OU CONEXÃO — COM-PETÊNCIA.

1. Inexistência de litispendência pela não identidade dos três elementos das demandas.

2. Existência de conexão qualifi cada ou continência, mas não há reunião dos processos porque já julgada uma das demandas.

3. Recurso provido.(STJ. REsp 33.238. Rel. Min. Eliana Calmon. Segunda Turma. J.

16/12/1999. DJ. 8/3/2000.

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. HONORÁRIOS AD-VOCATÍCIOS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. ACÓRDÃO TRANSI-TADO EM JULGADO OMISSO QUANTO AOS HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. AJUIZAMENTO DE AÇÃO PRÓPRIA. INADMIS-SIBILIDADE. OFENSA À COISA JULGADA.

1. A condenação nas verbas de sucumbência decorre do fato objetivo da derrota no processo, cabendo ao juiz condenar, de ofício, a parte vencida, independentemente de provocação expressa do autor, porquanto trata-se de pedido implícito, cujo exame decorre da lei processual civil.

2. “Omitindo-se a decisão na condenação em honorários advocatícios, deve a parte interpor embargos de declaração, na forma do disposto no art. 535, II, CPC. Não interpostos tais embargos, não pode o Tribunal, quando a decisão passou em julgado, voltar ao tema, a fi m de condenar o vencido no pagamento de tais honorários. Se o fi zer, terá afrontado a coisa julgada.” (ACO 493 AgR, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, jul-gado em 11/02/1999, DJ 19-03-1999)

3. “Se a sentença — omissa na condenação em honorários de sucumbên-cia — passou em julgado, não pode o advogado vitorioso cobrar os honorários omitidos.” (EREsp 462.742/SC, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, CORTE ESPE-CIAL, DJe 24/03/2008) 4. O trânsito em julgado de decisão omissa em relação à fi xação dos honorários sucumbenciais impede o ajuizamento de ação própria ob-jetivando à fi xação de honorários advocatícios, sob pena de afronta aos princípios da preclusão e da coisa julgada. Isto porque, na hipótese de omissão do julgado, caberia à parte, na época oportuna, requerer a condenação nas verbas de sucum-bência em sede de embargos declaratórios, antes do trânsito em julgado da sen-tença. (Precedentes: AgRg no REsp 886559/PE, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 24/04/2007, DJ 24/05/2007; REsp 747014/DF, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUIN-TA TURMA, julgado em 04/08/2005, DJ 05/09/2005; REsp 661880/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 21/09/2004, DJ

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08/11/2004; REsp 237449/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 11/06/2002, DJ 19/08/2002) 5. Ressalva do Relator no sentido de que o acórdão, que não fi xou honorários em favor do vencedor, não faz coisa julgada, o que revela a plausibilidade do ajuizamento de ação objetivando à fi xação de honorários advocatícios. Isto porque a pretensão à condenação em honorários é dever do juiz e a sentença, no que no que se refere a eles, é sempre constitutiva do direito ao seu recebimento, revestindo-o do caráter de executoriedade, por isso, a não impugnação tempestiva do julgado, que omite a fi xação da verba advocatícia ou o critério utilizado quando de sua fi xação, não se submete à irreversibilidade decorrente do instituto da coisa julgada.

6. In casu, verifi ca-se que houve a prolação de decisão conjunta para a ação principal e para a cautelar, sendo que, no tocante à principal, o pedido foi acolhido parcialmente, para determinar a compensação apenas dos tributos de mesma natureza, ocasião em que estabeleceu o juízo singular a compensação dos honorários, em razão da sucumbência recíproca; a ação cautelar, a seu tur-no, foi julgada improcedente. Por isso que, tendo a apelação da ora recorrente cingido-se à questão da correção monetária, restou preclusa a parte do julgado referente aos honorários advocatícios. Confi ra-se excerto do voto condutor, in verbis: “Há, portanto, dois pontos a serem analisados. O primeiro deles é mo-tivo do reconhecimento da sucumbência pela decisão de primeira instância. Não obstante o dispositivo da sentença tenha dado como procedente o pedido formulado na ação principal, verifi cando-se a sua fundamentação, percebe-se que na realidade o pedido de compensação não foi integralmente reconhecido, mas somente entre os tributos de mesma natureza (fl .. 30): “(...) Por fi m, resta indeferida a pretensão de compensação entre os valores recolhidos indevida-mente e a Contribuição Social Sobre o Lucro, COFINS ou IRPJ, por tratar-se de tributo cujo fato gerador é diverso. (...)” Por outro lado, a ação cautelar foi julgada totalmente improcedente, tendo em vista a ausência do preenchimento dos requisitos do periculum in mora e do fumus boni juris, de forma que não caberia, de qualquer sorte, arbitramento de honorários contra a União. Dessa forma, era no recurso em relação à ação principal que a parte deveria ter-se irre-signado contra a questão dos honorários. No entanto, em seu recurso adesivo, a autora apenas irresignou-se contra os critérios de atualização do débito, no que obteve êxito quando seu recurso foi apreciado pelo juízo ad quem.”

7. Destarte, a ausência de discussão da matéria no recurso da ação princi-pal e a falta de oposição de embargos de declaração tornam preclusa a ques-tão, por força da coisa julgada, passível de modifi cação apenas mediante o ajuizamento de ação rescisória.

8. Recurso especial desprovido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.

(REsp 886.178, rel. Min. Luiz Fux, Corte Especial, julgamento unânime em 02/12/09)

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V. RECURSOS/MATERIAIS UTILIZADOS

Leituras obrigatórias:

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 28ª edição. São Pau-lo: Malheiros, 2012. Capítulos 27 (último item).

DIDIER Jr., Fredie. Curso de direito processual civil. Vol. I. 9ª edição. Sal-vador: Ius Podivm, 2008. Capítulo XV.

GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. Volume I. 3ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2011. Capítulo VIII (parte central).

Leitura complementar:

ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Dano moral e pedido genérico de indenização. Revista dos Tribunais, nº 781, nov. 2000, p. 33-50.

VI. AVALIAÇÃO

Casos geradores:

1) Maria propõe demanda indenizatória por danos morais em face de João, seu ex-marido. O réu, eu contestação, alega que a autora, em ação de separação judicial, renunciou aos alimentos, gerando, portanto, coisa julgada material. Pergunta-se:

a) Há possibilidade jurídica do pedido formulado por Maria?

b) Há coisa julgada? As demandas são idênticas? Justifi que.

Referência: STJ. REsp 897.456, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Terceira Turma, julgamento unânime em 14/12/06.

2) Em ação de indenização, Marina, viúva de Marcelo, um agente poli-cial morto em assalto a ônibus, responsabilizou o Estado do Rio de Janeiro pela morte do seu marido e ao fi nal pediu “danos morais no justo quantum a ser arbitrado por V. Exa., não devendo tal quantum, porém, ser inferior a R$100.000,00.” Por que o Estado deveria responder? Segundo a inicial,

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Marcelo só foi morto porque o assaltante percebeu que ele era policial, o que geraria a responsabilidade objetiva do Estado, tratando-se de um caso de morte em serviço. Durante a instrução, não se comprovou que a morte de Marcelo tenha ocorrido em virtude de ser ele policial, fi cando razoavelmente demonstrado que o assaltante que desferiu o tiro fatal não tinha qualquer ideia acerca da profi ssão de Marcelo. Sem embargo, descobriu-se ao longo do processo que o assaltante que atirou era fugitivo de Bangu III, pouco tendo feito o Estado para capturá-lo novamente, o que de toda forma induziria a responsabilidade do Estado, na modalidade subjetiva. O juiz poderá julgar procedente o pedido, condenando o Estado? Caso a condenação possa ser deferida, haverá algum vício processual se a indenização for fi xada em valor inferior a R$ 50.000,00?

Referência: STJ. REsp 1.065.239. Rel. Min. Denise Arruda. Primeira Turma. J. 16/4/2009.

3) José propôs demanda de exoneração de alimentos em face de Maria, sua ex-esposa, ao argumento de que após a fi xação dos alimentos sobreveio substancial alteração na situação fi nanceira da ré. A sentença julgou impro-cedente o pedido, com fundamento de que, na verdade, houve diminuição patrimonial. O autor apela e, em sede de apelação, sobrevém fato novo, qual seja, que a ré exerce cargo remunerado de assessora no Ministério do Traba-lho. O Tribunal conheceu e deu provimento à apelação, a fi m de exonerar o apelante do pagamento dos alimentos. Pergunta-se:

a) Quais são os momentos em que devem ser apresentados os fatos pelas partes do processo?

b) O Tribunal poderia acolher fato novo, trazido em sede de apelação? Justifi que.

c) Houve afronta aos artigos 128 e 264 do CPC? E o art. 462 do mesmo diploma legal? Qual ou quais devem prevalecer no caso concreto?

Referências: i) STJ. REsp 222.312. Rel. Min. Ari Pargendler. Terceira Turma. J. 16/9/1999. DJ. 3/4/2000; ii) STJ. EDcl no REsp 222.312. Rel. Min. Ari Pargendler. Terceira Turma. J. 9/5/2000. DJ. 12/06/2000; iii) EDcl nos EDcl no REsp 222.312. Rel. Min. Ari Pargendler. Terceira Turma. J. 16/11/2000. DJ. 18/12/2000.

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VII. CONCLUSÃO DA AULA

Além das condições da ação, há os seus elementos. Estes são, basicamente, partes, pedidos e causa de pedir, sendo a sua fi nalidade precípua diferenciar uma demanda da outra.

As maiores discussões dizem respeito à causa de pedir, composta pela cau-sa de pedir próxima e causa de pedir remota.

Segundo a doutrina brasileira, o nosso direito processual adotou a teoria da substanciação, que enfatiza o lado fático. Nesse sentido, o art. 282, III, do CPC, determinando que, na petição inicial, sejam declinados os fatos que embasam a pretensão do autor, além dos fundamentos jurídicos do pedido.

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UNIDADE IV: PROCESSO, RELAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL E PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS. PROCEDIMENTOS. ATOS E VÍCIOS PROCESSUAIS.

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35 Nesse sentido, MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Pro-cesso do Conhecimento, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 56 e 77. Ainda se-gundo os autores, se o pro-cesso é um instrumento e se para o exercício da jurisdição por meio do processo são traçados, pela lei, vários pro-cedimentos, o processo pode ser defi nido como o procedi-mento que permite que o juiz exerça a função jurisdicional.

36 “Nem se confunde a ins-trumentalidade de que aqui se cuida, como parece óbvio, com a instrumentalidade das formas. Esse princípio, da mais profunda relevância em direito processual, contém-se todo ele inteiro na teoria do processo, como instituto jurí-dico [...] Como se vê, trata-se de diretriz importantíssima, mas ainda mais visivelmen-te endossistemática, não se confundido com a instru-mentalidade que é o tema das presentes investigações”. DINAMARCO, Cândido Ran-gel. A instrumentalidade do processo, 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 266.

AULAS 20, 21 E 22: PROCESSO, RELAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL E PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS.

I. TEMA

Processo, relação jurídica processual e pressupostos processuais.

II. ASSUNTO

Análise do processo, da relação jurídica processual desenvolvida com sua instauração e os respectivos pressupostos processuais, genéricos e específi cos.

III. OBJETIVOS ESPECÍFICOS

As aulas objetivam analisar o processo, indispensável ao exercício da ati-vidade jurisdicional, a formação da relação jurídica processual e seus pressu-postos, de existência e validade.

IV. DESENVOLVIMENTO METODOLÓGICO

1. Conceito e natureza jurídica do processo

O processo, indispensável ao exercício da função jurisdicional, pode ser defi nido como o instrumento através do qual a jurisdição é exercida, ou como o procedimento que, atendendo aos ditames da Constituição da República, permite que o juiz exerça sua função jurisdicional 35.

Esta, por sua vez, será legítima na medida em que permita a participação das partes através do procedimento realizado em contraditório, associada à observância da legalidade inerente à garantia do devido processo legal. Nesse sentido, o processo só será justo quando o juiz, atento à disciplina legal, pos-sibilitar a participação adequada e equilibrada das partes.

Vale a propósito mencionar a doutrina de Cândido Rangel Dinamarco 36, que muito contribuiu, entre nós, para o reforço da teoria da instrumentalida-de do processo, teoria que introduziu novos paradigmas na interpretação das leis processuais. Para Dinamarco, o processo tem fi ns não apenas jurídicos, mas também sociais e políticos.

Em face das diversas teorias que procuram explicar o processo, podemos extrair seu conceito e natureza jurídica. No tocante ao conceito, podemos

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defi ni-lo como o conjunto de atos, realizados sob o crivo do contraditório, que corporifi ca uma relação jurídica da qual surgem deveres, poderes, facul-dades e ônus para os sujeitos que dela participam.

Dessa forma, quanto à natureza jurídica, isto é, ao gênero ao qual pertence o instituto em análise, trata-se de uma categoria jurídica autônoma, per si, cujas espécies seriam os processos de conhecimento, de execução etc. Mas acima de tudo, insista-se, é preciso visualizar o processo como garantia para a realização da justiça e efetivação dos direitos, já que somente através deste instrumento as partes poderão garantir sua participação equilibrada e prote-gida pelas garantias do devido processo legal na formação da decisão.

2. Teorias sobre a natureza jurídica do processo

a) Teorias privatistas

i) Teoria do processo como um contrato: identifi cava o processo como um contrato (litiscontestatio), através do qual as partes se submetiam à decisão que viesse a ser proferida.

ii) Processo como um quase-contrato: esta teoria, assim como a precedente, teve sua origem na França (século XIX) e foi cons-truída sobre fragmentos do direito romano. Baseia-se na cons-tatação de que, conquanto o processo não possa ser considera-do um contrato, diante das contundentes críticas formuladas contra a teoria anterior, dele decorrem obrigações que vincu-lam as partes.

b) Teoria da relação jurídica processual: Com a publicação, na Alema-nha, da obra “Teoria dos pressupostos processuais e das exceções dilatórias”, de Oskar von Bülow, em 1868, iniciou-se a sistemati-zação da relação processual, distinta da relação de direito material, abrindo espaço para que o direito processual lograsse autonomia científi ca. Assim, Bülow identifi cou o processo com uma relação jurídica — eis que decorreriam para os seus sujeitos direitos e obri-gações — distinta da relação jurídica material, tendo em vista que ambas as relações possuíam sujeitos, objeto e pressupostos distintos. Destacou-se das demais teorias não só pela identifi cação dos dois planos de relações, mas também pela sistematização ordenadora da conduta dos sujeitos processuais em suas relações recíprocas.

c) Teoria do processo como situação jurídica: Segundo o alemão James Goldschmidt, a única relação jurídica existente seria a de direito

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material, não havendo direitos processuais, mas meras expectativas de se obter vantagem. Assim, o processo constituiria uma série de situações jurídicas, concretizando para as partes direitos, deveres, faculdades, poderes, sujeições, ônus etc. Tal teoria, entretanto, foi esvaziada por não conseguir afastar a noção de relação jurídica pro-cessual, contribuindo, contudo, para o enriquecimento da ciência processual a partir do desenvolvimento e incorporação na doutrina dos conceitos de faculdades, ônus, sujeições, bem como da relação funcional de natureza administrativa entre juiz e Estado.

d) Teoria do processo como instituição: Embora desenvolvida por Jai-me Guasp, esta teoria teve seu principal representante na fi gura de Eduardo J. Couture. Consoante a teoria, o processo seria uma ins-tituição jurídica. A primeira e maior difi culdade que dela decorre reside em esclarecer, com precisão, o que signifi ca a expressão insti-tuição jurídica. O conceito de instituição possui origem eminente-mente sociológica, e não jurídica, sobre ele havendo se debruçado mentes brilhantes do porte de Ihering, Renard e Hauriou, sem que suas ideias convergissem para um denominador comum. Esta teo-ria, conquanto engenhosa, não explica satisfatoriamente a natureza jurídica do processo. O caráter impreciso e elástico do conceito de instituição, por si, já recomenda que se evite tal categoria na revela-ção do que venha a ser o processo.

e) Teoria do processo como procedimento em contraditório: De acor-do com a doutrina de Elio Fazzalari, o processo seria um procedi-mento, isto é, uma sequência de normas destinadas a regular deter-minada conduta, em presença do contraditório. Esta teoria defende a superação do conceito de relação jurídica, o qual considera inca-paz de revelar a natureza jurídica do processo. Para ela, o processo é uma espécie do gênero procedimento. Mais precisamente: o proces-so é o procedimento que se desenvolve em contraditório. O proce-dimento poderia ser defi nido como uma série de atos e uma série de normas que os disciplinam, regendo a sequência de seu desenvolvi-mento. Todo procedimento destina-se a preparar um provimento, que, por sua vez, é um ato do Estado, de caráter imperativo, pro-duzido pelos seus órgãos no âmbito de sua competência, seja um ato administrativo, um ato legislativo ou um ato jurisdicional. O processo seria, portanto, aquela espécie de procedimento em que os interessados participariam, em condições de igualdade, interferindo efetivamente na preparação do provimento. O contraditório seria o elemento que qualifi ca o processo, permitindo apartá-lo das demais

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espécies de procedimento. Esta teoria é criticada por procurar eli-minar a relação jurídica do conceito de processo. Afi nal, não existe qualquer incompatibilidade entre contraditório e relação jurídica. É por meio da relação jurídica processual e das trans formações que essa experimenta, à medida que o procedimento avança, que se concretiza a garantia constitucional do contraditório. Em outras palavras: a participação das partes, assegurada pelo contraditório, somente se faz efetiva, porque, com as transformações da relação processual, criam-se para as partes diversos direitos, deveres, ônus, sujeições, enfi m, diversas situações subjetivas, cujo surgimento é in-dissociável da noção de relação jurídica.

f ) Teoria do processo como categoria complexa: A referida teoria, des-tacada por Cândido Rangel Dinamarco, complementaria a de Elio Fazzalari, ao sustentar que o processo é uma entidade complexa, ou seja, o processo seria o procedimento realizado em contraditório e animado pela relação processual. Por se tratar de uma categoria complexa, o processo seria composto, basicamente, por dois aspec-tos: o extrínseco, que seria justamente o procedimento realizado em contraditório; e o intrínseco, que, por sua vez seria a relação jurídica processual estabelecida entre as partes, gerando sucessiva-mente direitos, deveres, faculdades e ônus. Contestando a teoria do processo como relação jurídica, Dinamarco sustenta sua falha, na medida em que esta não explica como o processo poderia ser apenas uma relação processual, sem incluir um procedimento. Ou seja, a teoria partiria da errônea percepção de que procedimento e relação jurídica processual não coexistem no conceito e na realidade do processo, apesar de este não poder ser o que realmente é na ausên-cia de um desses elementos. Não obstante tal teoria seja bem aceita na doutrina, as críticas remanescentes apontam para a contradição existente em dissociar o processo nos planos interno e externo, pois todo instituto ou entidade deve ser concebido como uma unidade.

g) Teoria do processo como categoria jurídica autônoma: Segundo os defensores da teoria, que no Brasil recebe a simpatia de Afrânio Silva Jardim, o processo seria uma categoria jurídica autônoma, distinta das demais já consagradas no quadro da Teoria Geral do Direito. As diversas teorias existentes acerca da natureza jurídica do processo incidem em equívoco metodológico: procuram, em vão e desnecessariamente, enquadrar o processo em categorias jurídicas já existentes. Consoante essa teoria, “o processo é o processo”, e simplesmente isso.

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37 O processo cautelar não se baseia em um juízo de certe-za (como o de conhecimen-to), bastando que estejam presentes os requisitos fumus boni iuris (aparência de bom direito) e periculum in mora (perigo na demora) para que seja concedida a tutela cautelar.

2. Classificação dos processos

O processo, como meio de prestar tutela jurisdicional, não comporta ne-nhuma divisão. No entanto, de acordo com seu objetivo podemos classifi cá--lo de três formas: (i) processo de conhecimento; (ii) processo de execução; e (iii) processo cautelar.

O processo de conhecimento, segundo Cândido Rangel Dinamarco, cor-responde a “uma série de atos interligados e coordenados ao objetivo de pro-duzir tutela jurisdicional mediante o julgamento da pretensão exposta ao juiz”. Trata-se do meio pelo qual se comprova, através da formulação de uma norma jurídica concreta, determinado fato ou situação jurídica, a fi m de se obter uma determinada prestação, vantagem ou interesse que deverá ser rea-lizado pela parte contrária.

Também chamado declaratório em sentido amplo, tem por objeto a pre-tensão ao provimento declaratório, que é a sentença de mérito, isto é, o ato em que se expressa a norma jurídica concreta disciplinadora da situação sub-metida ao órgão jurisdicional.

Com o surgimento de novos direitos e a necessidade de tutela efetiva ins-pirada na noção de um processo civil de resultados, o processo de conheci-mento ganhou novas feições em virtude da tutela antecipatória, que, condi-cionada a requisitos específi cos, permite a proteção adequada e tempestiva dos direitos em jogo.

O processo cautelar corresponde a uma manifestação eminentemente ins-trumental e tem como objetivo assegurar a efi cácia do processo de conheci-mento e do processo de execução, ou seja, a efetividade da tutela do direito material 37.

Trata-se de uma atividade auxiliar e subsidiária fundada na hipótese de um futuro provimento jurisdicional favorável ao autor (fumus boni iuris) e no perigo decorrente do retardamento do remédio jurisdicional (periculum in mora).

Seu resultado específi co é um provimento acautelatório. Daí se falar que no processo cautelar temos uma instrumentalidade ao quadrado, pois ele se-ria o instrumento do processo principal, que é, por sua vez, instrumento para a realização do direito material.

Por fi m, o processo de execução permite a realização prática do direito no mundo dos fatos, sendo utilizado sempre que se quer dar um efeito concreto, mesmo contra a vontade do devedor, a um título executivo.

Atualmente, em vista das reformas legislativas iniciadas pelas Leis n. 8.952/94 e 10.444/2002, que chegaram ao seu ponto maior com a Lei n. 11.232/05, havendo um título judicial, não se deve mais falar em processo de execução, mas tão somente em cumprimento de sentença, que se coloca como a última fase do processo de conhecimento, iniciada após o trânsito

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38 Art. 475-I. O cumprimento da sentença far-se-á confor-me os arts. 461 e 461-A desta Lei ou, tratando-se de obri-gação por quantia certa, por execução, nos termos dos de-mais artigos deste Capítulo. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005). § 1o É defi nitiva a execução da sentença transi-tada em julgado e provisória quando se tratar de sentença impugnada mediante recurso ao qual não foi atribuído efei-to suspensivo. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005). § 2o Quando na sentença houver uma parte líquida e outra ilíquida, ao credor é lícito promover simultaneamente a execução daquela e, em autos apartados, a liquidação desta. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

39 Art. 475-N. São títulos exe-cutivos judiciais: (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005). I — a sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia; (In-cluído pela Lei nº 11.232, de 2005); II — a sentença penal condenatória transitada em julgado; (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005); III — a sentença homologatória de conciliação ou de transação, ainda que inclua matéria não posta em juízo; (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005); IV — a sentença arbitral; (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005); V — o acordo extrajudicial, de qualquer natureza, ho-mologado judicialmente; (In-cluído pela Lei nº 11.232, de 2005); VI — a sentença es-trangeira, homologada pelo Superior Tribunal de Justiça (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005); VII — o formal e a certidão de partilha, ex-clusivamente em relação ao inventariante, aos herdeiros e aos sucessores a título sin-gular ou universal. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005); Parágrafo único. Nos casos dos incisos II, IV e VI, o man-dado inicial (art. 475-J) in-cluirá a ordem de citação do devedor, no juízo cível, para liquidação ou execução, con-forme o caso. (Incluído pelaLei nº 11.232, de 2005)

em julgado da sentença (ou acórdão), no caso do cumprimento defi nitivo, previsto no artigo 475-I do CPC 38.

Com as reformas, verifi ca-se um crescente abandono da noção original de execução, representada por um processo autônomo em relação ao processo de conhecimento, isto é, uma nova relação jurídica processual distinta da que se extinguiu com a sentença de mérito transitada em julgado, com nova petição inicial, nova citação etc.

Esse modelo, aos poucos, vem dando lugar à execução imediata, ou seja, à execução que se realiza na mesma relação processual em que se formou o título executivo exequendo. Assim, a execução autônoma fi ca restrita aos tí-tulos executivos extrajudiciais, bem como a alguns poucos títulos executivos judiciais (CPC, art. 475-N, parágrafo único) 39. Este é o principal resultado das inovações trazidas pela Lei n° 11.232, de 22 de dezembro de 2005.

Conforme a sentença proferida, o processo de conhecimento pode ser classifi cado da seguinte forma:

a) Corrente ternária: Para a corrente ternária, há três espécies de sen-tença:

I) Declaratória: visa à declaração da existência ou inexistência de determinada relação jurídica ou da autenticidade ou falsidade de documento, as quais, uma vez obtidas, exaurem o provi-mento jurisdicional concedido. Fundamenta-se no fato de que a incerteza jurídica gera um confl ito atual ou perigo de confl ito cuja eliminação é escopo da jurisdição;

II) Constitutiva: pretende a modifi cação de uma situação ou rela-ção jurídica e a criação de uma nova. No processo constitutivo, o provimento jurisdicional constitui, modifi ca ou extingue a si-tuação ou relação jurídica mediante a declaração das condições legais que o autorizam. Nesse sentido, a partir de seu conteúdo, teremos uma sentença constitutiva positiva ou, na última hi-pótese, uma sentença constitutiva negativa ou desconstitutiva. Assim como na hipótese anterior, o processo presta a tutela ju-risdicional pleiteada, uma vez que esta, em nenhuma das duas hipóteses, dependia de atividades complementares que modifi -cassem a realidade sensível;

III) Condenatória: pretende a condenação do réu à determina-da prestação proveniente de um direito anteriormente viola-do, possibilitando o acesso execução forçada caso a obrigação não seja cumprida espontaneamente pelo devedor. Neste caso, considerando-se a reforma no processo de execução, que tornou excepcional a execução ex intervallo, teremos, via de regra, o

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cumprimento da sentença dando continuidade à fase decisória; tudo dentro do processo de conhecimento, tornado “sincrético”.

b) Corrente quinaria: Às três espécies da corrente ternária, a corrente quinária acrescenta duas:

I) Mandamental — caracteriza-se por dirigir uma ordem, um co-mando ao réu, que, atuando sobre a sua vontade, obriga-o a cumprir a sentença. É o que verifi camos na execução das obri-gações de fazer e de não fazer;

II) Executiva lato sensu — também dispensa posterior propositu-ra de ação de execução, valendo-se de medidas sub-rogatórias. Como exemplo de sentença executiva lato sensu, podemos citar a prevista na ação de despejo.

Para seus defensores, a classifi cação quinária representa a superação do modelo liberal de não ingerência do Estado nas relações particulares, justifi -cando-se em virtude da incapacidade de as sentenças declaratória, constituti-va e condenatória prestarem tutela preventiva ou tutela adequada aos direitos não patrimoniais.

Nesse sentido, a importância do exercício do imperium repousa no ris-co de reduzir novamente o magistrado ao que Montesquieu denominou de “boca de lei”, noção esta superada pelo surgimento de fi guras como as as-treintes, no direito francês, e o contempt power, de origem norte-americana, que permitem o exercício mais enérgico da jurisdição.

No entanto, é preciso referir a existência de largo dissenso na doutrina acerca do conceito e dos limites de cada uma dessas modalidades, não haven-do espaço, aqui, para aprofundar o tema.

3. Relação jurídica processual

Analisados o conceito de processo e sua natureza jurídica, a relação jurí-dica processual pode ser defi nida como a relação jurídica formada entre au-tor, réu e juiz, na qual se discute, sob as luzes do contraditório, uma relação jurídica de direito material. Lembre-se, uma vez mais, que a relação jurídica processual não se confunde com o processo, mas tem nele seu nascedouro. As principais características dessa relação são:

a) Autonomia: a relação jurídica de direito processual é distinta da re-lação de direito material, já que esta constitui a matéria em debate, e aquela, a relação na qual esta se contém;

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b) Natureza pública: constitui meio através do qual o juiz, represen-tando o Estado, exerce uma função pública (jurisdicional) em rela-ção à qual as partes têm de se sujeitar;

c) Complexidade: dela decorre para os sujeitos do processo, à medida que os atos que compõem o procedimento vão sendo praticados, uma série de situações jurídicas (direitos, poderes, faculdades, su-jeições, ônus), sendo natural que a parte que ora assume uma posi-ção de vantagem (ex.: faculdade) outras vezes seja colocada pela lei diante de uma posição de desvantagem (ex.: dever);

d) Progressividade (dinamismo): é uma relação dinâmica, em constan-te movimento, resultante das diversas posições jurídicas formadas através de um procedimento, diferenciando-se, neste ponto, da re-lação jurídica de direito material, que é estática;

e) Unidade: apesar de sua complexidade, os atos praticados são coor-denados formando uma unidade tendente a um objetivo comum, qual seja, a emissão do provimento jurisdicional;

f ) Caráter tríplice: é formado por três sujeitos, a saber: Estado, autor e réu.

Quanto ao caráter tríplice, convém ressaltar que não há consenso na dou-trina quanto à confi guração triangular da relação jurídica processual, haven-do quem defenda uma formação angular (sem contato direto entre autor e réu, que se comprometem exclusivamente perante o Estado — ou Estado--juiz) ou mesmo a linear (com exclusão da fi gura do Estado, o que é inacei-tável na atual fase da ciência processual). Prevalece, no entanto, a concepção da fi gura triangular, cuja origem remonta à formação original da teoria da relação jurídica processual, na qual haveria posições jurídicas processuais que interligam autor e Estado, Estado e réu, réu e autor, em virtude da existência de dever de lealdade recíproco entre as partes, da obrigação de pagamento pela parte vencida das despesas processuais adiantadas pela parte vencedora, da possibilidade de convenção para a suspensão do processo e de transação, quando em jogo direitos disponíveis materiais.

4. Pressupostos processuais

São os requisitos mínimos necessários para o estabelecimento de uma re-lação jurídica processual válida e regular (art. 267, IV, CPC). Dizem respeito ao processo como um todo ou a determinados atos específi cos, divergindo, neste ponto, das condições da ação, que não dizem respeito ao meio e sim à possibilidade de atingir o fi m do processo — o exercício da jurisdição.

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40 O STJ chegou a admitir que o natimorto tem direito a um nome e a uma sepultura. No entanto, com a morte perde--se a personalidade, logo, para esta corrente, há que se considerar a ultratividade da personalidade civil após o óbito. Neste sentido: A pro-teção que o Código confere ao nascituro alcançará o na-timorto, no que concerne aos direitos da personalidade, tais como nome, imagem e sepultura (Jornada I do STJ, enunciado n° 1).

41 Há quem defenda que os grandes primatas (chimpan-zé, gorila, orangotango) são sujeitos de direito incapazes. Importante porque tramita no STJ esta discussão, sobre os direitos dos primatas. Chama-se teoria do abolicio-nismo animal. “Em 2007, a 4ª Turma do Tribunal Federal da 3ª Região, com sede em São Paulo, concedeu Habeas Cor-pus em favor dos chimpanzés Lili e Megh. O colegiado man-dou soltar os animais do ca-tiveiro para que eles fossem devolvidos à natureza. Ru-bens Forte, dono e depositá-rio fi el dos animais, recorreu ao Superior Tribunal de Justi-ça, afi rmando que os animais têm o constitucional direito à vida, já que são genetica-mente muito parecidos com os humanos. O caso está nas mãos do ministro Herman Benjamin, que pediu vista do processo. Dois anos antes, a 9ª Vara Criminal de Salvador jáhavia negado Habeas Cor-pus que pedia a transferência da chimpanzé chamada Suí-ça, que vivia em uma jaula no zoológico de Salvador, para uma reserva ecológica locali-zada em Sorocaba, interior de São Paulo. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-RJ. Processo 0002637-70.2010.8.19.0000”. (fonte: http://w w w.conjur.com.br/2011- abr-19/tribunal--justica-rio-nao-reconhece- habeas-corpus-chimpanze).

42 Capacidade postulatória: os atos processuais postulató-rios exigem uma capacidade técnica da parte. A regra é que a capacidade postulató-ria é dos advogados, defen-sores públicos e membros do Ministério Público. Há casos, porém, em que os leigos possuem capacidade postu-latória. Os mais relevantes

Importante atentar para o fato de que, da mesma forma que os elementos da demanda, as condições da ação também não devem ser confundidas com os pressupostos processuais. Enquanto as condições da ação dizem respeito ao exercício do direito de ação, os pressupostos se referem à existência e vali-dade da relação processual.

Com isto, presentes estes requisitos, a relação processual é considerada viável; caso contrário, poderemos ter a extinção do processo sem julgamento do mérito (CPC, art. 267, IV). Porém, observamos que não há consenso em doutrina quanto à classifi cação dos pressupostos processuais.

A corrente doutrinária clássica divide em duas espécies os pressupostos processuais:

a) Pressupostos de existência: órgão estatal investido de jurisdição, parte e demanda.

I) Órgão investido de jurisdição: talvez o único pressuposto au-tenticamente de existência.

II) Capacidade de ser parte: é a aptidão de ser parte em um proces-so, de fi gurar no polo ativo ou passivo de uma relação processu-al, artigo 1º CC (não se confunde com a capacidade processual, que é a capacidade de agir em juízo), isto é, a personalidade processual. É absoluta, ou seja, quem tem, tem sempre. Toda pessoa tem capacidade de ser parte. Não possuem capacidade para ser parte os mortos 40 e os animais 41.

III) Demanda: ato inicial que instaura o processo perante o órgão jurisdicional. Não confundir com a petição inicial, que é a ins-trumentalização física da demanda.

b) Pressupostos de validade: são requisitos que tornam o processo vi-ável e, uma vez ausentes, não permitem a efetivação de eventual sentença de mérito, muito embora o processo tenha existido. São eles: a competência e imparcialidade do juiz, capacidade processual — para estar em juízo —, a capacidade postulatória42, que é a apti-dão para a prática de atos processuais (ius postulandi), e demanda regularmente ajuizada.

Outra manifestação doutrinária atribui uma classifi cação subjetiva e outra objetiva aos pressupostos processuais. São:

a) Pressupostos processuais subjetivos: órgão estatal investido de ju-risdição, competente e imparcial; partes com capacidade para ser parte, postular em juízo e capacidade processual.

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são: habeas corpus, Juizados Especiais Cíveis até 20 salá-rios mínimos em primeira instância, Justiça do Trabalho, governador do Estado para a ADI e ADC, se na comarca não houver nenhum advogado ou se todos os advogados não aceitarem a causa (art. 36 do CPC), ação de alimentos (para pedir alimentos o leigo tem capacidade postulatória, mas só para pedir, para continuar tem que constituir advogado) e a Lei Maria da Penha (mu-lher que alega sofrer violên-cia domestica pode pedir sem advogado, mas daí em diante deve constituir um).

43 Alguns autores estendem que a união estável também forma entidade familiar e a norma tem por objetivo pro-teger o patrimônio imobiliá-rio da família. Outros dizem que é uma união informal, não podendo se precisar o dia em que ela se iniciou, não sendo possível controlar a ne-cessidade do consentimento. Não há posição majoritária.

b) Pressupostos processuais objetivos: requisitos da demanda, classifi ca-dos em extrínsecos, que dizem respeito à inexistência de fatos impedi-tivos à sua constituição (a coisa julgada, a litispendência, a convenção de arbitragem, o fato impeditivo ao exercício da ação); e intrínsecos, que são relativos à subordinação dos procedimentos às normas legais (citação válida do réu, a intimação do Ministério Público quando necessária a sua intervenção, a regularidade procedimental).

A falta de um pressuposto processual, em regra, impede que o juiz decida a lide. No entanto, deve-se considerar o processo como um instrumento para a efetivação do direito material e não um fi m em si mesmo. Alcançado o ob-jetivo da lei, a falta do pressuposto poderá ser convalidada.

A ausência de capacidade processual gera algumas consequências previstas no art. 13, CPC:

a) Juiz determina a correção do defeito;b) Se o defeito não for corrigido:

I) Se a incapacidade processual recair sobre o autor, o processo será extinto;

II) Se a incapacidade processual recair sobre o réu, o processo se-guirá a sua revelia; e

III) Se a incapacidade processual recair sobre um terceiro, ele será excluído do processo.

Sobre as pessoas casadas, em matéria de capacidade processual, incidem algumas regras peculiares:

a) No polo ativo: a regra é que as pessoas casadas 43 são capazes pro-cessualmente, mas o caput do art. 10 do CPC estabelece que um cônjuge somente pode propor uma ação real imobiliária se o ou-tro consentir. Não precisam (não há necessidade) ambos propor conjuntamente a ação, mas um pode propor sozinho, desde que o outro consinta. Não se trata de litisconsórcio ativo necessário. Esta exigência não se aplica aos casos de separação absoluta (art. 1.647, do CC). A falta de consentimento pode ser suprida pelo juiz em duas situações: se o cônjuge não pode dar o consentimento; e quan-do a negativa for injusta (art. 11, do CPC e art. 1.648, do CC).

b) No polo passivo:

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I) §1º do art. 10 do CPC: Os cônjuges devem ser citados em litisconsórcio passivo necessário nos quatro casos previstos no mencionado dispositivo legal. Estes quatro casos podem ser di-vididos em dois grupos: I e IV (seguem a regra do caput, pois cuidam de ações reais imobiliárias, ou seja, neste caso, é preciso citar ambos); e II e III (cuidam de obrigações solidárias entre os cônjuges, isto é, para a cobrança destas obrigações solidárias devem-se citar ambos, mesmo que se trate de solidariedade).

II) §2º do art. 10 do CPC: Cuida o dispositivo da capacidade dos cônjuges nas ações possessórias. Aplica-se tanto ao polo passivo quando ao polo ativo. Segue, desta forma, o que foi visto no polo ativo (consentimento) e polo passivo (litisconsórcio ne-cessário). Mas isso só ocorre em duas espécies de possessórias: quando houver composse ou quando se tratar de ato praticado por ambos os cônjuges. É um regramento próprio.

5. Curador especial

O curador especial é o representante de um incapaz processual. É especial porque é designado pelo juiz somente para aquele processo, que, quando fi n-do, encerra a curatela. Possui natureza jurídica de representante processual. Ele não é parte (curatelado), mas seu representante. A curatela especial hoje é promovida pelo defensor público, conforme a Lei Complementar 80/1994 (Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública).

A curatela especial é um dever. Se o curador não praticar os atos de defesa do curatelado, o juiz pode destituí-lo e designar outro, porque é um múnus público (função pública).

O curador especial pode praticar todos os atos em defesa do curatelado. Ex: contestar, recorrer, opor embargos à execução — Súmula 196 do STJ, mas não pode reconvir (porque não é defesa, mas ataque). Existem, basica-mente, quatro hipóteses previstas no art. 9º do CPC a respeito da possibili-dade da nomeação de um curador especial:

a) Quando o incapaz não tiver representante legal;b) Quando o incapaz estiver em confl ito com o seu representante;c) Ao réu revel citado por edital ou por hora certa;d) Ao réu preso.

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6. Objeto da cognição: questões prévias e mérito

Questões são o objeto do conhecimento do juiz sobre todos os pontos de fato e de direito que possam infl uir na admissibilidade e no conteúdo do julgamento do mérito. Uma vez apreciados, o juiz decide se profere uma sen-tença de mérito de procedência ou improcedência, ou se extingue o processo sem resolução do mérito.

a) Questões prévias: As questões prévias são necessariamente examina-das antes da questão principal. São divididas em:

I) Questões preliminares: capazes de impedir o julgamento de mérito, podendo dar ensejo a defesas dilatórias ou peremptó-rias. Exemplo de defesa preliminar dilatória é a alegação de in-competência absoluta, e de defesa preliminar peremptória, a alegação de coisa julgada material;

II) Questões prejudiciais: trata-se de questões cujo exame deve anteceder, por imposição lógica, a resolução do mérito. Não impede o exame do mérito, mas pode condicionar a respectiva decisão. Um exemplo: o réu, em sua contestação, alega ine-xistência da relação jurídica invocada pelo autor em pleito de cobrança; antes de decidir a pretensão de cobrança do autor, o juiz deverá examinar se a relação jurídica existe ou não — se não existir, o pedido de cobrança será necessariamente impro-cedente. No que tange à questão prejudicial, esta possui três características: 1) antecedência lógica, que é um antecedente lógico e não cronológico da questão principal; 2) superordina-ção, signifi cando que a questão prejudicial vai infl uenciar no julgamento da principal, podendo esta última questão ser qua-lifi cada como prejudicada ou subordinada; 3) autonomia, pois a questão prejudicial existe independentemente da principal, podendo ser suscitada dentro ou fora daquele processo.

Há três diferenças básicas entre a questão preliminar e a prejudicial: i) a preliminar só existe enquanto examinada em conjunto com a principal; ela está sempre atrelada à principal. Já a prejudicial é autônoma, existindo independentemente da principal; ii) a preliminar diz respeito a uma questão processual, enquanto a prejudicial é relativa ao direito material; iii) a questão prejudicial determina como o mérito será julgado, enquanto a questão preli-minar determina se o mérito será julgado.

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44 O art. 469, III, CPC, dispõe que não faz coisa julgada a apreciação da questão preju-dicial.

45 A Lei n. 11.232/2005 deu nova redação ao caput deste artigo, substituindo a palavra “julgamento” por “resolução”.

Ressalte-se ainda que o juiz não decide a questão prejudicial, apenas a Aprecia 44. Todavia, conforme se observa pelos artigos 5º, 325 e 470, CPC, no curso do processo pode uma ou ambas as partes fazerem um pedido formal e escrito para que o juiz se pronuncie sobre a questão prejudicial, visto que ela poderia ser apresentada novamente em ação futura, dada sua autonomia.

Neste caso, fundada nos princípios da economia processual e da inércia ju-risdicional, surge a ação declaratória incidental, cujo objetivo é o julgamento conjunto, dentro do mesmo processo, da questão prejudicial e da principal, as quais constarão da parte dispositiva da mesma sentença, havendo a produ-ção da coisa julgada material em relação a ambas.

Isto porque, havendo tal requerimento, o juiz sentenciará principaliter so-bre a questão prejudicial, que será, desta forma, transformada em causa. Em outras palavras: proposta a ação declaratória incidental, ocorre uma amplia-ção do thema decidendum. Antes ele era composto apenas pela questão prin-cipal e, com o exercício da ação declaratória incidental, ele passa a se compor também da questão prejudicial, que se torna também questão principal. Mas só se houver o exercício da ação declaratória incidental.

Assim, não sendo proposta ação declaratória incidental, a questão prejudi-cial será analisada apenas na fundamentação da sentença, e, por conseguinte, não será alcançada pela coisa julgada, que atinge apenas o dispositivo.

b) Questões principais: Representam o mérito do processo e são re-veladas pelo pedido que foi formulado pelo autor na sua petição inicial. Enquanto o acolhimento da questão preliminar dá origem a uma decisão terminativa, na qual teremos a extinção do proces-so sem resolução do mérito, o exame da questão principal implica uma decisão defi nitiva, em que o juiz examina o mérito da causa, acolhendo ou rejeitando o pedido. A resolução do mérito ocorre nas hipóteses enumeradas no art. 269, CPC 45. Nos incisos II, III e V, estão previstas as hipóteses de extinção do processo por iniciativa das partes, em virtude do acolhimento do pedido pelo réu, de tran-sação entre as partes ou de renúncia pelo autor do direito em que se funda a ação.

Já nos incisos I e IV o processo é extinto com análise do mérito por ato do juiz. É o que teremos quando o juiz acolher ou rejeitar o pedido do autor, bem como quando pronunciar a decadência ou a prescrição, que também são questões de mérito. Quanto a isto, houve grande controvérsia, pois até a edição do CPC, tradicional-mente, elas eram questões preliminares e não principais.

A coisa julgada opera diversamente de acordo com a natureza da decisão. Esta é a mais relevante diferença entre a decisão defi nitiva e a terminativa, pois, se terminativa, a decisão não impede a propositura de outra ação — eis

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que o mérito não foi examinado ainda —, mas, se defi nitiva, observa-se o efeito preclusivo da coisa julgada material, impedindo o ajuizamento de nova demanda.

7. Jurisprudência

Processual civil. Procedência de ação possessória na qual se ordena a der-rubada de muro, sob pena de multa diária. Desnecessidade de processo au-tônomo de execução da obrigação de fazer. Ônus da prova do cumprimento de ordem judicial que recai sobre o turbador da posse. Valor da multa diária (“astreinte”) que se mostra razoável.

— A tutela da posse submete-se, desde a edição do CPC/73, a procedi-mento de rito especial, com sentença que tem força executiva ‘lato sensu’ e que, por isso, jamais se submeteu a procedimento de execução por processo autônomo.

— Não se deve exigir daquele que foi turbado em sua posse nova prova para a salvaguarda de seus direitos. Ao contrário, o turbador deveria ter cum-prido o dever que lhe foi imposto por ordem judicial, resguardando-se de for-ma a demonstrar, caso necessário, que efetivamente procedeu à derrubada do muro, fazendo cessar a turbação. Assim, se o turbado afi rma que o muro caiu sozinho, essa afi rmação prevalece, salvo prova em contrário a demonstrar sua derrubada em data anterior.

— O dever de cumprir a ordem judicial não se extingue com a incorpora-ção da sociedade turbadora da posse. A incorporação extingue a personalida-de da pessoa incorporada, mas não seus direitos e obrigações. No plano das relações jurídicas de direito material, a incorporadora passa a fi gurar como devedora, substituindo a posição que antes era ocupada pela pessoa jurídica incorporada.

— O valor justo da multa é aquele capaz de dobrar a parte renitente, sujeitando-a aos termos da lei. Justamente aí reside o grande mérito da multa diária: ela se acumula até que o devedor se convença da necessidade de obe-decer a ordem judicial.

— A multa perdurou enquanto foi necessário; se o valor fi nal é alto, ain-da mais elevada era a resistência da recorrente a cumprir o devido. A análise sobre o excesso ou não da multa, portanto, não deve ser feita na perspectiva de quem, olhando para fatos já consolidados no tempo — agora que a pres-tação fi nalmente foi cumprida — procura razoabilidade quando, na raiz do problema, existe justamente um comportamento desarrazoado de uma das partes; ao contrário, a eventual revisão deve ser pensada de acordo com as condições enfrentadas no momento em que a multa incidia e com o grau de resistência do devedor.

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Recurso especial a que se nega provimento.(STJ. REsp 1.022.038. Rel. Min. Nancy Andrighi. Terceira Turma. J.

22/09/2009. DJ. 22/10/2009)

V. RECURSOS/MATERIAIS UTILIZADOS

Leitura obrigatória:

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil, vol. I. Rio de Janeiro: Atlas. Capítulo VIII, em parte.

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 28ª edição. São Pau-lo: Malheiros, 2012. Capítulos 30 a 32.

DIDIER Jr., Fredie. Curso de direito processual civil. Vol 1. Salvador: Podi-vm. Capítulo VII.

GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil, volume I. Rio de Janeiro: Forense. Capítulos X, XI e XIV.

MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil, vol. 1 (Teoria Geral do Processo). São Paulo: Revista dos Tribunais. Capítulos 1, 3 e 4 da Parte IV (especialmente o capítulo sobre pressupostos processuais).

Leitura complementar:

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Sobre pressupostos processuais. In Te-mas de direito processual: quarta série. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 83-93.

VI. AVALIAÇÃO

Casos geradores:

1) O art. 9º, caput, da Lei 9099/95 dispõe ser dispensável a presença de advogado nas causas que versem até vinte salários-mínimos. Tal norma afron-ta os princípios do contraditório e da ampla defesa? Pode a lei dispensar tal

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presença? E com relação às competências fi xadas, estas são compatíveis com as fi xadas pelo Código de Processo Civil?

Referência: STF. ADI 1.539. Rel. Min. Maurício Corrêa. Tribunal Pleno. J. 24/4/2003.

2) Havendo incompetência absoluta de juízo, existirá repercussão nos pressupostos processuais? De que tipo de nulidade estaremos falando? Há possibilidade de convalidação?

Referência: REsp 1.331.011, rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segun-da Turma, julgamento unânime em 21/08/12.

VII. CONCLUSÃO DA AULA

Pode-se dizer que o processo é um conjunto de atos que visa ao exercício da jurisdição. Este conjunto de atos pode ser encarado de duas maneiras di-ferentes: relação jurídica e procedimento.

A doutrina brasileira conciliou as duas ideias: processo é todo procedi-mento em contraditório animado pela relação jurídica processual.

Os pressupostos processuais devem ser vistos de maneira instrumentalista.

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AULAS 23 E 24: PROCEDIMENTOS: VISÃO PANORÂMICA.

I. TEMA

Procedimentos: visão panorâmica.

II. ASSUNTO

Breve análise dos procedimentos existentes no direito processual pátrio.

III. OBJETIVOS ESPECÍFICOS

O objetivo das aulas é analisar brevemente os procedimentos existentes no ordenamento processual, dando ao aluno visão panorâmica da matéria.

IV. DESENVOLVIMENTO METODOLÓGICO

1. Processo de conhecimento (ou módulo processual de conhecimento)

O processo de conhecimento (ou processo cognitivo) corresponde a um dos meios pelo qual será viabilizada a prestação jurisdicional, mediante a for-mação de atos que embasarão o julgamento, a se materializar através de uma sentença de mérito.

Por meio do processo cognitivo, o demandante poderá expor suas razões de fato e de direito. Ao réu, será viabilizado o direito de ofertar sua defesa, exercendo assim o contraditório e a ampla defesa, podendo até apresentar re-convenção (ou “pedido contraposto”, dependendo do rito sob o qual tramita a demanda), momento em que poderá deduzir pedidos em relação aos quais caberá ao demandante apresentar sua defesa, tal como se réu fosse.

Assim, verifi ca-se que o processo de conhecimento é formado pelo qua-drinômio demanda, defesa, cognição e sentença, visto que neste se permite a formação da demanda, o contraditório, a instrução dos autos por meio de provas (instrução probatória) e o livre convencimento do magistrado que prolatará a sentença, pondo termo ao processo.

O processo civil de conhecimento guarda intrinsecamente uma bipola-ridade alternativa, em que ambas as partes passam a ter direito ao processo. Retrato disto é que a manifestação do autor no sentido de desistir da ação, purgando pela extinção da mesma, somente poderá ser viável com a anuência

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46 “Art. 275. Observar-se-á o procedimento sumário: I — nas causas cujo valor não ex-ceda a 60 (sessenta) vezes o valor do salário mínimo; II — nas causas, qualquer que seja o valor: a) de arrendamento rural e de parceria agrícola; b) de cobrança ao condômi-no de quaisquer quantias devidas ao condomínio; c) de ressarcimento por danos em prédio urbano ou rústi-co; d) de ressarcimento por danos causados em acidente de veículo de via terrestre; e) de cobrança de seguro, relati-vamente aos danos causados em acidente de veículo, res-salvados os casos de processo de execução; f) de cobrança de honorários dos profi ssio-nais liberais, ressalvado o dis-posto em legislação especial; g) nos demais casos previstos em lei. Parágrafo único. Este procedimento não será ob-servado nas ações relativas ao estado e à capacidade das pessoas”.

47 Lei nº 9.099/95 — “Art. 3º O Juizado Especial Cível tem competência para concilia-ção, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consi-deradas: I — as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo; II — as enumeradas no art. 275, inciso II, do Código de Pro-cesso Civil; III — a ação de despejo para uso próprio; IV — as ações possessórias so-bre bens imóveis de valor não excedente ao fi xado no inciso I deste artigo. § 1º Compete ao Juizado Especial promo-ver a execução: I — dos seus julgados; II — dos títulos executivos extrajudiciais, no valor de até quarenta vezes o salário mínimo, observado o disposto no § 1º do art. 8º desta Lei. § 2º Ficam ex-cluídas da competência do Juizado Especial as causas de natureza alimentar, fali-mentar, fi scal e de interesse da Fazenda Pública, e tam-bém as relativas a acidentes de trabalho, a resíduos e ao estado e capacidade das pessoas, ainda que de cunho patrimonial. § 3º A opção pelo procedimento previsto nesta Lei importará em re-núncia ao crédito excedente ao limite estabelecido neste artigo, excetuada a hipótese de conciliação”.

da parte contrária (ex adverso), ou seja, mesmo que o demandante desista de prosseguir com a demanda, a extinção desta somente ocorrerá após a mani-festação da parte contrária, manifestando a sua aceitação ou não pelo pleito extintivo processual (CPC, art. 267, § 4º).

Uma vez provocado o Poder Judiciário a prestar jurisdição, haverá a ex-posição das controvérsias por meio da manifestação da parte contrária para a formação do convencimento do juiz. Serão expostos elementos probantes, materiais ou orais (documentos, depoimento pessoais, oitiva de testemunhas, perícia técnica etc.). Assim, a atividade judicial poderá decidir a existência ou não do direito alegado, dito violado ou ameaçado de sofrer lesão.

2. Procedimento comum ou especial

Passando à análise dos modelos processuais cognitivos, a primeira divi-são consiste no procedimento, que pode ser comum ou especial. O proce-dimento comum ordinário é o modelo geral do CPC, também chamado de residual. Serve a causas de qualquer valor, desde que não seja excluído por expressa previsão legal, e pode abrigar um número defi nível ou indefi nível de demandantes e demandados, comportando ainda qualquer lastro probatório, bem como todas as modalidades de intervenção de terceiros.

Em razão dessas características, este rito é, teoricamente, o mais completo do processo civil, mas também o mais demorado, podendo comprometer a tempestividade da tutela jurisdicional a ser prestada.

Diante desse complicador, nada mais pertinente que fosse dado a deman-das menos complexas, envolvendo questões que não exijam um lastro proba-tório tão expressivo, um rito procedimental menos moroso e, supostamente, mais efetivo.

O primeiro desses ritos menos formais é o procedimento comum sumário, previsto no artigo 275 do CPC 46, em que a competência poderá ser fi xada em razão do valor da causa, ou mesmo em razão da matéria.

Os requisitos da petição inicial no procedimento sumário são os mesmos do procedimento comum ordinário, acrescidos da necessária apresentação imediata do rol de testemunhas, sob pena de preclusão. Por outro lado, tam-bém deve ser apresentada a formulação de quesitos e a indicação de assistente técnico nas hipóteses de requerimento de prova pericial (art. 276 do CPC).

No que diz respeito ao procedimento especial sumaríssimo, da mesma forma que o sumário, decorre tanto do valor da causa como da matéria que será julgada. A previsão deste procedimento não esta descrita no texto do CPC, mas sim em legislação especial, dita extravagante. A Lei n. 9.099/95 estabeleceu o teto dos Juizados Especiais estaduais, bem como as matérias que se processarão sob esse rito sumaríssimo 47.

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E não se pode deixar de falar, ainda, nos procedimentos especiais, contem-plados em um livro específi co do CPC, o Livro IV, abrangendo os procedi-mentos especiais de jurisdição contenciosa e de jurisdição voluntária. Neles, tenta-se um esquema procedimental o mais adequado possível às especifi ci-dades do direito material versado no processo.

3. Os processos coletivos

Ao ensejo da aula sobre procedimentos, vale falar brevemente sobre os processos coletivos, que ganharam grande expressão na jurisdição brasileira.

O direito processual brasileiro, originalmente fi liado às tradições dos or-denamentos de linha romano-germânica, foi concebido em bases eminente-mente individualistas.

A massifi cação das relações interpessoais e sua infl uência no ordenamento processual brasileiro, inspirada nos sopros renovadores provenientes do direi-to norteamericano, somente puderam ser sentidas no início dos anos oitenta do século passado, quando surgiu uma preocupação concreta com a proteção dos interesses coletivos lato sensu.

A forte infl uência do direito norte-americano para o desenvolvimento da tutela coletiva no direito brasileiro é inegável, em vista da acentuada proteção aos direitos coletivos a partir das class actions.

Foi exatamente a partir daquela década que, no plano infraconstitucional, tivemos a regulamentação da ação civil pública pela Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, seguida pelas Leis nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, regu-lamentando a ação civil pública relativa a interesses coletivos de defi cientes, e 7.913, de 7 de dezembro de 1989, versando acerca da ação civil pública de responsabilidade por danos a investidores do mercado de valores mobiliários.

É bem verdade que a defesa dos direitos coletivos no direito brasileiro tem origem mais remota e está relacionada à criação da ação popular, prevista pela primeira vez na Constituição de 1934, marco do início da passagem do Es-tado liberal para o Estado social, em seu capítulo II, que tratava dos direitos e garantias individuais.

Todavia, a ausência de regulamentação específi ca, que perduraria até 1965, quando seria editada a Lei nº. 4.717, preservava a estrutura clássica do processo civil, concebido para solucionar situações de confl ito entre inte-resses individuais, tradicionalmente relacionados às questões obrigacionais. Destaque— se ainda que um outro diploma, igualmente anterior à Lei nº. 7.347/85, também previu, embora de modo ainda embrionário, a tutela de interesses metaindividuais: trata-se da Lei nº. 6.938/81 (que instituiu a Po-lítica Nacional do Meio Ambiente), dispondo, em seu art. 14, §1°, in fi ne que: “[...] O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade

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para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente”.

Seguindo a linha cronológica, a Constituição da República de 1988 esti-mulou a tutela dos interesses transindividuais através da criação do mandado de se gurança coletivo, da ampliação da ação popular e também da positi-vação da ação civil pública. Não foi só. A ação civil pública recebeu novos matizes a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990), que a tratou como valioso instrumento a ser utilizado em prol da infância e da juventude.

Em seguida, veio à luz o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11.9.90), introduzindo diversas alterações na Lei da Ação Civil Pública e regulamentando no ordenamento pátrio a ação coletiva referente aos direitos individuais homogêneos, através de seus artigos 91 a 100.

Após o CDC, foram ainda editadas a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992), visando ao combate dos atos ilícitos praticados por funcionários públicos no exercício de suas funções e criando mecanismos para a repressão a esses atos e para a devolução aos cofres públi-cos das quantias desviadas de suas fi nalidades originais; e a Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, conhecida como Lei Antitruste, visando ao combate das infrações contra a ordem econômica.

Em 1º de outubro de 2003, foi editada a Lei nº 10.741, conhecida como Estatuto do Idoso, criando normas protetivas às pessoas maiores de sessenta anos e regulamentando o uso da ação civil pública para a defesa de seus inte-resses. Cite-se ainda a Lei Maria da Penha — Lei nº 11.340/06 —, visando coibir a violência doméstica, que também contemplou a tutela coletiva em seu artigo 37.

Com todos os diplomas acima mencionados — e outros, como o Estatuto da Cidade e o Estatuto do Torcedor —, o ordenamento jurídico brasileiro se tornou modelar em termos de tutela coletiva.

V. RECURSOS/MATERIAIS UTILIZADOS

Leitura obrigatória:

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 28ª edição. São Pau-lo: Malheiros, 2012. Capítulo 33.

GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil: introdução ao direito processual civil. Volume I. 3ª edição. São Paulo: Forense, 2011. Capítulo XVII.

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Leitura complementar:

MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil, vol. 1 (Teoria Geral do Processo). São Paulo: Revista dos Tribunais. Capítulo 2 da Parte IV.

VI. AVALIAÇÃO

Caso gerador:

1) Em demanda reparatória de danos causados por acidente de veículos, o réu foi devidamente citado, em mandado em que constava se tratar de “repa-ração de danos (rito sumário)” e prazo para resposta de quinze dias.

Depois de citado, o advogado do réu apresentou petição alertando o ma-gistrado do equívoco na citação, pois a fi xação de prazo para resposta deixou dúvida quanto ao rito adotado. Na oportunidade, ele se opôs ao procedimen-to ordinário e pediu a marcação da audiência de conciliação para contestar o pedido do autor.

Contudo, diante da falta de resposta no prazo determinado, foi decretada a revelia do réu, sendo este condenado a pagar quantia de vinte mil reais ao autor, além das custas processuais e dos honorários advocatícios. Em sede de apelação, o Tribunal de Justiça deu provimento à apelação apenas para excluir a condenação por lucros cessantes. Pergunta-se:

a) Deveria ter sido decretada a revelia do réu? Por quê?

b) Qual o rito correto a ser adotado no caso apresentado, ordinário ou sumário? Justifi que.

c) Qual deveria ter sido a postura do juiz diante da petição apresentada pelo réu informando o equívoco da citação?

d) Agiu corretamente o Tribunal? Justifi que.

Referência: STJ. REsp 1.117.312. Rel. Min. Luís Felipe Salomão. Quarta Turma. J. 04/06/13.

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VII. CONCLUSÃO DA AULA

Todo processo se revela externamente por meio do procedimento, que cuida da forma e da sequência dos atos processuais.

O processo de conhecimento pode ter procedimento comum ou proce-dimento especial. O procedimento comum divide-se em ordinário e sumá-rio (art. 272 do CPC). Além disso, há procedimentos especiais previstos no CPC/CPP ou em leis específi cas, como é o caso do procedimento relativo à ação civil pública (Lei 7.347/85).

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AULAS 25 E 26: ATOS E VÍCIOS PROCESSUAIS.

I. TEMA

Atos e vícios processuais.

II. ASSUNTO

Análise dos atos e dos vícios processuais.

III. OBJETIVOS ESPECÍFICOS

O objetivo das aulas consiste em analisar as espécies de atos processuais, bem como seus vícios, abordando-se a teoria das nulidades processuais.

IV. DESENVOLVIMENTO METODOLÓGICO

1. Introdução

No desenvolvimento da relação processual, são realizados diversos atos pelas partes, pelo juiz e por todos aqueles que participam do processo. De forma sintética, podemos dizer que ato processual é todo aquele praticado na cadeia do processo, sendo regido pelo direito processual.

A classifi cação dos atos processuais, como será visto, não difere muito da-quela feita para os atos jurídicos em geral. Contudo, merece especial enfoque o tratamento dado aos vícios dos atos processuais. O regime das nulidades processuais difere daquele existente para outros atos jurídicos e será sempre informado pelos princípios da liberdade das formas, do prejuízo e da instru-mentalidade das formas. De fato, o processo é um instrumento de aplicação do direito, e, assim, o mais importante é a fi nalidade do ato, e não sua regu-laridade formal.

Ao longo da aula, será dada especial atenção aos atos processuais de co-municação, tema clássico da teoria geral do processo, que, hoje, deve ser es-tudado sob um novo enfoque em razão dos novos métodos de comunicação eletrônica dos atos processuais previstos pela Lei 11.419/06.

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48 O princípio da economia preconiza o máximo resulta-do na atuação do direito com o mínimo emprego possível de atividades processuais.

49 Instituições de Processo Civil. Vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 274.

50 Ibidem, p. 277-295.

2. Atos processuais

O ato processual é espécie do gênero ato jurídico, ou seja, atos que pos-suem relevância para o direito. Os atos processuais são estudados segundo sua forma, tempo e lugar. No processo civil, a forma dos atos processuais está regulada nos artigos 154 usque 171 do CPC; o tempo dos atos processuais, nos artigos 172 usque 176; e o lugar dos atos processuais, no art. 176. O CPC trata ainda dos prazos processuais, nos artigos 177 usque 199, e da co-municação dos atos processuais, nos artigos 200 usque 242. Houve inovação substancial em relação aos atos processuais pela Lei 11.419, de 19 de dezem-bro de 2006, que disciplina a informatização do processo judicial.

Em relação à forma dos atos processuais, é importante destacar que os atos processuais são sempre informados pelos princípios da liberdade e instru-mentalidade das formas (artigos 154 e 244 do CPC). De fato, no processo, a forma não deve ser encarada como um fi m em si mesmo, mas como um meio de proporcionar com celeridade e segurança determinado objetivo. O princípio da instrumentalidade é corolário do princípio da economia pro-cessual 48, haja vista que o processo é um instrumento para a aplicação do direito.

3. Características e classificação dos atos processuais

Leonardo Greco 49 atribui aos atos processuais as seguintes características:

Quanto à classifi cação, a mais utilizada diz respeito aos atos praticados de acordo com o sujeito de que emanam ou que os pratica. Desse modo, segun-do Leonardo Greco, classifi cam-se os atos processuais em: atos do juiz, atos das partes e atos dos auxiliares de justiça 50.

a) Os atos do juiz dividem-se em: atos decisórios; atos de movimenta-ção; atos instrutórios e atos de documentação.

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b) Os atos das partes dividem-se em: atos postulatórios; atos dispositi-vos; atos instrutórios e atos reais:

c) Os atos dos auxiliares da justiça, que são aqueles praticados por es-crivão ou ofi cial de justiça, dividem-se em: atos de movimentação; atos de execução ou de coerção; atos de documentação:

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51 Ibidem, p. 299.

52 Ibidem, p. 301.

4. Atos de comunicação processual

a) Citação:

A citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fi m de se defender (art. 213, CPC). A citação, desse modo, é o chamamento inicial do réu com o objetivo de lhe possibilitar o exercício do contraditório e da ampla defesa.

A citação pode ser feita por mandado, pelo correio, por hora certa e por edital.

A citação por mandado deve cientifi car o réu do endereço do juízo e con-ter a advertência de que, não contestada a petição inicial, se presumirão por ele aceitos, como verdadeiros, os fatos articulados pelo autor (art. 285, CPC). O mandado de citação é, portanto, um documento assinado pelo juiz ou pelo escrivão, por ordem do juiz, e instruído com cópia da petição inicial ou com o seu resumo, além dos demais requisitos presentes no artigo 225 do

Código de Processo Civil 51.O ofi cial de justiça deve procurar o réu no endereço informado na petição

inicial e, se encontrá-lo, deverá ler os termos do mandado, entregando-lhe uma cópia (contrafé).

A citação pelo correio é a regra, de acordo com o art. 222 do CPC. Nessa modalidade de citação, o escrivão expede a carta de citação, que deverá con-ter os mesmos requisitos do mandado de citação e será entregue ao réu pelo agente postal. A citação tem de ser confi rmada pela assinatura de mão própria do réu no aviso de recebimento (A.R.), pela sua devolução ao cartório e con-sequente juntada aos autos 52.

De acordo com o art. 277 do Código de Processo Civil, procede-se à ci-tação com hora certa quando o ofi cial de justiça, tendo procurado o réu três vezes no endereço declinado no mandado, e não o encontrando, suspeite de

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53 Ibidem, p. 302.

54 Ibidem, p. 304.

55 Ibidem, p. 315.

que ele esteja se ocultando para não receber a citação. Então, o ofi cial de jus-tiça intima qualquer pessoa da família, ou em sua falta qualquer vizinho do citando, de que, no dia seguinte, voltará, na hora por ele designada, para citar o réu. Se o réu não estiver presente, a citação será feita na pessoa do parente ou vizinho, devendo lavrar em termo o ocorrido 53.

A citação por edital segue o disposto no artigo 231 do CPC. Sempre que o réu for desconhecido ou se encontrar em lugar ignorado, incerto ou inaces-sível. Favela é um lugar inacessível? Diz Leonardo Greco:

A meu ver, a sociedade não deve aceitar a ideia de que a favela é um lugar inacessível. Isso seria o mesmo que aceitar a presença de um outro Estado dentro do Estado brasileiro. Se existe um lugar a que a autorida-de pública não tem possibilidade de acesso, então sobre essa localidade o Estado não exerce a sua soberania 54.

O artigo 232 regula os requisitos dessa espécie de citação. Pressupõe a afi r-mação de ausência em cartório, pela parte interessada ou a certidão do ofi cial de justiça de que o réu se encontra em lugar incerto e não sabido. Os editais deverão ser publicados três vezes: uma no diário ofi cial e duas em jornal local.

Se não houver jornal local, o edital será publicado três vezes no diário ofi cial. A Lei n. 11.419/06 criou mais uma hipótese de citação, que é a cita-ção por meio eletrônico, todavia, para a sua promoção é necessário o prévio cadastramento do destinatário da citação a esse serviço de comunicação por meio eletrônico.

Por último, cumpre destacar o disposto no art. 219 do CPC, que deter-mina os efeitos da citação: prevenção do juízo, litispendência, litigiosidade da coisa, a constituição do devedor em mora e a interrupção da prescrição.

b) Intimação:

A citação, como já visto, é o chamamento inicial do réu ou interessado para participar da relação processual. Assim, por exclusão, todos os outros atos de comunicação processual, que não constituam a citação inicial do réu ou interessado, são denominados de intimações 55.

A primeira espécie de intimação é a intimação pessoal, que é cumprida pelo ofi cial de justiça, via de regra. Essa espécie de intimação é uma das prerrogativas da Fazenda Pública, que sempre deverá ser intimada pessoalmente para manifes-tar-se nos autos. O Ministério Público (art. 236, §2º, CPC) e a Defensoria Pú-blica também possuem essa prerrogativa (art. 128 da LC 80/94). A parte, quando for prestar depoimento pessoal, e também as testemunhas deverão ser intimadas pessoalmente para comparecer na audiência de instrução e julgamento.

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56 Ibidem, p. 322.

57 Ibidem, p. 320.

58 Ibidem, p. 122-124.

A intimação pelo correio (também é a regra para as intimações) e pela via eletrônica estão previstas no texto legal, cabendo as mesmas observações fei-tas no tópico da citação. A intimação por hora certa e a intimação por edital, apesar de não estarem previstas na lei, são admitas pela doutrina, em virtude do princípio da subsidiariedade recíproca entre as normas que disciplinam os atos de comunicação processual 56.

Por último, cumpre mencionar que existe uma espécie de intimação des-tinada especifi camente ao advogado, que é a intimação pela publicação no Diário Ofi cial. É uma intimação que comunica atos praticados no processo, fi xando o termo a quo dos prazos para a prática de ato das partes que não sejam personalíssimos e que devem, então, ser praticados pelos próprios ad-vogados 57.

Obs.: Carta precatória, rogatória e de ordem 58

5. Vícios dos atos processuais

Os princípios da liberdade e da instrumentalidade das formas são de ob-servância obrigatória no estudo dos vícios processuais e suas consequências (nulidades processuais). Também de forma semelhante ao que ocorre com os atos jurídicos em geral, os atos processuais devem ser analisados em três diferentes planos: existência, validade e efi cácia.

Ato processual inexistente é aquele que não possui elemento constitutivo mínimo (como uma sentença sem dispositivo). A ocorrência de um vício de inexistência é uma contradição em seus próprios termos, visto que não há

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59 “Problemas de reforma no processo civil nas socieda-des contemporâneas”. In.: O processo civil contemporâneo, organizado por Luiz Guilher-me Marinoni. Curitiba: Juruá, 1994, p. 30.

60 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à justiça: juizados especiais cíveis e ação civil pública: uma nova siste-matização da teoria geral do processo. 2. ed. Rio de Janei-ro: Forense, 2000, p. 75.

como dizer que é inexistente algo que existe e produz efeitos no mundo dos fatos. Por isso, para parte da doutrina, inclusive Leonardo Greco, atos ine-xistentes seriam aqueles atos absolutamente nulos, mas que possuiriam uma nulidade tão fl agrante que seriam taxados como inexistentes. Ex: sentença proferida por alguém que não seja investido na função de juiz. Diz Mauro Cappelletti: “A idade dos sonhos dogmáticos acabou. A nossa modernidade está na consciência de que o processo, como o direito em geral, é um instru-mento da vida real, e como tal deve ser tratado” 59.

Diante dessa passagem, percebe-se que existe uma incongruência na deno-minação ato inexistente, todavia, o termo ainda é utilizado jurisprudencial-mente para hipóteses teratológicas de nulidades absolutas.

Boa parte da doutrina divida as nulidades em absolutas e relativas. Será absolutamente nulo o defeito ou vício insanável, que nunca se convalida e que pode ser declarado de ofício pelo juiz. São defeitos de maior gravidade. Ex: desobediência das regras de competência absoluta. Será relativamente nulo o defeito ou vício sanável, que pode ser convalidado e que somente po-dem ser suscitados no processo pelas partes. Ex: desobediência

das regras de competência relativa.Contudo, é no estudo da efi cácia dos atos processuais que a matéria apre-

senta maiores inovações. É possível, e até comum, que o ato nulo produza efeitos, desde que respeitados os princípios da instrumentalidade das formas e da ausência de prejuízo. A possibilidade de efi cácia de um ato nulo será sempre verifi cada pelo magistrado em cada caso concreto. Em certas situa-ções, a nulidade é tida como irrelevante por não sacrifi car a fi nalidade pro-cessual, nem prejudicar as partes envolvidas. É essa a lição do Professor Paulo Cezar Pinheiro Carneiro:

É preciso também distinguir, em determinadas situações que cos-tumam ocorrer no processo, o problema da efi cácia do ato processual nulo. Parece uma contradição, mas não é. Na medida em que o plano da validade do ato processual é distinto do plano da efi cácia, é per-feitamente possível que um ato válido não seja efi caz (por exemplo: a sentença sujeita a recurso com efeito suspensivo) ou que, inversamente, um ato inválido seja efi caz, como é o caso da sentença nula, sem funda-mentação, transitada em julgado.60

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6. Jurisprudência

Ausência de citação de litisconsorte

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO VERIFICADA. AÇÃO RESCISÓRIA. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DE LI-TISCONSORTE PASSIVO NECESSÁRIO. HIPÓTESE DE QUERELLA NULITATIS. APRECIAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA FUNGIBILIDA-DE, DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS, CELERIDADE E ECONOMIA PROCESSUAIS.

1. Ao extinguir a presente ação rescisória sem resolução de mérito, o acórdão ora embargado fundou-se no não cabimento de ação rescisória para declarar nulidade de julgado por ausência de citação, considerando que a hipótese dos autos não se enquadra no rol taxativo do art. 485 do CPC. Decidiu-se, assim, que a desconstituição do acórdão proferido nos autos do Recurso Especial n. 8.818/PE somente poderia ser postulada pelo autor por meio de ação declaratória de inexistência de citação, denominada querela nullitatis.

2. Verifi cada a omissão do julgado quanto à aplicação dos princípios da instrumentalidade das formas, da celeridade e economias processuais.

3. Não está autorizada a aplicação dos princípios que norteiam o sistema de nulidades no direito brasileiro, em especial os da fungibilidade, da instru-mentalidade das formas e do aproveitamento racional dos atos processuais, para que a rescisória seja convertida em ação declaratória de inexistência de citação, máxime quando inexiste competência originária do Superior Tribu-nal de Justiça para apreciar aquela ação cognominada querela nullitatis. Isto porque a Constituição Federal apenas autoriza o processamento da inicial diretamente perante esta Corte Superior nas hipóteses expressamente deline-adas em seu art. 105, inciso I.

4. Por outro lado, é assente a orientação do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a competência para apreciar e julgar a denominada querela nullitatis insanabilis pertence ao juízo de primeira instância, pois o que se postula não é a desconstituição da coisa julgada, mas apenas o reconheci-mento de inexistência da relação processual. Neste sentido, são os seguintes julgados: AgRg no REsp 1199335 / RJ, Primeira Turma, rel. Benedito Gon-çalves, DJe 22/03/2011; REsp 1015133/MT, Segunda Turma, Rel. Ministra Eliana Calmon, Rel. p/

Acórdão Ministro Castro Meira, DJe 23/04/2010; REsp 710.599/SP, Pri-meira Turma, Rel. Ministra Denise Arruda, DJ 14/02/2008.

5. Embargos de declaração acolhidos, sem efeitos infringentes. (EDcl na AR 569 / PE. Publicado em 05/08/2011).

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Citação e instrumentalidade das formas

PROCESSUAL CIVIL — CITAÇÃO PELO CORREIO — PESSOA FÍSICA — COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO — CIÊNCIA INE-QUÍVOCA DA DEMANDA RECONHECIDA PELO ARESTO RE-CORRIDO — CONTESTAÇÃO — ALEGAÇÃO POSTERIOR DE NULIDADE DO ATO CITATÓRIO — INADMISSIBILIDADE.

I — Afi rmado pelo acórdão recorrido que houve ciência inequívoca da demanda, tanto que apresentada defesa, não obstante a irregularidade formal do ato citatório, sem que essa assertiva fosse contestada pelos réus, ora recor-rentes, improsperável o recurso especial.

II — O processo civil moderno orienta-se pelo princípio da instrumen-talidade das formas. Reputa-se válido o ato que, mesmo realizado de forma diferente, cumpriu a sua fi nalidade.

III — Só se conhece de recurso especial pela alínea “c” do permissivo cons-titucional, se o dissídio estiver comprovado nos moldes exigidos pelos artigos 541, parágrafo único, do Código de Processo Civil e 255, parágrafos 1º e 2º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.

Recurso especial não conhecido.(REsp 514.304/MT, rel. Min. Castro Filho, 3ª Turma, j. 02.12.2003)

Citação de pessoa falecida

Processual civil. Citação. Pessoa falecida. Ciência do autor. Invalidade. Autoridade da coisa julgada. Inexistência. Arguição em Mandado de segu-rança. Possibilidade. Nulidade “pleno iure”. Doutrina. Precedente. Herdeiro impetrante. Legitimação. Cabimento do “writ”. Recurso provido.

I — requerida a citação editalícia de réus falecidos, fato certifi cado pelo ofi cial de justiça, impõe-se reconhecer a nulidade do ato citatório e a não--ocorrência de formação da coisa julgada.

II — as nulidades de pleno direito, que decorrem da falta de regular forma-ção da relação processual, podem ser deduzidas a qualquer momento, mesmo em sede de mandado de segurança impetrado por herdeiro dos falecidos.

(RMS 8.865, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, jul-gamento unânime em 19/02/98)

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V. RECURSOS/MATERIAIS UTILIZADOS

Leitura obrigatória:

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol. I. 17ª edição. Rio de Janeiro: Atlas. Capítulo IX.

CARNEIRO, Athos Gusmão. Citação de réus já falecidos (parecer). Revista de Processo, n. 117, set./out. 2004, p. 221-238.

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 28ª edição. São Pau-lo: Malheiros, 2012. Capítulos 34 e 35.

DIDIER Jr., Fredie. Curso de direito processual civil. Vol. I. 9ª edição. Sal-vador: Ius Podivm, 2008. Capítulos VIII e IX.

GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil: introdução ao direito processual civil. Volume I. 3ª edição. São Paulo: Forense, 2011. Capítulo XVI.

Leitura complementar:

CABRAL, Antônio do Passo. Nulidades no processo moderno. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

VI. AVALIAÇÃO

Casos geradores:

1) Havendo boa-fé da parte autora, a citação por edital de pessoa morta gera nulidade? Na hipótese de gerar nulidade, quais os remédios processuais para atacá-la? Ela pode ser atacada após o trânsito em julgado?

Referência: CARNEIRO, Athos Gusmão. Citação de réus já falecidos (pa-recer). Revista de Processo, n. 117, set./out. 2004, p. 221-238.

2) Maria e Carolina ajuizaram ação reivindicatória contra Carlos e Pedro. Efetuada a citação pelo correio, os réus protocolizaram a contestação, que, diante da alegação dos autores, confi rmada pela certidão da secretaria do car-

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tório, foi considerada intempestiva. Assim, foi decretada a revelia, na forma do art. 319 do CPC.

Os réus pediram a reconsideração da decisão, alegando que a citação reali-zada teria sido nula, eis que, não obstante ter sido entregue a correspondência no endereço correto, o aviso de recebimento foi assinado por pessoa estranha, em desconformidade, portanto, com a norma do art. 223, parágrafo único, do Código de Processo Civil.

Segundo os réus, a citação pelo correio, feita de forma irregular, acarreta a nulidade absoluta do ato. Sustentaram os réus que “a citação, como pres-suposto processual objetivo intrínseco à relação processual, deve obedecer às formalidades legais” e, “uma vez comprovada a ocorrência de nulidade, o ato deve ser invalidado, vez que não pode ser convalidado”.

O juiz de direito, por se tratar de matéria de ordem pública, declarou nu-los os atos decisórios proferidos, em razão do reconhecimento da nulidade da citação, o que ensejou a interposição de agravo de instrumento pelos autores. O magistrado fundamentou sua decisão da seguinte forma: “Demonstrado o prejuízo causado aos Recorrentes, deve ser decretada a nulidade da citação, mesmo com o comparecimento espontâneo dos Recorrentes na ação princi-pal, visto que a defesa fora desentranhada e decretada a revelia dos mesmos, embora eivado de vícios o ato citatório, maculando sua efi cácia e validade.”

No agravo de instrumento, o advogado argumenta que a nulidade da ci-tação não levaria à consequência dada pelo juiz, porquanto o ato, mesmo realizado de forma irregular, alcançou a sua fi nalidade. Aduz ainda que os re-corridos tivessem pleno conhecimento da existência da causa e que chegaram mesmo a apresentar sua defesa, porém de forma intempestiva.

Responda: o agravo de instrumento deve ser provido?

Referência: STJ. REsp 514.304. Rel. Min. Castro Filho. Terceira Turma. J. 02/12/03.

VII. CONCLUSÃO DA AULA

A teoria das nulidades é um capítulo importantíssimo do direito proces-sual contemporâneo. O processo não vive sem formalismo, e a forma serve à realização de relevantes garantias. Por outro lado, o formalismo não pode ser excessivo.

É preciso saber quando as irregularidades processuais podem ser relativiza-das e quando isso não é possível.

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ANEXO I: QUESTÕES DE PROVA. GABARITOS E FUNDAMENTAÇÃO.

QUESTÕES DISCURSIVAS.

1. (TJRJ. XX Concurso. Preliminar). Atendendo a que o art. 5º, LV, da Constituição Federal assegura aos litigantes, em processo judicial ou admi-nistrativo, o contraditório e a ampla defesa, dizer se no inquérito policial deve ser observado o contraditório, a partir de 1988.

Fundamentação:

As garantias do contraditório e da ampla defesa não são asseguradas no inquérito policial, conforme entendem a doutrina e a jurisprudência. Segun-do Alexandre de Moraes, “o contraditório nos procedimentos penais não se aplica aos inquéritos policiais, pois a fase investigatória é preparatória da acu-sação, inexistindo, ainda, acusado, constituindo, pois, mero procedimento administrativo, de caráter investigatório, destinado a subsidiar a atuação do titular da ação penal, o Ministério Público”.

Em outras palavras, o inquérito não possui natureza jurídica de processo administrativo e, portanto, não se encontra abarcado no art. 5º, inciso LV, da Constituição da República. Nesse sentido, Tourinho Filho ensina que a expressão “processo administrativo” engloba tão somente processos instau-rados pela Administração Pública para apurar infrações administrativas, em cujos casos é possível a aplicação de uma sanção — o que não ocorre com o inquérito policial.

2. (TJRJ. XXXIV Concurso. Preliminar). Ante o texto do inciso XXXVIII do artigo 5º da Constituição, seria constitucional a lei que cometesse ao Tri-bunal do Júri a competência para o julgamento dos crimes contra as relações de consumo, por exemplo?

Fundamentação:

A lei que cometesse ao Tribunal do Júri a competência para o julgamento dos crimes contra as relações de consumo seria inconstitucional, visto que a Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XXXVIII, alínea “d”, estabelece de forma clara a competência do Tribunal do Júri para julgar exclusivamente “crimes dolosos contra a vida”, dentre os quais não se incluem aqueles pra-ticados contra as relações de consumo. O Tribunal do Júri é revestido de ca-racterísticas singulares que permitem o julgamento daqueles que cometeram

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crimes dolosos contra a vida por seus semelhantes, ou seja, trata-se de um julgamento feito pela própria sociedade.

3. (MPRJ. VIII Concurso). O Procurador-Geral de Justiça designou um Promotor de Justiça para acompanhar certo inquérito policial e funcionar, até fi nal, em qualquer ação penal que com base nele viesse a ser proposta. Oferecida a denúncia, um dos réus impetrou habeas corpus colimando o trancamento da ação penal, sob o fundamento de que a designação feita seria ilegal, por afastar o Promotor do Juízo junto ao qual tem curso a ação penal, violando assim, o princípio do promotor natural. Dê o seu parecer sobre esta questão.

Fundamentação:

O princípio do promotor natural destina-se, de um lado, a proteger o membro do Ministério Público, na medida em que lhe assegura o exercício pleno e independente do seu ofício, ou seja, assenta-se nas cláusulas da in-dependência funcional e da inamovibilidade dos membros da instituição. Por outro lado, o princípio visa tutelar a própria coletividade, a quem se reconhece o direito de ver atuando, em quaisquer causas, apenas o promotor cuja intervenção se justifi que a partir de critérios abstratos e predetermina-dos, estabelecidos em lei. Logo, no caso em questão, o Procurador Geral de Justiça não tem competência para designar um Promotor de Justiça para acompanhar certo inquérito policial, sob pena de violação ao princípio do promotor natural.

4. (MPRJ. 27º Concurso. Específi ca). Defi na e distinga tutela cautelar, tutela antecipatória e julgamento antecipado da lide.

Fundamentação:

Tutela antecipada e tutela cautelar são espécies de tutela de urgência, me-diante a qual se permite ao órgão jurisdicional, em alguns casos, desde que presentes determinados requisitos exigidos pela lei, independentemente de requerimento do credor, a adoção de medidas tendentes a conservar o estado das coisas, de forma a garantir a efetividade do provimento jurisdicional fi nal ou mesmo a antecipar algum ou alguns dos efeitos da tutela jurisdicional que, muito provavelmente, será concedida ao fi nal do processo. Trata-se de formas de cognição não exauriente e, por isso, de caráter provisório, passíveis de revogação a qualquer tempo.

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A tutela antecipada, regulada pelo art. 273 do CPC, consiste na antecipa-ção dos efeitos da sentença de mérito. Possui, portanto, natureza satisfativa. São requisitos para a sua concessão: i) a verossimilhança da alegação, com base em prova inequívoca; e ii) o fundado receio de dano grave e irreparável.

A antecipação de tutela também pode ser concedida por outro motivo não vinculado à tutela de urgência, qual seja, o abuso do direito de defesa do réu ou seu manifesto propósito protelatório. Pode-se citar, ainda, um requisito negativo, consistente na inexistência de perigo de irreversibilidade do provi-mento

A tutela cautelar, por sua vez, não possui natureza satisfativa, limitando--se a assegurar a efetividade de outro tipo de tutela, que esteja ameaçada de tornar-se inefi caz. Para sua concessão, basta a plausibilidade do direito invo-cado (fumus boni iuris), além do perigo de dano.

Finalmente, o julgamento antecipado da lide encontra respaldo no art. 330, do CPC. Nesse caso, o prosseguimento do processo se revela despi-ciendo, pelo fato de que todos os elementos necessários ao julgamento dos pedidos já se encontram nos autos. Assim, presentes os requisitos expostos no dispositivo mencionado, poderá o juiz proferir sentença defi nitiva, capaz de extinguir o processo com resolução do mérito, acolhendo ou rejeitando os pedidos do autor. Trata-se de juízo de certeza, e não de probabilidade, funda-do em cognição exauriente.

5. (TJRJ. XXVI Concurso). Qual o sentido e o alcance dos pressupostos de verossimilhança e irreversibilidade em matéria de antecipação de tutela? Responda, fundamentadamente, referindo os dispositivos legais pertinentes.

Fundamentação:

A verossimilhança da alegação e a inexistência de perigo de irreversibilida-de do provimento antecipado são requisitos necessários à concessão da tutela antecipatória, nos termos do art. 273 do CPC.

A verossimilhança consiste na aparência de verdade dos fatos alegados, ou seja, na probabilidade de existência do direito afi rmado pelo demandante. Entende-se que é um juízo mais seguro do que o da mera possibilidade (tra-duzido, por exemplo, na exigência do fumus boni iuris para a concessão da tutela cautelar) e menos seguro do que o juízo de certeza, que fundamenta as decisões defi nitivas.

Já a irreversibilidade do provimento refere-se à impossibilidade de retorno ao status quo ante, em caso de decisão de mérito contrária aos interesses do autor. A existência de perigo de irreversibilidade não pode, todavia, servir como óbice à concessão da antecipação da tutela. Presentes os pressupostos

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autorizadores da tutela antecipatória, caso exista perigo de irreversibilidade, deverá o juiz, diante da situação concreta, identifi car o interesse mais rele-vante e provável, valendo-se dos princípios da proporcionalidade, e sacrifi car o direito que se demonstra mais improvável, a fi m de garantir a adequada, tempestiva e efetiva tutela jurisdicional.

6. (MPRJ. XXIV Concurso. Específi ca). Distinguindo a jurisdição con-tenciosa da jurisdição voluntária, enquadre os processos de inventário e os de arrolamento previstos no Capítulo IX, do Título I, do Livro IV, do Código de Processo Civil.

Fundamentação:

A doutrina clássica entende que, nos processos de jurisdição voluntária, não há o exercício de função jurisdicional propriamente dita, mas sim mera administração de interesses privados. Moacir Amaral Santos, por exemplo, que é partidário deste primeiro entendimento, objeta que a lei civil condi-ciona a validade de alguns atos jurídicos à chancela do Judiciário. Logo, não existiria litígio nestes procedimentos e, consequentemente, litigantes. Tam-pouco haveria coisa julgada. Contudo, a doutrina mais atual entende que nestes procedimentos também há o exercício de função jurisdicional, com a formação de coisa julgada. É a posição, dentre outros, de Alexandre Freitas Câmara.

Os processos se inventário e de arrolamento encontram-se classifi cados no CPC como procedimentos de jurisdição contenciosa, o que signifi ca que a lei lhes concede determinadas peculiaridades formais da função jurisdicional, como o efeito da coisa julgada sobre as sentenças proferidas nestes procedi-mentos (embora a questão não seja pacífi ca na jurisprudência). Há, contudo, quem atribua ao inventário e ao arrolamento consensuais a natureza jurídica de jurisdição voluntária.

7. (TJRJ. XXII Concurso). Há, na jurisdição voluntária, somente a admi-nistração de interesses privados, controvérsia ou litígio, contendores ou liti-gantes, sucumbência ou vencedor e vencido com condenação em honorários e formação de coisa julgada? E qual a razão legal da presença obrigatória do Ministério Público? Justifi car.

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Fundamentação:

Quanto às características da jurisdição voluntária, remete-se o leitor à pri-meira parte da resposta à questão anterior. O Ministério Público intervém no processo como fi scal da lei sempre que houver interesse público primário, evidenciado pela natureza da lide ou pela qualidade da parte. Assim, nada impede que a própria lei estabeleça as hipóteses de intervenção do Parquet, tal como ocorre no art. 1.105, CPC.

8. (TJRJ. Prova Preliminar. XLI Concurso). Joaquim, na qualidade de vizinho do Auto Posto Central, foi vencedor em ação de obrigação de fazer, cujo pedido era de realização de obras necessárias à segurança da atividade do réu. Intimado para o cumprimento, o vencido quedou-se inerte, mesmo com a imposição de multa. O juiz, de ofício, determinou a interdição do es-tabelecimento, sem que tal medida houvesse sido discutida em qualquer fase do processo. Comente a decisão, indicando os dispositivos legais pertinentes.

Fundamentação:

A decisão do juiz coaduna-se com o disposto no Código de Processo Ci-vil, que, com as últimas reformas, tem procurado privilegiar a efetividade do processo e a tutela específi ca da obrigação. De acordo com o disposto no art. 461, §4º, do CPC, o juiz poderá impor multa diária ao réu, independente-mente de pedido do autor, desde que compatível com a obrigação, fi xando--lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito. No caso em tela, tendo em vista que nem mesmo a imposição de multa, como meio de coerção, foi capaz de compelir o réu a realizar as obras a que fora condenado, permite--se ao juiz que, de ofício, determine as medidas necessárias para assegurar o resultado prático equivalente (§5º).

9. (MPRJ. XIII Concurso). Existe conexão entre a ação de alimentos da Lei n. 5.478/68 e a ação revisional de modifi cação ou de exoneração? E entre a ação de separação judicial e o pedido de conversão em divórcio?

Fundamentação:

Não há conexão em relação a processo fi ndo, de modo que, extinta a ação de alimentos, a revisional deve ser levada à livre distribuição. Isto porque constitui pretensão autônoma e que não guarda relação de acessoriedade com a ação de alimentos já encerrada (art. 108 do CPC).

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A contrario sensu, porém, se estiverem em curso, concomitantemente, ações entre as quais haja relação de prejudicialidade e, portanto, possibilidade de decisões confl itantes, haverá conexão. Dá-se o mesmo em relação à ação de separação judicial e o pedido de conversão em divórcio.

10. (OAB-RJ. 26º Exame). Guilherme, indignado com a constante su-jeira de sua loja de perfumaria, optou por terceirizar o serviço de limpeza, celebrando, em nome próprio, contrato de prestação de serviço com a em-presa Kiki Faxinas Ltda. Porém, de nada adiantou. Guilherme passou a ou-vir frequentes reclamações não só de seus funcionários, mas, sobretudo, dos próprios clientes da loja, fato que o levou a concluir pela impossibilidade de manutenção do vínculo contratual. Ao lhe procurar, Guilherme recebeu a orientação de notifi car a empresa Kiki Faxinas Ltda., a fi m de rescindir o con-trato de prestação de serviços, em fi el cumprimento às regras contratuais que, expressamente, autorizavam a denúncia unilateral por qualquer das partes, desde que cientifi cada com a antecedência mínima de 30 dias. Consumada a resolução do contrato, Guilherme, no trigésimo dia subsequente ao da noti-fi cação, compareceu à sede da Kiki Faxinas Ltda. para quitar os R$10.000,00 (dez mil reais) que, no seu entender, eram devidos pelos serviços até então prestados.

Quando lá chegou, deparou-se com a recusa da empresa, que se negou a receber os valores ao simples argumento de que fazia jus, além da quantia ofertada, a uma indenização por lucros cessantes. Na qualidade de advogado, adote a providência judicial que melhor atenda aos interesses de Guilherme, atentando se para as seguintes informações:

a) Guilherme tem domicílio no Município de São Gonçalo;b) Kiki Faxinas Ltda. tem sede no Município de Magé;c) O local do pagamento das prestações mensais, a teor do contrato, é a

loja de Guilherme, localizada na cidade do Rio de Janeiro, no bairro de Co-pacabana;

d) Cristiane, dona da empresa prestadora de serviço, tem domicílio no Município de Petrópolis;

e) Kiki Faxinas Ltda. pretende receber, a título de indenização, o valor de R$20.000,00 (vinte mil reais).

Fundamentação:

Para atender os interesses de Guilherme, a providência judicial adequada será ajuizar uma ação de consignação em pagamento (art. 890 e seguintes, do CPC) em face da empresa Kiki Faxinas Ltda. O foro competente será o

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da sede da pessoa jurídica que fi gura como ré na ação, isto é, o Município de Magé, conforme o art. 100, inciso IV, alínea “a” do CPC.

11. (TJRJ. XXXI Concurso). O que é foro de eleição? Dê exemplo.

Fundamentação:

Foro de eleição é a faculdade de as partes acordarem o foro competente para eventuais litígios futuros. Embora a competência em razão da matéria e da hierarquia seja inderrogável por convenção das partes, elas podem modifi -car a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde serão propostas as ações oriundas de direitos e obrigações. O acordo produz efeitos apenas quando constar de contrato escrito e aludir expressamente a determi-nado negócio jurídico, de acordo com o disposto no art. 111, §1º, do CPC.

12. (MPRJ. Preliminar. 12º Concurso). Agripina, em nome próprio, na qualidade de mãe de nascituro, propôs ação de investigação de paternidade em face de Mévio. Este, contestando o pedido, alega preliminar de ilegiti-mação para a causa, pois a autora não seria titular da pretensão de direito material e não lhe socorreria o art. 6° do Código de Processo Civil. Autos com vista ao Ministério Público. Opine, objetiva e justifi cadamente, sobre a arguição preliminar.

Fundamentação:

Segundo a doutrina e jurisprudência majoritárias, o nascituro tem perso-nalidade jurídica e dispõe de legitimidade processual, porquanto titular de direitos da personalidade e de direitos potenciais. É, todavia, absolutamente incapaz para propor a ação de investigação de paternidade, devendo ser re-presentado por sua mãe, conforme estabelece o art. 8°, do CPC. Desse modo, Agripina não deve propor a ação em nome próprio, senão em nome do nasci-turo, representando-o legalmente. A tutela jurisdicional do direito subjetivo, afi nal, benefi ciará o nascituro, como detentor da relação jurídica afi rmada.

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13. (MPRJ. 25º Concurso. Específi ca). Conceitue pedido implícito, iden-tifi cando as hipóteses admitidas pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Fundamentação:

Nas lições de Fredie Didier Jr., o pedido implícito é aquele que, embora não explicitado na demanda, compõe o objeto do processo por força de lei, devendo ser examinado e decidido pelo juiz. São hipóteses de pedido implí-cito os juros legais (artigos 405 e 406 do CC); o ressarcimento das despe-sas processuais e dos honorários advocatícios (art. 20 do CPC); a correção monetária (art. 404 do CC); o pedido relativo a obrigações com prestações periódicas (art. 290, CPC).

14. (MPRJ. 13º Concurso. Preliminar). Qual a natureza jurídica da atri-buição do órgão de atuação do Ministério Público no processo penal?

Fundamentação:

O Ministério Público é o órgão estatal legitimado ao ajuizamento da ação penal pública, para defesa dos interesses individuais indisponíveis, difusos, coletivos e sociais. Diz-se que sua legitimidade é política, pois decorrente de preceito constitucional (artigos 127 e 129 da CRFB), oriundo da vontade popular expressa pelos constituintes de conferir-lhe a privatividade da ação penal; e processual, no que diz respeito à capacidade de estar em Juízo, em nome do Estado, titular do direito material e de ação. Em outras palavras, o Estado conferiu ao Ministério Público o encargo do exercício das pretensões punitiva e executória estatais.

QUESTÕES OBJETIVAS.

1. Paulo propõe demanda contra Pedro, visando à cobrança de uma dívida em dinheiro, que no entanto não se encontrava ainda vencida. Nesse caso, a ação será julgada extinta, sem resolução de mérito, porque (TRT 20ª Região — SE. Juiz do Trabalho. FCC. 2012. Questão 73. Prova tipo 1):

a) falta interesse processual a Paulo, extinguindo-se a demanda por ausên-cia de uma das condições da ação.

b) falta possibilidade jurídica a Paulo, condição da ação que, ausente, leva à extinção processual.

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c) alta condição de procedibilidade a Paulo, ou seja, uma das condições de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo.

d) falta legitimidade ativa a Paulo, extinguindo-se a ação por falta de uma de suas condições.

e) terá ocorrido perempção ou contumácia.

Gabarito: Letra AFundamento: O CPC de 1973 adotou a teoria eclética sobre as condições

da ação de Liebman. Inicialmente, o estudioso entendia haver três condições da ação, quais sejam, legitimidade das partes, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido. Liebman, contudo, reformulou tal entendimento, afi r-mando que a possibilidade jurídica do pedido fazia parte do interesse de agir, restando apenas duas condições da ação: legitimidade das partes e interesse de agir. Tal entendimento está no art. 3º do CPC:

Art. 3o Para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e legitimi-dade

Contudo, vale, novamente, frisar que nosso CPC adotou a teoria original de Liebman, sendo a possibilidade jurídica do pedido condição da ação au-tônoma. Isso pode ser comprovado pela redação do art. 267, inciso VI, do CPC:

Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito:(...)VI — quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a pos-

sibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual.

Por fi m, o interesse de agir se desdobra no binômio necessidade-adequa-ção. Desta forma, se a dívida ainda não está vencida, Paulo não possui inte-resse em cobrá-la. Portanto, gabarito letra A.

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2. Se alguma das condições da ação não for atendida, o processo (TJRJ. Analista judiciário — Execução de mandados. FCC. 2012. Questão 46. Pro-va tipo 1):

a) é nulo, não havendo formação de coisa julgada de nenhuma espécie.

b) será julgado com resolução do mérito, formando coisa julgada material.

c) será julgado com resolução do mérito, acarretando coisa julgada formal.

d) será julgado extinto sem resolução do mérito, formando coisa julgada material.

e) será julgado extinto sem resolução do mérito, acarretando coisa julgada formal.

Gabarito: Letra EFundamento: Art. 267, VI, do CPC

Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito:(...)VI — quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a pos-

sibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual.

3. São condições da ação (TRE — PR. Analista judiciário — Área judici-ária. FCC. 2012. Questão 43. Prova tipo 1):

a) capacidade postulatória, legitimidade das partes e interesse processual.

b) competência do juiz, inocorrência da prescrição e não terem as partes celebrado convenção de arbitragem.

c) interesse de agir, inocorrência da prescrição ou de decadência e capaci-dade de ser parte.

d) possibilidade jurídica do pedido, legitimidade das partes e interesse processual.

e) possibilidade jurídica do pedido, não se achar perempta a ação e citação válida do réu.

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Gabarito: Letra DFundamento: ver questão n. 1.

4. O interesse de agir é (OAB — SP. 134º Exame de Ordem. Vunesp. 2007. Questão 33):

a) faculdade da ação.

b) elemento da ação.

c) condição da ação.

d) pretensão.

Gabarito: Letra CFundamento: ver questão n. 1.

5. No tocante à ação, para nossa lei processual civil (MPE — CE. Promo-tor de justiça. FCC. 2011. Questão 44. Prova 1):

a) o reconhecimento da ausência de pressupostos processuais leva ao im-pedimento da instauração da relação processual ou à nulidade do processo.

b) a ausência do direito material subjetivo conduz à carência de ação.

c) a ausência das condições da ação não pode ser aferida de ofício pelo juiz.

d) não se admite a ação meramente declaratória, se já ocorreu a violação do direito.

e) o interesse do autor está ligado sempre, e apenas, à constituição de seu direito, com pedido eventual de preceito mandamental.

Gabarito: Letra AFundamento: Além da existência, o processo deve preencher determina-

dos requisitos, a fi m de que se desenvolva de forma válida e regular. Trata-se dos pressupostos processuais.

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6. Sobre o direito processual civil, é incorreto afi rmar (TRT 3ª Região. MG. Juiz. TRT 3R. 2009. Questão 1. Prova 1):

a) Segundo a Teoria da Asserção, as condições da ação são aferidas conso-ante o alegado pelo autor na petição inicial.

b) A presença das condições da ação deverá ser verifi cada em abstrato, considerando-se, por hipótese, que as assertivas do demandante em sua ini-cial são verdadeiras.

c) Na demanda proposta por quem se diz credor do réu, em se provando, no curso do processo, que o demandante não é titular do crédito, a hipótese é de improcedência do pedido e não de carência de ação.

d) A relação jurídica processual deve ser composta pelas mesmas partes que compõem a relação jurídica de direito material que originou a lide, salvo os casos de legitimação extraordinária previstos em lei, nos quais uma parte pleiteia, em nome alheio, direito próprio, a exemplo dos casos de substituição processual.

e) As condições da ação são matéria de ordem pública a respeito da qual o juiz deve se pronunciar de ofício, a qualquer tempo e grau de jurisdição, sendo a matéria insuscetível de preclusão.

Gabarito: Letra DFundamento: Para os adeptos da teoria da asserção, deve ser feito o exame

das condições da ação em abstrato, pelo juiz, com base na petição inicial. Preenchidas estas, quando posteriormente analisadas, tratar-se-á de análise de mérito e não de indeferimento da petição inicial.

7. Dadas as assertivas abaixo, assinale a única CORRETA (TJRO. Juiz. PUC PR. 2011. Questão 13. Prova T1):

a) Mesmo quando o autor tiver formulado pedido certo, é permitido ao magistrado proferir sentença ilíquida.

b) É lícito formular pedido genérico quando não for possível determinar, de modo defi nitivo, as consequências do ato ou fato ilícito.

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c) Em casos de acolhimento de prescrição e decadência, deverá o magis-trado proferir a sentença sem resolução do mérito, com fulcro no art. 267 do CPC.

d) Não cumprida a obrigação de entrega de coisa no prazo estabelecido, deverá o magistrado expedir o mandado de busca e apreensão, quando se tratar de coisa imóvel ou a imissão de posse, quando se tratar de bens móveis.

e) No procedimento comum sumário não se admite a produção de prova pericial.

Gabarito: Letra BFundamento: Art. 286, II, do CPC

Art. 286. O pedido deve ser certo ou determinado. É lícito, porém, for-mular pedido genérico:

I — as ações universais, se não puder o autor individuar na petição os bens demandados;

II — quando não for possível determinar, de modo defi nitivo, as consequ-ências do ato ou do fato ilícito;

III — quando a determinação do valor da condenação depender de ato que deva ser praticado pelo réu.

8. A respeito das condições da ação, considere (TRT 4ª Região. RS. Ana-lista judiciário — Área judiciária. FCC. 2011. Questão 51. Prova 1):

I. O interesse e a legitimidade são condições da ação que não podem ser apreciadas pelo juiz ex offi cio.

II. O interesse processual deve estar presente para propor e para contestar a ação.

III. Se o juiz tiver reconhecido a legitimidade das partes quando do defe-rimento da petição inicial, não poderá, por força da preclusão, reexaminá-la no momento da prolação da sentença.

Está correto o que se afi rma SOMENTE em:

a) II.

b) I e II.

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c) I e III.

d) II e III.e) I.

Gabarito: Letra A

9. O pedido ou a causa de pedir NÃO poderá mais ser alterado após (TJAP. Titular de serviços e de notas e de registro. FCC. 2011. Questão 60. Prova 1):

a) o recebimento da inicial.

b) a citação do réu.

c) o oferecimento de contestação por parte do réu.

d) o despacho saneador.

e) a réplica.

Gabarito: Letra DFundamento: Art. 264, parágrafo único, do CPC.

Art. 264. Feita a citação, é defeso ao autor modifi car o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas por lei.

Parágrafo único. A alteração do pedido ou da causa de pedir em nenhuma hipótese será permitida após o saneamento do processo.

10. As condições da ação (TRT 12ª Região — SC. Analista judiciário — Área judiciária. FCC. 2011. Questão 50. Prova T1):

a) reconhecidas liminarmente podem ser reapreciadas pelo juiz quando da prolação da sentença.

b) não se aplicam ao Ministério Público, quando for parte, em razão do interesse público da sua atuação.

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c) não podem ser apreciadas pelo juiz ex offi cio, devendo ser obrigatoria-mente arguidas pelas partes.

d) só se aplicam à propositura da ação pelo autor, não sendo exigíveis quando se tratar de reconvenção.

e) não podem ser arguidas pelo Ministério Público, quando intervir no processo como custos legis.

Gabarito: Letra AFundamento: Art. 267, VI e §3º, do CPC

Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito:

(...)VI — quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a pos-

sibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual;(...)

§ 3o O juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a sentença de mérito, da matéria constante dos ns. IV, V e VI; todavia, o réu que a não alegar, na primeira oportunidade em que lhe caiba falar nos autos, responderá pelas custas de retardamento.

Obs.: É importante lembrar que as condições da ação são matérias de ordem pública. Desta forma, o magistrado poderá reexaminá-las quando for prolatar a sentença.

11. As condições da ação (TJSP. Juiz. Vunesp. 2009. Questão 22. Prova 1):

a) se presentes, levam à procedência do pedido

b) são requisitos necessários à validade do processo.

c) constituem matéria preliminar, a ser deduzida em contestação, sob pena de preclusão.

d) não se confundem com o mérito, segundo o legislador, mas são aferidas a partir da relação de direito material.

Gabarito: Letra D

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12. São elementos que identifi cam a ação (Bacen. Procurador. FCC. 2006. Questão 71. Prova tipo 1):

a) o mesmo Juiz, as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.

b) somente a causa de pedir e o pedido.

c) as partes, a causa de pedir e o pedido.

d) somente as partes e o pedido.

e) o nome que o autor der à ação, as mesmas partes e o mesmo pedido.

Gabarito: Letra CFundamento: Art. 301, §2º, CPC.

Art. 301. Compete-lhe, porém, antes de discutir o mérito, alegar:(...)§2o Uma ação é idêntica à outra quando tem as mesmas partes, a mesma

causa de pedir e o mesmo pedido.

13. São elementos da ação ((TCE —AP. Procurador. FCC. 2010. Questão 71. Prova tipo 1):

a) legitimidade, interesse e possibilidade jurídica do pedido.

b) jurisdição, demanda e defesa.

c) autor, réu e juiz.

d) juiz, provas e sentenças.

e) partes, causa de pedir e pedido.

Gabarito: Letra E

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14. A ilegitimidade passiva de parte implica (PGFN. Procurador. Esaf. 2003. Questão 49. Prova tipo 1):

a) nulidade do processo.

b) extinção do processo com julgamento de mérito.

c) extinção do processo por falta de pressuposto processual.

d) extinção do processo por carência da ação.

e) julgamento antecipado.

Gabarito: Letra D

15. Dentre as proposições abaixo, algumas são falsas, outras verdadeiras (PGR. Procurador. PGR. 2011. Questão 82):

I. O requisito da capacidade postulatória admite exceções previstas em lei;

II. São nulos os atos praticados por juiz absolutamente incompetente;

III. A perempção é pressuposto processual extrínseco e negativo;

IV. O processo, antes da citação do réu, não pode permitir a produção de efeitos.

Das proposições acima:

a) I e II estão corretas;

b) I e III estão corretas;

c) I e IV estão corretas;d) Nenhuma das opções anteriores está correta.

Gabarito: Letra B

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16. Na ação fundada em direito real sobre imóvel, recaindo o litígio sobre direito de posse de um terreno e benfeitorias situados em mais de uma co-marca, o foro competente para a ação é (MPE-SP — 2011 — Promotor de Justiça):

a) do detentor do bem.

b) de eleição das partes contratantes.

c) do domicílio do réu.

d) determinado pela prevenção.

e) do domicílio do autor.

Gabarito: D.

17. Marque certo (C) ou errado (E) — (CESPE. 2009. SEAD-SE. FPH) — Procurador)

A competência ratione materiae é inderrogável e poderá ser declarada de ofício ou alegada em qualquer tempo e grau de jurisdição.

Gabarito: certa.

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JOSÉ AUGUSTO GARCIA DE SOUSADefensor Público junto ao segundo grau de jurisdição no Estado do Rio de Janeiro. Mestre e Doutorando em Direito pela Universidade do Es-tado do Rio de Janeiro (UERJ). Professor de Teoria Geral do Processo da Fundação Getúlio Vargas/RJ. Professor assistente de Direito Processual Civil da UERJ. Vice-presidente da Associação dos Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro (ADPERJ).

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FICHA TÉCNICA

Fundação Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

FGV DIREITO RIO

Joaquim FalcãoDIRETOR

Sérgio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO, PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUAÇÃO

Andre Pacheco MendesCOORDENADOR DO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA – CLÍNICAS

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO

Marília AraújoCOORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUAÇÃO

Paula SpielerCOORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELAÇÕES INSTITUCIONAIS