teoria geral do direito e da política

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TEORIA GERAL DO DIREITO E DA POLÍTICA - TJDFT 2015 TEORIA GERAL DO DIREITO E DA POLÍTICA: 1 Direito objetivo e direito subjetivo. 2 Fontes do direito objetivo. Princípios gerais de direito. Jurisprudência e sumula vinculante. 3 Eficácia da Lei no tempo. Conflitos de normas jurídicas no tempo e o direito brasileiro: direito penal, civil, constitucional e direito do trabalho. 4 O conceito de política. Política e direito. 5 Ideologias. 6 A Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU). 7 Políticas publicas e o papel do Juiz. 8 O Juiz e a construção da democracia. 9 Democracia e Estado de Direito. 10 Legitimidade e legalidade. Fonte: Caderno de TJDP do Prof. André Gualtieri; Caderno de TJDP do LFG; Resumo das Matérias de Humanística (autoria de Felipe); Resumo do concurso para o TJSP do 184º e 185º Concursos e resumos de outros concursos. Observação: as palavras-chaves e termos principais encontram-se em destaque no decorrer dos resumos. 1 DIREITO OBJETIVO E DIREITO SUBJETIVO a) Considerações Iniciais : - O direito é algo que comporta diversas definições, é um termo, uma palavra polissêmica. - Trata-se de uma dicotomia tradicional (direito objetivo e subjetivo). - O direito é considerado como um fenômeno objetivo e como um fenômeno subjetivo. Dentro do nosso idioma, que é o português, nós não temos termos diversos para tratar do direito sob enfoque objetivo e subjetivo. A palavra que utilizamos é a mesma quando nos referimos a direito subjetivo e objetivo: direito. No inglês os temas são diversos: o direito objetivo é o law e o direito visto sob ângulo subjetivo é chamado de right. - O direito é visto de modo objetivo, se vê o direito como algo que existe independentemente da existência da vontade das pessoas que estão sujeitas a ele. Sob esse ângulo o direito é um conjunto de normas, é um ordenamento jurídico. Esse conjunto de normas jurídicas regula a nossa vida, mas é um outro em relação a nós. Ele existe de modo independente da nossa vontade. - O direito sob enfoque subjetivo é visto sob o ângulo do sujeito, ele aparece como um direito que o individuo possui. b) Conceito de direito objetivo : - É o conjunto de normas jurídicas que possui vigência e eficácia na universalidade de um território. direito objetivo é aquilo que

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Resumo de Teoria Geral Do Direito e Da Política, para concursos

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Page 1: Teoria Geral Do Direito e Da Política

TEORIA GERAL DO DIREITO E DA POLÍTICA - TJDFT 2015

TEORIA GERAL DO DIREITO E DA POLÍTICA: 1 Direito objetivo e direito subjetivo. 2 Fontes do direito objetivo. Princípios gerais de direito. Jurisprudência e sumula vinculante. 3 Eficácia da Lei no tempo. Conflitos de normas jurídicas no tempo e o direito brasileiro: direito penal, civil, constitucional e direito do trabalho. 4 O conceito de política. Política e direito. 5 Ideologias. 6 A Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU). 7 Políticas publicas e o papel do Juiz.8 O Juiz e a construção da democracia. 9 Democracia e Estado de Direito. 10 Legitimidade e legalidade.

Fonte: Caderno de TJDP do Prof. André Gualtieri; Caderno de TJDP do LFG; Resumo das Matérias de Humanística (autoria de Felipe); Resumo do concurso para o TJSP do 184º e 185º Concursos e resumos de outros concursos.

Observação: as palavras-chaves e termos principais encontram-se em destaque no decorrer dos resumos.

1 DIREITO OBJETIVO E DIREITO SUBJETIVO

a) Considerações Iniciais:- O direito é algo que comporta diversas definições, é um termo, uma palavra polissêmica. - Trata-se de uma dicotomia tradicional (direito objetivo e subjetivo).- O direito é considerado como um fenômeno objetivo e como um fenômeno subjetivo. Dentro do nosso idioma, que é o português, nós não temos termos diversos para tratar do direito sob enfoque objetivo e subjetivo. A palavra que utilizamos é a mesma quando nos referimos a direito subjetivo e objetivo: direito. No inglês os temas são diversos: o direito objetivo é o law e o direito visto sob ângulo subjetivo é chamado de right.- O direito é visto de modo objetivo, se vê o direito como algo que existe independentemente da existência da vontade das pessoas que estão sujeitas a ele. Sob esse ângulo o direito é um conjunto de normas, é um ordenamento jurídico. Esse conjunto de normas jurídicas regula a nossa vida, mas é um outro em relação a nós. Ele existe de modo independente da nossa vontade. - O direito sob enfoque subjetivo é visto sob o ângulo do sujeito, ele aparece como um direito que o individuo possui.

b) Conceito de direito objetivo:- É o conjunto de normas jurídicas que possui vigência e eficácia na universalidade de um território. direito objetivo é aquilo que chamamos de ordenamento jurídico. Ordenamento jurídico é o conjunto de normas jurídicas válidas.- Reale fala que é um equivoco reduzir o ordenamento jurídico à um conjunto de normas jurídicas. - O direito objetivo também é chamado tradicionalmente por um termo latino chamado de “norma agendi”, que pode ser traduzida como norma de conduta. O detentor da soberania que cria o direito objetivo.

c) Conceito de direito subjetivo:- Direito subjetivo é o poder atribuído a um sujeito para fazer ou não fazer algo, ou para exigir de outros um comportamento determinado. Esse poder é chamado na doutrina de “facultas agendi”, que pode ser traduzido como faculdade de agir. Esse termo passa a ideia de que o direito subjetivo tem a ver com a faculdade, que o individuo detém. - É possível fundar um direito subjetivo independentemente do conceito de direito objetivo? É possível fundar um direito subjetivo com existência independente?

Em síntese:

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a) Conceito de Direito Objetivo – É aquilo que denominamos de ordenamento jurídico. É o conjunto de normas com vigência em um determinado território. Para MIGUEL REALE o Direito é um conjunto de normas positivadas, envolvendo também os costumes. É “norma agendi” (norma de conduta). Está ligado ao sentido de soberania, pois é o detentor da soberania que cria o direito positivo.

b) Conceito de Direito Subjetivo – É o poder atribuído ao sujeito para fazer ou não fazer algo ou para exigir de outros um comportamento determinado. Este poder é também chamado de “facultas agendi” (faculdade de agir). É uma faculdade atribuída a alguém.

DIREITO OBJETIVO norma agendi: conjunto de preceitos que organizam a sociedadeDIREITO SUBJETIVO facultas agendi: faculdade de agir garantida pelas regras jurídicas

d) Teorias sobre a natureza do direito subjetivo:

1) Teoria da vontade (Windscheid): o direito subjetivo é a vontade juridicamente protegida. Crítica: não é adequado dizer que a vontade é o núcleo do direito subjetivo. Serassumirmos essa ideia não conseguimos explicar o fato de que o nascituro tem direito subjetivo, os loucos tem direito subjetivo, etc.

2) Teoria do interesse (Jhering): o direito subjetivo é o interesse juridicamente protegido. Há um interesse que cada um de nós temos e esse interesse por ter determinada relevância social, o direito protege. Crítica: interesse é uma palavra muito vaga, indeterminada. Há casos em que mesmo não havendo por parte do individuo efetivo interesse de que o direito proteja determinado bem, o direito protege.

3) Teoria eclética ou mista (Jellinek): essa teoria diz que o direito subjetivo é o interesse juridicamente protegido que se efetiva através de uma manifestação de vontade. Crítica: como é uma junção das duas teorias anteriores, ela padece dos mesmos vícios dessas teorias.

4) Teoria da garantia (Thon): direito subjetivo é a proteção que o ordenamento jurídico oferece à um titular de um direito, tornando efetivo. Crítica: se o direito subjetivo na verdade é a proteção que o ordenamento jurídico oferece, no fundo o direito subjetivo não é senão o próprio direito objetivo.

5) Teoria de Kelsen: o direito subjetivo é apenas um reflexo de um dever jurídico que é estabelecido pela norma jurídica. Para Kelsen o que chamamos de direito subjetivo são os deveres estabelecidos pelas normas jurídicas.

6) Teoria egológica (Carlos Cossio): Esta teoria possui uma matriz culturalista e existencialista ela faz repousar o direito subjetivo na idéia de liberdade humana. Para esta teoria o direito subjetivo seria manifestação da liberdade humana na zona do permitido juridicamente, vale dizer, o direito subjetivo compreenderia todos aqueles comportamento que são realizados na zona do permitido juridicamente. A norma jurídica ao incidir na realidade social estabeleceria uma zona muito maior do permitido juridicamente e uma zona mais restrita do proibido juridicamente. E o direito subjetivo seria, portanto, todos aqueles comportamento sobre os quais a liberdade humana se manifesta com licitude. A partir de determinado instante em que ingressar na zona do proibido juridicamente eu já estarei praticando uma ilicitude. Cossio, também, assim como Kelsen, mas Cossio num sentido mais existencialista também reproduz aqueles axiomas da teoria geral do direito, tudo que não está juridicamente proibido está juridicamente permitido. Assim como também aqueles brocado, a vida é um contínuo de licitudes e um descontínuo de ilicitudes.

7) Teorias negadoras (o publicita Francês Léon Duguit e o autor alemão chamado Larenz): Dentre os autores que negam a existência de um direito subjetivo, nós encontramos duas referencias. O primeiro é Léon Duguit. Leoni Duiguit é um autor muito importante, não só para a teoria geral do direito, mas também para o direito público e o direito privado, porque Léon Duguit foi um juspublicista franc~es que desenvolveu seus estudos no final do século XIX, inicio do século XX, e que sustentou a idéia de um direito funcional, aqui não tenho como explorar muito esse conceito, mas Duguit é muito influenciado por um autor chamado Émile Durkheim, sociólogo importante do direito, e Duguit importa de Durkheim o conceito de solidariedade, ele diz o seguinte, que nas sociedade contemporâneas, vigora o modelo de solidariedade orgânica, cada indivíduo ou cada grupo de indivíduo executa uma determinada tarefa,

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tal como os órgãos do corpo humano, cada órgão desempenha uma função. Ora, Duguit partindo de Dwrkaime, sustentará que dentro de uma sociedade cada grupamento humano deverá desempenhar uma função para que essa sociedade se desenvolva de forma harmoniosa e equilibrada, daí porque sustentará Duguit, os indivíduos ou agrupamentos humanos não terão direito subjetivos, mas sim, terão funções a serem exercitadas para garantir o equilíbrio da sociedade. Vejam que Duguit contribui para a passagem do direito estrutural para o direito funcional. É ele que oferece o conceito do que nós entendemos como função social de propriedade. O conceito de função social da propriedade, conceito esse que foi transformado em principio, em diversas constituições desde o século XX, como a constituição mexicana e constituição alemã. O conceito de função social da propriedade é um conceito novo, porque ele nos permite visualizar que o proprietário não é o titular do direito, ele é sim, um individuo obrigado a cumprir uma função, produzir riqueza, gerar postos de trabalho e, conseqüentemente, garantir a distribuição dos bens em uma sociedade. Então, o proprietário não exercitaria, nessa visão, direitos subjetivos, mas sim uma função social de produção de riquezas e de distribuição social dessa riqueza no âmbito da comunidade.

e) Critérios de Classificação do Direito Subjetivo

Nos podemos diferenciar os direitos subjetivos em direitos subjetivos absolutos, eficácia (erga omnis) e direitos subjetivos relativos, eficácia (erga singulim).

Também iremos aqui tratar de uma classificação, embora hoje muito criticada, direitos subjetivos privados e direitos subjetivos públicos.

E também não podemos deixar de trata de uma classificação tradicional, de direitos subjetivos reais (in rem) e direitos subjetivos pessoais (in personam).

Direito subjetivo absoluto

Entende-se aqui como direito subjetivo absoluto aquele direito subjetivo, titularizado e exercido pelo sujeito ativo que se dirige à totalidade da comunidade jurídica, vale dizer, os direitos subjetivos absolutos são aqueles direitos sub que possuem eficácia erga omnis, contra todos, vale dizer, são aqueles direitos subjetivos exercitados por sujeito ativo que tem uma pólo correlato um sujeito passivo indeterminado. Ex. direito de propriedade, nessa acepção mais lógica, ele é descrito como um direito que toda coletividade deve respeitar, direito a vida, não no sentido de que não possa estabelecer condicionamentos estabelecidos pela norma jurídica, alguns sistemas jurídicos até prevê a pena de morte, mas nesse sentido lógico da teoria pura do direito, direito subjetivo é aquele que tem eficácia erga omnis, toda a coletividade jurídica deve respeitá-lo.

Veja que o direito subjetivo absoluto tem como dever jurídico correlatos deveres de omissão, de abstenção.

Direitos subjetivos relativos

São aqueles direitos subjetivos que são titularizados e exercidos diante de sujeitos passivos determinados. É por isso que esses direitos subjetivos relativos apresentam eficácia jurídica erga singulim, então, por exemplo, contrato de locação.

Nessas hipóteses de direito subjetivos relativos, os deveres jurídicos se manifestam, geralmente, através de ações de comportamentos positivos.

A diferença entre direitos subjetivos privados e públicos, embora muito criticada, ainda permanece utilizada pela ciência jurídica.

Direitos subjetivos reais

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São aqueles direitos que são exercidos tendo como base um bem implicando, em geral, das faculdades de usar, gozar, dispor desse mesmo bem. Nós não consideramos, contudo, que no exercício de direitos reais nós estejamos diante de uma relação de direito e coisa, não entendemos, por exemplo, que o direito de propriedade é um direito que se manifesta com relação ao direito e coisa, muito pelo contrário, o direito de propriedade é um direito real, mas também um direito absoluto, que tem como sujeito passivo a comunidade, não é uma relação sujeito e coisa, é uma relação sujeito e comunidade, que é obrigada a respeitar esse meu direito real.

Direitos pessoais

São aqueles direitos que se manifestam a partir de uma pretensão em face de uma pessoa, quando, por exemplo, alguém contrata os serviços de uma pintor e esse pintor se obriga a entregar o quadro.

d) Considerações finais:- A doutrina costuma chamar a atenção para o seguinte fato: se enxergamos o direito sob um ângulo mais psicológico, a tendência é dar relevância ao direito subjetivo.- Se adotarmos uma conclusão jusnaturalista (os seres humanos possuem direitos inalienáveis, independentemente de uma ordem estatal, de um poder soberano), esta será diferente da postura positivista, que diz que a única forma de direito que existe é o direito positivado pelo Estado. - A doutrina mais recente evita posicionamentos radicais. Eles buscam uma espécie de equilíbrio, dizem que é impossível conceber o direito subjetivo sem o direito objetivo.- Para os “jus naturalistas” o homem possui direitos independente de uma ordem estatal dizer que nós temos direitos. Enquanto uma postura positivista diz que a única forma de direito que existe é aquele direito positivado pelo Estado (fruto da vontade do Estado).- A doutrina mais recente busca uma posição de equilíbrio, dizendo que é impossível se conceber o direito subjetivo sem o direito objetivo. Na verdade eles estão ligados. É o que prevalece na doutrina. Nós só temos uma faculdade porque há um ordenamento jurídico que nos concede aquela faculdade. Na verdade, o que há entre direito objetivo e direito subjetivo é uma coimplicação (um conceito só existe por causa do outro). Não sendo possível se pensar em direito subjetivo que não seja concedido por normas de direito objetivo. Ambos os direitos são faces da mesma moeda. Tudo vai depender do ponto de vista (GARCIA MAYLES).

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2 FONTES DO DIREITO OBJETIVO. PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO. JURISPRUDÊNCIA E SUMULA VINCULANTE.

2.1 FONTES DO DIREITO OBJETIVO

- O direito é um termo plurívico. Cada uma das fontes de direito segue uma forma de poder.- Fonte é o nascedouro do fenômeno jurídico em sua dimensão normativa.- Fontes estatais (jurisprudência)/não estatuais (doutrina/costumes)

a) Fontes materiais do direito objetivo

São aqueles fatores políticos, econômicos e ideológicos que traduzem os valores e as necessidades sociais. Esses fatores influenciam a produção, a interpretação e a aplicação das normas jurídicas, vale dizer, as fontes materiais são portanto a matéria-prima para a confecção das normas jurídicas do direito objetivo. As fontes formais serão as normas jurídicas propriamente ditas do direito objetivo propriamente dito.

É a realidade social, a relação estabelecida entre os indivíduos, cabendo ao Direito regulamentar essas relações, por meio das normas jurídicas. Também são fontes materiais o Direito: (i) o Estado, que deve legislar impulsionado pela vida social com seus valores e fatores sociais; (ii) grupos sociais, que surgem a partir de seus anseios, como, por exemplo, uma norma criada internamente em um clube.

b) Fontes formais do direito objetivo

É o meio pelo qual a realidade social é tornada discurso jurídico. A doutrina, com alguma divergência, classifica as fontes formais em imediatas (ou primárias, a exemplo da lei e dos costumes) ou mediatas (ou secundárias, a exemplo da jurisprudência e da doutrina).

Elemento material da lei: (a) geral – obriga a todos os jurisdicionados, indistintamente; (b) abstrato - porque prevê casos em tese que abarcam variadas situações da vida social; (c) permanente – porque, uma vez validamente inserida no ordenamento jurídico, tem vocação de perdurar no tempo, observadas as regras de vigência e revogação da norma jurídica.

Elemento formal da lei: a lei, para que passe a integrar o ordenamento jurídico, deve obedecer a determinadas formalidades: iniciativa, debates, aprovação, sanção ou veto, promulgação e publicação.

Elemento instrumental da lei: a lei deve ser escrita para que seja de conhecimento de todos.

Constituem as manifestações normativas propriamente ditas do fenômeno jurídico. As fontes formais são os diversos modos de manifestação da normatividade jurídica.

b.1) Legislação: normas jurídicas em geral. Legislação é o conjunto de normas jurídicas emanadas do Estado, através de seus vários órgãos. Toda legislação emanada do Estado são legislação. O ordenamento jurídico é pensado sob a forma de pirâmide escalonada de normas. As normas de patamar inferior encontram sua validade nas normas de patamar superior. Todas as normas de um ordenamento jurídico terão um fundamento único de validade a Constituição Federal. Kelsen introduz uma ideia que leva estudantes de direito à pesadelos, que é a norma fundamental. Se quisermos analisar o direito de um modo científico e lógico, precisamos incluir a ideia de norma fundamental. Essa ideia está ligada ao modo como Kelsen construiu o seu pensamento. Está relacionada com a filosofia que constituía a base do pensamento de Kelsen. Kelsen não se limitou à isso, havia uma filosofia na base disso. Kelsen considerava que o fundamento de validade da constituição vigente seria a constituição anterior. O fundamento da primeira constituição seria a norma fundamental. A norma fundamental diz que a coletividade é obrigada a obedecer as normas estabelecidas pelo poder constituinte.

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Com relação à lei, podemos também classificar as normas legislativas de três modos:

- Leis codificadas. Códigos são as leis dotadas de maior sistematização, é uma lei que trata de forma genérica diversos aspectos da convivência humana em sociedade. São produtos de uma racionalidade jurídica caracterizando-se por apresentar um alto grau de coerência interna de seus dispositivos, geralmente estruturados de forma lógico-dedutiva, de uma parte geral, segue-se para uma parte especial. É o que sucede, por exemplo, com o Código Civil brasileiro.

- Leis consolidadas. A consolidação já apresenta um menor grau de sistematização. Como se forma uma consolidação? Vejam só, enquanto o Código é produzido de uma só vez, geralmente por um Parlamento, a partir de um projeto discutido por jurisconsultos, a consolidação é um produto da justaposição de diversas leis preexistentes. Ou seja, diversas leis preexistentes são justapostas para se produzir uma consolidação. É como se o legislador recortasse dispositivos legais preexistentes para convertê-los na produção de uma dada consolidação. Como exemplo, a CLT. Existiam leis esparsas que foram justapostas e reunidas a fim de que fosse possível sistematiza-las razoavelmente. A consolidação muitas vezes não apresenta a mesma coerência interna de um código, porque nesse processo de justaposição, de recorte de leis esparsas é possível que as normas justapostas entrem em contradição, seja porque usam terminologia diferente, seja porque estabelecem orientações comportamentais diferentes.

- Leis extravagantes. Ou esparsas. São leis com um sentido e alcance mais específico, que regulam aspectos setoriais da convivência humana em sociedade. São capilarizações legislativas dos diversos setores da convivência humana em sociedade, geralmente desdobrando o conteúdo de códigos e consolidações, embora muitas vezes com a mesma hierarquia. Por exemplo, temos o Código Civil, que é um diploma legislativo de maior generalidade, mas temos também no próprio direito privado leis extravagantes ou esparsas que tratam de setores específicos da convivência humana: lei do divórcio, lei da união estável, lei do inquilinato, Estatuto da Cidade. Temos também o Código Penal, e ao seu lado leis extravagantes a exemplo da Lei de Crimes Hediondos, que criou o Regime Disciplinar Diferenciado, a Lei Maria da Penha.

b.2) Doutrina: Se legislação provém de lex, doutrina provém de um termo latino doctrina, vinculado ao verbo “ensinar”. A doutrina é o conjunto de obras, artigos e pareceres dos grandes doutores da ciência jurídica. É aquela fonte do direito que expressa a produção científica dos jurisconsultos, os grandes estudiosos do direito. Trata-se de uma fonte não estatal e escrita do direito objetivo. O prestígio da doutrina vem sendo afirmado historicamente desde o Império Romano. Já em Roma os imperadores reconheciam o pensamento de grandes jurisconsultos como sendo normas dotadas de força de lei.

A doutrina é fonte do direito objetivo? Alguns autores negam essa possibilidade, como o professor Miguel Reale, para quem a doutrina não pode ser considerada fonte do direito objetivo, pois segundo ele a doutrina não teria dimensão normativa, porque não seria capaz de vincular o comportamento humano em sociedade. Poderíamos dizer nesse sentido que um cidadão deixaria de cumprir um dever jurídico porque o professor Orlando Gomes escreveu em seu livro Direito Civil que determinado dever ou direito subjetivo deve ou deveria ser exercido. Um livro, um artigo científico, um parecer, não teria capacidade imperativa de orientar o comportamento humano em sociedade. Entretanto, entendemos que a doutrina é no mínimo uma fonte indireta do direito objetivo, porque inspira o trabalho dos legisladores, o trabalho dos constituintes, e sobretudo a própria prática dos tribunais, e consequentemente a própria produção jurisprudencial. E por que pode ser considerada uma fonte indireta? Porque serve como elemento de convencimento, seja para o Poder Constituinte que produz a Constituição, seja para o Poder Legislativo que produz uma lei, seja para o Poder Judiciário, que produz uma decisão judicial. Isso porque a doutrina corporifica

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aquilo que dentro da retórica jurídica nós chamamos de argumento de autoridade, o prestígio pessoal e científico do doutrinador são elementos que influenciam sobretudo o Poder Judiciário na interpretação e aplicação das normas do direito objetivo diante do caso concreto. No mínimo porque ao citarmos, numa peça processual, o pensamento de um jurisconsulto, ou anexarmos um parecer, geramos um ônus retórico para que o magistrado venha a se posicionar e eventualmente confirmar ou desconfirmar o pensamento doutrinário. É como se a doutrina projetasse o mundo retórico. O magistrado, ao examinar o pensamento de um doutrinador (argumento de autoridade), terá o ônus de argumentar, seja no sentido de recepcionar sua idéia, seja no sentido de desconfirmar. A doutrina, portanto, sinteticamente falando, constitui aquilo que os romanos chamavam de comunis opinio doctorum, vale dizer, a comum opinião dos doutos, ou seja, dos grandes conhecedores do direito (Prof. Ricardo Maurício).

b.3) Costume Jurídico: É uma fonte não escrita e não estatal do direito que se constitui a partir da reiteração de práticas sociais acrescidas da convicção da sua necessidade jurídica, vale dizer, os costumes jurídicos em última análise, provêm do campo moral, mas não podemos identificar o costume moral com o costume jurídico, porque o costume jurídico é capaz de estabelecer a exigência do cumprimento do dever jurídico. Por exemplo, no Brasil há um costume das pessoas quando convidadas para uma festa de aniversário de levar o presente. Isso é um costume moral, não se pode exigir que alguém leve o presente. Isso não sucede com o costume jurídico, que estabelece a exigência do cumprimento do dever jurídico correlato, pode ser uma fonte do direito objetivo capaz de permitir exercer o direito subjetivo de exigir o cumprimento de um dever jurídico correlato.

Devemos examinar dois elementos:

* Elemento objetivo: A reiteração dos comportamentos sociais, das práticas sociais admitidas como dotadas de juridicidade.

* Elemento subjetivo: Convicção pela comunidade jurídica da força normativa do costume. É a consciência da obrigatoriedade jurídica. Para que o costume que brota da moral possa ser considerado costume jurídico, capaz de regular bilateralmente as relações sociais, estabelecendo direitos subjetivos e deveres jurídicos correlatos, mister se faz que haja reiteração de práticas sociais e a convicção da sua obrigatoriedade jurídica. É o que aconteceu com o cheque pré-datado.

Classificação dos costumes

* Costumes praeter legem: É o costume que suplementa a lei, servindo como elemento de integração para o preenchimento das lacunas legais. Ex.1: art. 4º, da Lei de Introdução do Código Civil: Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Ex.2: art. 126 do CPC. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito – princípio da proibição do non liquet. Ou seja, julgador não pode deixar de julgar, imagina se isso acontecesse, nós viveríamos num caos completo, porque o direito é a última instância normativa no controle social.

* Costumes secundum legem: É previsto e exigido diretamente pelo legislador. O legislador expressamente direciona o intérprete na busca dos costumes para a compreensão da norma legal. Ex.: art. 113, Código Civil: Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.

* Costumes contra legem: Seria uma espécie de costume ab-rogatório, um costume que teria o condão de cessar a validade da lei, e de obstaculizar a produção de seus efeitos. Será que o costume pode fazer cessar a validade da lei e represar os seus efeitos jurídicos? Será que a

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perda da efetividade, da eficácia social da lei, podem comprometer a sua eficácia jurídica? Depende da perspectiva. Numa perspectiva positivista, não, somente lei pode revogar outra lei. Numa perspectiva mais crítica ao positivismo, mais de base realista (realismo jurídico), que valoriza mais o mundo do ser em detrimento do mundo do dever ser do direito, e aí podemos citar como exemplo a Escola Histórica de Savigny, o sociologismo americano de Holmes, de Frank, o realismo escandinavo de Alf Ross. As correntes realistas já admitem a possibilidade do costume ab-rogatório da lei. Se houver uma questão objetiva em concurso, devemos responder que o Brasil não contempla o costume ab-rogatório, porque normativamente não existe menção expressa a essa possibilidade. Se eventualmente, a prova for aberta, podemos fazer essas colocações, porque o costume acaba interferindo na validade da lei. Por exemplo, o jogo do bicho, em Salvador, você encontra casa de aposta de jogo do bicho em todos os locais, e é uma contravenção penal. Parece que o costume já revogou a lei, já cessou a sua validade jurídica nesse aspecto.

b.4) Negócio Jurídico:É a fonte não estatal do direito que exprime todos os acordos de vontade capazes de estabelecer direitos e deveres jurídicos. Vale dizer, o negócio jurídico se refere ao reconhecimento do poder negocial dos particulares, estando portanto ligado à idéia da autonomia privada. Ex.: contratos civis, comerciais, trabalhistas, convenções e acordos coletivos de trabalho. Há inclusive uma tendência muito grande no direito contemporâneo de limitação da autonomia privada. É o fenômeno da publicização do direito privado, já que cada vez mais o legislador estabelece limites para o exercício da autonomia privada. Isso é límpido no direito civil brasileiro com o advento do CC/2002, a autonomia privada é condicionada por princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana, igualdade, e infraconstitucionais previstos no CC, como a boa-fé, equilíbrio contratual, proibição do enriquecimento sem causa, que procuram atrelar o direito privado ao atendimento da supremacia do interesse público, geralmente na tutela das partes economicamente mais fracas na celebração de negócios jurídicos.

b.5) Poder normativo dos grupos sociais: São todas aquelas normas produzidas por agrupamentos humanos da sociedade, vale dizer, nós não podemos incorrer no equívoco positivista de imaginar que somente o Estado produz o direito objetivo (monismo jurídico). Isso não é certo. O direito objetivo não é produzido só pelo Estado, e sim pelo conjunto da sociedade, temos a doutrina, os costumes, como vimos, mas também o direito objetivo é produzido no âmbito de instituições sociais que criam micro-ordenamentos jurídicos. Então, além do macro-ordenamento jurídico produzido em última análise pelo Estado, coexistem micro-ordenamentos jurídicos produzido no âmbito de instituições ou agrupamentos humanos. Ex.: regulamentos de empresas, as grandes empresas têm regulamentos, normas que estabelecem direitos e deveres para os funcionários, padrões de relacionamento das empresas com clientes. Outro exemplo são as convenções condominiais, expressão normativa do poder dos grupos sociais na regulação interna de suas relações. As convenções estabelecem a competência do síndico, da assembléia, do conselho fiscal, os direitos e deveres dos condôminos. Por isso devemos em sede do poder normativo dos grupos sociais reconhecer a importância do pluralismo jurídico.

2.2 PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO

Na era pós-positivista, podem ser considerados fontes do direito objetivo.

- Princípios:- Princípios são o conjunto das proposições diretoras as quais todo desenvolvimento superior é subordinado.- O direito se desenvolve a partir de determinadas bases que são chamadas de princípios gerais do direito.

- Princípios gerais de direito:

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- São enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, que para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas. Os princípios gerais de direito são na concepção mais moderna, geradores de normas jurídicas. Exemplos: boa-fé, enriquecimento sem causa, função social da propriedade, preservação da autonomia da instituição familiar, princípio do pacta sunt servanda.

Os princípios gerais do direito são proposições normativas que corporificam os mais altos valores do sistema jurídico, potencializando a criação, a interpretação e a criação de direito mais justo. São, portanto normas que aproximam o direito da moralidade social, tendo em vista a realização da justiça. Exemplo: principio da igualdade, principio da dignidade da pessoa humana, principio da liberdade, principio da presunção de inocência, da proibição de enriquecimento sem causa, do equilíbrio contratual, da legalidade etc. Enfim, os princípios jurídicos, ou princípios gerais do direito, constituem os alicerces valorativo e teleológico de toda a normatividade jurídica.

- Características:

1) São vagos, imprecisos2) Fundamentais na interpretação e aplicação do direito3) São usados na integração4) São importantes na evolução do direito5) Explícitos ou implícitos

- O direito tem a sua origem em alguns fatores, podem ser fatores políticos ou ideológicos. As fontes dos princípios gerais de direito são múltiplas. Elas seriam:

a) Próprio ordenamento jurídico: há entre as diversas normas jurídicas relações. As relações fazem com que o próprio funcionamento lógico do ordenamento jurídico crie princípios que dizem como o ordenamento funcionará.

b) Ideias políticas e sociais vigentes: interferem diretamente na formação dos princípios gerais de direito.

c) Substrato comum ao direito de todos os povos: há determinadas normas jurídicas que nós vamos conseguir encontrar em qualquer ordenamento jurídico.

d) Direito natural: ideia de justiça, seria um direito justo e universalmente válido em qualquer momento histórico.

Fala-se hoje no pós-positivismo, sobretudo a partir da positivação dos princípios, na diferença entre regras e princípios.

As normas regras seriam normas que descreveriam situações especificas e determinadas, aplicando-se através de uma atividade através de subsunção. Por exemplo, artigo 40 da CR, estabelece que a idade da aposentadoria compulsória, será de 70 anos. Seu José atinge a idade de 70 anos, logo seu José deverá se aposentar compulsoriamente.

A aplicação das regras a partir da subsunção não exige grandes esforços hermenêuticos.

Os princípios jurídicos eles se aplicam não por subsunção, mas por concretização. Princípios como normas que corporificam os mais altos valores da aplicação da justiça, requerem para sua aplicação, uma atividade criadora e positiva do interprete do direito.

É o que ocorre, por exemplo, com a aplicação do principio da dignidade da pessoa humana. O intérprete pode aplicar o principio da dignidade da pessoa humana, no direito constitucional, no direito civil, no direito comercial, no direito tributário. Haverá, portanto um espaço interpretativo muito maior para que o interprete possa conciliar legalidade com legitimidade.

Não se admiti-se, portanto uma postura neutra, e distante dos fatos e valores socias. É por isso que hoje vivemos uma era principiologica que valoriza o ativismo judicial e a utilização de princípios como formas normativas capazes de realizar um direito mais justo.

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Hoje, falamos não somente na função supletiva do principio, mas também numa função fundamentadora, já que os princípios instituíram a criação de leis, de atos administrativos, de decisões judiciais.

Assim também, os princípios desempenham uma importante função hermenêutica, estabelecendo o norte para a interpretação e aplicação das demais normas do sistema jurídico, é o que ocorre com o já citado principio da dignidade da pessoa humana, que serve como filtro hermenêutico para a aplicação de todas as normas do sistema jurídico brasileiro, dentro dessa idéia da constitucionalização do direito.

Entende-se, portanto, que hoje, princípios devem ser levados a serio, como diria Ronald Dworkin, sendo portanto dotado de plena eficácia jurídica.

2.3 JURISPRUDÊNCIA E SÚMULA VINCULANTE

A jurisprudência é uma fonte estatal do direito objetivo produzida pelo poder judiciário. A jurisprudência nada mais do que reiteração de decisões judiciais no mesmo sentido, formando um padrão interpretativo que inspirará futuros julgamentos. Ela vai se formando a partir da reiteração de decisões judiciais prolatadas num mesmo sentido por uma mesma orientação hermenêutica. Ao lado dos costumes, a jurisprudência atua como uma das mais importantes fontes dos sistemas jurídicos anglo americano, do sistema de commom law, entretanto, a sua importância vem também sendo reconhecida nos sistemas romano germânico, a exemplo do sistema jurídico brasileiro.

Jurisprudência é a forma de revelação do direito que se processa através do exercício da jurisdição, em virtude uma sucessão harmônica de decisões dos tribunais. Atualmente a jurisprudência tem ganhado cada vez mais importância dentro do direito. O direito moderno é construído sob o pressuposto de que ao juiz cabe tão somente aplicar a legislação feita pelo parlamento. Atualmente a concepção é no sentido de que o juiz cria norma jurídica, porque a norma jurídica é interpretação de um texto legislativo. A interpretação que vincula é a interpretação do juiz.

A jurisprudência cumpre um papel importante no que se refere à segurança jurídica. Quem aplica a legislação são os juízes e os tribunais e os afetados pela aplicação da lei são os cidadãos. Que não é do direito não consegue aceitar e compreender o fato de um juiz pode decidir num sentido e outro juiz pode decidir num outro sentido. Em certa medida, a sociedade precisa ter uma segurança de como as normas jurídicas serão aplicadas. Precisam saber qual será o resultado de determinada lide, como os tribunais costumam tratar aquele problema. Se não temos segurança a respeito de como determinada questão será tratada daqui algum tempo, não seremos capazes de planejar adequadamente nossas vidas. A jurisprudência reflete o modo como os tribunais veem e aplicam o direito. Há um esforço que inclusive é notado na própria legislação e nos códigos no sentido de uniformizar a jurisprudência. A uniformização gera uma maior segurança jurídica (artigos 476 a 479 do CPC).

Alguns autores costumam mencionar que a jurisprudência também uma função psicológica, no sentido de que ela busca por parte da comunidade jurídica, uma adesão a determinada tese. Além disso, a jurisprudência tem função psicológica porque busca desestimular o juiz de primeira instância a decidir em dissonância com a jurisprudência dos tribunais.

Jurisprudência: tradução literal do latim: prudência da justiça. É o conjunto de decisões reiteradas de um Tribunal, tratando de determinado tem. É da análise dos casos em concreto e de decisões do mesmo sentido que surgirá a jurisprudência. Em nosso sistema, apenas as decisões reiteradas dos tribunais podem ser consideradas como fonte de direito. Ao contrário da lei, a observância de jurisprudência não é obrigatória. No entanto, nos últimos tempos, o próprio ordenamento jurídico vem conferindo força de lei a determinadas súmulas de Tribunais

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Superiores. Exemplo: art. 518, §1º: o juiz não conhecerá de recurso de apelação quando a decisão estiver de acordo com súmula do STF ou do STJ.

As súmulas são técnicas de uniformização de jurisprudência. Nada mais é do que a produção de uma interpretação jurídica por um dado tribunal, acerca de uma determinada questão controvertida após reiteradas decisões sobre uma mesma matéria. Toda vez que houver reiteradas decisões sobre uma mesma matéria os tribunais podem corporificar seus entendimentos pretorianos, publicando súmulas. As súmulas uniformizam a jurisprudência, e estabelecem, portanto, de forma mais clara, de forma mais precisa o posicionamento jurisprudencial dos tribunais. No Brasil, o direito sumular vem adquirindo cada vez maior relevo, na medida em que as diferenças entre o sistema de Civil Law e o sistema de Common Law vem sendo superado.

A súmula vinculante é uma súmula de força obrigatória em toda comunidade jurídica, que permite ao STF uniformizar o seu posicionamento jurisprudencial obrigando, assim, todos os órgãos do poder judiciário e a administração publica federal, estadual e municipal. A súmula vinculante foi concebida para desafogar o tramite processual brasileiro e compelir maior segurança e celeridade às decisões judiciais, sobretudo no âmbito do STF. Trata-se portanto de um instituto importado dos sistemas jurídicos anglo americana, particularmente dos sistemas inglês e norte americano. Nós não podemos confundir sumulas vinculante com sumulas tradicionais ou persuasivas. As súmulas tradicionais ou persuasivas são aquelas súmulas que não possuem a mesma força obrigatória das súmulas vinculante, mas que na pratica influenciam os juízes e tribunais na interpretação e aplicação do direito.

Súmula vinculante tem natureza de lei pela sua generalidade? Súmula vinculante não pode ser considerada lei em sentido amplo, porque embora a sumula vinculante tenha força obrigatória e embora seja um comando normativo genérico, a sumula vinculante é produzida a partir de reiteração de decisões judiciais, ou seja, tem uma base jurisprudencial. Além disso, a súmula vinculante não pode inovar a ordem jurídica como sucede com a legislação. O advento das súmulas vinculantes representam a aproximação do direito brasileiro com a common law. O direito brasileiro pertence à tradição civil law. Para a civil Law, a fonte primordial do direito é a legislação. A common law se estrutura de modo diferente, a fonte primordial do direito são as decisões judiciais. As súmulas vinculantes representam uma espécie de positivação de algo que é chamado de costume jurisprudencial.

ARGUMENTOS FAVORÁVEIS ARGUMENTOS DESFAVORÁVEIS

Celeridade processual. Ofende o devido processo legal

Segurança jurídica Ofende a separação de poderes

Realiza o princípio da igualdade Fere o princípio federativo

Torna o acesso à justiça mais efetivo Automatização da magistratura

Petrificação da ordem jurídica

Há quem fale da oportunidade que é oferecida para pressões políticas e econômicas, vejam o caso da súmula n. 11, é a súmula referente ao uso das algemas.

Risco de SV inconstitucional.

Risco de inflação sumular

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3 EFICÁCIA DA LEI NO TEMPO. CONFLITOS DE NORMAS JURÍDICAS NO TEMPO E O DIREITO BRASILEIRO: DIREITO PENAL, CIVIL, CONSTITUCIONAL E DIREITO DO TRABALHO.

Direito Intertemporal

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a) Definição: - Direito intertemporal trata dos critérios utilizados pela ciência jurídica para solucionar o conflito de leis no tempo. Uma vez editada uma nova norma jurídica, o que há de se fazer com as situações anteriores à norma recém-editada? Quando uma norma é revogada, isso significa que ela perde vigência. O fato de ela perder vigência significa que ela deixa de ser aplicável. No entanto, embora a norma perca a vigência, não necessariamente ela perde a eficácia. Uma norma pode ser revogada e mesmo assim, ela continua regendo as situações que decorriam da época em que ela se encontrava vigente. Mas na nova norma pode surgir a pretensão se regular situações anteriores à ela. A doutrina costuma distinguir dentro do direito 03 tipos de situação quando uma lei nova entra em vigor. As situações são:

1) Situações jurídicas pretéritas: são situações iniciadas e findas sob a vigência de uma mesma lei.

2) Situações jurídicas pendentes: são situações iniciadas antes da vigência da lei nova, mas que perduram mesmo após a lei nova se tornar vigente.

3) Situações jurídicas futuras: já se iniciam sob a vigência da lei nova.

b) Critérios para solucionar o conflito de leis no tempo:1) Disposições transitórias: buscam lidar com os conflitos que poderão surgir, aparecer

a partir do confronto da nova lei com a lei antiga. Em tese as disposições transitórias, tem disposições com vigência temporária.

2) Princípio da irretroatividade das leis: diz que em regra, uma legislação nova valerá ex nunc (de agora em diante). Esse princípio da irretroatividade pode ser encontrado na legislação duas normas importantes para compreender como deve ser adequadamente entendida a ideia do princípio da irretroatividade.

- Artigo 6° da LINDB: “A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.” – o efeito imediato quer transmitir a ideia contida no princípio da irretroatividade. Mas esse artigo deve ser interpretado em consonância com o artigo 5°, XXXVI da CF: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.” – essa disposição esteve presente em todas as constituições, com exceção da Constituição de 1937. Pela interpretação dessas duas normas, a conclusão a que a doutrina chega a respeito do princípio da irretroatividade das leis é de que: a irretroatividade das leis não é absoluto. O princípio da irretroatividade não deve ser compreendido no sentido de que uma lei nunca poderá retroagir. O princípio da irretroatividade diz que a lei até poderá retroagir, a condição para que ela retroaja é desde que ela não viole direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada (ADI 605, Min. Celso de Mello).

c) Critérios para a aplicabilidade do princípio da irretroatividade:

- Critérios apontados por Maria Helena Diniz:1) As leis interpretativas são retroativas. As leis interpretativas são a interpretação

autorizada de determinada lei.2) O princípio da irretroatividade vale tanto no direito privado quanto no direito público.3) Trata do direito processual e diz que no direito processual, vigora a regra do tempus

regit actum – a legislação processual tem aplicação imediata. 4) No direito penal e no direito tributário, as leis mais favoráveis ao réu e ao contribuinte

retroagem5) As normas que se referem ao estado e à capacidade das pessoas, aplicam-se

imediatamente. 6) Os direitos obrigacionais regem-se pela lei do tempo em que se constituíram.7) O direito dos herdeiros são regulados pela lei vigente à época da abertura da

sucessão.

Vademecum Humanístico, RT, p. 50-51:

Vigência das leis no Tempo: De acordo com o art. 1º da LINDB, a lei passa a vigorar, em todo o pais, 45 dias depois de oficialmente publicada, salvo disposição em contrário.

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A disposição contrária deve ser expressa, como ocorreu, por exemplo, no CC/2002, art. 2044, que determinou prazo de 01 ano entre a sua publicação e posterior vigência. A este prazo denominamos vacatio legis.

Importante: nos termos do § 1º, art. 1º da LINDB, nos estados estrangeiros, quando a lei brasileira for admitida, a vacatio legis entre a publicação e a vigência é de 3 meses.

Havendo nova publicação de lei ao longo da vacatio legis, com a finalidade de corrigir o texto, os prazos mencionados passam a correr da nova publicação (art. 1º, § 3, da LINDB). Se a lei já estiver em vigencia, sua correção é considerada lei nova, nos termos do § 4º, do art. 1º da lei.

A LC 95/98, em seu art. 8º, § 1º, estabelece que a contagem do prazo das leis que estabelecem vacância far-se-á computando o dia da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral.

Prazo de vigência: de acordo com o art. 2º da LICC, não se destinando a vigência temporária, a lei permanece em vigência até que lei nova a modifique ou revogue. É o princípio da continuidade das normas. Podemos citar as Leis orçamentárias como leis que se destinam a vigência temporária.

Revogação: Significa tornar sem efeito uma norma, retirando sua obrigatoriedade. A revogação é termo amplo, que abrange dois outros termos: ab-rogação, que é a supressão total da norma anterior; e derrogação, quando torna sem efeito apenas uma parte da norma.

Importante: Não obstante a disposição contida no § 1º do art. 2º da LINDB, falando-se em revogação expressa ou tácita, com o advento da já mencionada Lei Complementar 95/98, em seu art. 9º determina que haja cláusula de revogação enumerando expressamente as disposições revogadas.

Repristinação. O fato de a lei revogadora deixar de ter vigência, não torna vigente a lei revogada anteriormente, salvo disposição contrária, nos termos do § 3º, do art. 2º da LINDB.

Direito intertemporal. A lei válida e em vigor é plenamente aplicável até que nova lei a revogue. No momento da revogação e vigência de nova norma, temos o que se convencionou chamar direito intertemporal que analisa os casos ocorridos entre o limite de ambas.

Embora a lei nova tenha efeito imediato deve respeitar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. É o que se depreende da leitura conjugada do art. 5º, XXXVI da CF/88 e o art. 6º, § 2º da LINDB e o que chamamos de princípio da irretroatividade das leis.

Direito adquirido é aquele já incorporado à esfera jurídica da pessoa, quer ao setor patrimonial (também conhecido como patrimônio), quer ao setor não patrimonial (os direitos e deveres não patrimoniais, inclusive os direitos de personalidade). É assim que, em matéria processual, por exemplo, se nova lei mudar o prazo de interposição de recurso já em contagem, o prazo será da lei anterior. No entanto, se, por exemplo, antes de prolação de sentença, o prazo para interposição de recurso contra ele for alterado por lei nova, o prazo será o por esta determinado, uma vez que neste caso haveria, apenas, expectativa de direito.

Ato jurídico perfeito e coisa julgada são fenômenos relacionados com os direitos adquiridos, sendo o primeiro aquele já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou (art. 6º, § 1º da LINDB) e o segundo decisão judicial da qual não caiba mais recurso (art. 6º, §3º, da LINDB).

No Direito Penal vigoram dois princípios: 1 irretroatividade da lei mais severa e 2. Retroatividade da lei mais benéfica.

Direito constitucional (Dirley da Cunha Júnior, Curso de Direito Constitucional, 3ª Ed. p. 148): “ocorre a vacatio constitutionis quando houver lapso temporal que medeie a publicação de norma constitucional e sua entrada em vigor. Na constituição de 1967 houve período de vacatio. A vacatio constitutionis não é um fenômeno comum nas Constituições brasileiras e no

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constitucionalismo universal, mas sua natureza não difere da vacatio legis em geral. Nesse período, a nova Constituição não regula nada, pois continuam em vigor a Carta Política antiga. Em consequência disso, como afirma José Afonso da Silva, toda `lei ordinária que tenha sido criada no período da vacatio constitutionis será inválida se contrariar norma constitucional existente, mesmo quando esteja de acordo com a constituição já promulgada, mas ainda não em vigor. Num sentido inverso, pontifica o autor que as leis e demais atos normativos que porventura tenham sido elaborados no período de vacatio constitutionis, em conformidade com os preceitos constitucionais vigentes valem enquanto durar a vacatio, porém ficam revogados, por inconstitucionais, com a entrada em vigor da nova Constituição, desde que não se conformem com os ditames materiais desta.”

Direito civil (Direito civil esquematizado, Carlos Roberto Gonçalves, 2011, p. 81): “Conflito de leis no tempo:1. Introdução: As leis são elaboradas para, em regra, valer para o futuro. Quando a lei é modificada por outra e já se haviam formado relações jurídicas na vigência da lei anterior, podem instaurar-se o conflito de leis no tempo. A dúvida dirá respeito à aplicação ou não da lei nova às situações anteriormente constituídas. Para solucionar tal questão, são utilizados dois critérios: o das disposições transitórias e p da irretroatividade das normas.2. O critério das disposições transitórias.Disposições transitórias são elaboradas pelo legislador no próprio texto normativo, destinadas a evitar e a solucionar conflitos que poderão emergir do confronto da nova lei com a antiga, tendo vigência temporároa. O CC de 2002, por exemplo, no livro complementar ‘das disposições finais e transitórias’ (arts. 2.028 a 2.046), contém vários dispositivos com esse objetivo, sendo de se destacar o art. 2.028, que regula a contagem dos prazos quando reduzidos pelo novo diploma, e o art. 2.035, concernente à validade dos negócios jurídicos constituídos antes da sua entrada em vigor.

Preceitua este dispositivo:‘Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução.Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.’

Como não poderia deixar de ser, as regras do CC 2002 sobre a validade dos negócios jurídicos não se aplicam aos contratos celebrados, cumpridos e extintos antes da sua entrada em vigor. Aplica-se-lhes a lei do tempo em que foram celebrados. Desse modo, se determinado negócio foi concretizado na vigência do CC de 1916, porém maculado em virtude do vício da simulação, a consequência deverá ser a sua anulabilidade, com base no art. 147, II, do aludido diploma, e não a sua nulidade, como inova o art. 167 do CC/2002. Mas os efeitos (eficácia) dos negócios e atos jurídicos em geral, iniciados porém não completados, regem-se pela lei nova, reconhecendo-se os elementos essenciais que se realizarem com validade conforme a lei anterior. No p.u., o dispositivo privilegia os preceitos de ordem pública relativos à proteção da propriedade e dos contratos, assegurando a sua função social.

3. O critério da irretroatividade das normas. Irretroativa é a lei que não se aplica às situações constituídas anteriormente. É um princípio que objetiva assegurar a certeza, a segurança e a estabilidade do ordenamento jurídico positivo, preservando situações consolidadas em que o interesse individual prevalece. Entretanto, não se tem dado caráter absoluto, pois razoes de política legislativa podem recomendar que, em determinada situação, a lei seja retroativa, atingindo efeitos dos atos jurídicos praticados sob o império da norma revogada. Por essa razão, no direito brasileiro a irretroatividade é a regra, mas admite-se a retroatividade em determinados casos.

4. A teoria subjetiva de Gabba. A CF/88, art. 5º, XXXVI, e a LINDB, afinadas com as tendência contemporâneas, adotaram o princípio da irretroatividade das leis como regra e o da retroatividade como exceção. Acolheu-se a teoria subjetiva de Gabba, de completo respeito ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada. Assim, como regra aplica-se a lei

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nova aos casos pendentes (facta pendentia) e aos futuros (facta futura), só podendo ser retroativa, para atingir fatos já consumados, pretéritos (facta praeterita), quando;não ofender ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada;quando o legislador expressamente mandar aplicá-la ao caso pretérito, mesmo que a palavra retroatividade não seja usada.

TEORIA DE GABBA E DE ROUBIER

A TEORIA DE GABBA, seguida por Clóvis, Carvalho Santos, Paulo Lacerda, entre outros, destaca um aspecto importante da aquisição do direito. Direito adquirido, na expressão de Pontes de Miranda, é irradiação de um fato jurídico. Não se incluem as expectativas e as faculdades, que são regidas pela lei nova, consoante Espínola. Por faculdades se definem, conforme Crome, os direitos gerais fundados sobre a lei . (Apud ESPÍNOLA. Sistema do Direito Civil Brasileiro . p. 205, citado por HOLANDA, Edinaldo de. Site: http://edinaldodeholanda.com, Acesso em 30/01/2008). Em nosso ordenamento observamos influência da supracitada teoria na seguinte assertiva:" (...) ou condição preestabelecida inalterável ao arbítrio de outrem "(parte final do § 2º do artigo 6º da LICC). Desse modo, adotamos a TEORIA DE GABBA em sua essência, qual seja a impossibilidade de alteração ou supressão do direito adquirido, ainda que esse o titular desse direito não se tenha manifestado interesse em garanti-lo, eis que já o possuía independentemente de prévia manifestação de vontade.O ilustre Ministro Aldir Passarinho, ao proferir seu voto no RE 105.812-PB (2ª Turma, unânime, RTJ, 119/1232), se posicionou no sentido de que" a norma constitucional beneficiou os que até a data prevista haviam complementado o requisito temporal. O direito já o possuía ele. Apenas o seu exercício que ficou dependendo de vaga do cargo titular. E é o que, como salienta o parecer da douta Procuradoria-Geral da República, resulta do § 2º do art. 6º da lei de introdução ao Código Civil (...)." Dessa forma, quanto ao conflito de leis no tempo, a doutrina e a jurisprudência adotam mecanismos de retroatividade como forma de evolução da Teoria de Gabba (teoria subjetiva que se apóia no respeito ao direito adquirido).Em suma, a Teoria Subjetiva de Gabba, que se apóia no respeito ao direito adquirido, discorre acerca do conflito intertemporal e entende que a lei nova pode retroagir, desde que tenha como limite o direito adquirido.Fonte: LFG

"É oportuno lembrar que tanto a teoria de Gabba quanto a de Roubier influenciaram o direito pátrio. A Lei de Introdução ao Código Civil de 1916 era manifestamente influenciada pelos subjetivistas de Gabba, enquanto que LICC de 1942 orientou-se pela corrente objetivista de Roubier. Porém, com a alteração procedida pela lei 3.238 de 1957, a LICC de 1942 retomou suas feições subjetivistas, abandonando Roubier."

A principal corrente adversária à teoria subjetivista de Gabba é a teoria objetivista de Paul Roubier, que emprega como critério de exclusão de retroatividade legal a noção de “situação jurídica”, ao invés da concepção de direito adquirido. Do ponto de vista prático, a doutrina de Roubier afigura-se menos reverente em relação às posições jurídicas consolidadas no passado, na medida em que admite, ao contrário da teoria de Gabba, a chamada “retroatividade mínima” da lei – que para Roubier não configurava autêntica retroatividade, mas “efeito imediato” da nova lei -, possibilitando assim que as normas editadas incidam sobre efeitos futuros atos jurídicos praticados antes delas. Veja-se ROUBIER, Paul. Le DroitTransitoire. Paris: Dalloz, 1960.

"Ao tratar da aplicabilidade da lei, Roubier faz a seguinte distinção entre efeito imediato e efeito retroativo da lei: se a lei prever a possibilidade de atingir fatos ocorridos no passado, então ela será retroativa, mas se sua incidência for somente nos fatos futuros, será de efeito imediato.

Apesar da simplicidade inicial que o raciocínio apresenta, Roubier, em seguida, faz uma distinção mais detalhada entre os fatos a serem atingidos pela lei nova, que pode ser assim

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exposta:

factapraeteria: se a lei pretende se aplicar aos fatos realizados no passado, será retroativa; factapendentia: se a lei pretende se aplicar às situações em curso, convirá estabelecer uma separação entre as partes anteriores à data da modificação da legislação, estas que não poderão ser atingidas sem retroatividade, e as partes posteriores, para as quais a lei nova não terá efeito senão imediato; facta futura: se a lei se aplicar somente aos fatos a ocorrer, será, por óbvio, irretroativa.

As colocações acima expostas resumem aquilo que veio a ser definido como Teoria Objetiva da Situação Jurídica, através da qual é possível dar efeitos retroativos para a lei – influindo sobre situações jurídicas constituídas e ato jurídico perfeito – por meio de uma mera referência no texto legal a respeito deste caráter extunc. (...)A maior crítica de Roubier à Doutrina Clássica (Subjetiva) do Direito Adquirido diz respeito aos contratos e aos efeitos que uma lei retroativa causaria nestes e, destarte, em todo o ordenamento jurídico. Ao retroagir em situações jurídicas pendentes, como contratos que se encontram em execução, a lei produz um abalo naquela estabilidade que os contratantes supunham poder esperar do ordenamento jurídico onde eles contrataram, uma vez que acordaram entre si tendo como base uma lei que presumivelmente regularia sua relação contratual até que fosse concluído o contrato."

5. espécies de retroatividade:justa: quando não se depara, na sua aplicação, qualquer ofensa ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada.injusta: quando ocorre tal ofensa;máxima: a retroatividade que atinge o direito adquirido e afeta negócios jurídicos perfeitos;média: a que faz que a lei nova alcance os fatos pendentes, os direitos já existentes mas ainda não integrados no patrimônio do titular;mínima: a que se configura quando a lei nova afeta apenas os efeitos futuros dos atos anteriores, mas produzidos após a data em que ela entrou em vigor;

6. Efeito imediato e geral da lei:Entre a retroatividade e a irretroatividade existe uma situação intermediária: a da aplicabilidade imediata da lei nova a relações que, nascidas embora sob a vigência da lei antiga, ainda não se aperfeiçoaram, não se consumaram. A imediata e geral aplicação deve também respeitar o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. O art. 6º da LINDB preceitua que a lei em vigor ‘terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.’

7. Ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada.ato jurídico perfeito é o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou, produzindo seus efeitos jurídicos, uma vez que o direito gerado foi exercido.direito adquirido é o que já se incorporou definitivamente ao patrimônio e à personalidade de seu titular, não podendo lei nem fato posterior alterar tal situação jurídica.coisa julgada é a imutabilidade dos efeitos da sentença, não mais sujeita a recurso.Em face dos conceitos emitidos, torna-se possível afirmar que o direito adquirido é o mais amplo, englobando os demais, nos quais existiriam direitos dessa natureza já consolidados.

A jurisprudência vem mitigando os efeitos da coisa julgada, permitindo a investigação de paternidade quando a anterior ação foi julgada improcedente por insuficiência de provas, sem o exame do mérito. Nessa linha, enfatizou o STJ que a ‘coisa julgada, em se tratando de ações de estado, como no caso de investigação de paternidade, deve se interpretada 'modus in rebus’ acrescentando ‘este tribunal tem buscado em sua jurisprudência firmar posições que atendam aos fins sociais do processo e às exigências do bem comum.’

Tem o STF, por sua vez, proclamado que ‘não há direito adquirido contra a CF’ e que ‘sendo constitucional o princípio de que a lei não pode prejudicar o ato jurídico perfeito, ele se aplica também às leis de ordem pública.”

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Direito do trabalho: (Sérgio Pinto Martins, 17ª Ed., p. 72):

Normalmente, as disposições do Direito do Trabalho entrem em vigor a partir da data da publicação da lei, tendo eficácia imediata – aplicam-se as normas da LINDB.

O § 1º do art. 5º da CF dispõe que os direitos e garantias fundamentais previstos na CF, entre os quais os direitos sociais, têm aplicação imediata.

É claro, porém, que se um contrato de trabalho já se encontra terminado, a lei nova não vai irradiar efeitos sobre o referido pacto, pois no caso deve-se observar o princípio da irretroatividade das normas jurídicas.

Se o ato, contudo, ainda não foi praticado, deve-se observar a lei vigente à época de sua prática. O art. 142 da CLT é claro nesse sentido, dizendo que o empregado perceberá a remuneração das férias que lhe for devida na data de sua concessão, ou seja, de acordo com a legislação que estiver em vigor nessa época.

O art. 867 da CLT dispõe que a sentença normativa entra em vigor, de maneira geral, depois de publicada, salvo se as negociações começaram antes de 60 dias da data-base, quando vigorará a partir desta.

4 O CONCEITO DE POLÍTICA. POLÍTICA E DIREITO.

4.1 Ciência Política: Alguns Conceitos Básicos

PODER. O conceito de poder varia no tempo e em função da corrente de pensamento abraçada pelos diferentes autores. A fim de exemplificar a complexidade de que se reveste o

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conceito, são referidos, a seguir, alguns posicionamentos que inspiraram toda uma série de teorias em ciência política.

Nicos Poulantzas, a partir de Marx e Lênin, e da teoria da luta de classes, chama de poder “a capacidade de uma classe social de realizar os seus interesses objetivos específicos”. É uma definição corrente entre os adeptos da teoria política marxista.

Para Lasswell, poder é “o fato de participar da tomada das decisões”. Essa visão do poder tem sido corrente para todas as teorias de decision-making process, e é criticada pelo fato de apresentar-se como uma concepção muito voluntarista do processo de tomada de decisões.

Max Weber conceituou poder como sendo “a probabilidade de um certo comando com um conteúdo específico ser obedecido por um grupo determinado”. A concepção weberiana de poder parte da visão de uma sociedade-sujeito, resultado dos comportamentos normativos dos agentes sociais. Do conceito de Weber sobre o poder emergem as concepções de “probabilidade” e de “comando específico”.

Talcot Parsons, partindo da concepção funcionalista e integracionista do sistema social, definiu o poder como “a capacidade de exercer certas funções em proveito do sistema social considerado no seu conjunto”.

POLÍTICA. A palavra política é originária do grego pólis (politikós), e se refere ao que é urbano, civil, público, enfim, ao que é da cidade (da pólis). É uma forma de atividade humana relacionada ao exercício do poder. No dizer de Julien Freund, é “a atividade social que se propõe a garantir pela força, fundada geralmente no direito, a segurança externa e a concórdia interna de uma unidade política particular...”. Essa possibilidade de fazer uso da força distingue o poder político das outras formas de poder.

CIÊNCIA POLÍTICA. Segundo Norberto Bobbio, entende-se por ciência política “qualquer estudo dos fenômenos e das estruturas políticas, conduzido sistematicamente e com rigor, apoiado num amplo e cuidadoso exame dos fatos expostos com argumentos racionais. Nesta acepção, o termo ‘ciência política’ é utilizado dentro do significado tradicional como oposto à ‘opinião’”.

Gaetano Mosca a definiu como o estudo da formação e organização do poder. Ele entendia que a ciência política desenvolveu-se muito, a partir do século XIX, como resultado da evolução das ciências históricas. Em consequência, o método da ciência política era o de recolher o maior número possível de fatos históricos, a partir do estudo das várias civilizações. O cientista político, para Mosca, deveria conhecer muito bem a história de toda a humanidade. Sobre o objetivo da ciência política, Mosca afirmou que era estudar as tendências que determinam o ordenamento dos poderes políticos, examinar as leis reguladoras da organização social, descobrir e conhecer as leis reguladoras da natureza social do homem e do ordenamento político das diversas sociedades humanas. Quanto ao problema central a ser investigado pela ciência política, Mosca colocava o problema do poder.

ESTADO. A definição de Bluntschli, segundo a qual Estado é a nação politicamente organizada, tornou-se trivial. Para compreender essa assertiva, porém, é preciso discernir entre Estado, país, povo e nação. Por país entende-se o território que abriga uma coletividade. A população, elemento humano do Estado constitui o povo. Mas, como ensina Darcy Azambuja, em seu conhecido livro Teoria Geral do Estado, não é sempre que o povo constitui uma nação. Esta só aparece quando um grupo de indivíduos, tendo a mesma origem ou religião, ou os mesmos interesses econômicos e morais, mas principalmente um passado comum de tradições, unem-se em torno de ideais e aspirações comuns. Os judeus, mesmo quando inexistia o Estado de Israel, nunca deixaram de constituir uma nação, embora fisicamente dispersos, espalhados por muitos países. É um dos mais palpáveis exemplos de que a nação pode sobreviver mesmo sem o Estado. A Iugoslávia, ao contrário, mostrou ser um Estado dividido em raças, religiões e interesses divergentes. Com a morte de Tito, e em face das transformações ocorridas no Leste europeu, desde o fim do socialismo real, essas nações despontaram, e ainda hoje lutam para obter, cada uma, o seu próprio Estado.

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GOVERNO. Conjunto de pessoas que governam o Estado. Historicamente, o governo existiu antes do Estado. Já na Antigüidade, assim como na Idade Média, é possível encontrar um governo das cidades-Estado e dos impérios feudais como formas pré-estatais de organização política. O Estado, propriamente dito, tem sua origem na Idade Moderna. Na interpretação que fez Darcy Azambuja do livro La Démocratie, de Rodolphe Laun, os governos podem ser classificados quanto à origem, quanto à organização e quanto ao exercício do poder. O quadro abaixo dá uma visão sintética dessa interpretação.

Quanto à OrigemGovernos Democráticos ou PopularesGovernos de Dominação

Quanto à OrganizaçãoGovernos de Fato

Governos de DireitoHereditariedadeEleição

Quanto ao ExercícioAbsolutosConstitucionais

SOBERANIA. Poder de supremacia que o Estado tem sobre os indivíduos e os grupos que forma sua população, e de independência com relação aos demais Estados. Sem soberania inexiste Estado. Para alguns autores, a soberania não seria propriamente um poder, mas uma qualidade superior do poder do Estado. Normalmente, a soberania é entendida como tendo um caráter interno e outro externo. A soberania externa tem a ver com a independência e as relações de igualdade entre os Estados. A interna com o poder de normatizar as relações que se estabelecem entre os indivíduos e grupos que habitam o interior do Estado.

Das doutrinas sobre a soberania, destacam-se as teocráticas e as democráticas. Segundo a teoria do Direito divino sobrenatural, Deus é a origem do poder, e por sua vontade é que existe uma hierarquia separando governantes e governados. Referendada historicamente pela Igreja Católica Apostólica Romana, ao longo da Idade Média, esta teoria enfatizava o fato de que, sendo indicados pelo próprio Deus para exercer o poder aqui na Terra, os reis exerciam o poder por delegação dos céus, e prestavam contas de seus atos diretamente a Deus.

Na Idade Moderna surgiram as doutrinas democráticas, que conferem ao povo ou à nação o poder soberano. Estas teorias tornaram-se conhecidas a partir das obras de Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704) e Jean-Jacques Rousseau (1712-1778).

Para Thomas Hobbes, a humanidade, antes de criar a vida em sociedade, vivia em anarquia e violência, no chamado estado de natureza, no qual inexistia qualquer hierarquia entre os indivíduos. Essa vida “solitária, sórdida e brutal” terminou quando a humanidade criou, por meio de um contrato, a sociedade política. A soberania, que estava dispersa, residindo em cada indivíduo, passou a ser exercida pela autoridade criada em razão daquele contrato político. Hobbes entendia que o contrato que criou o Estado não poderá ser jamais revogado, sob pena de a humanidade retroceder ao estado de natureza. O Estado, tal como o representou Hobbes,

é um monstro alado – Leviatã – que “abriga e prende para sempre o homem”. Na interpretação de Darcy Azambuja, “Hobbes partiu da doutrina da igualdade dos homens e terminou preconizando o absolutismo do poder e, nesse sentido, suas ideias se acham no extremo da concepção da soberania, que ele considera ilimitada, colocando a política por cima da moral e da religião”.

O ponto de partida de John Locke difere do de Hobbes. No estado de natureza não teria havido caos, mas ordem e razão. Ele concorda com Hobbes que um contrato entre os indivíduos criou a sociedade política, mas o Estado surgiu para assegurar a lei natural, bem como para manter a harmonia entre os homens. Neste sentido, diz Locke, inexiste qualquer cessão dos direitos naturais ao Estado. Por isso, este deve ser exercido pela maioria, bem como respeitar os naturais direitos à vida, à liberdade, à propriedade.

Foi Locke quem primeiro mencionou os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário como três funções essenciais do Estado. Em termos de preferência, Locke defendia a democracia como forma de governo, aceitando como boa a monarquia na qual a o Poder Legislativo, órgão supremo do Estado, fosse independente do rei.

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Jean Jacques Rousseau também partiu do princípio de que houve um estado de natureza. Este, porém, não era nem o caos de Hobbes e nem apenas ordeiro e racional, como queria Locke. Mais do que isso, no estado de natureza os homens eram livres e felizes. Foi o progresso da civilização, com a divisão do trabalho e da propriedade que criaram ricos e pobres, poderosos e fracos. Assim, a sociedade política surgiu como um mal necessário, para manter a ordem e evitar o recrudescimento das desigualdades. Ao criar o Estado, mediante um contrato social, o indivíduo cedeu parte de seus direitos naturais para que fosse criada uma entidade superior a todos, detentora de uma vontade geral. Ao participar das decisões tomadas pelo Estado, porém, o indivíduo recupera a parcela de soberania que transferiu por força do contrato social que formou a sociedade política.

Para Rousseau, o titular do poder de Estado é o povo.

As teorias de Hobbes, Locke e Rousseau exerceram grande influência. Hobbes inspirou o poder absoluto dos reis. Locke teve suas ideias aplicadas nas declarações de independência e nas Constituições dos Estados Americanos, bem como na formação do pensamento democrático e individualista. Rousseau deu o fermento ideológico da fase radical da Revolução Francesa.

FINALIDADE DO ESTADO. As discussões a respeito do Estado incluem o debate sobre se ele é um fim em si mesmo, ou é o fim do homem e da sociedade, ou é um meio para que o homem alcance a felicidade. Darcy Azambuja concorda com Ataliba Nogueira, ao dizer que o Estado “é um dos meios pelos quais o homem realiza o seu aperfeiçoamento físico, moral e intelectual, e isso é que justifica a existência do Estado”.

No plano jurídico, o fim do Estado é a promoção do bem público, entendendo-se por esta expressão os meios e elementos indispensáveis a que a população possa satisfazer suas legítimas necessidades.

Dentre as doutrinas que tratam da finalidade do Estado, a abstencionista, também conhecida como do laissez-faire, ligada à corrente de pensamento econômico dos fisiocratas, reserva ao Estado a função única de manter a ordem (interna e externa), deixando praticamente tudo à livre iniciativa. Nesse Estado de tipo gendarme, poucas devem ser as leis e normas regulamentadoras, e livre o direito de propriedade.

A doutrina socialista, ao contrário, quer o Estado como não só como representante da coletividade, mas atuante em todos os ramos de atividade. Os mais radicais consideram que o Estado deve deter a propriedade de tudo o que interessa ao conjunto da população, distribuindo a cada um segundo critérios fixados a partir do Estado. O objetivo é o fim da propriedade privada e, no limite, do próprio Estado.

Uma terceira doutrina, que poder-se-ia denominar eclética, busca um meio termo entre o laissez-faire e o socialismo. O lema dos ecléticos, segundo G. Sortais, seria: ao invés de fazer tudo, como defendem os socialistas, ou de fazer o mínimo, como pregam os abstencionistas, melhor é ajudar a fazer. Os ecléticos querem o Estado realizando competências de caráter supletivo, só fazendo aquilo que os indivíduos não podem fazer. A corrente eclética admite a parceria entre o Estado e os particulares, em áreas como o ensino e a assistência social. Dessas ideias, e da crítica ao Estado forte dos socialistas e ao Estado mínimo do laissez-faire, emerge a proposta do Estado regulador e fiscalizador.

OS PODERES DO ESTADO. A História nos ensina que, nas sociedades primitivas, o poder de Estado concentrava-se em uma pessoa ou em um grupo. As atividades eram exercidas por intermédio de um só órgão supremo, que cuidava da defesa externa, da ordem interna, do controle dos bens e serviços de caráter coletivo, inclusive das funções religiosas. A extensão territorial e a diversificação crescente das atividades, dentre outros fatores, exigiu uma desconcentração do poder, cujo exercício começou a ser dividido entre várias pessoas.

Desde a antiguidade, a função de julgar foi sendo delegada a funcionários do rei. Ao longo da Idade Média, outras funções foram se especializando, e órgãos especiais surgiram para desempenhar essas funções. O caso da Inglaterra é exemplar. A função legislativa, por um

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processo de negociação e lutas, passou das mãos do rei para uma representação autônoma dos cidadãos: o Parlamento.

Aristóteles, discorrendo sobre a organização do Estado, ressaltou três funções principais: a deliberante, exercida pela assembléia dos cidadãos, que ele reputava como o verdadeiro poder soberano; a da magistratura, exercida por cidadãos designados pela assembléia para realizar determinadas tarefas; e a judiciária.

O tema passou despercebido por outros escritores, até que, no século XVIII, Locke o retomou, fornecendo os elementos de que se serviria Montesquieu, mais tarde, para elaborar sua famosa teoria que dividiu os Poderes em Legislativo, Executivo e Judiciário.

TEORIAS DA SEPARAÇÃO DAS FUNÇÕES (PODERES)1

Aristóteles

DeliberativoAssembleia que deliberaria sobre os negócios do Estado

ExecutivoTeria prerrogativas e atribuições determináveis em cada caso

Judiciário Administrador da Justiça

John Locke

LegislativoElaborar as leis que disciplinariam o uso da força na comunidade civil

ExecutivoAplica as leis aos membros da comunidade, tanto na esfera judicial quanto na administrativa

FederativoFunção de relacionamento com outros Estados

MontesquieuLegislativo LegislarExecutivo Exercer atividades executivasJudiciário Exercício da jurisdição

REGIME DE GOVERNO. As diferentes relações que se estabelecem entre os Poderes Executivo e Legislativo resultam em distintos regimes representativos, a saber: governo parlamentar, governo presidencial, governo diretorial.

O governo parlamentar resulta não propriamente de um equilíbrio entre os Poderes Legislativo e Executivo, mas da confiança de que este goza junto ao primeiro. Também conhecido como governo de gabinete, ou parlamentarismo, este regime pressupõe que o gabinete (Executivo) seja formado com pessoas escolhidas entre o partido que tem a maioria no Parlamento. O modelo surgiu na Inglaterra, depois de uma longa evolução histórica. No Brasil, foi adotado no II Reinado, com D. Pedro II, e entre 1961 e 1963, com João Goulart, no curto interregno que vai da renúncia de Jânio Quadros às vésperas do golpe militar de 1964. No parlamento, o Chefe do Estado é o rei ou o presidente da República, enquanto que o Chefe do Governo é o Primeiro-Ministro. Nem a legislação, nem a doutrina, dão conta das formas que o parlamentarismo assumiu na prática, nos diferentes países. O parlamentarismo adotado na Inglaterra, na França, em Portugal, diferem muito quando analisados comparativamente.

O presidencialismo, ou governo presidencial, surgiu nos Estados Unidos, em 1787. A teoria estabelece que é presidencialista o regime em que o Executivo predomina sobre o Legislativo, lhe é completamente autônomo.

KANT E A QUESTÃO DA LIBERDADE – Os autores contemporâneos entendem a palavra liberdade em dois sentidos distintos. Do ponto de vista da doutrina liberal clássica, ser livre é poder agir sem qualquer impedimento por parte do Estado. Do ponto de vista da doutrina

1 Há várias outras teorias de separação das funções do Poder do Estado. Oliver Cromwell dizia que as funções eram o Protetor, O Conselho de Estado e o Parlamento; Romagnosi defendia o Poder Determinante (Legislativo), Poder Operante (Executivo), Poder Moderador, Poder Postulante (fiscal dos interesses públicos), Poder Judicante (Judiciário); Luigi Palma defendia o Poder Eleitoral, Poder Representativo (Câmara dos Deputados), Poder Moderador (Senado), Poder Governante (Ministérios), Poder Judiciário e Poder Real; Benjamin Constant considerava o Poder Executivo, Poder Legislativo, Poder Judiciário, Poder Real, Moderador ou Neutro, Poder Representativo da Assembleia Hereditária.

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democrática, é a faculdade de obedecer tão-somente as normas impostas a si mesmo, pela auto-regulação. Em consequência, no Estado liberal a interferência do Poder Público é mínima, enquanto que, no Estado democrático, não são poucos os órgãos de autogoverno.Ambos os sentidos dão, entretanto, à palavra liberdade, um significado comum, possível de ser compreendido por uma só palavra: autodeterminação. De fato, se cada um determina sua própria esfera de ação, livre das limitações do Estado, ou se o indivíduo (ou o grupo ao qual ele pertence) obedece somente as normas fixadas por ele mesmo (indivíduo ou grupo), nos dois casos o que ressalta é o aspecto comum da autodeterminação da própria conduta.

Retomando os dois pontos de vista do qual emergem os distintos sentidos da palavra liberdade, poder-se-ia afirmar que a doutrina liberal clássica dá ênfase ao poder individual de autodeterminação, ao passo que a doutrina democrática valoriza, sobretudo, a autodeterminação coletiva. Em outras palavras, a questão da liberdade é vista, na doutrina liberal, a partir do cidadão em sua individualidade, e na democrática, a partir do cidadão como membro de uma coletividade.

Em seu processo histórico de desenvolvimento, os Estados modernos se formaram a partir da integração, cada vez maior, das duas doutrinas. A ideia é a de que tudo o que o cidadão puder decidir por si deve ser determinado por sua própria vontade. E o que depender de regulação coletiva deve contar com a participação do cidadão, a fim de assegurar que a decisão tomada represente, em alguma medida, a expressão da vontade individual.

Pensamento Político de Kant

Em sua obra, Kant emprega os conceitos de liberdade que haviam já aparecido em Montesquieu e em Rousseau. Ao dizer que liberdade “é o direito de fazer tudo o que as leis permitem”, Montesquieu evocou o ponto de vista que mais tarde denominou-se de liberal (vide introdução, acima), enquanto que Rousseau foi um dos ideólogos da doutrina democrática. No Contrato Social, obra que o consagrou, Rousseau afirmou que liberdade é “a obediência à lei que nos prescrevemos”, querendo significar que, no âmbito do Estado, os cidadãos, coletivamente, devem formular as leis.

Kant, ao utilizar a palavra liberdade, deixa de distinguir claramente qual dos dois sentidos do termo está querendo empregar. Norberto Bobbio defende a tese de que Kant, “deixando crer, por meio de uma definição explícita, que emprega o termo no sentido de Rousseau (liberdade como autonomia, autodeterminação coletiva), não esclarece que a liberdade que invoca e eleva à posição de fim da convivência política é a outra – liberdade como ausência de impedimento, a liberdade individual”.

A considerar-se o ideal rousseauniano, o pensamento político de Kant é pouco democrático. Veja-se, a propósito, a seguinte passagem, extraída dos seus Escritos Políticos e de Filosofia da História e do Direito: “[o contrato originário...] é ...uma ideia simples da razão, mas que tem sua dúvida sua realidade (prática), a qual consiste em obrigar todo legislador a fazer leis como se devessem refletir a vontade comum de todo um povo e, em considerar cada súdito, enquanto cidadão, como se tivesse dado seu consentimento a tal vontade”. Logo, no Estado prescrito por Kant, a vontade coletiva não é, necessariamente, um fato institucional, mas uma ficção ideal.

Em termos de classificação das formas de governo em “boas” ou “más”, Kant chama de despotismo a má forma, e de república a boa. “República”, na linguagem kantiana, é sinônimo de governo “não despótico”, podendo ser tanto uma república quanto uma monarquia. Para Kant, os reis têm o dever de governar de “modo republicano”, quer dizer, o monarca deve “tratar o povo segundo princípios conformes com o espírito das leis de liberdade (isto é, leis que um povo de razão madura prescreveria), ainda que não lhe peça literalmente sua aprovação”.

Kant não poderia ser considerado um democrata. Por suas ideias, ele pode ser considerado, no máximo, um liberal moderado. Basta referir que, em sua opinião, o direito de votar e ser votado

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não deveria ser estendido a todos, mas tão-somente aos que houvessem conquistado já sua independência econômica. Assim, seu sistema eleitoral excluía da cidadania os trabalhadores.O pensamento kantiano trouxe à tona a teoria do antagonismo. O progresso da humanidade, para Kant, consistia no desenvolvimento das faculdades naturais dos indivíduos. A natureza promove esse desenvolvimento ao gerar no ser humano sentimentos de vaidade, inveja, emulação, poder.

Essas inclinações naturais são incompatíveis com a convivência em sociedade, daí originando-se um antagonismo que jamais termina, porque se o homem quer a concórdia, a natureza prefere a discórdia, porque sabe o que é melhor para a espécie, e o melhor é o conflito.

Em conclusão, Kant inspirou a doutrina liberal. Sua filosofia concebia a história como sendo a história do progresso do direito como garantia da máxima liberdade individual.

4.2 Relação entre Política e Direito

Relação entre Ética, Direito e Política

A vivência em sociedade surgiu devido às necessidades de sobrevivência humanas. Para além disso, os homens só podem ser felizes vivendo em sociedade.

A cidade faz parte do Homem, porque ele é um ser de natureza social. O insocial ou está muito acima do Homem (Deus) ou muito abaixo (animais). O Homem é diferente dos animais que também vivem num determinado sítio em comunidade, porque é capaz de comunicar muito mais do que apenas a dor e o prazer. Só ele tem o sentido do que é justo e do que é injusto, do que é bom e do que é mau.

A sociedade está na base da família e do indivíduo, porque as pessoas só se constroem e se tornam autônomas na relação com os outros. As pessoas só surgem dentro da própria comunidade. O homem é um animal político, porque é da sua natureza viver em sociedade. O que distingue a sociabilidade humana da sociabilidade animal é a linguagem, esta permite a identificação do bem e do mal, do justo e do injusto.

A sociedade e a política tem como função aplicar a ética, portanto é óbvio que é essencial que respeitem os valores éticos, visto que se isto não acontecer não será possível as pessoas serem felizes. Eles permitem aos indivíduos realizar-se e viver como pessoa.

O Direito é o conjunto de regras, normas ou leis que regulam a convivência social dentro do Estado; ele é, em suma, o ordenamento jurídico do Estado. E a sua existência justifica-se pela sua finalidade: dirimir e tentar resolver pacificamente os conflitos entre os indivíduos e os grupos sociais e promover o bem comum da sociedade. As normas jurídicas têm de possuir as seguintes características, que as diferem das normas sociais: racionalidade, reciprocidade, universalidade, publicidade, validade e coercibilidade.

O Estado de Direito é inseparável dos regimes democráticos: os únicos que respeitam o homem, a pessoa humana e os seus direitos fundamentais.

A política é a ciência (porque exige o uso da inteligência e de um método, exige conhecimento) e a arte (porque requer sensibilidade e imaginação) da governação e direcção dos Estados. Tem um carácter profundamente realista: o regime político (mais desejável) é aquele que, procurando servir a totalidade das áreas relacionadas com o ser humano e todo o homem, melhor se adapte, aqui e agora, às realidades de um povo ou de uma comunidade. A política deve ser parte integrante da realidade do dia-a-dia.

Por isso ela exige necessariamente uma reflexão filosófica, uma ética, visto que apenas ela pode indicar os princípios racionalmente válidos e universalizáveis susceptíveis de fundamentar a razão humana. Inclusive os filósofos gregos não distinguiam ética de política.

É a política que cria o Direito e este deve ser justo: por isso exigimos regimes políticos legítimos, eticamente fundamentados e orientados. Apenas os regimes democráticos, e mais

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especificamente os regimes democráticos participativos, preenchem esta condição. A democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo.

LEITURA COMPLEMENTAR

a) Origem do termo política: política deriva do grego, da palavra polis (= cidade), que gerou politikos (= tudo que se refere às coisas da cidade). Entre os gregos, a polis era a cidade estado (ex. Atenas, Esparta, Corinto, Tebas... a Grécia antiga não era um estado unificado).A palavra política esta intimamente ligada à idéia de poder. O estudo da política tem a ver com a luta pelo poder dentro da sociedade e dentro do estado. Esta luta acaba desaguando no Direito.

b) Uso tradicional do termo política:Importante para compreender o porquê de hoje termos várias ciências diferentes, mas que tratam do mesmo fenômeno: a política.

A primeira obra filosófica q tratou da política: a Política (Aristóteles), para outros a República de Platão trata de questões políticas.

A teorização da política foi realizada pela primeira vez entre os Gregos e se referia a tudo que de algum modo se referia as coisas do Estado.

A teoria política na antiguidade envolvia uma série de aspectos. O uso do termo na modernidade muda. A modernidade é um momento de fragmentação, não só na política, mas nas ciências humanas em geral.

A modernidade representa um rompimento numa relação harmônica presente na antiguidade e na Idade Média.

Na modernidade, o termo política se fragmenta. A política vai ser tratada em uma série de ciências (ciência política, teoria geral do estado, filosofia política, ciência do estado, teoria geral da política) c) Direito e poder d) Política e poderMax Weber – poder é a capacidade de impor a própria vontade.Zoon politicon – o homem é um animal político.Tomáz de Aquino – o homem é um animal social. Excluindo as diferenças terminológicas das palavras utilizadas, a idéia q está por traz destas expressões é a de q o homem tem uma natureza de vida em comunidade e de relações intersociais.

A disputa pelo poder está dentro de todas as relações.

O que se compreende por política é um poder com certas particularidades.

e) Tipologias das formas de poder: Na modernidade, há formas de poder cujas fontes vêm de formas diferentes e se manifestam em lugares diferentes.- poder econômico: é o poder q se vale da posse de bens p determinar a conduta das outras pessoas- poder ideológico: é o poder que se funda na posse (produzir e divulgar) das idéias.- poder político: é o poder q se funda sobre a posse dos instrumentos através dos quais se exerce a força física. O estado  é o instrumento p exercício do poder político. O poder político é o mais coativo porque tem a posse dos instrumentos p o exercício da força. Poder político não é sinônimo de força, mas de possibilidade de aplicar a força p coagir alguém a cumprir

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suas determinações. f) Características do poder político: 1. Exclusividade – o poder político é dotado de exclusividade, não permite no seu âmbito de domínio, a formação de um poder político paralelo e independente. O poder político tem a pretensão de ser um poder exclusivo dentro de determinado território. Não permite a formação de grupos armados, paramilitares e a ingerência de poderes externos em questões domésticas. A idéia de exclusividade remete a idéia de soberania/poder soberano em determinado território.

Hobbes (contratualista: utiliza a teoria do contrato social para justificar a existência do direito e do estado). o contrato social traz a idéia de que em determinado momento há entre os membros de determinada comunidade para formação de um acordo/contrato para formação do estado.

A maior parte dos contratualistas não acreditavam de fato que o contrato social tenha sido um evento que ocorreu historicamente. O contrato social para eles era uma justificação racional para a existência do estado e do direito.

Da teoria de Hobbes surge a concepção de soberania que estudamos hoje. Ele explica o surgimento do Estado a partir do estado de natureza que era um momento em que as pessoa viviam em luta de todos contra todos.

No estado de natureza “o homem é o lobo do homem”, todos possuem liberdade absoluta e não há nada q limite a liberdade das pessoas. Isto acaba gerando uma situação de enorme insegurança e crueldade. No estado de natureza a vida é curta, dura e incerta. Prevalece a lei do mais forte. A todo momento, qualquer um pode perder o que tem para o mais forte. A violência é cotidiana no estado de natureza.

Num certo momento, as pessoas, cansadas de viver neste  constante estado de insegurança, se reúnem e, entre si, fazem um contrato: o contrato social. O contrato social dá origem a sociedade política e ao estado.

As pessoas se reúnem e chegam a conclusão que é preciso limitar esta liberdade absoluta. Para isso criam um órgão q esteja acima de todas as pessoas: o estado.

Em troca de segurança, as pessoas abrem mão da sua liberdade absoluta.

Esse é o momento da criação do poder soberano: o estado.

Hobbes chama o Estado de Leviatã (Leviatã era um monstro bíblico)

Com exceção do direito à vida, todos os outros direitos podem ser limitados pelo estado.

2. Universalidade – o poder político tem a característica da universalidade porque é capaz de tomar decisão q serão legitimas e detém eficácia e efetividade dentro de determinado território.

3. Inclusividade – o poder político detém a capacidade/potencialidade de intervir de modo coativo nos mais variados aspectos da vida dos indivíduos. O modo como o estado vai busca intervir na liberdade individual de cada um vai variar de acordo com o tipo de estado (mais autoritário, EDD, ...).

O estado totalitário é o que mais chegou perto de anular a liberdade das pessoas. Esparta era uma cidade que possuía elementos que lembravam os estados totalitários do Século XX porque a vida era muito regulada.

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Daí a expressão “levar uma vida espartana”.

g) Tipologias do poder político (segundo Max Weber): A explicação de Weber a respeito da política se tornou clássica.

Weber dizia: Porque as pessoas obedecem às regras impostas?

A política está ligada à força (mas são é só força), mas  também está ligada a idéia de legitimidade. Poder político é poder legítimo também. A idéia de legitimidade torna possível explicar a dominação e a obediência. A legitimidade é a explicação p a obediência porque não há obediência fundada na pura força. A pura força se desfaz em determinado momento em que é derrubada.

Na explicação de Weber há três fundamentos da legitimidade q vão gerar três tipos de poder político:

1. A tradição – poder tradicional: se funda na autoridade do passado. O detentor do poder pode ser um patriarca (“pater famile” – no direito romano), um senhor de terras, ...2. O carisma – poder carismático: é o poder político ou a autoridade q se funda em dons extraordinários de um determinado indivíduo.  Segundo Weber, o poder carismático é típico do político, do profeta, do dirigente de partido político, do ditador,...3. A razão – poder legal ou racional: é aquele poder que se funda na crença de que há um ordenamento jurídico que detém validade e que deve ser observada /respeitado pelas pessoas. Esse poder tem como representante o agente público (aquele que age em virtude de lei, que o autoriza a agir, daquela maneira). Cada um desses fundamentos vai gerar um tipo particular de poder político.

Raramente essas formas de poder são encontradas em suas formas pura. h) Finalidade (o fim) da política: A política busca obter/realizar o quê?

Weber diz que a finalidade da política é variável, portanto não  há uma só finalidade a ser identificada na política. A política comporta as mais diversas finalidades na história (conforme o momento que se vive).

Em consequência, se o fim da política varia (é relativo) nós só podemos definir a política pelo meio/instrumento q ela utiliza. O meio da política é a possibilidade de aplicação da força.

Segundo alguns autores (críticos), esta posição levou a um afastamento da política em relação a ética (essa postura de Weber leva a uma remoção do juízo teleológico no estudo a política)Teleológico vem de telos (= fim, finalidade de algo).

Se a concepção de Weber remove a importância do estudo teleológico da política (deve se preocupar com os meios e não com os fins) então, nesse sentido há um afastamento entre ética e política.

A postura de Weber é chamada de neutralidade valorativa.

Desta forma, nas ciências humanas não deve ser feito juízo de valor.

A postura de Weber influencia Kelsen ( separa direito do valor justiça).

Muitos autores marcam a separação entre ética e política em Maquiavel (sec. XVI).

Maquiavel adotou postura realista nas questões políticas no livro “O Príncipe” e o dedica ao

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princípio de Florença (Médice).

Diz que o objetivo fundamental da política é a manutenção do poder. Se , p manter o poder, for necessário cometer atos imorais e cruéis, isto esta justificado no campo da política. (decretado o rompimento entre ética e política).

Na concepção clássica (q veio da antiguidade e prevaleceu até a idade media), política e ética estavam conectadas.

Os antigos consideravam q o fim da política devia ser buscado na ética.

Aristóteles dizia que a finalidade da política era produzir a felicidade das pessoas, garantir o bem estar dos cidadãos e da comunidade.

Outros diziam que a política existia p proporcionar a justiça.

Na modernidade (Maquiavel + Weber) há rompimento com o pensamento clássico. A política se torna independente da ética.

É criada a ciência política. i) O político e o social: Na tradição clássica, político = social (o campo de político é igual ao social, o campo da política é igual à sociedade).

Política se referia a tudo q fazia parte da vida da comum na sociedade/cidade e nesse sentido política engloba o social.Ex.: política e religião estavam misturadas (religiões políticas – o imperador romano era também o sumo sacerdote).

Na era moderna, o político é entendido de modo diferente do social. Há separação entre o campo político e a sociedade. Surge a antítese entre estado e sociedade civil.  O campo de político se refere a atividade coativa.

Cabe ao estado aplicar a coação (característica necessária p definir política). Por outro lado há o campo do social.

Razões da separação:1. O advento do cristianismo (surgido na antiguidade, mas suas modificações levaram muito tempo para acontecer) – a partir do cristianismo passa a haver uma separação entre a esfera política e a esfera religiosa.  (“a Deus o que é de Deus e a César o que é de César”).2. O advento da economia burguesa. O pensamento econômico q decorre disso separa a esfera do estado da esfera econômica. A economia deve ser regulada pelo mercado (liberalismo). As questões econômicas não pertencem à esfera do estado.                           Na modernidade, o campo da política na modernidade se refere fundamentalmente as questões do estado.Weber define estado:“o estado moderno é um agrupamento de dominação q apresenta caráter institucional e que procurou (com êxito) monopolizar nos limites de um território a violência física legitima como instrumento de domínio”.

As questão políticas na modernidade vão em direção ao Estado. A face da política na modernidade é o estado como instituição (institucionaliza o monopólio da violência física legítima – detém o monopólio da aplicação da força).

Quando o estado se constitui há proibição da vingança privada porque ela é uma ofensa ao estado q detém o monopólio desta aplicação.

No direito internacional  não há um terceiro q se coloca acima das parte. Assim, as sanções

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são aplicadas de  modo pulverizado.

A aplicação das sanções não é institucionalizada.

6. Política e Direito

O poder tem um papel importante tanto no conceito de política quanto no conceito de direito.

A política tem haver com o exercício do poder de modo legítimo. Dentro do direito o poder tem um papel de relevância, podemos ver o direito como resultado de um ato de poder, de disputa do poder. O direito é o resultado mais visível de determinadas disputas pelo poder, ou seja, quem detém o poder estatal, detém, portanto, a capacidade de impor aos outros a sua vontade, através de seus instrumentos como, por exemplo, atividade legislativa.

a) Carl Schmitt x Kelsen

Carl Schmitt adota uma concepção realista. Dá prevalência ao poder. Ele vê o direito como resultado de um ato de poder. Para ele, o poder antecede o direito. Por essa concepção, a Constituição é resultado de uma decisão política fundamental.

Kelsen adota uma concepção juspositivista. Na teoria de Kelsen, a relação de direito e poder está invertida. Para ele, o direito é que antecede o poder. O poder é o resultado daquilo que se encontra estabelecido no ordenamento jurídico. O Estado, que é a face mais visível do poder, nada mais é que o próprio ordenamento jurídico. OBS! Muitos autores dizem que Kelsen teria criado uma teoria do Estado sem Estado, porque ele reduz o Estado ao próprio ordenamento jurídico, é tudo uma coisa só.

b) Bobbio

O poder sem direito é cego, mas o direito sem poder é vazio. O que isso significa? Na visão dele, não há propriamente uma oposição entre direito e poder, na verdade, há uma relação de co-implicação, ou seja, a existência do poder implica a existência do direito, ao passo que a existência do direito implica a existência do poder. Ele explica isso analisando dois conceitos:

- Norma fundamental: é o ápice de uma pirâmide escalonada de normas.- Poder soberano: o conceito de poder soberano é construído da mesma forma que é construído o conceito de norma fundamental. E, portanto, poder soberano é o ápice de todo o poder. É o poder dos poderes. O maior dos poderes.Tanto o conceito de NF como o conceito de PS são pensados para ser o ápice de um determinado sistema.

A norma fundamental é pensada sob o ponto de vista da ciência do direito. O poder soberano é pensado sob o ponto de vista da ciência política. A primeira é uma análise normativa, a segunda é uma análise política.

Para ele, poder e direito são uma coisa só. No vértice das duas pirâmides, direito e poder se convertem. Direito é uma face da moeda e poder é a outra face.

É um ator que se filiou a uma visão mais positivista do direito. Visão esta que tende a igualar direito ao poder. Sabemos que para o positivismo jurídico direito é igual a lei e, portanto, direito é igual ao poder, porque a lei é fruto de quem detém o poder para editá-las.

c) Concepção jusnaturalista

Alguns autores relatam que foi na peça de Antígona que surgiram os conflitos entre as concepções de positivismo e de jusnaturalismo. Peça de Antígona: há uma guerra civil na cidade, e esta guerra divide uma família, que é a família de Antígona. Ela tinha um irmão (Sófocles) que lutava contra a própria cidade, acabando por lutar contra o tio e próprio irmão. Por conta dessa guerra, o governante da cidade edita uma lei e diz: que aqueles que lutassem

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contra o exército do governante teriam como pena o fato de não poderem ser enterrados quando mortos.

Na cultura grega isso tinha um peso muito grande, porque se a pessoa na fosse enterrada ela estaria condenada para o resto da vida. Era a mesma coisa de ir para o inferno. Só que o irmão de Antígona morreu e ela queria enterrar seu irmão. Nasceu aqui o conflito entre a concepção de direito natural (direito dado pelos Deuses de enterrar seus familiares) e o direito positivo (criado pelo Governante).

A crítica jusnaturalista é: se pelo positivismo não há como diferenciar direito de poder, a conclusão que podemos chegar é que não podemos diferenciar direito de força bruta. Na verdade, direito é força e, portanto, prevalece quem tem mais força. Conclusão: não é possível se pensar em conceito verdadeiro de direito se não se incluir nesse conceito o conceito de justiça. Agostinho: não é possível definir o direito sem que em seu conceito contenha a idéia de justiça.

Por outro lado, nós temos a resposta de Kelsen a essa crítica jusnaturalista: ordem do Estado X ordem do bandido. A ordem do Estado possui caráter objetivo, a ordem do bandido possui caráter subjetivo. Uma ordem emanada por um indivíduo do Estado está fora da sua vontade (Ex: a ordem de um funcionário público é emanada da vontade da Lei e não da sua vontade).

Existem algumas normas que regem o funcionamento do grupo de mafiosos, que muitas vezes acabam suplantando as normas do Estado, se tornando o próprio Estado. Para Kelsen, o elemento fundamental para se definir o direito é o que ele chama de eficácia/efetividade, e não a justiça. O direito sem um mínimo de eficácia não é direito, porque para ser direito tem que ter o mínimo de eficácia. Em razão disso, para que uma ordem possa ser chamada de estatal, precisa ter eficácia.

c) Perez Luno

A análise que prevaleceu ao longo do séc. XX foi exatamente a análise positivista de Kelsen e Bobbio.

Perez defende: para sair deste ciclo vicioso entre direito e poder, é preciso recorrer à moral. Se não nos recorrermos a moral nãos seremos capazes de diferenciar direito de pura força. Um direito fundado só na força carece de legitimidade. Um direito, fundado na pura força, é obedecido em razão do medo. Trata-se de uma obediência interesseira, que não se sustenta. Um direito pensado como sinônimo de força na possui legitimidade capaz de sustentá-lo. Direito fundando na força pode até existir, como de fato existiu, mas ele não se sustenta, não perdura.

Quais são os elementos que dão ao direito legitimidade? São os elementos da moralidade. Quando nós conseguimos identificar no direito padrões de justiça como, por exemplo, a proibição de matar, de roubar, encontraremos no direito essa legitimidade. A partir disso, podemos diferenciar direito de força.

d) Teoria de Miguel Reale

Teoria tridimensional do direito: para definir adequadamente o direito precisamos entender que o direito possui 3 dimensões: - fática- normativa- valorativa

OBS! Ao longo da teoria do direito tivemos análises a respeito do direito que davam ora prevalência ao fato, ora ao valor, ora a norma. Miguel Reale, em sua teoria, quis sintetizar essas 3 noções.

Para Miguel Reale não dá para pensar direito sem poder, porque a existência da norma jurídica depende de uma decisão política, que tem como fundamento o poder. Direito é sim

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resultado do poder, mas ele não se resume a poder. Para Reale, há uma relação de co-implicação entre direito e poder. O poder é condição necessária para o direito, mas não suficiente.

Nomogênese jurídica: é o estudo da criação (gênese) de uma norma jurídica. Para explicar essa nomogênese, Reale utiliza a teoria tridimensional do direito. A norma jurídica surge da combinação entre fatos, valores e a interferência de uma decisão de poder (política).

Fato é tudo aquilo que já se tornou momento objetivado na experiência histórica (Ex: criminalidade, pobreza). Tudo aquilo que nossa existência envolve.

Valores são as idéias, os posicionamentos ideológicos, as teorias (Ex: posição liberal, socialista, comunista, social democrata, republicanismo, monarquia)

Dessa interação entre fatos e valores surgem diferentes proposições normativas. A partir dos fatos podem surgir diferentes soluções, a depender dos valores adotados. Em determinado momento, há a incidência do poder, é neste momento que surge a norma jurídica.

No entanto, direito também não se resume a poder, porque ele tem uma dimensão valorativa e, portanto, direito e justiça se relacionam. O poder está dentro do processo que resulta na criação do direito, mas não é só. O poder é limitado pelos fatos, pelos valores e pelo próprio ordenamento.

O poder é fundamental para se pensar em direito. Mas que poder é esse? É um poder legítimo, que detém legitimidade. Encontraremos essa legitimidade dentro da dimensão fática, valorativa e normativa.

Celso Laffer: podemos ver essa questão do poder legítimo através da discussão da agenda legislativa. Em determinadas épocas, temos determinados assuntos mais importantes. Em 62, por exemplo, a agenda legislativa tinha haver com o crescimento da indústria nacional. A agenda legislativa atual envolve outros problemas como, por exemplo, a proteção da mulher; mercado de trabalho da mulher. Essa agenda varia de acordo com os fatos e valores vigentes em determinada época.

5 IDEOLOGIAS.

Ideologia é um termo que possui diferentes significados e duas concepções: a neutra e a crítica. No senso comum o termo ideologia é sinônimo ao termo ideário (em português), contendo o sentido neutro de conjunto de ideias, de pensamentos, de doutrinas ou de visões de mundo de um indivíduo ou de um grupo, orientado para suas ações sociais e, principalmente, políticas. Para autores que utilizam o termo sob uma concepção crítica,

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ideologia pode ser considerado um instrumento de dominação que age por meio de convencimento (persuasão ou dissuasão, mas não por meio da força física) de forma prescritiva, alienando a consciência humana. Para alguns, como Karl Marx, a ideologia age mascarando a realidade. Os pensadores adeptos da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt consideram a ideologia como uma ideia, discurso ou ação que mascara um objeto, mostrando apenas sua aparência e escondendo suas demais qualidades. Já o sociólogo contemporâneo John B. Thompson também oferece uma formulação crítica ao termo ideologia, derivada daquela oferecida por Marx, mas que lhe retira o caráter de ilusão (da realidade) ou de falsa consciência, e concentra-se no aspecto das relações de dominação.

Karl Marx desenvolveu uma teoria a respeito da ideologia na qual concebe a mesma como uma consciência falsa, proveniente da divisão entre o trabalho manual e o intelectual. Nessa divisão, surgiriam os ideólogos ou intelectuais que passariam a operar em favor da dominação ocorrida entre as classes sociais, por meio de idéias capazes de deformar a compreensão sobre o modo como se processam as relações de produção. Neste sentido, a ideologia (enquanto falsa consciência) geraria a inversão ou a camuflagem da realidade, para os ideais ou interesses da classe dominante. (Fonte: Marx, Karl e Engels, Friedrich. A Ideologia Alemã (Feuerbach). São Paulo: Hucitec, 2002.)

Entretanto, não é apenas n'A Ideologia Alemã que Marx trata do tema ideologia e, devido às inconsistências entre seus escritos sobre o tema, não seria correto afirmar-se que Marx possui uma única e precisa definição sobre o significado do termo ideologia. O sociólogo John B. Thompson faz uma análise minuciosa sobre três desenvolvimentos encontrados ao longo da obra de Marx sobre o termo ideologia, com convergências e divergências entre si, batizados por Thompson como (1) polêmica, (2) epifenomênica e (3) latente.

Depois de Marx, vários outros pensadores abordaram a temática da ideologia. Muitos mantiveram a concepção original de Marx (Karl Korsch, Georg Lukács), outros passaram a abordar ideologia como sendo sinônimo de "visão de mundo" (concepção neutra), inclusive alguns pensadores marxistas, tal como Lênin. Alguns explicam isto graças ao fato do livro A Ideologia Alemã, de Marx, onde ele expõe sua teoria da ideologia, só tenha sido publicado em 1926, dois anos depois da morte de Lênin. Vários pensadores desenvolveram análises sobre o conceito de ideologia, tal como Karl Mannheim, Louis Althusser, Paul Ricoeur e Nildo Viana.

 Concepção crítica 

O uso crítico do termo ideologia pressupõe uma diferenciação implícita entre o que vem a ser um "conjunto qualquer de idéias sobre um determinado assunto" (concepção neutra sinônima de ideário), e o que vem a ser o "uso de ferramentas simbólicas voltadas à criação e/ou à manutenção de relações de dominação" (concepção crítica). A partir deste ponto-de-partida comum a todos os significados do termo ideologia que aderem à concepção crítica, o que se tem são variações sobre a forma e o objetivo da ideologia. A principal divergência conceitual da concepção crítica de ideologia está na necessidade ou não de que um fenômeno, para que seja ideológico, necessariamente tenha de ser ilusório, mascarador da realidade e produtor de falsa consciência. A principal convergência conceitual, por outro lado, está no pré-requisito de que para um fenômeno ser ideológico, ele necessariamente deverá colaborar na criação e/ou na manutenção de relações de dominação. Ainda, no que se refere às relações de dominação, há diferentes olhares sobre quais destas relações são alvo de fenômenos ideológicos: se apenas as relações entre classes sociais, ou também relações sociais de outras naturezas. Alguns questionamentos neste sentido possuiriam respostas diferentes a depender do autor crítico:

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Para que algo possa ser concebido como ideológico, deve necessariamente haver ilusão, mascaramento da realidade e falsa consciência? Marx responderia que sim. Thompson responderia que estas são características possíveis, mas não necessárias, para a existência de ideologia;

A única dominação à qual se refere a ideologia é aquela que ocorre entre classes sociais? Marx novamente diria que sim. Thompson complementaria com uma lista de outras formas de dominação também existentes na sociedade: entre brancos e negros, entre homens e mulheres, entre adultos e crianças, entre pais/mães e filhos(as), entre chefes e subordinados, entre nativos e estrangeiros.

Para aqueles que adotam o termo ideologia segundo a concepção crítica, não faz sentido dizer: que um indivíduo ou grupo possui uma ideologia; que existem ideologias diferentes; que cada um tem a sua própria ideologia; que cada partido tem uma ideologia; que existe uma ideologia dos dominados. Ideologia, pela concepção crítica, não é algo disseminável como é uma idéia ou um conjunto de idéias; ideologia, neste sentido crítico, é algo voltado à criação/manutenção de relações de dominação por meio de quaisquer instrumentos simbólicos: seja uma frase, um texto, um artigo, uma notícia, uma reportagem, uma novela, um filme, uma peça publicitária ou um discurso.

John B. Thompson em seu livro Ideologia e cultura moderna (Petrópolis: Vozes, 2007) procurou fazer uma análise crítica sobre as formulações para o termo ideologia propostas por diferentes autores, que ele classificou segundo duas concepções: neutras e críticas. Neste sentido, Thompson considerou as formulações propostas por Destutt de Tracy, Lênin, Georg Lukács e a "formulação geral da concepção total de Mannheim" como concepções neutras de ideologia; já as formulações de Napoleão, Marx (concepções polêmica, epifenomênica e latente) e a "concepção restrita de Mannheim" viriam a ser concepções críticas de ideologia. Ele próprio (Thompson), finalmente, ofereceu a seguinte formulação (crítica), apoiada na "concepção latente de Marx": "ideologia são as maneiras como o sentido serve para estabelecer e sustentar relações de dominação". (p. 75-76) Esta formulação proposta por Thompson é carregada de significados:

O discurso tem uma dimensão ideológica que relaciona as marcas deixadas no texto com as suas condições de produção, e que se insere na formação ideológica. E essa dimensão ideológica do discurso pode tanto transformar quanto reproduzir as relações de dominação. Para Marx, essa dominação se dá pelas relações de produção que se estabelecem, e as classes que estas relações criam numa sociedade. Por isso, a ideologia cria uma "falsa consciência" sobre a realidade que tem como objetivo suprir, morder, reforçar e perpetuar essa dominação. Já para Gramsci, a ideologia não é enganosa ou negativa em si, mas constitui qualquer ideário de um grupo de indivíduos; em outras palavras, poder-se-ia dizer que Gramsci rejeita a concepção crítica e adere à concepção neutra de ideologia. Para Althusser, que recupera a ótica marxista, a ideologia é materializada nas práticas das instituições, e o discurso, como prática social, seria então “ideologia materializada”.

LEITURA COMPLEMENTAR - ESPELHO DA DISCURSIVA DO TJMT/2014

Em definição mais simples e geral, e pretensamente neutra, ideologia é o conjunto de crenças, ideias, doutrinas e valores próprios a determinada sociedade ou classe social, e que pretende justificar e preservar um dado sistema político, jurídico, econômico, social etc. Em suma, é um padrão de crença política. Penso que qualquer resposta que conceitue ideologia como um padrão de crença política está correta.

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LEITURA COMPLEMENTAR - RESUMO DO CONCURSO DO TJSP - 184º CONCURSO

Antônio Carlos Wolkmer no livro Ideologia, Estado e Direito nos diz: “As ideologias estão presentes em toda a parte, enquanto crenças e fundamentações do mundo”.

A compreensão do termo ideologia ao que se pode constatar passa pelo estudo de duas concepções sobre o termo: a neutra e a crítica.

No sentido neutro, ideologia pode ser entendida como conjunto de ideias, pensamentos, de doutrinas ou de visões de mundo de um indivíduo ou de um grupo, orientado para suas ações sociais, e, principalmente políticas.

Já no sentido crítico, ideologia pode ser considerado um instrumento de dominação que age por meio de convencimento (persuasão ou dissuasão, mas não por meio da força física) de forma prescritiva, alienando a consciência humana.

Para Marx, essa dominação se dá pelas relações de produção que se estabelecem, e as classes que estas relações criam numa sociedade. Por isso, a ideologia cria uma "falsa consciência" sobre a realidade que tem como objetivo suprir, morder, reforçar e perpetuar essa dominação.

Segundo o autor John B. Thompson em seu livro Ideologia e cultura moderna (Petrópolis: Vozes, 2007), como exemplo de autores e pensadores da concepção neutra podemos mencionar: Destutt de Tracy, Lênin, Georg LuKács e Mannheim, e como defensores da concepção crítica o principal deles é Karl Marx.

Pode-se afirmar que o sociólogo contemporâneo John B. Thompson também oferece uma formulação crítica ao termo ideologia, derivada daquela oferecida por Marx, mas que lhe retira o caráter de ilusão (da realidade) ou de falsa consciência, e concentra-se no aspecto das relações de dominação.

Em síntese, as diferenças entre o pensamento de John B. Thompson e Karl Marx podem ser compreendidas através dos questionamentos abaixo mencionados:

Para que algo possa ser concebido como ideológico, deve necessariamente haver ilusão, mascaramento da realidade e falsa consciência? Marx responderia que sim. Thompson responderia que estas são características possíveis, mas não necessárias, para a existência de ideologia.

A única dominação à qual se refere a ideologia é aquela que ocorre entre classes sociais? Marx novamente diria que sim. Thompson complementaria com uma lista de outras formas de dominação também existentes na sociedade: entre brancos e negros, entre homens e mulheres, entre adultos e crianças, entre pais/mães e filhos(as), entre chefes e subordinados, entre nativos e estrangeiros.

No estudo do assunto não podemos esquecer do grupo de filósofos alemães do século XX que ficou conhecido como a “Escola de Frankfurt” que defendia que a Filosofia tem uma tarefa para além das meras especulações e reflexões: a de desmistificar, desconstruir as ideologias que estão ocultas por trás das convicções equivocadamente formadas sob influência de poderes diversos. Os pensadores deste grupo nos revelam a ideologia como uma idéia, discurso ou ação que mascara um objeto, mostrando apenas sua aparência e

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escondendo suas demais qualidades.

Seja qual for a concepção adotada, neutra ou crítica, é inegável que a ideologia é influenciada por fatores históricos dotados de alta carga axiológica que “modelam” o pensamento filosófico. Analisada a ideologia sob este prisma, vários fatos históricos marcaram a construção da ideologia contemporânea com especial assento na política, entre eles, a Independência dos EUA de 1776, a Revolução Industrial do século XVIII, a Revolução Francesa de 1789, e a Revolução Russa de 1917.

Deriva destes fatos históricos, diversas ideologias contemporâneas como: Conservadorismo, Liberalismo, Socialismo, Anarquismo e Nacionalismo.

Neste momento cumpre fazer uma observação para explicar que enquanto a ideologia revela uma relação de dominação ou um conjunto de ideias que direcionam ações sociais, as utopias, ao contrário, são aquelas ideias, representações e teorias que aspiram a uma outra realidade, uma realidade ainda inexistente. Estas têm, portanto, uma dimensão crítica ou de negação da ordem social existente, que se orientam para sua ruptura.

Abaixo segue quadro informativo com as principais ideias e concepções das ideologias mencionadas:

Conservadorismo Manutenção do Status Quo, da ordem social; contrario ao avanço da modernidade

Liberalismo Luta pelos direitos naturais e pela liberdade, seja ela econômica, ideológica ou política do indivíduo.

Socialismo Luta por uma sociedade igualitária e fraterna (coletivista) em prol do proletariado.

Anarquismo Sociedade igualitária e sem governo; o povo se “auto-governa”

Nacionalismo Defesa dos “direitos nacionais”: unidade (fraternidade), raça forte, costumes tradicionais.

Cumpre analisarmos agora o papel das ideologias sob o aspecto do Direito e sua influência na produção jurídica.

O desenvolvimento do pensamento jurídico sempre foi influenciado pelas ideologias e os valores de determinada época e momento histórico.

Na esteira deste entendimento podemos também afirmar que o Direito é a projeção normativa que instrumentaliza os princípios ideológicos (por exemplo: certeza, segurança, completude) e as formas de controle do poder de um determinado grupo social. Com isso, todas as práticas jurídicas, mesmo a dos setores mais neutros, não estariam livres da influência ideológica, de tal sorte que toda atividade jurídica é

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eminentemente uma prática ideológica que revelam os valores de determinado momento histórico.

Como fruto da ideologia e da expansão do pensamento jurídico, várias escolas de direto surgem: escola da exegese; jurisprudência dos conceitos; escola histórica; jurisprudência dos interesses; escola de livre investigação científica; escola do direito livre; escola sociológica (realismo do direito); teoria egológica do direito (egologismo); teoria tridimensional do direito; direito alternativo; teoria crítica do direito.

No instante em que os operadores do Direito utilizam argumentações para defesa de direitos, decisões do caso concreto, reconhecimento de direitos e obrigações, observarmos a incidência da ideologia. Ressalte-se esse ponto, o trabalho de produção jurídica desenvolvido pelos operadores do direito é extremamente ideológico, pois, utiliza da demonstração, da descrição e da narração no intuito de defender uma interpretação efetuada a luz de determinada ideologia, sendo esta, portanto, indissociável da ciência jurídica.

No meio acadêmico e pragmático do mundo ocidental hodierno observamos um juiz fortemente influenciado pelo pós-positivismo jurídico, que não se limita a uma atividade meramente interpretativa ou dedutiva daquilo que lhe é dado decidir, e é sob este aspecto que surge o denominado “Ativismo Judicial”, que tem como objetivos: colaborar na transformação socioeconômica de seus jurisdicionados, auxiliando na busca da justiça social, uma das bases da cidadania. Ao juiz, influenciado pela doutrina do pós-positivismo jurídico, observa-se uma postura crítica quanto ao papel da ideologia como forma de dominação de determinado grupo social, porém, esse papel construtivo do juiz não se dá de forma abrupta com rompimento da ordem jurídica aplicada, em verdade, é nessa mesma ordem jurídica reveladora de uma relação dominação que o juiz faz uma busca incessante da forma mais equânime de fazer a justiça no caso concreto, seja através de uma interpretação evolutiva do Direito (mutação constitucional, por exemplo), seja pela importância dada aos princípios levada ao status de normas ao lado das regras, seja enfim, pela influência de novos pensamentos hermenêuticos como o revelado pela lógica do razoável, tudo isso guiado por uma alta dose ideológica.

6 A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM (ONU).

Positivou em 30 artigos o que se entende por direitos humanos e liberdades fundamentais. Preencheu a lacuna.

Tem duas partes: Direitos civis e políticos – liberdade de crença, locomoção, consciência, artística,

cultural (chamados de 1ª geração)Direitos econômicos, sociais e culturais - Sociedade, trabalho, lazer etc. (chamados

de 2ª geração) Une o discurso liberal e social – os direitos humanos são cumulativos. Não são separados.

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4.1 FundamentoFunda-se na dignidade da pessoa humana, na medida em que, rompendo com a lógica do nazismo, proclama que a única condição para o exercício dos direitos e liberdades nela proclamados é o nascimento do ser humano com vida. Obs: a declaração de 1948 foi aprovada sem qualquer voto contrário (48 Estados), embora tenha havido 8 abstenções.

4.2 ObjetivosSão dois: a) romper com a lógica da 2ª guerra mundial, que imperava durante o período do holocausto e, o mais importante, b) positivar o que se entende por direitos humanos e liberdades do artigo 55, letra “c” da Carta das Nações Unidas. Dar a interpretação mais autêntica, mais correta.

4.3 Estrutura (simétrica e dividida em duas partes)

1ª parte 2ª parte

Positiva os direitos do discurso liberal (da cidadania), que são os direitos da liberdade latu sensu. Direitos da liberdade strictu sensu são os civis e políticos – DCP (direitos de “1ª geração”). Séc. XVIII.

Positiva os direitos do discurso social da cidadania, que latu sensu são os direitos da igualdade. De forma estrita, são os direitos econômicos, sociais e culturais – DESC (direitos de “2ª geração”). Séc. XIX.

Arts. 1º/21. Arts. 22/30.

A Declaração não viveu a época dos direitos da fraternidade – que apareceram no séc. XX –, por isso não tratou deles (são os direitos coletivos – meio ambiente, probidade administrativa, consumidor). O mesmo ocorreu com os chamados direitos de “4ª geração” (paz universal, desenvolvimento sustentável, democracia participativa, bio-direito.).

4.4 Texto da Declaração Universal dos Direito Humanos7 considerandos e 1 preâmbulo. Ler artigos da Declaração observando a divisão em 2 partes: a primeira em direitos liberais; e a segunda, em sociais.

4.5 Valor Jurídico da Declaração Universal de 1948 A sua natureza jurídica é controvertida, havendo 4 correntres:a) Seria uma norma de soft law (direito plástico e maleável);b) Seria uma recomendaçãoaos Estados, do ponto de vista material;c) Seria uma resolução da ONU, do ponto de vista formal.d) Resolução não é Tratado, mas tem força de tratado, pois é uma extensão da Carta da ONU (daí porque não é soft law, mas hard law), segundo Valério Mazzuoli.

Motivos pelos quais a Declaração não é Tratado Internacional: A Declaração Universal de 1948 nasce de uma resolução da Assembléia Geral da

ONU. Tratados internacionais nascem de um compromisso internacional e não de resolução. A Declaração Universal de 1948 não passou pelos meios técnicos pelos quais

passam os tratados internacionais para a sua entrada em vigor. Não houve ratificação alguma da Declaração Universal de 1948. Ela só foi assinada

pelos estados-membros. Não foi ratificada. Não foi depositada no Secretariado Geral da ONU.

A Declaração é uma norma que induz a interpretação mais autêntica (autorizada) do artigo 55, letra c, da Carta das Nações Unidas (da expressão “direitos humanos”). Por isso passa a ter força vinculante, apesar de não ser tratado. Na verdade, ela é muito mais que tratado; ela é norma de jus cogens – norma cogente de direito internacional. É norma imperativa de direito internacional geral, que tem valor jurídico mesmo para os Estados que não a assinaram. É uma

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carta de princípios que integra a Carta da ONU, como sendo uma interpretação autêntica em matéria de direitos humanos. Declaração universal dos direitos humanos:

a)Antecedentes históricos:

- Fim da 2ª Guerra Mundial: é um momento de virada no que se refere ao direito, ao Estado. A 2ª Guerra Mundial inaugura uma nova fase das relações internacionais. Um dos objetivos básicos do estabelecimento da ONU, da Carta de São Francisco, é evitar que no futuro, vivêssemos uma outra guerra como a 2ª Guerra Mundial. - O objetivo da nova ordem nacional era evitar que uma nova guerra voltasse a ocorrer. Com isso temos uma nova fase do direito internacional, que é inaugurada pela chamada Carta das Nações Unidas (1945), que também é conhecida como Carta de São Francisco.

b)Surgimento da declaração universal:

- A declaração universal dos direitos humanos foi aprovada no dia 10/12/1948, pela resolução 247-A da Assembleia Geral da ONU. Houve oito abstenções de votação.- A declaração busca conciliar direitos de primeira dimensão com direitos de segunda dimensão. - A declaração busca colocar os direitos de primeira dimensão como algo que depende dos direitos de segunda dimensão. Precisa de uma unidade e uma interdependência. Não se pode conceder um sem cuidar também do outro. Se se preocupa tão somente com direitos de primeira dimensão, abre-se mão de não concretizar os direitos de segunda dimensão. Mas se não se preocupa com direitos de segunda dimensão, os direitos de primeira dimensão não serão exercidos de modo completo.

Objetivo - construção de um sistema internacional de direitos - carta das nações unidas - CARTA DE SÃO FRANCISO - 26/06/45

Carta das nações unidas - Carta de São Francisco (26/06/45)Princípio da solução pacífica dos conflitosGuerra só é admitida como legítima defesaA carta se impõe até mesmo aos não membros (art. 2º)Art. 55, C - menção aos direitos humanos

c) Objetivo presente na declaração universal dos direitos humanos:- ORDEM MUNDIAL FUNDADA NA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - valores universais - O objetivo básico é delinear uma ordem pública mundial fundada na dignidade da pessoa humana. Como isso pode ser feito? Pode ser feito adotando-se determinados valores básicos, direitos humanos que todos os indivíduos detém, possuem. Trata-se de um traço fundamental dessa concepção. - As bases da ideia da dignidade humana deve ser iniciada falando sobre o cristianismo. A dignidade da pessoa humana consiste no fato de que todas as pessoas pelo simples fato de serem humanas possuem os mesmos direitos. Antes do cristianismo a condição para que uma pessoa fosse sujeito de direito era ser cidadão de um estado. Na antiguidade havia dualidade entre cidadão o estado. O cristianismo dizia que todos os seres humanos eram fruto da criação de um Deus, que é pai de todos nós. Nesse sentido, seriamos iguais, porque fomos criados pelo mesmo Deus.

- O pensamento de Tomás de Aquino introduz a questão da liberdade do individuo, uma liberdade individual que não se reduz, que não resume à coletividade. - Após a 2ª Guerra Mundial, alguns eventos fizeram com que fosse necessário fundar uma nova base mundial com base no princípio da dignidade humana.

d)Características da Declaração Universal dos Direitos Humanos:d.1)amplitude: a declaração universal dos direitos humanos procura uma dimensão ampla, para que o ser humano possa se desenvolver plenamente. BASTA SER PESSOA PARA TER A PROTEÇÃO - antes só havia proteção aos cidadãos de determinado estado nacional.

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Direitos sem os quais não há desenvolvimento de capacidades físicas, mentais e existências - AMPLITUDE = POSSIBILITA O DESENVOLVIMENTO EM MAIS DE UMA DIMENSAO - física / moral / espirituald.2)universalidade: é aplicável a todas as pessoas, independentemente de raça, sexo, opção sexual, religião. d.3)individuo é considerado sujeito imediato do direito internacional: a declaração entende o individuo como cidadão de seu país. A declaração também compreende o individuo como cidadão do mundo, como cidadão de uma ordem internacional. Isso significa dizer que temos portanto, direitos em virtude da ligação com o estado nacional. Mas também há direitos conferidos pelo direito internacional. 2.4)indivisibilidade dos direitos humanos: os direitos de primeira dimensão estão intimamente relacionados com os direitos de segunda dimensão, eles não podem ser separados. AS GERAÇÕES FORMAM UNIDADES INDIVISÍVEIS.

e)Estrutura da declaração universal (conforme a obra de um autor que pertenceu à comissão que redigiu o texto da declaração – René Cassin, presidia uma comissão de juristas). A declaração universal dos direitos humanos pode ser dividida da seguinte maneira: ela estabelece direitos pessoais,que chamamos de direitos pessoais. Esses direitos pessoais são, por exemplo: direito à vida, igualdade, liberdade e segurança. Estão nos artigos 3° a 11 da declaração. Em segundo lugar, temos os direitos do individuo em relação à comunidade. Exemplos: direito à privacidade da vida familiar, direito ao casamento, direito à nacionalidade, direito de praticar religião, direito de propriedade e esses direitos se encontram no artigo 12 ao artigo 17 da Declaração. O terceiro tipo de direito são as liberdades civis e direitos políticos: seriam os seguintes direitos: liberdade de consciência, de expressão, direito de votar e de ser eleito, direito de acesso ao governo e à administração pública. Esses direitos se encontram do artigo 18 ao artigo 21 da Declaração.

1 - Direitos pessoais - igualdade, liberdade.2 - Direitos do indivíduo em sua relação ao grupo social - direito ao casamento livre, nacionalidade, asilo, religião.3 - Liberdade civis e direitos políticos - liberdade de expressão, de votar e ser votado, liberdade de consciência, liberdade de acesso ao público4 - Direitos econômicos, sociais e culturais - segurança social

- O quarto grupo de direitos são os direitos econômicos sociais e culturais: exemplo: direito à educação, assistência social, lazer, saúde. Encontramos esses direitos do artigo 22 ao 27.

Ralf Dahrendorf - fracasso de ambos os extemos da autonomia racional - a saber, do liberalismo ou individualismo e do marxismo ou comunismo, no fato de que destruíram a igualdade ao desenvolver a liberdade e perderam a liberdade ao conseguir a igualdade pela força - DUDH BUSCOU EQUILIBRAR IGUALDADE E LIBERDADE

Obs. na declaração de 48 - há previsão de direitos de 1º e 2º dimensão.

e)Valor jurídico da declaração universal dos direitos humanos:- Inicialmente, do ponto de vista formal, podemos dizer que a declaração universal não é um tratado internacional. Ela não surgiu sob a forma de tratado internacional, ela é simplesmente uma resolução da assembleia geral das nações unidas. Formalmente se não é tratado não apresenta força vinculante.

- Para a maior parte da doutrina, a declaração universal de 1948 apresenta força vinculante. Essa concepção hoje é pacífica. Haveria duas razões para isso: 1) a declaração universal não é tratado, mas a Carta de São Francisco é um tratado. A declaração universal de 1948 é consequência daquilo que se encontra estabelecido na Carta de São Francisco. É a interpretação/expressão autorizada da palavra “direitos humanos”. DECLARAÇÃO FOI AUTORIZADA PELA CARTA DA ONU (TRATADO DE SÃO FRANCISCO). Na carta da ONU art. 55 c - referência à proteção aos direitos humanos - e quem diz quais são os diretos é a DUDH - seria interpretação autorizada da Carta.

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2 - embora não seja tratado, no costume internacional a declaração é frequentemente utilizada como se fosse norma obrigatória vinculante. Ex. incorporação das declaração em decisões de cortes internacionais e nacionais com se vinculante - OBRIGATÓRIA EM RAZÃO DOS COSTUMES, para outros seriam princípios gerais do direito.

g)Universalismo X Relativismo - OBS. DECLARAÇÃO DE VIENA DE 1993 - §10

LEITURA COMPLEMENTAR - RESUMO DO TJSP 184º CONCURSO

A Carta das Nações Unidas (EUA, 1945), também conhecida por Carta de São Francisco, criou a Organização das Nações Unidas (ONU), tendo o Brasil dela participado. Seus objetivos principais são:

Manutenção da paz e da segurança internacionais; Solução pacífica de conflitos; Cooperação internacional entre os Estados; Promoção dos Direitos Humanos.

Por sua vez, a Declaração Universal dos Direitos do Homem foi adotada e proclamada pela Resolução nº 217-A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10.12.1948 e assinada pelo Brasil na mesma data. Caracteriza-se como uma manifestação histórica contra as atrocidades cometidas na Segunda Guerra Mundial, apontando o devido e

necessário respeito aos Direitos Humanos, entendidos como universais.*

* Universalismo – entende que o mundo globalizado necessita de normas universais que assegurem a proteção dos direitos e liberdades fundamentais da pessoa humana.

Relativismo – não entende os Direitos Humanos como universais, uma vez que cada cultura é livre para possuir seus valores e direitos específicos.

Como se percebe, a Declaração Universal dos Direitos Humanos formalmente é uma Resolução, mas materialmente, para grande parte da doutrina, é uma norma internacional cogente, ou seja, é uma norma imperativa, obrigatória e vinculante, pela qual os Estados têm o compromisso de assegurar tais direitos às pessoas, uma vez que a Declaração é especial e faz parte do Direito Internacional.

No texto da Declaração relacionam-se os direitos civis e políticos (conhecidos por direitos de primeira geração: liberdade), os direitos sociais, econômicos e culturais (chamados direitos de segunda geração: trabalho), e há, ainda, a fraternidade como valor universal (denominados direitos de terceira geração: espírito de fraternidade, a paz, justiça, entre outros).

A Declaração Universal de 1948, contudo, não estabelece os mecanismos para fazer valer os direitos nela previstos.

Cumpre destacar que a Declaração e Programa de Ação de Viena de 1993 (Conferência Mundial sobre Direitos Humanos) é um mecanismo de aprimoramento da Declaração Universal de Direitos Humanos, conforme se nota de seu preâmbulo, onde se lê:

“Reconhecendo que as atividades das Nações Unidas na esfera dos direitos humanos devem ser racionalizadas e melhoradas, visando a fortalecer o mecanismo das Nações Unidas nessa esfera e promover os objetivos de respeito universal e observância das normas internacionais dos direitos humanos.”

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As dimensões dos Direitos Humanos.

Classificação tradicional > criada por Norberto Bobbio divide os direitos humanos na história, englobando as transformações ao longo dos séculos:

a) Primeira geração: surge na Idade Moderna e trata dos direitos e liberdades individuais e dos direitos civis e políticos. Marca a separação entre o homem e o Estado.

b) Segunda geração: decorrem dos princípios pregados pelo socialismo, tratando dos direitos sociais que englobam a educação, saúde, transporte, segurança, lazer, trabalho, etc.

c) Terceira geração: são os direitos do povo, direitos transindividuais e coletivos, direitos da solidariedade. É o resultado das lutas que visavam à conquista da democracia e a da solidariedade humana com inspiração nos lemas da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade. Compreende a paz, o direito a um meio ambiente equilibrado, o patrimônio histórico e cultural, a biodiversidade, etc.

d) Quarta geração: trata das inovações tecnológicas, englobando a biotecnologia, a engenharia genética, o desenvolvimento tecnológico, etc.

e) Quinta geração: são os direitos provenientes da internet e da tecnologia. O direito ao acesso e à difusão da informação são os pontos centrais e a liberdade de expressão volta a ser tratada nessa geração.

Atenção: Essa classificação é criticada por alguns autores, em especial Antonio Augusto Cançado Trindade, que prefere usar o termo “dimensão”. É que o vocábulo “gerações” transmite a idéia errada de que uma geração se sobrepõe à outra. Não é o caso, já que todos os direitos humanos são universais, indivisíveis e interdependentes, devendo ser vistos como cumulativos.

São características dos direitos humanos:

a) Universalidade: os direitos humanos são universais, ou seja, independentemente do local ou do momento histórico, eles sempre irão abranger todos os seres humanos sem qualquer distinção.

Art. 2º. da Declaração Universal dos Direitos Humanos:

“Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas nesta Declaração sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião pública ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição”.

b) Inerência: os direitos humanos são intrínsecos a todos os indivíduos, de modo que não possa haver uma dissociação entre os seres humanos e os direitos previstos na Declaração Universal. Ex: não podemos falar em direito à vida sem mencionar os seres humanos.

c) Indivisibilidade: os direitos humanos devem ser estudados como um todo. Não podemos falar apenas em direitos civis e políticos sem mencionar os direitos sociais e culturais.

d) Interdependência: os direitos humanos são conexos de tal modo que o seu

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objetivo, resguardar as garantias e direitos fundamentais de todos os seres humanos, só é atingido através da ligação entre todas as suas previsões.

e) Irrenunciabilidade: não podemos renunciar aos direitos humanos, pois eles são irrenunciáveis.

7 POLÍTICAS PÚBLICAS E O PAPEL DO JUIZ.

Observação: O texto abaixo trata de um resumo do artigo denominado "Controle jurisdicional das políticas públicas mínimo existencial e demais direitos fundamentais imediatamente judicializáveis", de autoria de Kazuo Watanabe, que aborda de forma primorosa o item aqui tratado.

WATANABE, Kazuo. Controle jurisdicional das políticas públicas: mínimo existencial e demais direitos fundamentais imediatamente judicializáveis. Revista de Processo. n.193. ano 36. São Paulo: Revista dos Tribunais, mar./2011.

1. CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988: ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS

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A Constituição Brasileira de 1988 afirma constituir-se a República Federativa do Brasil em “Estado democrático de Direito”, cujos fundamentos são: “I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; e V – o pluralismo político” (art. 1.° da CF/1988 (LGL\1988\3). E seus objetivos fundamentais consistem em: “I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3.° da CF/1988);

Fábio Konder Comparato afirma que “As novas constituições já não se limitam a definir a competência estrita dos órgãos do Estado, sem fixar nenhum rumo à sua ação em conjunto, como faziam as Constituições do modelo liberal, as quais partiam do pressuposto de que o Estado deve assegurar a cada indivíduo a livre definição das suas metas de vida, não podendo fixar nenhum rumo objetivo geral para a sociedade”.

Prossegue anotando que , “em decorrência dessa orientação marcadamente teleológica do direito público contemporâneo, a função primordial do Estado já não é apenas a edição de leis, ou seja, a fixação de balizas de conduta, como pensaram os autores clássicos, mas também, e sobretudo, a realização de políticas públicas ou programas de ação governamental em todos os níveis e setores. E no desempenho dessa função, como sublinhamos, o povo deve assumir papel relevante”.

A atuação do Judiciário, consequentemente, deve ser substancialmente transformada para acompanhar essa evolução. E considerando que as grandes violações à ordem jurídica são praticadas pelo Estado contemporâneo por omissão, “ao deixar de fazer votar as leis regulamentadoras dos princípios constitucionais, ou ao se abster de realizar as políticas públicas necessárias à satisfação dos direitos econômicos, sociais ou culturais”, afirma Comparato que “o juízo de constitucionalidade que foi uma das grandes invenções dos norte-americanos, deve ser estendido, das leis e atos administrativos, às políticas públicas, as quais não são ações isoladas, mas aquilo que a nova técnica jurídica caracteriza como atividade, ou seja, no caso, um conjunto de atos do mais variado tipo (leis, decretos, contratos, nomeações etc.), organizados sob a forma de programa de ação para o alcance de determinada finalidade pública” ( Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 675-677, grifos nossos).

Pondera Ada Pellegrini Grinover que o nosso Constituinte, acompanhando a evolução da história do constitucionalismo moderno, superou por completo o modelo de Estado Liberal, cujo objetivo maior era o de enfraquecer o Estado, com a restrição de sua atuação na esfera de liberdades individuais, assegurando os direitos fundamentais de primeira geração, as chamadas liberdades negativas (dever de abstenção do Estado na fruição da liberdade pelo cidadão). Acolheu o Constituinte as preocupações e os objetivos do Estado Social, assegurando os direitos econômicos, sociais e culturais, os chamados direitos fundamentais de segunda geração, que assegura prestações positivas ( dare, facere, praestare) para a fruição pelos cidadãos desses novos direitos (v.g., direito à saúde, direito à educação, direito à moradia etc.). Para atingir os objetivos fundamentais explicitados no art. 3.° da CF/1988 (LGL\1988\3), com o acréscimo do princípio da prevalência dos direitos humanos enunciado no art. 4.°, II, da CF/1988 (LGL\1988\3), observa Ada Pellegrini Grinover que “o Estado tem de se organizar no facere e praestare, incidindo sobre a realidade social. É aí que o Estado social de direito transforma-se em Estado democrático de direito”.

O Estado Liberal tinha por objetivo neutralizar o Poder Judiciário frente aos demais poderes. Porém, “no Estado democrático de direito, o Judiciário, como forma de expressão estatal, deveestar alinhado com os escopos do próprio Estado, não se podendo mais falar em neutralização de sua atividade. Ao contrário, o Poder Judiciário encontra-se constitucionalmente vinculado àpolítica estatal”, pondera Ada Pellegrini Grinover (O controle de políticas públicas pelo Poder Judiciário. In: SALLES, Carlos Alberto de (coord.). As grandes transformações do processo civilbrasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 109-134).

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Fábio Konder Comparato sublinha que “as Constituições do moderno Estado Dirigente impõem, todas, certos objetivos ao corpo político como um todo – órgãos estatais e sociedade civil. Esses objetivos podem ser gerais ou especiais, estes últimos obviamente coordenados àqueles. Na Constituição brasileira 1988, por exemplo, os objetivos indicados no art. 3.° orientam todo o funcionamento do Estado e a organização da sociedade. (…)” (Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. RT 737/19 , grifos nossos).

Oswaldo Canela Junior, em tese de doutorado defendida na Faculdade de Direito da USP, traz a seguinte observação a respeito de política estatal, a que todos os órgãos do Estado, inclusive o Judiciário, estão constitucionalmente vinculados: “Política estatal – ou políticas públicas – entende-se o conjunto de atividades do Estado tendentes a seus fins, de acordo com metas a serem atingidas. Trata-se de um conjunto de normas (Poder Legislativo), atos (Poder Executivo) e decisões (Poder Judiciário) que visam à realização dos fins primordiais do Estado.” Prossegue ponderando que, “como toda atividade política (políticas públicas) exercida pelo Legislativo e pelo Executivo deve compatibilizar-se com a Constituição, cabe ao Poder Judiciário analisar, em qualquer situação e desde que provocado, o que convencionou chamar de ‘atos de governo’ ou ‘questões políticas’, sob o prisma do atendimento do Estado” (art. 3.° da CF/1988 (LGL\1988\3)). ( Controle judicial de políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 88-89).

2. ASSUNÇÃO PELO JUDICIÁRIO BRASILEIRO DE NOVAS ATRIBUIÇÕES

Ao Poder Judiciário brasileiro, como consequência da assunção de novas atribuições que lheforam conferidas pela Constituição Federal de 1988, dentre as quais se incluí o controle de constitucionalidade das leis, atos e atividades de todos os órgãos do Estado, incumbe proceder ao controle das políticas públicas, com o exame de sua implementação, adequação ou correção, na conformidade dos mandamentos constitucionais.

A grande dificuldade do Judiciário, diante da existência de inúmeros direitos fundamentais sociais consagrados na Constituição, está em saber se cabe, em relação a todos eles, o seu controle sob a ótica da constitucionalidade. Vale dizer, se todos eles são dotados da possibilidade de tutela jurisdicional, ou alguns deles dependem de prévia ponderação de outros poderes do Estado, consistente em formulação específica de política pública para sua implementação.

Nesse ponto, é necessário esclarecer bem a acepção do vocábulo justiciabilidade (alguns adotam o termo acionabilidade) dos direitos fundamentais. O que se quer explicitar com ele não é o requisito para acesso à justiça ou para o exame do mérito da ação, e sim o requisito para o acolhimento, pelo mérito, da pretensão de tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais, ou seja, a efetiva existência do direito fundamental social tutelável jurisdicionalmente. É um qualificativo do direito material. O direito de ação é incondicionado, como é cediço. E não havendo a ausência de alguma condição da ação, inexistiria obstáculo à apreciação do mérito da ação em que se reclame a tutela jurisdicional de algum direito fundamental social. Mas, para o efetivo acolhimento do pedido de tutela de direito fundamental social, devem estar presentes os requisitos que serão a seguir analisados.

Alguns doutrinadores, que se filiam à dogmática constitucional “transformadora e emancipatória”, sustentam que todos os direitos fundamentais sociais, sem exceção, têm aplicabilidade imediata e, por via de consequência, tutelabilidade jurisdicional, independentemente de prévia aprovação de política pública pelo Legislativo ou pelo Executivo.

Nessa linha de pensamento, sustenta Dirley de Cunha Júnior que “todas as normas definidoras de direitos fundamentais, sem exceção, têm aplicabilidade imediata, independentemente de concretização legislativa, o que permite que o titular do direito desfrute da posição jurídica por ele consagrada. Na hipótese de eventual omissão estatal, impeditiva de gozo desses direitos, pode e deve o Judiciário, como Poder apto a proporcionar a realização concreta dos comandos normativos quando provocado por qualquer meio processual adequado, suprir aquela omissão, completando o preceito consignador de direitos diante do

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caso concreto” ( Controle judicial das omissões do poder público. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 664).

Já Ana Paula de Barcellos sustenta que o princípio da dignidade da pessoa humana, que assegura, em termos gerais, que todas as pessoas tenham uma vida digna, embora seja de efeito um tanto indeterminado, tem “um conteúdo básico, sem o qual se poderá afirmar que o princípio foi violado e que assume caráter de regra e não mais de princípio. Esse núcleo, no tocante aos elementos materiais da dignidade, é composto pelo mínimo existencial, que consiste em um conjunto de prestações materiais mínimas sem as quais se poderá afirmar que o indivíduo se encontra em situação de indignidade”. Somente ao mínimo existencial reconhece a “modalidade de eficácia jurídica positiva ou simétrica”, vale dizer, somente “as prestações que compõem o mínimo existencial poderão ser exigidas judicialmente de forma direta, ao passo que ao restante dos efeitos pretendidos pelo princípio da dignidade da pessoa humana são reconhecidas apenas as modalidades de eficácia negativa, interpretativa e vedativa do retrocesso, como preservação do pluralismo e do debate democrático” ( Eficácia jurídica dos princípios constitucionais – o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 304-305, grifos nossos).

A adoção do conceito de mínimo existencial é feita para possibilitar a tutela jurisdicional imediata, sem a necessidade de prévia ponderação do Legislativo ou do Executivo por meio de política pública específica, e sem a possibilidade de questionamento, em juízo, das condições práticas de sua efetivação, vale dizer, sem sujeição à cláusula da reserva do possível.

A jurisprudência do STF caminha precisamente no sentido da inadmissibilidade de invocação da cláusula da reserva do possível nos processos em que esteja em jogo o mínimo existencial ( RE 482.611/SC, rel. Min. Celso de Mello).

Na mesma direção evolui a jurisprudência do STJ, consoante se extrai do acórdão do REsp 1.185.474/SC, relatado pelo eminente Min. Humberto Martins. Extrai-se da ementa desse julgado a seguinte afirmativa: “Aqueles direitos que estão intimamente ligados à dignidade humana não podem ser limitados em razão da escassez quando esta é fruto das escolhas do administrador. Não é por outra razão que se afirma que a reserva do possível não é oponível à realização do mínimo existencial”.

3. DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E O MÍNIMO EXISTENCIAL: JUSTICIABILIDADE IMEDIATA, SEM NECESSIDADE DE PRÉVIA PONDERAÇÃO DO LEGISLATIVO OU DO EXECUTIVO

A tese da justiciabilidade imediata dos direitos fundamentais sociais, sem a prévia ponderaçãodo Legislativo ou do Executivo, limitada ao mínimo existencial, pode parecer, à primeira vista,muito restritiva. Não o será, porém, se se adotar, na conformidade da posição acima explicitada, o entendimento prestigiado pela jurisprudência do Suprema Corte e do STJ, de que em relação ao mínimo existencial não é invocável pelo Estado a cláusula da reserva do possível.

O mínimo existencial diz respeito ao núcleo básico do princípio da dignidade humana assegurado por um extenso elenco de direitos fundamentais sociais, tais como direitos à educação fundamental, à saúde básica, à assistência social, ao acesso à justiça, à moradia, ao trabalho, ao salário mínimo, à proteção à maternidade e à infância. Para a implementação de todos esses direitos, ainda que limitada à efetivação do mínimo existencial, são necessárias prestações positivas que exigem recursos públicos bastante consideráveis.

Cabe deixar anotado, demais disso, que a fundamentabilidade dos direitos sociais não está reduzida ao mínimo existencial, pois, como bem anota Ana Carolina Lopes Olsen, “além da fundamentalidade formal reconhecida aos direitos sociais, não se pode deixar de observar que sua fundamentalidade material extravasa o conteúdo do mínimo existencial. Afinal, preocupou-se o constituinte com a dignidade da pessoa humana (como um todo, e não em sua versão minimalista), com o valor social do trabalho, com a construção de uma sociedade livre, justa e

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solidária, com a erradicação da pobreza e da marginalidade, e, finalmente, com a promoção do bem de todos (arts. 1.° e 3.° da CF/1988". E invocando o magistério de Clèmerson Merlin Clève, pondera que “os direitos sociais não têm a finalidade de dar ao brasileiro, apenas, o mínimo. Ao contrário, eles reclamam um horizonte eficacial progressivamente mais vasto, dependendo isso apenas do comprometimento da sociedade e do governo e da riqueza produzidam pelo país. Aponta, a Constituição, portanto, para a ideia de máximo, mas de MÁXIMO POSSÍVEL (o problema da possibilidade)” ( Direitos fundamentais sociais. Curitiba: Juruá, 2008. p. 324, grifos nossos).

O mínimo existencial, além de variável histórica e geograficamente, é um conceito dinâmico e evolutivo, presidido pelo princípio da proibição de retrocesso, ampliando-se a sua abrangência na medida em que melhorem as condições socioeconômicas do país.

O que hoje, pelas condições existentes, pode não ser judicialmente tutelável, poderá vir a sê-lono futuro, imediato ou mediato, segundo o desenvolvimento do país.

Prefaciando a obra de Konrad Hesse, esclarece o Min. Gilmar Ferreira Mendes que, “sem desprezar o significado dos fatores históricos, políticos e sociais para a força normativa da Constituição, confere Hesse peculiar realce à chamada vontade de Constituição. A Constituição, ensina Hesse, transforma-se em força ativa se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se fizerem-se presentes, na consciência geral – particularmente, na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional – não só a vontade de poder, mas também a vontade de Constituição” (Prefácio à obra de Konrad Hesse. A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre: Safe, 1991. Por ele traduzida).

Nessa obra, ensina Hesse que “a interpretação constitucional está submetida ao princípio da ótima concretização da norma ( Gebot optimaler Verwirklichung der Norm). Evidentemente, esse princípio não pode ser aplicado com base nos meios fornecidos pela subsunção lógica e pela construção conceitual. Se o direito e, sobretudo, a Constituição, têm a sua eficácia condicionada pelos fatos concretos da vida, não se afigura possível que a interpretação faça deles tábula rasa.

Ela há de contemplar essas condicionantes, correlacionando-as com as proposições normativas da Constituição. A interpretação adequada é aquela que consegue concretizar, de forma excelente, o sentido ( Sinn) da proposição normativa dentro das condições reais dominantes numa determinada situação. Em outras palavras, uma mudança das relações fáticas pode – ou deve – provocar mudanças na interpretação da Constituição” (p. 22-23).

A nossa Constituição, de cunho teleológico, com ensina Comparato, reclama uma atuação de sua força ativa em horizonte eficacial cada vez mais abrangente, em busca permanente da efetividade dos objetivos fundamentais estabelecidos no art. 3.°.

4. DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS NÃO INTEGRANTES DO CONCEITO DE MÍNIMO EXISTENCIAL, MAS PREVISTOS EM NORMAS CONSTITUCIONAIS DE DENSIDADE SUFICIENTE (OU DENSIDADE APLICATIVA): POSSIBILIDADE DE JUDICIALIZAÇÃO IMEDIATA, A CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVELAlém do mínimo existencial, há outros direitos fundamentais sociais que, apesar de sua relevância, não são dotados do mesmo grau de essencialidade para a efetividade do princípio da dignidade humana. Alguns desses direitos, porém, estão definidos em normas constitucionais com densidade suficiente para poderem ser havidas como explicitadoras de política pública de implementação obrigatória pelos órgãos do Estado, independentemente de prévia ponderação complementar, seja do Legislativo, seja do Executivo. Ao descumprimento deles, em consequência, será perfeitamente cabível a postulação de tutela jurisdicional (um bom exemplo de norma dessa espécie é a inscrita no art. 230, § 2.°, da CF/1988, que assegura aos maiores de 65 anos a gratuidade dos transportes coletivos urbanos; também podem ser mencionados alguns direitos dos trabalhadores urbanos e rurais enumerados no art. 7.° da CF/ 1988 (excluindo-se, evidentemente, aqueles que, essenciais à dignidade humana dos trabalhadores, integram o conceito de mínimo existencial).

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Cristina Queiroz, jurista portuguesa com obras específicas sobre direitos fundamentais sociais,esclarece que a medida e a intensidade da vinculação jurídica de um direito fundamental social“depende do caráter mais concreto ou mais abstracto, mais determinado ou menos determinado, como a norma resulte formulada, sem esquecer a importante questão da delimitação dos respectivos destinatários”. “Uma questão bem vistas as coisas, não de ‘normatividade’, mas essencialmente de completude das normas consagradoras dos direitos fundamentais sociais”.

E conclui: “Desse modo, tem-se vindo a afirmar que o critério da ‘aplicabilidade directa’, característico dos direitos de defesa, se encontra essencialmente ligado à ideia de uma ‘determinabilidade constitucional’ do conteúdo do direito. Isto significa que o direito se encontra dotado de ‘densidade suficiente’ para ser feito valer na ausência de lei ou mesmo contra a lei, o que não é o mesmo que afirmar que mediação legislativa se mostra desnecessária ou irrelevante” (Direitos fundamentais sociais. Coimbra: Ed. Coimbra, 2006. p. 63-65).

J. J. Gomes Canotilho, em relação a “direitos, liberdades e garantias”, fala em “força vinculante” e em “densidade aplicativa” ( aplicabilidade directa) “que apontam para um reforço da ‘mais-valia’ normativa desses preceitos relativamente a outras normas da Constituição, incluindo-se aqui as normas referentes a outros direitos fundamentais” ( Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina. p. 398).

Em relação a esses direitos fundamentais sociais, para cujo atendimento são necessárias prestações positivas do Estado e diante da conhecida escassez de recursos públicos, surge um outro desafio, que consiste em definir a prioridade da tutela jurisdicional desses direitos fundamentais sociais.

A doutrina não é pacífica a respeito. Há os que defendem, como ficou acima visto, a tese de que todos os direitos fundamentais sociais são judicializáveis, ou seja, tuteláveis pelo Judiciário independentemente do limite fático, sem necessidade de indagar se existem, ou não, os recursos necessários para a sua implementação. Para os defensores desse entendimento, “sempre haverá um meio de remanejar os recursos disponíveis, retirando-os de outras áreas (transporte, fomento econômico, serviço da dívida, mordomias para ex-Presidentes e outras autoridades etc.), onde sua aplicação não está tão intimamente ligada aos direitos mais essenciais do homem, como a vida, a integridade física, a saúde e a educação, por exemplo. Os problemas de ‘caixa’ não podem ser guindados a obstáculos à efetivação dos direitos fundamentais sociais” (CUNHA JR., Dirley de. Op. cit., p. 666) .

Porém, num país como o Brasil, com enormes dívidas sociais, com problemas de pobreza, de marginalização, de desigualdades sociais e regionais, de desenvolvimento nacional, de falta demoradia, de distribuição desigual de rendas e outros mais, pretender que todos os direitos fundamentais sociais sejam implementados de uma só vez, inclusive com a intervenção do Judiciário, é um sonho idealista que esbarra em obstáculos práticos intransponíveis. Com gradualismo e sempre impulsionado pela vontade de Constituição e pela busca do máximo possível, certamente a situação do país se encaminhará cada vez mais em direção da realização desse sonho. Vale aqui reproduzir a ponderação de Hesse no teor de que, “se o direito e, sobretudo, a Constituição, têm sua eficácia condicionada pelos fatos concretos da vida, não se afigura possível que a interpretação faça deles tábula rasa. Ela há de contemplar essas condicionantes, correlacionando-as com as proposições normativas da Constituição” (op. e loc. cit.).

Ada Pellegrini Grinover, no trabalho acima citado, observa, relativamente à reserva do possível, que não basta a simples alegação de falta de recursos, cabendo ao Poder Público fazer cumprida a demonstração de sua alegação. Mas, segundo o entendimento da eminente jurista, o acolhimento da alegação de falta de recursos não conduziria à rejeição do pedido de tutela jurisdicional, e sim apenas ao seu diferimento. Acolhendo a alegação, sustenta a jurista, o Judiciário “determinará ao Poder Público que faça constar da próxima proposta orçamentária a verba necessária à implementação da política pública”, disso resultando a condenação da Administração a duas obrigações de fazer, “a de fazer a inclusão no orçamento da verba necessária para o adimplemento da

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obrigação e a obrigação de aplicar a verba para o adimplemento da obrigação”. Anota, na mesma linha do entendimento da jurisprudência do STF, que “nos casos de urgência e violação ao mínimo existencial, o princípio da reserva do possível não deverá constituir obstáculo para a imediata satisfação do direito” (op. e loc. cit.).

Osvaldo Canela Jr., partindo da premissa da tutelabilidade jurisdicional de todos os direitos fundamentais sociais, sustenta o entendimento de que é inadmissível a alegação, em processos que tenham por objeto a tutela desses direitos, de quaisquer conceitos externos à jurisdição, como a reserva do possível, a escassez de recursos. Defende um modelo processual com duas fases distintas, uma para a declaração da violação do direito fundamental e a segunda para o cumprimento da sentença. As limitações fáticas não afastariam o reconhecimento da violação dos direitos fundamentais, somente restringiriam atividade jurisdicional da fase de cumprimento, pois a limitações fáticas somente condicionariam “a efetivação dos direitos fundamentais no tempo” (op. cit., p. 147-150).

O nosso entendimento, conforme distinção acima feita, em relação aos direitos fundamentais sociais que estejam referidos ao núcleo duro do princípio da dignidade humana e por isso integram o conceito de mínimo existencial, é inoponível a cláusula da reserva do possível. Somente em relação aos direitos fundamentais imediatamente judicializáveis, que são os previstos em normas constitucionais de densidade suficiente, poderá ser contraposta, mediante fundada alegação e demonstração cabal, a cláusula da reserva do possível, que o magistrado analisará valendo-se das regras de proporcionalidade e de razoabilidade (cf. Ada Pellegrini Grinover, op. cit.). A sua análise deverá ser feita no processo de conhecimento, para conceder ao demandante, se for o caso, a tutela imediata, ou para ordenar, havendo a demonstração de insuficiência de recursos públicos, que a Administração inclua no próximo orçamento a previsão de recursos necessários ao seu atendimento, conforme o magistério acima citado de Ada Pellegrini Grinover.

5. DEMAIS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS, PREVISTOS EM NORMAS CONSTITUCIONAIS DE CUNHO PROGRAMÁTICO: NECESSIDADE DE PRÉVIA PONDERAÇÃO, POR MEIO DE POLÍTICA PÚBLICA ESPECÍFICA, DOS DEMAIS PODERES DO ESTADO

Os demais direitos fundamentais sociais, que não correspondam ao núcleo básico da dignidade humana e por isso não são qualificáveis como asseguradores do mínimo existencial, e tampouco estejam consagrados em normas constitucionais de densidade suficiente, não desfrutam da tutelabilidade jurisdicional sem a prévia ponderação do Legislativo ou do Executivo, por meio de definição de política pública específica. Em relação a eles deve ser resguardado o debate democrático e preservado o pluralismo político, no âmbito do Legislativo e do Executivo.

Ingo Wolfgang Sarlet denomina essas normas de “normas constitucionais de cunho programático” (e não “normas programáticas”). E anota que “a necessidade de interposição legislativa dos direitos sociais prestacionais de cunho programático justifica-se apenas (se é que tal argumento pode assumir feição absoluta) pela circunstância – já referida – de que se cuida de um problema de natureza competencial, porquanto a realização destes direitos depende de disponibilidade dos meios, bem como – em muitos casos – da progressiva implementação e execução de políticas públicas na esfera socioeconômica” ( A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 293-294).

6. CONCLUSÕES

Com base nas ponderações acima desenvolvidas, podemos estabelecer as seguintes conclusões:

(a) os direitos fundamentais sociais, sob a perspectiva de justiciabilidade imediata, ou seja dapossibilidade de tutela jurisdicional, podem ser distribuídos em três categorias:

I – os que correspondem ao núcleo básico do princípio da dignidade da pessoa humana e configuram o chamado mínimo existencial;

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II – os que, embora não estejam referidos ao mínimo existencial, estão previstos em normas constitucionais de densidade suficiente e por isto não são dependentes, para a judicialização, de prévia ponderação do Legislativo ou do Executivo por meio de política pública específica;

III – os demais direitos fundamentais sociais, previstos em normas constitucionais de cunho programático.

(b) são imediatamente judicializáveis, independentemente de prévia definição de política pública pelo Legislativo ou pelo Executivo, somente os direitos fundamentais sociais pertencentes às duas primeiras categorias da classificação acima mencionada. A justiciabilidade dos direitos fundamentais sociais pertencentes à terceira categoria depende de prévia ponderação, por meio de política pública específica, dos demais poderes do Estado.

(c) o conceito de mínimo existencial é dinâmico e evolutivo, varia histórica e geograficamente, presidido pelo princípio da proibição de retrocesso, de sorte que, dependendo das condições socioeconômicas do país, direitos fundamentais sociais que não são judicializáveis na atualidade, poderão vir a sê-lo no futuro, imediato ou mediato.

(d) a cláusula da reserva do possível não é invocável na tutela jurisdicional do mínimo existencial.

LEITURA COMPLEMENTAR

O Judiciário tem que atuar com parcimônia e equilíbrio. Democracia e voto não se confundem.

Para Alexy, o juiz não se legitima por meio do voto porque o Judiciário no Brasil não é

eleito, mas legitima a sua atuação de acordo com a sua representação argumentativa

por meio das decisões judiciais (art. P3, IX, CF).

A judicialização da política não gera a politização do judiciário porque (i) a política realizada

pelo Poder Judiciário não é uma política partidária. Não quebra a parcialidade; e (ii)

inexistência de univocidade da interpretação.

O Judiciário é um instrumento de superação da ineficácia das estruturas políticas

fundamentais.

Argumento mais forte que autoriza o controle pelo Poder Judiciário das Políticas Públicas:

representação/legitimidade argumentativa (Alexy): fundamentação das sentenças e

demais decisões.

Os críticos do controle judicial das políticas públicas fundamentam-se na separação de

poderes. Ocorre que todos os poderes estão jungidos à CF e devem dar cumprimento a esta.

Além disso, não há atribuições exclusivas para nenhum dos Poderes (há funções típicas, sim

– a independência dos Poderes implica atribuições próprias, porém, sendo harmônicos, é

possível que todos façam cumprir o que determina a CF, sem que haja ofensa à separação

dos poderes). O art. 2º da CF traz limites recíprocos para fazer cumprir o corolário da

Page 50: Teoria Geral Do Direito e Da Política

dignidade da pessoa humana.

O Ministro do STF Gilmar Mendes afirma que, enquanto os parlamentares representam a

população pelo voto que recebem, o STF faz a “representação argumentativa” da

sociedade. A tese é do filósofo alemão Robert Alexy para quem os tribunais corrigem

distorções do Legislativo. Segundo Alexy, o Parlamento representa o cidadão politicamente e

as Supremas Cortes o fazem argumentativamente. 

LEITURA COMPLEMENTAR - RESUMO DO TJSP 184º CONCURSO

Políticas públicas são ações desenvolvidas pelo Estado com o fim de promover os inúmeros direitos assegurados pela Constituição e demais atos normativos, seja diretamente, seja por meio de contratos e convênios com entes públicos e privados. Visam a atender as demandas sociais, nas mais diferentes áreas (saúde, educação, cultura, meio ambiente, habitação etc.).

Em geral, fora dos casos em que são previstas pela própria Constituição, as políticas públicas nascem da atuação do Poder Legislativo, e são realizadas pelo Poder Executivo. Essa é a lógica, consideradas as funções típicas desses poderes.

Atualmente, também a sociedade civil organizada tem participado da elaboração das políticas públicas, por meio de instrumentos como audiências públicas e iniciativa popular de leis, entre outras, o que caracteriza a chamada publicização da gestão pública.

Ocorre que, em nosso país, os Poderes Legislativo e Executivo vêm sofrendo um longo processo de desgaste perante a opinião pública, pelas mais variadas razões, sendo as principais a corrupção, a inércia da administração, o desinteresse pelas questões essenciais da sociedade, os gastos irracionais, a astronômica carga tributária e o sucateamento dos serviços públicos em todas as áreas.

O resultado disso é a quebra de confiança dos cidadãos nesses poderes, e a crescente busca de direitos legal ou constitucionalmente assegurados (e não atendidos pelos entes competentes) perante o Judiciário, que passa, com isso, a intervir cada vez mais nas políticas públicas.

Por exemplo: o cidadão não confia mais no sistema de saúde. Quando necessita de um tratamento e recebe negativa ou evasivas do SUS, que afirma não cobrir o procedimento almejado, não titubeia em requerejr ao Judiciário o medicamento ou tratamento necessário. Muitas vezes, sai vitorioso, com uma liminar que lhe assegura o direito à saúde.

O Judiciário, nesse contesto, tutela o direito à vida e à saúde do cidadão, interfere no orçamento público e chega a impor ao Estado uma política que ele não adotaria em situação de normalidade. Muitas vezes, a dejcisão judicial obriga o Estado a custear um tratamento que nem sequer faz parte das coberturas do SUS.

As demandas que envolvem o direito à saúde são campo fértil de exemplos de interferência do Judiciário nas políticas públicas, diante da falência e do descrédito da população nos serviços oferecidos pelo Estado.

A consequência disso é que o juiz passa a ocupar, no caso concreto, o espaço dos outros poderes, porque estes não atuam ou atuam de forma ineficiente, e ele se vê premido a assegurar, por meio de suas decisões, o mínimo existencial pleiteado de forma

Page 51: Teoria Geral Do Direito e Da Política

justa pelo cidadão.

Afirma a professora Telma Aparecida Rostelato que:

“Atualmente o papel do juiz transformou-se em agente político, porque não aplica o Direito, tão-somente, mas interfere diretamente nas políticas públicas. Para atender ao caso concreto, o juiz altera certos procedimentos, com o que interfere, mesmo que de forma mínima, numa política pública, inclusive serve sua decisão de paradigma para outras pessoas e situação equivalente. Se é constatada esta forma de atuação, no plano individual, mais ainda se verifica nas ações coletivas, inexistindo dúvidas de que as ações coletivas trabalham com interesses relevantes defendidos por ambos os pólos da relação processual, pois via de regra envolvem interesses relevantes (de nível constitucional).”

Essa postura do juiz é bem vista pela sociedade, que vê no Judiciário a última trincheira para a realização dos direitos que o Estado deveria assegurar-lhe naturalmente.

A figura do juiz ativista é aplaudida pela maioria, pois ele é visto como o único capaz de realizar a justiça, num Estado que achaca o cidadão com injusta carga tributária sem prestar-lhe os serviços correspondentes.

Contudo, ante a banalização do desatendimento da população pelos poderes competentes, podem ocorrer interferências do Judiciário em questões que extrapolam o atendimento do mínimo existencial. Nesse caso, pode alguém afirmar que o juiz estará usurpando as funções dos outros poderes, de forma inconstitucional.

Sobre o tema, Telma Rostelato invoca as lições de Jorge Miranda:

“Assevera o autor que o juiz não estará usurpando a atribuição de qualquer representante de outra função do Estado; ao se utilizar de critérios objetivos, não estará criando a política pública, portanto não estará agindo como legislador, mas exprimindo a vontade da lei, em relação à condução dela pelo Estado, nem mesmo estará se colocando no papel de agente do Executivo. Como versa a obra: “a decisão judicial nasce do contraditório entre os interessados e assenta-se na possibilidade de diálogo anterior entre os que, possivelmente, serão atingidos pela atuação jurisdicional, seu conteúdo deve gozar da mesma legitimação a que faz juz o ato político emanado do Legislativo ou do Executivo”; por outro lado, não poderá o juiz, sem fundamento jurídico, demonstrar que a opção legislativa ou da administração pública não é a melhor para o caso, anulá-la para ordenar a adoção de outra política; com o que estará exorbitando suas funções. Não obstante, caberá ao Judiciário examinar a legalidade do ato administrativo, segundo os princípios constitucionais. Esta nova forma de pensar do magistrado exige a atenta visão da realidade e a sensível percepção do interesse social que o caso demanda, fazendo-se necessário que se anteveja a necessidade social de certa decisão. O domínio da técnica processual é também, segundo o autor, instrumento valioso para a tutela coletiva ser prestada adequadamente, de modo a evitar quaisquer limitações, que refletem conservadorismo e vinculação à ótica individual do processo, isto porque as ações coletivas envolvem uma outra forma de pensar o processo, muito embora alguns magistrados não tenham se dado conta disso, posto que as estruturas concebidas para as ações individuais nem sempre se aplicam ao processo coletivo. O juiz tem função de agente social e deve ter consciência disso.”

Neste último trecho, a autora aponta como a atuação do juiz em políticas públicas fica muito mais relevante e evidente no caso de ações coletivas, quando sua decisão pode

Page 52: Teoria Geral Do Direito e Da Política

realizar direitos os direitos fundamentais em escala ampliada, fazendo valer seu papel na construção de uma democracia participativa.

Quanto à crítica decorrente da suposta ofensa à tripartição de poderes, responde-se que, em um país que adota o sistema de freios e contrapesos, diante das roturas inocultáveis dos Poderes Executivo e Legislativo, é perfeitamente justificável a atuação mais forte e ativa das decisões judiciais para a concretização das políticas públicas indispensáveis aos cidadãos, com esteio na própria Constituição.

Referências:

http://www.meioambiente.pr.gov.br/arquivos/File/coea/pncpr/O_que_sao_PoliticasPublicas.pdf

http://www.dhnet.org.br/dados/cursos/aatr2/a_pdf/03_aatr_pp_papel.pdf

http://supremoemdebate.blogspot.com.br/2010/03/politicas-publicas-e-o-papel-do-juiz.html

http://www.conjur.com.br/2012-dez-18/telma-rostelato-juiz-funcao-agente-politico-acoes-coletivas

8 O JUIZ E A CONSTRUÇÃO DA DEMOCRACIA.

Fonte: Material do IAD de concursos passados

8.1 DEMOCRACIA E ESTADO DE DIREITO

Na origem, Estado de direito e demoracia são a mesma coisa.

Na idade moderna, a questão da legitimidade era vista apenas como algo divino. Com o

surgimento da mordenidade, busca-se explicar todos os fenômenos a partir da racionalidade.

Não a toa, há o surgimento da ciência e da modernade aliados ao positivismo.

Page 53: Teoria Geral Do Direito e Da Política

Positivismo jurídico – é a ciência que busca a implementação dessa racionalidade. Visa

acabar com a arbitrariedade.

Para que o juiz não julgue desigualmente as pessoas, o povo deve eleger seus representantes

para positivar uma norma jurídica que legitime a igualdade e imponha tratamento igual a todos.

Surge a ideia de democracia, atribuindo a um poder a definição de todas as situações, sob o

ponto de vista legal, e aos demais poderes o dever de concretizar essa lei. Surge a celebre

frase de Monstesquieau: “O juiz é a boca da lei”.

Racionalização do direito: A sociedade racional só segue o direito. Separa-se

radicalmente direito e moral. A lei deve ser seguida, independentemente de ser moral ou

não. Altera-se as fontes do direitos, de modo que a lei passa a ser a única fonte do

direito. Isso porque, entende-se que apenas a lei é legtima por decorrer da vontade

soberana do povo. O art. 4 da LICC é reflexo do positivismo, pois afirma que não

havendo lei, o juiz deve aplicar uma outra lei ao caso, ataraves da analogia. Somente

quando isso não for possível, é que o juiz pode aplicar os costumes.

A lei é a fonte única do direito. O juiz estava preso a lei.

Cria-se uma teoria do ordenamento jurídico: não existe lacuna do ordenamento jurídico,

pois o legislador sempre preverá uma lei para a situação. Surge a ideia de ser impossível usar

um costume contra legem.Com a revolução francesa, a ideia de positivismo ruiu, surgindo a

teoria do pós positivismo. Altera-se as fontes do direto.

Coerência: o positivismo jurídico afirma que o ordenamento jurídico não é incoerente. Atribui-se questão ao âmbito da validade, no sentido de que, havendo algum conflito entre as leis, uma delas não é válida.

8.2 A DEMOCRACIA NA CONSTITUIÇÃO

A Democracia é, por definição, um processo de convivência social numa sociedade livre, justa

e solidária, (art. 3.º, I, da CF/1988), na qual "o poder emana do povo, e deve ser exercido em

proveito do povo, diretamente ou por representantes eleitos" (art. 1, parágrafo único).

ESPECIFICAMENTE SOBRE A EXPRESSÃO “EXERCIDO EM PROVEITO DO POVO, o

caráter democrático da atuação judicial: Eugenio Raúl Zaffaroni, "uma instituição não é

democrática unicamente porque não provenha de eleição popular, porque nem tudo o que

provém desta origem é necessariamente aristocrático.Uma instituição é democrática quando

seja funcional para o sistema democrático, quer dizer, quando seja necessária para a sua

continuidade, como ocorre com o judiciário" (Poder judiciário: crise, acertos e desacertos.

Tradução de Juarez Tavares. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 43).

Para o o Relator da ADPF n. 132/ADI n. 4.277, os direitos fundamentais são constitutivos da

democracia: "12. [...] o sexo das pessoas, salvo expressa disposição constitucional em

contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. [...] Tratamento discriminatório ou

desigualitário sem causa que, se intentado pelo comum das pessoas ou pelo próprio Estado,

passa a colidir frontalmente com o objetivo constitucional de 'promover o bem de todos' (este o

explícito objetivo que se lê no inciso em foco). 13. 'Bem de todos', portanto, constitucionalmente

versado como uma situação jurídica ativa a que se chega pela eliminação do preconceito de

sexo. Se se prefere, 'bem de todos' enquanto valor objetivamente posto pela Constituição para

dar sentido e propósito ainda mais adensados à vida de cada ser humano em particular, com

Page 54: Teoria Geral Do Direito e Da Política

reflexos positivos no equilíbrio da sociedade" (trecho do voto do Ministro Relator, no julgamento

da ADPF n. 132/ADI n. 4.277).

8.3 O PARADOXO DA DEMOCRACIA CONSTITUCIONAL

Existe um paradoxo que marca a democracia constitucional: democracia significa o povo

decidindo as questões politicamente relevantes da sua comunidade, inclusive os conteúdos da

constituição. De outro lado o constitucionalismo significa limites à soberania popular:

Sobre o tema, Vera Karam de Chueiri e Miguel G. Godoy apresentam um debate ocorrido entre

Frank Milcheman com Jürgen Habermas ocorrido na Cardozo Law School, em 1999, nos

seguintes termos:

[...] o paradoxo da democracia constitucional assume várias formas. A democracia aparece

como auto-governo do povo - as pessoas de um país decidindo por si mesmas os conteúdos

decisivos e fundamentais das normas que organizam e regulam a sua comunidade política.

O constitucionalismo aparece como a contenção da tomada de decisão popular através de uma

norma fundamental, a constituição - law of lawmaking, projetada para controlar até onde as

normas podem ser feitas, por quem e através de quais procedimentos. É parte essencial da

noção de constitucionalismo que a norma fundamental deva ser intocável pela política

majoritária (que ela deve limitar)" (CHUEIRI, Vera Karam de; GODOY, Miguel G..

Constitucionalismo e democracia: soberania e poder constituinte. Revista direito GV. São

Paulo. vol. 6, nº. 1: O STF E A CONSTITUIÇÃO. São Paulo. pp. 159-174, jan./jun., 2010, p.

160)

Sobre isso, afirmam Alexandre Gustavo Melo Franco Bahia e Paulo Roberto Iotti Vecchiatti: os

"direitos fundamentais, enquanto condições de possibilidade da própria democracia, não estão

à disposição da vontade majoritária" (BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco; VECCHIATTI,

Paulo Roberto Iotti. ADI N. 4.277 - Constitucionalidade e relevância da decisão sobre união

homoafetiva: o STF como instituição CONTRAMAJORITÁRIA no reconhecimento de uma

concepção plural de família. Revista Direito GV. vol. 9, nº. 1, São Paulo jan./jun., pp. 65-92,

2013, p. 82).

"Importante destacar que em uma democracia pluralista, o Tribunal Constitucional não possui

tão somente a função de assegurar a preservação normativa do texto constitucional, junto a

essa função, ele deve, necessariamente agregar a proteção da minoria perante o legislador e a

vontade da maioria. Dessarte, a FUNÇÃO CONTRAMAJORITÁRIA DO STF não se apresenta

relevante apenas no que diz respeito à proteção de direitos fundamentais do cidadão. O próprio

sistema constitucional depende dessa atuação, uma vez que, frise-se novamente, nada é mais

contramajoritário que o próprio controle abstrato de constitucionalidade. Vale dizer, não se

pode deixar de recordar que após o pós-guerra, o Ocidente, a duríssimas penas, constatou que

nem todo conteúdo, por maior aprovação popular que ele tenha, pode ser considerado direito,

por consequência, a jurisdição constitucional consolidou-se como o locus privilegiado para

assegurar a incolumidade do sistema constitucional como um todo, afinal, é sempre importante

ter em vista que a democracia é algo valioso, tão valioso que é necessário que seja protegida

dela mesma" (ABBOUD, Georges. Crítica à jurisprudência do STF em matéria de controle de

constitucionalidade. Revista de processo. v. 38, n. 215, p. 409-426, jan. 2013).

"o próprio Michelman afirma depois, em seu paper Excerpst from Brennan and democracy (e

este será o leitmotiv deste artigo), conciliar democracia e constitucionalismo é uma tarefa tão

complexa quanto problemática. Se a democracia significa o povo decidindo as questões

Page 55: Teoria Geral Do Direito e Da Política

politicamente relevantes da sua comunidade, isso inclui os conteúdos da constituição de um

país, isto é, as normas que organizam as instituições do governo e estabelecem limites aos

respectivos poderes governamentais. Entretanto, se o constitucionalismo significa limites à

soberania popular, então alguns conteúdos da Constituição - Law of lawmaking - devem

permanecer fora do alcance da decisão majoritária ou das deliberações democráticas"

(CHUEIRI, Vera Karam de; GODOY, Miguel G.. Constitucionalismo e democracia: soberania e

poder constituinte. Revista direito GV. São Paulo. vol. 6, nº. 1: O STF E A CONSTITUIÇÃO.

São Paulo. pp. 159-174, jan./jun., 2010, p. 160).

JURISPRUDÊNCIA SOBRE A RELAÇÃO MAIORIA, MINORIA E DEMOCRACIA: "...a reserva

do possível não pode ser oposta à efetivação dos Direitos Fundamentais, já que, quanto a

estes, não cabe ao administrador público preterí-los em suas escolhas. Nem mesmo a vontade

da maioria pode tratar tais direitos como secundários. Isso, porque a democracia não se

restinge na vontade da maioria. O princípio do majoritário é apenas um instrumento no

processo democrático , mas este não se resume àquele . Democracia é, além da vontade da

maioria, a realização dos direitos fundamentais.Só haverá democracia real onde houver

liberdade de expressão, pluralismo político, acesso à informação, à educação, inviolabilidade

da intimidade, o respeito às minorias e às ideias minoritárias etc.Tais valores não podem ser

malferidos, ainda que seja a vontade da maioria.Caso contrário, se estará usando da

"democracia" para extinguir a Democracia" - REsp 1185474/SC, Rel. Ministro HUMBERTO

MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/04/2010.

8.4 O JUIZ E A CONSTRUÇÃO DA DEMOCRACIA

Palavras-chaves que nao podem faltar na resposta:

- Juiz é a ultima ratio

- Nao é decisionismo: visa apenas efetivar a CF

- Deve haver uma interpretação completa por todo o ordenamento jurídico

Obs: No que toca a saúde, o TJ/DFT criou um comitê da saúde, para melhor legitimar as

decisões do judiciário em matéria de política pública.

Segundo Bobbio, a democracia pode ser ameaçada:

a) pela formação cada vez maior de corporações com maior poder de influência nas decisões

políticas que os cidadãos individuais;

b) pela concorrência desenfreada de grupos com interesses distintos, dificultando a formação

de consensos coletivos; e sobretudo:

c) pelo crescimento da burocracia que exige cada vez mais conhecimento especializado e

competência técnica, levando ao seu oposto: a tecnocracia. Democracia é a idéia de que todos

podem decidir por tudo; tecnocracia, por sua vez, é a defesa de que, em algumas questões,

somente experts estão autorizados a decidir.

PRESSUPOSTO: As promessas de igualdade política e de iguais oportunidades estão na base

dos princípios democráticos: "Isso se torna um desafio à democracia, que há que ser

enfrentado, pois "propiciar maior inclusão e influência aos grupos sociais sub-representados

pode contribuir para que uma sociedade enfrente e reduza a desigualdade social estrutural"

Page 56: Teoria Geral Do Direito e Da Política

(YOUNG, 2006, p. 170). Em um Estado Democrático de Direito percebe-se que democracia e

constitucionalismo devem andar lado a lado, em relação de tensão, sob pena de que a

prevalência de um sem o outro acabe gerando formas de ditadura. A democracia trabalha com

maiorias: temas são apresentados e a maioria dos votantes elege a opção vencedora. O

constitucionalismo, no entanto, funciona como repositório de direitos fundamentais de que

minorias podem se valer para se defender contra pretensões da maioria" (BAHIA, Alexandre

Gustavo Melo Franco; VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. ADI N. 4.277 - Constitucionalidade e

relevância da decisão sobre união homoafetiva: o STF como instituição contramajoritária no

reconhecimento de uma concepção plural de família. Revista Direito GV. vol. 9, nº. 1, São

Paulo jan./jun., pp. 65-92, 2013, p. 69).

CASOS PARADIGMÁTICOS (O JUDICIÁRIO COMO O MURO DAS LAMENTAÇÕES): "Existe

uma referência constante na literatura das benesses dessa estratégia, como nos emblemáticos

precedentes implementados pela Corte presidida por Earl Warren, na Suprema Corte Norte-

americana, com indicações de precedentes como o de 1954 e 1955, Brown vs. Board of

Education of Topeka, no qual o aludido Tribunal declarou inconstitucional a segregação racial

aos estudantes de escola pública. Como noticia Hershkoff ([s/d]), o precedente Brown "deu

inspiração a uma geração de advogados que enxergavam o direito como uma fonte de

libertação e transformação para grupos marginalizados", ou seja, como dito, que enxergavam

na via processual um mecanismo contramajoritário mediante o qual os grupos

marginalizados e não detentores de espaço nas arenas políticas poderiam obter direitos

não assegurados pela Administração Pública" (BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco;

VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. ADI N. 4.277 - Constitucionalidade e relevância da decisão

sobre união homoafetiva: o STF como instituição contramajoritária no reconhecimento de uma

concepção plural de família. Revista Direito GV. vol. 9, nº. 1, São Paulo jan./jun., pp. 65-92,

2013, p. 70).

OBSERVAÇÕES IMPORTANTES SOBRE O ASPECTO CONTRAMAJORITÁRIO DOS

DIREITOS FUNDAMENTAIS:

1. "É bom que fique claro, no entanto, que o uso do Judiciário dessa forma deve ser a

última ratio, o último recurso e não, como por vezes se vê, a primeira/principal

via de acesso de demandas público-política s " (BAHIA, Alexandre Gustavo Melo

Franco; VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. ADI N. 4.277 - Constitucionalidade e

relevância da decisão sobre união homoafetiva: o STF como instituição

contramajoritária no reconhecimento de uma concepção plural de família. Revista

Direito GV. vol. 9, nº. 1, São Paulo jan./jun., pp. 65-92, 2013, p. 70).

A esse respeito, Peter Harbele menciona: "Eu acompanho essa democratização [da

jurisdição do STF sobre temas constitucionais] com grande entusiasmo e acompanho

com igual entusiasmo a tendência de dar publicidade às sessões do STF. Mas tal

orientação pode envolver também riscos e perigos. O legislador parlamentar é dotado

de legitimação democrática direta , uma vez que é eleito pelo povo, ao passo que os

juízes do STF têm legitimidade apenas indireta e mediada. [... ]Os jovens tribunais

constitucionais precisam investir esforços para criar uma sociedade civil. Vemos quão

difícil seria, vemos o quão difícil é implementar essa tarefa na Líbia, por exemplo, e o

quão difícil é desenvolver nesses países uma sociedade civil" (HABERLE, Peter.

Constituição é declaração de amor ao país.Entrevista dada a Marília Scriboni e Rodigo

Haidar.Consultor Jurídico, 29/05/2011. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2011-

mai-29/entrevista-peter-haberle-constitucionalista-alemao>. Acesso em: 28 fev. 2014).

Page 57: Teoria Geral Do Direito e Da Política

2. NÃO SE TRATA DE DECISIONISMO :Eduardo Cambi defende que o respeito à

democracia justifica um protagonismo judicial responsável: "É importante salientar que

sua utilização não implica o incentivo decisionismos ou voluntarismos, nem tampouco

ao retorno à Jurisprudência dos Valores. Ao contrário, pretende-se salvaguardar a

posição da jurisdição na efetivação da Constituição, tendo, para tanto, que obstruir os

empecilhos contrários à realização dos direitos fundamentais" (CAMBI, Eduardo.

Protagonismo judiciário responsável. Argumenta: revista do curso de mestrado em

ciência jurídica da Fundinopi, n. 16, p. 83-97, jan./jul. 2012, p. 93).

3. SOBRE A ÚLTIMA PALAVRA: “Esta crítica democrática se assenta na idéia de que,

numa democracia, é essencial que as decisões políticas mais importantes sejam

tomadas pelo próprio povo ou por seus representantes eleitos e não por sábios ou

tecnocratas de toga. É verdade que a maior parte dos teóricos contemporâneos da

democracia reconhece que ela não se esgota no respeito ao princípio majoritário,

pressupondo antes o acatamento das regras do jogo democrático, que incluem a

garantia de direitos básicos, visando a viabilizar a participação igualitária do cidadão na

esfera pública, bem como alguma proteção às minorias2. Porém, temos aqui uma

questão de dosagem, pois se a imposição de alguns limites para a decisão das

maiorias pode ser justificada em nome da democracia, o exagero tende a revelar-se

antidemocrático, por cercear em demasia a possibilidade do povo de se autogovernar3”

(SARMENTO, Daniel. O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades.

Revista Brasileira de Estudos Constitucionais - RBEC, v. 3, n. 9, p. 95-133, jan./mar.

2009).

LEITURA COMPLEMENTAR

A análise da ilegitimidade do Poder Jurídico para controle das políticas públicas perpassa pelo conceito de democracia, que não coincide com o conceito de “voto”. Além disso, existe o quinto constitucional, que confere faceta democrática aos tribunais/Poder Judiciário (art. 94, CF). Há, ainda, a nomeação de alguns magistrados pelo Executivo com a chancela do Legislativo (legitimidade popular indireta dos ministros do STF, por exemplo.)

RESUMO DO TJSP 184º CONCURSOO juiz e a construção da Democracia.

A legitimidade de um Poder de Estado não se vincula apenas à ideia do sufrágio universal, mas também decorre da função democrática na defesa das minorias e da

2Cf. Robert A. Dahl. Sobre a democracia. Tradução de Beatriz Sidou. Brasília: UNB, 2001. p. 97-113; Jürgen Habermas. Popular Sovereignity as Procedure. In: James Bonham; William Rehg. Deliberative Democracy. Cambridge: The MIT Press, 1997. p 35-66.3A questão da tensão e sinergia simultâneas entre constitucionalismo e democracia é um dos debates mais fecundos da Teoria Política e da Filosofia Constitucional, que tem atravessado o tempo, desde o advento do constitucionalismo moderno no século XVIII. Veja-se, no debate contemporâneo, Jeremy Waldron. "Preocommitment and Disagreement". In: Larry Alexander. Constitucionalism: Philosophical Foundations. Cambridge: Cambridge University Press, 1998. p. 271-299; Jürgen Habermas. O Estado democrático de direito: uma amarração paradoxal de princípios contraditórios?". In: Era das transições. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 153-173; Carlos Santiago Nino. La Constitución de la Democracia Deliberativa. Op. cit; Frank Michelman. Brennan and Democracy. Princeton: Princeton University Press, 1999, p. 03-62; Stephen Holmes. El Precompromiso y la Paradoja de la Democracia. In: Jon Elster; Rune Slagstad. Constitucionalismo y Democracia. Tradução de Mônica Utrilla de Neira. Mexico: Fondo de Cultura Econômica, 1999. p. 217-262.

Page 58: Teoria Geral Do Direito e Da Política

submissão do juiz aos valores e princípios previstos na Constituição da República. Nesse sentido é que o Poder Judiciário contribui para a construção da democracia e, por conseguinte, detem legitimidade democrática, na medida em que é responsável pela estabilidade do sistema democrático, limitando eventuais arbitrariedades dos demais Poderes, e também por ser o garantidor da efetividade dos direitos fundamentais.

Mauro Cappelletti ressalta que é um erro fundamental pretender aplicar à atividade judiciária os mesmos critérios que legitimam a atividade legislativa. A legitimação do Judiciário depende precipuamente da forma e do conteúdo da atividade jurisdicional e não da forma de ingresso dos seus membros. Quer isso dizer que o Estado Democrático de Direito não se reduz ou se confunde com a democracia representativa. Luiz Flávio Gomes, dissertando sobre a legitimidade democrática dos Poderes, aduz que o Poder Constituinte originário concebeu duas formas de legitimação: a) a representativa, típica dos cargos políticos; b) a legal, inerente à função jurisdicional.

A legitimação democrática legal, racional ou formal dos juízes, portanto, em nada se confunde com a legitimação democrática representativa, haja vista que aquela reside na vinculação do juiz à lei e à Constituição elaboradas pelo poder político. Os juízes, conforme o sistema adotado pelo constituinte, não só não serão eleitos diretamente pelo povo como também estão proibidos de exercer qualquer atividade político-partidária, o que significa que não podem sequer desejar eleição direta.

Refutando a afirmação de carência de legitimidade democrática da jurisdição, Cappelletti aduz que tendo em vista que os juízes são obrigados constitucionalmente a motivar suas decisões por escrito e de forma pública, certo é que ao agirem desse modo se mantem fieis ao sentimento de equidade e justiça da comunidade. A motivação e publicidade dos atos jurídicos sujeitam o Poder Judiciário ao controle da coletividade.

Outro aspecto enfatizado por Cappelletti consiste na participação direta dos interessados no processo, que culminará com a decisão judicial, o que confere caráter democrático à decisão.

Ainda, o jurista italiano ressaltando a influência do Poder Judiciário na construção da democracia, assinala que esta não pode prescindir de um sistema que assegure as liberdades fundamentais e elimine a concentração do poder nas mãos dos representantes da maioria. O Poder Judiciário, por independer dos desejos, por vezes momentâneos, da maioria, dá uma grande contribuição para a democracia, tanto que seja capaz de assegurar a preservação do sistema de freios e contrapesos em face do crescimento dos poderes políticos. Nesse sentido, é que o Poder Judiciário exerce sua função democrática ao conter o agigantamento dos poderes políticos e impedir o abuso dos demais poderes.

Eugenio Raul Zaffaroni afirma que a legitimidade democrática não é julgada apenas pela origem, mas “o prioritário no Judiciário é sua função democrática, ou seja, sua já mencionada utilidade para a estabilidade e continuidade democrática”.

No Estado Democrático de Direito, o Poder Judiciário impede que o Estado se perverta em uma autêntica ditadura parlamentar da maioria e, com isso, limita eventual atuação dos Poderes Legislativo e Executivo que colida com o princípio republicano. A democracia não pode ser concebida unicamente como a vontade da maioria, mas sim como resultado de um pluralismo político, fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, inciso V, da CR/88).

Nesse contexto, é que o Poder Judiciário, por não ter seus membros escolhidos pela via eleitoral, não precisa levar em consideração se sua decisão satisfaz

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ou não a vontade de uma parcela da sociedade, eis que o juiz deve pautar sua decisão de acordo com os princípios constitucionais elencados na Constituição, ainda que esses princípios fundamentem pretensões de uma minoria da sociedade. O juiz concretiza o direito e as obrigações dos atores político-sociais (sociedade), os verdadeiros titulares do poder.

Luiz Roberto Barroso aponta que a possibilidade de as instâncias judiciais, por meio do controle de constitucionalidade, sobreporem suas decisões às dos agentes políticos eleitos, gera aquilo que em teoria constitucional foi denominado de DIFICULDADE CONTRAMAJORITÁRIA. Isso significa que quando o Judiciário declara inconstitucional um ato legislativo ou um ato de membro eleito do executivo, opõe-se à vontade de representantes do povo, exercendo um controle, não em nome da maioria dominante, mas contra ela. O controle de constitucionalidade é o poder de aplicar e interpretar a Constituição em matérias de grande relevância contra a vontade da maioria legislativa, a qual, por sua vez, é impotente para se opor à decisão judicial.

Com a finalidade de resguardar esse papel foi que a Constituição Federal conferiu a independência e a impossibilidade de o juiz participar de partidos políticos (art. 95, inciso III, CR/88).

Outra forma de concretização do papel democrático do Poder Judiciário é o exercício da jurisdição constitucional, pela qual se designa a interpretação e a aplicação da Constituição por órgãos judiciários.

A jurisdição constitucional, segundo Luis Roberto Barroso, é um espaço de legitimação discursiva ou argumentativa das decisões políticas, que coexiste com a legitimação majoritária, servindo-lhe de contraponto e complemento. Isso se torna especialmente verdadeiro em países de redemocratização mais recente, como o Brasil, onde o amadurecimento institucional está em curso, enfrentando uma tradição de hegemonia do Executivo e uma persistente fragilidade do sistema representativo.

Observa-se uma transferência de poder para as instituições judiciais, em detrimento do Legislativo e Executivo, através da judicialização, que significa que questões relevantes do ponto de vista político, social ou moral estão sendo decididas, em caráter final, pelo poder judiciário.

Luís Roberto Barroso aponta três causas para o fenômeno da judicialização. A primeira é o reconhecimento da importância de um JUDICIÁRIO FORTE E INDEPENDENTE, como elemento essencial para as democracias modernas. A segunda envolve certa desilusão com a política majoritária, em razão DA CRISE DE REPRESENTATIVIDADE E DE FUNCIONALIDADE DOS PARLAMENTOS EM GERAL. A terceira relaciona-se ao fato de que atores políticos, muitas vezes preferem que O JUDICIÁRIO SEJA A INSTÂNCIA DECISÓRIA DE CERTAS QUESTÕES POLÊMICAS, EM RELAÇÃO ÀS QUAIS EXISTA DESACORDO MORAL RAZOÁVEL NA SOCIEDADE.

O autor afirma ainda que, no Brasil, a judicialização assumiu proporção ainda maior, em razão da constitucionalização abrangente e analítica – constitucionalizar é retirar um tema do debate político e trazê-lo para o universo das pretensões judicializáveis – e do sistema de controle de constitucionalidade aqui vigente – todo juiz pode pronunciar a invalidade de uma norma no caso concreto e ações diretas são ajuizáveis perante a corte constitucional.

A ideia do ativismo judicial está relacionada à judicialização. O ativismo judicial, segundo o autor citado acima, é a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a

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Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Geralmente ocorre em situações de retração do Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que os anseios sociais sejam atendidos de maneira efetiva. O ativismo judicial está associado a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário no espaço de atuação dos outros dois poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: 1) aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; 2) declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; 3) imposição de condutas ou de abstenções ao poder público, notadamente em matéria de políticas públicas. Contudo, ressalta o autor que decisões ativistas devem ser eventuais e em momentos históricos determinados.

Conclui-se, assim, que o Poder Judiciário atua na construção da democracia quando, ao limitar eventual arbitrariedade dos demais Poderes, seja por meio do controle de constitucionalidade, seja por meio da judicialização ou mesmo do ativismo judicial, concretiza o direito das minorias e resguarda os direitos fundamentais.

REFERÊNCIAS:

BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Disponível em: < http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181901.pdf >

BARROSO, Luís Roberto. Constituição, Democracia e Supremacia Judicial: Direito e Política no Brasil Contemporâneo. Disponível em: < http://www.oab.org.br/editora/revista/revista_11/artigos/constituicaodemocraciaesupremaciajudicial.pdf >

CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1993.

DENS, Guilherme Frederico Hernandes. A Legitimidade Democrática do Poder Judiciário e a politização Partidária do Juiz. Disponível em: < http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/16304-16305-1-PB.pdf >

GOMES, Luiz Flávio. A dimensão da magistratura no Estado Constitucional e Democrático de Direito. São Paulo: RT, 1997.

ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Poder Judiciário – Crises, acertos e desacertos. São Paulo: RT, 1995.

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9 DEMOCRACIA E ESTADO DE DIREITO.

Fonte: Resumo do TJSP 184º Concurso- Tópico igualmente abordado acima no item 8.1

O constituinte, inspirado no art. 2º da Constituição portuguesa, finda este art. 1º afirmando que a República Federativa do Brasil “constitui-se em Estado Democrático de Direito”. Assim o fez acertadamente, porque quis reforçar a ideia segundo a qual Estado de Direito e democracia, bem como democracia e Estado de Direito, não são noções tautológicas, pleonásticas. Ao invés, inexistem dissociadas. Devem, por isso, vir juntas e não separadas uma da outra, pois visam reforçar a concepção que o Estado Democrático de Direito surge em oposição ao Estado de Polícia - aquele autoritário, que apregoa o repúdio às liberdades públicas, no sentido mais vasto e completo que esta expressão possa ensejar.

Ao utilizar a terminologia “Estado Democrático de Direito”, a Constituição reconheceu a República Federativa do Brasil como uma ordenação estatal justa, mantenedora dos direitos individuais e metaindividuais, garantindo os direitos adquiridos, a independência e a imparcialidade dos juízes e tribunais, a responsabilidade dos governantes para com os governados, a prevalência do princípio representativo, segundo o qual todo o poder emana do povo e, em nome dele, é exercido, por meio de representantes eleitos através do voto. 

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O Estado democrático é Estado de direito e só sendo-o é que é democrático. Esta ligação material das duas componentes não impede a consideração específica de cada uma delas, mas o sentido de uma não pode deixar de ficar condicionado e de ser qualificado em função do sentido da outra, pois democracia e estado de direito se encontram presos em uma relação circular.

Estado de Direito significa que nenhum indivíduo, presidente ou cidadão comum, está acima da lei. Os governos democráticos exercem a autoridade por meio da lei e estão eles próprios sujeitos a se submeter às situações desagradáveis impostas pela lei. Os direitos fundamentais assegurados pelo Estado de Direito visam a proteger os indivíduos do poder avassalador das formas tradicionais e autoritárias do poder político assim como garantir o acesso aos bens básicos que a própria sociedade é capaz de produzir.

Quando o sistema judiciário de uma sociedade que se quer democrática funciona mal ou deixa de realizar o seu papel de fazer cumprir e respeitar a lei, o que está em risco é a própria democracia do país. A democracia formalmente instituída garante juridicamente a “igualdade perante a lei” para todos os membros da coletividade, mas a real efetividade desse princípio é que traduz o grau de democracia existente na vida da sociedade.

O Estado de direito é considerado algo desejável, algo a ser perseguido e alcançado, algo a ser mantido e protegido. Nas palavras de MacCormick, “o Estado de direito (Rule of Law) é um sinal de virtude das sociedades civilizadas”, e, onde ele existir, haverá “significante segurança para a independência e dignidade de cada cidadão”.

O regime democrático, no seu caráter institucional, é elaborado pelo Estado de direito, através de uma Constituição. Uma associação política que pretenda estabelecer uma democracia necessita firmar uma constituição para assegurar os standards mínimos para a participação nas decisões coletivas.

O aspecto formal da democracia constitui-se no conjunto das instituições características deste regime político. Entre elas, destacam-se as eleições livres, o voto secreto e universal, a autonomia dos poderes de Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário), a existência de mais de um partido político, e a liberdade de pensamento, expressão e associação. Em outras palavras, estamos nos referindo às regras do "jogo" democrático, ao estabelecimento dos meios pelos quais a democracia é posta em prática.

Já o aspecto substancial é aquele que se refere aos resultados do processo, aos fins a serem alcançados. Aqui se destaca, em primeiro lugar, a existência efetiva - e não somente em tese - da igualdade jurídica e política dos cidadãos. Ao mesmo tempo, deve-se levar em conta também as desigualdades econômicas, que deveriam ser as menores possíveis.

Ainda que as pessoas sejam diferentes e integrem grupos sociais diversos, ninguém pode ser privilegiado ou discriminado no tocante a direitos básicos. Todos devem ter a possibilidade de acesso aos bens materiais básicos como moradia, alimentação e saúde, e ainda aos bens culturais, em todos os níveis: educação, profissionalização, lazer, arte etc.

Atingir uma democracia substancial, porém, só é possível a partir do momento em que se respeitam as regras do jogo. Nesse sentido, antes de mais nada, a democracia pressupõe a existência de um estado de direito, ou seja, o respeito às leis, das quais a principal é a Constituição do país. Além disso, é fundamental a autonomia dos Poderes legislativo e judiciário. Uma das características do autoritarismo e da ditadura é a submissão dos poderes legislativo e judiciário ao executivo.

Para ser de fato substancial, a democracia não pode permitir a prevalência de um poder executivo sobre os outros e deve estar baseada em uma legislação que realmente atenda ao interesse da sociedade. Ao mesmo tempo, precisa contar com um poder judiciário eficiente e capaz de resistir às pressões, em especial do poder econômico, de modo que qualquer cidadão - rico ou pobre - possa obter justiça.

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LEITURA COMPLEMENTAR

O Estado Democrático Direito é resultado de um processo iniciado pelo Estado liberal que, perpassando pelo Estado Social de Direito, é legitimado e transforma-se em Estado Democrático de Direito.

O Estado de Direito é um estado tipicamente liberal e também constitucional. Segundo José Afonso da Silva, o Estado de Direito possui as seguintes características:

“(a) submissão ao império da lei, que era a nota primária de seu conceito, sendo a lei considerada como ato emanado formalmente pelo poder Legislativo, composto de representantes do povo, mas do povo-cidadão; (b) divisão de poderes, que separe de forma independente e harmônica os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, como técnica que assegure a produção das leis ao primeiro e a independência e imparcialidade do último em face dos demais e das pressões dos poderosos particulares; (c) enunciado e garantia dos direitos individuais”.

Assim, o Estado de Direito é o estado pautado estritamente no princípio da legalidade.

O Estado Liberal foi um estado de políticas abstencionistas, o qual, como o próprio nome revela, tinha como cerne o princípio da liberdade. A liberdade, tão-somente, não foi capaz de promover uma vida digna aos homens, sendo, inclusive, seu uso abusivo um grande palco para as injustiças sociais, intensificando-se depois da Revolução Industrial. Logo, o povo começou a se manifestar em busca de melhores condições de saúde, trabalho, educação, lazer e economia. Na forte onda do movimento social, o Estado de Direito quase foi rompido. No entanto, como anota Lucas Verdú, citado por José Afonso da Silva:

“o Estado de Direito, que já não poderia justificar-se como liberal, necessitou, para enfrentar a maré social, despojar-se de sua neutralidade, integrar, em seu seio, a sociedade, sem renunciar ao primado do Direito. O Estado de Direito, na atualidade, deixou de ser formal, neutro e individualista, para transformar-se em Estado material de Direito, enquanto adota uma dogmática e pretende realizar a justiça social”.

Assim, o Estado Liberal foi obrigado a ceder às pressões sociais, como de fato cedeu, mas não ao primado da lei. O Estado Social de Direito continua sendo um estado submisso à lei, mas não a qualquer lei e sim à lei que vise ao bem-estar social.

A passagem do Estado de Direito para o Welfare State marca a saída de um estado abstencionista norteado pelo princípio da liberdade para um estado interventor, pautado no princípio da igualdade material, ou ainda, nas palavras de Bobbio, deixa de ser um Estado mais livre e menos justo para ser menos livre e mais justo.

Inobstante o Estado Social de Direito buscar a realização do bem-estar social, não podemos asseverar ainda que se esteja em um Estado Democrático de Direito, pois este necessita de algo que alguns Estados Sociais não tiveram. Trata-se da legitimidade do exercício do poder político. Tome-se como exemplo a Itália fascista de Mussolini e a Alemanha nazista de Hitler. Ambos os países eram considerados Estados Sociais de Direito, contudo a legitimidade do

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poder era duvidosa.

Portanto, para que efetivamente se configure o chamado Estado Democrático de Direito só falta um elemento caracterizador deste, qual seja, o conteúdo democrático.

Classicamente, se entende a Democracia como um governo do povo, para o povo e pelo povo, que exerce diretamente ou via representantes. Como é de se perceber, o conceito de Estado Democrático é correlato ao conceito de legitimidade, na medida em que esta – como sendo o respaldo daquele que exerce o poder político na vontade popular – é pressuposto daquele, ou seja, sem legitimidade não há democracia.

O Estado Democrático é, portanto, um Estado em que há preponderância da vontade popular na sua organização política, social, econômica e ideológica.

Faz-se mister transcrever a observação de José Afonso da Silva:

“A configuração do Estado Democrático de Direito não significa unir formalmente os conceitos de Estado Democrático e Estado de Direito. Consiste, na verdade, na criação de um novo conceito, que leva em conta os conceitos dos elementos componentes, mas os supera na medida em que incorpora um componente revolucionário de transformação do status quo”.

Como visto anteriormente, o Estado Social de Direito nem sempre foi capaz de assegurar a democracia, não obstante a busca pela justiça social e a obediência aos ditames da lei.

Assim, chegamos ao Estado Democrático de Direito, consagrado inclusive na vigente Carta Magna, na qual claramente se percebe a sua essência (artigos 1º e 3º). O Estado Democrático de Direito é, pois, à luz da Constituição de 1988, um Estado baseado no princípio da legalidade (art. 5, II), porém não na legalidade formal, mas sim material, na medida em que está voltado para a realização de uma sociedade livre, justa e solidária (art.3º, I); garantindo o desenvolvimento nacional (art. 3, II); erradicando a pobreza e a marginalização e reduzindo as desigualdades sociais e regionais (art.3º, III); e promovendo o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV), constituindo-se, enfim, em democrático quando preceitua no parágrafo único do artigo 1º que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Em suma, Estado Democrático de Direito é aquele que busca a realização do bem-estar social sob a égide de uma lei justa e que assegure a participação mais ampla possível do povo, no processo político decisório.

Podemos então afirmar que o Brasil é um Estado democrático porque: 1) nossa CRFB prevê regras do jogo para os processos decisórios; 2) as regras traçadas são efetivas, estabelecendo ampla participação; e 3) o sistema é pautado na proteção e garantia aos

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direitos fundamentais e humanos. Em uma frase: democracia é o regime político de uma sociedade que consagra direitos fundamentais, em que estão estabelecidas e são efetivadas as regras do jogo para tomada de decisões igualitárias, sob um postulado de ampla participação.

Democracia participativa e democracia representativa

Anteriormente, as expressões mais usadas para definir os tipos de democracia eram democracia direta ou indireta, e mesmo que hoje se fale na doutrina quase que somente em democracia participativa ou representativa, a classificação anterior parece ser mais técnica, inclusive.

Isso se diz porque falar em democracia que não seja participativa é impossível: toda forma de democracia é necessariamente participativa em algum nível, ou então não é democracia.Na democracia representativa, ou indireta, o povo toma parte no processo decisório por um meio fundamental: o voto em seu representante. Ocorre que o voto é destinado não à decisão geral propriamente, mas sim à eleição de membros os quais, estes sim, levarão a cabo o processo decisório em si. Nessa linha, o Brasil é uma democracia representativa, ou indireta. Na democracia direta, participativa, o povo toma a própria decisão com seu voto, e não apenas elege o representante que, ele sim, decidirá pelo povo.Mas vale ressaltar que o Brasil não é puramente uma democracia indireta: há institutos de democracia direta aqui, quais sejam, a iniciativa popular, o plebiscito e o referendo, e as audiências públicas em processos objetivos.

10 LEGITIMIDADE E LEGALIDADE.

- Resumo de Humanística do 183º concurso do TJSP

10.1 Legitimidade e legalidade.

O enfoque do tema legitimidade versus legalidade tem apresentado importantes contornos, do ponto de vista do estudo da Teoria Geral do Direito, com destaques para a legitimação do exercício do poder.

“Nem tudo que é ilegal é ilegítimo”. Esta frase, difundida no senso comum, é de grande importância nos estudos filosófico-jurídicos. A partir dela, insere-se na doutrina jurídica um termo bem menos conhecido que a legalidade: a legitimidade.

A legitimação vem reconhecer pluralismo insuprimível das sociedades contemporâneas, com toda sua complexidade, o que demonstra ser elemento desvinculado da coerção e da própria legalidade.

A história das instituições jurídicas brasileiras consolidou a ideologia positivista, sobre a qual a legalidade é o principal fundamento de validade das condutas dos indivíduos na sociedade (Estado de Direito).

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O positivismo deu origem à ideologia legalista, ideologia potencial a ser “falsificadora da realidade”, estratégia autoritária, que pode vir a passa longe dos marcos de justiça. A noção de legitimidade virá, portanto, para romper com essa ideologia.

No livro Elementos de Teoria e Ideologia do Direito, Giuseppe Lumia destaca que “legitimação consiste no poder de exercer um direito que compete concretamente a quem dele é titular”.

Num Estado Democrático de Direito, a Legalidade está próxima da Legitimidade, isto é, não pode ser respeitada tão-somente a exigência de que a atuação estatal seja baseada na lei em sentido formal. O instrumento de atuação do Estado deve não só ser formal, mas também estar de acordo com os valores basilares do Estado brasileiro, tais como a dignidade da pessoa humana, a busca de uma sociedade justa, livre e igualitária etc.

É nessa tensão que se encontra como necessária à intervenção da legitimidade de uma lei para verificar se a mesma é liberdade ou não; verificando a confluência da pluralidade social na normatização de determinado ato, de modo que se faça a distinção se determinada lei é afirmação ou negação da liberdade pode estar ligada à legitimidade ou não de um ordenamento.

Legalidade então é o apego às formas legais, legal é aquela ação que não contraria disposição da lei, ou aquela ação não prescrita na lei. O cidadão age legalmente quando cumpre as ordens legais, ou quando pratica uma ação que a lei não proíbe, ou quando pratica uma ação sobre a qual a lei nada diz.

Quando o cidadão participa da elaboração da lei, quando o cidadão legitima a feitura da mesma, pode-se dizer que a lei é fonte da liberdade do cidadão. Desta forma, pode-se dizer que a lei é liberdade.

Característica fundamental dos Estados do Direito, a legalidade, que ganha força com a queda das monarquias, é a limitadora das ações do Estado e do cidadão, trazendo limites para as condutas de ambos. Foi principalmente com a intenção de pautar as condutas do Estado, e defender os direitos naturais do cidadão, que o princípio e a idéia de legalidade ganharam força.

Nesse prisma, Celso Antônio Bandeira de Mello vai dizer que “o principio da legalidade é o antídoto natural do poder monocrático ou oligárquico, pois tem como raiz a idéia de soberania popular, de exaltação da soberania popular, de exaltação da cidadania”.Portanto, é a legalidade que torna os direitos certos, protegidos e claros; sendo que a simples observância aos princípios legais não basta para que a norma possa ser enquadrada como legitima.

A legitimidade de uma norma vai estar ligada a aspectos democráticos, a efetiva participação do povo na elaboração e na discussão da lei, sendo esta, no Estado Democrático, uma forma de liberdade.

A legalidade está relacionada à forma, enquanto a legitimidade está relacionada ao conteúdo da norma.

Desta forma, deve-se sempre buscar a recuperação do liame entre legalidade e legitimidade, sob bases diferentes, a partir do abandono da noção puramente formal da legalidade, definindo-a como a realização das condições necessárias para o desenvolvimento da dignidade humana, como quer nossa Constituição (art. 1º, III), pois a legalidade não exige somente que as regras e as decisões que compõem o sistema sejam formalmente corretas. Ele (sistema) exige que elas sejam conforme a certos valores, a valores necessários à existência de uma sociedade livre, tarefa exigida expressamente do Estado brasileiro (art. 3º, I).

Logo, o poder que impõe a legalidade deve ser um poder legítimo. Modernamente não se aceita mais a legalidade como conceito meramente formal. Para que a limitação à esfera individual seja válida, deve ser o poder que a impõe legítimo. Exige-se legalidade do

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exercício e forma de aquisição do poder para que haja legitimidade do poder em si mesmo. O problema, aí, deixa de ser meramente jurídico para assumir conotação eminentemente ética.

Os estados de regimes políticos autoritários possuem uma esfera de poder hipertrofiada em relação ao direito. Com isto, a legitimidade do poder torna-se questionável. As limitações impostas à liberdade, por conseguinte, não seriam éticas, legítimas, e, portanto, o direito fundamental estaria sendo desrespeitado. O legalismo cego e formal pode tornar-se arma para referendar abuso de poder e restrição ilegítima às liberdades individuais. Percebe-se, então, que a despeito de ser atualmente o direito fundamental de liberdade assegurado em documentos legais ao redor do mundo, existe uma conotação ética que lhe serve de razão última e principal. Seria característica metajurídica, para alguns, mas inegavelmente não pode ser questionada.

A restrição à liberdade pela legalidade deve ser formalmente e materialmente válida. Formalmente quanto às regras preestabelecidas de formação, limites e conteúdo da lei. Materialmente quanto à legitimidade tanto das regras preestabelecidas quanto do poder que impõe as leis e que se encarrega de garantir o seu cumprimento.

O conteúdo das leis é também fonte de considerações éticas. Pode uma lei ser formalmente válida e emanada de poder legítimo, e mesmo assim ser moralmente considerada inválida, enquanto limitadora do conteúdo das liberdades. Daí concluir-se que a legitimidade do poder não é suficiente para que a legalidade seja legítima, é necessário também que o conteúdo das leis seja expressão da soberania popular.

Nesse sentido, a legalidade, como acatamento a uma ordem normativa oficial, não possui uma qualidade de justa ou injusta. A ideologia legalista, por sua vez, parte da noção de legalidade para, por vezes, distorcê-la e, aí sim, servir como instrumento de injustiça.

Em outras palavras, legalismo é uma ideologia jurídica caracterizada a partir do dogma do monismo estatal (o Estado é a única fonte mediata do Direito, tendo não só o monopólio da Jurisdição, mas o monopólio do direito de punir). Coloca as normas legais estatais como a verdade absoluta, independentemente de qualquer evidência (fato social), argumento ou interpretação extensiva que possa colocar em prova aquelas normas, num contexto de risco e perigo.

A história das instituições jurídicas no Brasil mostra que o pensamento legalista serviu e tem servido para justificar a imposição do poder das oligarquias sobre a imensa maioria do povo, ou seja, o suporte para a conservação do poder e para justificar a utilização da força armada contra as manifestações populares e de libertação nacional.

Destarte, a legitimidade do Direito representa uma conquista da pela aferição processualizada de convicções discursiva e racionalmente motivadas de todos os cidadãos sobre quais direitos seguir, abandonando-se as razões estratégicas das elites e do Estado, fundadas no conceito pressuposto de coerção, ou na sua forma eufêmica de “consenso pelo convencimento retórico”, conforme leciona Andréa Alves de Almeida (in Processualidade jurídica e legitimidade normativa); demonstrando que enquanto as razões estratégicas são exercitadas no plano da facticidade - pela via da coerção - e o consenso é mero convencimento persuasivo e retórico a concepção de um Direito legítimo proposto por uma dialogicidade jurígena cidadã, balizada por um processo constitucionalmente instituído, trabalha no plano da legitimidade, ou seja, na busca de implemento das convicções racional e democraticamente motivadas.

Por fim, outro aspecto essencial para distinguir os dois conceitos, diz respeito à sua própria natureza. A legalidade é um conceito absoluto: ou é legal ou é ilegal. Não se pode dizer que determinada decisão é mais ou menos legal do que outra. A legitimidade é um conceito relativo. Não se pode dizer que esta decisão é legítima e outra que se lhe contrapõe é ilegítima. Pode-se, sim, dizer que uma é dotada de maior grau de legitimidade do que outra, que teve menos aceitação.

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LEITURA COMPLEMENTAR - RESUMO DO 184º CONCURSO TJSP (Pablo Mancera Viterbo)

1. Conceituação de Legitimidade e Legalidade

Antes de adentrar no mérito sobre a conceituação dos sobreditos institutos, cabe

fazer uma breve e singela introdução sobre Ciência Política para melhor entendimento desta

análise.

Fugindo das divergências doutrinárias sobre a aceitação de tais ideias, a corrente

contratualista apregoada por Thomas Hobbes nos ensina que o homem, em seu estado

natural,vive em constante discórdia, sendo que tal beligerância advém de três causas que são

ínsitas à natureza humana, quais sejam: a competição, a desconfiança e a glória.

Para Hobbes, estas três causas culminam sempre no uso da violência, pois

aqueles movidos pela competição usam da violência para se tornarem senhores dos bens

materiais e de outras pessoas; os desconfiados utilizam a violência para defender as suas

posses, e os que buscam aglória são violentos para obter ninharias, como um sorriso, uma

palavra ou uma diferença de opinião.

Haja vista tamanho caos, a pacificação da sociedade seria possível através

de um contrato feito entre os homens, onde estes outorgariam parte de seus direitos a

uma entidade que reinaria sobre todos e teria assim o monopólio do poder. Esta

entidade é o Estado, que foi legitimado para exercer tal finalidade. Este Estado, que era

tido como ilimitado por Hobbes, sofreria limitações com o advento do instituto do Estado do

Direito, que surgiu em virtude das arbitrariedades cometidas pelas monarquias

absolutistas.

Vimos, portanto, que o termo legitimidade é uma qualidade do Poder vigente.

Legítimo, portanto, é o poder constituído pelo consenso social. No livro Elementos de

Teoria e Ideologia do Direito, Giuseppe Lumia destaca que a “legitimação consiste no poder

de exercer um direito que compete concretamente a quem dele é titular”.

Desta feita, o consenso social será legítimo quando alcançado por um

convencimento ético, e, de outro lado, será ilegítimo quando atingido por manobras políticas

de baixo nível, pela manipulação e ocultação de informações, pelo sensacionalismo, pelas

chamadas à emotividade.

Muito embora não se confunda com a legalidade, não há como se negar que

tudo que é legal é presumivelmente legítimo, pelo menos na democracia. Na

Administração Pública uma e outra se identificam, dado que a lei é, para o administrador, o

veículo que transporta a legitimidade à sua função e aos seus atos. Isto equivale a dizer que

na administração só é legítimo o que é legal, mas nem tudo que é legal é legítimo. A

Page 69: Teoria Geral Do Direito e Da Política

questão é o alcance dessa legitimidade decorrente de lei.

Cabe explicar aqui por que “nem tudo que é legal é legítimo”: o conceito de

legitimidade possui outra faceta, sendo esta o fato de que uma norma será legítima se

ela for coerente com os princípios e valores que, inseridos ou não no ordenamento

jurídico, se consideram superiores. Podemos nominar como “princípios valores

superiores” aqueles aceitos como basilares para o Estado brasileiro, tais como a

dignidade da pessoa humana, a busca de uma sociedade justa, livre e igualitária, o

princípio do devido processo legal e seus corolários.

Desta forma, o conceito de legitimidade é também intimamente ligado a ética

do conteúdo normativo emanado do poder constituído.

Assim, pode uma lei ser formalmente válida e emanada de poder legítimo, e

mesmo assim ser moralmente considerada inválida, enquanto limitadora do conteúdo das

liberdades. Daí concluir-se que a legitimidade do poder não é suficiente para que a legalidade

seja legítima, sendo necessário também que o conteúdo das leis seja expressão da soberania

popular, ou seja, da ética aceita.

Por seu turno,Legalidade é o apego às formas legais, legal é aquela ação que

não contraria disposição da lei, ou aquela ação não prescrita na lei. O cidadão age

legalmente quando cumpre as ordens legais, ou quando pratica uma ação que a lei não

proíbe, ou quando pratica uma ação sobre a qual a lei nada diz.

A história das instituições jurídicas brasileiras consolidou a ideologia positivista,

sobre a qual a legalidade é o principal fundamento de validade das condutas dos indivíduos na

sociedade (Estado de Direito). O Estado de Direito foi uma verdadeira quebra das amarras da

sociedade que eram subjugadas pelas arbitrariedades dos governos absolutistas, pois com o

seu advento, todos passaram a se submeter às leis, inclusive os próprios governantes, o que

fez com que a lei virasse sinônimo de liberdade.

Nesse diapasão, Celso Antônio Bandeira de Mello ensina que “o principio da

legalidade é o antídoto natural do poder monocrático ou oligárquico, pois tem como raiz

a idéia de soberania popular, de exaltação da soberania popular, de exaltação da

cidadania”.

É nessa tensão que se encontra como necessária à intervenção da legitimidade

de uma lei para verificar se a mesma é liberdade ou não; verificando a confluência da

pluralidade social (da vontade do consenso social) na normatização de determinado ato, de

modo que se faça a distinção se determinada lei é afirmação ou negação da liberdade pode

estar ligada à legitimidade ou não de um ordenamento.

Quando o cidadão participa da elaboração da lei, quando o cidadão legitima a

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feitura da mesma, pode-se dizer que a lei é fonte da liberdade do cidadão. Desta forma, pode-

se dizer, novamente, que a lei é liberdade.

Destarte, podemos extrairas seguintes conclusões:

- A legitimidade de uma norma vai estar ligada a aspectos democráticos, a

efetiva participação do povo na elaboração e na discussão da lei, sendo esta, no Estado

Democrático, uma forma de liberdade. Este conceito também está ligado ao conteúdo

da norma, que deve ser condizente com a ética aceita pelos cidadãos.

- A legalidade está relacionada à forma, enquanto a legitimidade está

relacionada ao conteúdo da norma.

1.2. Outras considerações acerca deste tema.

Os estados de regimes políticos autoritários possuem uma esfera de poder

hipertrofiada em relação ao direito. Com isto, a legitimidade do poder torna-se questionável.

As limitações impostas à liberdade, por conseguinte, não seriam éticas, legítimas, e, portanto,

o direito fundamental estaria sendo desrespeitado. O legalismo cego e formal pode tornar-

se arma para referendar abuso de poder e restrição ilegítima às liberdades individuais.

Percebe-se, então, que a despeito de ser atualmente o direito fundamental de liberdade

assegurado em documentos legais ao redor do mundo, existe uma conotação ética que lhe

serve de razão última e principal.

Nesse sentido, a legalidade, como acatamento a uma ordem normativa oficial,

não possui uma qualidade de justa ou injusta. A ideologia legalista, por sua vez, parte da

noção de legalidade para, por vezes, distorcê-la e, aí sim, servir como instrumento de injustiça.

Em outras palavras, legalismo é uma ideologia jurídica caracterizada a partir

do dogma do monismo estatal (o Estado é a única fonte mediata do Direito, tendo não

só o monopólio da Jurisdição, mas o monopólio do direito de punir). Coloca as normas

legais estatais como a verdade absoluta, independentemente de qualquer evidência

(fato social), argumento ou interpretação extensiva que possa colocar em prova aquelas

normas, num contexto de risco e perigo.

A história das instituições jurídicas no Brasil mostra que o pensamento legalista

serviu e tem servido para justificar a imposição do poder das oligarquias sobre a imensa

maioria do povo, ou seja, o suporte para a conservação do poder e para justificar a utilização

da força armada contra as manifestações populares e de libertação nacional.

Outro aspecto essencial para distinguir os dois conceitos, diz respeito à sua

própria natureza. A legalidade é um conceito absoluto: ou é legal ou é ilegal. Não se pode

dizer que determinada decisão é mais ou menos legal do que outra. A legitimidade é um

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conceito relativo. Não se pode dizer que esta decisão é legítima e outra que se lhe

contrapõe é ilegítima. Pode-se, sim, dizer que uma é dotada de maior grau de

legitimidade do que outra, que teve menos aceitação.

Disto tudo uma constatação se impõe: a legitimidade absoluta não existe, mas, tal

qual a objetividade em ciência, deve ser buscada sempre. Daí Lúcio Levi dizer:

"Podemos dizer que a legitimidade do Estado é uma situação nunca

plenamente concretizada na história, a não ser como aspiração, e que um Estado será

mais ou menos legítimo na medida em que tornar ela o valor de um consenso

livremente manifestado por parte de uma comunidade de homens autônomos e

conscientes, isto é, na medida em que consegue se aproximar à ideia-limite da

eliminação do poder e da ideologia nas relações sociais" (in, Dicionário de Política,

Norberto Bobbio, V.2, verbete legitimidade, página 679).

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

GRAU, Eros Roberto. O Direito Posto e o Direito Pressuposto. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

WEFFORT, Francisco. Os Clássicos da Política. 14. ed. São Paulo: Ática, 2006.

SILVA, Alexandre Rezende da. Legalidade e legitimidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 8 ,   n. 63 ,   1   mar.   2003 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/3814>. Acesso em: 19 set. 2014.

LEITURA COMPLEMENTAR - LEGITIMIDADE E LEGALIDADE - IAD* Há alguns termos no decorrer do texto que estão escritos de forma equivocada.

As perguntas fundamentais: "Por que, e em que condições, os homens se submetem?Em

que justifícativas internas e meios externos se apoia o domínio do homem sobre o homem? A

violência ou um valor? Em suma, por que obedecer?" (FARIA, José Eduardo. Legalidade e

legitimidade. Brasilia: Editora Universidade de Brasília, 1979, p. 43)

“O normativismo stricto sensu – o positivismo – reduz o legítimo ao legal, afirmando que o

poder se torna legítimo quando sustentado por qualquer legalidade” (FARIA, José Eduardo.

Poder e legitimidade. São Paulo: Perspectiva, 1978, p. 11).

A) CONCEITOS

Lucio Levi define a legitimidade como sendo "a presença, em uma parcela significativa da

população, de um grau de consenso capaz de assegurar a obediência sem a

necessidade de recorrer ao uso da força, a não ser em casos esporádicos" (LEVI, Lucio,

Legitimidade. In: Bobbio, N. et alii, Dicionário de Política. 7ª.ed., Brasília, UnB, 1995).

Na ciência Política novas acepções são identificáveis. l, legitimidade pode designar um "ato

importante de um governante desde que em conformidade com a lei ou o princípio aceitos

pelos titulares do poder soberano". Às vezes a legitimidade do governo é interpretada de

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forma estrita, ocasião em que o governo só é considerado legítimo se for constitucional, sendo

"a sucessão ao poder predeterminada por uma lei fundamental, a ser respeitada pelo governo

que toma posse" (MacIVER, R. M. The iceb of government. New York, Macmillan, 1947. p.

225-6). De modo ainda mais restrito, LEGITIMIDADE pode designar uma condição

(geralmente a de governantes individuais) baseada no direito hereditário (...). M. Weber, ao

examinar as bases sociais e ideológicas dos sistemas de domínio, focaliza um dos temas mais

importantes sobre o assunto, i. e., a aplicação ampla do princípio da legitimidade a sistemas

de poder (excluindo-se as autoridades individualmente consideradas), à constitucionalidade, à

herança e a outros fenômenos tais como os pronunciamentos em nome de um poder superior.

R. Bendix acentua o ponto de vista de Weber de que "crenças na legitimidade de um sistema

de dominação... podem contribuir para estabilizar um relacionamento de autoridade ... Como

todos os que desfrutam vantagens sobre seus semelhantes, os homens no poder querem ver

sua posição como 'legítima' e suas vantagens como merecidas', e interpretar a subordinação

da maioria como o justo destino' dos subordinados" (Max Weber: an intellectual portrait.

London, Heinemann, 1960. p. 297). À luz de princípios de legitimidade diversos, Weber

distinguiu três tipos puros de autoridade legítima:

a) A AUTORIDADE RACIONAL-LEGAL repousa "sobre a crença na 'legalidade' dos regulamentos e no direito dos que receberam autoridade, em conformidade com a lei, para emitir ordens" (WEBER, M. The theory of social and economic organization. Trad. ingl. A. M. Henderson e T. Parsons. New York, Oxford Univ. Press, 1947. p. 328).

b) A AUTORIDADE TRADICIONAL baseia-se na crença estabelecida da santidade de tradições imemoriais e na legitimidade do status dos que exercem autoridade apoiados por elas ... (Ibid.).

c) A AUTORIDADE CARISMÁTICA funda-se "na devoção à santídade específica e excepcional, no heroísmo ou caráter exemplar de um indivíduo, e nas normas reveladas ou ordenadas por ele ..." (Ibid.).

Mais recentemente, e conforme a tradição de Weber, legitímidade foi definida como "o grau em que as instituições são avaliadas por si próprias e consideradas certas e adequadas (LIPSET, S. M. Political man. New York Doubleday 1960, p. 46), pressupondo "a capacidade do sistema para criar e manter a crença de que as "instituições política existentes são as mais convenientes à sociedade" (Ibid., p. 76)".

Robert Bierstedt. Verbete LEGITIMIDADE (legitimacy). Dicionário de ciencias sociais. Benedicto Silva (Coordenação Geral). Rio de Janeiro: FGV, 1986, p. 675.

Weber – O que legitima o ato de poder é a propria legalidade.

Radbruch - Quando a lei é extramente injusta, fica-se desobrigado a cumpri-la.

Alexy afirma que o dirá se a lei é justa ou injusta sao os direitos fundamentais.

Habbermas – nao é possivel que a mera legitimadade legitimar o poder. Para sofrer um ato de legitimacao do poder, seja ela qual for, a pessoa precisa ter o direito de participar e ter influenciado nessa decisão. Seja atraves do voto, seja atraves da construção do argumento. Se preocupa mais com o processo democratico na elaboracao da norma.

O racionalismo individual é o que sustenta a propria sociedade. Os individos precisam ser convenciadas, participando do processo democratico e aberrto, concluindo que a

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decisao foi a melhor para viabilizar a manutencao da propria sociedade.

O que legitima as decisões do Poder judiciário é a motivação.

Para Weber legitimidade e legalidade são a mesma coisa.

Evidencia-se claramente, pois, a distinção entre legalidade e legitimidade. No dizer de J.E.

Faria, “a diferença fundamental está no fato de que, enquanto no caso da força [legalidade

estrita] a ordem não é legítima nem a submissão obrigatoriamente um dever, na hipótese da

dominação a obediência [legalidade com legitimidade] sustenta-se num critério externo aos

próprios governantes, ou seja, o reconhecimento e assentimento dos governados” (Faria, J.E.,

Poder e Legitimidade, São Paulo, mimeografado, 1976, p.70).

LEGITIMIDADE E LEGALIDADE HABERMASIANA

“A legitimidade do direito qualitat não deriva mais de um direito moral superior : porém qualitat

consegui-la através de um processo de formação da opinião e da vontade, que se presume

racional. Eu analisei esse processo democrático – que empresta força legitimadora ao

estabelecimento do direito em meio ao qualitati das cosmovisões e das sociedades – sob

pontos de vista da teoria do discurso. E, neste trabalho, apoiei-me no princípio qualita o qual

podem pretender legitimidade as regulações normativas e modos de agir merecedores do

assentimento de todos os possíveis envolvidos enquanto participantes de discursos racionais.

À luz desse princípio do discurso, os sujeitos examinam quais são os direitos que eles

deveriam conceder uns aos outros” (HABERMAS, 1997, vol. II, p. 319)

A pergunta posta é a seguinte: Onde se fundamenta a legitimidade de regras que podem ser

modificadas a qualquer momento pelo legislador 73ualitat?

Com efeito, a mudança é 73ualitat: “…se o processo de legitimação indica o grau de solidez e

o nível de aceitação de um sistema 73ualitat, todo o problema da legitimidade envolve,

basicamente, uma crise de mudança social, uma vez que a ordem institucional não é um corpo

em repouso, mas um processo permanent e : nesse sentido, o movimento inicial é a ruína total

ou parcial, lenta ou súbita, da ordem constitucional, motivada de um lado por novas 73ualitativ

dos diversos grupos sociais, e, de outro, pela ineficácia do sistema 73ualitat em captar as

necessidades de alteração e modernização de suas regras (enrijecendo-se em sua

criatividade e aumentando a tensão entre governantes e governados)” (FARIA, José Eduardo.

Legalidade e legitimidade.Brasilia: Editora Universidade de Brasília, 1979, pp. 43-44).

Onde se fundamenta a legitimidade de regras que podem ser modificadas a qualquer

momento pelo legislador 73ualitat?

Habermas responde: “Esta pergunta toma-se angustiante em sociedades pluralistas, nas quais

as próprias éticas coletivamente impositivas e as cosmovisões se desintegraram e onde a

moral pós-tradicional da consciência, que entrou em seu lugar, não oferece mais uma base

capaz de substituir o direito natural, antes fundado na religião ou na metafísica. Ora, o

processo democrático da criação do direito constitui a única fonte pós-metafísica da

legitimidade. No entanto, é preciso saber de onde ele tira sua força legitimadora. A teoria do

discurso fornece uma resposta simples, porém inverossímil à primeira vista: o processo

democrático, que possibilita a livre flutuação de temas e de contribuições, de informações e de

argumentos, assegura um caráter 73ualitativ à formação política da vontade, fundamentando,

deste modo, a suposição falibilista de que os resultados obtidos de acordo com esse

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procedimento são mais ou menos racionais. Prima facie há duas considerações que falam a

favor do princípio da teoria do discurso” (HABERMAS, 1997, vol. II, p. 308)

“Albrecht Wellmer 74ualita, com razão, que o conceito de legitimidade do direito (possui), além

disso, uma aplicação contrafática. Não obstante, a lógica do 74ualit conceito de legitimidade

trabalha com a ideia de que a possibilidade de resoluções comuns tem que ser vista, na

medida do possível, como algo que se realiza faticamente – na medida em que é necessário

atribuir a todos os atingidos igual direito à participação em processos coletivos de formação da

vontade: esta é a ideia da democracia. Ora, se as leis legítimas devem ser de tal sorte que

todos os envolvidos poderiam tê-las emitido em comum, e se-em princípio –todos os atingidos

têm igual direito à participação na resolução coletiva, então é evidente que o esclarecimento

74ualit74ualitative74m de questões normativas tem que desempenhar um papel central em

qualquer 74ualitati que visa 74ualitat… direito legítimo e garantir o reconhecimento de sua

legitimidade. 74ualitative74m prol de uma norma do direito – ou de um sistema de normas do

direito – equivale, neste caso, à 74ualitati de mostrar, com argumentos, para todos os outros

envolvidos, por que qualquer pessoa inteligente e bem-intencionada deveria poder julgar a

vigência social dessa norma ou dessas normas como igualmente boa para todos” (WELLMER,

apud HABERMAS, 1997, vol. II, p. 320)

IMPORTANTE:

“A realização paradoxal do direito consiste, pois, em domesticar o potencial de conflito

embutido em liberdades subjetivas desencadeadas, utilizando normas cuja força coercitiva só

sobrevive durante o tempo em que forem reconhecidas como legítimas na corda bamba das

liberdades comunicativas desencadeadas. Deste modo, uma figura que alhures se opõe à

força social integradora da comunicação converte-se aqui num meio da integração social,

assumindo a forma de coerção legítima do Estado. E, nesse momento, a integração social

assume forma totalmente 74ualitati, pois, na medida em que o direito supre a sua cota de

legitimação com o auxílio da força produtiva da comunicação, ele utiliza o risco permanente de

dissenso, transformando-o num aguiIhão capaz de movimentar discursos públicos

institucionalizados juridicamente” (HABERMAS, 1997, vol. II, p. 325).

ESSE É O PAPEL DO AMICUS CURIAE

Peter Häberle traz para o mundo do direito, exemplificando, uma discussão que,

aparentemente, seria meramente filosófica ou sociológica:

Também “legitimação pelo procedimento” no sentido de Luhmann é uma legitimação mediante

participação no procedimento. Todavia, trata-se aqui de algo fundamentalmente diferente:

participação no processo não significa aptidão para aceitação de decisões e preparação para

se recuperar de eventuais decepções (…). Legitimação, que não há de ser entendida apenas

em sentido formal, resulta da participação, isto é, da influência74ualitative e de conteúdo dos

participantes sobre a própria decisão. Não se trata e um “aprendizado” dos participantes, mas

de um “aprendizado” por parte dos Tribunais em face dos diversos participantes… (HÄBERLE,

Peter. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da constituição

pluralista e “procedimental” da constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes.Porto Alegre:

Sérgio Antônio Fabris Editor, 1997, pp 31/32, nota n° 48).

Legitimação da assembleia nacional constituinte – sua legitimação decorre do voto! Há uma

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participação na decisão através do voto.

Os eleitores escolhem as politicas públicas através do voto.

A legitimidade do judiciário decorre da fundamentação e da participação da sociedade na

tomadas das decisões. Como exemplo disso, temos a admissão do amicus curiae e as

audiências públicas. Isso porque, as politicas públicas, em regra, são definidas pelos

próprios eleitores quando elegeram seus representantes, e o judiciário estaria contrariando

ou afastando determinadas escolhas da própria sociedade.

O poder judiciário – ao implementar um politica pública, deve ter em mente que se está

dizendo como o país vai andar, deve se submeter as críticas.