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Teoria de corpos de classe e aplicações Luan Alberto Ferreira

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Teoria de corpos de classe e aplicações

Luan Alberto Ferreira

Teoria de corpos de classe e aplicações*

Luan Alberto Ferreira

Orientador: Prof. Dr. Oziride Manzoli Neto

Dissertação apresentada ao Instituto de Ciências

Matemáticas e de Computação - ICMC-USP, como parte

dos requisitos para obtenção do título de Mestre em

Ciências - Matemática . VERSÃO REVISADA

USP – São Carlos

Setembro de 2012

*O autor teve suporte financeiro da FAPESP.

SERVIÇO DE PÓS-GRADUAÇÃO DO ICMC-USP

Data de Depósito: 17 de setembro de 2012

Assinatura:_________________________

_____

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Prof. Achille Bassi e Seção Técnica de Informática, ICMC/USP,

com os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

F383tFerreira, Luan Alberto Teoria de corpos de classe e aplicações / LuanAlberto Ferreira; orientador Oziride Manzoli Neto. -- São Carlos, 2012. 96 p.

Dissertação (Mestrado - Programa de Pós-Graduação emMatemática) -- Instituto de Ciências Matemáticas ede Computação, Universidade de São Paulo, 2012.

1. Corpos ciclotômicos. 2. Teoria algébrica dosnúmeros. 3. Teoria de corpos de classe. 4. Problemainverso de Galois. 5. Extensões abelianas. I.Manzoli Neto, Oziride, orient. II. Título.

A todos que acreditaram em mim,

quando eu mesmo não acreditei em mim.

Agradecimentos

E sempre difıcil escrever uma secao de agradecimentos. Peco desculpas aque-les que julguei mal, seja por excesso, seja por falta - nao quero cometer injusticas.

Agradeco inicialmente a FAPESP pelo apoio financeiro e ao professor Edu-ardo Tengan, que foi quem propos este belo tema de estudo.

Agradeco aos meus amigos e colegas do ICMC, em especial a Camila Ma-riana Ruiz, Danilo Franchini de Souza, Felipe Alves da Louza, Fernando de MelloTrevisani, Henrique Barbosa da Costa, Joao Paulo Poli, Jose Augusto Fioruci, JuliaSilva Silveira Borges, Juliana Rodrigues Dionısio Pereira, Leandro Mattiolli, LucasEsperancini Moreira e Moreira, Marcelo Silveira Querino, Markus Diego Sampaio daSilva Dias, Matheus Dorival Leonardo Bombonato Menes, Raquel Filippi de Souzae Rodolfo Collegari. Obrigado pelas horas de estudo em grupo, pelas risadas, pelasconversas, pelos conselhos e por sempre acreditarem em mim.

Agradeco a todos os professores que, de uma forma ou de outra, contribuıramem minha formacao, seja profissional ou pessoal. Cabe aqui um agradecimento aoInstituto Embraer de Educacao e Pesquisa, a sua iniciativa social e ao seu excelentecorpo docente. Devo muito de minha formacao a eles. Quanto aos professores doICMC, gostaria de agradecer em especial a Carlos Biasi, Eduardo Alex HernandezMorales, Janete Crema, Sergio Henrique Monari Soares, Valdir Antonio Menegattoe Wagner Vieira Leite Nunes por todos terem contribuıdo de forma significativa naminha formacao.

Agradeco aos funcionarios do ICMC, que sempre me trataram com muitacordialidade e respeito.

Agradeco a minha famılia que me apoiou. Em especial, agradeco muitıssimoas quatro mulheres que, sem as quais, eu nao seria nada do que sou hoje: as minhasmamaes Maria Isabel Ferreira Claudio e Valda Maria Ferreira e as minhas irmasBianca Ferreira de Jesus e Thaıs Fernanda Ferreira Claudio. Muito obrigado porvoces sempre acreditarem em mim, no meu potecial e no meu futuro!

Agradeco especialmente a tres professores do ICMC: ao professor Luiz Au-gusto da Costa Ladeira, nao sei como posso expressar o reconhecimento e o respeitoque tenho pelo senhor, professor, por todos os conselhos que me deu e por sempreacreditar no meu potencial! Ao meu orientador e professor Oziride Manzoli Neto,sou eternamente grato pelo voto de confianca que recebi e por ter me acolhido debracos abertos! Agradeco pelas conversas que tivemos, pelos momentos de des-contracao e trabalho arduo juntos, por compartilhar comigo seus problemas com o

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grupo P72 e por me ouvir falando sobre o que os numeros primos tem a ver comos espacos metricos! Sou muito grato e fico muito feliz de ter conhecido e poderter trabalhado com o senhor, professor! Quanto a professora Ires Dias, bem, naotenho palavras para descrever tudo o que ela fez por mim durante meus anos em SaoCarlos. Possivelmente tudo seria diferente se eu nao a tivesse conhecido, professora.So saiba que a senhora foi como uma mae para mim aqui em Sao Carlos.

Agradeco especialmente tambem aos meus amigos do Vale do Paraıba: Brau-lio Augusto Freire, Denise Clarice Caputo de Souza, Fanny Sene Fidelis de Oliveira,Fernando Luiz Bustamante Bueno Oliveira, Gabriel O. Godoy, Luana Menezes Nu-nes, Lucas Renan Coelho Teixeira, Luis Fernando da Costa Oliveira, Luiz Rafael dosSantos Leite, Miriam Silva Freitas Dias, Nilson Henrique Chagas Oliveira, OrlandoPasqual Filho (sim, Landinho, voce e do Vale tambem!), Paula Salles Goria, PriscilaAparecida Goncalves e Thiago Augusto dos Santos Silva. Nao sei o que seria de mimsem voces, pessoal. Se fosse listar tudo o que voces ja fizeram por mim gastaria maistempo nisso do que escrevendo esta dissertacao! Voces sao como irmaos e irmas paramim. Muito obrigado por tudo!

Finalmente, agradeco de todo o coracao a Diana Renata Goncalves Gama,por todo o apoio, carinho, compreensao, amor, cuidado e atencao que recebi e recebo!Nao sei onde estaria agora se nao fosse por voce! Muito obrigado por compartilharsua vida comigo, pelo apoio incondicional e por todos os momentos que vivemosjuntos!

Resumo

Neste projeto, propomos estudar a chamada “Teoria de Corpos de Classe,”que oferece uma descricao simples das extensoes abelianas de corpos locais e globais,bem como algumas de suas aplicacoes, como os teoremas de Kronecker-Weber eScholz-Reichardt.

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Abstract

In this work, we study the so called “Class Field Theory”, which give us asimple description of the abelian extension of local and global fields. We also studysome applications, like the Kronecker-Weber and Scholz-Reichardt theorems.

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Sumario

1 Corpos de numeros 15

1.1 Aneis noetherianos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

1.2 Elementos integrais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

1.3 Domınios integralmente fechados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

1.4 Domınios de Dedekind . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

1.5 O anel de numeros de um corpo de numeros . . . . . . . . . . . . . . 27

1.6 Norma, traco e discriminante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

1.7 Bases integrais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36

1.8 O anel de numeros de Q(ζm) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

1.9 Apendice . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42

2 O teorema de Scholz-Reichardt 45

2.1 O problema inverso de Galois . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

2.2 O problema inverso de Galois para grupos abelianos . . . . . . . . . . 45

2.3 Ramificacao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

2.4 Homologia e cohomologia de grupos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50

2.5 O problema de extensao de grupos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55

2.6 O teorema de Scholz-Reichardt . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56

2.6.1 O caso G ' G× ZlZ

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57

2.6.2 O caso G 6' G× ZlZ

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58

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12 SUMARIO

3 Lei de reciprocidade local de Artin 61

3.1 Algumas propriedades do anel A[[X]] . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61

3.2 Leis de grupo formais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63

3.3 Leis de grupo de Lubin-Tate . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66

3.4 A lei de reciprocidade local . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70

3.5 Os teoremas de Kronecker-Weber . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74

4 Lei de reciprocidade global de Artin 77

4.1 Cohomologia de grupos cıclicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77

4.2 O quociente de Herbrand de um modulo de permutacao . . . . . . . . 80

4.3 Modulus e grupo ideal de um corpo de numeros . . . . . . . . . . . . 81

4.4 S-unidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83

4.5 O quociente de Herbrand q(UL) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85

4.6 A norma de um modulus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87

4.7 A lei de reciprocidade global . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88

Introducao

O objetivo desta dissertacao e estudar os fundamentos da teoria algebrica dosnumeros. Como parte deste estudo, objetivamos enunciar e demonstrar os teoremasde Kronecker-Weber, Scholz-Reichardt e a lei de reciprocidade de Artin. Assumimosainda que o leitor possui um conhecimento em algebra a nıvel de graduacao, o queinclui um pouco de algebra linear, teoria de grupos, aneis e corpos, e teoria basicade Galois.

O capıtulo 1 apresenta os pre-requisitos basicos da teoria algebrica dos nume-ros, como alguns de seus teoremas e exemplos sobre os corpos quadraticos e ci-clotomicos.

O capıtulo 2 apresenta, alem de mais alguns topicos acerca dos corpos denumeros, um esboco da demonstracao do teorema de Scholz-Reichardt.

O capıtulo 3 contem o enunciado e a demonstracao da lei de reciprocidadelocal de Artin, bem como o enunciado e a demonstracao do teorema de Kronecker-Weber.

O capıtulo 4, ultimo desta dissertacao, versa sobre alguns pre-requisitos ne-cessarios para provar a lei de reciprocidade global de Artin, bem como seu enunciadoe demonstracao.

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14 SUMARIO

Capıtulo 1

Corpos de numeros

Neste capıtulo veremos alguns conceitos basicos da teoria algebrica dos nume-ros, alguns dos quais serao utilizados por toda esta dissertacao. A ultima secaodeste capıtulo (o apendice) contem alguns pequenos resultados usados neste capıtuloinicial. Nesta dissertacao, a menos de mencao contraria, o termo anel sera usadopara designar anel comutativo com unidade. Se A for um anel, denotaremos por A×

o conjunto dos elementos inversıveis de A.

1.1 Aneis noetherianos

Proposicao 1.1.1. Seja A um anel. As seguintes condicoes sao equivalentes:

1. Todo ideal de A e finitamente gerado.

2. Toda cadeia ascendente de ideais de A estabiliza, i.e., se i0 ⊆ i1 ⊆ i2 ⊆ · · · euma cadeia ascendente de ideais de A, entao existe n0 ∈ N tal que se n ≥ n0,entao in = in0.

3. Se S 6= ∅ e um conjunto de ideais de A, entao S possui um elemento maximalimax, isto e, se i ∈ S e imax ⊆ i, entao i = imax.

Demonstracao: 1) ⇒ 2) Seja i0 ⊆ i1 ⊆ i2 ⊆ . . . uma cadeia ascendente de ideais de

A. Entao i =∞⋃i=0

ii e um ideal que, por hipotese, e finitamente gerado. Escreva i =

(a1, . . . , ar). Entao ∃ n0 ∈ N tal que {a1, . . . , ar} ⊆ in0 ⇒ i = in0 ⇒ i = in, ∀ n ≥ n0.

2) ⇒ 3) Pela contra-recıproca. Seja S 6= ∅ um conjunto de ideais de A quenao possui elemento maximal. Como S 6= ∅, entao existe i0 ∈ S. Como S naopossui elemento maximal, existe i1 ∈ S tal que i0 ( i1. Repetindo este processoindefinidamente, encontramos uma cadeia ascendente de ideais i0 ( i1 ( i2 ( . . . deA que nao estabiliza.

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16 CAPITULO 1. CORPOS DE NUMEROS

3) ⇒ 1) Seja i um ideal de A e seja S o conjunto de todos os ideais de Afinitamente gerados contidos em i. Entao S 6= ∅, pois (0) ∈ S. Por hipotese, Spossui um elemento maximal imax. Entao imax ∈ S ⇒ imax ⊆ i e imax e finitamentegerado, digamos imax = (a1, . . . , ar). Se i 6= imax, entao existe a ∈ i − imax. Assim(a1, . . . , ar, a) ∈ S e (a1, . . . , ar, a) ) imax, contradizendo a maximalidade de imax.Logo i = imax = (a1, . . . , ar).

Definicao 1.1.2. Um anel A que cumpre uma e, portanto, todas as condicoes equi-valentes acima e chamado anel noetheriano.

Exemplo 1.1.3. Todo domınio de ideais principais (DIP) e noetheriano, enquantoque Z[x1, x2, . . .] nao o e, pois a cadeia ascendente de ideais (x1) ( (x1, x2) ((x1, x2, x3) ( . . . nao estabiliza.

Uma propriedade muito conhecida dos aneis noetherianos e dada pelo

Teorema 1.1.4 (Teorema da base de Hilbert). Se A e um anel noetheriano, assimo e A[x].

Demonstracao: Vamos mostrar que todo ideal i de A[x] e finitamente gerado. Paraisto, seja i ideal de A[x]. Seja j o conjunto de todos os coeficientes lıderes doselementos de i. Entao j e um ideal A. Como A e noetheriano, j e finitamentegerado, isto e, j = (a1, . . . an). Para cada i ∈ {1, . . . , n}, seja fi ∈ i um polinomiocom coeficiente lıder ai. Sejam di = ∂(fi) e D = max

i∈{1,...,n}{di}.

Agora, para cada k ∈ {0, . . . , D−1}, seja jk o conjunto de todos os coeficienteslıderes dos elementos de i com grau no maximo k. De novo, jk e um ideal deA e portanto e finitamente gerado, isto e, jk = (ak1, . . . , a

kmk

). Como antes, sejafkj ∈ i tendo coeficiente lıder akj , j ∈ {1, . . .mk}. Seja h o ideal gerado pelos fi,i ∈ {1, . . . , n} e pelos fkj , k ∈ {0, . . . , D − 1}, j ∈ {1, . . . ,mk}.

E claro que h ⊆ i. Ja se h ( i, entao existe f ∈ i − h, de grau mınimo de coeficiente lıder a. Como f ∈ i, entao a ∈ j ⇒ a = r1a1 + . . . + rnan, ri ∈ A,i ∈ {1, .., n}. Agora, suponha d ≥ D. Se g = r1x

d−d1f1 + .. + rnxd−dnfn, entao

∂(g) = d e o coeficiente lıder de g e r1a1 + . . .+ rnan = a, pois cada parcela xd−difitem grau d. Como g ∈ h, entao f − g 6∈ h. Mas ∂(f − g) < d, pois ∂(f) = ∂(g) = d,contradizendo a minimalidade do grau de f . Ja se d < D, entao a ∈ jd e umaconstrucao analoga nos levara a mesma contradicao. Logo h = i e, portanto, i efinitamente gerado.

Corolario 1.1.5. Se A e um anel noetheriano, assim o e A[x1, . . . , xn].

Uma outra propriedade satisfeita pelos aneis noetherianos e dada pela pro-posicao abaixo:

Proposicao 1.1.6. Seja A um anel noetheriano. Entao todo ideal proprio de Acontem um produto de ideais primos. Se A for um domınio de integridade, entaotodo ideal proprio nao nulo de A contem um produto de ideais primos nao nulos.

1.2. ELEMENTOS INTEGRAIS 17

Demonstracao: Vamos provar a primeira afirmacao; a demonstracao da segunda eanaloga. Suponha por absurdo que o resultado seja falso. Entao existe i um idealproprio de A tal que i nao contem um produto de primos. Se S e o conjunto de todosos ideais proprios de A que nao contem um produto de primos, entao S 6= ∅, poisi ∈ S. Como A e noetheriano, entao S possui um elemento maximal imax. Comoimax ∈ S, entao, imax nao e um ideal primo. Como imax 6= A (pois imax ( A), entaoexistem a, b ∈ A tais que ab ∈ imax e a, b 6∈ imax.

Assim imax ( imax+(a) e imax ( imax+(b). Pela maximalidade de imax, entaoimax + (a) e imax + (b) contem um produto de ideais primos, digamos P1 · . . . · Pn ⊆imax + (a) e Q1 · . . . ·Qm ⊆ imax + (b). Dessa forma,

P1 · . . . · Pn ·Q1 · . . . ·Qm ⊆ (imax + (a)) · (imax + (b)) ⊆ imax.

Logo imax contem um produto de ideais primos, absurdo.

1.2 Elementos integrais

Definicao 1.2.1. Seja B/A uma extensao de aneis. Dizemos que b ∈ B e integralsobre A se existe f(x) ∈ A[x] monico tal que f(b) = 0.

Exemplo 1.2.2. Seja m um inteiro livre de quadrados e considere Z ⊆ Q(√m).

Entao√m e integral sobre Z: basta tomar f(x) = x2 −m.

Exemplo 1.2.3. Sejam m ∈ N∗, ζm = e2πi/m e considere Z ⊆ Q(ζm). Entao ζm eintegral sobre Z: basta tomar f(x) = xm − 1.

Definicao 1.2.4. Seja B/A uma extensao de aneis. Definimos o fecho integral deA em B por OB/A = {b ∈ B : b e integral sobre A}.

E claro que se C/B/A sao extensoes de aneis, entao OC/A ∩B = OB/A. Parademonstrar que OB/A e um anel, precisamos antes do seguinte lema tecnico:

Lema 1.2.5. Sejam A um anel, M ∈ Mn(A) e x = (x1, . . . , xn) um vetor em An.Se M · xt = (0), entao det(M) · xi = 0, ∀ i ∈ {1, . . . , n}.

Demonstracao: Se M∗ e a matriz adjunta de M , entao M∗M = det(M)In, onde Ine a matriz identidade de ordem n sobre A. Assim, se M · xt = 0, multiplicamos aesquerda por M∗ e obtemos M∗M · xt = (0)⇒ det(M)In · xt = (0)⇒ det(M) · xi =0, ∀ i ∈ {1, . . . , n}.

Proposicao 1.2.6. Sejam B/A uma extensao de aneis e b1, . . . , bn ∈ B. Sao equi-valentes:

1. b1, . . . , bn sao integrais sobre A;

2. O anel A[b1, . . . , bn] e um A-modulo finitamente gerado.

18 CAPITULO 1. CORPOS DE NUMEROS

Demonstracao: (1)⇒ (2) : Por inducao sobre n. Suponha entao n = 1. Como b1 eintegral sobre A, entao existe um polinomio monico f1(x) ∈ A[x] de grau d ≥ 1 talque f1(b1) = 0. Entao A[b1] e gerado por 1, b1, . . . , b

d−11 .

Suponha entao que b1, . . . , bn, bn+1 sao integrais sobre A e que A[b1, . . . , bn] eum A-modulo fiintamente gerado. Como bn+1 e integral sobre A, entao bn+1 e integralsobre A[b1, . . . , bn]. Logo A[b1, . . . , bn, bn+1] e um A[b1, . . . , bn]-modulo finitamentegerado. Como, por hipotese de inducao, A[b1, . . . , bn] e um A-modulo finitamentegerado, entao A[b1, . . . , bn, bn+1] e um A-modulo finitamente gerado.

(2)⇒ (1) : Suponha que A[b1, . . . , bn] seja um A-modulo finitamente geradopor, digamos, ω1, . . . , ωm ∈ A[b1, . . . , bn]. Seja b ∈ A[b1, . . . , bn]. Expressando cadab · ωi como uma combinacao A-linear, existe uma matriz quadrada M ∈ Mm(A)

tal que

b · ω1

· · ·b · ωm

= M

ω1

· · ·ωm

. Se Im e a matriz identidade de ordem m em

Mm(A) e ω = (ω1, . . . , ωm), entao (M − b · Im) · ωt = (0).

Pelo lema 1.2.5, det(M − b · Im) · ωi = 0, ∀ i ∈ {1, . . . ,m}. Como 1 ∈A[b1, . . . , bn], entao existem c1, . . . , cm ∈ A tais que 1 = c1ω1 + · · · + cmωm. Mul-tiplicando cada equacao det(M − b · Im) · ωi = 0 por ci e somando-as, obtemosdet(M − b · Im) = 0, ou seja, obtemos um polinomio monico com coeficientes em Atendo b como raiz. Logo b e integral sobre A.

Note que a demonstracao acima mostra que qualquer elemento b ∈ A[b1, . . . , bn]e integral sobre A. Em particular, dados b1, b2 ∈ B integrais sobre A, entao b1 − b2

e b1b2 tambem sao integrais sobre A. Assim, provamos o seguinte

Corolario 1.2.7. Seja B/A uma extensao de aneis. Entao OB/A e um anel quesatisfaz A ⊆ OB/A ⊆ B. Em particular, se A e um domınio de integridade e L eum corpo contendo Frac(A), entao OL/A e um domınio de integridade que satisfazA ⊆ OL/A ⊆ L.

A propriedade a seguir, conhecida como truque do determinante, sera usadamais a frente.

Lema 1.2.8. Sejam A um domınio noetheriano e γ ∈ K = Frac(A). Se existe umideal i 6= (0) em A tal que γi ⊆ i, entao, γ ∈ OK/A.

Demonstracao: Como A e noetheriano, entao i = (a1, . . . , an) 6= (0). Da relacaoγi ⊆ i, segue que existe uma matriz M ∈Mn(A) tal que

γ

a1

. . .an

= M

a1

. . .an

⇒ (γIn −M)

a1

. . .an

=

0. . .0

.

Pelo lema 1.2.5, det(γIn − M) · ai = 0, ∀ i ∈ {1, . . . , n}. Como A e umdomınio de integridade e i 6= (0), entao det(γIn −M) = 0⇒ γ e raiz do polinomiocaracterıstico de M , o qual e um polinomio monico sobre A.

1.2. ELEMENTOS INTEGRAIS 19

Definicao 1.2.9. Seja B/A uma extensao de aneis. Dizemos que B e integral sobreA (ou que B/A e uma extensao integral de aneis) se OB/A = B.

Exemplo 1.2.10. Se m e um inteiro positivo livre de quadrados, entao Z[√m] e

integral sobre Z. De fato, se a+ b√m ∈ Z[

√m], entao a+ b

√m e raiz do polinomio

monico p(x) = x2 − 2ax+ a2 −mb2 ∈ Z[x].

Exemplo 1.2.11. Se m e um inteiro positivo livre de quadrados, entao Z[i√m] e

integral sobre Z. De fato, se a+ib√m ∈ Z[i

√m], entao a+ib

√m e raiz do polinomio

monico p(x) = x2 − 2ax+ a2 +mb2 ∈ Z[x].

Vale ressaltar que ser integral e uma propriedade transitiva:

Proposicao 1.2.12. Sejam C/B/A extensoes de aneis. Se C e integral sobre B eB e integral sobre A, entao C e integral sobre A.

Demonstracao: Seja c ∈ C. Como C e integral sobre B, entao ∃ b1, . . . , bn ∈ B taisque cn + b1c

n−1 + · · ·+ bn = 0. Segue que A[b1, . . . , bn, c] e um A[b1, . . . , bn]-modulofinitamente gerado. Agora, como B e integral sobre A, entao A[b1, . . . , bn] e umA-modulo finitamente gerado ⇒ A[b1, . . . , bn, c] e um A-modulo finitamente gerado.Pela proposicao 1.2.6, c e integral sobre A.

Proposicao 1.2.13. Seja A um subanel de um domınio de integridade B e suponhaque B e integral sobre A. Dessa forma, A e um corpo se, e somente se, B o e.

Demonstracao: (⇒) Suponha que A e um corpo e seja b ∈ B − {0}. Como A e umcorpo, a proposicao 1.2.6 nos da que A[b] e um A-espaco vetorial de dimensao finita.

Seja f : A[b] → A[b] dada por f(z) = bz. Note que f e uma transformacaoA-linear que e injetora, pois B e um domınio de integridade. Pelo Teorema doNucleo e da Imagem, f e sobrejetora ⇒ ∃ z0 ∈ A[b] ⊆ B tal que f(z0) = bz0 = 1.Logo z0 = b−1 ∈ B ⇒ B e um corpo.

(⇐) Suponha agora que B seja um corpo e seja a ∈ A − {0}. Como A ⊆B, ∃ a−1 ∈ B. Agora, B e integral sobre A, logo existem c1, . . . , cn ∈ A tais que(a−1)n + c1(a−1)n−1 + · · · + cn = 0. Multiplicando esta equacao por an, obtemos1 + c1a+ · · ·+ cna

n = 0⇒ 1 = a (−c1 − · · · − cnan−1)︸ ︷︷ ︸=a−1∈A

⇒ A e um corpo.

Corolario 1.2.14. Seja B/A uma extensao integral de aneis. Seja q um ideal primode B e seja p = q ∩ A. Entao:

1. p e um ideal primo de A eA

pe isomorfo a um subanel de

B

q.

2.B

qe integral sobre

A

p.

3. p e um ideal maximal de A se, e somente se, q e um ideal maximal de B.

20 CAPITULO 1. CORPOS DE NUMEROS

Demonstracao: 1. Se p = A, entao q ∩ A = A ⇒ A ⊆ q. Como 1 ∈ A, entao1 ∈ q⇒ q = B, absurdo, pois q e um ideal primo de B.

Agora, sejam x, y ∈ A tais que xy ∈ p. Entao xy ∈ q. Como q e um idealprimo de B, podemos supor sem perda de generalidade que x ∈ q. Logo x ∈ p⇒ pe um ideal primo de A.

Por fim, seja f :A

p→ B

qdada por f(x) = x, onde a barra denota a classe de

equivalencia de x em A modulo p e as duas barras denotam a classe de equivalenciade x em B modulo q. Entao f esta bem definida: de fato, se x = y, entao x− y ∈p ⇒ x − y ∈ q ⇒ x = y ⇒ f(x) = f(y). f e um homomorfismo injetor. E

claro que f e um homomorfismo. Para ver sua injetividade, se f(x) = 0, entao

x = 0⇒ x ∈ q⇒ x ∈ p⇒ x = 0.

2. Seja x ∈ Bq

. Como B e integral sobre A, entao existem a1, . . . , an ∈ A tais

que xn + a1xn−1 + · · ·+ an = 0⇒ x

n+ a1 x

n−1+ · · ·+ an = 0⇒ x e integral sobre

A

p.

3. E consequencia direta da proposicao 1.2.13 e do item anterior.

1.3 Domınios integralmente fechados

Definicao 1.3.1. Seja A um domınio de integridade e K = Frac(A). Dizemos queA e um domınio integralmente fechado (DIF) se OK/A ⊆ A.

Proposicao 1.3.2. Todo domınio domınio de fatoracao unica (DFU) e um DIF.

Demonstracao: Sejam A um DFU ea

b∈ OK/A. Como A e um DFU, podemos supor

que a e b nao tem fatores em comum. Comoa

b∈ OK/A, entao existem a1, . . . ,

an ∈ A tais que(ab

)n+ a1

(ab

)n−1

+ . . . + an = 0. Multiplicando tal equacao por

bn, obtemos

an + a1ban−1 + . . .+ bnan = 0⇒ an = −b(a1a

n−1 + . . .+ bn−1an)⇒ b | an.

Como a e b nao tem fatores em comum, entao b ∈ A× ⇒ a

b∈ A ⇒ A e

integralmete fechado.

Note entao que todo corpo e um domınio euclidiano (DE), todo DE e umDIP, todo DIP e um DFU e todo DFU e um DIF.

Exemplo 1.3.3. Z e um DIF.

1.3. DOMINIOS INTEGRALMENTE FECHADOS 21

Exemplo 1.3.4. Seja K um corpo e considere o subanel A = K[x2, x3] ⊆ K[x].Entao A e um domınio de integridade que nao e integralmente fechado. De fato,

seja L = Frac(A) = K(x). Entao x =x3

x2∈ OL/A − A. De fato, x e raiz do

polinomio monico T 2 − x2 ∈ L[T ].

E interessante notar que vale o analogo do teorema da base de Hilbert paradomınios integralmente fechados. Para demonstrarmos esse resultado, precisamosantes do seguinte

Lema 1.3.5. Sejam A um DIF, K = Frac(A), b ∈ K e g(x) ∈ A[x]. Seja f(x) =bxm + g(x), onde m ∈ N. Se existem polinomios p1(x), . . . , pr(x) ∈ A[x] tais que

f(x)r + p1(x)f(x)r−1 + · · ·+ pr(x) = 0,

entao b ∈ A. Em particular, f(x) ∈ A[x].

Demonstracao: Da equacao

f(x)r + p1(x)f(x)r−1 + · · ·+ pr(x) = 0

obtemos[bxm + g(x)]r + p1(x)[bxm + g(x)]r−1 + · · ·+ pr(x) = 0

donde

brxmr +r∑i=1

(ri

)br−ixm(r−i)g(x)i + p1(x)[bxm + g(x)]r−1 + · · ·+ pr(x) = 0.

Note que qualquer parcela da soma acima diferente de brxmr tem como coefi-ciente do monomio de grau mr potencias de b com expoentes estritamente menoresque r. Como g(x), p1(x), . . . , pr(x) ∈ A[x] e a igualdade acima ocorre em K[x](que e um domınio de integridade), segue que b satisfaz um polinomio monico comcoeficientes em A. Assim, b e integral sobre A. Como A e um DIF, b ∈ A.

Proposicao 1.3.6. Se A e um DIF, assim o e A[x].

Demonstracao: Seja K = Frac(A) e seja f(x) ∈ Frac(A[x]) = A(x) um elementointegral sobre A[x]. Como A[x] ⊆ K[x] ⊆ A(x), entao f(x) e integral sobre K[x].Como K[x] e um DIF (pois e um DIP), entao f(x) ∈ K[x]. Escreva

f(x) = anxn + · · ·+ a0, onde a0, . . . , an ∈ K.

Como f(x) e integral sobre A[x], existem polinomios p1(x), . . . , pr(x) ∈ A[x]tais que

f(x)r + p1(x)f(x)r−1 + · · ·+ pr(x) = 0.

Vamos mostrar por inducao em n = ∂(f) que f(x) ∈ A[x]. Se n = 0, entaoo resultado segue do lema anterior aplicado a b = a0, m = 0 e g(x) = 0. Suponhaentao o resultado valido para todo polinomio de grau no maximo n − 1. Assim, se∂(f) = n, seja g(x) = f(x) − anx

n ∈ A[x], por hipotese de inducao. De novo, oresultado segue do lema anterior, agora tomando b = an e m = n.

22 CAPITULO 1. CORPOS DE NUMEROS

Corolario 1.3.7. Se A e um domınio integralmente fechado, assim o e A[x1, . . . , xn].

Antes de finalizarmos essa secao, vejamos uma propriedade satisfeita pelosDIFs. Para isso, precisamos antes da seguinte:

Proposicao 1.3.8. Seja A um domınio de integridade, K = Frac(A) e L/K umaextensao de corpos. Se α ∈ L e algebrico sobre K, entao existe d ∈ A− {0} tal quedα e integral sobre A.

Demonstracao: Por hipotese, α satisfaz uma equacao

αm + a1αm−1 + · · ·+ am = 0, ai ∈ K, i ∈ {1, . . . ,m}.

Se d ∈ A e um denominador comum dos ai, entao d 6= 0 e d · ai ∈ A, ∀ i ∈{1, . . . ,m}. Multiplicando a igualdade acima por dm, obtemos

dmαm + a1dmαm−1 + . . .+ dmam = 0,

ou seja,(dα)m + a1d(dα)m−1 + ..+ amd

m = 0.

Como a1d, . . . , amdm ∈ A, entao dα e integral sobre A.

Corolario 1.3.9. Seja A um domınio de integridade, K = Frac(A) e L/K umaextensao de corpos. Se L e algebrico sobre K, entao Frac(OL/A) = L.

Demonstracao: Seja α ∈ L. Como L/K e uma extensao algebrica, entao α ealgebrico sobre K. Pela proposicao anterior, existe d ∈ A− {0} tal que dα ∈ OL/A.

Assim α =dα

d, onde dα ∈ OL/A e d ∈ A − {0} ⊆ OL/A ⇒ L ⊆ Frac(OL/A). Como

a outra inclusao e trivial, o corolario esta demonstrado.

1.4 Domınios de Dedekind

Definicao 1.4.1. Seja A um domınio de integridade. Dizemos que A e um domıniode Dedekind se:

1. A e noetheriano;

2. A e integralmente fechado;

3. Todo ideal primo nao nulo de A e maximal.

Exemplo 1.4.2. Todo DIP e um domınio de Dedekind. Em particular, Z e umdomınio de Dedekind e se K e um corpo, entao tanto K quanto K[x] sao domıniosde Dedekind.

1.4. DOMINIOS DE DEDEKIND 23

Exemplo 1.4.3. Se A e um domınio de Dedekind, entao nao necessariamente A[x]o e. De fato, Z e um domınio de Dedekind, enquanto que Z[x] nao o e, pois o ideal

i = (x) e primo mas nao e maximal, dado queZ[x]

(x)≈ Z.

Proposicao 1.4.4. Seja K um corpo tal que Q ⊆ K ⊆ C. Entao OK/Z e um DIFe todo ideal primo nao nulo p de OK/Z e maximal.

Demonstracao: Primeiramente, devemos mostrar queOFrac(OK/Z)/OK/Z ⊆ OK/Z. Paraisto, seja x ∈ OFrac(OK/Z)/OK/Z = {x ∈ Frac(OK/Z) : x e integral sobre OK/Z}. Comox ∈ Frac(OK/Z) ⊆ K, entao x ∈ K. Agora, como x e integral sobre OK/Z e OK/Z eintegral sobre Z, segue da proposicao 1.2.12 que x e integral sobre Z⇒ x ∈ OK/Z.

Agora, mostremos que todo ideal primo nao nulo p de OK/Z e maximal. Ora,como p e nao nulo, existe y ∈ p−{0}. Como y ∈ OK/Z, entao existem a1, . . . , an ∈ Ztais que

yn + a1yn−1 + · · ·+ an = 0.

Como podemos tomar n o menor possıvel, entao an 6= 0. Pelo corolario 1.2.14,p∩Z e um ideal primo de Z que e nao nulo, pois, an ∈ p∩Z. Como Z e um domıniode Dedekind, entao p ∩ Z e um ideal maximal de Z. De novo pelo corolario 1.2.14,p e um ideal maximal de OK/Z, e a proposicao esta demonstrada.

E interessante notar que para cada uma das tres condicoes que definem umdomınio de Dedekind, existe um domınio A nao satisfazendo tal condicao e satisfa-zendo as outras duas. Veja:

• Z[x] satisfaz 1 e 2, mas nao 3. Mais geralmente, se A e um domınio noetherianointegralmente fechado, entao A[x, y] satisfaz 1 e 2, mas nao 3. De fato, (y) e

um ideal primo nao-nulo de A[x, y] que nao e maximal, pois,A[x, y]

(y)≈ A[x].

• Se K e um corpo, o domınio A = K[x2, x3] ⊆ K[x] do exemplo 1.3.4 satisfaz1 e 3 (pois e um DIP - veja lema 1.9.1), mas nao 2.

• Mais a frente daremos um exemplo classico de um domınio que satisfaz 2, 3,mas nao 1.

Dois serao os principais resultados acerca dos domınios de Dedekind quedemonstraremos nesta secao. Para isso, precisamos antes de alguns lemas.

Lema 1.4.5. Seja i um ideal proprio nao nulo de um domınio de Dedekind A comcorpo de fracoes K. Entao existe γ ∈ K − A tal que γi ⊆ A.

Demonstracao: Como i 6= (0), seja a ∈ i − {0}. Note que a 6∈ A×, pois i 6= A.Pela proposicao 1.1.6, o ideal (a) contem um produto de ideais primos nao nulosp1 · . . . · pr, onde r e mınimo.

24 CAPITULO 1. CORPOS DE NUMEROS

Como i e um ideal proprio de A, o lema 1.9.2 implica a existencia de um idealmaximal (o qual e necessariamente primo) p tal que i ⊆ p. Entao p1 · . . . ·pr ⊆ (a) ⊆i ⊆ p. Como p e ideal primo, entao existe i ∈ {1, . . . r} tal que pi ⊆ p. Suponha semperda de generalidade que p1 ⊆ p. Como A e um domınio de Dedekind, p = p1.

Se r = 1, entao (a) = i = p. Como p e um ideal primo, existe b ∈ A − (a).

Assim, γ =b

a∈ K − A. Com efeito, se

b

a∈ A, entao ∃ c ∈ A tal que

b

a= c⇒ b =

ac ∈ (a), absurdo. Dessa forma, γi = γ(a) = (b) ⊆ A.

Suponha entao r ≥ 2. Como r e mınimo, (a) nao pode conter um produtode ideais primos que tem menos do que r fatores. Logo existe b ∈ p2 · . . . · pr − (a).

Procedendo como antes, γ =b

a∈ K − A. Ademais, γi ⊆ A. De fato, bp1 ⊆

p1 · . . . · pr ⊆ (a)⇒ bp1 ⊆ (a)⇒(b

a

)p1 ⊆ A⇒ γi ⊆ γp = γp1 ⊆ A.

Lema 1.4.6. Seja i um ideal nao nulo de um domınio de Dedekind A. Entao existeum ideal nao nulo j de A tal que ij e principal e nao nulo.

Demonstracao: Como i 6= (0), sejam α ∈ i− {0} e j = {β ∈ A : βi ⊆ (α)}. Entao je um ideal nao nulo de A (pois α ∈ j) tal que ij ⊆ (α). Vamos mostrar que (α) ⊆ ij.

Considere o conjunto h =1

αij ⊆ A, que e tambem um ideal nao nulo de A.

Se h = A, entao ij = (α). De fato, se x ∈ (α), entao ∃ y ∈ A tal que x = αy. Como

y ∈ A =1

αij, entao ∃ z ∈ ij tal que y =

1

αz. Logo x = αy = α · 1

αz = z ∈ ij ⇒

(α) ⊆ ij.

Caso contrario, h e um ideal proprio, no qual nos podemos aplicar o lema1.4.5. Entao γh ⊆ A, para algum γ ∈ K−A, com K = Frac(A). Vamos mostrar queγ ∈ OK/A. Como A e Dedekind, A e integralmente fechado ⇒ OK/A ⊆ A⇒ γ ∈ A,absurdo.

Como j ⊆ h (pois α ∈ i), entao γj ⊆ γh ⊆ A. Afirmo que γj ⊆ j. Defato, seja j ∈ j. Precisamos mostrar que γji ⊆ (α). Para isso, seja i ∈ i. Entao

γ1

αij ∈ γh ⊆ A ⇒ γ

1

αij ∈ A ⇒ ∃ a ∈ A tal que γ

1

αij = a ⇒ γij = αa ∈ (α) ⇒

γji ∈ (α)⇒ γji ⊆ (α). Logo, γj ⊆ j. Pelo lema 1.2.8, γ ∈ OK/A.

O lema anterior mostra a existencia de um ideal principalizador para umideal nao nulo de um domınio de Dedekind. Em particular, ele implica a lei docancelamento de ideais nao nulos em um domınio de Dedekind :

Corolario 1.4.7. Se i1, i2 e i3 sao ideais nao nulos em um domınio de Dedekindtais que i1i2 = i1i3, entao i2 = i3.

Demonstracao: Sabemos que existe j 6= (0) um ideal tal que i1j e principal e nao nulo.Seja i1j = (α) 6= (0). Entao (α)i2 = i1ji2 = ji1i2 = ji1i3 = i1ji3 = (α)i3 ⇒ i2 = i3.

Corolario 1.4.8. Seja A um domınio de Dedekind. Se i1 e i2 sao dois ideais naonulos de A tais que i1 ⊆ i2, entao existe um ideal nao nulo j de A tal que i1 = i2j.

1.4. DOMINIOS DE DEDEKIND 25

Demonstracao: Pelo lema 1.4.6, existe um ideal nao nulo h de A tal que i2h e

principal e nao nulo; digamos i2h = (α), α ∈ A− {0}. Seja j =1

αi1h.

Afirmo que j e um ideal nao nulo de A. De fato, para ver que j ⊆ A, note

que i1 ⊆ i2 ⇒ i1h ⊆ i2h = (α)⇒ i1h ⊆ (α)⇒ j =1

αi1h ⊆ A. Ademais, j 6= (0), pois

i1, h 6= (0). Por fim, i2j = i21

αi1h = i1

1

αi2h = i1

1

α(α) = i1.

O cororalario 1.4.7 funciona como uma lei do cancelamento para ideais naonulos de um domınio de Dedekind. Com ele, obtemos o teorema da fatoracao unicade ideais em domınios de Dedekind. Mais precisamente,

Teorema 1.4.9. Todo ideal proprio nao nulo i de um domınio de Dedekind A eunicamente representavel como um produto de ideais primos.

Demonstracao: Existencia: Seja S o conjunto de todos os ideais proprios nao nulosi de A tais que i nao e representavel como um produto de ideais primos. Se S 6= ∅,entao S admite um elemento maximal imax, pois A e noetheriano. Pelo lema 1.9.2,imax ⊆ p, para algum ideal primo p de A (pois todo ideal maximal e primo). Pelocorolario 1.4.8, imax = pj, para algum ideal nao nulo j de A. Logo imax ⊆ j, e ainclusao e estrita. De fato, se imax = j, entao Aimax = Apj = pj = pimax ⇒ A = p,absurdo. Assim imax ( j. Pela maximalidade de imax, j e um produto de ideaisprimos ⇒ imax = pj e um produto de ideais primos, contradicao.

Unicidade: Suponha que i = p1 · . . . · pr = q1 · . . . · qs sao duas representacoesde i como um produto de ideais primos. Entao q1 · . . . · qs ⊆ p1. Assim existei ∈ {1, . . . , s} tal que qi ⊆ p1. Suponha sem perda de generalidade que q1 ⊆ p1.Como A e Dedekind, q1 e um ideal maximal de A. Entao p1 = q1, e, pelo corolario1.4.7, p2 · . . . · pr = q2 · . . . · qs. Continando assim, iremos obter r = s e qi = pi, paratodo i ∈ {1, . . . , r = s}.

Corolario 1.4.10. Seja A um domınio de Dedekind. Entao A e um DIP se, esomente se, e um DFU.

Demonstracao: Precisamos apenas provar a recıproca. Mostrarems inicialmente quetodo ideal primo nao nulo de A e principal. Assim, seja p 6= (0) um ideal primo deA e seja a ∈ p − {0}. Como A e um DFU, entao a se fatora como um produto deelementos irredutıveis de A, i.e., a = p1 · . . . · pn. Como p e um ideal primo de A,entao p contem um desses elementos irredutıveis pi. Entao (pi) ⊆ p. Agora, comopi e um elemento irredutıvel de A, que e um DFU, entao (pi) e um ideal primo deA. Como A e Dedekind, entao (pi) e um ideal maximal. Como (pi) ⊆ p ( A, entao(pi) = p.

Finalizando, como todo ideal proprio de um domınio de Dedekind pode serescrito como um produto de ideais primos, entao todo ideal proprio de um domıniode Dedekind pode ser escrito como um produto de ideais principais. Agora, como oproduto de ideais principais e principal, o corolario esta demonstrado.

O teorema 1.4.9 implica tambem o seguinte refinamento do lema 1.4.6:

26 CAPITULO 1. CORPOS DE NUMEROS

Proposicao 1.4.11. Seja i um ideal nao nulo de um domınio de Dedekind A. Entaoexiste um ideal nao nulo j de A tal que ij e principal e nao nulo. Se h e qualquerideal nao nulo de A, entao j pode ser escolhido coprimo com h.

Demonstracao: Como todo ideal e coprimo com o anel todo, o lema 1.4.6 e o casoparticular h = A. Portanto podemos supor h um ideal nao nulo e proprio de A.Pelo teorema 1.4.9, h = pα1

1 · . . . · pαnn , onde p1, . . . , pn sao ideais primos nao nulos deA e pi 6= pj se i 6= j.

1o caso: n = 1.

Entao h = pα11 , onde α1 ∈ N∗. Afirmo que ip1 ( i. De fato, se ip1 = i = iA,

entao pela lei do cancelamento p1 = A, absurdo. Logo ∃ a ∈ i− ip1. Em particular,a 6= 0. Como (a) ⊆ i, pelo corolario 1.4.8 existe um ideal nao nulo j de A tal que(a) = ij. Afirmo que j e coprimo com p1. De fato, suponha por absurdo que j ⊆ p1.Entao (a) = ij ⊆ ip1 ⇒ a ∈ ip1, absurdo. Logo j * p1. Como A e um domınio deDedekind, p1 e maximal, e logo j e coprimo com p1, em virtude do lema 1.9.5. Pelolema 1.9.4, j + pα1

1 = j + h = A.

2o caso: n ≥ 2.

Sejam h0 = p1 · . . . · pn e qi =n∏j=1j 6=i

pj, ∀ i ∈ {1, . . . , n}. Note que h0 = qipi ⊆

qi ⇒ ih0 ⊆ iqi, ∀ i ∈ {1, . . . , n}. Afirmo que ih0 ( iqi, ∀ i ∈ {1, . . . , n}. Com efeito,se ih0 = iqi, para algum i ∈ {1, . . . , n}, entao, pela lei do cancelamento, h0 = qi,absurdo pelo teorema da fatoracao unica. Assim, ih0 ( iqi, ∀ i ∈ {1, . . . , n}. Para

cada i ∈ {1, . . . , n}, seja ai ∈ iqi − ih0 e seja a =n∑i=1

ai. Como ai ∈ iqi ⊆ i, entao

ai ∈ i, ∀ i ∈ {1, . . . , n} ⇒ a ∈ i.

Afirmo que a 6∈ ipi, ∀ i ∈ {1, . . . , n}. De fato, suponha que a ∈ ipi0 , para

algum i0 ∈ {1, . . . , n}. Escreva a = ai0+n∑i=1i6=i0

ai. Se i 6= i0, entao qi ⊆ pi0 ⇒ iqi ⊆ ipi0 .

Como ai ∈ iqi, entao ai ∈ ipi0 . Logon∑i=1i 6=i0

ai ∈ ipi0 . Como estamos supondo que

a ∈ ipi0 , entao ai0 ∈ ipi0 . Mas ai0 tambem pertence a iqi0 . Logo ai0 ∈ ipi0 ∩ iqi0 ⊆i ∩ pi0 ∩ i ∩ qi0 = i ∩ pi0 ∩ qi0︸ ︷︷ ︸

=h0

= ih0, absurdo. Logo a 6∈ ipi, ∀ i ∈ {1, . . . , n}. Em

particular, a 6= 0.

Como a ∈ i, entao (a) ⊆ i. Pelo corolario 1.4.8, existe um ideal nao nulo jde A tal que (a) = ij. Se j ⊆ pi, para algum i ∈ {1, . . . , n}, entao de novo pelocorolario 1.4.8 existe um ideal nao nulo j0 de A tal que j = pij0 ⇒ (a) = ij =ipij0 ⊆ ipi ⇒ a ∈ ipi, absurdo. Entao j * pi, ∀ i ∈ {1, . . . , n}. Pelo lema 1.9.5,j + pi = A, ∀ i ∈ {1, . . . , n}. Pelo lema 1.9.3, j + pαii = A, ∀ i ∈ {1, . . . , n}. Pelolema 1.9.4, j + pα1

1 · . . . · pαnn = j + h = A.

1.5. O ANEL DE NUMEROS DE UM CORPO DE NUMEROS 27

Corolario 1.4.12. Seja i um ideal nao nulo de um dominio de Dedekind A, e sejaα ∈ i− {0}. Entao ∃ β ∈ i tal que i = (α, β).

Demonstracao: Como α ∈ i, entao (α) ⊆ i. Como α 6= 0, pelo corolario 1.4.8 existeum ideal h nao nulo de A tal que (α) = ih. Como i 6= (0), a proposicao 1.4.11garante a existencia de um ideal j nao nulo de A tal que j e coprimo com h e ij eprincipal e nao nulo. Escreva ij = (β), β ∈ A− {0}.

Entao (α, β) = (α) + (β) = ih + ij = i(h + j) = iA = i.

Corolario 1.4.13. Um domınio de Dedekind A com um numero finito de ideaisprimos e um DIP.

Demonstracao: Sejam p1, . . . , pn todos os ideais primos nao nulos de A e seja h =p1 · . . . ·pn. Seja i um ideal proprio nao nulo de A. Pela proposicao 1.4.11, existe umideal j nao nulo de A tal que j e coprimo com h e ij e principal e nao nulo. Escrevaij = (a), a ∈ A− {0}.

Como j e coprimo com h, entao j = A. De fato, se j ( A, entao pelo teorema1.4.9, j e um produto de ideais primos nao nulos de A. Logo h ⊆ j⇒ h+ j = j. Mascomo h e coprimo com j, entao h + j = A ⇒ j = A, absurdo. Entao i = iA = ij =(a).

E interessante notar que o teorema 1.4.9 e, na verdade, uma caracterizacaodos domınios de Dedekind:

Proposicao 1.4.14. Seja A um domınio de integridade tal que todo ideal proprionao nulo admite uma fatoracao unica em ideais primos. Entao A e um domınio deDedekind.

A demonstracao desta proposicao foge um pouco do escopo desta dissertacaoe por isso sera omitida. Entretanto, uma prova dela pode ser encontrada em [2], p.494 - 495.

1.5 O anel de numeros de um corpo de numeros

Definicao 1.5.1. Um corpo de numeros e um corpo K ⊆ C tal que [K : Q] <∞.

Claramente, os corpos da forma Q(√m), m ∈ Z, m livre de quadrados, sao

corpos de numeros, denominados corpos quadraticos. Se m > 0, entao Q(√m) e

chamado de corpo quadratico real. Caso m < 0, entao Q(√m) e chamado de corpo

quadratico imaginario.

Outro exemplo de corpo de numeros e Q(ζm), onde ζm = e2πi/m, m ∈ N∗,chamado de m-esimo corpo ciclotomico. Registramos no teorema abaixo as proprie-dades basicas do corpo Q(ζm). Para uma demonstracao, veja [16], p. 63 - 94.

28 CAPITULO 1. CORPOS DE NUMEROS

Teorema 1.5.2. Seja ϕ a funcao de Euler. Se m ∈ N∗, entao a extensao Q(ζm)/Q

e galoisiana, [Q(ζm) : Q] = ϕ(m) e Gal(Q(ζm) : Q) ∼=(

ZmZ

)∗, onde o isomorfismo

pode ser dado por:

σ :

(ZmZ

)∗→ Gal(Q(ζm) : Q)

k 7→ σk

, ondeσk : Q(ζm) → Q(ζm)

ζm 7→ ζ km

.

Se m = pα11 · · · pαnn e a fatoracao de m em fatores primos, entao

n⋂i=1

Q(ζpαii ) = Q (se

n ≥ 2) e Q(ζpα11, . . . , ζpαnn ) = Q(ζm). Alem disso,

Gal(Q(ζm)/Q) ' Gal(Q(ζpα11)/Q)× · · ·Gal(Q(ζpαnn )/Q).

Em particular,

(ZmZ

)×'(

Zpα1

1 Z

)×× · · · ×

(Z

pαnn Z

)×.

Tanto os corpos quadraticos quanto os corpos ciclotomicos receberao atencaoespecial ate o final deste capıtulo.

Definicao 1.5.3. Seja K um corpo de numeros. Definimos o anel de numeros OKde K como sendo o fecho integral de Z em K, ou seja, OK = OK/Z.

Tambem podemos chamar OK de anel de inteiros de K. Toda a teoria desen-volvida ate agora sobre domınios de Dedekind sera agora utilizada para obtermosimportantes resultados acerca da estrutura aritmetica dos corpos de numeros. Va-mos calcular o anel de numeros de alguns corpos de numeros de modo concreto.

Proposicao 1.5.4. Seja m um inteiro livre de quadrados.

1. Se m ≡ 2 ou 3 (mod 4), entao OQ(√m) = Z[

√m].

2. Se m ≡ 1 (mod 4), entao OQ(√m) =

{a+ b

√m

2: a, b ∈ Z, a ≡ b (mod 2)

}.

Demonstracao: 1. A inclusao Z[√m] ⊆ OQ(

√m) segue diretamente do exemplo

1.2.10. Ja se a+ b√m ∈ OQ(

√m), com b 6= 0, entao o polinomio minimal de a+ b

√m

sobre Q e o polinomio p(x) = x2−2ax+a2−mb2 descrito acima. Pelo teorema 1.9.7,2a ∈ Z e a2 −mb2 ∈ Z. Logo 4a2 ∈ Z e 4a2 − 4mb2 ∈ Z ⇒ 4mb2 = m(2b)2 ∈ Z.Como m e livre de quadrados, entao 2b ∈ Z. Dessa forma existem u, v ∈ Z tais que2a = u e 2b = v. Como a2−mb2 ∈ Z, entao 4a2− 4mb2 ≡ 0 (mod 4)⇒ u2−mv2 ≡0 (mod 4)⇒ u2 ≡ mv2 (mod 4).

Se u e ımpar, entao u2 ≡ 1 (mod 4) ⇒ mv2 ≡ 1 (mod 4). Por hipotese,m ≡ 3 (mod 4)⇒ 3v2 ≡ 1 (mod 4)⇒ v2 ≡ 3 (mod 4), absurdo. Logo u e par. Istoimplica que a ∈ Z e que u2 ≡ 0 (mod 4) ⇒ mv2 ≡ 0 (mod 4). Se v e ımpar, entaov2 ≡ 1 (mod 4)⇒ m ≡ 0 (mod 4), absurdo. Logo v e par e b ∈ Z.

1.5. O ANEL DE NUMEROS DE UM CORPO DE NUMEROS 29

2. Sejaa+ b

√m

2∈{a+ b

√m

2: a, b ∈ Z, a ≡ b (mod 2)

}. Como m ≡

1(mod 4), entao m = 4n + 1, para algum n ∈ Z. Como a ≡ b (mod 2), entao

a−b = 2k, para algum k ∈ Z. Assima+ b

√m

2anula p(x) = x2−ax+k2 +kb−nb2,

que e um polinomio monico em Z[x]. Logoa+ b

√m

2∈ OQ(

√m).

Para a outra inclusao, seja a+ b√m ∈ OQ(

√m), com b 6= 0. Procedendo como

antes, existem u, v ∈ Z tais que 2a = u, 2b = v e u2 ≡ mv2 (mod 4). Assim

a+ b√m =

u+ v√m

2. E necessario entao mostrar apenas que u ≡ v (mod 2). Mas

como m ≡ 1 (mod 4), entao u2 ≡ v2 (mod 4)⇒ u ≡ v (mod 2).

O objetivo agora e provar que o anel de numeros de um corpo de numeros Ke um domınio de Dedekind. Para isso precisamos dos seguintes resultados:

Lema 1.5.5. Seja m um ideal nao nulo de OK. Entao m ∩ Z 6= {0}.

Demonstracao: Como m 6= {0}, seja α ∈ m−{0} satisfazendo seu polinomio minimalxr + ar−1x

r−1 + · · · + a0 = 0, onde a0, . . . , ar−1 ∈ Z e a0 6= 0. Entao a0 = −(αr +· · · + a1α). O lado esquerdo desta equacao esta em Z, enquanto que o lado direitodesta equacao esta em m. Logo 0 6= a0 ∈ m ∩ Z.

Corolario 1.5.6. Seja m um ideal nao nulo de OK. Entao #

(OKm

)<∞.

Demonstracao: Pelo lema anterior, existe m ∈ m ∩ Z − {0}. Entao mOK ⊆ m.

Como #

(OKmOK

)= m[K:Q], segue que #

(OKm

)≤ m[K:Q] <∞.

Definicao 1.5.7. Sejam K um corpo de numeros e m um ideal nao nulo em OK.

Definimos a norma do ideal m como sendo N(m) = #

(OKm

).

Lema 1.5.8. Se (0) ( i ( j sao ideais de OK, entao N(i) > N(j).

Demonstracao: Seja f :OKi→ OK

jdada por f(x + i) = x + j. Como i ( j, entao

f esta bem definida e e sobrejetora.

Agora, como i ( j, existe y ∈ j− i. Entao y+ i 6= 0 mas f(y+ i) = 0⇒ f naoe injetora. Como tanto o domınio quanto o contra-domınio de f sao finitos, temoso desejado.

Teorema 1.5.9. Se K e um corpo de numeros, entao OK e um domınio de Dede-kind.

Demonstracao: Basta provarmos que OK e noetheriano, pois o restante segue daproposicao 1.4.4. Para isto, suponha por absurdo que exista uma sequencia ascen-dente de ideais de OK

i1 ( i2 ( i3 ( · · ·

30 CAPITULO 1. CORPOS DE NUMEROS

que nunca estabiliza. Pelo lema anterior, N(i1) > N(i2) > N(i3) > · · · . Mas N(i1)sendo finito, isto e impossıvel. Logo OK e noetheriano.

Definicao 1.5.10. Dizemos que α ∈ C e um inteiro algebrico se α ∈ OC.

O domınio OC/Z e o contra-exemplo que faltava na secao anterior:

Proposicao 1.5.11. O domınio OC/Z nao e noetheriano, mas e integralmente fe-chado e todo ideal primo nao nulo seu e maximal.

Demonstracao: Para ver que OC/Z nao e noetheriano, basta considerar a seguinte

cadeia ascendente de ideais que nunca estabiliza: (√

2) ( ( 4√

2) ( ( 8√

2) ( · · · . De

fato, se existe n ∈ N∗ tal que ( 2n√

2) = ( 2n+1√2), entao 2n+1√

2 ∈ ( 2n√

2)⇒ ∃ a ∈ OC/Z

tal que 2n+1√2 = 2n

√2a. Elevando tal equacao a 2n+1, obtemos 2 = 4a2n+1 ⇒ a2n+1

=1

2. Mas como a ∈ OC/Z, entao a2n+1 ∈ OC/Z ⇒

1

2∈ OC/Z, absurdo. O restante do

resultado segue da proposicao 1.4.4.

O restante deste capıtulo sera dedicado a estudar algumas ferramentas basicaspara a demonstrarmos que OQ(ζm) = Z[ζm].

1.6 Norma, traco e discriminante

Definicao 1.6.1. Seja L/K uma extensao de corpos de numeros de grau n. Sejamσ1, . . . , σn os n mergulhos de L em C que fixam K ponto a ponto. Se α ∈ L,definimos o traco e a norma de α por

TL/K(α) =n∑i=1

σi(α) NL/K(α) =n∏i=1

σi(α),

respectivamente.

O traco e a norma tem as seguintes propriedades:

Proposicao 1.6.2. Se L/K uma extensao de corpos de numeros de grau n, entao

1. TL/K(α + β) = TL/K(α) + TL/K(β), ∀ α, β ∈ L;

2. NL/K(αβ) = NL/K(α)NL/K(β), ∀ α, β ∈ L;

3. TL/K(δ) = nδ, ∀ δ ∈ K;

4. NL/K(δ) = δn, ∀ δ ∈ K;

5. TL/K(δα) = δTL/K(α), ∀ δ ∈ K, ∀ α ∈ L; e,

6. NL/K(δα) = δnTL/K(α), ∀ δ ∈ K, ∀ α ∈ L.

1.6. NORMA, TRACO E DISCRIMINANTE 31

Tais propriedades decorrem diretamente da definicao e sao de facil verificacao.Entretanto, ha ainda uma outra formula que tambem permite o calculo do traco eda norma de um elemento α ∈ L que sera util mais tarde. Para isto, precisamos daseguinte definicao:

Definicao 1.6.3. Sejam α um inteiro algebrico e K um corpo de numeros. De-finimos os conjugados de α sobre K como sendo as raızes do polinomio minimalde α sobre K. Definimos tambem o grau de α sobre K como sendo o grau de seupolinomio minimal sobre K.

Teorema 1.6.4. Seja L/K uma extensao do corpos de numeros de grau n e suponhaque α ∈ L tenha grau d sobre K. Denote por t(α) e n(α) a soma e o produto,respectivamente, dos d conjugados de α sobre K. Entao

TL/K(α) =n

dt(α) e NL/K(α) = n(α)n/d.

Demonstracao: Note inicialmente quen

d∈ Z, pois

n

d= [L : K(α)]. Alem disso,

t(α) = TK(α)/K(α) e n(α) = NK(α)/K(α). Agora, como cada mergulho de K(α) em

C se extende den

d= [L : K(α)] maneiras a um mergulho de L em C, segue que

TL/K(α) =n

dt(α) e NL/K(α) = n(α)n/d.

Corolario 1.6.5. Com as notacoes do teorema anterior, TL/K(α), NL/K(α) ∈ K.Se α ∈ OL, entao TL/K(α), NL/K(α) ∈ OK.

Demonstracao: Para a primieira afirmacao, e suficiente mostrar que t(α), n(α) ∈ K.Para isto, seja pα|K(x) = xd + a1x

d−1 + · · · + ad ∈ K[x] o polinomio minimal de αsobre K. Como t(α) = −a1 e ± n(α) = ad, temos provado a primeira afirmacao.

Ja a segunda afirmacao e simples: como α ∈ OL, entao todos os seus dconjugados tambem pertencem a OL. Isto implica t(α), n(α) ∈ OL ∩ K = OK .

Comon

d∈ Z, segue que TL/K(α), NL/K(α) ∈ OK .

Se temos uma torre de corpos de numerosM/L/K o traco e a norma relacionam-se da seguinte forma:

Teorema 1.6.6. Se M/L/K e uma torre de corpos de numeros, entao

1. TL/K(TM/L(α)) = TM/K(α), ∀ α ∈M ;

2. NL/K(NM/L(α)) = NM/K(α), ∀ α ∈M.

Demonstracao: Sejam inicialmente σ1, . . . , σn os n = [L : K] mergulhos de L emC que fixam K ponto a ponto e sejam τ1, . . . , τm os m = [M : L] mergulhos deM em C que fixam L ponto a ponto. O que faremos sera compor os σi com os τj,mas nos nao podemos fazer isto de inıcio, pois precisamos primeiro estender cadaum destes mergulhos a automorfismos de algum corpo. Para isto, seja N ⊆ C umaextensao finita e normal de Q que contem M . Entao todos os σi e todos os τj podem

32 CAPITULO 1. CORPOS DE NUMEROS

agora ser estendidos a automorfismos de N . Fixe uma extensao para cada um destesmergulhos e denote-as tambem por σi e τj (nao ha risco de confusao). Agora, comopodemos compor tais automorfismos, obtemos

TL/K(TM/L(α)

)=

n∑i=1

σi

(m∑j=1

τj(α)

)=∑1≤i≤n1≤j≤m

σi(τj(α))

NL/K

(NM/L(α)

)=

n∏i=1

σi

(m∏j=1

τj(α)

)=∏

1≤i≤n1≤j≤m

σi(τj(α)).

Assim, precisamos mostrar que os mn mergulhos σi ◦ τj, quando restritos aM , nos dao todos os mn = [M : L] · [L : K] = [M : K] mergulhos de M em C quefixam K ponto a ponto. Como todos os mergulhos σi ◦ τj claramente fixam K pontoa ponto, e suficiente mostrar que eles sao dois a dois distintos quando restritos a M .

Com efeito, suponha que (σi ◦ τj)|M = (σi′ ◦ τj′)|M . Entao

(σi ◦ τj)|L = (σi′ ◦ τj′)|L⇒ σi ◦ (τj|L) = σi′ ◦ (τj′ |L)

⇒ σi ◦ (id |L) = σi′ ◦ (id |L)

⇒ (σi ◦ id |N)|L = (σi′ ◦ id |N)|L⇒ σi|L = σi′|L⇒ σi = σi′

⇒ (σi ◦ τj)|M = (σi ◦ τj′)|M⇒ σi ◦ (τj|M) = σi ◦ (τj′|M)

⇒ τj|M = τj′|M⇒ τj = τj′

⇒ σi ◦ τj = σi′ ◦ τj′ ,

como desejavamos.

Definicao 1.6.7. Seja L/K uma extensao de corpos de numeros de grau n sejamσ1, . . . , σn os n mergulhos de L em C que fixam K ponto a ponto. Se α1, . . . , αn ∈ L,definimos o discriminante da n-upla (α1, . . . , αn) ∈ Ln por

discL/K(α1, . . . , αn) = |σi(αj)|2.

Denotamos aqui por [aij] a matriz tendo o elemento aij na i-esima linha e naj-esima coluna, e por |aij| o seu determinante. Note que o quadrado na definicao dodiscriminante faz com que o mesmo independa da ordem dos σi e dos αj.

O seguinte teorema e uma formula muito util para o discriminante de uman-upla:

Teorema 1.6.8. Seja L/K uma extensao de corpos de numeros. Se (α1, . . . , αn) ∈Ln, entao discL/K(α1, . . . , αn) = |TL/K(αiαj)|.

1.6. NORMA, TRACO E DISCRIMINANTE 33

Demonstracao: Como det(A) = det(AT ), entao |σi(αj)| = |σj(αi)|. Assim,

|TL/K(αiαj)| = |σ1(αiαj) + · · ·+ σn(αiαj)| = |σj(αi)||σi(αj)| == |σi(αj)| · |σi(αj)| = |σi(αj)|2 = discL/K(α1, . . . , αn).

Segue diretamente do corolario 1.6.5 que se L/K e uma extensao de corposde numeros e (α1, . . . , αn) ∈ Ln, entao discL/K(α1, . . . , αn) ∈ K. Alem disso, se osαi sao todos inteiros algebricos, entao discL/K(α1, . . . , αn) ∈ OK .

O discriminante de uma n-upla de um corpo de numeros ainda satisfaz aseguinte propriedade:

Teorema 1.6.9. Seja L/K uma extensao de corpos de numeros. Se (α1, . . . , αn) ∈Ln, entao disc(α1, . . . , αn) = 0⇔ α1, . . . , αn sao linearmente dependentes sobre K.

Demonstracao: (⇐) Suponha que α1, . . . , αn sao linearmente dependentes sobre K.Entao existem a1, . . . , an ∈ K nao todos nulos tais que a1α1 + · · ·+ anαn = 0. Logoas colunas da matriz

[σi(αj)] =

σ1(α1) · · · σ1(αn)· · · · · · · · ·

σn(α1) · · · σn(αn)

sao linearmente dependentes. Assim, seu determinante e zero.

Portanto discL/K(α1, . . . , αn) = |σi(αj)|2 = 0.

(⇒) Suponha agora que disc(α1, . . . , αn) = 0. Entao as colunas R1, . . . , Rn da matriz

[TL/K(αiαj)] =

TL/K(α1α1) · · · TL/K(α1αn)· · · · · · · · ·

TL/K(αnα1) · · · TL/K(αnαn)

sao linearmente dependentes sobre K. Logo existem a1, . . . , an ∈ K nao todos nulostais que a1R1 + · · ·+ anRn =

−→0 , ou seja, 0

· · ·0

=

a1TL/K(α1α1) + · · ·+ anTL/K(α1αn)· · ·

a1TL/K(αnα1) + · · ·+ anTL/K(αnαn)

.Seja α = a1α1 + · · · + anαn. Se supormos por absurdo que α1, . . . , αn sao

linearmente independentes sobre K, entao α 6= 0. Alem disso, se j ∈ {1, . . . , n},entao

TL/K(ααj) = TL/K(a1α1αj+· · ·+anαnαj) = a1TL/K(α1αj)+· · ·+anTL/K(αnαj) = 0.

Como estamos supondo que α1, . . . , αn sao linearmente independentes sobreK, entao eles formam uma base de L sobre K. Como α 6= 0, entao {αα1, . . . , ααn}

34 CAPITULO 1. CORPOS DE NUMEROS

tambem e base de L sobre K. Mas isto implica que TL/K(β) = 0, ∀ β ∈ L, ja queβ sera uma combinacao linear dos ααj. Em particular, TL/K(1) = 0, absurdo.

Assim, o teorema 1.6.9 nos diz que o discriminante de uma base de umaextensao de corpos de numeros L/K e nao nulo. Vamos registrar abaixo o caso noqual a base consiste de potencias de um unico elemento. Para isto, precisamos antesde um pequeno lema:

Lema 1.6.10. Seja f(x) um polinomio monico e irredutıvel sobre um corpo de

numeros K e seja α ∈ C uma de suas raızes. Entao f ′(α) =∏β 6=α

(α − β), onde o

produto e calculado sobre todas as raızes β 6= α de f(x).

Demonstracao: Como f(x) e irredutıvel, entao f(x) nao tem raızes repetidas. Pelo

Teorema Fundamental da Algebra, f(x) = (x − α)∏β 6=α

(x − β), onde o produto

e calculado sobre todas as raızes β 6= α de f(x). Se g(x) =∏β 6=α

(x − β), entao

f(x) = (x − α)g(x). Diferenciando, obtemos f ′(x) = g(x) + (x − α)g′(x). Assim,

f ′(α) = g(α) =∏β 6=α

(α− β).

Teorema 1.6.11. Sejam K um corpo de numeros e α um inteiro algebrico de graun sobre L = K[α]. Se α1, . . . , αn denotam os n conjugados de α sobre K, entao

discL/K(1, α, . . . , αn−1) =∏

1≤r<s≤n

(αr − αs)2 = ±NL/K(f ′(α)),

onde f(x) e o polinomio minimal de α sobre K. O sinal de + vale se, e somentese, n ≡ 0 ou 1 (mod 4).

Demonstracao: Sejam σ1, . . . , σn os n mergulhos de L em C que fixam K ponto aponto e suponha sem perda de generalidade que σi(α) = αi, ∀ i ∈ {1, . . . , n}.

E conhecido o fato de que se M e uma matriz de Vandermonde sobre umanel comutativo A (isto e, [ai,j] = [aj−1

i ]), entao seu determinante e dado por

|ai,j| =∏

1≤r<s≤n

(as − ar).

Assim,

discL/K(1, α, . . . , αn−1) = |σi(αj−1)|2 = |σi(α)j−1|2 = |αj−1i |2 =

=

( ∏1≤r<s≤n

(αs − αr)

)2

=∏

1≤r<s≤n

(αr − αs)2.

Vamos agora mostrar a segunda igualdade. Sabemos que∏1≤r<s≤n

(αr − αs)2 = ±∏r 6=s

(αr − αs),

1.6. NORMA, TRACO E DISCRIMINANTE 35

onde o segundo produto e calculado sobre todos os n(n − 1) pares ordenados de

ındices distintos. Como temosn(n− 1)

2trocas de sinal, o sinal de + vale se, e

somente se,n(n− 1)

2e par. Mas isto acontece se, e somente se, n ≡ 0 ou 1 (mod 4).

Dessa forma, precisamos apenas mostrar que∏r 6=s

(αr − αs) = NL/K(f ′(α)).

Como f(x) ∈ K[x], entao

NL/K(f ′(α)) =n∏r=1

σr(f′(α)) =

n∏r=1

f ′(σr(α)) =n∏r=1

f ′(αr).

Pelo lema anterior, f ′(αr) =∏s 6=r

(αr − αs) ⇒ NL/K(f ′(α)) =n∏r=1

f ′(α) =

n∏r=1

∏s 6=r

(αr − αs) =∏r 6=s

(αr − αs).

Corolario 1.6.12. Se p e um numero primo ımpar, entao discQ(ζp)/Q(1, ζp, . . . , ζp−2p ) =

±pp−2.

Demonstracao: Seja L = Q(ζp). Pelo teorema anterior, precisamos apenas mostrarque NL/K(f ′(ζp)) = pp−2, onde f(x) = 1 +x+x2 + · · ·+xp−1 e o polinomio minimalde ζp sobre Q.

Escrevendo xp − 1 = (x− 1)f(x) e diferenciando, obtemos

pxp−1 = f(x) + (x− 1)f ′(x).

Calculando em x = ζp, obtemos pζp−1p = f(ζp) + (ζp − 1)f ′(ζp). Como f(ζp) = 0 e

ζp−1p =

1

ζp, entao f ′(ζp) =

p

ζp(ζp − 1). Tomando a norma,

NL/Q(f ′(ζp)) =NL/Q(p)

NL/Q(ζp)NL/Q(ζp − 1).

Como NL/Q(p) = pp−1 e NL/Q(ζp) =

p−1∏i=1

ζ ip = ζp(p−1)

2p = (ζpp )

p−12 = 1, pre-

cisamos apenas mostrar que NL/Q(ζp − 1) = p. Com efeito, NL/Q(ζp − 1) =

NL/Q(−1)NL/Q(1 − ζp) = (−1)p−1NL/Q(1 − ζp) = NL/Q(1 − ζp) =

p−1∏i=1

(1 − ζ ip) =

f(1) = p.

A partir de agora, se α e um inteiro algebrico de grau n sobre Q, escreveremosdisc(α) = discQ(α)/Q(1, α, . . . , αn−1). Lembre que, neste caso, disc(α) ∈ Z. Alemdisso, o teorema 1.6.11 implica o seguinte

36 CAPITULO 1. CORPOS DE NUMEROS

Corolario 1.6.13. Seja α ∈ C um inteiro algebrico. Se β e um de seus conjugados,entao disc(α) = disc(β).

Demonstracao: Como β e um dos conjugados de α, entao tanto α quanto β tem osmesmo conjugados α1, . . . , αn. Assim, pelo teorema 1.6.11,

disc(α) =∏

1≤r<s≤n

(αr − αs)2 = disc(β).

Para finalizar esta secao, demonstraremos a seguinte proposicao, que sera utilmais a frente:

Proposicao 1.6.14. Se m ∈ N− {0}, entao disc(ζm) divide mϕ(m).

Demonstracao: Seja L = Q(ζm) e seja f(x) o polinomio minimal de ζm sobre Q.Entao existe g(x) ∈ Z[x] tal que xm− 1 = f(x)g(x). Diferenciando e calculando emζm, obtemos mζm−1

m = f ′(ζm)g(ζm) ⇒ m = ζmf′(ζm)g(ζm). Tomando normas, pelo

teorema 1.6.11 obtemos

NL/Q(m) = NL/Q(f ′(ζm))NL/Q(ζmg(ζm))

= ± discL/Q(1, ζm, . . . , ζϕ(m)−1m )NL/Q(ζmg(ζm))

= ± disc(ζm)NL/Q(ζmg(ζm)).

ComoNL/Q(m) = mϕ(m), temos a equacaomϕ(m) = ± disc(ζm)NL/Q(ζmg(ζm)).Como disc(ζm) ∈ Z, entao NL/Q(ζmg(ζm)) ∈ Q. Mas como ζmg(ζm) ∈ OL, entaoNL/Q(ζmg(ζm)) ∈ OL ∩Q = OQ = Z. Logo temos o desejado.

1.7 Bases integrais

Definicao 1.7.1. Dizemos que um grupo G e abeliano livre de posto n se existen ∈ N∗ tal que G ' Zn.

Claramente, se H e um subgrupo de um grupo abeliano livre de posto n,entao H tambem e um grupo abeliano livre com posto no maximo n. Note tambemque o posto de um grupo abeliano livre esta bem definido, pois os grupos Zn saodois a dois nao isomorfos.

Nesta secao, usaremos o discriminante para mostrar que se K e um corpo denumeros sobre Q, entao seu anel de inteiros OK e um grupo abeliano livre de posto[K : Q]. Comecamos com um simples lema:

Lema 1.7.2. Existe uma base de K sobre Q consistindo apenas de inteiros algebricos.

1.7. BASES INTEGRAIS 37

Demonstracao: Seja {α1, . . . , αn} uma base de K sobre Q. Pela proposicao 1.3.8,para cada αi existe mi ∈ Z − {0} tal que miαi e um inteiro algebrico. Se m =n∏i=1

mi 6= 0, entao {mα1, . . . ,mαn} e uma base de K sobre Q consistindo apenas de

inteiros algebricos.

Definicao 1.7.3. Fixada uma base de {α1, . . . , αn} ⊆ OK de K sobre Q, definimoso grupo abeliano livre de posto n gerado por {α1, . . . , αn} por

A = {m1α1, . . . ,mnαn} = Zα1 ⊕ · · · ⊕ Zαn.

Note que A ⊆ OK .

Teorema 1.7.4. Seja {α1, . . . , αn} ⊆ OK uma base do corpo de numeros K sobreQ e seja d = discK/Q(α1, . . . , αn). Se α ∈ OK, entao existem m1, . . . ,mn ∈ Z tais

que α =m1α1 + · · ·+mnαn

de d|m2

i , ∀ i ∈ {1, . . . , n}.

Demonstracao: Note inicialmente que d 6= 0 pois {α1, . . . , αn} e uma base de Ksobre Q, e que d ∈ Z ja que α1, . . . , αn sao inteiros algebricos.

Escreva α = x1α1 + · · · + xnαn, onde x1, . . . , xn ∈ Q. Se σ1, . . . , σn sao os nmergulhos de K em C que fixam Q ponto a ponto, obtemos

σ1(α) = x1σ1(α1) + · · ·+ xnσ1(αn)· · ·

σn(α) = x1σn(α1) + · · ·+ xnσn(αn).

Resolvendo o sistema linear anterior via regra de Cramer, obtemos xj =yjδ

,

onde δ = |σi(αj)| e yj e obtido de δ trocando a j-esima coluna por σi(α). Comocada σi(αj) e um inteiro algebrico, assim como cada σi(α), entao tanto δ quanto os

yj sao tambem inteiros algebricos e δ2 = d. Segue que dxj =dyjδ

= δyj ⇒ dxj e um

inteiro algebrico. Como dxj ∈ Q, entao dxj ∈ Z. Seja mj = dxj, ∀ j ∈ {1, . . . , n}.

Resta entao mostrar quem2j

d∈ Z. Claramente

m2j

d∈ Q. Agora, como

m2j

d=d2x2

j

d= dx2

j = δ2x2j = (δxj)

2 = y2j e tambem um inteiro algebrico, temos o

desejado.

Assim, OK ⊆ Zα1

d⊕ · · · ⊕ Z

αnd

. Logo OK contem e esta contido em grupos

abelianos livres de posto n. Isto claramente implica o

Teorema 1.7.5. Se K e um corpo de numeros, entao OK e um grupo abeliano livrede posto [K : Q].

Equivalentemente, OK tem uma base sobre Z: existem β1, . . . , βn ∈ OK taisque cada α ∈ OK e representado unicamente como m1β1 + · · ·+mnβn, onde mi ∈ Z.

38 CAPITULO 1. CORPOS DE NUMEROS

Definicao 1.7.6. Seja K um corpo de numeros de grau n sobre Q. Dizemos que{β1, . . . , βn} ⊆ OK e uma base integral de OK sobre Z se cada α ∈ OK e representadounicamente como m1β1 + · · ·+mnβn, onde mi ∈ Z.

Assim, o teorema 1.7.5 afirma que todo anel de numeros de um corpo denumeros tem uma base integral sobre Z. Note que se K e um corpo de numerostal que [K : Q] = n, entao toda base integral {β1, . . . , βn} de OK sobre Z e umabase de K sobre Q. Com efeito, o conjunto {β1, . . . , βn} ⊆ OK ⊆ K e linearmenteindependente sobre Q (pela unicidade de representacao do 0) e possui [K : Q] = nelementos. Vejamos um exemplo, que segue diretamente da proposicao 1.5.4:

Exemplo 1.7.7. Seja m um inteiro livre de quadrados.

• Se m ≡ 2 ou 3 (mod 4), entao uma base para OQ(√m) e {1,

√m}.

• Se m ≡ 1 (mod 4), entao uma base para OQ(√m) e

{1,

1 +√m

2

}.

Proposicao 1.7.8. Sejam K um corpo de numeros e {β1, . . . , βn}, {γ1, . . . , γn}duas bases integrais para OK. Entao discK/Q(β1, . . . , βn) = discK/Q(γ1, . . . , γn).

Demonstracao: Escrevendo os βi em termos dos γi, obtemos

β1

· · ·βn

= M

γ1

· · ·γn

,

para alguma matriz M ∈Mn×n(Z).

Se σ1, . . . , σn denotam os n merguhos de K em C, aplicando cada σj a cadauma das linhas da equacao matricial acima, obtemos [σj(βi)] = M [σj(γi)]. Tomandoos determinantes e elevando ao quadrado, obtemos

discK/Q(β1, . . . , βn) = |M |2 discK/Q(γ1, . . . , γn).

Como |M | ∈ Z, entao discK/Q(γ1, . . . , γn)| discK/Q(β1, . . . , βn). Alem dissoeles tem o mesmo sinal. Como podemos usar o mesmo argumento escrevendo os γiem termos dos βi, os discriminantes sao iguais.

Definicao 1.7.9. Seja K um corpo de numeros. Definimos o discriminante deK, denotado por disc(K), como sendo o discriminante (sobre Q) de qualquer baseintegral de seu anel de inteiros OK.

Vale lembrar que o discriminante de qualquer corpo de numeros e sempre umnumero inteiro. Para finalizar esta secao, apresentamos o exemplo abaixo, que esimples e pode ser verificado por qualquer um dos metodos apresentados ate agora:

Exemplo 1.7.10. Seja m um inteiro livre de quadrados.

• Se m ≡ 2 ou 3 (mod 4), entao disc(Q(√m)) = 4m.

• Se m ≡ 1 (mod 4), entao disc(Q(√m)) = m.

1.8. O ANEL DE NUMEROS DE Q(ζM) 39

1.8 O anel de numeros de Q(ζm)

No ponto em que estamos ja conseguimos mostrar que OQ(ζm) = Z[ζm], param = pr potencia de um primo. Precisamos de mais tres resultados, apenas:

Lema 1.8.1. Seja m = pr uma potencia de um numero primo. Entao

m∏k=1

mdc(p,k)=1

(1− ζkm) = p.

Demonstracao: Seja f(x) =xp

r − 1

xpr−1 − 1= 1 + xp

r−1

+ x2pr−1

+ · · ·+ x(p−1)pr−1

.

Assim, se 1 ≤ k ≤ m e mdc(p, k) = 1 entao ζkm e raiz de f (pois e raiz dopolinomio xp

r − 1) mas nao e raiz de g(x) = xpr−1 − 1. Portanto

f(x) =m∏k=1

mdc(p,k)=1

(x− ζkm)

pois existem exatamente ϕ(pr) = (p−1)pr−1 valores para k. Tomando x = 1 obtemoso resultado.

Lema 1.8.2. Sejam L/K uma extensao de corpos de numeros, α ∈ OL e m ∈ K.Sejam α1, . . . , αn os n conjugados de α sobre K. Entao α + m tambem tem nconjugados sobre Q, sendo eles α1 +m, . . . , αn+m. Analogamente, −α tambem temn conjugados sobre Q, sendo eles −α1, . . . ,−αn.

Demonstracao: Seja p(x) ∈ K[x] o polinomio minimal de α sobre K. Entao p(α) = 0e ∂(p) = n. Afirmo que q(x) = p(x −m) ∈ K[x] e o polinomio minimal de α + msobre K. Claramente q(x) e monico e irredutıvel. Alem disso, q(α+m) = p(α) = 0.Logo q(x) e o polinomio minimal de α +m sobre K.

Dessa forma, α+m tambem tem ∂(q) = ∂(p) = n conjugados sobre K. Se βe um destes conjugados, entao q(β) = 0⇒ p(β −m) = 0⇒ β −m e um conjugadode α. Logo existe i ∈ {1, . . . , n} tal que β −m = αi ⇒ β = αi + m. Como q(x) eirredutıvel, q(x) nao tem raızes repetidas. Logo os n conjugados de α+m sobre Ksao dois a dois distintos. Isto implica a tese.

Para o caso do −α basta repetir esta prova, tomando q(x) = p(−x).

Corolario 1.8.3. Seja m ∈ N, m ≥ 3. Entao disc(1− ζm) = disc(ζm).

Demonstracao: Se α1, . . . , αn sao os n conjugados de ζm sobre Q, segue do lemaanterior que −α1, . . . ,−αn sao os n conjugados de −ζm sobre Q e que, portanto,1−α1, . . . , 1−αn sao os n conjugados de 1−ζm sobre Q. Assim, pelo teorema 1.6.11,

disc(ζm) =∏

1≤r<s≤n

(αr − αs)2 =∏

1≤r<s≤n

((1− αr)− (1− αs))2 = disc(1− ζm).

40 CAPITULO 1. CORPOS DE NUMEROS

Teorema 1.8.4. Se m = pr e uma potencia de um numero primo, entao OQ(ζm) =Z[ζm].

Demonstracao: Como Z[1 − ζm] = Z[ζm], mostraremos que Z[1 − ζm] = OQ(ζm).Como 1, ζm ∈ OQ(ζm), entao 1− ζm ∈ OQ(ζm) ⇒ Z[1− ζm] ⊆ OQ(ζm). Suponha porabsurdo, que Z[1− ζm] ( OQ(ζm). Entao existe α ∈ OQ(ζm) − Z[1− ζm].

Como {1, ζm, . . . , ζn−1m } e base de Q(ζm) sobre Q, onde n = ϕ(m) = pr−pr−1,

entao {1, 1− ζm, . . . , (1− ζm)n−1} tambem e base de Q(ζm) sobre Q. Pelo teorema1.7.4, existem m1, . . . ,mn ∈ Z tais que

α =m1 +m2(1− ζm) + · · ·+mn(1− ζm)n−1

d,

onde d = discQ(ζm)/Q(1, 1− ζm, . . . , (1− ζm)n−1) = disc(1− ζm) = disc(ζm). Como ddivide mϕ(m) (proposicao 1.6.14), entao d e uma potencia de p.

Como α 6∈ Z[1−ζm], entao existe i ∈ {1, . . . , n} tal que d nao divide mi. Sejai o menor ındice tal que d nao divide mi e considere

β =mi(1− ζm)i−1 +mi+1(1− ζm)i + · · ·+mn(1− ζm)n−1

ps,

onde d = ps e ps - mi. Se escrevermos cada mj, j ∈ {i, . . . , n} da forma psj tj, ondemdc(p, tj) = 1, teremos si < s e

β =psiti(1− ζm)i−1 + psi+1ti+1(1− ζm)i + · · ·+ psntn(1− ζm)n−1

ps.

Se x = min{si, . . . , sn}, entao

βps−x−1 = psi−x−1ti(1− ζm)i−1 + psi+1−x−1ti+1(1− ζm)i + · · ·+ psn−x−1tn(1− ζm)n−1.

Note que se j ∈ {i, . . . , n}, entao sj − x− 1 ≥ −1. Logo OQ(ζm) contem umelemento da forma

γ =ti(1− ζm)i−1 + ti+1(1− ζm)i + · · ·+ tn(1− ζm)n−1

p

para algum i ≤ n, ti, ti+1, . . . , tn ∈ Z e p - ti.

Como1− ζkm1− ζm

∈ Z[ζm], ∀ k ∈ N, o lema 1.8.1 nos fala que

m∏k=1

mdc(p,k)=1

1− ζkm1− ζm

=

m∏k=1

mdc(p,k)=1

(1− ζkm)

m∏k=1

mdc(p,k)=1

(1− ζm)

=p

(1− ζm)n∈ Z[ζm].

1.8. O ANEL DE NUMEROS DE Q(ζM) 41

Como i ≤ n, entaop

(1− ζm)i∈ Z[ζm] ⇒ γp

(1− ζm)i∈ OQ(ζm) ⇒

ti1− ζm

OQ(ζm). Logo existe y ∈ OQ(ζm) tal que ti = (1 − ζm)y. Tomando NQ(ζm)/Q emcada lado desta equacao e lembrando que NQ(ζm)/Q(y) ∈ Z uma vez que y ∈ OQ(ζm),obtemos tni = pNQ(ζm)/Q(y)⇒ p|tni ⇒ p|ti, absurdo.

Definicao 1.8.5. Sejam L e M duas extensoes de um corpo K. Definimos ocomposito de L e M sobre K, denotado por LM , como sendo a menor extensaode K contendo L ∪M .

Para terminar a demonstracao de que OQ(ζm) = Z[ζm] para qualquer naturalm, precisamos do seguinte lema:

Lema 1.8.6. Sejam K e L dois corpos de numeros de graus m e n sobre Q, respec-tivamente. Se d = mdc(disc(K), disc(L)) e [KL : Q] = mn, entao dOKL ⊆ OKOL.

Demonstracao: Sejam {α1, . . . , αm} e {β1, . . . , βn} bases integrais de OK e OL sobreZ, respectivamente. Entao {α1, . . . , αm} e {β1, . . . , βn} sao bases de K e L sobreQ, respectivamente. Como [KL : Q] = mn, {αiβj}1≤i≤m,1≤j≤n e uma base de KLsobre Q, assim como e tambem uma base de OKOL sobre Z.

Dessa forma, cada γ ∈ OKL pode ser escrito da forma γ =∑

1≤i≤m1≤j≤n

mij

rαiβj,

onde r e todos os mij sao inteiros primos entre si. Portanto, dγ =∑

1≤i≤m1≤j≤n

dmij

rαiβj,

de onde tiramos que e suficiente mostrar que r|d.

Iremos primeiro mostrar que r| disc(K). Como [K : Q] = m, sejam σ1, . . . , σmos m mergulhos de K em C. Sabemos da teoria basica de Galois que cada mergulhoσs, s ∈ {1, . . . ,m}, se estende a um mergulho (ainda denotado por σs, sem risco deconfusao) de KL em C que fixa L ponto a ponto.

Se xi =n∑j=1

mij

rβj, ∀ i ∈ {1, . . . ,m}, entao γ =

m∑i=1

xiαi. Logo

σ1(γ) = x1σ1(α1) + · · ·+ xmσ1(αm)

· · ·σm(γ) = x1σm(α1) + · · ·+ xmσm(αm).

Resolvendo o sistema linear anterior via regra de Cramer, obtemos xi =yiδ

,

onde δ = |σs(αi)| e yi e obtido de δ trocando a i-esima coluna por σs(γ). Como cadaσs(αi) e um inteiro algebrico, assim como cada σs(γ), entao tanto δ quanto os yi

sao tambem inteiros algebricos e δ2 = disc(K). Segue que disc(K)xi =disc(K)yi

δ=

δyi ⇒ disc(K)xi e um inteiro algebrico, ∀ i ∈ {1, . . . ,m}.

Assim, disc(K)xi =n∑j=1

disc(K)mij

rβj ∈ OC ∩ L = OL, ∀ i ∈ {1, . . . ,m}.

Agora, como {β1, . . . , βn} e uma base integral de OL sobre Z, os numeros racionais

42 CAPITULO 1. CORPOS DE NUMEROS

disc(K)mij

rna realidade sao inteiros. Logo r| disc(K)mij. Mas como mdc(r,mij) =

1, devemos ter r| disc(K). Analogamente mostramos que r| disc(L) ⇒ r|d, comoquerıamos.

Corolario 1.8.7. Sejam K e L dois corpos de numeros de graus m e n sobre Q, res-pectivamente. Se mdc(disc(K), disc(L)) = 1 e [KL : Q] = mn, entao OKL = OKOL.

Demonstracao: O teorema anterior nos da OKL ⊆ OKOL. Como a outra inclusao etrivial, o corolario esta demonstrado.

Teorema 1.8.8. Se m ∈ N∗, entao OQ(ζm) = Z[ζm].

Demonstracao: Nos ja provamos este resultado para o caso no qual m e uma potenciade um numero primo. O que vamos fazer agora e supor que o teorema vale para doisinteiros positivos m1 e m2 primos entre si e mostrar que o mesmo vale para m1m2.Assim, o teorema seguira por inducao no numero de fatores primos distintos de m.

Dessa forma, sejam m1 e m2 sao dois inteiros positivos primos entre si esuponha que OQ(ζm1 ) = Z[ζm1 ] e OQ(ζm2 ) = Z[ζm2 ].

Como mdc(m1,m2) = 1, existem r, s ∈ Z tais que sm1 + rm2 = 1. Entaoζrm1

ζsm2= e2πir/m1e2πis/m2 = e2πi/m1m2 = ζm1m2 ⇒ Q(ζm1m2) ⊆ Q(ζm1)Q(ζm2). Como

a outra inclusao e trivial, temos Q(ζm1m2) = Q(ζm1)Q(ζm2). Analogamente mostra-mos que Z[ζm1m2 ] = Z[ζm1 ]Z[ζm2 ]. Alem disso,

[Q(ζm1)Q(ζm2)/Q] = [Q(ζm1m2)/Q] = ϕ(m1m2) = ϕ(m1)ϕ(m2) =

= [Q(ζm1)/Q] · [Q(ζm2)/Q].

Como disc(Q(ζm1)) = disc(ζm1) e disc(Q(ζm2)) = disc(ζm2), se d| disc(Q(ζm1))

e d| disc(Q(ζm2)), entao d| disc(ζm1) e d| disc(ζm2). Pela proposicao 1.6.14, d|mϕ(m1)1 e

d|mϕ(m2)2 . Como mdc(m1,m2) = 1, entao d = 1. Pelo corolario 1.8.7, OQ(ζm1 )Q(ζm2 ) =

OQ(ζm1 )OQ(ζm2 ). Finalmente,

OQ(ζm1m2 ) = OQ(ζm1 )Q(ζm2 ) = OQ(ζm1 )OQ(ζm2 ) = Z[ζm1 ]Z[ζm2 ] = Z[ζm1m2 ].

1.9 Apendice

Esta e uma secao que contempla alguns resultados basicos da Algebra, quesao usados no decorrer do texto. Por isso, nao nos delongaremos muito nesta secao.

Lema 1.9.1. Sejam A um domınio e K = Frac(A). Se B e um subanel de K[x] talque K ⊆ B ⊆ K[x], entao B e um DIP (domınio de ideais principais).

1.9. APENDICE 43

Demonstracao: Seja i um ideal de B. Se i = (0), o resultado e trivial.

Caso contrario, ∃ p(x) ∈ i, p(x) 6= 0. Suponha sem perda de generalidadep(x) de grau mınimo e monico (e aqui que usamos a hipotese de que B ⊇ K; o lemae falso se considerarmos Z[x] ⊆ Q[x]). Afirmo entao que i = (p(x)).

De fato, seja f(x) ∈ i. Dividindo f(x) por p(x) em K[x], existem polinomiosq(x), r(x) ∈ K[x] tais que f(x) = p(x)q(x) + r(x), onde r(x) = 0 ou ∂(r) < ∂(p).

Como f(x), p(x) ∈ i, entao r ∈ i. Da minimalidade do grau de p(x), r(x) =0⇒ f(x) ∈ (p(x)). Como a outra inclusao e trivial, o lema esta demonstrado.

Lema 1.9.2. Todo ideal proprio i de um anel noetheriano A esta contido num idealmaximal.

Demonstracao: Seja S o conjunto de todos os ideais proprios de A que contem i.Entao S 6= ∅, pois i ∈ S. Como A e noetheriano, entao S admite um ideal maximalimax. Entao i ⊆ imax ( A. Pela maximalidade de imax, imax e um ideal maximal deA.

A hipotese de que o anel A seja noetheriano e superflua. Entretanto, ademonstracao sem esta hipotese faz uso do Lema de Zorn.

Lema 1.9.3. Sejam A um anel e i, j ideais de A tais que i+ j = A. Se m, n ∈ N∗,entao im + jn = A.

Demonstracao: Como 1 ∈ i + j, entao ∃ α ∈ i, β ∈ j tais que 1 = α + β. Entao

1 = (α + β)m+n =n∑i=0

(m+ ni

)αm+n−iβi +

m+n∑i=n+1

(m+ ni

)αm+n−iβi =

= αmn∑i=0

(m+ ni

)αn−iβi + βn

m+n∑i=n+1

(m+ ni

)αm+n−iβi−n ∈ im + jn

Logo im + jn = A.

Lema 1.9.4. Sejam A um anel e i, j1, . . . , jn ideais de A. Se i + ji = A, ∀ i ∈{1, . . . , n}, entao i + j1 · . . . · jn = A.

Demonstracao: Por inducao em n, e suficiente provarmos o resultado para n = 2.Suponha entao que i + j1 = i + j2 = A.

Como A = i + j1, ∃ i1 ∈ i, j1 ∈ j1 tais que 1 = i1 + j1.

Analogamente, ∃ i2 ∈ i, j2 ∈ j2 tais que 1 = i2 + j2.

Multiplicando tais equacoes, 1 = i1i2 + i1j2 + i2j1︸ ︷︷ ︸∈i

+ j1j2︸︷︷︸∈j1j2

∈ i + j1j2.

Lema 1.9.5. Seja A um anel e i um ideal maximal de A. Se j e um ideal de A talque j * i, entao i + j = A.

44 CAPITULO 1. CORPOS DE NUMEROS

Demonstracao: Note inicialmente que i ⊆ i + j ⊆ A. Como i e maximal, entaoi = i + j ou i + j = A. Suponha por absurdo que i = i + j. Como j * i, entao∃ x ∈ j− i. Mas x = 0 + x ∈ i + j = i, absurdo. Logo i + j = A.

Lema 1.9.6. Seja f um polinomio monico com coeficientes em Z e suponha quef = gh, onde g e h sao polinomios monicos com coeficientes em Q. Entao g e htem, na verdade, coeficientes em Z.

Demonstracao: Seja m (respectivamente n) o menor inteiro positivo tal que mg(respectivamente nh) tem coeficientes em Z. Como g e monico, os coeficientes demg nao tem fator comum, o mesmo ocorrendo com nh.

Afirmo entao que m = n = 1. De fato, se mn > 1, seja p ∈ Z um primo talque p divide mn e considere a equacao mnf = (mg)(nh). Reduzindo os coeficientesmodulo p, obtemos 0 = mg ·nh, onde a barra indica que os coeficientes dos referidospolinomios estao reduzidos modulo p. Como Zp[x] e um domınio de integridade,entao mg = 0 ou nh = 0. Assim, p divide todos os coeficientes de mg ou de nh,contradicao. Logo m = n = 1⇒ g, h ∈ Z[x].

Teorema 1.9.7. Seja α um inteiro algebrico e seja f o polinomio monico sobre Zde menor grau tendo α como raiz. Entao f e irredutıvel sobre Q. Equivalentemente,o polinomio minimal de α sobre Q tem coeficientes em Z.

Demonstracao: Suponha por absurdo que f seja redutıvel sobre Q. Entao f = gh,onde g e h sao polinomios nao constantes em Q[x]. Sem perda de generalidadepodemos assumir que g e h sao monicos. Segue do lema anterior que g, h ∈ Z[x].Como α e raiz de f , entao α deve ser raiz de g ou de h. Isto e um absurdo, poiscontraria o fato de que f e o polinomio monico sobre Z de menor grau tendo α comoraiz.

Capıtulo 2

O teorema de Scholz-Reichardt

2.1 O problema inverso de Galois

Existe um famoso problema na Algebra que pergunta se todo grupo finito Ge grupo de Galois de alguma extensao galoisiana de Q. Este problema e conhecidocomo problema inverso de Galois, e permanece em aberto ate hoje. Entretanto,temos o seguinte resultado parcial:

Teorema 2.1.1 (Shafarevich). Todo grupo finito e soluvel e grupo de Galois dealguma extensao galoisiana de Q.

O objetivo deste capıtulo nao e dar uma demonstracao do teorema de Shafa-revich (que pode ser encontrada em [13], capıtulo 9), mas sim mostrar um esboco daprova de um teorema um pouco mais fraco, mas ainda muito significativo na direcaoda solucao do problema inverso de Galois:

Teorema 2.1.2 (Scholz-Reichardt). Todo l-grupo finito, com l primo ımpar, e grupode Galois de alguma extensao galoisiana de Q.

Para isto, vamos precisar de alguns preparativos.

2.2 O problema inverso de Galois para grupos

abelianos

O primeiro passo para a demonstracao do teorema de Scholz-Reichardt emostrar que o problema inverso de Galois tem solucao se G for abeliano. Para istoprecisamos do seguinte lema:

Lema 2.2.1. Se n e um inteiro positivo, entao existe um numero primo p tal quep ≡ 1 (mod n).

45

46 CAPITULO 2. O TEOREMA DE SCHOLZ-REICHARDT

Demonstracao: Suponha por absurdo que nao exista um primo satisfazendo acondicao do enunciado e seja fn(x) o n-esimo polinomio ciclotomico. Como fn(x) emonico, existe a ∈ N tal que fn(an) > 1. Seja t = an e seja p um divisor primo defn(t).

Como fn(t) divide tn − 1, entao p divide tn − 1 ⇒ tn ≡ 1 (mod p). Afirmoque n e a ordem de t modulo p. Com efeito, seja r a ordem de t modulo p e suponhapor absurdo que r < n. Como r divide n, entao o polinomio (xr − 1)fn(x) divide

xn − 1. Isto implica que t e raiz dupla de xn − 1 ∈ ZpZ

[x].

Note agora que p - n. De fato, se p|n, entao p|t. Como p|tn − 1, entao p = 1,absurdo, pois p e primo. Isto implica que o mdc do polinomio xn − 1 com sua

derivada nxn−1 emZpZ

[x] e 1, ou seja, que xn−1 nao tem raızes repetidas emZpZ

[x],

absurdo. Logo r = n.

Segue do Pequeno Teorema de Fermat que n|p− 1⇒ p ≡ 1 (mod n).

Corolario 2.2.2. Se n e um inteiro positivo, entao existem infinitos primos p taisque p ≡ 1 (mod n).

Demonstracao: Basta supor por absurdo que existam finitos primos p1, . . . , pm sa-tisfazendo a condicao do enunciado, tomar t = anp1 · · · pm e repetir a prova ante-rior.

Com o lema 2.2.1 podemos provar que o problema inverso de Galois temsolucao se G for um grupo finito abeliano.

Teorema 2.2.3. Se G e um grupo finito abeliano, entao existe um corpo de numerosK tal que a extensao K/Q e galoisiana e Gal(K/Q) ' G.

Demonstracao: Pelo teorema fundamental dos grupos abelianos finitamente gerados,

existem n1, . . . , nk ∈ N tais que G ' Zn1Z× · · · × Z

nkZ.

Pelo lema anterior, sejam p1, . . . , pk primos distintos tais que pi ≡ 1 (mod ni),∀ i ∈ {1, . . . , k}, e seja n = p1 · · · pk. Da teoria basica dos grupos abelianos,(

ZnZ

)×'(

Zp1Z

)×× · · · ×

(ZpkZ

)×' Z

(p1 − 1)Z× · · · × Z

(pk − 1)Z,

onde nao ha risco de confundir as operacoes de multiplicacao e adicao.

Como ni|pi − 1, o grupoZ

(pi − 1)Zpossui um subgrupo Hi de ordem

pi − 1

ni,

pois sabemos que vale a recıproca do teorema de Lagrange para grupos abelianos.

Em particular,

Z(pi − 1)Z

Hi

' ZniZ

. Se H = H1 × · · · ×Hk, entao(ZnZ

)×H

'

Z(p1 − 1)Z

H1

× · · · ×

Z(pk − 1)Z

Hk

' Zn1Z× · · · × Z

nkZ' G.

2.3. RAMIFICACAO 47

Se K e o corpo fixo de Q(ζn) por H, segue do teorema 1.5.2 e da teoria basicade Galois (veja teorema 58 de [16])que a extensao K/Q e galoisiana e satisfaz

Gal(K/Q) ' Gal(Q(ζn)/Q)

Gal(Q(ζn)/K)'

(ZnZ

)×H

' G.

Para estendermos o teorema anterior ate o teorema de Scholz-Reichardt va-mos agora estudar mais alguns conceitos sobre corpos de numeros.

2.3 Ramificacao

Iniciamos esta secao com o seguinte lema:

Lema 2.3.1. Sejam L/K uma extensao de corpos de numeros e p um ideal primonao nulo de OK. Entao pOL 6= OL.

Demonstracao: Pelo lema 1.4.5, existe γ ∈ K − OK tal que γp ⊆ OK . Assim,γpOL ⊆ OKOL = OL. Se pOL = OL, entao 1 ∈ pOL ⇒ γ = γ · 1 ∈ OL. Comoγ ∈ K, entao γ ∈ OL ∩K = OK , absurdo.

Demonstramos tal lema pelo seguinte: sejam L/K uma extensao de corposde numeros e p um ideal primo nao nulo de OK . Pelo teorema da fatoracao unicade ideais em domınios de Dedekind (que exige ideais proprios em seu enunciado),

o ideal pOL de OL se escreve como um produto pOL =r∏i=1

peii , onde p1, . . . , pr sao

todos ideais primos distintos de OL e e1, . . . , er sao todos inteiros positivos.

Definicao 2.3.2. Sejam L/K uma extensao de corpos de numeros, p um ideal primo

nao nulo de OK e considere pOL =r∏i=1

peii a fatoracao do ideal pOL de OL como

produto de ideais primos de OL. Definimos o ındice de ramificacao de pi sobre pcomo sendo e(pi/p) = ei. Dizemos que o ideal p se ramifica em L/K se algum dosei > 1. Dizemos ainda que um elemento primo π de OK se ramifica em L/K se oideal primo πOK de OK se ramifica em L/K.

Apenas um numero finito de ideais primos se ramificam em uma extensao de

corpos de numeros ([6], p. 71 - 73). Pelo corolario 1.2.14, o corpoOKp

e isomorfo a

um subcorpo do corpoOLpi

. Como ambos os corpos sao finitos (corolario 1.5.6),OLpi

e um espaco vetorial de dimensao finita sobreOKp, ∀ i ∈ {1, . . . , r}.

48 CAPITULO 2. O TEOREMA DE SCHOLZ-REICHARDT

Definicao 2.3.3. Sejam L/K uma extensao de corpos de numeros, p um ideal primo

nao nulo de OK e considere pOL =r∏i=1

peii a fatoracao do ideal pOL de OL como

produto de ideais primos de OL. Definimos o grau inercial de pi sobre o ideal p,

denotado por f(pi/p), como sendo o grau da extensao de corposOLpi

/OKp

.

Os ındices de ramificacao e graus inerciais se relacionam da seguinte forma:

Teorema 2.3.4. 1. Sejam L/K uma extensao de corpos de numeros de grau n, p

um ideal primo nao nulo de OK e considere pOL =r∏i=1

peii a fatoracao do ideal

pOL de OL como produto de ideais primos de OL. Entaor∑i=1

eifi = n. Se L/K

for galoisiana, entao e1 = · · · = er.= e, f1 = · · · = fr

.= f e, consequentemente,

efr = n.

2. Seja M/L/K uma torre de corpos de numeros e sejam (0) 6= p1 ⊆ p2 ⊆ p3

tres ideais primos tais que p1 ⊆ OK , p2 ⊆ OL e p3 ⊆ OM . Entao

e(p3/p1) = e(p3/p2)e(p2/p1) e f(p3/p1) = f(p3/p2)f(p2/p1).

Uma prova deste teorema (que nao e dificil, mas e um pouco longa) encontra-se em [6], p. 65 - 71.

Definicao 2.3.5. Sejam L/K uma extensao de corpos de numeros, p um ideal primode OK e q um ideal primo de OL. Dizemos que p esta sob q, ou que q esta sobre p,se p ⊆ q.

Para a definicao um pouco mais especıfica de ramificacao (definicao 2.3.7),precisamos do seguinte teorema:

Teorema 2.3.6. Seja L/K uma extensao de corpos de numeros. Entao:

1. cada ideal primo nao nulo q de OL esta sobre um unico ideal primo nao nulode OK, a saber, q ∩ OK.

2. cada ideal primo nao nulo p de OK esta sob pelo menos um ideal primo naonulo q de OL.

Demonstracao: 1. Seja q um ideal primo nao nulo de OL. Pelo corolario 1.2.14,p = q ∩ OK e um ideal primo de OK . Como OL e um domınio de Dedekind, entaoq e um ideal maximal de OL. Ainda pelo corolario 1.2.14, p e um ideal maximal deOK . Se p = (0), entao OK e corpo, absurdo. Logo p = q ∩ OK e um ideal primonao nulo de OK .

Se q esta sobre dois ideais primos nao nulos distintos p1 e p2 de OK , entao qesta sobre p1 + p2. Como OK e domınio de Dedekind, entao tanto p1 quanto p2 saoideais maximais ⇒ p1 + p2 = A. Logo 1 ∈ p1 + p2 ⊆ q⇒ 1 ∈ q, absurdo.

2.3. RAMIFICACAO 49

2. Seja p um ideal primo nao nulo deOK e considere pOL =r∏i=1

peii a fatoracao

do ideal pOL de OL como produto de ideais primos de OL. Entao pOL ⊆r⋂i=1

pi. Em

particular, pOL ⊆ p1 ⇒ p ⊆ p1. Como p 6= (0), entao p1 6= (0).

Definicao 2.3.7. Sejam L/K uma extensao galoisiana de corpos de numeros degrau n, p um ideal primo nao nulo de OK, p ∈ Z o (unico) numero primo tal que

pZ ⊆ p (pelo teorema anterior) e considere pOL =r∏i=1

pei a fatoracao do ideal pOL

de OL como produto de ideais primos de OL. Se f denota o grau inercial de cadapi sobre p, entao

• Dizemos que p se decompoe totalmente em L/K se e = 1, f = 1 e r = n.

• Dizemos que p e totalmente ramificado em L/K se e = n, f = 1 e r = 1.

• Dizemos que p fica inerte em L/K se e = 1, f = n e r = 1.

• Dizemos que p se ramifica suavemente em L/K se e > 1 e se mdc(e, p) = 1.

Se π for um elemento primo do domınio OK, dizemos que π se decompoetotalmente (ou e totalmente ramificado, ou fica inerte, ou se ramifica suavemente)em L/K se o ideal primo πOK de OK se decompoe totalmente (ou e totalmenteramificado, ou fica inerte, ou se ramifica suavemente, respectivamente) em L/K.

Como o composito de duas extensoes galoisianas e uma extensao galoisiana,temos o seguinte resultado, que sera usado mais a frente e cuja prova pode serencontrada em [7], p. 24:

Teorema 2.3.8. Sejam K, L corpos de numeros tais que as extensoes K/Q e L/Qsejam galoisianas, e seja p um numero primo. Entao p se decompoe totalmente emKL/Q se, e somente se, p se decompoe totalmente em K/Q e em L/Q.

Caso a extensao L/K de corpos de numeros seja galoisiana, podemos definiroutros dois conceitos, que tambem serao uteis mais a frente:

Definicao 2.3.9. Seja L/K uma extensao galoisiana de corpos de numeros comgrupo de Galois G. Seja p um ideal primo de OK e fixe q um ideal primo de OLsobre p. Definimos o grupo de decomposicao e o grupo inercial de q sobre p por,respectivamente:

D(q/p) = {σ ∈ G : σ(q) = q}I(q/p) = {σ ∈ G : σ(α) ≡ α (mod q), ∀ α ∈ OL}

E claro que ambos sao subgrupos de Gal(L/K), satisfazendo I(q/p) ⊆ D(q/p).Em particular, K ⊆ LD(q/p) ⊆ LI(q/p) ⊆ L. Chamamos o corpo LD(q/p) de corpo dedecomposicao de q/p e o corpo LI(q/p) de corpo de inercia de q/p.

Para fechar esta secao, apresentamos o seguinte resultado, cuja prova estaem [6], p. 98 - 101.

50 CAPITULO 2. O TEOREMA DE SCHOLZ-REICHARDT

Proposicao 2.3.10. Sejam L/K uma extensao galoisiana de corpos de numeros de

grau n, p um ideal primo nao nulo de OK e considere pOL =r∏i=1

pei a fatoracao do

ideal pOL de OL como produto de ideais primos de OL (veja teorema 2.3.4). Se fdenota o grau inercial de cada pi sobre p, entao

1. [LD(pi/p) : K] = r. Em particular, |D(pi/p)| = ef .

2. [L : LI(pi/p)] = e. Em particular, |I(pi/p)| = e.

3. [LI(pi/p) : LD(pi/p)] = f.

Veremos agora uma breve introducao as teorias de homologia e de cohomo-logia de grupos.

2.4 Homologia e cohomologia de grupos

Nesta secao, faremos uma breve explanacao dos conceitos de homologia ecohomologia de grupos a serem usados neste capıtulo. A maioria dos resultadossera apresentada sem demosntracao, embora sua prova nao seja difıcil. Se umadeterminada demonstracao nao for trivial, indicamos uma referencia que a contenha.

Definicao 2.4.1. Se G e um grupo e Λ e um anel comutativo com unidade, definimoso anel de grupo de G com coeficientes em Λ como sendo o conjunto formado portodas as combinacoes lineares formais de elementos de G com coeficientes em Λ,

cujos elementos sao da forma∑σ∈G

nσσ, onde nσ ∈ Λ.

Se definirmos a soma e o produto de elementos de Λ[G] da maneira natural,Λ[G] torna-se um anel com unidade 1e, que sera comutativo caso G o seja.

Exemplo 2.4.2. Se G =Z3Z

e o grupo de 3 elementos gerado pelo elemento a,

entaoC[G] = {z0 + z1a+ z2a

2 : z1, z2, z3 ∈ C}.

Se λ1 = z0 + z1a+ z2a2, λ2 = w0 + w1a+ w2a

2 ∈ C[G], entao

λ1 + λ2 = (z0 + w0) + (z1 + w1)a+ (z2 + w2)a2

e

λ1λ2 = (z0w0 + z1w2 + z2w1) + (z0w1 + z1w0 + z2w2)a+ (z0w2 + z1w1 + z2w0)a2.

Devemos notar que se G nao for abeliano, entao devemos preservar a ordemna qual os fatores aparecem na multiplicacao.

Daremos mais atencao ao caso onde Λ = Z.

2.4. HOMOLOGIA E COHOMOLOGIA DE GRUPOS 51

Definicao 2.4.3. Definimos o mapa de aumento de Z[G] como sendo o homomor-fismo sobrejetor

ε : Z[G] → Z∑σ∈G

nσσ 7→∑σ∈G

Se I = ker(ε), entao I e um ideal bilateral de Z[G], chamado de ideal deaumento de Z[G]. Neste caso, a sequencia 0 → I → Z[G] → Z → 0 e exata, e se

A = Z[G], entao IA = {α1a1 + · · ·αnan : αi ∈ I, ai ∈ A} e um submodulo de A.

Lembramos aqui que se G for um grupo, entao um G-modulo e um grupoabeliano (A,+), juntamente com uma funcao

ρ : G× A → A(g, a) 7→ g · a

tal que g · (a+ b) = g · a+ g · b.

Definicao 2.4.4. Sejam G um grupo e A um G-modulo a esquerda. DefinimosAG = {a ∈ A : σa = a, ∀ σ ∈ G}.

Claramente AG e um Z-modulo. Alem disso, se ψ : A → B e um homo-morfismo entre G-modulos, entao para todo a ∈ AG temos ψ(a) ∈ BG, dado queψ(σa) = σψ(a), ∀ a ∈ A, σ ∈ G.

Proposicao 2.4.5. Existe um Z-isomorfismo entre AG e HomG(Z, A).

Demonstracao: Basta tomarmos F : AG → HomG(Z, A), que a cada a ∈ AG corres-ponde o homomorfismo fa ∈ HomG(Z, A) tal que fa(1) = a.

Definicao 2.4.6. Sejam G um grupo e A um G-modulo a esquerda. Se IA e como

acima, entao definimos AG =A

IA.

Note que vale uma proposicao analoga a proposicao 2.4.5 para o G-moduloAG:

Proposicao 2.4.7. Sejam G um grupo e A um G-modulo a esquerda. Se a denotaa classe de equivalencia de a em AG e Z ⊗G A denota o produto tensorial entreG-modulos , entao a funcao

F : Z⊗G A → AGn⊗ a 7→ a

e um Z-isomorfismo.

Proposicao 2.4.8. Sejam G e G′ dois grupos. Se φ : G′ → G e um homomor-fismo, entao φ induz um homomorfismo injetor φ1 : AG → AG

′e um homomorfismo

sobrejetor φ2 : AG′ → AG.

52 CAPITULO 2. O TEOREMA DE SCHOLZ-REICHARDT

Entretanto, a prova destas duas proposicoes nao e trivial. Recomendamos [14]para a demonstracao. Agora estamos prontos para definir G-modulos projetivos einjetivos:

Definicao 2.4.9. Sejam G um grupo e A, B, C tres G-modulos. Dizemos que Ae um G-modulo projetivo se toda vez em que tivermos um diagrama

A

��B // C // 0

no qual a sequencia B → C → 0 e exata e todos os mapas sao G-homomorfismos,entao existe um G-homomorfismo A→ B tal que o seguinte diagrama comuta:

A

�� ��B // C // 0

Definicao 2.4.10. Sejam G um grupo e A, B, C tres G-modulos. Dizemos que Ae um G-modulo injetivo se toda vez em que tivermos um diagrama

0 // B //

��

C

A

no qual a sequencia 0 → B → C e exata e todos os mapas sao G-homomorfismos,entao existe um G-homomorfismo C → A tal que o seguinte diagrama comuta:

0 // B //

��

C

��A

Outro objeto importante que precisamos definir sao as sequencias exatasconexas de funtores (tanto a direita quanto a esquerda). Para isto, precisamosexplicar o que e um funtor. Vale notar que a definicao de funtor pode ser feita numcontexto bem mais amplo, mas isto nao e necessario no momento.

Definicao 2.4.11. Um funtor e uma funcao T que

1. a cada G-modulo A associa um outro G-modulo T (A); e

2. a cada G-homomorfismo entre G-modulos f : A → A′ associa um outro G-homomorfismo entre G-modulos T (f) : T (A)→ T (A′) tal que

• T (idA) = idT (A); e

• T (g ◦ f) = T (g) ◦ T (f), ∀ f : A → A′ e g : A′ → A′′ G-homomorfismosentre G-modulos.

2.4. HOMOLOGIA E COHOMOLOGIA DE GRUPOS 53

Note entao que um funtor preserva a composicao de G-homomorfismos, assimcomo preserva o G-homomorfismo identidade.

Af //

g◦f

##A′

g // A′′T−→ T (A)

T (f) //

T (g◦f)

&&T (A′)

T (g) // T (A′′)

Definicao 2.4.12. Seja 0 → A′ → A → A′′ → 0 uma sequencia exata de G-modulos, e seja {T n}n≥0 uma sequencia de funtores. Dizemos que a sequencia{T n}n≥0 e uma sequencia exata conexa a direita se a sequencia

T 0(A′)→ T 0(A)→ T 0(A′′)→ T 1(A′)→ · · · → T n(A′)→ T n(A)→ T n(A′′)→ · · ·

for exata.

Definicao 2.4.13. Seja 0 → A′ → A → A′′ → 0 uma sequencia exata de G-modulos, e seja {T n}n≥0 uma sequencia de funtores. Dizemos que a sequencia{T n}n≥0 e uma sequencia exata conexa a esquerda se a sequencia

· · · → T n(A′)→ T n(A)→ T n(A′′)→ T n−1(A′)→ · · · → T 0(A′)→ T 0(A)→ T 0(A′′)

for exata.

Finalmente conseguimos definir as teorias de homologia e cohomologia degrupos:

Definicao 2.4.14. Seja G um grupo e A um G-modulo a esquerda. Definimos umateoria de homologia para G como sendo uma sequencia exata conexa a esquerda{Hn(G,A)}n≥0 de funtores tal que:

• H0(G,A) = AG

• Se A e G-modulo projetivo, entao Hp(G,A) = 0 sempre que p > 0.

Dessa forma, se tivermos uma sequencia exata 0 → A′ → A → A′′ → 0 deG-modulos, a sequencia

· · · → Hn(G,A′)→ Hn(G,A)→ Hn(G,A′′)→ Hn−1(G,A′)→ · · ·· · · → H1(G,A′′)→ H0(G,A′)→ H0(G,A)→ H0(G,A′′)

tambem sera uma sequencia exata de G-modulos. Caso tivermos um homomorfismode grupos φ : G′ → G, se colocarmos σ′a = φ(σ′)a, ∀ σ′ ∈ G, a ∈ A, o G-moduloA pode ser olhado como um G′-modulo. Assim, se pudermos definir uma teoria dehomologia para G′, entao os grupos Hn(G,A) formarao uma sequencia exata conexaa esquerda.

A demonstracao do seguinte teorema, conhecido como teorema de unicidadedas teorias de homologia, pode ser encontrada em [14]:

54 CAPITULO 2. O TEOREMA DE SCHOLZ-REICHARDT

Teorema 2.4.15. Seja φ : G′ → G um homomorfismo de grupos e sejam Hn(G′, A),Hn(G,A) teorias de homologia para G′ e para G, respectivamente. Entao existe umunico homomorfismo da sequencia conexa

H2(G′, A), H1(G′, A), H0(G′, A)

na sequencia conexaH2(G,A), H1(G,A), H0(G,A)

estendendo o homomorfismo sobrejetor φ2 : AG′ → AG da proposicao 2.4.8.

Corolario 2.4.16. Se φ : G′ → G for um isomorfismo de grupos, entao o isomor-fismo φ2 : AG′ → AG se estende de modo unico a um isomorfismo das teorias dehomologia para G e de G′. Em particular, se φ : G→ G for a identidade, duas toriasde homologia quaisquer para G sao sempre isomorfas com respeito ao isomorfismoφ2 : AG → AG.

Os dois ultimos resultados nos permitem mostrar a existencia de uma teoriade homologia para G em termos do conhecido funtor Tor:

Teorema 2.4.17. Seja G um grupo. Entao podemos obter uma teoria de homologiapara G, definindo, para cada G-modulo a esquerda A,

Hn(G,A) = TorGn (Z, A), ∀ n ≥ 0.

Caso A seja um G-modulo a direita, podemos obter uma teoria de homologia paraG, definindo

Hn(G,A) = TorGn (A,Z), ∀ n ≥ 0.

Note que, em particular, H0(G,A) = TorG0 (Z, A) = Z ⊗G A ' AG, pelaproposicao 2.4.7.

Definicao 2.4.18. Seja G um grupo e A um G-modulo a esquerda. Definimos umateoria de cohomologia para G como sendo uma sequencia exata conexa a direita{Hn(G,A)}n≥0 de funtores tal que:

• H0(G,A) = AG

• Se A e G-modulo injetivo, entao Hp(G,A) = 0 sempre que p > 0.

Da mesma forma que as teorias de homologia para grupos, as teorias decohomologia para grupos tambem tem seu teorema de unicidade (e seu respectivocorolario), cujo enunciado e analogo. Sendo assim, podemos exibir uma teoria decohomologia para um grupo G em termos do funtor Ext:

Teorema 2.4.19. Seja G um grupo. Entao podemos obter uma teoria de cohomo-logia para G, definindo, para cada G-modulo a esquerda A,

Hn(G,A) = ExtGn (Z, A), ∀ n ≥ 0.

Note que, em particular, H0(G,A) = ExtG0 (Z, A) = HomG(Z, A) ' AG, pelaproposicao 2.4.7.

2.5. O PROBLEMA DE EXTENSAO DE GRUPOS 55

2.5 O problema de extensao de grupos

Definicao 2.5.1. Sejam A um grupo abeliano e G um grupo qualquer. Uma extensaode G por A e um par (G, ψ) tal que ψ : G→ G e um homomorfismo sobrejetor de

grupos satisfazendo ker(ψ) = A. A extensao (G, ψ) de G por A e chamada central

se A for subgrupo do centro de G.

Duas extensoes sao ditas equivalentes se existe um isomorfismo ρ : G1 → G2

tal que o seguinte diagrama comuta:

A �� // G1

ρ

��

ψ1 // G

A �� // G2

ψ2 // G

Em outras palavras, uma extensao de G por A e um par (G, ψ) tal que a

sequencia 1 → A → Gψ→ G → 1 de homomorfismos de grupos e exata e satisfaz

ker(ψ) = A. Em particular,G

A' G. Assim, o problema de extensao de grupos e

descobrir quais (e quantas sao) as extensoes nao equivalentes de G por A.

Lema 2.5.2. Sejam A um grupo abeliano, G um grupo qualquer e (G, ψ) umaextensao de G por A. Entao A tem uma estrutura de G-modulo a esquerda.

Demonstracao: Precisamos achar uma funcao G× A→ A, (σ, a) 7→ aσ tal que

1. aσ·τ = (aτ )σ, ∀ a ∈ A, σ, τ ∈ G;

2. a1 = a, ∀ a ∈ A; e,

3. (a+ b)σ = aσ + bσ, ∀ a, b ∈ A, σ ∈ G.

Para isto, seja inicialmente σ ∈ G. Como ψ e sobrejetora, existe ησ ∈ G talque ψ(ησ) = σ. Como AC G, entao a funcao a 7→ ησaη

−1σ e um automorfismo de A.

Alem disso, se η′σ e um outro elemento de G tal que ψ(η′σ) = σ, entao existe α ∈ Atal que η′σ = αησ, pois A = ker(ψ). Assim,

η′σaη′−1σ = αησaη

−1σ α−1 = ησaη

−1σ

pois A e abeliano e ησaη−1σ ∈ A por normalidade. Assim, a funcao

(σ, a) 7→ aσ = ησaη−1σ

esta bem definida e da a A uma estrutura de G-modulo, pois satisfaz os tres itensacima.

O lema 2.5.2 e um passo essencial na prova do seguinte teorema (que podeser encontrada em [7], p. 9 - 13), e permite-nos contar o numero de extensoes naoequivalentes de G por A:

56 CAPITULO 2. O TEOREMA DE SCHOLZ-REICHARDT

Teorema 2.5.3. Sejam A um grupo abeliano e G um grupo qualquer. Suponha queA tenha a estrutura de G-modulo descrita no lema 2.5.2. Entao a cada extensaode G por A existe associado a ela um elemento de H2(G,A). Alem disso, estaassociacao e uma bijecao entre as classes de extensoes equivalentes e os elementosde H2(G,A). Mais ainda, uma extensao de grupos e trivial (isto e, G ' G×A) se,e somente se, a extensao correponde ao elemento neutro de H2(G,A).

2.6 O teorema de Scholz-Reichardt

Definicao 2.6.1. Seja G um grupo finito. Definimos o expoente de G como sendoo mınimo multiplo comum das ordens dos elementos de G.

Claramente o expoente de um grupo finito G divide a ordem de G.

Inicialmente, seja L um corpo de numeros tal que a extensao L/Q seja galoi-siana e tenha grupo de Galois G, onde G e um l-grupo, com l primo ımpar. Seja Num inteiro positivo tal que lN e um multiplo do expoente de G.

Definicao 2.6.2. Seja L um corpo de numeros. Dizemos que a extensao L/Qsatisfaz a condicao de Scholz para N (ou que satisfaz (SN)), se cada numero primop que se ramifica em L/Q satisfaz:

1. p ≡ 1 (mod lN)

2. Se q e um ideal primo de OL que contem p, entao I(q/pZ) = D(q/pZ).

Descreveremos agora um esquema da prova do teorema de Scholz-Reichardtcom as ferramentas que temos em maos.

Seja G um l-grupo, com l um primo ımpar. Entao |G| = ls, para alguminteiro positivo s. O que faremos sera contruir, por inducao em s, uma torre decorpos de numeros Q = L0 ⊆ L1 ⊆ L2 ⊆ · · · tal que a extensao Ls/Q e galoisiana,Ls satisfaz a condicao (SN) (para algum inteiro positivo N), Gal(Ls/Q) ' G e Lsramifica no maximo um ideal primo de OLs−1 a mais que o numero de ideais primosque se ramificam em Ls−1.

O caso s = 1 e decorre do seguinte teorema, cuja prova pode ser encontradaem [4]:

Teorema 2.6.3. Sejam m ∈ N − {0} e p um numero primo. Se p for ımpar, p seramifica na extensao Q(ζm)/Q se, e somente se, p|m. Se p = 2, p se ramifica naextensao Q(ζm)/Q se, e somente se, 4|m.

Corolario 2.6.4. Se l for um primo ımpar e G ' ZlZ

, entao existe um corpo de

numeros L1 tal que a extensao L1/Q e galoisiana, L1 satisfaz a condicao (SN) (paratodo inteiro positivo N), Gal(L1/Q) ' G e L1 ramifica um unico numero primop ∈ Z.

2.6. O TEOREMA DE SCHOLZ-REICHARDT 57

Demonstracao: Seja N um inteiro positivo. O lema 2.2.1 garante a existencia deum numero primo p ∈ Z tal que p ≡ 1 (mod lN). Em particular, p ≡ 1 (mod l).Procedendo como na prova do teorema 2.2.3, existe um corpo de numeros L1 tal queQ ⊆ L1 ⊆ Q(ζp), Gal(L1/Q) ' G e a extensao L1/Q e galoisiana. Resta mostrarque L1 satisfaz a condicao (SN) e que L1 ramifica um unico numero primo p ∈ Z.

Se q e um numero primo que se ramifica em L1/Q, entao q se ramifica emQ(ζp)/Q. Pelo teorema anterior, q = p. Assim, o unico primo que se ramifica emL1/Q e o primo p, que ja satisfaz a condicao 1 de (SN). Agora, seja q um idealprimo de OL1 que contem p.

Como a extensao L1/Q e galoisiana, o teorema 2.3.4 nos diz que efr = l.Como l e primo e e > 1, entao a unica opcao que temos e e = l e f = r = 1. Portanto|I(q/pZ)| = |D(q/pZ)|. Como I(q/pZ) ⊆ D(q/pZ), entao I(q/pZ) = D(q/pZ).

Seja agora G um l-grupo de ordem ls+1. Como o centro de todo l-grupo enao trivial, considere a sequencia exata central

1→ ZlZ→ G→ G→ 1.

Note entao que G e a extensao de G porZlZ

. Como |G| = ls, por hipotese

de inducao existe um corpo de numeros Ls tal que a extensao Ls/Q e galoisi-ana, Gal(Ls/Q) ' G e Ls/Q ramifica no maximo um ideal primo de OLs−1 amais que o numero de ideais primos que se ramificam em Ls−1/Q. O que fa-remos sera encontrar uma extensao galoisiana Ls+1 de Q contendo Ls tal que

Gal(Ls+1/L) ' ZlZ, Gal(Ls+1/Q) ' G e Ls+1/Q ramifica no maximo um ideal

primo de OLs a mais que o numero de ideais primos que se ramificam em Ls−1/Q.

Dividiremos agora a demonstracao em dois casos: o caso onde G ' G× ZlZ

e

o caso onde G 6' G× ZlZ

. O fato da extensao ter de satisfazer a condicao (SN) sera

usada apenas no caso em que G 6' G× ZlZ

.

2.6.1 O caso G ' G× ZlZ

Sejam p1, . . . , pm os primos que se ramificam em Ls = L, onde Gal(L/Q) ' G.As proposicoes 3.41 - 3.46 de [7] mostram a existencia de um numero primo q talque:

• q ≡ 1 (mod lN);

• q se decompoe totalmente em L/Q; e,

• Cada primo pi, i ∈ {1, . . . ,m}, e uma potencia l-esima no corpoZqZ

.

58 CAPITULO 2. O TEOREMA DE SCHOLZ-REICHARDT

A ideia basica por tras desta parte demonstracao e a seguinte: inicialmentemostra-se que dado corpo de numeros K, entao existem infinitos numeros primosq ∈ Z tal que q se decompoe totalmente em K. Em seguida, escolhemos um destesprimos que se decompoe totalmente no corpo de numeros L(ζlN , l

√p1, . . . , l

√pm) e

mostramos que ele cumpre as condicoes anteriores.

Dessa forma, seja λ′ :

(ZqZ

)×→ Z

lZum homomorfismo sobrejetivo de gru-

pos, que existe pois q ≡ 1 (mod l). Compondo λ′ com o isomorfismo canonico

Gal(Q(ζq)/Q) '(

ZqZ

)×, obtemos um homomorfismo sobrejetor

λ : Gal(Q(ζq)/Q)→ ZlZ.

Seja entao H = ker(λ). Da teoria basica de Galois, o corpo M = Q(ζq)H e tal

que Gal(M/Q) ' Gal(Q(ζq)/Q)

Gal(Q(ζq)/M)=

Gal(Q(ζq)/Q)

H' ZlZ

. Agora, como Q ⊆ M ⊆

Q(ζq), o unico primo que se ramifica em M/Q e o primo q. Como q se decompoetotalmente em L/Q, entao q nao se ramifica em L/Q, o que implica L ∩M = Q.De novo pela teoria basica de Galois, o composito Ls+1 = ML e uma extensao

galoisiana de Q com grupo de Galois G× ZlZ' G. Ja a prova de que Ls+1 satisfaz a

condicao SN , para algum inteiro positivo N pode ser encontrada em [7], p. 26 - 29.

2.6.2 O caso G 6' G× ZlZ

Neste caso, G ainda e uma extensao de G porZlZ

. Sejam A o corpo dos

numeros algebricos, L = Ls e denote por GQ = Gal(A/Q). Claramente Ls induzum homomorfismo sobrejetor

resL : GQ → Gσ 7→ σ|L

.

Note que N = ker(resL) = Gal(A/L). Suponha que consigamos levantar resLa um homomorfismo sobrejetor φ : GQ → G, obtendo assim o seguinte diagramacomutativo:

GQ

φ

��

resL

��1 // Z

lZ// G

ψ // G // 1

Se H = ker(φ), entao H ⊆ N ⊆ GQ. Pelo primeiro teorema do isomor-

fismo,GQ

H' G. Se L for o corpo fixo por H em A, entao pela teoria basica de

2.6. O TEOREMA DE SCHOLZ-REICHARDT 59

Galois teremos Gal(L/Q) ' Gal(A/Q)

Gal(A/L)=

Gal(A/Q)

Gal(A/AH)=GQ

H' G, o que finaliza a

demonstracao.

E aqui que entram as teorias de homologia e cohomologia. Sabemos, pelo

teorema 2.5.3, que existe uma bijecao entre as extensoes G de G porZlZ

e os elemen-

tos de H2

(G,

ZlZ

). Seja ξ ∈ H2

(G,

ZlZ

)o elemento correspondente a extensao G.

Pelo teorema de unicidade das teorias de cohomologia, φ induz um homomorfismo

φ∗ : H2

(G,

ZlZ

)→ H2

(GQ,

ZlZ

). Neste passo nos restringiremos a mostrar que

o fato de φ∗(ξ) = 0 implica a existencia do levantamento φ. Para isto, precisamosantes da definicao de produto fibrado sobre grupos.

Definicao 2.6.5. Sejam G um grupo e i : X → G, j : Y → G dois homomorfismossobrejetores de grupos. Um produto fibrado de X por Y sobre G e um grupo X×GY ,junto com dois homomorfismo (denominados “projecoes”) p1 : X ×G Y → X ep2 : X ×G Y → Y , tais que, para cada grupo Z juntamente com homomorfismosq1 : Z → X e q2 : Z → Y tais que i ◦ q1 = j ◦ q2, existe um unico homomorfismoρ : Z → X ×G Y tal que o seguinte diagrama comuta:

Zq1 // X

i // G

Zρ // X ×G Y

p1

OO

p2��

Zq2 // Y

j // G

E facil ver que o conjunto

X ×G Y = {(x, y) ∈ X × Y : i(x) = j(y)},

junto com as projecoes canonicas

p1 : X ×G Y → X(x, y) 7→ x

ep2 : X ×G Y → Y

(x, y) 7→ y

e um produto fibrado de X por Y sobre G, munido das operacoes respectivas coor-denada a coordenada. Este produto fibrado, chamado de produto subdireto de X eY por G, e usado logo abaixo. Considere o seguinte diagrama comutativo:

1 // ZlZ

// G×G GQ

p1

��

p2 // GQ //

resL

��

1

1 // ZlZ

// Gψ // G // 1

60 CAPITULO 2. O TEOREMA DE SCHOLZ-REICHARDT

onde p1 e p2 sao as projecoes canonicas. Note que a linha de cima do diagramaainda e uma extensao de grupos, e suponha que φ∗(ξ) = 0. Ainda pelo teorema

2.5.3, tal extensao de grupos e trivial, ou seja, G ×G GQ ' GQ ×ZlZ

, e pertence a

classe de cohomologia de φ∗(ξ). Pela propriedade do produto subdireto, existe um

homomorfismo ρ : GQ → G×G GQ tal que p2 ◦ ρ : GQ → GQ e a identidade em GQ.

Tomando φ = p1 ◦ ρ : GQ → G, obtemos

ψ(φ(y)) = ψ(p1(ρ(y))) = resL(p2(ρ(y))) = resL(y), ∀ y ∈ GQ.

Assim, conseguimos o requerido levantamento φ. O fato de φ ser sobrejetorasegue diretamente do fato de que p1 e sobrejetora.

Capıtulo 3

Lei de reciprocidade local de Artin

O objetivo deste capıtulo e provar a lei de reciprocidade local de Artin. Paraisto, alem dos conceitos ja estudados nos capıtulos precedentes, usaremos uma fer-ramenta conhecida como lei de grupo formal, que e definida sobre o anel A[[X]] dasseries de potencias de um anel A. Vamos inicialmente fazer uma breve revisao dealgumas propriedades desse anel.

3.1 Algumas propriedades do anel A[[X ]]

Definicao 3.1.1. Seja A um anel. Uma serie de potencias em A e uma sequenciaf = (a0, a1, a2, . . .) de elementos de A. O conjunto de todas as series de potenciasdo anel A e denotado por A[[X]].

Assim, se A e um anel, podemos definir uma adicao e uma multiplicacao deelementos de A[[X]] da seguinte forma:

(a0, a1, . . .) + (b0, b1, . . .) = (a0 + b0, a1 + b1, . . . )

(a0, a1, . . .) · (b0, b1, . . .) =

(a0b0, . . . ,

∑i+j=k

aibj, . . .

)

Dessa forma, a tripla (A[[X]],+, ·) assim definida e um anel, conhecido comoanel das series de potencias em uma variavel sobre A. Geralmente escrevemos um

elemento de A[[X]] como f(x) =∞∑i=0

aiXi. Da mesma forma como definimos o anel

de polinomios em duas ou mais variaveis sobre um anel A podemos definir o aneldas series de potencias em duas ou mais variaveis sobre um anel A.

Entretanto, precisamos de um certo cuidado ao trabalharmos com o anelA[[X]]. Um exemplo disso e que, geralmente, nao podemos avaliar um elementoa ∈ A numa serie de potencia f(X), assim como fazemos no anel de polinomios

61

62 CAPITULO 3. LEI DE RECIPROCIDADE LOCAL DE ARTIN

A[X], pois estaremos somando infinitos elementos de A. Pela mesma razao, nos sopodemos avaliar uma serie de potencias g(X) em outra f(X) se o termo constante deg(X) e 0 (o que e o mesmo que dizer que g(x) ∈ XA[[X]]). Neste caso f(g(X)) estaradefinida e sera denotada por f ◦ g. Este mesmo cuidado deve ser tomado no anelA[[X1, . . . , Xn]]: se f(X1, . . . , Xn) ∈ A[[X1, . . . , Xn]] e g1, . . . , gn ∈ A[[Y1, . . . , Ym]],entao f(g1, . . . , gn) estara bem definida como um elemento de A[[Y1, . . . , Ym]] se ostermos constantes de todas as series de potecias gi forem iguais a 0.

Lema 3.1.2. Seja A um anel.

1. Se f ∈ A[[X]] e g, h ∈ XA[[X]], entao f ◦ (g ◦ h) = (f ◦ g) ◦ h.

2. Seja f =∞∑i=1

aiXi ∈ XA[[X]]. Existe g ∈ XA[[X]] tal que f ◦ g = X se, e

somente se, a1 ∈ A×. Neste caso, g e unica e satisfaz tambem g ◦ f = X.

Demonstracao: 1. Sabemos que, em geral, (f1f2) ◦ g = (f1 ◦ g)(f2 ◦ g). Assim, se nfor um inteiro positivo, fn ◦ g = (f ◦ g)n.

Se f(X) = Xn, entao f ◦ (g ◦ h) = (g ◦ h)n e (f ◦ g) ◦ h = gn ◦ h = (g ◦ h)n,ou seja, a formula vale neste caso.

Para o caso geral f(X) =∞∑i=1

aiXi, temos

f ◦ (g ◦ h) =

(∞∑i=1

aiXi

)◦ (g ◦ h) =

∞∑i=1

ai[Xi ◦ (g ◦ h)] =

∞∑i=1

ai[(Xi ◦ g) ◦ h] =

=

[∞∑i=1

ai(Xi ◦ g)

]◦ h =

[(∞∑i=1

aiXi

)◦ g

]◦ h = (f ◦ g) ◦ h.

2. Queremos mostrar que existe g(X) =∞∑i=1

biXi tal que

∞∑i=1

aig(X)i = X,

isto e, queremos encontrar b1, b2, b3, . . . ∈ A tais quea1b1 = 1

a1b2 + a2b2

1 = 0. . .

a1bn + (polinomio em a2, . . . , an, b1, . . . , bn−1) = 0. . .

Assim, se uma tal g ∈ A[[X]] existe, entao a primeira equacao nos informaque a1 ∈ A×. Reciprocamente, se a1 ∈ A×, entao cada bi e unicamente determinado,mostrando assim a existencia de uma unica serie de potencias g(X) tal que f◦g = X.

Por fim, como b1 ∈ A×, entao existe h ∈ XA[[X]] tal que g ◦ h = X. Assim,

f = f ◦X = f ◦ (g ◦ h) = (f ◦ g) ◦ h = X ◦ h = h⇒ g ◦ f = g ◦ h = X.

3.2. LEIS DE GRUPO FORMAIS 63

3.2 Leis de grupo formais

Definicao 3.2.1. Seja A um anel. Uma lei de grupo formal sobre A e uma seriede potencias F ∈ A[[X, Y ]] tal que:

1. F (X, Y ) = X + Y + termos de grau ≥ 2;

2. F (X,F (Y, Z)) = F (F (X, Y ), Z);

3. F (X, Y ) = F (Y,X).

Proposicao 3.2.2. Se F (X, Y ) e uma lei de grupo formal, entao

F (X, Y ) = X + Y +∑

1≤i<∞1≤j<∞

ai,jXiY j.

Demonstracao: Note que o item 1. implica que o termo constante de F (X, Y ) e 0.Alem disso, tomando Y = Z = 0 nos itens 1. e 2., obtemos

F (X, 0) = X + (termos de grau ≥ 2 em X) e F (X, 0) = F (F (X, 0), 0).

Seja F (X, 0) = f(X) ∈ XA[[X]]. Pelo lema 3.1.2, existe uma unica g(X) ∈XA[[X]] tal que f ◦ g = X. Assim,

f(f(X)) = F (f(X), 0) = F (F (X, 0), 0) = F (X, 0) = f(X)⇒ f ◦ f = f.

Logo f = f ◦X = f ◦(f ◦g) = (f ◦f)◦g = f ◦g = X ⇒ F (X, 0) = f(X) = X.

Analogamente F (0, Y ) = Y . Assim, F (X, Y ) = X + Y +∑

1≤i<∞1≤j<∞

ai,jXiY j.

Pode ser provado (veja [9], p.34) que para cada serie de potencia F (X, Y ) ∈A[[X, Y ]] tal que F (X, 0) = X e F (0, Y ) = Y existe uma unica serie de potenciaiF (X) ∈ XA[[X]] tal que F (X, iF (X)) = 0. Assim, pela proposicao 3.2.2, paracada lei de grupo formal F (X, Y ) existe uma unica iF (X) ∈ XA[[X]] tal queF (X, iF (X)) = 0.

A mais simples lei de grupo formal e F (X, Y ) = X + Y . Uma lei de grupoformal um pouco mais elaborada e F (X, Y ) = X+Y +XY . Com efeito, precisamosmostrar apenas que vale o item 2. da definicao 3.2.1, pois os outros sao obvios. Paraisto, basta notar que

F (X,F (Y, Z)) = F (X, Y + Z + Y Z) = X + Y + Z + Y Z +XY +XZ +XY Z

e

F (F (X, Y ), Z) = F (X + Y +XY,Z) = X + Y +XY + Z +XZ + Y Z +XY Z.

Vejamos agora a nocao de homomorfismo entre duas leis de grupos formais.

64 CAPITULO 3. LEI DE RECIPROCIDADE LOCAL DE ARTIN

Definicao 3.2.3. Sejam F (X, Y ) e G(X, Y ) duas leis de grupos formais. Um ho-momorfismo h : F → G e uma serie de potencias h(T ) ∈ TA[[T ]] tal que

h(F (X, Y )) = G(h(X), h(Y )).

Caso exista um homomorfismo h′ : G → F tal que (h ◦ h′)(T ) = T =(h′ ◦ h)(T ), dizemos que h e um isomorfismo, cujo inverso e h′. Um homomorfismoh : F → F e chamado um endomorfismo de F .

Exemplo 3.2.4. Considere a lei de grupo formal

F (X, Y ) = X + Y +XY = (1 +X)(1 + Y )− 1.

Entao h(T ) = (1 + T )n − 1 e um endomorfismo de F, ∀ n ∈ N− {0}. De fato:

F (h(X), h(Y )) = (1 + h(X))(1 + h(Y ))− 1 = (1 +X)n(1 + Y )n − 1 =

= [(1 +X)(1 + Y )]n − 1 = [1 + F (X, Y )]n − 1 = h(F (X, Y )).

Proposicao 3.2.5. Seja G uma lei de grupo formal. Para f, g ∈ TA[[T ]], definimos

f +G g = G(f(T ), g(T )).

Entao (TA[[T ]], +G) e um grupo abeliano.

Demonstracao: O fato de f +G g ∈ TA[[T ]] segue diretamente da proposicao 3.2.2:se f, g ∈ TA[[T ]], entao

f +G g = G(f(T ), g(T )) = f(T ) + g(T ) +∑

1≤i<∞1≤j<∞

ai,jf(T )ig(T )j ∈ TA[[T ]].

• +G e associativa: como G(X,G(Y, Z)) = G(G(X, Y ), Z), entao

f +G (g +G h) = f +G G(g(T ), h(T )) = G(f(T ), G(g(T ), h(T ))) =

= G(G(f(T ), g(T )), h(T )) = G(f(T ), g(T )) +G h =

= (f +G g) +G h.

• +G e comutativa: como G(X, Y ) = G(Y,X), entao

f +G g = G(f(T ), g(T )) = G(g(T ), f(T )) = g +G f.

• f +G 0 = G(f(T ), 0) = f(T ), pela proposicao 3.2.2.

• O elemento inverso de f e iG ◦ f . De fato,

f +G (iG ◦ f) = G(f(T ), (iG ◦ f)(T )) = G(f(T ), iG(f(T ))) = 0.

3.2. LEIS DE GRUPO FORMAIS 65

Teorema 3.2.6. Sejam F e G duas leis de grupo formais.

1. O conjunto Hom(F,G) dos homomorfismos de F em G e um grupo abelianosob a operacao f +G g.

2. O conjunto End(F ) dos endomorfismos de F e um anel (nao necessariamentecomutativo) com a multiplicacao f ◦ g.

Demonstracao: 1. Claramente Hom(F,G) e um subconjunto de TA[[T ]]. Como0 ∈ Hom(F,G), e suficiente mostrar que Hom(F,G) e fechado pela soma e peloinverso. Sejam f, g ∈ Hom(F,G) e considere h = f +G g ∈ TA[[T ]]. Entao

h(F (X, Y )) = (f +G g)(F (X, Y )) =

= G(f(F (X, Y )), g(F (X, Y ))) =

= G(G(f(X), f(Y )), G(g(X), g(Y ))) =

= G(f(X), f(Y )) +G G(g(X), g(Y )) =

= (f(X) +G f(Y )) +G (g(X) +G g(Y )) =

= (f(X) +G g(X)) +G (f(Y ) +G g(Y )) =

= G(f(X), g(X)) +G G(f(Y ), g(Y )) =

= G(G(f(X), g(X)), G(f(Y ), g(Y ))) =

= G((f +G g)(X), (f +G g)(Y )) =

= G(h(X), h(Y )).

Logo h ∈ Hom(F,G). Agora, para mostrarmos que iG ◦ f ∈ Hom(F,G), noteinicialmente que

G(G(f(X), f(Y )), G((iG ◦ f)(X), (iG ◦ f)(Y ))) =

G(f(X), f(Y )) +G G((iG ◦ f)(X), (iG ◦ f)(Y )) =

(f(X) +G f(Y )) +G ((iG ◦ f)(X) +G (iG ◦ f)(Y )) =

(f(X) +G (iG ◦ f)(X)) +G (f(Y ) +G (iG ◦ f)(Y )) = 0 +G 0 = 0.

Pela unicidade de iG, temos

G((iG ◦ f)(X), (iG ◦ f)(Y )) = iG(G(f(X), f(Y )))

= iG(f(F (X, Y ))) = (iG ◦ f)(F (X, Y )).

Logo iG ◦ f ∈ Hom(F,G).

2. De inıcio, temos que mostrar que se f, g ∈ End(F ), entao f ◦g ∈ End(F ).De fato,

(f ◦ g)(F (X, Y )) = f(g(F (X, Y ))) = f(F (g(X), g(Y ))) =

= F (f(g(X)), f(g(Y ))) = F ((f ◦ g)(X), (f ◦ g)(Y )).

66 CAPITULO 3. LEI DE RECIPROCIDADE LOCAL DE ARTIN

Nos tambem ja mostramos no lema 3.1.2 que a composicao e associativa.Como f(T ) = T ∈ End(F ) e claramente o elemento neutro da operacao ◦, restamostrar que ◦ e distributiva com relacao a adicao +F . Se f, g, h ∈ End(F ), entao

f ◦ (g +F h) = f(F (g(T ), h(T ))) = F (f(g(T )), f(h(T ))) =

= F ((f ◦ g)(T ), (f ◦ h)(T )) = (f ◦ g) +F (f ◦ h).

e

(f +F g) ◦ h = F (f(T ), g(T )) ◦ h = F (f(h(T )), g(h(T ))) =

= F ((f ◦ h)(T ), (g ◦ h)(T )) = (f ◦ h) +F (g ◦ h).

3.3 Leis de grupo de Lubin-Tate

Antes de continuar, alertamos o leitor que toda a teoria desenvolvida ate aqui(extensoes integrais de aneis, anel de inteiros, bases integrais, ramificacao, etc...)pode ser estendida para os corpos p-adicos, sendo a extensa maioria dos resultadosvalidos para tais corpos (e, mais geralmente, para corpos de fracoes de domınios deintegridade de caracterıstica zero). A demonstracao de quase todos os resultadosgeneralizados nao e tao difıcil uma vez entendida claramente as demonstracoes quetemos em maos, e supor-se-a feita.

A partir de agora, estudaremos mais detalhadamente algumas leis de grupoformais, a saber, as leis de grupo formais de Lubin-Tate. Para isto, e recomendavelter alguma familiaridade com a algebra existente por tras dos corpos p-adicos. Dessaforma, colocamos aqui um breve resumo dos fatos a serem utilizados posterior-mente. As demonstracoes dos resultados abaixo enunciados podem ser encontradasno capıtulo 7 de [8] e nos capıtulos 1 e 2 de [12].

Sejam p um numero primo e K uma extensao finita do corpo dos numerosp-adicos Qp. Seu anel de inteiros, assim como antes, e denotado por OK . Neste caso,OK e um DIP e tem um unico ideal maximal (em particular, primo) nao nulo, o qualdeve ser, obrigatoriamente, o complementar das unidades OK −O×K . Denotaremostal ideal por mK = m. Como OK e um DIP, mK = πOK , para algum π ∈ mK . Talelemento π e chamado de uniformizador de OK , ou de primo de K. Assim, cadaelemento nao nulo a ∈ OK se escreve de uma maneira unica a = uπm, onde u ∈ O×Ke m ∈ N. Em particular, cada elemento nao nulo a ∈ K se escreve de maneira unicaa = uπm, onde u ∈ O×K e m ∈ Z.

Definimos o corpo residual de K como sendo o corpoOKmK

, que sera denotado

por k. E fato que k e um corpo finito de caracterıstica p. Denotaremos sua cardina-lidade por q. Neste caso, definimos a valorizacao normalizada de um elemento naonulo a = uπm de K por |a| = q−m.

Se L for uma extensao nao ramificada de K cujo corpo residual tem cardina-lidade q, entao a extensao L/K e galoisiana e Gal(L/K) e um grupo cıclico, gerado

3.3. LEIS DE GRUPO DE LUBIN-TATE 67

por, digamos, σ. Tal elemento σ, chamado de elemento de Frobenius da extensaoL/K, tem a propriedade de que

σ(α) ≡ αq (mod mL), ∀ α ∈ OL,

e e denotado por FrobL/K .

Fixadas as notacoes acima (que valerao ate o fim deste capıtulo), podemosprosseguir nosso estudo. Para simplificar a notacao, colocamos A = OK .

Definicao 3.3.1. Definimos Fπ como sendo o conjunto de todos os f(X) ∈ A[[X]]tais que:

1. f(X) = πX + (termos de grau ≥ 2);

2. f(X) ≡ Xq (mod π).

Exemplo 3.3.2. 1. O polinomio f(X) = πX +Xq ∈ Fπ.

2. Se K = Qp e π = p, entao

f(X) = (1 +X)p − 1 = pX +

(p

2

)X2 + · · ·+ pXp−1 +Xp ∈ Fp.

Definicao 3.3.3. Seja R um anel. Um polinomio p(X1, . . . , Xn) ∈ R[X1, . . . , Xn] edito homogeneo se todos os seus monomios tem o mesmo grau.

Lema 3.3.4. Sejam f, g ∈ Fπ e seja φ0(X1, . . . , Xn) uma forma linear com coefi-cientes em A. Entao existe uma unica φ ∈ A[[X1, . . . , Xn]] tal que{

φ(X1, . . . , Xn) = φ0(X1, . . . , Xn) + termos de grau ≥ 2f(φ(X1, . . . , Xn)) = φ(g(X1), . . . , g(Xn))

Demonstracao: Inicialmente vamos mostrar por inducao em r ∈ N∗ que para cadar ∈ N∗ existe um unico polinomio φr(X1, . . . , Xn) de grau r tal que{

φr(X1, . . . , Xn) = φ0(X1, . . . , Xn) + termos de grau ≥ 2f(φr(X1, . . . , Xn)) = φr(g(X1), . . . , g(Xn)) + termos de grau ≥ r + 1.

Vamos para o caso r = 1. Pela primeira equacao e sabendo que deg(φ1) = 1,a unica opcao que temos e tomar φ1 = φ0. Claramente φ1 satisfaz a primeira equacao

e, se escrevermos φ0(X1, . . . , Xn) =n∑i=1

aiXi, obtemos

f(φ1(X1, . . . , Xn)) = f(φ0(X1, . . . , Xn)) = πφ0(X1, . . . , Xn) + termos de grau ≥ 2

= πn∑i=1

aiXi + termos de grau ≥ 2

=n∑i=1

ai(πXi) + termos de grau ≥ 2

= φ1(g(X1), . . . , g(Xn)) + termos de grau ≥ 2.

68 CAPITULO 3. LEI DE RECIPROCIDADE LOCAL DE ARTIN

Suponha entao que r ≥ 1 e que ja temos definido o unico φr.

Como φr e unico, φr+1 = φr + Q(X1, . . . , Xn), onde Q(X1, . . . , Xn) e umpolinomio homogeneo de grau r+1 em A[X1, . . . , Xn]. E facil ver que este polinomiosatisfaz as condicoes acima, e, portanto, temos definido φr, ∀ r ∈ N∗. Alem disso,

φr+1 = φr + termos de grau ≥ r + 1.

Dessa forma, podemos definir φ como sendo a unica serie de potencias quesatisfaz φ = φr + termos de grau ≥ r+ 1, ∀ r ∈ N∗. Pelas relacoes satisfeitas pelasφr, φ satisfaz as condicoes desejadas.

Proposicao 3.3.5. Para cada f ∈ Fπ, existe uma unica lei de grupo formal Ff ∈A[[X, Y ]] admitindo f como endomorfismo.

Demonstracao: Tomando g = f e φ0(X, Y ) = X + Y no lema anterior, existe umaunica Ff ∈ A[[X, Y ]] satisfazendo{

Ff (X, Y ) = X + Y + termos de grau ≥ 2f(Ff (X, Y )) = Ff (f(X), f(Y )).

Assim, precisamos apenas mostrar que Ff e uma lei de grupo formal. Noteque Ff ja satisfaz a primeira condicao para ser uma lei de grupo formal, de modoque precisamos mostrar apenas as outras duas.

2. Mostremos que Ff (X,Ff (Y, Z)) = Ff (Ff (X, Y ), Z). Note que

Ff (X,Ff (Y, Z)) = X + Ff (Y, Z) + termos de grau ≥ 2

= X + Y + Z + termos de grau ≥ 2.

Seja agora G1(X, Y, Z) = Ff (X,Ff (Y, Z)). Entao

f(G1(X, Y, Z)) = f(Ff (X,Ff (Y, Z))) = Ff (f(X), f(Ff (Y, Z)))

= Ff (f(X), Ff (f(Y ), f(Z))) = G1(f(X), f(Y ), f(Z)).

Analogamente mostra-se que G2(X, Y, Z) = Ff (Ff (X, Y ), Z) satisfaz estasmesmas equacoes. Tomando φ0(X, Y, Z) = X + Y + Z e f = g no lema anterior,deve existir uma unica serie de potencias satisfazendo tais equacoes. Logo G1 = G2,ou seja, Ff (X,Ff (Y, Z)) = Ff (Ff (X, Y ), Z).

3. Mostremos agora que Ff (X, Y ) = Ff (Y,X). Seja G(X, Y ) = Ff (Y,X).Precisamos mostrar que G(X, Y ) = Ff (X, Y ). Note que{

G(X, Y ) = X + Y + termos de grau ≥ 2f(G(X, Y )) = f(Ff (Y,X)) = Ff (f(Y ), f(X)) = G(f(X), f(Y )).

Como Ff (X, Y ) e a unica serie de potencias que satisfaz estas propriedades,entao G(X, Y ) = Ff (X, Y ).

3.3. LEIS DE GRUPO DE LUBIN-TATE 69

Exemplo 3.3.6. Seja K = Qp e π = p. Entao f(T ) = (1 + T )p − 1 ∈ Fp eF (X, Y ) = X + Y + XY admite f como endomorfismo (pelo exemplo 3.2.4). LogoF = Ff .

Proposicao 3.3.7. Sejam f, g ∈ Fπ e a ∈ A. Denote por [a]g,f o unico elementode A[[T ]] tal que {

[a]g,f (T ) = aT + termos de grau ≥ 2g([a]g,f (T )) = [a]g,f (f(T )).

Entao [a]g,f e um homomorfismo Ff → Fg.

Demonstracao: Seja h = [a]g,f . A existencia e a unicidade de h sao garantidas pelolema 3.3.4. Precisamos entao mostrar que h(Ff (X, Y )) = Fg(h(X), h(Y )). Temos

h(Ff (X, Y )) = aFf (X, Y ) + termos de grau ≥ 2

= aX + aY + termos de grau ≥ 2

e

Fg(h(X), h(Y )) = Fg(aX + termos de grau ≥ 2, aY + termos de grau ≥ 2)

= aX + aY + termos de grau ≥ 2.

Alem disso,

g(h(Ff (X, Y ))) = (g ◦ h)(Ff (X, Y )) = (h ◦ f)(Ff (X, Y )) =

= h(f(Ff (X, Y ))) = h(Ff (f(X), f(Y )))

e

g(Fg(h(X), h(Y ))) = Fg((g ◦ h)(X), (g ◦ h)(Y )) =

= Fg((h ◦ f)(X), (h ◦ f)(Y )) = Fg(h(f(X)), h(f(Y ))).

Pela unicidade do lema 3.3.4 obtemos h(Ff (X, Y )) = Fg(h(X), h(Y )).

Assim, para cada a ∈ A existe um unico endomorfismo [a]f : Ff → Ff tal que[a]f = aT + termos de grau ≤ 2 e [a]f comuta com f . Basta tomar [a]f = [a]f,f . Aproposicao anterior implica tambem os tres seguintes corolarios, que encerram nossoestudo sobre series de grupos formais:

Corolario 3.3.8. Se a, b ∈ A, entao [a + b]g,f = [a]g,f +Fg [b]g,f e [ab]h,f = [a]h,g ◦[b]g,f .

Demonstracao: Basta ver que, em cada caso, as series de potencias satisfazem ascondicoes do lema 3.3.4. Pela unicidade deste mesmo lema, elas sao iguais.

Corolario 3.3.9. Se f, g ∈ Fπ, entao Ff ' Fg.

70 CAPITULO 3. LEI DE RECIPROCIDADE LOCAL DE ARTIN

Demonstracao: Seja u ∈ A×. Analogamente a demonstracao anterior, provamosque [u]g,f e um homomorfismo de Ff em Fg e que [u−1]f,g e um homomorfismo deFg em Ff . Agora, como

[u]g,f ◦ [u−1]f,g = [uu−1]g,g = [1]g,g = T = [1]f,f = [u−1u]f,f = [u−1]f,g ◦ [u]g,f ,

o corolario esta demonstrado.

Corolario 3.3.10. A funcao Υ : A → End(Ff ) dada por Υ(a) = [a]f e um homo-morfismo injetor de aneis.

Demonstracao: Se a, b ∈ A, entao

Υ(a+ b) = [a+ b]f = [a+ b]f,f = [a]f,f +Ff [b]f,f = [a]f +Ff [b]f = Υ(a) +Ff Υ(b)

eΥ(ab) = [ab]f = [ab]f,f = [a]f,f ◦ [b]f,f = [a]f ◦ [b]f = Υ(a) ◦Υ(b).

Finalmente, se Υ(a) = Υ(b), entao [a]f = [b]f ⇒ a = b.

3.4 A lei de reciprocidade local

Nesta secao, ainda manteremos a notacao da secao anterior: K sera uma

extensao finita de Qp, A = OK , π e um uniformizador de OK e k =A

me o corpo

residual de K contendo q elementos, onde q e uma potencia de p. Quando fornecessario, escreveremos m = mK .

Seja K um corpo. Fixado um fecho algebrico K de K, defina Kab como sendo ocomposito de todas as extensoes abelianas de K (contidas em K). Como o compositode extensoes abelianas de um corpo qualquer e ainda uma extensao abeliana de talcorpo, Kab pode ser visto como a maxima extensao abeliana de K contida em K. Oque faremos nesta secao sera construir duas extensoes Kπ e Kun de K de tal formaque Kab = Kπ ·Kun, onde Kπ e uma extensao totalmente ramificada de K e Kun ea maior extensao nao ramificada de K contida em K.

A construcao de Kun nao e longa: se m ∈ N, denote por µm o conjuntodas raızes m-esimas de 1 em K. Se m nao for um multiplo de p, entao a extensaoK[µm]/K sera nao ramificada. Como o composito de extensoes nao ramificadas eainda nao ramificada, o composito de todas as extensoes K[µm] de K onde p - msera uma extensao nao ramificada de K de tal forma que seu corpo residual e umfecho algebrico de k. Assim, podemos definir Kun como sendo o composito de todasas extensoes K[µm] de K tais que p - m.

Vamos agora construir o corpo Kπ, tal que Kab = Kπ ·Kun.

Seja f(T ) = πT + T q ∈ Fπ e denote f (n) = f ◦ · · · ◦ f︸ ︷︷ ︸n vezes

, ∀ n ∈ N. Note que

f (n)(T ) = πnT + πgn(T ) + T qn, para algum polinomio gn(T ) ∈ A[T ]. Seja tambem

Λn o conjunto das raızes de f (n). Fixadas estas notacoes, temos o seguinte teorema,cuja prova pode ser encontrada em [9], p. 35 - 38:

3.4. A LEI DE RECIPROCIDADE LOCAL 71

Teorema 3.4.1. Seja Kπ,n = K[Λn].

1. Para cada numero natural n ∈ N∗, a extensao Kπ,n/K e totalmente ramificadade grau (q − 1)qn−1.

2. Existe um isomorfismo g :

(A

mn

)×→ Gal(Kπ,n/K). Em particular, a ex-

tensao Kπ,n/K e abeliana.

3. Para cada n ∈ N∗, π e uma norma em Kπ,n.

Dessa forma, podemos tomar Kπ como sendo o composito de todos os corposK[Λn]. Assim, em face do que foi feito ate agora, podemos definir um homomorfismo

φπ : K× → Gal(Kπ ·Kun/K)

da seguinte forma:

Seja a ∈ K×. Como Kπ ∩ Kun = K, e suficiente descrever as acoes deφπ(a) em Kπ e em Kun separadamente. Escreva a = uπm, onde u ∈ O×K e m ∈ Z.Definimos que φπ(a) age como FrobL/K em qualquer extensao nao ramificada L deK, enquanto que em Kπ ele age da seguinte forma:

φπ(a)(λ) = [u−1]f (λ), ∀ λ ∈⋃n∈N

Λn.

Deve ser enfatizado, entretanto, que tanto φπ quanto Kπ, na verdade, naodependem do elemento primo π que escolhemos, ou seja, se π′ e um elemento primode A associado a π, entao φπ = φπ′ e Kπ = Kπ′ . (veja [9], p. 39 - 42). Assim,Kab = Kπ ·Kun. Com isto obtemos a lei de reciprocidade local de Artin:

Teorema 3.4.2 (Lei de reciprocidade local de Artin). Se K for uma extensao finitade Qp, entao existe um unico homomorfismo

φK : K× → Gal(Kab/K)

que satisfaz:

1. Se π e um elemento primo de K e se L e uma extensao finita nao ramificadade K, entao φK(π)|L = FrobL/K;

2. Se L e uma extensao finita abeliana de K, entao NL/K(L×) e o kernel dohomomorfismo

φL/K : K× → Gal(L/K)a 7→ φK(a)|L

e φK induz um isomorfismo

φL/K :K×

NL/K(L×)

'−→ Gal(L/K)

Em particular, (K× : NL/K(L×)) = [L : K].

72 CAPITULO 3. LEI DE RECIPROCIDADE LOCAL DE ARTIN

Chamamos a funcao φK : K× → Gal(Kab/K) de lei de reciprocidade local de

Artin de K. Ja o isomorfismo φL/K :K×

NL/K(L×)→ Gal(L/K) sera chamado de lei

de reciprocidade local de Artin de K com relacao a L.

Do teorema ja segue rapidamente que se L e uma extensao finita abeliana deK, entao o seguinte diagrama e comutativo:

K×φK //

can

��

Gal(Kab/K)

restL

��K×

NL/K(L×)

φL/K

'// Gal(L/K)

onde can(a) = a = a ·NL/K(L×) e restL(τ) = τ |L.

De fato, se a ∈ K×, entao φL/K ◦ can(a) = φL/K(a) = φL/K(a) = φK(a)|L.

Definicao 3.4.3. Seja K um corpo. Os subgrupos de K× da forma NL/K(L×) paraalguma extensao abeliana L de K sao chamados de grupos de normas de K.

Vejamos algumas consequencias da lei de reciprocidade de Artin:

Corolario 3.4.4. Sejam K uma extensao finita de Qp, φK : K× → Gal(Kab/K)sua lei de reciprocidade local e L, L′ extensoes finitas abelianas de K. Entao:

1. NLL′/K((LL′)×) = NL/K(L×) ∩NL′/K(L′×).

2. L ⊆ L′ ⇔ NL′/K(L′×) ⊆ NL/K(L×).

3. A funcao L 7→ NL/K(L×) e uma bijecao do conjunto das extensoes finitasabelianas de K no conjunto dos grupos de normas de K×.

4. Todo subgrupo de K× contendo um grupo de normas e ele mesmo um grupode normas.

5. NL∩L′/K((L ∩ L′)×) = NL/K(L×) ·NL′/K(L′×).

Demonstracao: 1. Sabemos, pelo teorema da transitividade das normas, que seL ⊆ L′, entao NL′/K = NL/K ◦ NL′/L. Assim, NL′/K(L′×) ⊆ NL/K(L×). Agora,como L ∪ L′ ⊆ LL′, entao NLL′/K((LL′)×) ⊆ NL/K(L×) ∩NL′/K(L′×).

Reciprocamente, se a ∈ NL/K(L×) ∩ NL′/K(L′×), entao a ∈ ker(φL/K) ∩ker(φL′/K)⇒ φL/K(a) = 1 = φL′/K(a). Mas

φLL′/K(a)|L = φLL′/K(a)|L = φK(a)|LL′|L = φK(a)|L = φL/K(a) = 1.

Analogamente, φLL′/K(a)|L′ = 1. Como a funcao

ρ : Gal(LL′/K) → Gal(L/K)×Gal(L′/K)σ 7→ (σ|L, σ|L′)

3.4. A LEI DE RECIPROCIDADE LOCAL 73

e injetora, segue que φLL′/K(a) = 1⇒ a ∈ NLL′/K((LL′)×).

2. A implicacao ⇒ ja foi feita no item anterior. Facamos a outra direcao.Suponha que NL′/K(L′×) ⊆ NL/K(L×). Pelo item 1., NLL′/K((LL′)×) = NL′/K(L′×).

Pelo item 2. da lei de reciprocidade local de Artin,

[LL′ : K] = (K× : NLL′/K(LL′×)) = (K× : NL′/K(L′×)) = [L′ : K].

Como LL′ ⊇ L′, entao LL′ = L′ ⇒ L ⊆ L′.

3. E claro que a funcao L 7→ NL/K(L×) e sobrejetiva. Provemos entaosua injetividade. Se NL/K(L×) = NL′/K(L′×), entao NL/K(L×) ⊆ NL′/K(L′×) eNL′/K(L′×) ⊆ NL/K(L×). Pelo item anterior, L ⊆ L′ e L′ ⊆ L⇒ L = L′.

4. Seja N = NL/K(L×) um grupo de normas e seja I um subgrupo de K×

contendo N . Entao N ⊆ I ⊆ K×. Como φK e homomorfismo, entao φK(I) esubgrupo de Gal(Kab/K). Seja M o corpo fixo por φK(I). Como I ⊇ N , entao Mtambem e uma extensao abeliana finita de K, satisfazendo M ⊆ L. Segue que

φL/K

(I

N

)= φL/K(I) = φK(I)|L = Gal(L/M).

Considere agora o seguinte diagrama comutativo:

K×φL/K //

can

��

Gal(L/K)

restM

��K×

NM/K(M×)

φM/K

'// Gal(M/K)

Por um lado, ker(φM/K ◦ can) = NM/K(M×). Por outro lado, o kernel de

K×φL/K−→ Gal(L/K)

restM−→ Gal(M/K)

e φ−1

L/K (Gal(L/M)) = I, pela teoria de Galois. Logo I = NM/K(M×) e um grupode normas.

5. Pelos itens 2. e 3., a funcao L 7→ NL/K(L×) e uma bijecao que inverteas inclusoes entre as extensoes finitas abelianas de K e os grupos de normas deK×. Dessa forma, como L ∩ L′ e a maior extensao de K contida em L e em L′, eNL/K(L×) · NL′/K(L′×) e um grupo de normas (pelo item anterior) que e o menorsubgrupo de K× contendo NL/K(L×) e NL′/K(L′×), segue que NL∩L′/K((L∩L′)×) =NL/K(L×) ·NL′/K(L′×).

Assim, se L e M sao duas extensoes finitas abelianas de K satisfazendoM ⊆ L, entao o seguinte diagrama e comutativo:

74 CAPITULO 3. LEI DE RECIPROCIDADE LOCAL DE ARTIN

K×φK //

can

��

Gal(Kab/K)

restL

��K×

NL/K(L×)

φL/K

'//

can

��

Gal(L/K)

restM

��K×

NM/K(M×)

φM/K

'// Gal(M/K)

De fato,

φL/K(a ·NL/K(L×))|M = φL/K(a)|M = φK(a)|L|M = φK(a)|M .

Por outro lado,

φM/K((a ·NL/K(L×)) ·NM/K(M×)) = φM/K(a ·NM/K(M×))

= φM/K(a) = φK(a)|M .

3.5 Os teoremas de Kronecker-Weber

A igualdade Kab = Kπ · Kun claramente implica o teorema de Kronecker-Weber local, abaixo enunciado.

Teorema 3.5.1 (Teorema de Kronecker-Weber local). Seja p um numero primo eK uma extensao abeliana do corpo dos numeros p-adicos Qp. Entao K esta contidoem uma extensao ciclotomica de Qp.

Seja agora K uma extensao galoisiana de Q com grupo de Galois G. Se p forum ideal primo nao nulo de OK , sabemos que existe um unico numero primo p ∈ Ztal que p∩Z = pZ. Tambem ja temos definido o grupo inercial de p sobre pZ comosendo

I(p/pZ) = {σ ∈ G : σ(α) ≡ α (mod p), ∀ α ∈ OK}.

Vamos denotar I(p/pZ) simplesmente por Ip. Com apenas mais um lemaacerca dos grupos inerciais podemos obter o teorema de Kronecker-Weber global.

Lema 3.5.2. Seja K uma extensao galoisiana de Q. Se G = Gal(K/Q), entao Ge gerado pelos subgrupos de inercia dos ideais primos p de OK que se ramificam naextensao K/Q.

Demonstracao: Seja H o subgrupo de G gerado por tais subgrupos, e seja M ocorpo fixo por H em K. Entao KIp ⊇M , qualquer que seja o ideal primo p de OK .Como p se ramifica na extensao K/Q, entao p ∩ OM nao se ramifica na extensaoM/Q. Assim, M e uma extensao nao ramificada de Q. Como toda extensao propria

3.5. OS TEOREMAS DE KRONECKER-WEBER 75

de Q ramifica pelo menos um primo (veja o teorema 34 e o corolario 3 do teorema37 de [6]), segue que M = Q⇒ H = G.

Agora podemos enunciar e demonstrar o teorema de Kronecker-Weber global:

Teorema 3.5.3 (Teorema de Kronecker-Weber global). Se K for uma extensaoabeliana de Q, entao K esta contido em algum corpo ciclotomico.

Demonstracao: Seja p um ideal primo de OK e seja p um numero primo tal quep∩Z = pZ. Denote por Kp o completamento de K com respeito a alguma valorizacao| · |p em p. Entao Kp e uma extensao abeliana de Qp. Pelo Teorema de Kronecker-Weber local, Kp esta contido em algum corpo ciclotomico de Qp. Denote tal corpociclotomico por Qp(up, vp), onde up e uma raiz psp-esima da unidade e vp e uma raizda unidade de ordem prima com p.

Como apenas um numero finito de primos se ramifica numa extensao finitade Q, seja L a extensao ciclotomica de Q gerada por todas as raızes psp-esimasda unidade, onde p e um primo que se ramifica na extensao K/Q. Seja tambemM = KL. Como o composito de extensoes abelianas e ainda uma extensao abeliana,entao M/Q e uma extensao abeliana de corpos e, da mesma forma que antes, Mq ⊆Qp(up, wp), onde q e um ideal de OM e wp e uma raiz da unidade de ordem primacom p. Assim, e suficiente provar o teorema para K no lugar de M , de onde podemosassumir sem perda de generalidade que K ⊇ L.

Note inicialmente que [K : Q] ≥ [L : Q] =∏p

ϕ(psp), onde o produtorio

percorre todos os primos que se ramificam na extensao K/Q e ϕ e a funcao deEuler. Por outro lado, como K e uma extensao abeliana de Q, o grupo inercial Ipde um ideal primo p de OK depende unicamente do numero primo p ∈ Z tais quep∩Z = pZ. Dessa forma, podemos denota-lo simplesmente por Ip. Como, pelo lemaanterior, Gal(K/Q) e gerado pelos subgrupos de inercia dos ideais primos p de OKque se ramificam na extensao K/Q, entao

[K : Q] = |Gal(K/Q)| ≤∏p

|Ip| ≤∏p

ϕ(psp) = [L : Q].

Entao K = L e o teorema esta demonstrado.

Deve ser notado que o teorema de Kronecker-Weber global e um teoremaespecıfico do corpo dos numeros racionais, nao valendo geralmente para corpos denumeros arbitrarios, mesmo que a extensao seja abeliana de grau 2. De fato, seja dum inteiro livre de quadrados e considere a torre de corpos Q( 4

√d)/Q(

√d)/Q. Clara-

mente as extensoes Q( 4√d)/Q(

√d) e Q(

√d)/Q sao abelianas de grau 2. Entretanto,

o corpo de numeros Q( 4√d) nao esta contido em nenhum corpo ciclotomico. Com

efeito, como todo corpo ciclotomico e uma extensao abeliana dos racionais, todo sub-corpo dos corpos ciclotomicos e uma extensao galoisiana de Q. Se Q( 4

√d) estivesse

contido em algum corpo ciclotomico, entao a extensao Q( 4√d)/Q seria galoisiana,

absurdo.

76 CAPITULO 3. LEI DE RECIPROCIDADE LOCAL DE ARTIN

Capıtulo 4

Lei de reciprocidade global deArtin

Iniciamos a demonstracao da lei de reciprocidade global de Artin com umestudo um pouco mais profundo da cohomologia dos grupos cıclicos.

4.1 Cohomologia de grupos cıclicos

Seja G =< σ > um grupo cıclico de ordem n e seja A um G-modulo. Defina

∆ = 1− σ e N = 1 + σ + · · ·+ σn−1.

Proposicao 4.1.1. Seja A um G-modulo. Se A e escrito aditivamente, entao asacoes

∆ : A → Aa 7→ a− σ(a)

eN : A → A

a 7→ 7→ a+ σ(a) + · · ·+ σn−1(a)

sao endomorfismos de A.

Demonstracao: Se a, b ∈ A, entao:

∆(a+ b) = (a+ b)− σ(a+ b) = a+ b− σ(a)− σ(b) = ∆(a) + ∆(b)

e

N(a+ b) = (a+ b) + σ(a+ b) + · · ·+ σn−1(a+ b)

= a+ b+ σ(a) + σ(b) + · · ·+ σn−1(a) + σn−1(a)

= N(a) +N(b).

Claramente, se A e escrito multiplicativamente,

∆(a) = a · σ(a)−1 e N(a) = a · σ(a) · · · · · σn−1(a).

77

78 CAPITULO 4. LEI DE RECIPROCIDADE GLOBAL DE ARTIN

Exemplo 4.1.2. Seja L/K uma extensao galoisiana de corpos de numeros comgrupo de Galois cıclico (escrito multiplicativamente). Neste caso, N = NL/K.

Quando for necessario, escreveremos ∆ = ∆A e N = NA. Note que se A eum G-modulo, entao ∆ ◦N = N ◦∆ = 0, pois se a ∈ A,

∆(N(a)) = ∆(a+ σ(a) + · · ·+ σn−1(a))

= (a+ σ(a) + · · ·+ σn−1(a))− (σ(a) + σ2(a) + · · ·+ a) = 0

e

N(∆(a)) = N(a− σ(a)) = (a− σ(a)) + (σ(a)− σ2(a)) + · · ·+ (σn−1(a)− a) = 0.

Assim, img(N) ⊆ ker(∆) e img(∆) ⊆ ker(N). Dessa forma, faz sentido aseguinte definicao.

Definicao 4.1.3. Seja A um G-modulo. Definimos os grupos de cohomologia H0(A)e H1(A) por

H0(A) =ker(∆)

N(A)e H1(A) =

ker(N)

∆(A).

Definimos tambem a nocao de G-homomorfismo entre G-modulos.

Definicao 4.1.4. Se A e B sao G-modulos, um G-homomorfismo e um homomor-fismo f : A→ B entre os grupos abelianos A e B tal que f(σ(a)) = σ(f(a)), ∀ a ∈A.

Lema 4.1.5. Se f : A → B e um G-homomorfismo de G-modulos, entao existemhomomorfismos f1 : H1(A)→ H1(B) e f2 : H2(A)→ H2(B).

Demonstracao: Afirmo inicialmente que f(∆A(a)) = ∆B(f(a)) e que f(NA(a)) =NB(f(a)), ∀ a ∈ A. De fato, seja a ∈ A. Entao:

• f(∆A(a)) = f(a− σ(a)) = f(a)− f(σ(a)) = f(a)− σ(f(a)) = ∆B(f(a)).

• f(NA(a)) = f(a+σ(a)+ · · ·+σn−1(a)) = f(a)+f(σ(a))+ · · ·+f(σn−1(a)) == f(a) + σ(f(a)) + · · ·+ σn−1(f(a)) = NB(f(a)).

Em particular, f(ker(∆A)) ⊆ ker(∆B) e f(NA(A)) ⊆ NB(B). Sabendo disto,podemos definir (e estarao bem definidos) os homomorfismos

f0 : H0(A) → H0(B)a+NA(A) 7→ f(a) +NB(B)

ef1 : H1(A) → H1(B)

a+ ∆A(A) 7→ f(a) + ∆B(B).

O lema anterior admite o seguinte corolario, conhecido como lema do hexagonoexato. Ele sera usado logo mais a frente.

4.1. COHOMOLOGIA DE GRUPOS CICLICOS 79

Lema 4.1.6. Seja 0 → Af→ B

g→ C → 0 uma sequencia exata de G-modulos eG-homomorfismos. Entao existem homomorfismos δ0 e δ1 (denominados homomor-fismos de conexao) tal que o hexagono abaixo e exato em cada grupo:

H0(A)f0 // H0(B)

g0

$$H1(C)

δ1::

H0(C)

δ0zzH1(B)

g1

dd

H1(A)f1oo

Demonstracao: Seja c ∈ ker(∆C). Pela exatidao da sequencia, existe b ∈ B talque g(b) = c. Logo g(∆B(b)) = ∆C(g(b)) = ∆C(c) = 0 ⇒ ∆B(b) ∈ ker(g).Como ker(g) = img(f), existe a ∈ A tal que ∆B(b) = f(a). Como f(NA(a)) =NB(f(a)) = NB(∆B(b)) = 0, entao NA(a) ∈ ker(f). De novo pela exatidao dasequencia, NA(a) = 0⇒ a ∈ ker(NA). Dessa forma, podemos assim definir δ0 por

δ0(c+NC(C)) = a+ ∆A(A).

Mostremos que δ0 esta bem definida. Suponha que c+NC(C) = c′+NC(C) eque g(b′) = c′. Afirmo inicialmente que existe a′ ∈ A tal que ∆B(b′) = f(a′). De fato,como c−c′ ∈ NC(C), existe c′′ ∈ C tal que c−c′ = NC(c′′). Logo 0 = ∆C(NC(c′′)) =∆C(c−c′) = ∆C(g(b)−g(b′)) = ∆C(g(b−b′)) = g(∆B(b−b′))⇒ ∆B(b−b′) ∈ ker(g).Como ker(g) = img(f), existe a′′ ∈ A tal que ∆B(b−b′) = f(a′′). Como ∆B(b−b′) =∆B(b) −∆B(b′) = f(a) −∆B(b′), entao ∆B(b′) = f(a) − f(a′′) = f(a − a′′). Bastaagora tomar a′ = a− a′′.

Agora conseguimos mostrar que a−a′ ∈ ∆A(A). Como g e sobrejetora, existeb′′ ∈ B tal que g(b′′) = c′′. Assim, g(b − b′ − NB(b′′)) = g(b) − g(b′) − g(NB(b′′)) =c− c′−NC(g(b′′)) = c− c′−NC(c′′) = 0⇒ b− b′−NB(b′′) ∈ ker(g). Como ker(g) =img(f), existe a ∈ A tal que b − b′ − NB(b′′) = f(a). Aplicando ∆B de cada ladodesta equacao, obtemos ∆B(b)−∆B(b′)−∆B(NB(b′′)) = ∆B(f(a))⇒ f(a)−f(a′) =f(∆A(a))⇒ f(a− a′) = f(∆A(a)). Como f e injetora, a− a′ = ∆A(a) ∈ ∆A(A) e,portanto, δ0 esta bem definida.

Claro que δ0 e um homomorfismo, pois em cada passo usamos um homomor-fismo da sequencia. Analogamente definimos δ1(c + ∆C(C)) = a + NA(A), ondeg(b) = c e f(a) = NB(b). A exatidao segue diretamente das propriedades que δ0 eδ1 tem, e da hipotese.

De posse dos grupos de cohomologia de um G-modulo A definimos o seguinteconceito, que nos acompanhara ate o final deste capıtulo.

Definicao 4.1.7. Seja A um G-modulo. O quociente de Herbrand de A e definidopor

q(A) =|H1(A)||H0(A)|

80 CAPITULO 4. LEI DE RECIPROCIDADE GLOBAL DE ARTIN

desde que os grupos H0(A) e H1(A) sejam ambos finitos. Neste caso dizemos que oquociente de Herbrand de A esta definido.

Lema 4.1.8. Seja 0 → A → B → C → 0 uma sequencia exata de G-modulos.Se quaisquer dois dos quocientes de Herbrand q(A), q(B) ou q(C) estao definidos,entao o terceiro tambem estara definido e q(A)q(C) = q(B).

Demonstracao: Suponha sem perda de generalidade que q(A) e q(B) estao definidos

e seja i ∈ {1, 2}. Pelo lema do hexagono exato,H i(C)

ker(δi)' img(δi). Como ker(δi) =

img(gi),H i(C)

img(gi)' img(δ1). Como gi esta definida em um grupo finito e img(δi)

esta contida em um grupo finito, q(C) esta definido. Em particular, |H i(C)| =|img(gi)| · |img(δi)|.

Agora suponha que os seis grupos de cohomologia sao finitos. Ainda pelolema do hexagono exato, comparando as ordens das imagens e dos nucleos, obtemos

q(A)q(C) =|H1(A)||H0(A)|

· |H1(C)|

|H0(C)|=|img(δ0)| · |img(f1)||img(δ1)| · |img(f0)|

· |img(g1)| · |img(δ1)||img(g0)| · |img(δ0)|

=

=|img(f1)| · |img(g1)||img(f0)| · |img(g0)|

=|H1(B)||H0(B)|

= q(B).

Corolario 4.1.9. Se A ⊆ B sao G-modulos tais que C = B/A e finito. Se q(A) ouq(B) estiver definido, entao o outro quociente de Herbrand tambem estara definidoe q(A) = q(B).

Demonstracao: Como, por hipotese, C e finito, pelo lema anterior basta mostrar

que q(C) = 1. De fato: q(C) =|H1(C)||H0(C)|

=| ker(NC)||img(∆C)|

· |img(NC)|| ker(∆C)|

=|C||C|

= 1.

A secao abaixo da um exemplo do calculo do quociente de Herbrand.

4.2 O quociente de Herbrand de um modulo de

permutacao

Sejam d um divisor fixo de n = |G|, R um domınio de integridade de carac-

terıstica 0 e A =d∑i=1

Rui o R-modulo livre gerado por u1, . . . , ud. Suponha que G

age em A permutando os elementos da base da seguinte maneira:

σ(ui) =

{ui+1 se i < du1 se i = d.

Entao σd age como a identidade em A. Se denotarmos por GA =< σd >,entao GA e o subgrupo de ındice d em G (lembre-se de que G e cıclico). Com estasnotacoes temos a seguinte

4.3. MODULUS E GRUPO IDEAL DE UM CORPO DE NUMEROS 81

Proposicao 4.2.1. Seja md = n. SeR

mRe finito e A e como acima, entao q(A) esta

definido e q(A) =1

[R : mR]. Em particular, se R = Z, entao q(A) =

1

[Z : mZ]=

1

|GA|.

Demonstracao: Calculando os grupos diretamente pela definicao, obtemos

(a) ker(N) =

{d∑i=1

riui :d∑i=1

ri = 0

};

(b) img(∆) = ker(N);

(c) ker(∆) = R(u1 + · · ·+ ud);

(d) img(N) = mR(u1 + · · ·+ un).

Portanto H0(A) ≡ R

mRe H1(A) = 0, de onde segue a tese.

Para continuarmos precisamos agora entender o conceito de modulus de umcorpo de numeros, que sera dado brevemente na proxima secao. Uma discussao maisaprofundada pode ser encontrada em [12], capıtulo 2, secao 3, e em [5], capıtulo 2.

4.3 Modulus e grupo ideal de um corpo de numeros

Comecamos com o conceito de valorizacao em um corpo qualquer.

Definicao 4.3.1. Seja K um corpo. Uma valorizacao em K e uma funcao

| · | : K → R

que satisfaz:

• |x| ≥ 0, ∀ x ∈ K;

• |x| = 0⇔ x = 0;

• |xy| = |x| · |y|, ∀ x, y ∈ K;

• |x+ y| ≤ |x|+ |y|, ∀ x, y ∈ K.

Claramente todo corpo admite a valorizacao denominada valorizacao trivial,dada por |x| = 1, ∀ x ∈ K×, |0| = 0. Note que se K for um corpo finito, esta e aunica valorizacao possıvel. Ademais, se colocarmos d(x, y) = |x− y|, entao o corpoK torna-se um espaco metrico.

82 CAPITULO 4. LEI DE RECIPROCIDADE GLOBAL DE ARTIN

Exemplo 4.3.2. Seja D um domınio de ideais principais com um unico ideal ma-ximal p = πD e corpo de fracoes K. Podemos definir a valorizacao p-adica de Kcolocando

|aπk|p = ck,

onde a ∈ D − p, k e um numero inteiro, c = |π|p e qualquer numero real positivoestritamente menor que 1 e extendendo-a de maneira natural a K. Neste exemplo,costuma-se denotar por Kp o completamento de K com respeito a metrica induzidapor esta valorizacao.

Duas valorizacoes | · |1 e | · |2 em um corpo K sao ditas equivalentes se|x|1 < 1⇔ |x|2 < 1.

Definicao 4.3.3. Uma valorizacao |·| em um corpo K e chamada de nao arquimedi-ana se |x+y| ≤ max{|x|, |y|}, ∀ x, y ∈ K. Caso contrario ela e dita arquimediana.

Assim, uma classe de equivalencia de valorizacoes p em um corpo K e cha-mado de um primo de K, ou um lugar de K. Um primo e chamado infinito se elecontem uma valorizacao arquimediana. Caso contrario ele e chamado de primo finitode K. Como os completamentos de K com respeito a duas valorizacoes equivalentessao isomorfos, podemos falar entao sem ambiguidades sobre o unico (a menos deisomorfismo) completamento de K com respeito ao primo p. Um primo infinito echamado de real se o completamento de K com respeito a p for o corpo dos numerosreais. Caso o completamento de K com respeito ao primo p seja isomorfo ao corpodos numeros complexos, denominamos tal primo de primo complexo.

Assim, podemos apresentar agora a definicao de modulus de um corpo K.

Definicao 4.3.4. Um modulus de um corpo K e um produto formal m =∏p

pn(p),

onde o produtorio percorre todos os primos finitos ou reais infinitos de K, no qualo numero n(p) e nao negativo para todo primo p de K, positivo apenas para umnumero finito deles e valendo no maximo 1 para os primos reais infinitos de K.

Na pratica,

• tomamos o primo real p de K como sendo o ideal primo p de OK , consideramoso mergulho x 7→ xp de K em Kp = R, e escrevemos a ≡∗ b (mod p) paraindicar que a e b tem o mesmo sinal.

• tomamos o primo finito p de K como sendo o ideal primo p de K e escrevemosa ≡∗ b (mod pn), onde n e um inteiro positivo, se a ∈ b(1 + pn(OK)p), onde(OK)p representa a localizacao do anel de numeros OK de K no ideal primop.

Dessa forma, um modulus m pode ser olhado como um produto m = m0 ·m∞,

onde m0 =∏

p finito

pn(p) e m∞ =∏p real

pn(p). Note que no primeiro caso m0 e um ideal

4.4. S-UNIDADES 83

de OK e no segundo os expoentes n(p) valem 0 ou 1, valendo 1 apenas um numerofinito de vezes.

No caso geral, escrevemos α ≡∗ β (mod m) para dois elementos α, β ∈ K×se α ≡∗ β (mod pn(p)) para todos os primos p de K tais que n(p) > 0. Aproveitamostambem para fixarmos a seguinte notacao:

• Km = {a/b ∈ K : a, b ∈ OK e aOK , bOK sao relativamente primos a m0};

• Km,1 = {α ∈ Km : α ≡∗ 1 (mod m)}.

Vamos agora falar um pouco sobre ideais fracionarios:

Definicao 4.3.5. Seja K um corpo de numeros e considere OK seu anel de inteiros.Um ideal fracionario I de OK e um OK-submodulo de K para o qual existe d ∈OK − {0} tal que dI ⊆ OK. Tal elemento d e chamado de denominador de I.

Definimos tambem o produto de dois ideais fracionarios I e I ′ de OK como

sendo o conjunto II ′ =

{n∑i=1

xiyi : xi ∈ I, yi ∈ I ′, n ∈ N

}. Claramente, se I e I ′

sao dois ideais fracionarios de OK com denominadores d e d′, respectivamente, entaoI ∩ I ′, I+ I ′ e II ′ sao todos ideais fracionarios de OK com denominadores d (ou d′),dd′ e dd′, respectivamente. Assim sendo, o conjunto de todos os ideais fracionarios Ide OK e um grupo perante a multiplicacao acima indicada, denominado grupo idealde K, e denotado por IK . (Para uma prova deste fato, veja [17], capıtulo 3.)

Existe um homomorfismo natural ι : K× → IK dado por ι(α) = αOK . Entaoker(ι) = O×K

.= UK .

Definicao 4.3.6. Seja ι : K× → IK o homomorfismo natural acima indicado.Definimos o grupo de classe de K, denotado por CK, como sendo o cokernel de ι,

isto e, CK = coker(ι) =IK

ι(K×).

Pelo teorema 13.8 de [5], o grupo CK e sempre finito, e assim temos asequencia exata

1→ UK → K×ι→ IK → CK → 1.

Fixado um modulus m = m0 · m∞, dentaremos por Im = ImK o subgrupo dogrupo ideal de K gerado por todos os ideais primos de OK primos com m0.

4.4 S-unidades

Nesta secao, L denotara uma extensao galoisiana de um corpo de numerosK com grupo de Galois G =< σ > cıclico.

84 CAPITULO 4. LEI DE RECIPROCIDADE GLOBAL DE ARTIN

Seja m um modulus para K e assuma que qualquer primo de K que se ramificaem L tem um expoente positivo em m. Como cada primo de K pode ser visto comoum produto de primos de L, o modulus m de K pode ser visto como um moduluspara L.

Como G opera nos ideais de OL, entao IL e um G-modulo. Os primos de Lque estao sobre um primo de K sao permutados transitivamente por G. Segue queo conjunto de primos de L que nao dividem m sao permutados por G e, portanto,ImL tambem e um G-modulo. Calculando diretamente pela definicao dos grupos decohomologia, obtemos a seguinte proposicao:

Proposicao 4.4.1. Se m for um modulus para K divisıvel por todos os primos deK que se ramificam em L, entao:

• H0(ImL) =ImK

N(ImL);

• H1(ImL) = 1;

• H0(L×) =K×

N(L×);

• H1(L×) = 1.

Considere agora o homomorfismo

jm : IL → ILm

B 7→{

B se B - m1 se B|m.

A imagem de um elemento A ∈ IL por jm e o produto de fatores primosrelativamente primos a m. Lembrando que a funcao ι : L× → IL e a funcao queassocia α ao ideal fracionario ι(α) = αOL = (α), seja fm : L× → ImL a composta jm◦ι.Note que os grupos mencionados aqui sao G-modulos e que as funcoes aqui descritassao G-homomorfismos. Agora seja S um conjunto finito de primos dividindo m eseja LS = ker(fm). Entao e facil ver que

LS = {α ∈ L× : ι(α) e divisıvel apenas por primos em S}.

Caso S ⊆ S∞ (o conjunto dos primos infinitos de L), entao LS = UL = O×L .

Definicao 4.4.2. O conjunto LS acima descrito e chamado de grupo das S-unidadesde L.

Com isto temos o seguinte lema:

Lema 4.4.3. Se q(UL) e q(ker(jm)) estao definidos, entao q(LS) = q(UL)q(ker(jm)).

4.5. O QUOCIENTE DE HERBRAND Q(UL) 85

Demonstracao: O fato de 1 = fm(LS) = jm(ι(LS)) nos da uma sequencia exata1→ ι(LS)→ ker(jm)→ C → 1, para algum grupo C, que e finito, pois

C ∼=ker(jm)

ι(LS)∼=

ker(jm)

ι(L×) ∩ ker(jm)∼=ι(L×) ker(jm)

ι(L×),

que e um subgrupo do grupo de classes de L, o qual nos sabemos ser finito. Pelolema 4.1.8 e pelo corolario 4.1.9 concluımos que q(ι(LS)) = q(ker(jm)). Usando asequencia exata 1→ UL → LS → ι(LS)→ 1, concluımos que

q(LS) = q(UL)q(ι(LS)) = q(UL)q(ker(jm)).

4.5 O quociente de Herbrand q(UL)

Para calcularmos o quociente de Herbrand q(UL) precisamos antes da se-guinte proposicao tecnica, cuja prova pode ser encontrada em [5], p. 175 - 176.

Proposicao 4.5.1. Seja L tendo s primos reais B1, . . . ,Br e r primos complexosBr+1, . . . ,Br+s. Entao existem elementos w1, . . . , wr+s de UL em correspondenciabiunıvoca com os primos infinitos Bi tais que

• G permuta os wi que correpondem aos primos Bi que se estendem a um dadoprimo infinito p de K;

•r+s∏i=1

wi = 1;

• subgrupo W =< w1, . . . , wr+s > tem ındice finito em UL.

Com tal proposicao em maos podemos calcular o quociente de Herbrand deq(UL).

Teorema 4.5.2. Seja r0 o numero de primos infinitos de K que ramificam em L.

Entao q(UL) =[L : K]

2r0.

Demonstracao: Para um primo infinito p de K e um primo B de L contendo p,

defina dp = [G : G(B)]. Seja tambem Ap =

dp∑i=1

Zui,p, onde cada ui,p corresponde a

um primo Bi (como na proposicao acima) estendendo p de tal forma que G permutaos elementos da base assim como G permuta os Bi. Assim temos a sequencia exata

0→ Z g→∑p|∞

Aph→ W → 1,

86 CAPITULO 4. LEI DE RECIPROCIDADE GLOBAL DE ARTIN

onde g(z) =∑i

∑p

ui,p e h e definido como sendo o G-homomorfismo que manda

cada elemento da base ui,p no wj divisor de Bj. A exatidao da sequencia segue dosegundo item da proposicao anterior.

Agora, sabemos que q(W )q(Z) = q

∑p|∞

Ap

=∏p

q(Ap).

Como a acao de G em Z e a trivial, segue da proposicao 4.2.1 que q(Z) =1

|G|.

A mesma proposicao nos da q(Ap) =1

|G(B)|quando B contem p.

Agora, se p e um primo de K que nao ramifica, entao existem [L : K] ex-tensoes de p em L e entao G(B) = 1. Quando p ramifica em L, entao existem[L : K]

2extensoes e, portanto, G(B) tem ordem 2. Segue que q(W ) =

1

2r0, onde r0 e

o numero de primos de K que ramificam em L. Do fato de que W tem ındice finitoem UL concluımos que q(W ) = q(UL).

Calculamos tambem o quociente de Herbrand de q(LS).

Teorema 4.5.3. Seja S o conjunto dos primos finitos de K dividindo o modulusm. Assuma que m e divisıvel por todos os primos de K que ramificam em L. Entao

q(LS) =[L : K]∏p|m

epfp.

Demonstracao: Para determinarmos q(LS) precisamos primeiramente determinarq(ker(jm)).

Sabemos que ker(jm) e o grupo abeliano livre dos primos finitos em S. Paracada primo finito p de K que e divisıvel por algum primo em S, denote por I(p)o subgrupo de ker(jm) gerado pelos divisores primos de p em L. Entao ker(jm) =∏p

I(p) e q(ker(jm)) =∏p

q(I(p)).

Seja pOL = (B1 · · ·Bg)e e NL/K(Bi) = pf . Como G age transitivamente nos

Bi, temos

• ker(NIp) ={∏

Baii :∑

ai = 0}

;

• img(∆Ip) = ker(NIp);

• ker(∆Ip) =< D >, onde D = B1 · · ·Bg;

• img(NIp) =< pf >=< Def >.

Segue que q(I(p)) =1

ef=

1

epfp. Assim q(ker(jm)) =

1∏p|m0

epfp, onde m0 e a

parte finita de m. O resultado segue entao do lema 4.4.3.

4.6. A NORMA DE UM MODULUS 87

4.6 A norma de um modulus

De novo, L sera uma extensao galoisiana de um corpo de numeros K e comgrupo de Galois G =< σ > cıclico.

Definicao 4.6.1. Seja m um modulus de K. Definimos a(m) = [K× : N(L×)Km,1].

Lema 4.6.2. Se m e n sao modulus relativamente primos, entao a(mn) = a(m)a(n).

Demonstracao: A funcao α→ (αKm,1, αKn,1) induz um isomorfismo

Kmn,1

→ K×

Km,1

× K×

Kn,1

,

o qual, por sua vez, induz o homomorfismo sobrejetor

f :K×

Kmn,1

→ K×

N(L×)Km,1

× K×

N(L×)Kn,1

.

Assim, basta mostrarmos que ker(f) =N(L×)Kmn,1

Kmn,1

.

Suponha que αKmn,1 ∈ ker(f). Entao existem β1, β2 ∈ L× tais que

α ≡ N(β1) (mod m), α ≡ N(β2) (mod n).

Olhando m e n como modulus para L, eles continuam sendo relativamenteprimos. Logo existe β ∈ L× tal que

β ≡ β1(mod m), β ≡ β2(mod n).

Portanto ββ−11 ∈ Lm,1 e ββ−1

2 ∈ Ln,1. Como N(Lm,1) ⊆ Km,1, para qualquermodulus m de K, concluımos que N(β)N(β1)−1 ∈ Km,1 e que N(β)N(β2)−1 ∈ Kn,1.Seguira que αN(β)−1 ≡ 1 (mod m) e que αN(β)−1 ≡ 1 (mod n). Em particular,isto implica que αN(β)−1 ∈ Kmn,1, e, portanto, α ∈ N(L×)Kmn,1.

Dessa forma, o lema provado agora reduz o calculo de a(m) para um modulusm divisıvel por apenas um primo. Assim, vamos considerar m = pn com n ≥ 1. Ocaso no qual p e um primo infinito sera tratado agora:

Lema 4.6.3. Se p e um primo infinito de K, entao a(p) = ep, o ındice de ramificacaode p em L.

Demonstracao: Seja B1, . . . ,Bg os primos de L estendendo p. Suponha que pramifica em L. Entao todos os Bi sao primos complexos e, se α ∈ L×, entao

NL/K(α) =∏i

NLBi/Kp(α), uma vez que a norma global e o produto das normas

locais. Cada completamento de L e C e a norma no corpo real Kp deve ser positiva.

Logo NL/K(L×) ⊆ Km,1 e portantoK×

Km,1

tem ordem 2 = ep.

88 CAPITULO 4. LEI DE RECIPROCIDADE GLOBAL DE ARTIN

Agora suponha que p e real e tem apenas extensoes reais a L. Entao Km,1

e o conjunto dos elementos de K que sao positivos em p e todas as suas extensoeslocais tem grau 1; logo NLBi

/Kp(α) = αBi , a imagem de α em R pelo mergulhocorrespondente ao Bi. Como existe α tal que α e positivo em todos os primos Bj

com j 6= 1 e negativo em B1, NL/K(α) < 0 e portanto N(L×)Km,1 = K×. Segue quea(m) = 1 = ep neste caso. Caso p seja complexo, Km,1 = K× e a(m) = ep = 1.

Seja agora m = pn, onde p e um primo finito de K e n e um inteiro positivo.Seja B um dos primos de L acima de p.

Lema 4.6.4. Seja m = pn um modulus para K com p um primo finito. Entao

• [K× : N(L×)Km] = fp;

• a(m) = fp[Km : (Km ∩N(L×))Km,1].

Demonstracao: Como m = pn, segue que Km e o conjunto das unidades do anellocal Rp. Seja π e um gerador do ideal maximal p de Rp. Entao todo elemento naonulo de K e da forma πau, onde u ∈ Km.

Nos sabemos que N(B) = (πf ). Portanto, elementos de N(L×) tem a formaπfbu, onde u ∈ Km. Segue que

KmN(L×)∼=

< π > Km

< πf > Km

∼=< π >

< πf >,

o qual tem ordem f = fp, conforme diz a primeira parte.

Ja a fatoracao de a(m) pode ser obtida a partir dos ındices da seguinte cadeiade subgrupos:

N(L×)Km,1 ⊆ N(L×)Km ⊆ K×.

O segundo ındice e fp pela primeira parte. Para terminar, basta observar que existe

um isomorfismoKm

(Km ∩N(l×))Km,1

∼=N(L×)Km

N(L×)Km,1

, induzido pela inclusao de Km

em N(L×)Km.

4.7 A lei de reciprocidade global

Seja L/K uma extensao galoisisana de corpos de numeros com grupo deGalois G. Para enunciarmos a lei de reciprocidade global de Artin, precisamos antesda definicao da funcao de Artin.

Suponha que p seja um primo de OK que nao se ramifica em L/K. Seja Bum primo de OL acima de p. Como p nao se ramifica, o grupo de decomposicaoD(B/p) e um subgrupo cıclico de Gal(L/K) gerado por, digamos, σ. Tal elemento

σ e denotado por

[L/K

B

]. Se B e B′ sao dois ideais primos de OL contendo p,

4.7. A LEI DE RECIPROCIDADE GLOBAL 89

entao

[L/K

B

]=

[L/K

B′

], de onde podemos definir o automorfismo de Frobenius da

extensao de corpos globais L/K com relacao ao primo p de OK como sendo

[L/K

B

],

para qualquer ideal primo B de OL acima de p. Tal elemento sera denotado por(L/K, p).

Agora podemos definir a funcao de Artin como segue: seja inicialmente Sum conjunto de ideais primos de OK contendo todos os primos que ramificam naextensao L/K. Se denotarmos por ISK o subgrupo de IK gerado por todos os ideais

primos que nao estao em S, segue que um elemento de ISK e da forma A =∏

p primop6∈S

pa(p).

Assim, podemos definir a funcao de Artin por

ϕ : ISK → Gal(L/K)

A 7→∏

p primop6∈S

(L/K, p)a(p).

Definicao 4.7.1. Diremos que a lei de reciprocidade vale para a tripla (L,K,m) seL e uma uma extensao abeliana de K e m e um modulus para K tal que ι(Km,1) ⊆ker(ϕL/K).

Comecemos com alguns lemas simples:

Lema 4.7.2. Se a lei de reciprocidade vale para a tripla (L,K,m) e se m e divisıvelpor todos os primos de K que ramificam em L, entao ker(ϕL/K) = N(ImL)ι(Km,1).

Demonstracao: Como N(ImL) ⊆ ker(ϕL/K), pela lei de reciprocidade N(ImL)ι(Km,1) ⊆ker(ϕL/K) ⊆ ImK .

Segue que o ındice do primeiro grupo desta inclusao e pelo menos [L : K],enquanto que o ındice de ker(ϕL/K) e exatamente [L : K]. Segue que os dois grupossao iguais.

Lema 4.7.3. Sejam a e r inteiros maiores que 1, e seja q um numero primo. Entaoexiste um numero primo p tal que a ordem de a modulo p e qr.

Demonstracao: Considere o polinomio g(X) =Xq − 1

X − 1= Xq−1 +Xq−2 + · · ·+ 1 =

(X − 1)q−1 + · · ·+(q

t

)(X − 1)t−1 + q.

Note que se n ≥ 2, entao g(n) ≥ 3 ⇒ g(n) tem um divisor primo. Seja pum divisor primo de g(aq

r−1) = g. Se p nao divide o denominador aq

r−1 − 1, entaor tem que ser o menor inteiro tal que aq

r ≡ 1 (mod p). Entao esta escolha para pfunciona.

Suponhamos agora que p|aqr−1 − 1. Entao (pela forma de como escrevemosg(X)), p = q. Vamos provar que g nao e potencia de primo, de onde poderemosescolher um outro primo divisor de g no qual podemos aplicar o primeiro caso.

90 CAPITULO 4. LEI DE RECIPROCIDADE GLOBAL DE ARTIN

Suponha inicialmente que q > 2. Entao tanto (X − 1)q−1 quanto(qt

)(X −

1)t−1, t 6= 1 e divisıvel por t2, dado que q divide o coeficiente binomial. Como a ≥ 2,entao q 6= g. Entao g nao e uma potencia de q e poderemos fazer uma outra escolhade p.

Finalmente, suponha q = 2. Entao g = (a2r−1−1)+2 = a2r−1+1. Precisamos

mostrar que g nao e uma potencia de 2. Claro que a precisa ser ımpar para que gseja uma potencia de 2. Mas neste caso (a = 2k+1), obtemos g = (2k+1)2r−1

+1 ≡2(mod 4). Como g 6= 2 ja que r ≥ 2, g nao e uma potencia de 2 e o lema estaprovado.

Definicao 4.7.4. Dizemos que dois elementos σ e τ de um grupo abeliano saoindependentes se < σ > ∩ < τ >= 1. Dizemos que dois inteiros a e b relativamenteprimos a m sao independentes modulo m se as classes residuais de a e de b saoindependentes no grupo multiplicativo dos elementos invertıveis modulo m.

Lema 4.7.5. Seja n = qr11 · · · qrss a fatoracao do inteiro n como produto de primosdistintos e seja a > 1 um inteiro. Entao existem infinitos inteiros livre de quadradosm = p1 · · · psp′1 · · · p′s tais que a ordem de a modulo m e divisıvel por n. Tambemexiste um inteiro b cuja ordem modulo m e divisıvel por n e tal que a e b saoindependentes modulo m. Alem disso, o menos divisor primo de m pode ser tomadotao grande quanto se queira.

Demonstracao: Para cada r ≥ r1 e r ≥ 2, existe um primo pi tal que a tem ordemqrii modulo pi pelo lema anterior. Se r cresce, pi tambem cresce, e a ordem de amodulo pi e divisıvel por qrii .

Agora sejam p1, . . . , ps primos distintos e suficientemente grandes tais que a

ordem de a modulo pi seja qr′ii com r′i ≥ ri. Sejam p′1, . . . , p

′s primos distintos ainda

maiores tais que a tem ordem qr′′ii modulo p′i, com r′′i ≥ r′i. Entaom = p1 · · · psp′1 · · · p′s

e livre de quadrados e n divide a ordem de a modulo m. Seja b um inteiro tal queb ≡ a (mod p1 · · · ps) e tal que b ≡ 1 (mod p′1 · · · p′s).

Entao n divide a ordem de b modulo m Para mostrarmos que a e b saoindependentes , suponha que existem inteiros u e v tais que aubv ≡ 1(mod m).

Entao 1 ≡ aubv ≡ au(mod p′1 · · · p′s). Portanto qr′′ii divide u e, logo, au ≡ 1(mod m).

Segue que bv ≡ 1(mod m) e, sendo assim, a e b sao independentes modulo m.

Assim conseguimos provar a seguinte proposicao:

Proposicao 4.7.6. Seja L/K uma extensao abeliana de grau n e seja s um inteiropositivo. Seja p um ideal primo em OK que nao se ramifica em L. Entao existe uminteiro positivo m relativamente primo a s e a p com as seguintes propriedades:

• Se θm e uma raiz primitiva m-esima da unidade e E = K(θm), entao ϕL/K(p)tem ordem divisıvel por n;

• L ∩ E = K;

• existe um automorfismo τ ∈ Gal(E/K) cuja ordem e divisıvel por n e que eindependente de ϕE/K(p).

4.7. A LEI DE RECIPROCIDADE GLOBAL 91

Demonstracao: Nos aplicaremos o lema anterior usando a = NK/Q(p). O corpoL tem apenas um numero finito de subcorpos. Logo existe uma raiz M -esima daunidade θM tal que Q(θM) contem todo subcorpo ciclotomico de L. Pelo lemaanterior, existe m tal que todo divisor primo de m e maior que Ms. Assim Q(θM)∩Q(θm) = Q e, portanto, L ∩Q(θm) = Q.

Tomando-se E = K(θm), obtemos o item (b).

Escreva σ = ϕE/K(p). Entao σ(θm) = θN(p)m = θam, donde obtemos o item

(a). Finalmente, tomando b como no lema anterior, o automorfismo τ(θm) = θbm deQ(θm) tem ordem divisıvel por n e e independente de σ. Desde que K ∩Q(θm) = Q,o automorfismo τ se estende a um elemento de Gal(E/K) de mesma ordem, de ondeobtemos o item (c).

Este lema e o passo tecnico crucial para a demonstracao da lei de reciproci-dade global para extensoes cıclicas.

Lema 4.7.7 (Lema de Artin). Seja L uma extensao cıclica de K, s um inteiropositivo e p um ideal primo de OK que nao ramifica em L. Entao existe um inteiropositivo m e uma extensao F de K tal que:

• L ∩ F = K;

• L ∩K(θm) = K, onde θm e uma raiz m-esima da unidade;

• L(θm) = F (θm);

• p se decompoe completamente em F .

Demonstracao: Seja m como no resultado anterior e seja E = K(θ). Entao L(θ) =LE e L∩E = K. Dessa forma, o segundo item da proposicao anterior tambem valee Gal(L(θ)/K) = Gal(L/K)×Gal(E/K).

Seja σ um gerador de Gal(L/K) e seja τ um elemento satisfazendo o itemc da proposicao anterior. Assim, σ e idependente de ϕL/K(p). Seja H o subgrupogerado por σ × τ e por ϕL/K(p)× ϕE/K(p), e seja F o subcorpo de LE fixo por H.Temos assim o seguinte diagrama:

LE = L(θ)

L F E = K(θ)

K

Segue que ϕLE/K(p) = ϕL/K(p) × ϕE/K(p). Este elemento gera o grupode decomposicao em Gal(LE/K) de um primo de LE sobre p e entao o grupode decomposicao esta contido em H. O automorfismo de Frobenius de p para a

92 CAPITULO 4. LEI DE RECIPROCIDADE GLOBAL DE ARTIN

extensao F/K e a identidade, desde que F e o corpo fixo por H e tambem porqueresF (ϕLE/K(p)) = 1.

Segue que p se decompoe completamente em F , provando assim o quartoitem.

O corpo F (θ) = FE e o corpo fixo por H ∩ (Gal(L/K)× 1). Afirmo que estegrupo e a identidade e isto provara o terceiro item.

Suponha que tenhamos inteiros u e v tais que (σ×τ)u(ϕL/K(p)×ϕE/K(p))v ∈Gal(L/K)× 1.

Entao τu ∈< ϕE/K(p) >⇒ τu = 1, pela hipotese de independencia. Segueque n|u e entao σu = 1 pois a ordem de σ e n = [L : K]. Assim ϕE/K(p)v = 1e portanto n|v. Logo ϕL/K(p)v = 1 e portanto o unico elemento na intersecao e aidentidade.

Pela definicao de H, temos o primeiro item, e como L ∩ F e a parte fixapor H e a restricao de H a L contem resL σ × τ = σ que gera Gal(L/K), temosL ∩ F = K.

Teorema 4.7.8. Seja L uma extensao cıclica de K e seja m um modulus para K

divisıvel por todos os primos que ramificam em L. Seja Cm =ImK

NL/K(ImL )ι(Km,1).

Suponha que |Cm| = [L : K]. Entao vale a lei de reciprocidade para (L,K,m).

Demonstracao: Mostraremos que ker(ϕL/K |ImK ) ⊆ ι(Km,1)N(ImL). A igualdade valerapois ambos os grupos tem ındice [L : K] em ImK .

Seja A um ideal em ImK tal que ϕL/K(A) = 1. Fatore A =r∏i=1

pai1 .

Os primos pi sao nao ramificados em L, pois todos os primos que se ramificamdividem m e A e primo com m por escolha. Pelo lema anterior aplicado a cada primopi, obtemos uma raız da unidade θmi tais que os inteiros mi sao primos dois a dois.Segue que K ∩ (Q(θmi)) = Q. Logo o grupo de Galois Gi = Gal(K(θmi)/K) ∼=Gal(Q(θmi)/Q). Alem disso, o grupo de Galois de L(θm1 , . . . , θmr) sobre K e oproduto direto G = G×G1 × · · · ×Gr, onde G = Gal(L/K) =< σ >.

Seja τi o elemento que obtemos (segundo o lema anterior) usando pi no lugarde p. Seja Hi o subgrupo de G×Gi gerado por σ×τi e por ϕL/K(pi)×ϕK(θmi )/K

(pi).Considere Hi como subgrupo de G segundo a inclusao canonica.

Seja Fi o subcorpo de L(θm1 , . . . , θmr) fixo por Hi ×∏i 6=j

Gj, e seja F =

F1F2 · · ·Fr. afirmo que L ∩ F = K e Gal(LF/F ) = Gal(L/K).

De fato, note que, para cada i, Gal(LF/Fi) contem um elemento λ = σ ×τ1×· · ·× τr. A intersecao dos grupos Gal(LF/Fi) fixa F e contem λ. O corpo L∩Fe fixo por este elemento e tambem por 1 × τ1 × · · · × τr. Entao L ∩ F e fixo porσ e, dado que o subcorpo de L fixo por σ e K, temos L ∩ F = K. Ja a igualdade

4.7. A LEI DE RECIPROCIDADE GLOBAL 93

Gal(LF/F ) = Gal(L/K) vale pelo fato de que a restricao a Gal(LF/F ) a L e umisomorfismo em Gal(L/K). Agora seja ϕL/K(paii ) = σdi , para algum di ≥ 0. Entao

ϕL/K(A) =∏i

σdi = 1. Se d = d1 + · · ·+dr, e temos que n|d, pois n = [L : K] = |G|.

Sabemos que se m′ for um modulus com expoentes suficientemente grandese com determinados divisores primos, entao ϕLF/F manda Im

F em Gal(LF/F ) demaneira sobrejetora. Seja m′ divisıvel por m e por todos os inteiros mi. Entao existeum ideal B0 ∈ Im

F tal que ϕLF/F (B0) = σ. Seja B = N(L/F )(B0) ∈ ImK . ComoϕLF/F = ϕL/K ◦ NF/K , concluımos que ϕL/K(B) = σ. Como B e uma norma deF , entao B tambem e uma norma em cada Fj. Alem disso cada pi se decompoecompletamente em Fi, de onde tiramos que pi e uma norma de Fi. Logo existe umideal Ci primo com m e com os inteiros mj tais que NFi/K(Ci) = paii B

−di . Assim

ϕLFi/Fi(Ci) = ϕL/K(NFi/K(Ci)) = ϕL/K(pi)aiϕL/K(B)−di = σdi−di = 1.

Como a extensao LFi de Fi satisfaz Fi ⊆ LFi ⊆ Fi(θmi), a lei de reciprocidadevale para (LFi, Fi,m

′′) desde que m′′ seja divisıvel por (mi)p∞. Pelo fato de Ciser primo com mi e m, temos que m′′ e divisıvel por m e Ci ∈ Im

′′

Fi. Pela lei de

reciprocidade, existem γi ∈ Fi tal que γi ≡ 1(mod m′′) e um ideal Di ∈ Im′′LFital que Ci = (γi)NLFi/Fi(Fi)(Di). Tomando as normas em K obtemos paii B

−di =(NFi/K(γi))N(LFi/K(Di)).

Como m′′ e divisıvel por m, sabemos que αi = NFi/K(γi) ∈ Km,1. Tomando o

produto sobre todos os i, obtemos AB−d =∏i

paii B−di =

∏i

αi∏i

NLFi/K(Di).

Se D′i = NLFi/L(Di), entao DD′i e primo com m. Assim

A = Bd(α1 · · ·αr)NL/K(D′1 · · ·D′r).

Como n|d e Bd e uma norma em L, temos A ∈ ι(Km,1)NL/K(ImL).

Agora podemos generalizar o teorema anterior para extensoes abelianas:

Teorema 4.7.9. Seja L uma extensao abeliana de um corpo de numeros K e sejam um modulus para K divisıvel por cada primo que ramifica em L. Se os expo-entes dos divisores primos de m sao suficientemente grandes, entao a funcao deArtin ϕL/K associa ImK de maneira sobrejetora a Gal(L/K) e satisfaz ker(ϕL/K) =ι(Km,1)N(L/K)(ImL).

Demonstracao: Escreva G = Gal(L/K) = C1 × · · ·Cs como o produto de gruposcıclicos.

Seja Hj tal que G = Cj×Hj. Seja Ej o subcorpo de L fixo por Hj. Entao Eje uma extensao cıclica de K com grupo de Galois Cj. Logo existe um modulus mj

para K tal que a lei de reciprocidade vale para (Ej, K,mj). Cada primo de K queramifica em Ej tambem ramifica em L. Assim, podemos escolher mj como sendodivisıvel apenas pelos primos que se ramificam em Ej com expoentes suficientementegrandes tais que mj|m. Assim valera a lei de reciprocidade para (Ej, K,m). Istoimplica ι(Km,1) ⊆

⋂i ker(ϕEj/K).

94 CAPITULO 4. LEI DE RECIPROCIDADE GLOBAL DE ARTIN

Para um ideal A ∈ ImK , sabemos que resEj(ϕL/K(A)) = ϕEj/K(A). Em par-ticular, se A ∈ ι(Km,1), entao resEj(ϕL/K(A)) = 1. Lembrando que L = E1 · · ·Ese qualquer automorfismo que e a identidade em Ej precisa ser a identidade em L,temos que ϕL/K(A) = 1 e i(Km,1) ⊆ ker(ϕL/K). Logo a lei de reciprocidade valepara (L,K,m). Agora o resultado segue do primeiro lema desta secao.

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