teoria das assinaturas

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A TEORIA DAS ASSINATURAS E O CAMINHO NOVO Geraldo Barroso de Carvalho 1 O Doutor Geraldo Barroso de Carvalho abordou o conteúdo de seu livro recém-publicado com o título As Assinaturas do Criador: Teoria esdrúxula, Terapias absurdas. Explicou que seria uma conversa informal sobre a medicina do Caminho Novo, os curandeiros, a medicina caseira. O palestrante se fez acompanhar de uma série de slides contendo não só o roteiro de sua fala como imagens e dados curiosos que aqui transcrevemos. Em todo o mundo ocidental, a medicina foi fortemente influenciada por um médico suíço e por sua doutrina que ficou conhecida como “Teoria das Assinaturas”. Nas Minas Gerais, a medicina e as práticas curativas sofreram influência de um cirurgião barbeiro português. Aliando-se a Teoria das Assinaturas aos métodos do cirurgião-barbeiro e à medicina popular dos tropeiros e curandeiros, toda a região adquiriu um modo próprio de tratar seus males menores, com chás de ervas caseiras. A CORRIDA DO OURO Com a abertura do Caminho Novo, os animais de carga, vindos do sul, puderam trafegar. Chegavam às áreas de mineração pessoas de toda a sorte, em grande quantidade. Com a abertura de novas lavras foi necessária a importação de escravos. Pouco a pouco, o comércio expandiu-se. Pelo Caminho Novo, provisões e ferramentas chegavam para os mineiros, mas não chegavam médicos. Afluíam, às áreas auríferas, pessoas de diferentes etnias e regiões. A entrada de doenças novas, a miscigenação, a superpopulação e a promiscuidade, aliadas às péssimas condições sanitárias, em áreas já,

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Comunicação de Geraldo Barroso de Carvalho no 3º Encontro de Pesquisadores do Caminho Novo, sobre a Teoria das Assinaturas e plantas que teriam valor curativo.Transcrição: Nilza Cantoni. Revisão: Joana Capella.

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A TEORIA DAS ASSINATURAS E O CAMINHO NOVO

Geraldo Barroso de Carvalho 1

O Doutor Geraldo Barroso de Carvalho abordou o conteúdo de seu livro recém-publicado com o

título As Assinaturas do Criador: Teoria esdrúxula, Terapias absurdas. Explicou que seria uma conversa

informal sobre a medicina do Caminho Novo, os curandeiros, a medicina caseira. O palestrante se fez

acompanhar de uma série de slides contendo não só o roteiro de sua fala como imagens e dados curiosos

que aqui transcrevemos.

Em todo o mundo ocidental, a medicina foi fortemente influenciada por um médico suíço e por sua

doutrina que ficou conhecida como “Teoria das Assinaturas”. Nas Minas Gerais, a medicina e as práticas

curativas sofreram influência de um cirurgião barbeiro português. Aliando-se a Teoria das Assinaturas aos

métodos do cirurgião-barbeiro e à medicina popular dos tropeiros e curandeiros, toda a região adquiriu um

modo próprio de tratar seus males menores, com chás de ervas caseiras.

A CORRIDA DO OURO

Com a abertura do Caminho Novo, os animais de carga, vindos do sul, puderam trafegar. Chegavam

às áreas de mineração pessoas de toda a sorte, em grande quantidade. Com a abertura de novas lavras foi

necessária a importação de escravos. Pouco a pouco, o comércio expandiu-se. Pelo Caminho Novo,

provisões e ferramentas chegavam para os mineiros, mas não chegavam médicos.

Afluíam, às áreas auríferas, pessoas de diferentes etnias e regiões. A entrada de doenças novas, a

miscigenação, a superpopulação e a promiscuidade, aliadas às péssimas condições sanitárias, em áreas já,

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por si, insalubres, teriam de resultar em aumento das doenças e no crescimento da taxa de mortalidade. A

chegada de médicos, de dentistas e de boticários tornava-se imperiosa, mas, na carência de profissionais, os

tropeiros, empregando ervas da Mata Atlântica, especiarias e plantas já conhecidas, preparavam remédios

caseiros.

Em 1711, chega à região aurífera um cirurgião-barbeiro português.

O CIRURGIÃO-BARBEIRO LUÍS GOMES FERREIRA

Com licença para praticar medicina, devido à carência de médicos, em 1711 ele chega a Sabará e, em

1716, muda-se para Mariana. Em 1724, transfere-se para Ouro Preto (Padre Faria) e retorna a Sabará em

1730, mas volta para Portugal no fim de 1731. Em 1735 publica seu livro Erário mineral.

Ferreira praticou muito nos caminhos de Minas, nas proximidades de Vila Rica. Ele exerceu forte

influência nas práticas curativas em toda a região. Baseou-se nos livros de um médico português famoso e

usou ervas brasileiras, aliadas a produtos importados do Reino.

O cirurgião Luís Gomes Ferreira exerceu forte influência nas práticas curativas de Vila Rica, Mariana e

Sabará, centros de propagação de “novidades”, para toda a área servida pelo Caminho Novo e por caminhos

alternativos.

Por outro lado, Ferreira sofreu uma forte influência das práticas curativas populares, aprendendo a

tirar da flora regional (com os índios, tropeiros e curandeiros) matéria prima para seus remédios e

“invenções”.

Phillipus Aureolus Theophrastus Bombastus von Hohenheim (Paracelsus)

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Paracelso, médico e alquimista, introduziu os minerais no arsenal terapêutico do século XVI e

influenciou a prática da medicina por longo tempo. Essa influência chegou ao Brasil e, portanto, às Minas.

Paracelso criou a extravagante Teoria ou Doutrina da Assinaturas.

Essa teoria, segundo Paracelso, baseia-se na idéia seguinte: cada coisa, vivente ou não, que existe no

universo, tem algo de peculiar e de misterioso escondido em si, uma espécie de hieróglifo camuflado,

revelador de uma virtude oculta. É preciso procurar o “espírito” de cada coisa, esse hieróglifo ou sinal, que

seria a assinatura de Deus, reveladora da virtude.

Giovanni Battista Della Porta (Della Porta) levou para o mundo

vegetal a teoria das assinaturas.

Della Porta estudava os vegetais e passou a anotar os sinais que

indicavam as virtudes que eles escondiam. Procurava a assinatura divina nas

plantas, pois ela estaria gravada na casca, na raiz, nas sementes, nas folhas,

nas flores, nos frutos, no caule, na haste no bulbo ou no talo da planta. Há

exemplos de variadas mensagens divinas, felizmente muito bem

interpretadas, pelos adeptos da fantástica teoria.

ALGUNS EXEMPLOS DA TEORIA DAS ASSINATURAS

Para que serve o bambu, na medicina?

Na ótica dos adeptos da doutrina das assinaturas, Deus colocou o

bambu na superfície da terra, com sinais claros de que ele tem poderes

fantásticos.

O bambu cresce rapidamente e atinge grandes alturas. Eis o sinal

do Criador. Se ele cresce muito, com rapidez, o chá de suas folhas deve ser

usado pra que?

Resposta lógica (?): Chá de folhas de bambu é ótimo para

promover o crescimento de crianças.

Como o bambu, além de alto, é também septado, nodoso, os

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cultores da Teoria das Assinaturas julgam que ele evoca uma coluna vertebral. Então, o chá de suas folhas

estaria indicado para os males da coluna.

AIPO OU SALSÃO (Apium graveolens)– Talo branco, duro, não flexível

Devido a essa “grande semelhança” com o osso, o aipo estaria indicado no tratamento de doenças

ósseas, como a osteoporose e outras.

Como o aipo, por evocar o aspecto de ossos, o ruibardo é indicado pelos assinaturistas contra as

mesmas doenças. Ferreira, o cirurgião-barbeiro, usava o aipo e o ruibarbo que tem efeito antidiarreico, em

doses pequenas, mas tem efeito laxativo em doses acima de dois gramas.

Alho –Allium sativum – Liliaceae. Segundo os torcedores da Doutrina das Assinaturas, o alho tem

uma haste oca que se parece bastante com a traquéia. Isso é

perfeitamente admissível, para quem não conhece a traquéia. Então, é

indicado contra doenças da traquéia.

Princípio ativo: Alicina (um óleo sulfuroso volátil)

Luís Gomes Ferreira usava alhos e cebolas para curar mordeduras.

A cebola (Allium cepa) é um caule que faz chorar. Ela contém sulfuretos e alinases (enzimas). A

decomposição dos sulfuretos pelas enzimas produz ácido sulfênico que é instável e decompõe-se num gás

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volátil. Esse gás dissipando-se no ar pode atingir os olhos e reagir com a lágrima (água) e formar uma solução

muito fraca de ácido sulfúrico que irrita os olhos: Lágrima.

Foi muito empregada por Ferreira.

Medicina popular: Seus flavonoides teriam efeitos antioxidantes.

Ação anti-inflamatória, analgésica, antidiabética, anti-cancerígena,

antialérgico, etc.

Doutrina das Assinaturas: Gota

O papa Júlio III acreditava na Doutrina das Assinaturas.

Ele sofria de gota e vivia com o hálux inflamado. Como a cebola

evocava seu hálux inflamado, ele empestou o Vaticano com o odor das

carroçadas de cebolas que ele fazia chegar todo dia, para seus repastos.

Cipó: Um tipo de caule. Parece-se com uma cobra? Logo, chá de cipó é bom antídoto contra veneno

de cobra!!!

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Estudos no Departamento de Psicobiologia da Unifesp comprovaram ação analgésica do cipó-cravo,

em testes com camundongos.

Estudos em ratos mostraram que o cipó-cravo, em infusão, proporcionou aumento da produção

espermática dos testículos. Este relato tem base na tese de doutorado de Fabiana Cristina Silveira Alves de

Melo, apresentada na Universidade Federal de Viçosa, em dezembro de 2007.

Os princípios ativos dessa planta incluem tanino, o alcalóide tinantina, o ácido tinântico, cumarina e

açúcares.

CIPÕ-DE-SÃO-JOÃO

Esta planta tem tonalidade escura e flores vermelhas.

Por ser muito colorido, os assinaturistas a indicam contra o

vitiligo, doença que apresenta falta de pigmentação da pele. A

assinatura de Deus, neste caso, é muito clara. Mas, cuidado!

Trata-se de planta muito tóxica. Não é rara a morte de bovinos

pela ingestão dessa planta.

A raiz do ginseng costuma lembrar o corpo humano. No caso

do corpo masculino, com a estrutura fálica presente e muitas vezes

exagerada. Por isso, é considerado afrodisíaco, por imbecis e por

quem acredita na Teoria das Assinaturas.

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NOZES

O Criador, neste caso, não quis saber de sutilezas. Ele deixou claro que as nozes curam todas as doenças do cérebro, da imbecilidade, à mais varrida doideira.

O confrei tem folhas ásperas, por isso os cultores da teoria dos signos juram que isso é o sinal de que ele cura as doenças escamosas da pele. O confrei, na verdade, tem muitos alcalóides tóxicos. Ainda assim, ele é

é utilizado, em chás ou infusões, para tratamento de inúmeras doenças (incluindo doenças do fígado), embora ele seja de alta toxicidade para o fígado. Pior: o confrei é cancerígeno, isto é, pode provocar câncer.

Alecrim - Rosmarinus officinalis

Ferreira preparava a “agua-da-rainha” associando o alecrim, a arruda, alfavaca e poejos, ao óleo de oliva. Aplicando essa mistura, em uso externo, ele tratava das dores de “flatos de causa fria”.

Segundo a esquisita Doutrina das Assinaturas, o alecrim, erva perfumada, deve ter outro destino na medicina: o perfume seria o sinal do Criador de que essa erva deve ser usada para combater gases mal-cheirosos do intestino, que servem para afastar amigos e constranger flatulentos

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Com que se parecem as sementes da abóbora?

Os assinaturistas garantem que uma semente de abóbora é muito parecida com a proglote de uma tênia. Então, para tratamento da teníase, nada é melhor do que as sementes de abóboras, nas mais diversas preparações.

Na medicina popular brasileira as sementes da abóbora são usadas para o tratamento da solitária.

Foram apresentadas diversas outras plantas que, segundo os assinaturistas, por se parecerem com determinadas partes do corpo servem para tratar os respectivos males.

Dentro do quadro de plantas medicinais, Geraldo Barroso declarou que a Ipeca talvez tenha sido o primeiro quimioterápico, sendo precursora da penicilina e o primeiro medicamento surgido depois do ópio. Ressaltou que o ópio não curava nenhuma doença, apenas curava a dor.

Com o nome científico de Cephalis ipecacuanha, parece ter sido o primeiro produto a movimentar a economia de áreas adjacentes às nascentes dos rios Xopotó e Pomba.

Ferreira (Erário): tratamento de “cursos” (disenteria amebiana) e como emético. Os índios brasileiros usavam-na como emético e em diarreias (disenteria amebiana)

Evidentemente, o cirurgião-barbeiro aprendeu com os índios e com os tropeiros.

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Como último exemplo dentre os citados pelo Doutor Barroso, ouvimos que Mercúrio, o Deus do Comércio para os romanos, inspirou Paracelsus a concluir que o metal mercúrio seria muito bom para o tratamento da sífilis porque, sendo uma doença sexualmente transmissível, ocorreria em função da promiscuidade, ou seja, da venda do corpo pelas prostitutas – o comércio do sexo. Sendo assim, entre os séculos XVI e XX usou-se o mercúrio para tratamento da sífilis, levando muitos portadores a óbito e sem jamais ter curado um único caso.

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