teoria crítica da comunicação e uma nova perspectiva na pós-modernidade

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Teoria Crítica da Comunicação e uma nova perspectiva na Pós-modernidade Universidade Federal de Juiz de Fora Rafael Silva * Flávio Dornelas ** Em todo caso, entre os chamados intelectuais e outros existem muitos esforços que, a partir dos estudos da economia política internacional, da teoria da regulação, da teoria de Gramsci, da teoria feminista, de gênero e homossexual e do pós-estruturalismo, visam continuar a desenvolver a Teoria Crítica da sociedade num novo nível histórico. A Teoria Crítica consiste também na apropriação crítica de todos esses debates teóricos, que expõem e sistematizam as experiências e os movimentos de emancipação. Muita coisa será criticada. Mas penso que é necessário, no sentido da Teoria Crítica, integrar todas essas experiências e discussões num contexto teórico mais abrangente. Com isso se cria também para a Teoria Crítica uma tarefa totalmente nova. Não só a filosofia precisa atualmente unir-se às questões científicas particulares, mas também as diversas teorias emancipatórias devem conduzir a uma compreensão complexa da nova realidade capitalista pós-fordista - compreensão complexa que é necessária, pois a emancipação assume várias formas. Alex Demirovic 1 O Instituto de Pesquisa Social, fundado em meados da década de 1920 em Frankfurt (1923), foi criado . Em se tratando de uma Ciência Social com o tempo tudo muda, contrastes que antes não apareciam agora surgem e novas formas de se interpretar e analisar um mesmo fenômeno social são inerentes ao progresso intelectual. Alex Demirovic, ao destacar a importância da Escola de Frankfurt para o século XX, ressalta, contudo, uma preocupação em atualizar a Teoria Crítica frankfurtiana às novas formas de organização social que, também, se atualizaram com o tempo. 2 Sua promissora história como reduto de pensamento crítico toma contornos expressivos em menos de dez anos. Com Max Horkheimer como diretor, o instituto, em 1930, associa-se à Universidade de Frankfurt e passa a ser conhecida como Escola de Frankfurt. Tendo como principais representantes, ao longo de seu desenvolvimento, , inicialmente, no intuito de “documentar os movimentos operários da Europa” e, posteriormente com outros colaboradores que serão citados, desenvolver uma Teoria Crítica da Sociedade moderna, apoiada em fundamentos, principalmente, das filosofias hegeliana e marxista. * Aluno da Faculdade de Comunicação da UFJF, cursando o 7° período noturno. e-mail: dom- [email protected] ou [email protected] * * Aluno do curso de Ciênicas Sociais da UFJF, cursando o 6° periodo. email: [email protected] . 1 Em entrevista a Isabel Loureiro, Alex Demirovic, doutor em filosofia, trabalhou como pesquisador do Instituto de Pesquisa Social em Frankfurt, responde à questão sobre a existência de Teoria Crítica na Alemanha que se dedique a interpretar a sociedade atual. 2 Segundo sua monografia, Gilberto Barbosa Salgado (1988) cita que os principais idealizadores e organizadores do “Institut fuer Sozialforschung” foram Felix Weil, Karl Korsch, Georgy Lukács, Friedrich Pllock, Karl Wittfogel e outros...

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partir dos estudos da economia política internacional, da teoria da regulação, da teoria de Gramsci, da teoria feminista, de gênero e homossexual e do pós-estruturalismo, visam continuar a desenvolver a Teoria Crítica da sociedade num novo nível histórico. A Teoria Crítica consiste também na apropriação crítica de todos esses debates teóricos, que expõem e sistematizam as experiências e os movimentos de emancipação. Muita coisa será criticada. Mas penso que é necessário, no sentido da Teoria Crítica, integrar todas essas experiências e discussões num contexto teórico mais abrangente. Com isso se cria também para a Teoria Crítica uma tarefa totalmente nova. Não só a filosofia precisa atualmente unir-se às questões científicas particulares, mas também as diversas teorias emancipatórias devem conduzir a uma compreensão complexa da nova realidade capitalista pós-fordista - compreensão complexa que é necessária, pois a emancipação assume várias formas.

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  • Teoria Crtica da Comunicao e uma nova perspectiva na Ps-modernidade

    Universidade Federal de Juiz de Fora

    Rafael Silva*

    Flvio Dornelas

    **

    Em todo caso, entre os chamados intelectuais e outros existem muitos esforos que, a partir dos estudos da economia poltica internacional, da teoria da regulao, da teoria de Gramsci, da teoria feminista, de gnero e homossexual e do ps-estruturalismo, visam continuar a desenvolver a Teoria Crtica da sociedade num novo nvel histrico. A Teoria Crtica consiste tambm na apropriao crtica de todos esses debates tericos, que expem e sistematizam as experincias e os movimentos de emancipao. Muita coisa ser criticada. Mas penso que necessrio, no sentido da Teoria Crtica, integrar todas essas experincias e discusses num contexto terico mais abrangente. Com isso se cria tambm para a Teoria Crtica uma tarefa totalmente nova. No s a filosofia precisa atualmente unir-se s questes cientficas particulares, mas tambm as diversas teorias emancipatrias devem conduzir a uma compreenso complexa da nova realidade capitalista ps-fordista - compreenso complexa que necessria, pois a emancipao assume vrias formas. Alex Demirovic

    1

    O Instituto de Pesquisa Social, fundado em meados da dcada de 1920 em

    Frankfurt (1923), foi criado

    .

    Em se tratando de uma Cincia Social com o tempo tudo muda, contrastes que

    antes no apareciam agora surgem e novas formas de se interpretar e analisar um mesmo

    fenmeno social so inerentes ao progresso intelectual. Alex Demirovic, ao destacar a

    importncia da Escola de Frankfurt para o sculo XX, ressalta, contudo, uma preocupao

    em atualizar a Teoria Crtica frankfurtiana s novas formas de organizao social que,

    tambm, se atualizaram com o tempo.

    2

    Sua promissora histria como reduto de pensamento crtico toma contornos

    expressivos em menos de dez anos. Com Max Horkheimer como diretor, o instituto, em

    1930, associa-se Universidade de Frankfurt e passa a ser conhecida como Escola de

    Frankfurt. Tendo como principais representantes, ao longo de seu desenvolvimento,

    , inicialmente, no intuito de documentar os movimentos

    operrios da Europa e, posteriormente com outros colaboradores que sero citados,

    desenvolver uma Teoria Crtica da Sociedade moderna, apoiada em fundamentos,

    principalmente, das filosofias hegeliana e marxista.

    * Aluno da Faculdade de Comunicao da UFJF, cursando o 7 perodo noturno. e-mail: [email protected] ou [email protected] * * Aluno do curso de Cinicas Sociais da UFJF, cursando o 6 periodo. email: [email protected]. 1 Em entrevista a Isabel Loureiro, Alex Demirovic, doutor em filosofia, trabalhou como pesquisador do Instituto de Pesquisa Social em Frankfurt, responde questo sobre a existncia de Teoria Crtica na Alemanha que se dedique a interpretar a sociedade atual. 2 Segundo sua monografia, Gilberto Barbosa Salgado (1988) cita que os principais idealizadores e organizadores do Institut fuer Sozialforschung foram Felix Weil, Karl Korsch, Georgy Lukcs, Friedrich Pllock, Karl Wittfogel e outros...

  • 2

    tericos e colaboradores como Theodor Adorno, Walter Benjamin, Herbert Marcuse

    estes faziam parte da primeira gerao da Escola e Irgen Habermas (segunda gerao).

    Inserir o saber crtico nas universidades, para esta Escola, tinha o propsito de criar

    pesquisas que debatessem as relaes sociais modernas atravs da dialtica constante entre

    Teoria Tradicional e Teoria Crtica. Horkheimer j dizia que aquela teoria tinha obsesso

    por formulaes quantitativas, alm de ser abstrata por natureza. Enquanto a primeira

    representa os estudos positivistas (Comte), darwinistas, evolucionistas, funcionalistas

    (Durkheim), estruturalistas etc., ou seja, concepes formais, analticas,

    classificatrias e dogmatizantes de cincia, a segunda englobava a dialtica hegeliana e o

    marxismo no ortodoxos, o idealismo kantiano, a teoria weberiana etc., ou seja, os novos

    crticos do sculo XX buscavam compreender a nova era atravs de pontos flexveis de

    interpretao que no poderiam ser alcanados somente com dados e pesquisas

    quantitativas, mas tambm qualitativas.

    Depois de coagidos a deixar a Alemanha, devido ascenso do nazismo e o

    subseqente fechamento da Escola pelo governo alemo, o corpo terico foi se refugiando

    em cidades europias como Paris e Genebra (1933) e nos Estado Unidos (1934) na

    chamada Dispora da Escola de Frankfurt, j que muitos deles eram judeus. A percepo

    desses tericos frankfurtianos acerca desse desenvolvimento pelo qual passava a sociedade

    alem levou a Escola a desencadear uma longa jornada de estudos e pesquisas empricas

    que focassem na dialtica entre o homem e as novas formas de interao social.

    Devido a essa emigrao, a filial da Escola de Frankfurt criada nos Estados Unidos

    tomou contornos expressivos em dar continuidade Teoria Crtica, abrangendo novos

    pontos de anlises que desencadearam estudos que nos so inerentes nos dias atuais. Foi

    nesse pas que os tericos alemes, em conjunto com a Universidade de Colmbia,

    direcionaram e impulsionaram seus estudos acerca de emancipao, razo e indstria

    cultural. Todos esses como outros estudos da Escola de Frankfurt, principalmente o fato de

    seu exlio nos Estados Unidos, foram de extrema importncia para a retomada de um

    pensamento marxista (no ortodoxo) voltado influncia da cultura na sociedade

    capitalista. Anthony Guiddens aborda muito claramente a Teoria Crtica frankfurtiana ao

    descrever que eles3

    3 Citao de Anthony Guiddens sobre a Escola de Frankfurt em Sociologia (p. 374; 2005).

    : Afirmavam que a difuso da indstria cultural, com seus produtos

    complacentes e padronizados, enfraquece a capacidade de os indivduos desenvolverem

  • 3

    um pensamento crtico e independente. A arte desaparece, inundada pela comercializao

    (...) (GUIDDENS, 2005; p. 375).

    Para se pensar em Indstria Cultural e na crtica dos frankfurtianos a essa

    caracterstica da modernidade, devemos antes levar em considerao a dialtica existente

    entre cultura de elite e cultura popular. Esses dois tipos de culturas podem ser entendidos

    pelo distanciamento de gostos4

    No momento em que se define a cultura de massa e, a partir dela, intensifica-se a

    produo de mercadorias culturais voltadas ao consumo da populao temos a Indstria

    Cultural. Em outras palavras, a cultura de massa possui uma veiculao dentro do sistema

    capitalista que, por sua vez, a vende como produto, servindo como instrumento de

    dominao pela classe dominante na medida em que pasteuriza a cultura. Algumas das

    caracterizaes dessa indstria podem ser percebidas nos conceitos

    , os quais distinguem as classes sociais. Grosso modo,

    enquanto artes clssicas e msicas eruditas estariam para as culturas de elite, folclore e

    festas populares estariam para as culturas populares. No entanto, a tenso (dialtica)

    existente entre essas duas formas de expresso humana (de classe) sintetizam uma cultura

    voltada disseminao em massa, podendo ser subentendida nas anlises de Adorno

    (1987) como Cultura de Massa.

    5

    Gilberto Salgado (1988) ressalta que a Escola de Frankfurt no reconhecida

    apenas devido a sua localizao geogrfica (Frankfurt Alemanha), mas tambm

    de: serializao

    (produo em srie de mercadorias); padronizao; concentrao dos produtos em todos

    os meios de comunicao; homogeneizao ou cooptao do alternativo; produo de

    necessidades falsas; consumo excessivo; profissionalizao tcnica; mecanismos

    psicolgicos e seus fetichismos pela televiso; escapismo calculado do cotidiano,

    controlando o lazer dos indivduos; etc.

    Contudo, a racionalizao do mundo sob a forma da tcnica funciona a favor da

    dominao, ou seja, a falsa identidade do universal e do particular, o carter compulsivo

    da sociedade alienada e a democratizao dos meios de comunicao cooptam a sociedade

    moderna de tal forma que a indstria cultural torna-se a principal fornecedora das novas

    necessidades humanas (culturais).

    4 Pierre Bourdieu, em Distino: A crtica do julgamento social,distingui as classes sociais em tipos de gostos: os das classes alta; mdia; e baixa que se diferenciam pelo distanciamento entre esses gostos. 5 A seguir, sero mencionadas algumas das caracterizaes da indstria cultural, segundo abordagens do professor Gilberto Barbosa Salgado em sala de aula. UFJF, 08 de setembro de 2009.

  • 4

    simbolicamente, na medida em que seus grandes nomes internacionalizaram a Teoria

    Crtica a partir da Segunda Guerra Mundial. Suas teorias so enaltecidas por muitos e

    criticada por tantos outros. No entanto, o mundo precisa desse confronto intelectual, pois

    Sociologia que se preze no trabalha com verdades finitas, muito menos com dogmas,

    antes um campo que se permite ser refutvel e que abrange possibilidades de se ter

    diferentes vises sobre um mesmo fenmeno. A Sociologia aquele Esporte de Combate

    de Pierre Bourdieu, o exerccio de debate entre idias que se divergem, como tambm o

    esforo introspectivo que nos remete reflexes como as frankfurtianas frente ao mundo que

    nos diz ser autnomos. Esse o estudo a que nos prenderemos por agora: contornar os

    traos caractersticos da modernidade sob a luz da Teoria Crtica e trazer tona

    questionamentos que nos passam despercebidos frente ao entretenimento produzido pela

    mdia.

    Indstria Cultural, Meios de Comunicao e Cultura de Massa

    O termo indstria cultural empregado pela primeira vez no livro Dialtica do

    Esclarecimento (1947) de Horkheimer e Adorno, veio substituir o conceito de cultura de

    massas, uma cultura que nasce instintivamente nas massas. A inteno dos pensadores

    frankfurtianos era discutir a questo da cultura e os caminhos que ela estava tomando

    devido ascenso do capitalismo e a transformao da vida cotidiana em mercadoria.

    No ensaio, Adorno e Horkheimer assinalavam os perigos decorrentes de uma

    pretensa socializao total do homem por intermdio dos novos meios de produo

    cultural. Os conceitos de dialtica do esclarecimento e indstria da cultura

    introduziriam uma crtica radical razo instrumental, que vinha de desbancar a razo

    objetiva, a que admite uma ordem no mundo e um sentido para a vida humana,

    substituindo-a por uma expresso eufrica do que pode ser til ou operacional. Adorno

    (1978, p. 264) dir que ele "rejeita a integrao progressiva de todos os aspectos da

    conscincia no interior do aparato material da produo". Este aparado material de

    produo vigora nas sociedades capitalistas industrializadas e no oferece aos seus

    membros o exerccio de um livre arbtrio, submetendo-os sua dominao ideolgica.

    Para entender a proposio crtico-conceitual da Escola de Frankfurt se faz

    necessrio compreender o conceito de cultura originria da tradio alem. O conceito de

    cultura dos frankfurtianos difere do significado que os antroplogos lhe atribuem, cultura

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    no denotaria prticas, hbitos ou modos de vida de acordo com o sentido antropolgico.

    Na verdade, os frankfurtianos fincam seus alicerces na afirmao categrica de Kultur, que

    se identificam com a arte, filosofia, literatura e msica. Para eles a arte expressa os valores

    que constituem o pano de fundo de uma sociedade. O conceito de Kultur se associa idia

    de criao de que o esprito humano capaz, caso da arte, da filosofia, da cincia e da

    religio, representando assim a libertao moderna das potencialidades do esprito.

    Marcuse (1970) dir que a cultura "o conjunto de fins morais, estticos e intelectuais que

    uma sociedade considera como objetivo de organizao, da diviso e da direo do

    trabalho". As teses propostas pelos tericos da Escola de Frankfurt colocam em relevo o

    papel central que a ideologia do sistema capitalista desempenha em formas de

    comunicao e expresso artsticas, tal como encontraremos nas sociedades modernas.

    Sendo consideradas como agentes da barbrie cultural, os meios de comunicao,

    veculos que propagam essa ideologia, provocando influncias nefastas com seu incrvel

    poder de massificar, atuam desta forma sobre a liberdade individual, pois jamais encorajam

    o esprito crtico. As idias de ordem que ela inculca so sempre as do status quo, ou seja,

    so sempre aceitas sem objeo, sem anlise por parte daqueles adeptos ao sistema.

    A Dialtica do Esclarecimento sintetiza de forma exemplar esta filosofia da

    histria que procura entender a racionalidade como esprito de previsibilidade, de

    uniformizao e estandardizao das conscincias. O Ensaio se afasta dos diagnsticos

    anteriores, calcados sobre o fascismo, integra uma compreenso da histria mais

    abrangente, e o que mais importante, escrito na dcada de 40, tomando-se em

    considerao o contacto dos autores com a sociedade americana, sem contar que nele que

    pela primeira vez se fala em indstria cultural, conceito que sintetiza a crtica da cultura de

    massa nas sociedades modernas.

    Segundo Ortiz, em seu artigo A Escola de Frankfurt e a Questo da Cultura,

    pode-se afirmar que existe um conceito de iluminismo particular aos frankfurtianos, e que

    ele no coincide com a anlise da histria da poca. Nele podemos distinguir alguns nveis

    de significao: a) trata-se de um saber cuja essncia a tcnica; b) promove a dimenso

    de calculabilidade e da utilidade; c) erradica do mundo a dimenso do gratuito (arte); d)

    uma nova forma de dominao. O conhecimento manipulatrio pressupe uma tcnica e

    uma previsibilidade que possa controlar de antemo o comportamento social. Para eles, o

    mundo pode ser pensado como uma srie de variveis que integram um sistema nico. A

    possibilidade de controle se vincula capacidade que o sistema possui de eliminar as

  • 6

    diferenas, reduzindo-as ao mesmo denominador comum, o que garantiria a previsibilidade

    das manifestaes sociais.

    Horkheimer, Adorno e Marcuse e os outros tericos dessa linha de pensamento

    referiram-se com o termo indstria cultural converso da cultura em mercadoria,

    rendendo-se assim ao processo de subordinao da conscincia racionalidade capitalista,

    em outras palavras, a expresso designa um prtica social, atravs da qual a produo

    cultural e intelectual passa a ser orientada em funo de sua possibilidade de consumo no

    mercado. O capitalismo rompeu com os limites da economia e penetrou no campo da

    formao da conscincia, convertendo os bens culturais em mercadoria.

    Os meios de comunicao inserem-se no contexto da indstria cultural, pois so os

    agentes propagadores dessas ideologias prprias das classes dominantes, subjugando as

    classes populares (subalternas) pela persuaso ou pela pura e simples manipulao, j que

    jamais encorajam o exerccio do esprito crtico. As mdias teriam o poder de incutir idias

    para a cabea de seus espectadores, criando um sistema de vida cada vez mais desiludido e

    desencantado. A conscincia dos consumidores est cindida entre o gracejo regulamentar, que lhe prescreve a indstria cultural, e uma nem mesmo muito oculta dvida de seus benefcios. A idia de que o mundo quer ser enganado tornou-se mais verdadeira do que, sem dvida, jamais pretendeu ser. No somente os homens caem no logro, como se diz, desde que isso lhes d uma satisfao, por mais fugaz que seja, como tambm desejam essa impostura que eles prprios entrevem; esforando por fecharem os olhos e aprovam, num espcie de auto-desprezo, aquilo que lhes ocorre e do qual sabem por que fabricado. Sem o confessar, pressentem que suas vidas se lhes tornam intolirveis to logo no mais se agarrem a satisfaes que, na realidade, no o so. (Adorno apud Cohn, 1975, p.96).

    Com esse aspecto convm observar que o principal no est no contedo dos

    meios, mas no fato de as pessoas estarem ligados a eles como bens de consumo. Para

    Adorno, os momentos de lazer do homem moderno so momentos em que preenche sua

    conscincia de maneira coisificada. As mensagens que a televiso, o rdio, o cinema, e

    agora os computadores veiculam deveria ser muito menos importantes do que a

    preocupao com o fato de que as pessoas se sentem obrigadas a passar o seu tempo livre

    em sua companhia. A prtica da indstria cultual segue a linha de fazer a menor

    resistncia, no desejando mudar as pessoas ou dar condies para que faam isso.

    No se pode falar hoje em indstria cultural ou cultura de massa, sem mencionar a

    presena dos meios de comunicao, mas para que ela exista no se faz necessria a

    presena destes meios. A Cultura de Massa, de acordo com Teixeira Coelho, em seu livro

  • 7

    O que indstria cultural (1981), surge com a presena dos jornais e de produtos como

    o romance e o folhetim, arte fcil que servia de esquemas simplificados para traar um

    quadro da vida da poca, podendo-se comparar s novelas de hoje; fato que caracteriza o

    folhetim pertencer cultura de massa o fato do mesmo no ser feito por aqueles que o

    consomem. Para ele no se pode falar em indstria cultural em um perodo anterior ao da

    Revoluo Industrial (sculo XVIII), pois esse perodo marca seu incio, entretanto no

    configura propriamente a indstria cultural tal como conhecemos. necessrio acrescentar

    a esse quadro a existncia de uma economia de mercado, ou seja, uma economia baseado

    no consumo de bens (sociedade de consumo) que s verificada a partir do sculo XIX,

    especificamente em sua segunda metade. Seu momento de estabelecimento real no sculo

    XX, onde o capitalismo de organizao (ou monopolista) cria as condies para uma

    efetiva sociedade de consumo, cimentada por veculos de comunicao em massa.

    Em relao cultura o que os frankfurtianos argumentam atravs de seus estudos

    nos Estados Unidos que a cultura de massa no arte; a funo da indstria cultural seria

    narcotizante. Ela se realizaria como entretenimento; o pblico, ao se divertir, seria captado

    pelo fetichismo do produto, se afastando de qualquer atitude reflexiva. A crtica da cultura

    proposta por Adorno e os outros pensadores levam em conta as transformaes que

    ocorrem com o capitalismo avanado. Adorno dir que ela deve considerar os seguintes

    pontos: a) vivemos numa sociedade de mercadorias; b) existe uma tendncia para a

    concentrao de capital, o que significa a produo de bens padronizados; c) por um lado a

    padronizao segue as condies da economia contempornea, por outro ela um modo de

    preservar a sociedade de mercadorias; d) os antagonismos no mais se limitam esfera

    cultural. A indstria cultural aparece, portanto, como uma fbrica de bens culturais que so

    comercializados a partir de seu valor de troca. Na cultura, os bens culturais so feitos em

    grande nmero, passando no a ser visto como forma de crtica e conhecimento, ao

    contrrio, so feitas para atender gostos e necessidades gostos mdios de um pblico que

    no tem tempo de questionar o que consome , pois o que prevalece a audincia.

    Coelho aponta elementos fundamentais para que exista a cultua de massa:

    revoluo industrial capitalismo liberal economia de mercado sociedade de

    consumo cultura de massa (alienao e reificao).

    O termo cultura de massa ser usado, portando, para designar produtos culturais

    fabricados somente para um mercado de massa, pois tende estandardizao, j que almeja

    a agradar ao gosto mdio de uma audincia indiferenciada. Desta forma, os gostos comuns

  • 8

    do forma cultura de massa e impedem a formao de indivduos autnomos,

    independentes e incapazes de julgar e decidir criticamente sobre si e a sociedade, causando

    assim um processo de indiferenciao e padronizao social.

    Alguns aspectos negativos da Teoria Crtica da Escola de Frankfurt:

    Os opositores da Teoria Crtica acusaram-na de desenvolver apenas especulao

    filosfica, de apriorismo poltico sobre os mass media, pecando por falta de confrontao

    experimental ou emprica das teorias com a realidade. Neste particular, as principais

    acusaes foram relativas falta ou ausncia de anlise individual dos meios nas suas

    caractersticas. Apenas Adorno ainda desenvolveu alguma pesquisa neste sentido, ainda

    que no abandonasse o estilo terico, nomeadamente em relao televiso. Esta crtica

    foi desenvolvida, principalmente, nos Estados Unidos, onde a denominada pesquisa

    administrativa, liderada por Lazarsfeld um dos principais crticos da Escola de Frankfurt

    predominava, sobretudo, na observao experimental das realidades estudadas.

    J tendo como ponto de referncia as sociedades atuais, um aspecto negativo que

    aponta-se Teoria Crtica prende-se com o pressuposto de Adorno e Horkheimer, que as

    indstrias culturais promoveriam as assimetrias sociais, isto , as classes, de forma

    ideolgica. O tempo nos mostrou que a tendncia defendida pelos dois autores no linear.

    Em primeiro lugar, as sociedades atuais pautam-se cada vez menos pelo binmio marxista

    do patronato e do proletariado e a ideologia a atuar manifesta-se na esfera cultural das

    etnias e do multiculturalismo.

    Em segundo lugar, os contedos culturais da indstria cultural vieram provar

    vrias vezes a possibilidade de criao de espaos de referncia para uma socializao

    democrtica, nomeadamente em iniciativas de empenho cvico por parte dos media, e de

    outros para afirmao das identidades. J no que toca aos produtos artsticos e culturais

    apontados como ameaas capacidade crtica das sociedades, nos quais se destacavam o

    cinema, a rdio ou a fotografia.

    A possibilidade de reproduo tcnica, os formatos mecnicos ou a difuso em

    massa eram vistos como partes de um processo de desumanizao e desvalorizao da arte.

    Se a cultura e a arte eram direcionadas para as massas, ento perdiam valor. Os autores da

    Teoria Crtica viram-se como que inibidos de conhecer melhor essas novas formas

    emergentes e analis-las empiricamente nas suas caractersticas particulares e artsticas. A

  • 9

    construo de uma viso reificada e homogeneizada dos produtos culturais no deixa de

    esconder certa presuno elitista. Por outro lado, a histria das manifestaes culturais e

    artsticas do sculo XX permitiu conhecer melhor as novas formas artsticas e culturais,

    como o cinema, a fotografia e o jazz, hoje despojadas da conotao inicial de no artsticas

    e mecnicas.

    Mais um ponto que pode ser contestado em relao ao pensamento da Escola de

    Frankfurt o restrito entendimento que se tinham dos efeitos dos mass media naquela

    poca, isto , a sua viso simplificada dos processos de recepo de contedos culturais e

    artsticos veiculados pelos meios de comunicao. Para os autores da Teoria Crtica, os

    produtos das indstrias culturais tm um efeito diretivo e imediato na manipulao das

    massas para fins ideolgicos, mais precisamente, em funo da preservao do regime e do

    pensamento da classe dominante. Assim, os contedos emitidos seriam enformados em

    mensagens ideolgicas, as quais os indivduos, altamente reduzidos na autonomia e

    capacidade crtica, reagiam como estmulos (Teoria da Agulha Hipodrmica). Essa

    perspectiva unificadora e homogeneizante, situa-seem um nvel muito primrio da anlise

    dos efeitos dos media. Como argumenta Pissarra, mais que nunca, hoje em dia esta tese apresenta-se inaceitvel tendo em conta a experincia cultural de um debate vivo e das discusses intensas em torno dos media, que do a ver um espao de comunicao profundamente agonstico, onde se confrontam no apenas experincias simblicas divergentes ao nvel da recepo dos bens culturais, como tambm ao nvel dos usos e utilizaes dos media (mobilizadoras de formas originais de sociabilidade e de agregao dos indivduos).(ESTEVES, 1995).

    Estas novas experincias de produo e recepo dos bens culturais esto

    associadas no apenas s novas mdias emergentes, como: as novas tecnologias televisivas,

    a radiodifuso direta e, hoje, a informtica e todas as suas potencialidades que ainda no

    foram despertadas, sem contar, tambm, os media eletrnicos convencionais6

    Chama-se ps-modernidade a um conjunto de fenmenos sociais, culturais,

    artsticos e polticos que tem lugar na sociedade ps-industrial, nas ltimas duas dcadas

    do sculo XX. Composta pelo intenso fluxo de informao e o tratamento automticos de

    , que so

    objeto das mais variadas reapropriaes simblicas.

    Ps-Modernidade e uma nova perspectiva para a Teoria Crtica

    6 Telefones cellares, Ipod, mps entre outros.

  • 10

    dados, estas esto para o novo tempo em que vivemos assim como a urbanizao, a

    mecanizao do cotidiano e o incrvel ascenso dos meios de comunicao esto para a

    modernidade. O aceleramento da produo tecnolgica e a multiplicao de produtos de

    alta tecnologia expandiram mercados, estenderam o consumo de bens e reforaram a

    concentrao do capital em gigantescos conglomerados, verdadeiros imprios da

    comunicao, que tem como finalidade precpua a difuso coletiva como sua prpria razo

    de ser.

    O espectador ou telespectador desde mundo mediado por imagens se sente perdido

    neste labirinto. O ser humano deste novo tempo habita um mundo construdo por efeitos

    de representao, as imagens passam a valer por si s e no mais por aquilo que deveriam

    representar, como explanara Jean Baudrillard (1981) em seu livro Simulacros e

    Simulaes, a cpia prefervel ao original. Para Baudrillard simular a realidade por meios

    de imagens significa eliminar toda diferena existente entre o que real e imaginrio, um

    simulacro atua de forma a intensificar a realidade, criando e passando a propor assim a

    existncia de um mundo hiperreal e espetacularizado, ou seja, cria uma realidade mais

    sedutora do que a dura realidade de fato.

    Neste novo horizonte as ideologias perderam prestgio, e o futuro abateu-se sobre o

    presente, liquidando com as utopias, a comunicao e a cultura foram desterritorializadas,

    no h mais busca por essncias ocultas, como assinalava Benjamin a obra de arte perdera

    a sua aura, as grandes narrativas atraem pouca ateno, as teorias e o sistema explicativo

    parecem no ter mais razo de ser nem de estar a, decretado o fim da histria como

    afirma (F. Fukuyama apud Polistchuck, 2003).

    na ps-modernidade que os meios de comunicao, potencializados em sua

    capacidade por tecnologias eletroeletrnicas de ponta, se converteram em espaos de

    mise-em-sne, o aparato miditico de montagem (em sentido cinematogrfico) e a

    dramatizao veiculadas por esses meios imprimem s mensagens contornos espetaculares,

    este domnio da comunicao, afeta diretamente a arte e norteia a produo cultural.

    Adorno j na dcada de 60 preocupava se com os aspectos tcnicos, sociais e

    artsticos dos meios de comunicao (televiso), segundo ele, este meio de comunicao

    insere-se no mbito do esquema da indstria cultural, e enquanto compilao, de filme e

    rdio, leva adiante a tendncia daquela no sentido de cercar e capturar a conscincia do

    pblico por todos os lados e para isso utiliza-se do espetculo.

  • 11

    A televiso preenche as lacunas que ainda restavam para a existncia privada antes

    da indstria cultural, enquanto esta ainda no dominava a dimenso do visvel em todos

    seus pontos. Os veculos da indstria cultural se articulam de tal forma que no h espao

    entre elas para que qualquer reflexo possa tomar ar e perceber que o mundo no o

    mundo real e sim um mundo simulado.

    A tev age neste sentido de no mais ir alm de si prprio em suas formas de

    conscincia, mas sim de reforar, tenazmente o status quo, isso por que a televiso

    cooptada e patrocinada pelo sistema capitalista que tautolgicamente volta-se a si mesmo.

    Sempre que ele aparece ameaado, este tem a funo de reconstru-lo e reiter-lo. A tenso

    sob a qual as pessoas vivem cresceu de tal maneira, que elas no mais suportariam viver

    sem as realizaes adaptativas que uma vez conseguiram obter pelas imagens exibidas e

    reapresentadas de forma sempre nova. nesse contexto que surge o conceito de sociedade

    do espetculo, elaborado por Guy Debord, na dcada de 60 e que s pode ser

    compreendido se levado em considerao seus vnculos com a teoria crtica da sociedade

    capitalista e perspectiva Frankfurtiana sobre os meios de comunicao.

    A Sociedade do Espetculo assim com a teoria crtica busca atravs de conceitos

    histricos compreender a realidade de determinado perodo histrico. A sociedade do

    espetculo uma tentativa de compreenso das caractersticas de uma fase especfica da

    sociedade capitalista e no pode ser confundido ou substitudo pelo conceito de sociedade

    capitalista, termo mais abrangente para designar a realidade social vivenciada na

    contemporaneidade. Entretanto, dessa maneira que muitas vezes este conceito vem sendo

    utilizado, perdendo assim a sua dimenso crtica presente na concepo original de

    Debord. Algo semelhante ocorreu com o conceito de indstria cultural elaborado por

    Adorno e Horkheimer que foi incorporado aos estudos comunicacionais, e prpria

    linguagem dos veculos de comunicao, como um termo meramente descritivo que

    contataria a existncia de uma realidade inquestionvel e cada vez mais vista de forma

    positiva.

    O espetculo transforma-se em um elemento articulador, estabelece mediaes

    entre as varias dimenses da realidade social capitalista. Os medias utilizam as imagens

    para mediar as relaes sociais de produo, de troca e de consumo. Desta forma pode-se

    ver que Debord busca a compreenso de um momento especfico da histria da sociedade

    capitalista, onde a lgica mercantil est presente sem todas as dimenses da vida social

    assim como o projeto Frankfurtiano.

  • 12

    Como possvel notar a perspectiva do pensamento da Escola de Frankfurt ainda

    se faz presente, na ps-modernidade, seja atravs da maneira crtica de ver e perceber o

    mundo, como no conceito de sociedade do espetculo de Debord ou na viso de

    Baudrillard, atravs da dicotomia entre apocalpticos e integrados, ou at mesmo como

    forma de negao a ela. A Teoria Crtica ainda permanece em voga, ela se tornou

    fundamental para entender como se d as relaes sociais, culturais e artsticas na

    sociedade capitalista contempornea.

    Referncias Bibliogrficas

    ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialtica do esclarecimento. Rio de Janeiro: Zarar, 1985. BOURDIEU, Pierre. Disntino: A crtica social do julgamento. So Paulo: Edusp; Porto Alegre, RS: Zouk, 2007. 560p. COELHO, Teixiera. O que indstria cultural? Coleo primeiros passos. Editora brasiliense, 1981. COHN, Gabriel, (org). Comunicao e Indstria Cultural. So Paulo, Ed Nacional,1975. ESTEVES, Joo Pissarra. Questes polticas acerca da Teoria Crtica: A Indstria Cultural. UFABa/FC, So Salvador da Baa, a995. GUIDDENS, Anthony. Sociologia. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2005. MARCUSE, Herbert. A Ideologia da Sociedade Industrial. Rio de Janeiro, Zahar. 1982. LOUREIRO, Isabel. Entrevista com Alex Demirovich. Scielo. Disponvel em: . Acesso em: 24 de out. 2009. ORTIZ, Renato. A Escola de Frankfurt e a Questo da Cultura. Disponvel em . Acesso em: 25 de out. 2009. POLISTCHUCK, ILana. Teorias da comunicao: o pensamento e a prtica do jornalismo/ Ilana Polistchuck, Aluzio Ramos Trinta. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003. SALGADO, Gilberto. B. Introduo Escola de Frankfurt. (Graduao em Cincias Sociais). 1988. Universidade Federal de Juiz de Fora. THOMPSON, Jhon B. Ideologia e Cultura Moderna. Vozes, Petrpoles, 1990. COELHO, Cludio. N .P e CASTRO. Valdir. J (org). Comunicao e Sociedade do Espetculo. Paulus, So Paulo, 2006.