teologia da imagem

5
A pintura. Vol. 2: A teologia da imagem e o estatuto da pintura "Compreender a imagem em sua função simbólica equivale, em primeiro lugar, a se representar, por meio do que hoje chamamos de estética, as complexas relações entre as artes e a teologia católica." (p.10) Enraizada no neoplatonismo e no Evangelho segundo São João, essa concepção de luz é tão essencial que permeia todo pensamento medieval, inclusive as artes figurativas. Tanto em vitrais e iluminuras como em afrescos e objetos litúrgicos, a luz emana das cores, já que ela é, segundo a maioria dos teóricos, uma propriedade da cor. Ela é, além disso´ a expressão mais perfeita da divindade. Daí o caráter simbólico de cada cor, perceptível nas obras plásticas e nos textos místicos ou literários. (p.11- 12) Na obra, De trinitate, santo Agostinho se dedica ao problema da imagem, renovando as teorias neoplatônicas. A vontade de captar e expressar as realidades invisíveis estimula a invenção de vários sistemas simbólicos. Daí a importância da alegoria e das personificações, que representam as ideias mais abstratas por meio de figuras sensíveis que dominam a arte europeia até o século XVIII. Dionísio Aeropagita insiste na importância do papel das imagens e dos símbolos como mediadores no quadro do nosso conhecimento do mundo e das realidades celestes. É por meio do uso que fazemos da imagem, multiplicando as analogias e as semelhanças, que podemos expressar nossa relação com Deus, reencontrando sua verdadeira luz. (pp.17-18)

Upload: teterenata

Post on 22-Dec-2015

214 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

teologia da imagem

TRANSCRIPT

Page 1: Teologia Da Imagem

A pintura. Vol. 2: A teologia da imagem e o estatuto da pintura

"Compreender a imagem em sua função simbólica equivale, em primeiro lugar, a

se representar, por meio do que hoje chamamos de estética, as complexas relações

entre as artes e a teologia católica." (p.10)

Enraizada no neoplatonismo e no Evangelho segundo São João, essa

concepção de luz é tão essencial que permeia todo pensamento medieval, inclusive as

artes figurativas. Tanto em vitrais e iluminuras como em afrescos e objetos litúrgicos, a

luz emana das cores, já que ela é, segundo a maioria dos teóricos, uma propriedade da

cor. Ela é, além disso´ a expressão mais perfeita da divindade. Daí o caráter simbólico

de cada cor, perceptível nas obras plásticas e nos textos místicos ou literários. (p.11-12)

Na obra, De trinitate, santo Agostinho se dedica ao problema da imagem,

renovando as teorias neoplatônicas.

A vontade de captar e expressar as realidades invisíveis estimula a invenção de

vários sistemas simbólicos. Daí a importância da alegoria e das personificações, que

representam as ideias mais abstratas por meio de figuras sensíveis que dominam a arte

europeia até o século XVIII.

Dionísio Aeropagita insiste na importância do papel das imagens e dos símbolos

como mediadores no quadro do nosso conhecimento do mundo e das realidades

celestes. É por meio do uso que fazemos da imagem, multiplicando as analogias e as

semelhanças, que podemos expressar nossa relação com Deus, reencontrando sua

verdadeira luz. (pp.17-18)

Já o discurso de João Damasceno sobre as imagens foi antes de mais nada um

texto de circunstância. Em 730, o decreto de Leão III proibindo os ícones suscitou novas

reflexões sore a função da imagem. O imperador bizantino tinha tomado essa decisão

para impedir os movimentos de idolatria que cresciam devido ao culto das imagens.

João Damasceno defendia que a imagem de Cristo, longe de ser mera representação

pintada, participa intimamente da encarnação. Isso significa que, de certa maneira, a

imagem na sua materialidade não é fundamentalmente diferente da imagem tal como

esta existe em Deus como protótipo. Somente a natureza divina, segundo ele, é

irredutível a toda figuração, "incircunscritível", porque Deus é incorpóreo. (p.26)

A argumentação que Damasceno desenvolve é um dos pontos altos da

especulação oriental sobre a imagem. Ela será retomada e analisada, em particular, por

Tomás de Aquino na Suma Teológica.

Page 2: Teologia Da Imagem

Damasceno afirma: "uma imagem é uma semelhança feita a partir de um modelo

com o qual e para o qual difere em algumas coisas, pois certamente não identifica-se

completamente com o arquétipo." (p.32) Assim, uma imagem é uma semelhança, um

exemplo ou uma figura, e traz em si mesma aquilo que representa. No entanto, a

imagem não representa o modelo em todos os seus aspectos. (p.39) Toda imagem

revela aquilo que está oculto, por exemplo, o que é invisível. Assim, as imagens foram

concebidas para tornar acessíveis as coisas ocultas.

Existem diferentes tipos de imagens, diz João Damasceno, o primeiro tipo é a

imagem natural. "Em todas as coisas deve existir, antes de tudo, aquilo que nelas foi

determinado naturalmente e, depois, o que se estabelece como relação e como

imitação. Assim, por exemplo, deve existir primeiro o homem segundo sua própria

natureza, depois segundo sua relação e imitação. Concordantemente, a primeira

imagem natural do Deus invisível e imutável é o Filho, que em si mesmo revela o Pai."

(p.40)

O segundo tipo de imagem é aquela das coisas que estão em Deus. "O segundo

tipo de imagem diz respeito às imagens das coisas vindouras que permanecem na

concepção de Deus, que as leva a efeito através das eras segundo seu desígnio

eterno." (p.41)

O terceiro tipo de imagem é o homem como imagem de Deus. Refere-se às

imagens criadas por Deus, isto é, o homem. (p.41-42)

O quarto tipo de imagens são os símbolos. Feitas de imagens de coisas

invisíveis que desejamos ver, mas não podemos. (pp.42-43)

O quinto tipo de imagem é a prefiguração das coisas futuras. "O quinto tipo de

imagem é a imagem que prefigura e preconiza as coisas vindouras: como, por exemplo,

o espinheiro (Ex 3,2), a águia que escorre do velo (Jz 6,38), a Virgem, a urna, o cajado,

o cântaro e a serpente, símbolo daqueles que por meio da Cruz foram purificados da

mordida da serpente, Mal arquetípico, ou o mar, a água e o fluxo do espírito batismal."

(p.43)

O sexto tipo de imagem é a memorial. É aquele em que a imagem é feita para

lembrar as coisas passadas. (p.43)

"Os anjos, a alma e os demônios, ainda que não tenham forma e sejam

intangíveis, podem ser representados segundo suas próprias naturezas que a nós

parecem visíveis e com contornos definidos - pois todos eles são, de fato, seres

dotados de intelecto (nous) e, no intelecto, estão presentes, agindo aí intelectualmente -

Page 3: Teologia Da Imagem

podem, assim, serem perfeitamente representados (...) A natureza divina não pode,

sem dúvida, ser circunscrita. Ela é única e completamente sem forma ou figura, sendo

ainda imutável, mesmo se as Escrituras Sagradas parecem circunscrever a Deus em

uma forma corporal, a fim de que uma forma se visível, mesmo essas formas são

verdadeiramente incorpóreas. (...) Em verdade, sabemos que nem a Deus, nem a um

demônio é possível discernir sua natureza física. Mas, em suas formas transformadas,

digamos assim, é possível intuí-las, pois a providência divina reveste suas

incorporalidades e invisibilidades de um envoltório corporal e visível (...) Pois a natureza

de Deus é absolutamente incorpórea. Um anjo, uma alma, um demônio, quando

comparados a Deus (único incomparável), são corpóreos. Não querendo Deus que na

ignorância completa dos seres incorporais residíssemos, ele as circunscreveu de

formas, de figuras e contornos, segundo uma analogia com nossa própria natureza (...).

(p.44-45)

São Boaventura retoma a tese da imagem pintada vista como "Bíblia dos

iletrados". Volta ao velho argumento segundo o qual a imagem impressiona mais

facilmente o espírito do que a palavra. Mais interessante é a observação de que a

representação não exige uma "garantia textual", ou seja, a imagem pintada não se limita

a ser a tradução do Verbo. A pintura é produtora de figuras próprias, extraindo as

formas do seu próprio fundo. (p.47)

Santo Tomás de Aquino reforça que as imagens têm uma função determinada:

"para que por meio de imagens desse tipo se grave e se fortaleça nas mentes dos

homens a fé na excelência dos anjos e dos santos." (pp.52-53) Assim, uma imagem de

Cristo deve ser adorada com uma adoração de latria, "não por causa da imagem em si,

mas por causa da coisa de que ela é a imagem". (p.55) Porque ela representa o Cristo,

que é adorado com uma adoração de latria, a imagem deste deve ser tratada com tal.