tendências do mercado cafeeiro

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AGRO PECUÁRIO ESTADO DE MINAS S E G U N D A - F E I R A , 2 D E J A N E I R O D E 2 0 0 6 2 ARTIGO Tendências do mercado cafeeiro MARA LUIZA GONÇALVES FREITAS Especialista em cafeicultura empresarial e mestre em administração (Ufla) [email protected] Estudos realizados pelo Banco Mundial e pelos principais agen- tes institucionais no mundo e no Brasil e discussões realizadas du- rante a 2ª Conferência Mundial do Café definem claramente que o mercado cafeeiro passará per- to da qualidade tanto dos seg- mentos voltados para a produ- ção de cafés diferenciados com quantidade, quanto daqueles voltados para a produção de ca- fés diferenciados com especifici- dade. Ambas vertentes condu- zem à tomada de ações impor- tantes, principalmente no nível do produtor, que precisa reade- quar-se às chamadas boas práti- cas de produção (preliminar- mente), para atender o novo mercado que ora se configura. Qualidade é um fator deter- minante para a sobrevivência e é uma condição irreversível para competitividade no mercado. Contudo, parece que esta realida- de para muitos ainda apresenta- se como uma fronteira distante, principalmente quando lida-se com processos de certificação. Ao passo que a certificação diferen- cia e atesta qualidade do proces- so, ela torna-se excludente pelo seu custo de acesso. Infelizmen- te, o cenário que se desenha mais à frente para a maioria é o de ex- clusão, ante a convergência do mercado para as normas interna- cionais voltadas à produção de cafés de altíssima qualidade. Cafés diferenciados, produzi- dos dentro de normas que pre- servem a sanidade e rastreabili- dade dos grãos são uma exigên- cia cada vez maior dos consumi- dores que, sem dúvida, já mobi- lizam a indústria de café, espe- cialmente a nacional, que real- mente são os grandes comprado- res de todo o café produzido no mundo. Não coordenam a ca- deia, apenas seguem as tendên- cias de mercado ditadas por con- sumidores que cada vez mais de- têm informações e anseiam por produtos saudáveis que mante- nham sua qualidade de vida. Por outro lado, lidamos com o investimento limitado em ma- rketing de origem e respectiva- mente com o problema de forma- ção de preços que muitas vezes também engessa o desenvolvi- mento de uma forma mais inten- siva deste foco na qualidade na la- voura. Sem recurso, não há inves- timento, nem acesso a crédito (dispensando aqui comentários sobre as taxas de juros do país). Faltou marketing no passado e continua faltando. Não temos um rosto e nem um Juan Valdez para dizer quem somos e o que de fato produzimos. Nosso posi- cionamento não é agressivo co- mo o dos centro-americanos e dos colombianos. Cita-se como exemplo mais recente a avalia- ção da instalação de uma cafete- ria com a marca Juan Valdez no Brasil, pela Federação dos Cafei- cultores da Colômbia. De quem é a culpa desse atestado de incom- petência nacional? Do extinto Instituto Brasileiro do Café, dos agentes institucionais, da políti- ca cafeeira que ainda não se en- controu mas já está fazendo al- guma coisa, da perda da repre- sentatividade da cafeicultura no contexto de formação da balan- ça comercial nacional nas últi- mas quatro décadas ou de cada um de nós que fica a espera que o outro faça pela gente? Um bom marketing institu- cional de origem é formado por um conjunto de atributos e que no caso do café, supera a frontei- ra da qualidade do grão em si. Depende de certas chancelas in- ternacionais, como por exem- plo o reconhecimento da ori- gem. Há um pouco mais de sete décadas que o Brasil tenta o re- conhecimento do café brasileiro como origem no contrato “C” negociado na Bolsa de Nova York, sem êxito. Sem este reco- nhecimento, o café nacional continuará a ser submetido às oscilações de preço negociados em bolsa. Essas oscilações de- pendem da formação dos nú- meros relacionados à previsão de safra, oferta e o consumo mundial, bianualidade, existên- cia ou não de fatores climáticos e a contínua ação de investido- res e fundos de pensão, os quais comumente contrariam as aná- lises técnicas. 2006 neste aspec- to, pelo menos promete ser um ano que deixará o cafeicultor mais feliz, considerando que as projeções de preço são otimis- tas, ante a possível escassez de café que vem se delineando no mercado internacional: consu- mo mundial de 118 milhões de sacas, contra uma produção mundial estimada em 105 mi- lhões (dados da Organização In- ternacional do Café, 2005). Em função disso, hoje fala-se em renovação do parque nacio- nal como forma a garantir a per- manência brasileira no curto prazo, como principal país pro- dutor e fornecedor de café no mundo. Fica o recado para que esta renovação dê-se dentro de um foco estratégico voltado à qualidade. Basta observarmos as mudanças profundas que vem sendo promovidas no mercado brasileiro pela indústria e setor de serviços. Não plantemos por plantar, porque é certo que essa demanda uma hora se estabili- zará novamente e o excedente de oferta gerará mais instabili- dade de preços também, ainda que o lastro de consumo que vem sendo desenvolvido no Brasil – 21 milhões de sacas até 2010 se confirme. E o problema mais uma vez ficará nas mãos do produtor, se faltar o tal olhar estratégico. É o que a história da cafeicultura nacional conta. Poder-se-ia ir além nas refle- xões, mas concentremo-nos nes- tas aqui postas, em razão do seu impacto e relevância para os no- vos rumos da cafeicultura brasi- leira. Que a partir delas, seja pos- sível a ação necessária para que nos adequemos ao novo cenário, sem mais uma vez deixar que o trem da história e do mundo dos negócios nos ultrapasse nova- mente. Reflitamos e olhemos pa- ra frente, deslumbrando um fu- turo grandioso e bem-sucedido. Cafés diferenciados, produzidos dentro de normas de qualidade, são exigência cada vez maior do consumidor JAIR AMARAL c m y k CYAN MAGENTA AM

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Artigo publicado no Jornal O Estado de Minas em 02 de janeiro de 2006.

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Page 1: Tendências do mercado cafeeiro

A G R O P E C U Á R I O

E S T A D O D E M I N A S ● S E G U N D A - F E I R A , 2 D E J A N E I R O D E 2 0 0 6

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AARRTTIIGGOO

Tendências do mercado cafeeiroMARA LUIZA GONÇALVES FREITAS

Especialista em cafeicultura empresarial

e mestre em administração (Ufla)

[email protected]

Estudos realizados pelo BancoMundial e pelos principais agen-tes institucionais no mundo e noBrasil e discussões realizadas du-rante a 2ª Conferência Mundialdo Café definem claramente queo mercado cafeeiro passará per-to da qualidade tanto dos seg-mentos voltados para a produ-ção de cafés diferenciados comquantidade, quanto daquelesvoltados para a produção de ca-fés diferenciados com especifici-dade. Ambas vertentes condu-zem à tomada de ações impor-tantes, principalmente no níveldo produtor, que precisa reade-quar-se às chamadas boas práti-cas de produção (preliminar-mente), para atender o novomercado que ora se configura.

Qualidade é um fator deter-minante para a sobrevivência e éuma condição irreversível paracompetitividade no mercado.Contudo, parece que esta realida-de para muitos ainda apresenta-se como uma fronteira distante,principalmente quando lida-secom processos de certificação. Aopasso que a certificação diferen-

cia e atesta qualidade do proces-so, ela torna-se excludente peloseu custo de acesso. Infelizmen-te, o cenário que se desenha maisà frente para a maioria é o de ex-clusão, ante a convergência domercado para as normas interna-cionais voltadas à produção decafés de altíssima qualidade.

Cafés diferenciados, produzi-dos dentro de normas que pre-servem a sanidade e rastreabili-dade dos grãos são uma exigên-cia cada vez maior dos consumi-dores que, sem dúvida, já mobi-lizam a indústria de café, espe-cialmente a nacional, que real-mente são os grandes comprado-res de todo o café produzido nomundo. Não coordenam a ca-deia, apenas seguem as tendên-cias de mercado ditadas por con-sumidores que cada vez mais de-têm informações e anseiam porprodutos saudáveis que mante-nham sua qualidade de vida.

Por outro lado, lidamos com oinvestimento limitado em ma-rketing de origem e respectiva-mente com o problema de forma-ção de preços que muitas vezestambém engessa o desenvolvi-mento de uma forma mais inten-siva deste foco na qualidade na la-voura. Sem recurso, não há inves-timento, nem acesso a crédito(dispensando aqui comentáriossobre as taxas de juros do país).

Faltou marketing no passadoe continua faltando. Não temosum rosto e nem um Juan Valdezpara dizer quem somos e o quede fato produzimos. Nosso posi-cionamento não é agressivo co-mo o dos centro-americanos e

dos colombianos. Cita-se comoexemplo mais recente a avalia-ção da instalação de uma cafete-ria com a marca Juan Valdez noBrasil, pela Federação dos Cafei-cultores da Colômbia. De quem éa culpa desse atestado de incom-petência nacional? Do extintoInstituto Brasileiro do Café, dosagentes institucionais, da políti-ca cafeeira que ainda não se en-controu mas já está fazendo al-guma coisa, da perda da repre-sentatividade da cafeicultura nocontexto de formação da balan-ça comercial nacional nas últi-mas quatro décadas ou de cadaum de nós que fica a espera queo outro faça pela gente?

Um bom marketing institu-cional de origem é formado porum conjunto de atributos e queno caso do café, supera a frontei-ra da qualidade do grão em si.Depende de certas chancelas in-ternacionais, como por exem-plo o reconhecimento da ori-gem. Há um pouco mais de setedécadas que o Brasil tenta o re-conhecimento do café brasileirocomo origem no contrato “C”negociado na Bolsa de NovaYork, sem êxito. Sem este reco-nhecimento, o café nacionalcontinuará a ser submetido àsoscilações de preço negociados

em bolsa. Essas oscilações de-pendem da formação dos nú-meros relacionados à previsãode safra, oferta e o consumomundial, bianualidade, existên-cia ou não de fatores climáticose a contínua ação de investido-res e fundos de pensão, os quaiscomumente contrariam as aná-lises técnicas. 2006 neste aspec-to, pelo menos promete ser umano que deixará o cafeicultormais feliz, considerando que asprojeções de preço são otimis-tas, ante a possível escassez decafé que vem se delineando nomercado internacional: consu-mo mundial de 118 milhões desacas, contra uma produçãomundial estimada em 105 mi-lhões (dados da Organização In-ternacional do Café, 2005).

Em função disso, hoje fala-seem renovação do parque nacio-nal como forma a garantir a per-manência brasileira no curtoprazo, como principal país pro-dutor e fornecedor de café nomundo. Fica o recado para queesta renovação dê-se dentro deum foco estratégico voltado àqualidade. Basta observarmos asmudanças profundas que vemsendo promovidas no mercadobrasileiro pela indústria e setorde serviços. Não plantemos porplantar, porque é certo que essademanda uma hora se estabili-zará novamente e o excedentede oferta gerará mais instabili-dade de preços também, aindaque o lastro de consumo quevem sendo desenvolvido noBrasil – 21 milhões de sacas até2010 se confirme. E o problemamais uma vez ficará nas mãosdo produtor, se faltar o tal olharestratégico. É o que a história dacafeicultura nacional conta.

Poder-se-ia ir além nas refle-xões, mas concentremo-nos nes-tas aqui postas, em razão do seuimpacto e relevância para os no-vos rumos da cafeicultura brasi-leira. Que a partir delas, seja pos-sível a ação necessária para quenos adequemos ao novo cenário,sem mais uma vez deixar que otrem da história e do mundo dosnegócios nos ultrapasse nova-mente. Reflitamos e olhemos pa-ra frente, deslumbrando um fu-turo grandioso e bem-sucedido.

Cafés diferenciados, produzidos dentro de normas de qualidade, são exigência cada vez maior do consumidor

JAIR AMARAL

c m y k

CYAN MAGENTA AM